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Conteúdo
1. Capa
2. Folha de Rosto
3. Dedicatória
4. PRÓLOGO
5. 1: BEATRICE
6. 2: NINA
7. 3: DAPHNE
8. 4: SAMANTHA
9. 5: BEATRICE
10. 6: DAPHNE
11. 7: NINA
12. 8: BEATRICE
13. 9: SAMANTHA
14. 10: DAPHNE
15. 11: NINA
16. 12: BEATRICE
17. 13: SAMANTHA
18. 14: NINA
19. 15: DAPHNE
20. 16: BEATRICE
21. 17: SAMANTHA
22. 18: DAPHNE
23. 19: BEATRICE
24. 20: NINA
25. 21: BEATRICE
26. 22: SAMANTHA
27. 23: NINA
28. 24: SAMANTHA
29. 25: BEATRICE
30. 26: NINA
31. 27: DAPHNE
32. 28: BEATRICE
33. 29: SAMANTHA
34. 30: DAPHNE
35. 31: NINA
36. 32: SAMANTHA
37. 33: DAPHNE
38. 34: NINA
39. 35: BEATRICE
40. 36: NINA
41. 37: SAMANTHA
42. 38: DAPHNE
43. 39: BEATRICE
44. 40: DAPHNE
45. 41: NINA
46. 42: SAMANTHA
47. 43: DAPHNE
48. 44: BEATRICE
49. AGRADECIMENTOS
50. Sobre a Autora
PARA ALEX
PRÓLOGO

Você já conhece a história da Revolução Americana e o nascimento


da monarquia americana.
Talvez você a conheça pelos livros ilustrados que leu quando
criança. De suas apresentações na escola primária - quando você
ansiava por fazer o papel do Rei George I ou da Rainha Martha, e
em vez disso você fez uma cerejeira. Você a conhece pelas
canções, filmes e livros de história, por aquele verão que você
visitou a capital e fez um tour oficial pelo Palácio de Washington.
Você ouviu a história tantas vezes que você mesmo poderia
contar: como, depois da Batalha de Yorktown, o Coronel Lewis
Nicola caiu de joelhos diante do General George Washington, e
implorou-lhe em nome de toda a nação que se tornasse o primeiro
rei da América.
É claro que o general disse que sim.
Os historiadores amam debater se, em outro mundo, as coisas
poderiam ter ocorrido de forma diferente. E se o General
Washington tivesse se recusado a ser rei, e tivesse pedido para ser
um representante eleito? Um primeiro-ministro - ou talvez ele teria
inventado um nome totalmente novo para esse cargo, como
presidente. Talvez, inspirado pelo exemplo dos Estados Unidos,
outras nações - França, Rússia, Prússia, Áustria-Hungria, China e
Grécia - acabassem abolindo suas próprias monarquias, dando
origem a uma nova era democrática.
Mas todos nós sabemos que isso nunca aconteceu. E você não
veio aqui para uma história inventada. Você veio aqui para saber da
história que aconteceu depois. Como é os Estados Unidos duzentos
e cinquenta anos depois, quando os descendentes de George I
ainda estão no trono.
É uma história de bailes da nobreza e conversas escondidas nos
corredores. De segredos e escândalos, de amores e mágoas. É a
história da família mais famosa do mundo, que interpreta seus
dramas familiares no maior palco de todos.
Esta é a história da realeza americana.
BEATRICE
Nos Dias de Hoje
Beatrice podia traçar sua ascendência até o século dez.
Na verdade, apenas pelo lado da Rainha Martha, embora a
maioria das pessoas se abstivesse de mencionar isso. Afinal, o Rei
George I não tinha sido nada além de um fazendeiro novo-rico da
Virgínia até se casar bem e lutar ainda melhor. Ele lutou tão bem
que ajudou a conquistar a independência da América, e foi
recompensado por seu povo com uma coroa.
Mas através de Martha, pelo menos, Beatrice pôde traçar sua
linhagem por mais de quarenta gerações. Entre seus antepassados
estavam reis e rainhas e arquiduques, estudiosos e soldados, até
mesmo um santo canonizado. Temos muito a aprender olhando
para o passado, seu pai sempre a lembrava. Nunca se esqueça de
onde você vem.
Era difícil esquecer seus antepassados quando você tinha
consigo os nomes deles, como Beatrice tinha: Beatrice Georgina
Fredericka Louise da Casa de Washington, Princesa Real da
América.
O pai de Beatrice, Sua Majestade o Rei George IV, deu-lhe um
olhar. Por reflexo ela se sentou mais reta para ouvir enquanto o
Marechal revia os planos para o Baile da Rainha de amanhã. Suas
mãos estavam entrelaçadas sobre sua saia lápis, suas pernas
cruzadas no tornozelo. Porque como sua professora de etiqueta
havia a treinado ela - batendo em seu pulso com uma régua cada
vez que errava - uma dama nunca cruza suas pernas na coxa.
E as regras eram especialmente rigorosas para Beatriz, porque
ela não era apenas uma princesa: ela era também a primeira mulher
a herdar o trono americano. A primeira mulher que seria rainha por
direito próprio: não uma rainha consorte, casada com um rei, mas
uma verdadeira rainha regente.
Se ela tivesse nascido vinte anos antes, a sucessão teria pulado
dela para Jeff. Mas seu avô havia abolido essa antiga lei secular,
ditando que em todas as gerações posteriores, o trono passaria
para a criança mais velha e não para o menino mais velho.
