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RESUMO: Este artigo resulta de um estudo qualitativo, de caráter exploratório, cujo objetivo
foi investigar o alcance e a ressonância para alunos e professores da proposta de atendimento
de um Programa de Altas Habilidades/Superdotação, ofertado na Educação Básica. A amostra
foi composta por dois professores e seis alunos do referido Programa. Compuseram a análise
categorias referentes a conceitos e concepções, ingresso e participação, expectativas e
prioridades, além de possíveis perspectivas e limites sobre a participação. Os resultados
apontam controvérsias sobre conceitos e concepções alinhados aos preceitos apregoados tanto
pelos teóricos contemporâneos, como pelos que já defendiam tal proposta nas primeiras
décadas do século XX, no Brasil. Demarcam ainda que as expectativas e prioridades são
pouco relevantes para alunos e que alguns limites são reconhecidos tanto pelos alunos como
pelos professores. De modo geral, foi possível averiguar que o alcance e as ressonâncias da
participação no Programa não estão a contento, tanto para alunos como para professores. A
proposta de oferecer somente a alguns uma educação diferenciada dentro de um sistema
educacional que apregoa oportunidades iguais, embora assentado em condições desiguais,
seria uma inclusão às avessas. Tal questão, no limite, pode avigorar o preconceito e a
discriminação, visto que essa forma de investimento não garante o retorno coletivo almejado,
sobretudo, por vivermos em uma sociedade que se pauta na lógica da apropriação
individual. Uma educação de qualidade a todos os alunos seria um contraponto à lógica da
desigualdade e da exclusão que se evidencia no cotidiano escolar.
ABSTRACT: This article is the result of a qualitative study, of an exploratory nature, with
the objective of investigating the reach and impact on students and teachers of the proposed
service offered by a Gifted and Talented Education Program, offered in Basic Education. The
sample consisted of two teachers and six students of the aforementioned program. The
analysis consisted of categories regarding concepts and conceptions, intake and participation,
expectations and priorities, in addition to possible perspectives and limits on participation.
The results point out controversies on concepts and conceptions aligned to the precepts
promoted both by contemporary theoreticians and by those who already defended this
proposal in the early decades of the 20th century in Brazil. They also outlined that expectations
and priorities have little relevance for students, and that some limits are acknowledged by
students and teachers alike. Overall, it was possible to examine that the reach and impact of
participating in the program are not satisfactory, neither to students nor teachers. The proposal
of offering a differentiated education to a select few within an educational system that
endorses equal opportunities – although based on unequal conditions – would be backwards
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inclusion. This issue, in its limit, can strengthen prejudice and discrimination, given that this
form of investment does not guarantee the expected collective return, particularly because we
live in a society based on the logic of individual appropriation. Quality education for all
students would be a counterpoint to the logic of inequality and exclusion that is evidenced in
the school day-to-day.
1 INTRODUÇÃO
Buscando tecer algumas reflexões sobre o atendimento educacional oferecido às
pessoas consideradas com altas habilidades/superdotação (AH/SD), entendemos necessário
fazermos uma ressalva inicial esclarecendo que não trataremos do conceito de AH/SD no
sentido de negá-lo e, nem tampouco, de reafirmá-lo. Outrossim, em função de tantos debates,
polêmicas e contestações existentes em torno dele, estimamos que este seja um tema
relevante, porém também controverso.
Um exemplo emblemático de como esta questão ainda suscita muitas discussões é
trazido por um dos mais conceituados estudiosos da área, o psicólogo americano Joseph
Renzulli. Em um de seus estudos mais recentes, ele afirma que depois de pesquisar por mais
de 30 anos passou a “defender uma mudança fundamental nas formas como nós acreditamos
que deveria ser visualizado o conceito de superdotação”. Em suas palavras:
Acreditamos que essa mudança deveria ocorrer, passando do tradicional
conceito de “ser superdotado” (ou não ser superdotado) para uma
preocupação com o desenvolvimento de comportamentos superdotados e
criativos nos alunos que apresentam um elevado potencial para beneficiar-se
de oportunidades educacionais especiais, assim como de alguns tipos de
enriquecimento para todos os alunos [...]. A nossa meta final é o
desenvolvimento de um programa de enriquecimento para toda a escola que
beneficie a todos os alunos e se concentre em tornar as escolas lugares para
o desenvolvimento do talento em todos os jovens (RENZULLI, 2014, p. 544-
545, grifo nosso).
estaremos buscando parear os iguais entre si e separar a diferença, de modo a promover uma
tentativa de homogeneização e, ao mesmo tempo, de segregação.
