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ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO: REFLEXÕES SOBRE


CONCEPÇÕES E PRÁTICAS

ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO: CONCEPÇÕES E PRÁTICAS

RESUMO: Este artigo resulta de um estudo qualitativo, de caráter exploratório, cujo objetivo
foi investigar o alcance e a ressonância para alunos e professores da proposta de atendimento
de um Programa de Altas Habilidades/Superdotação, ofertado na Educação Básica. A amostra
foi composta por dois professores e seis alunos do referido Programa. Compuseram a análise
categorias referentes a conceitos e concepções, ingresso e participação, expectativas e
prioridades, além de possíveis perspectivas e limites sobre a participação. Os resultados
apontam controvérsias sobre conceitos e concepções alinhados aos preceitos apregoados tanto
pelos teóricos contemporâneos, como pelos que já defendiam tal proposta nas primeiras
décadas do século XX, no Brasil. Demarcam ainda que as expectativas e prioridades são
pouco relevantes para alunos e que alguns limites são reconhecidos tanto pelos alunos como
pelos professores. De modo geral, foi possível averiguar que o alcance e as ressonâncias da
participação no Programa não estão a contento, tanto para alunos como para professores. A
proposta de oferecer somente a alguns uma educação diferenciada dentro de um sistema
educacional que apregoa oportunidades iguais, embora assentado em condições desiguais,
seria uma inclusão às avessas. Tal questão, no limite, pode avigorar o preconceito e a
discriminação, visto que essa forma de investimento não garante o retorno coletivo almejado,
sobretudo, por vivermos em uma sociedade que se pauta na lógica da apropriação
individual. Uma educação de qualidade a todos os alunos seria um contraponto à lógica da
desigualdade e da exclusão que se evidencia no cotidiano escolar.

PALAVRAS-CHAVE: Educação especial. Altas habilidades. Superdotação. Sala de


recursos. Eugenia.

TALENTED/GIFTEDNESS: REFLECTIONS ON CONCEPTIONS AND


PRACTICES

ABSTRACT: This article is the result of a qualitative study, of an exploratory nature, with
the objective of investigating the reach and impact on students and teachers of the proposed
service offered by a Gifted and Talented Education Program, offered in Basic Education. The
sample consisted of two teachers and six students of the aforementioned program. The
analysis consisted of categories regarding concepts and conceptions, intake and participation,
expectations and priorities, in addition to possible perspectives and limits on participation.
The results point out controversies on concepts and conceptions aligned to the precepts
promoted both by contemporary theoreticians and by those who already defended this
proposal in the early decades of the 20th century in Brazil. They also outlined that expectations
and priorities have little relevance for students, and that some limits are acknowledged by
students and teachers alike. Overall, it was possible to examine that the reach and impact of
participating in the program are not satisfactory, neither to students nor teachers. The proposal
of offering a differentiated education to a select few within an educational system that
endorses equal opportunities – although based on unequal conditions – would be backwards
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inclusion. This issue, in its limit, can strengthen prejudice and discrimination, given that this
form of investment does not guarantee the expected collective return, particularly because we
live in a society based on the logic of individual appropriation. Quality education for all
students would be a counterpoint to the logic of inequality and exclusion that is evidenced in
the school day-to-day.

PALAVRAS-CHAVE: Special education. Highly talented. Giftedness. Resource room.


Eugenics.

1 INTRODUÇÃO
Buscando tecer algumas reflexões sobre o atendimento educacional oferecido às
pessoas consideradas com altas habilidades/superdotação (AH/SD), entendemos necessário
fazermos uma ressalva inicial esclarecendo que não trataremos do conceito de AH/SD no
sentido de negá-lo e, nem tampouco, de reafirmá-lo. Outrossim, em função de tantos debates,
polêmicas e contestações existentes em torno dele, estimamos que este seja um tema
relevante, porém também controverso.
Um exemplo emblemático de como esta questão ainda suscita muitas discussões é
trazido por um dos mais conceituados estudiosos da área, o psicólogo americano Joseph
Renzulli. Em um de seus estudos mais recentes, ele afirma que depois de pesquisar por mais
de 30 anos passou a “defender uma mudança fundamental nas formas como nós acreditamos
que deveria ser visualizado o conceito de superdotação”. Em suas palavras:
Acreditamos que essa mudança deveria ocorrer, passando do tradicional
conceito de “ser superdotado” (ou não ser superdotado) para uma
preocupação com o desenvolvimento de comportamentos superdotados e
criativos nos alunos que apresentam um elevado potencial para beneficiar-se
de oportunidades educacionais especiais, assim como de alguns tipos de
enriquecimento para todos os alunos [...]. A nossa meta final é o
desenvolvimento de um programa de enriquecimento para toda a escola que
beneficie a todos os alunos e se concentre em tornar as escolas lugares para
o desenvolvimento do talento em todos os jovens (RENZULLI, 2014, p. 544-
545, grifo nosso).

Tendo como referências produções científicas recentes (ALENCAR, 1992:


GUIMARÃES; OUROFINO, 2007; CAMARGO; FREITAS, 2013), além de estudos
considerados clássicos (KASEFF, 1931; PINTO, 1933; ANTIPOFF, 1973/1992; NOVAES,
1979) sobre esta temática intentamos, à luz da legislação que ampara as políticas públicas
para a Educação/Educação Especial, investigar o alcance e a ressonância da proposta de
atendimento do Programa de AH/SD, para professores e alunos do referido Programa. Como
forma de circunscrever nossa discussão a este aspecto específico, teremos como recorte o
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Programa de AH/SD desenvolvido em uma escola de Educação Básica no município de


*****, localizado no Estado do *****. Interessa-nos mais de perto refletir sobre algumas
questões, quais sejam: o Programa tem atendido as expectativas particulares, e mesmo
coletivas, de professores e alunos? É possível nele perceber resultados efetivos? Como
professores e alunos se situam em relação a ele? Quais os alcances ou abrangência obtidos?
Que ressonâncias traz/trouxe para a vida escolar, pessoal e/ou profissional destas pessoas?
Embora diferentes homens em diferentes épocas já tenham colocado em discussão
a questão da superdotação, em nosso entender, ainda há muito a ser pesquisado e debatido
sobre o assunto. Em referência a isso, afirma um provérbio português que “quem é bom já
nasce feito”. Essa é uma asseveração que pode suscitar muitas concordâncias e discordâncias.
Sem querer entrar no terreno das concepções eugenistas, mas buscando lançar um olhar sobre
esta discussão, a visão segundo a qual o ser humano nasceria “pronto” se faz corrente desde
tempos remotos, porém, não sem questionamentos.
Na Grécia Antiga em A República Platão usa os termos “intelecto dotado” e
“crianças de alma de ouro” para se referir aquelas crianças a quem ele considerava possuírem
inteligência superior e que, em vista disso, deveriam receber tratamento diferenciado por
terem potencial para receber educação filosófica e serem os líderes do Estado (PLATÃO,
2006).
Caminhando a passos largos na história da humanidade, na era moderna podemos
localizar várias tentativas de se identificar os considerados “mais capazes” (FREEMAN;
GUENTHER, 2000). Tal esforço passou a ser justificado como um meio para que se pudesse,
a partir de certa seleção, identificar aqueles que se colocariam “em proveito da humanidade”
(SILVA, 1981, p. 87).
As primeiras experiências efetivas de avaliação das capacidades mentais data do
século XIX com os experimentos do cientista inglês Francis Galton (1822-1911) com a
publicação de Hereditary Genius e se concretiza em 1905 quando, na França, Alfred Binet
(1857-1911) e Theodore Simon (1872-1961) sistematizam o primeiro teste moderno de
inteligência (SILVA, 2002). Desse período em diante, assentado em conceitos advindos de
teorias que tinham na eugenia os princípios e os argumentos para identificar os tipos
superiores e inferiores, floresce em muitos países um movimento em prol da aferição das
capacidades individuais visando “a seleção das melhores espécies” por meio da “mensuração
das imperfeições” (BOARINI, 2003, p. 30).
Em função desse ideal, no Brasil muitos estudos foram empreendidos sobre a
criança em fase de escolarização no que diz respeito, por exemplo, ao uso de testes
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psicológicos para aferição da inteligência (LOPES, 1925); o ajustamento da criança com


inteligência muito elevada (LOPES, 1930); a educação dos “super-normaes” (KASEFF, 1931;
LEME LOPES, 1932); educação dos “bem dotados” (ANTIPOFF, 1973/1992), entre outros.
Em relação aos “super-normaes” ou “bem dotados”, julgavam eles que o Estado deveria
oferecer educação gratuita aos que não tinham condições de custear seus próprios estudos, já
que naquele período a escola pública e gratuita ainda não era abrangente.
Nesta perspectiva, Lemes Lopes (1932, p. 169) acentua que o “aproveitamento
integral” dos “super-normaes” deveria ser “um imperativo categórico” para a Nação, visto que
“[...] se deposita grandes esperanças numa futura humanidade mais desenvolvida, de que o
gênio é uma manifestação preparatória, antecipada e esporádica”. Para tanto, ela conclamava
que houvesse “[...] justiça social aos bem-dotados desprovidos de recurso para a sua educação
completa, indica como tornar realidade a promessa imensa que eles representam”.
Ao longo das décadas seguintes muitos esforços foram empreendidos em termos
de se ofertar educação escolar a todos os brasileiros, independentemente de sua condição
social ou “nível de inteligência”, primeiro pelas mãos dos integrantes do movimento
nacionalista ainda na década de 1920 e, posteriormente, pelos adeptos do movimento da
Escola Nova (NAGLE, 1976). Atualmente tais empreendimentos, na letra da lei, é uma
realidade.
Concomitantemente, foi sendo incluído na legislação o atendimento às crianças
consideradas com necessidades educativas especiais (BRASIL, 1996, 2001, 2008),
denominados, ainda na década de 1930, pela psicóloga e educadora russa Helena Antipoff
(1892-1974) de “excepcionais” e “bem-dotados”. Estes últimos eram considerados por ela
como “juventude de elite” (ANTIPOFF, 1973/1992, p. 55). Hoje são denominados alunos
com “altas habilidades/superdotação” (BRASIL, 2008).
Transcorridas algumas décadas e, já no século XXI, no Parecer n. 17/2001 que
instituiu as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, passou a ser
recomendado que as escolas atendessem os alunos com altas habilidades/superdotação em
“sala de recursos ou em outros espaços definidos pelos sistemas de ensino” (BRASIL, 2001,
p. 3, grifo nosso).
No Estado do Paraná tal recomendação passou a ser efetivada com a implantação,
em 2003, da primeira Sala de Recursos “para atendimento a alunos com AH/SD”, na cidade
de Curitiba. Em 2005 e 2006 foram implantadas outras Salas de Recursos nos municípios de
Londrina, Maringá e Fazenda Rio Grande (BRANDÃO, 2007).
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Brandão (2007, p. 40) assevera que, conforme a Instrução n. 02/03, a Sala de


Recursos é um serviço de caráter pedagógico
[...] que suplementa (no caso dos superdotados) e complementa (para os
demais alunos) o atendimento educacional realizado em classes comuns da
educação básica. Esse serviço realiza-se em escolas, em local dotado de
equipamentos e recursos pedagógicos adequados às necessidades
educacionais especiais dos alunos, podendo estender-se a alunos de escolas
próximas, nas quais ainda não exista esse atendimento. Pode ser realizado
individualmente ou em pequenos grupos, para alunos que apresentem
necessidades educacionais especiais semelhantes, em horário diferente
daquele em que frequentam a classe comum.