Esta tentativa de separação de alunos em “fracos” e “fortes” não é novidade no
cenário educacional brasileiro. Igualmente, podemos localizá-la ainda no início do século XX
quando, pela crença nas diferenças individuais, buscava-se formar classes homogêneas o que
seria, segundo Roxo (1925, p. 05), uma forma de realizar a “profilaxia mental” que se daria
pela “separação de acordo com o desenvolvimento intelectual”.
De fato, questões como estas fazem lembrar encaminhamentos do passado
quando, no início do século XX, buscava-se agrupar os alunos mais capazes em turmas
específicas pela ótica de uma suposta diferença de capacidade. Porém, os tempos são outros.
O registro da história indica que já produzimos conhecimentos o bastante para rejeitarmos
qualquer tipo de discriminação que possa estimular um apartheid pela via das diferenças
individuais. Entendemos que tal apartheid seria um contrassenso para o processo de inclusão
educacional.
Tais questões, concretamente observadas nos programas atuais que propõem a
detecção e a orientação às pessoas consideradas superdotadas, podem surpreender ou causar
estranhamento quando se concebe que, na contemporaneidade, há de forma vigorosa a defesa
de um movimento de inclusão educacional. Se tal movimento visa, entre outras coisas,
superar a segregação e fortalecer a crença na educação como importante instrumento de
desenvolvimento cultural e de humanização (DUARTE, 1999), parece não haver sentido
separar os indivíduos por categorias cognitivas. Em tempos de inclusão estes procedimentos
de separar os “mais inteligentes” ou “superdotados”, salvo engano, poderão produzir outras
formas de exclusão.
Em função de tais inquietações interessa-nos ponderar se esse tipo de atendimento
preconizado a esta clientela em Salas de Recursos na área de AH/SD guardaria alguma
verossimilhança com os ideais almejados no passado. Nesse sentido, que embasamentos
encontram as propostas atuais que dá sinais de aproximação da intenção de separar os
“fracos” e os “fortes”, conforme propostas passadas? Que frutos tais experiências poderiam
ter dado ao ponto de insistirmos nesta prática com a justificativa de usufruir de seus talentos
para o bem da Nação? Que retornos esperamos à sociedade? É possível vislumbrar um retorno
coletivo numa sociedade assentada na lógica da apropriação individual?
Nesse caso, transcorrida mais de uma década desde a criação do Programa de
AH/SD na legislação educacional brasileira, muitos impasses permanecem. Imbuídos dessa
inquietação, na prática, fomos a campo visando investigar os alcances e a ressonância da
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2 MÉTODO
Visando atingir os objetivos propostos desenvolvemos uma pesquisa de campo de
caráter exploratório e de cunho qualitativo. À luz das políticas públicas para a área da
Educação/Educação Especial e da literatura produzida sobre o assunto, analisamos como é
instituído o Programa de AH/SD em uma escola de Educação Básica da cidade de ******,
situada no Estado do *******.
A escola na qual o Programa é desenvolvido pertence a rede estadual de ensino e
ao Núcleo Regional de Educação de ****, da cidade de ****. Oferece Ensino Fundamental
(anos finais) e Ensino Médio, além de Educação de Jovens e Adultos, Educação Especial e
Atividades Complementares (CELEM, outros), perfazendo um total de 2.659 matrículas
distribuídas em 103 turmas. Destas, duas são turmas do Programa de AH/SD, sendo uma
ofertada no período matutino (com 11 alunos matriculados) e outra no vespertino (com 07
alunos matriculados)1.