Como forma de ampliar e apoiar as propostas pedagógicas defendidas para este


segmento da Educação Especial e criar espaços institucionais para prestar o atendimento
educacional especializado, o Ministério da Educação via Secretaria de Educação Especial –
SEESP, lançou em 2005 o Programa Núcleos de Atividades de Altas
Habilidades/Superdotação – NAAH/S visando ampliar o número de matrículas na área de
altas habilidades/superdotação, visto que tal atendimento estaria “muito aquém do desejável”
em termos quantitativos. (BRASIL, 2005, p. 14).
Em 2007, em parceria com as Secretarias de Educação, o NAAH/S foi implantado
em todas as Unidades da Federação. Concomitantemente foi elaborada, em conjunto com
especialistas na área, uma coletânea composta por quatro volumes de livros didático-
pedagógicos, visando formar professores e profissionais da educação para identificar os
alunos com altas habilidades/superdotação. Na introdução do primeiro volume desta
coletânea, fazendo alusão a personagens da história tais como Issac Newton, Leonardo da
Vinci, Charles Darwin, entre outros, Virgolim (2007, p. 09) assinala que geralmente “chama-
se a atenção, nos dias atuais, para o fato de que essas mentes extraordinárias, a despeito de
suas potencialidades genéticas, não nasceram inteiramente prontas” (grifo nosso).
Sobre esta afirmação várias questões podem ser extraídas. Uma delas, por
exemplo, é que se acredita que algumas pessoas teriam um potencial intelectual genético mais
elevado do que outras e que este adviria de fatores inatos ou hereditários. Sem entrar no
mérito de como são realizadas tais avaliações, quando buscamos mensurar ou quantificar
determinadas características consideradas inatas nos seres humanos partimos do pressuposto
que elas existem enquanto manifestação a priori, independentemente de questões ambientais,
sociais, pedagógicas, emocionais, políticas, econômicas ou mesmo ideológicas. Além disso,
ao estabelecermos índices de desempenho para classificar fatores considerados mensuráveis,
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estaremos buscando parear os iguais entre si e separar a diferença, de modo a promover uma
tentativa de homogeneização e, ao mesmo tempo, de segregação.
Esta tentativa de separação de alunos em “fracos” e “fortes” não é novidade no
cenário educacional brasileiro. Igualmente, podemos localizá-la ainda no início do século XX
quando, pela crença nas diferenças individuais, buscava-se formar classes homogêneas o que
seria, segundo Roxo (1925, p. 05), uma forma de realizar a “profilaxia mental” que se daria
pela “separação de acordo com o desenvolvimento intelectual”.
De fato, questões como estas fazem lembrar encaminhamentos do passado
quando, no início do século XX, buscava-se agrupar os alunos mais capazes em turmas
específicas pela ótica de uma suposta diferença de capacidade. Porém, os tempos são outros.
O registro da história indica que já produzimos conhecimentos o bastante para rejeitarmos
qualquer tipo de discriminação que possa estimular um apartheid pela via das diferenças
individuais. Entendemos que tal apartheid seria um contrassenso para o processo de inclusão
educacional.
Tais questões, concretamente observadas nos programas atuais que propõem a
detecção e a orientação às pessoas consideradas superdotadas, podem surpreender ou causar
estranhamento quando se concebe que, na contemporaneidade, há de forma vigorosa a defesa
de um movimento de inclusão educacional. Se tal movimento visa, entre outras coisas,
superar a segregação e fortalecer a crença na educação como importante instrumento de
desenvolvimento cultural e de humanização (DUARTE, 1999), parece não haver sentido
separar os indivíduos por categorias cognitivas. Em tempos de inclusão estes procedimentos
de separar os “mais inteligentes” ou “superdotados”, salvo engano, poderão produzir outras
formas de exclusão.
Em função de tais inquietações interessa-nos ponderar se esse tipo de atendimento
preconizado a esta clientela em Salas de Recursos na área de AH/SD guardaria alguma
verossimilhança com os ideais almejados no passado. Nesse sentido, que embasamentos
encontram as propostas atuais que dá sinais de aproximação da intenção de separar os
“fracos” e os “fortes”, conforme propostas passadas? Que frutos tais experiências poderiam
ter dado ao ponto de insistirmos nesta prática com a justificativa de usufruir de seus talentos
para o bem da Nação? Que retornos esperamos à sociedade? É possível vislumbrar um retorno
coletivo numa sociedade assentada na lógica da apropriação individual?
Nesse caso, transcorrida mais de uma década desde a criação do Programa de
AH/SD na legislação educacional brasileira, muitos impasses permanecem. Imbuídos dessa
inquietação, na prática, fomos a campo visando investigar os alcances e a ressonância da
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viabilização da proposta de atendimento do Programa de AH/SD para alunos e professores de


uma escola pública de Educação Básica. Com este intuito, demos voz aos diretamente nele
envolvidos.