Os participantes do estudo foram os 02 (dois) professores do Programa de
AH/SD; 03 alunos que frequentavam o Programa no ano 2014 e 03 egressos do mesmo. A
escolha dos sujeitos se deu pelo número total dos professores e pela terça parte dos alunos
assíduos (09) ao Programa (embora 18 sejam matriculados), segundo indicação dos
professores. Como forma de facilitar a apresentação dos resultados, os sujeitos foram
identificados da seguinte maneira: professores (P1, P2); alunos atuais (AA1, AA2, AA3);
alunos egressos por conclusão do ensino médio (AE1, AE2) e aluno egresso por desistência
do Programa (AE3).
No que tange aos procedimentos e técnicas para coleta de dados, foram realizadas
entrevistas semi-estruturadas, a partir de roteiros diferenciados para os diversos segmentos
participantes do estudo (professores, alunos atuais e alunos egressos por conclusão do ensino
médio ou por desistência). Como forma de sistematizar as análises foram definidas categorias
segundo a Análise de Conteúdo (BARDIN, 2011). Para tanto, foram seguimos os passos: a)
transcrição das falas dos sujeitos, na íntegra; b) busca de identificadores para interpretação
1 ?
Os dados que se seguem foram retirados do site em questão
http://www.consultaescolas.pr.gov.br/consultaescolas/f/fcls/escola/visao indicado pela equipe de coordenação da
referida escola.
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3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Buscando investigar os possíveis alcances, bem como as ressonâncias da
viabilização do Programa de AH/SD, para alunos e professores, analisamos as categorias
destacadas a seguir.
se lembra como foi seu ingresso: “minha professora de física e de matemática indicaram os
melhores alunos, os possíveis alunos para esse projeto e daí eu fui um dos escolhidos” (AE1,
p. 02).
Como uma segunda etapa dessa avaliação a professora (P1) acrescenta que tem
uma conversa informal com o aluno e, em seguida, faz uma avaliação formal com entrevistas
e atividades lúdicas e acadêmicas e vai acompanhando o aluno para confirmar se há
indicativos de superdotação. Pelos depoimentos percebe-se que o peso maior na avaliação
para ingresso é dado ao professor da classe comum que é quem indica o aluno para participar
do Programa.
Segundo a Associação Paulista para Altas Habilidades/Superdotação (APAHSD),
a Organização Mundial da Saúde (OMS) refere uma porcentagem de 5% pessoas com AH/SD
em qualquer população, considerando apenas as habilidades cognitivas. Porém, se forem
consideradas as habilidades artísticas, musicais, entre outras, este índice subiria para 10%, em
média (FATOS..., s/d).
Se considerarmos o número de alunos da escola em tela (2392) teríamos de 119 a
239 alunos com AH/SD. Porém, o número de matriculados no Programa é de 18 distribuídos
em dois turnos. Sendo assim, fica a inquietação: tais alunos não foram identificados por seus
professores ou não quiseram dele participar? Segundo Mariz (2012) o Brasil não identifica
adequadamente suas “mentes brilhantes”, pois de cada criança ou adolescente identificado,
existem 140 anônimos. Sendo assim, em 2012 havia 9.208 matriculas na rede pública ou
privada em todos os níveis de ensino, quando poderiam ser 1.289.120 matriculados. Sobre tal
questão, Pérez e Freitas (2011) advertem que os dados dos censos escolares refletem esta
realidade, ou seja, que o número de matriculados no Programa de AH/SD ainda está aquém do
esperado.
Dentre aqueles que participam do Programa, ao ser solicitado a descrever as
atividades que realiza, o aluno AA2 afirma: “a gente faz projetos” (p. 04). O aluno AA3 tenta
elencar os temas dos projetos dos colegas: “para este ano o fulano está fazendo sobre os
mistérios da mente, o cicrano... acho que está fazendo sobre a evolução” (p. 03). Mas, sobre
seu próprio projeto ele declara: “eu não me lembro agora, porque faz um tempinho que não
mexo, porque eu faltei. Mas é... eu acho que eu estou fazendo sobre tecnologia (p. 04)”. E
assevera: “eu acho” (p. 04).
Esta forma de trabalho por meio de projetos é uma das orientações contidas na
Instrução n. 016/2008 (PARANÁ, 2008, p. 01) pela qual o planejamento de ser feito “de
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gente entende melhor o que eles explicam e lá na sala de aula” (p. 06). Com esta observação
ele acaba apontando questões que estão fortemente presentes no cotidiano escolar, tais como,
a indisciplina escolar e o papel do professor como fatores desencadeadores de desinteresse
e/ou desmotivação, tanto de alunos como também de professores. Tais temas, vastamente
debatidos por diversos estudiosos (REGO, 1996; AQUINO, 1998; BOARINI, 2013), apontam
que questões como essas, certamente, influenciam no cotidiano da sala de aula.
Porém, mesmo sendo bem aceito pelos alunos, o Programa não é uma prioridade e
a evasão é uma realidade. Sobre isso, um aluno explica que talvez tenha que sair: “eu não sei
por enquanto (...) tem bastante estudo ali na sala de aula (classe comum) e a exigência é
grande. Por isso eu não sei se eu vou continuar por causa dos estudos” (AA2, p. 06). Outro
também diz que “tem que levar em consideração que tem as outras disciplinas” (AA3, p. 05).
A professora (P2) também percebe a dificuldade de continuidade em função do “Programa de
Avaliação Seriada (PAS), vestibular” e desabafa: “às vezes a gente se programa para oferecer
alguma coisa, mas eles estão com muitos trabalhos, com muitas provas e o interesse está
voltado para isso, então a gente esbarra em muitas coisas que a gente não consegue ir além”
(P2, p. 08).
Tecendo reflexões sobre o papel e a atuação do NAAH/S nos estados e municípios
brasileiros Pérez e Freitas (2011, p. 121) ressaltam que há uma “invisibilidade no
atendimento” a esta clientela, pois a função de “promover a supervisão, acompanhamento,
orientação e avaliação do funcionamento dos programas e serviços do NAAH/S” extinguiu-
se.
tipo assim, sete meninos, desistiu quase tudo” (p. 06). Sobre a falta desse tipo de recurso ele
ainda explica que “ali o sistema é Linux que é mais velho que eu e para baixar programa de
construir jogo, construir outros software, não dá porque é bloqueado” (AA1, p. 06).
Confirmando tais apontamentos Albuquerque (2008), ao estudar o funcionamento
das Salas de Recursos, constatou que os recursos são poucos e o espaço físico e o suporte
pedagógico inadequado e conclui que esta escassez de condições limita as atividades do
professor e o envolvimento dos alunos.
Porém, mesmo diante de tantos empecilhos a professora (P2) ainda se mantém
motivada: “com os esforços tanto nossos quanto da direção e da equipe pedagógica, na
medida do possível tudo o que a gente necessita a gente consegue. Não no prazo que a gente
às vezes gostaria que fosse, mas a gente consegue” (P2, p. 09).
A outra professora é mais enfática ao expressar os desafios que enfrenta no
cotidiano do trabalho, tais como “falta de apoio, falta de material, material didático mesmo,
pedagógico” (P1, p. 07). E complementa: “nós não temos recursos, mesmo pedagógicos,
material didático, computadores, falta livros para trabalho com literatura” (p. 07). E avalia: “a
molecada hoje quer coisa diferente” (p. 07). Com isso ela expõe uma dura realidade: é
responsável por uma Sala de Recursos que não dispõe de recursos para atender aos requisitos
do Programa. Tais recursos, previstos na legislação (BRASIL, 2009), deveriam ser
assegurados de forma ampla e irrestrita. Corroborando tal questão, Camargo e Freitas (2013,
p. 07) afirmam que todos os seres humanos têm potenciais e que “os limites de realização
desses potenciais dependem da motivação, da qualidade de ensino, dos recursos disponíveis e
assim por diante”.