2 MÉTODO
Visando atingir os objetivos propostos desenvolvemos uma pesquisa de campo de
caráter exploratório e de cunho qualitativo. À luz das políticas públicas para a área da
Educação/Educação Especial e da literatura produzida sobre o assunto, analisamos como é
instituído o Programa de AH/SD em uma escola de Educação Básica da cidade de ******,
situada no Estado do *******.
A escola na qual o Programa é desenvolvido pertence a rede estadual de ensino e
ao Núcleo Regional de Educação de ****, da cidade de ****. Oferece Ensino Fundamental
(anos finais) e Ensino Médio, além de Educação de Jovens e Adultos, Educação Especial e
Atividades Complementares (CELEM, outros), perfazendo um total de 2.659 matrículas
distribuídas em 103 turmas. Destas, duas são turmas do Programa de AH/SD, sendo uma
ofertada no período matutino (com 11 alunos matriculados) e outra no vespertino (com 07
alunos matriculados)1.
Os participantes do estudo foram os 02 (dois) professores do Programa de
AH/SD; 03 alunos que frequentavam o Programa no ano 2014 e 03 egressos do mesmo. A
escolha dos sujeitos se deu pelo número total dos professores e pela terça parte dos alunos
assíduos (09) ao Programa (embora 18 sejam matriculados), segundo indicação dos
professores. Como forma de facilitar a apresentação dos resultados, os sujeitos foram
identificados da seguinte maneira: professores (P1, P2); alunos atuais (AA1, AA2, AA3);
alunos egressos por conclusão do ensino médio (AE1, AE2) e aluno egresso por desistência
do Programa (AE3).
No que tange aos procedimentos e técnicas para coleta de dados, foram realizadas
entrevistas semi-estruturadas, a partir de roteiros diferenciados para os diversos segmentos
participantes do estudo (professores, alunos atuais e alunos egressos por conclusão do ensino
médio ou por desistência). Como forma de sistematizar as análises foram definidas categorias
segundo a Análise de Conteúdo (BARDIN, 2011). Para tanto, foram seguimos os passos: a)
transcrição das falas dos sujeitos, na íntegra; b) busca de identificadores para interpretação

1 ?
Os dados que se seguem foram retirados do site em questão
http://www.consultaescolas.pr.gov.br/consultaescolas/f/fcls/escola/visao indicado pela equipe de coordenação da
referida escola.
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dos dados; c) construção de categorias de análise por semelhanças ou por diferenciação de


acordo com as temáticas encontradas.
Como recurso didático para a apresentação dos resultados foram extraídos
excertos das entrevistas visando salientar pontos em comum vivenciados pelos entrevistados,
destacando particularidades a respeito de suas experiências ou de questões que estes
demandavam.
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos
da xxxxxxxxxx (Parecer n. 785.626/2014).

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Buscando investigar os possíveis alcances, bem como as ressonâncias da
viabilização do Programa de AH/SD, para alunos e professores, analisamos as categorias
destacadas a seguir.

3.1 Conceitos e Concepções


Em termos de definições e entendimentos sobre o que é o Programa de AH/SD
um dos alunos egressos expôs que “O que era nos dito é que eles tinham que tratar a gente
sabendo que a gente tinha potencial maior” (AE1, p. 01). A professora deu a seguinte
explicação: “a intenção é que realmente essas crianças sejam pesquisadores, sejam cientistas,
sejam realmente alguém que dá um retorno para a sociedade (...) porque, eu acho que o
governo pensa: onde estão esses meninos bons, então vamos tentar investir nisso” (P1, p. 02).
A visão desta educadora faz lembrar a obra Walden II: uma sociedade do futuro
(SKINNER, 1972) na qual o autor apresenta uma sociedade experimental onde todas as
condutas humanas poderiam ser testadas, conservadas ou modificadas em prol de uma
harmonia coletiva. Igualmente, tal concepção coaduna com a preocupação expressada, ainda
no início do século XX, pelo educador Lourenço Filho (1897-1970). Prefaciando o livro O
problema da educação dos bem dotados (PINTO, 1933) ele deposita alta expectativa em
pessoas que teriam nascido com inteligência superior e conclama as nações a substituir os
“gastos no plano da luta armada, para o plano da melhoria do pensamento e das técnicas de
produção”. Para tanto, ele afirma que não bastaria um programa de cultura que fosse
oferecido às massas, pois “será preciso selecionar, nessa massa, desde muito cedo, os
indivíduos mais capazes, com os quais se prepare uma sementeira de técnicos e guias, que
descortinem a cada nacionalidade e, pois, à humanidade um futuro melhor” (LOURENÇO
FILHO, 1933, p. 3, grifo nosso).
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Esta afirmação, feita há quase um século, expressa uma visão idealizada de


sociedade e de homem, segundo a qual, os bem dotados, sendo devidamente identificados,
teriam a missão de dirigir as nações em prol de um interesse coletivo. Essa crença atravessou
o século XX, persistindo no século XXI a ideia de que estas pessoas sejam uma “riqueza
nacional” (GAMA, 2013, p. 175) ou “núcleos de individualidades em destaque”, tal qual
afirmava KEHL (1935, p. 237).
Um dos alunos, ao ser indagado sobre se considerava a questão das AH/SD como
uma condição inata, responde: “Não sei, mas acredito que sim” (AE1, p. 03). Mas, ao mesmo
tempo, acrescenta: “Meus pais sempre me apoiaram nos meus interesses e eu sempre fui bem
em exatas, sempre gostei (...) eu sempre gostei de aprender” (AE1, p. 03). Outra aluna
também expressa essa incerteza: “Deve ser alguma coisa talvez relacionada talvez a
genética... não sei... é uma coisa difícil de saber” (p. 04). E, sobre sua preferência por
instrumentos de corda, ela acrescenta: “Desde criança eu era influenciada... tinha bateria,
aqueles violõezinhos de brinquedo” (AE3, p. 04). Concordando com esta visão uma
professora pontua: “O que eu penso é que a genética influencia (...) mas, eu acredito que o
estímulo do meio, a criança desde pequenininha estar exposta ao conhecimento, a estes
estímulos, influencia muito” (P2, p. 04). A outra professora tem algumas dúvidas sobre o
tema o qual considera controverso, mas acredita que seja algo inato, visto que “essa
predisposição que a criança tem é algo que nasce, que já vem com ela, o cognitivo já é algo
que, ela já nasce com ele, então o meio é que vai estar desenvolvendo” (P1, p. 03).
Entre certezas ou, na falta delas, todos concordam em um ponto: tais pessoas
receberam, de uma forma ou de outra, investimentos e incentivos e tiveram acesso a
oportunidades que, no limite, podem fazer diferença tanto em relação ao desempenho
acadêmico como também na questão do interesse por esta ou aquela área do conhecimento.