Este e outros fatores levam a professora a expressar algumas frustrações: “Tenho
uma angústia assim, eu gostaria que fosse algo mais definido. Às vezes aqui na Sala de
Recursos o aluno funciona no pequeno. Ele pega muito a questão do lúdico mesmo, o que é
prazeroso e não tem esse compromisso com o horário, com notas” (P1, p. 08). E sobre isso ela
tece algumas reflexões: “eu acho que o trabalho, ele ajuda, o conhecimento ele é construção,
ele ajuda, mas eu acredito que não seja, não resolve” (p. 08). E desabafa: “eu achava que eu ia
formar esses meninos, que esses meninos iam ser cientistas do futuro e depois sabe a gente vê
que não é bem assim” (P1, p. 08). Um egresso acredita que tais atividades não poderiam se
restringir apenas a alguns alunos, mas que tal participação “teria que ser incentivada para todo
mundo que tem interesse de participar” (AE1, p. 06).
Com uma experiência de cinco anos no Programa a professora o avalia: “da forma
como está penso que não traz excelentes resultados” (p. 09). E se isenta de certezas: “o aluno
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passa pelo Programa, mas eu não sei se ele vai em frente, se isso vai trazer algum retorno na
vida adulta” (P1, p. 09). Além da falta de resultados práticos ela ainda teme repercussões para
a autoimagem do aluno. Por isso ela procura “não rotular, não colocar estigma no aluno” (p.
08) e evita usar o termo superdotado, se referindo ao Programa da seguinte forma: “esse
programa é de enriquecimento curricular. Você vai ter oportunidade de aumentar seu
potencial, porque você tem uma facilidade de aumentar seu conhecimento” (p. 08). E
justifica: “eu vou usando estes termos para não criar aquele status” (P1, p. 08). Mesmo assim,
vez ou outra, percebe atitudes indesejáveis, visto que “quando o aluno é pequeno, quando
você convidava para esta sala tinha aluno que se sentia o máximo, o último biscoito do pacote
e chegava na sala lá no regular e falava barbárie para os coleguinhas, humilhava, tripudiava”
(p. 08). Por outro lado, geralmente quando o aluno é mais velho, pode ocorrer o oposto. É o
que ela expõe: “Eu também tive outros casos. Vários casos de alunos que chegou aqui no 2º,
3º ano (do ensino médio) que já começou a ter namorada aquela coisa toda” (p. 09). Com isso
“já começa a se sentir mal de ir para a sala porque (...) eles começam a se sentir excluídos.
Excluídos e assim... envergonhados” (p. 09). E assevera: “São poucos que se sentem bem.
Eles ficam envergonhados por participar. Isso também eu consegui perceber nesse pouco
tempo de altas habilidades” (P1, p. 09). Suas palavras fazem lembrar o que Bourdieu (1990)
denominou de “excluídos do interior”. Nesta mesma perspectiva, Harlos, Denari e Orlando
(2014, p. 505), discutindo sobre o papel das Salas de Recursos enquanto espaços de atuação
da Educação Especial questionam os motivos de tais serviços serem “o lócus preferencial da
Educação Especial” e a razão pela qual os recursos e serviços que estas Salas oferecem “não
estão nas salas de aulas regulares reconfigurando práticas historicamente desenvolvidas para
um padrão inexistente de homogêneos alunos”, preservando assim a “antinomia entre ensino
regular e Educação Especial”.
Com um olhar atento a estas questões e às repercussões de sua atuação, esta
professora considera que os dois lados da questão são delicados. Ou seja, tanto o fato de o
aluno se sentir diferenciado por reconhecer-se como um ser “cognitivamente superior” e, ao
mesmo tempo, se sentir envergonhado e excluído por ser considerado “superior
intelectualmente”. Nesse caso, tais fatores podem interferir na formação da identidade que
estes alunos constroem sobre si e sobre os outros, na visão que sustentam ou veiculam nas
relações que travam com seus pares. Tais ponderações, em geral, não são reconhecidas no
cotidiano escolar como formas de exclusão, porém, no limite, podem trazer repercussões
significativas para a vida destas pessoas.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com nosso modelo de estudo, quisemos levantar alguns pontos de discordância
em relação ao projeto de investir de forma diferenciada em algumas pessoas, intenção esta
que tem suas raízes no início do século XX e parece persistir na contemporaneidade com o
Programa de AH/SD.
Nesse caso, considerando que existe e que foi criada para oferecer uma educação
suplementar dentro da própria escola, a Sala de Recursos faz diferença na vida destes alunos?
Podemos afirmar que sim e que não. Sim, por oferecer oportunidades de maior tempo,
empenho de professores e alunos e acesso a conhecimentos extras e de forma diferenciada
(lúdica e centrada no interesse do aluno). E não, pois não chega a sobrepujar outras etapas da
vida do estudante, tanto que não é prioridade para muitos deles, conforme afirmam alguns
entrevistados que buscam outras formas de complementar seus estudos e de se preparar para o
ingresso no ensino superior ou no mercado de trabalho.
Quanto ao alcance da mesma, os dados apontam que este é pequeno e não poderia
ser diferente. O investimento é módico, e mesmo que fosse alto quem poderia garantir que os
alunos levariam adiante os projetos que desenvolvem ou desenvolveram. Eles têm a vida lá
fora, para além da Sala de Recursos, conforme afirmaram alguns dos entrevistados.
Outro ponto de inflexão seria: por que dar oportunidade de experiências
diferenciadas somente para alguns? Não seria direito de todos usufruírem de atividades
distintas com as quais pudessem desenvolver habilidades que todos, de uma forma ou de
outra, tem ou teriam chances de desenvolver? Um exemplo vem da Finlândia onde não há
educação diferenciada para superdotados e sim projetos diferenciados para todos, para quem
deles quiser participar (GAMA, 2013).
No caso brasileiro, tentar oferecer somente a alguns uma educação diferenciada
dentro de um sistema educacional que apregoa oportunidades iguais, mas que está assentado
em condições desiguais, não seria uma inclusão às avessas? Já caminhamos na história o
suficiente para percebermos que qualquer tipo de segregação pela via das diferenças
individuais pode gerar um tipo de apartheid que só reforçará a discriminação e o preconceito.
Tal apartheid, em nosso entender, é um contrassenso em relação ao processo de inclusão
educacional. Ademais, não temos como garantir que estas pessoas possam dar à sociedade o
retorno coletivo esperado. Seria também inoportuno vislumbrar esse retorno numa sociedade
assentada na lógica da apropriação individual.
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Diferentemente de Alencar (1992, p. 22) que advoga que são “os superdotados
aqueles que certamente maiores contribuições poderão dar à sociedade, desde que sejam
reconhecidos, identificados e tenham o seu potencial superior desenvolvido e aproveitado”
entendemos que o ser humano não é formatado a priori de acordo com projetos idealizados
em laboratórios ou nas instâncias governamentais. Nem, tampouco, as grandes contribuições
para a humanidade, tal como a descoberta do raio x, da penicilina, do marcapasso, da pólvora
e até mesmo do plástico que foram obras do acaso, ou mesmo achados acidentais, no limite,
são resultado de avanços sociais que se fizeram enquanto constituições coletivas construídas
no “cotidiano da história”.
A considerar o recorte que fizemos e possível abalizar que o alcance e
ressonâncias da participação no Programa de AH/SD não estão a contento, tanto para os
alunos como para os professores. Salvo engano, seu alcance é mínimo em termos de volume
de participantes e suas ressonâncias indeléveis. Não obstante, visto que nosso estudo foi
restrito a apenas uma unidade educacional, entendemos que as discussões sobre este tema não
se esgotam em uma pesquisa. Pela sua relevância e pelo seu caráter controverso entendemos
que precisamos ampliar nosso olhar aos atendimentos oferecidos no interior da escola, sejam
ele voltados para estes alunos considerados superdotados ou com altas habilidades, assim
como para todos os alunos.
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