3.2 Ingresso e Participação


Ao ser solicitada a falar sobre o ingresso do aluno no Programa, uma das
professoras explica que faz parcerias com os professores da classe comum. Um dos alunos
confirma que seu professor de matemática foi o responsável pelo seu ingresso, afirmando:
“ele ficou sabendo do programa e selecionou os melhores alunos da turma dele e como ele via
que eu tinha mais conhecimentos ele me indicou” (AA1, p. 03). Outro aluno explica o porquê
de ter sido indicado pela professora de ciências: “Porque, tipo assim, a gente era bem
comportado e fazia todas as atividades tudo certinho” (AA3, p. 04). Um dos egressos também
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se lembra como foi seu ingresso: “minha professora de física e de matemática indicaram os
melhores alunos, os possíveis alunos para esse projeto e daí eu fui um dos escolhidos” (AE1,
p. 02).
Como uma segunda etapa dessa avaliação a professora (P1) acrescenta que tem
uma conversa informal com o aluno e, em seguida, faz uma avaliação formal com entrevistas
e atividades lúdicas e acadêmicas e vai acompanhando o aluno para confirmar se há
indicativos de superdotação. Pelos depoimentos percebe-se que o peso maior na avaliação
para ingresso é dado ao professor da classe comum que é quem indica o aluno para participar
do Programa.
Segundo a Associação Paulista para Altas Habilidades/Superdotação (APAHSD),
a Organização Mundial da Saúde (OMS) refere uma porcentagem de 5% pessoas com AH/SD
em qualquer população, considerando apenas as habilidades cognitivas. Porém, se forem
consideradas as habilidades artísticas, musicais, entre outras, este índice subiria para 10%, em
média (FATOS..., s/d).
Se considerarmos o número de alunos da escola em tela (2392) teríamos de 119 a
239 alunos com AH/SD. Porém, o número de matriculados no Programa é de 18 distribuídos
em dois turnos. Sendo assim, fica a inquietação: tais alunos não foram identificados por seus
professores ou não quiseram dele participar? Segundo Mariz (2012) o Brasil não identifica
adequadamente suas “mentes brilhantes”, pois de cada criança ou adolescente identificado,
existem 140 anônimos. Sendo assim, em 2012 havia 9.208 matriculas na rede pública ou
privada em todos os níveis de ensino, quando poderiam ser 1.289.120 matriculados. Sobre tal
questão, Pérez e Freitas (2011) advertem que os dados dos censos escolares refletem esta
realidade, ou seja, que o número de matriculados no Programa de AH/SD ainda está aquém do
esperado.
Dentre aqueles que participam do Programa, ao ser solicitado a descrever as
atividades que realiza, o aluno AA2 afirma: “a gente faz projetos” (p. 04). O aluno AA3 tenta
elencar os temas dos projetos dos colegas: “para este ano o fulano está fazendo sobre os
mistérios da mente, o cicrano... acho que está fazendo sobre a evolução” (p. 03). Mas, sobre
seu próprio projeto ele declara: “eu não me lembro agora, porque faz um tempinho que não
mexo, porque eu faltei. Mas é... eu acho que eu estou fazendo sobre tecnologia (p. 04)”. E
assevera: “eu acho” (p. 04).
Esta forma de trabalho por meio de projetos é uma das orientações contidas na
Instrução n. 016/2008 (PARANÁ, 2008, p. 01) pela qual o planejamento de ser feito “de
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acordo com o trabalho desenvolvido pelo aluno ou grupo, objetivando a suplementação


curricular”.
Não obstante, para alguns alunos este Programa funciona com um reforço escolar
do que é estudado na classe comum. Sobre isso o aluno AA3 ilustra: “quando eu tenho
alguma dúvida eu venho aqui e peço ajuda para a professora (P2) e daí eu consigo continuar...
aí eu entendo” (p. 05). Um dos egressos (AE1) acredita que o Programa tenha lhe
proporcionado horas a mais de estudo e isto, segundo ele, foi primordial: “é também a questão
do ensino integral porque eu tive essa oportunidade... enquanto todo mundo, enquanto todos
os meus amigos só tinham aula de manhã eu tinha aula no contra turno” (p. 06). E recomenda:
“essa é uma ideia que tem que ser desenvolvida, você ter aula nos dois períodos” (AE1, p.
06). Tal solicitação vai ao encontro da asseveração de Renzulli (2014, p. 548) ao defender o
enriquecimento pedagógico na escola, afirmando que a mesma deve “oferecer experiências de
aprendizagem desafiadoras para todos os alunos”.
Nesse caso, além de esses alunos valorizarem o investimento que neles é feito,
eles ainda reconhecem que ter momentos exclusivos para tirar dúvidas ou ter um tempo maior
de atividades diferenciadas pode lhes garantir maiores avanços na aprendizagem.

3.3 Expectativas e Prioridades


É certo que estudar algumas horas a mais e de uma forma diferenciada, com
atividades lúdicas, possa ser algo bastante satisfatório. Isso é confirmado pela professora ao
afirmar que “a Sala de Recursos, às vezes, é o único espaço que o aluno tem para fazer o que
ele quer, fazer o lúdico, fazer o que ele quer de uma forma livre” (P1, p. 07).
Refletindo sobre sua participação um dos alunos afirma: “acho que aqui a gente
fica mais a vontade. Acho que aqui é mais aberto. Lá também é (na classe comum), mas tem
mais controle e lá a gente tem que aprender aquilo. Tipo é aquilo ali. É chato” (AA2, p. 05).
Enfatizando a flexibilidade de tempo outra egressa diz: “ali era um momento com poucas
pessoas e que tinha tempo para isso” (AE2, p. 03). Sobre a oportunidade de frequentar horas a
mais de estudo com atividades diferenciadas um aluno egresso lamenta que outros não
tiveram a mesma chance: “foi uma sorte minha, mas outros não tiveram essa oportunidade.
Isso que aconteceu comigo poderia ter acontecido com outros” (AE1, p. 04).
Comparando a classe comum com a Sala de Recursos um dos alunos atuais diz:
“tem bastante atividade que eu acho que os professores podiam passar lá na sala de aula (...)
podiam tirar ideia daqui” (AA3, p. 05). Destacando as diferenças entre as duas modalidades
de ensino, ele complementa: “eu acho que por não ter tanta gente, não ficar aquela bagunça a
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gente entende melhor o que eles explicam e lá na sala de aula” (p. 06). Com esta observação
ele acaba apontando questões que estão fortemente presentes no cotidiano escolar, tais como,
a indisciplina escolar e o papel do professor como fatores desencadeadores de desinteresse
e/ou desmotivação, tanto de alunos como também de professores. Tais temas, vastamente
debatidos por diversos estudiosos (REGO, 1996; AQUINO, 1998; BOARINI, 2013), apontam
que questões como essas, certamente, influenciam no cotidiano da sala de aula.
Porém, mesmo sendo bem aceito pelos alunos, o Programa não é uma prioridade e
a evasão é uma realidade. Sobre isso, um aluno explica que talvez tenha que sair: “eu não sei
por enquanto (...) tem bastante estudo ali na sala de aula (classe comum) e a exigência é
grande. Por isso eu não sei se eu vou continuar por causa dos estudos” (AA2, p. 06). Outro
também diz que “tem que levar em consideração que tem as outras disciplinas” (AA3, p. 05).
A professora (P2) também percebe a dificuldade de continuidade em função do “Programa de
Avaliação Seriada (PAS), vestibular” e desabafa: “às vezes a gente se programa para oferecer
alguma coisa, mas eles estão com muitos trabalhos, com muitas provas e o interesse está
voltado para isso, então a gente esbarra em muitas coisas que a gente não consegue ir além”
(P2, p. 08).
Tecendo reflexões sobre o papel e a atuação do NAAH/S nos estados e municípios
brasileiros Pérez e Freitas (2011, p. 121) ressaltam que há uma “invisibilidade no
atendimento” a esta clientela, pois a função de “promover a supervisão, acompanhamento,
orientação e avaliação do funcionamento dos programas e serviços do NAAH/S” extinguiu-
se.

3.4 Perspectivas Futuras


Todos os entrevistados concordam que as atividades realizadas na Sala de
Recursos são interessantes. A respeito disso um dos egressos afirma que ali “várias coisas
fogem um pouco da caixa da escola que é muito centrada” (AE1, p. 06). Sobre isso, a
professora explica que: “você trabalha com alunos no centro de interesse deles. Aqui você
trabalha com aquilo que eles gostam de fazer, com aquilo que eles gostam de pesquisar” (p.
09). E avalia: “eles tem prazer em estar aqui e eles querem aprender. Então isso é um ponto
muito positivo” (P2, p. 09).
Os alunos explicam que trabalham ou trabalharam com projetos que envolvem
“jogos on line”, confecção de um “telescópio” (AA1, p. 02), “reciclagem” de resíduos,
confecção de “um livro” (AE2, p. 02), “jogos de raciocínio lógico” (AA3, p. 03), “problemas
de geometria, jogos de tabuleiro” (AE1, p. 02), “aula de violão” (AE3, p. 03), entre outros.
13

Tais atividades, em geral, consideradas por eles como muito desafiadoras, em


alguns casos foram fatores motivadores para a escolha de uma carreira profissional. Porém,
para uma das egressas a escolha da carreira profissional veio pelas experiências que adquiriu
no ensino médio, mas não exatamente na Sala de Recursos, visto que foi selecionada a
participar do Programa pela afinidade na área de matemática, mas optou por cursar
Publicidade e Propaganda no ensino superior. Sobre tal escolha, ela relembra que surgiu de
uma experiência com edição de vídeo que tiveram “na matéria de português” (AE2, p. 06).
Ainda destacando alguns exemplos de escolhas ou perspectivas profissionais, embora
gostando bastante de lidar com questões que explorem a “mente humana” um dos alunos
atuais sonha em trabalhar com a área de “cozinha”, pois acha “legal restaurante” (AA2, p. 05).
Alheia a estas variáveis, a professora nutre expectativas que giram em torno daquilo que ela
almeja: “minha perspectiva pessoal é que possa ajudá-los de alguma forma a se desenvolver e
seguir uma carreira, entrar na faculdade, dar continuidade aos estudos, ser um pesquisador”
(p. 09). Em seguida, com certo pesar, relata a situação de um ex-aluno “que poderia ir muito
além, mas que ficou no ensino médio. Um conhecimento raso, sendo balconista de uma loja.
Ele teria conhecimento e potencialidades para ir muito além” (P2, p. 09).
 Essa forma de pensar pautada no objetivo de investir de forma diferenciada em
algumas pessoas para, supostamente poder usufruir de seus talentos em termos de retornos à
coletividade, era uma marca bastante presente no início do século XX, principalmente entre
aqueles que nutriam a crença na existência de superioridade de alguns tipos biológicos sobre
outros, almejando ações de “regeneração eugênica” (KEHL, 1935, p. 235).
Assim, parece provável que participar do Programa poderia fazer a diferença para
a escolha de uma profissão, ou não, já que além do fator habilidade (inata ou adquirida) ou
desenvolvimento em determinada área, outros fatores interferem nessa questão. Pelo sim, pelo
não, se a participação no Programa fez ou fará diferença para alguns desses alunos, a sua
participação em outras atividades diferenciadas promovidas pela escola, ou mesmo por
iniciativa ou influência da família, no sentido de proporcionar oportunidades, incentivo e
apoio ou mesmo outro fator externo, também pode ter esse mesmo efeito.

3.5 Limites e Frustrações


Em geral, os alunos afirmam gostar ou que gostavam de frequentar o Programa de
AH/SD, embora tenham reconhecido, sem exceção, diversas dificuldades. Uma delas se refere
à falta de material de apoio. É o que relata um dos alunos ao afirmar que “aqui na sala de altas
habilidades não tem recursos. Eu trago meu notebook para fazer. E os outros meninos, tinha
14

tipo assim, sete meninos, desistiu quase tudo” (p. 06). Sobre a falta desse tipo de recurso ele
ainda explica que “ali o sistema é Linux que é mais velho que eu e para baixar programa de
construir jogo, construir outros software, não dá porque é bloqueado” (AA1, p. 06).
Confirmando tais apontamentos Albuquerque (2008), ao estudar o funcionamento
das Salas de Recursos, constatou que os recursos são poucos e o espaço físico e o suporte
pedagógico inadequado e conclui que esta escassez de condições limita as atividades do
professor e o envolvimento dos alunos.
Porém, mesmo diante de tantos empecilhos a professora (P2) ainda se mantém
motivada: “com os esforços tanto nossos quanto da direção e da equipe pedagógica, na
medida do possível tudo o que a gente necessita a gente consegue. Não no prazo que a gente
às vezes gostaria que fosse, mas a gente consegue” (P2, p. 09).
A outra professora é mais enfática ao expressar os desafios que enfrenta no
cotidiano do trabalho, tais como “falta de apoio, falta de material, material didático mesmo,
pedagógico” (P1, p. 07). E complementa: “nós não temos recursos, mesmo pedagógicos,
material didático, computadores, falta livros para trabalho com literatura” (p. 07). E avalia: “a
molecada hoje quer coisa diferente” (p. 07). Com isso ela expõe uma dura realidade: é
responsável por uma Sala de Recursos que não dispõe de recursos para atender aos requisitos
do Programa. Tais recursos, previstos na legislação (BRASIL, 2009), deveriam ser
assegurados de forma ampla e irrestrita. Corroborando tal questão, Camargo e Freitas (2013,
p. 07) afirmam que todos os seres humanos têm potenciais e que “os limites de realização
desses potenciais dependem da motivação, da qualidade de ensino, dos recursos disponíveis e
assim por diante”.
Este e outros fatores levam a professora a expressar algumas frustrações: “Tenho
uma angústia assim, eu gostaria que fosse algo mais definido. Às vezes aqui na Sala de
Recursos o aluno funciona no pequeno. Ele pega muito a questão do lúdico mesmo, o que é
prazeroso e não tem esse compromisso com o horário, com notas” (P1, p. 08). E sobre isso ela
tece algumas reflexões: “eu acho que o trabalho, ele ajuda, o conhecimento ele é construção,
ele ajuda, mas eu acredito que não seja, não resolve” (p. 08). E desabafa: “eu achava que eu ia
formar esses meninos, que esses meninos iam ser cientistas do futuro e depois sabe a gente vê
que não é bem assim” (P1, p. 08). Um egresso acredita que tais atividades não poderiam se
restringir apenas a alguns alunos, mas que tal participação “teria que ser incentivada para todo
mundo que tem interesse de participar” (AE1, p. 06).
Com uma experiência de cinco anos no Programa a professora o avalia: “da forma
como está penso que não traz excelentes resultados” (p. 09). E se isenta de certezas: “o aluno
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passa pelo Programa, mas eu não sei se ele vai em frente, se isso vai trazer algum retorno na
vida adulta” (P1, p. 09). Além da falta de resultados práticos ela ainda teme repercussões para
a autoimagem do aluno. Por isso ela procura “não rotular, não colocar estigma no aluno” (p.
08) e evita usar o termo superdotado, se referindo ao Programa da seguinte forma: “esse
programa é de enriquecimento curricular. Você vai ter oportunidade de aumentar seu
potencial, porque você tem uma facilidade de aumentar seu conhecimento” (p. 08). E
justifica: “eu vou usando estes termos para não criar aquele status” (P1, p. 08). Mesmo assim,
vez ou outra, percebe atitudes indesejáveis, visto que “quando o aluno é pequeno, quando
você convidava para esta sala tinha aluno que se sentia o máximo, o último biscoito do pacote
e chegava na sala lá no regular e falava barbárie para os coleguinhas, humilhava, tripudiava”
(p. 08). Por outro lado, geralmente quando o aluno é mais velho, pode ocorrer o oposto. É o
que ela expõe: “Eu também tive outros casos. Vários casos de alunos que chegou aqui no 2º,
3º ano (do ensino médio) que já começou a ter namorada aquela coisa toda” (p. 09). Com isso
“já começa a se sentir mal de ir para a sala porque (...) eles começam a se sentir excluídos.
Excluídos e assim... envergonhados” (p. 09). E assevera: “São poucos que se sentem bem.
Eles ficam envergonhados por participar. Isso também eu consegui perceber nesse pouco
tempo de altas habilidades” (P1, p. 09). Suas palavras fazem lembrar o que Bourdieu (1990)
denominou de “excluídos do interior”. Nesta mesma perspectiva, Harlos, Denari e Orlando
(2014, p. 505), discutindo sobre o papel das Salas de Recursos enquanto espaços de atuação
da Educação Especial questionam os motivos de tais serviços serem “o lócus preferencial da
Educação Especial” e a razão pela qual os recursos e serviços que estas Salas oferecem “não
estão nas salas de aulas regulares reconfigurando práticas historicamente desenvolvidas para
um padrão inexistente de homogêneos alunos”, preservando assim a “antinomia entre ensino
regular e Educação Especial”.
Com um olhar atento a estas questões e às repercussões de sua atuação, esta
professora considera que os dois lados da questão são delicados. Ou seja, tanto o fato de o
aluno se sentir diferenciado por reconhecer-se como um ser “cognitivamente superior” e, ao
mesmo tempo, se sentir envergonhado e excluído por ser considerado “superior
intelectualmente”. Nesse caso, tais fatores podem interferir na formação da identidade que
estes alunos constroem sobre si e sobre os outros, na visão que sustentam ou veiculam nas
relações que travam com seus pares. Tais ponderações, em geral, não são reconhecidas no
cotidiano escolar como formas de exclusão, porém, no limite, podem trazer repercussões
significativas para a vida destas pessoas.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com nosso modelo de estudo, quisemos levantar alguns pontos de discordância
em relação ao projeto de investir de forma diferenciada em algumas pessoas, intenção esta
que tem suas raízes no início do século XX e parece persistir na contemporaneidade com o
Programa de AH/SD.
Nesse caso, considerando que existe e que foi criada para oferecer uma educação
suplementar dentro da própria escola, a Sala de Recursos faz diferença na vida destes alunos?
Podemos afirmar que sim e que não. Sim, por oferecer oportunidades de maior tempo,
empenho de professores e alunos e acesso a conhecimentos extras e de forma diferenciada
(lúdica e centrada no interesse do aluno). E não, pois não chega a sobrepujar outras etapas da
vida do estudante, tanto que não é prioridade para muitos deles, conforme afirmam alguns
entrevistados que buscam outras formas de complementar seus estudos e de se preparar para o
ingresso no ensino superior ou no mercado de trabalho.
Quanto ao alcance da mesma, os dados apontam que este é pequeno e não poderia
ser diferente. O investimento é módico, e mesmo que fosse alto quem poderia garantir que os
alunos levariam adiante os projetos que desenvolvem ou desenvolveram. Eles têm a vida lá
fora, para além da Sala de Recursos, conforme afirmaram alguns dos entrevistados.
Outro ponto de inflexão seria: por que dar oportunidade de experiências
diferenciadas somente para alguns? Não seria direito de todos usufruírem de atividades
distintas com as quais pudessem desenvolver habilidades que todos, de uma forma ou de
outra, tem ou teriam chances de desenvolver? Um exemplo vem da Finlândia onde não há
educação diferenciada para superdotados e sim projetos diferenciados para todos, para quem
deles quiser participar (GAMA, 2013).
No caso brasileiro, tentar oferecer somente a alguns uma educação diferenciada
dentro de um sistema educacional que apregoa oportunidades iguais, mas que está assentado
em condições desiguais, não seria uma inclusão às avessas? Já caminhamos na história o
suficiente para percebermos que qualquer tipo de segregação pela via das diferenças
individuais pode gerar um tipo de apartheid que só reforçará a discriminação e o preconceito.
Tal apartheid, em nosso entender, é um contrassenso em relação ao processo de inclusão
educacional. Ademais, não temos como garantir que estas pessoas possam dar à sociedade o
retorno coletivo esperado. Seria também inoportuno vislumbrar esse retorno numa sociedade
assentada na lógica da apropriação individual.
17

Diferentemente de Alencar (1992, p. 22) que advoga que são “os superdotados
aqueles que certamente maiores contribuições poderão dar à sociedade, desde que sejam
reconhecidos, identificados e tenham o seu potencial superior desenvolvido e aproveitado”
entendemos que o ser humano não é formatado a priori de acordo com projetos idealizados
em laboratórios ou nas instâncias governamentais. Nem, tampouco, as grandes contribuições
para a humanidade, tal como a descoberta do raio x, da penicilina, do marcapasso, da pólvora
e até mesmo do plástico que foram obras do acaso, ou mesmo achados acidentais, no limite,
são resultado de avanços sociais que se fizeram enquanto constituições coletivas construídas
no “cotidiano da história”.
A considerar o recorte que fizemos e possível abalizar que o alcance e
ressonâncias da participação no Programa de AH/SD não estão a contento, tanto para os
alunos como para os professores. Salvo engano, seu alcance é mínimo em termos de volume
de participantes e suas ressonâncias indeléveis. Não obstante, visto que nosso estudo foi
restrito a apenas uma unidade educacional, entendemos que as discussões sobre este tema não
se esgotam em uma pesquisa. Pela sua relevância e pelo seu caráter controverso entendemos
que precisamos ampliar nosso olhar aos atendimentos oferecidos no interior da escola, sejam
ele voltados para estes alunos considerados superdotados ou com altas habilidades, assim
como para todos os alunos.

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