Beatrice deixou o seu olhar sobre a mesa de conferência diante
dela. Estava cheia de papéis e xícaras de café espalhadas, que já
haviam esfriado há muito tempo. A reunião de hoje foi a última
sessão do Comitê dos Conselheiros até janeiro, o que significava
que ela tinha sido cheia de relatórios de final de ano e longas
planilhas de análise.
As reuniões do Comitê dos Conselheiros sempre aconteciam na
Câmara Estelar, nome dado às estrelas douradas pintadas em suas
paredes azuis, e aos famosos óculos em forma de estrela em cima.
A luz do sol invernal se espalhava através dele para se sobrepor de
forma convidativa à mesa. Não que Beatrice pudesse apreciá-la. Ela
raramente tinha tempo para ir lá fora, exceto nos dias em que se
levantava antes do amanhecer para se juntar ao pai na corrida dele
pela capital, ladeada por seus oficiais de segurança.
Por um breve e incaracterístico momento, ela se perguntou o que
seus irmãos estavam fazendo neste momento, se já estavam de
volta de sua viagem pelo leste da Ásia. Samantha e Jeff - gêmeos, e
três anos mais novos que Beatrice - eram um par perigoso. Eles
eram animados e espontâneos, cheios de más idéias e, ao contrário
da maioria dos adolescentes, tinham o poder de realmente realizar
essas idéias, para o arrependimento de seus pais. Agora, seis
meses depois de terminarem o ensino médio, ficou claro que
nenhum deles sabia o que fazer com suas vidas, exceto celebrar o
fato de que eles tinham completado dezoito anos e poderiam beber
legalmente.
Ninguém nunca esperou nada dos gêmeos. Toda a expectativa -
da família e, na verdade, do mundo - estava focalizada como um
grande holofote branco, em Beatrice.
Por fim, o Marechal terminou seu relatório. O rei deu um aceno
cortez e ficou de pé. — Obrigado, Jacob. Se não houver mais
assuntos, então concluímos a reunião de hoje.
Todos se levantaram e começaram a sair da sala, conversando
sobre o baile de amanhã ou seus planos de férias. Eles pareciam ter
colocado temporariamente de lado suas rivalidades políticas - o rei
manteve seu Comitê de Conselheiros uniformemente dividido entre
os Federalistas e os Democratas Republicanos - embora Beatrice
sentisse que essas rivalidades estariam de volta com força total no
novo ano.
Seu segurança pessoal, Connor, a olhou de onde ele estava do
lado de fora da porta, ao lado do Oficial de proteção do rei. Ambos
os homens eram membros da Guarda Revere, o batalhão de elite de
Oficiais que dedicavam suas vidas ao serviço da Coroa.
— Beatrice, você poderia ficar por um minuto? — Perguntou seu
pai.
Beatrice parou na porta. — É claro.
O rei voltou a sentar-se, e ela seguiu o exemplo. — Obrigado
novamente por ajudar com as indicações. — Disse ele. Ambos
olharam para o papel diante dele, onde uma lista de nomes foi
impressa em ordem alfabética.
Beatrice sorriu. — Estou feliz por tê-los aceito.
Amanhã era a festa anual do palácio, o Baile da Rainha, assim
chamado porque, logo no primeiro baile de Natal, a Rainha Martha
havia insistido a George I a enobrecer dezenas de americanos que
haviam ajudado na Revolução. A tradição tinha persistido desde
então. A cada ano, no baile, o rei agradecia os americanos por seus
serviços ao país, tornando-os assim lordes ou damas. E pela
primeira vez, ele havia deixado Beatrice sugerir os candidatos aos
títulos.
Antes que ela pudesse perguntar o que ele queria, uma batida
soou na porta. O rei deu um suspiro audível de alívio quando a mãe
de Beatrice adentrou na sala.
A Rainha Adelaide veio da nobreza de ambos os lados de sua
família. Antes de seu casamento com o rei, ela estava destinada a
herdar o Ducado de Canaveral e o Ducado de Savannah. A
Duquesa Dupla, o povo a havia chamado.
Adelaide havia crescido em Atlanta, e nunca havia perdido seu
encanto sulista. Mesmo agora seus gestos tinham elegância: a
inclinação de sua cabeça enquanto sorria para sua filha, a virada de
seu pulso enquanto se instalava na cadeira de madeira à direita de
Beatrice. Seus cabelos castanhos com mechas caramelo, que ela
enrolava todas as manhãs com bobes, rodeados por uma tiara.
A maneira como eles estavam sentados - seus pais um de cada
lado de Beatrice, com ela no meio - lhe deu a sensação de que ela
estava sendo encurralada.
— Olá, mãe. — Disse ela num tom um pouco confuso. A rainha
não costumava fazer parte das discussões políticas deles.
— Beatrice, sua mãe e eu estávamos querendo discutir o seu
futuro. — Começou o rei.
A princesa piscou, desconcertada. Ela estava sempre pensando
sobre o futuro.
— Em um nível mais pessoal. — Esclareceu sua mãe. —
Estávamos nos perguntando se há alguém... especial em sua vida
neste momento.
Beatrice se assustou. Ela esperava essa conversa mais cedo ou
mais tarde, tinha feito o seu melhor para se preparar mentalmente
para isso. Ela apenas não havia presumido que seria tão cedo.
— Não, não há. — Ela lhes assegurou. Seus pais acenaram com
a cabeça, distraídos; ambos sabiam que ela não estava namorando
ninguém. O país inteiro sabia disso.
O rei limpou a garganta. — Sua mãe e eu estávamos querendo
que você pudesse começar a procurar um parceiro. Uma pessoa
com quem você passará a vida.
Suas palavras pareciam ecoar, amplificadas, ao redor da Câmara
Estelar.
Beatriz não teve quase nenhuma experiência romântica para
contar - não que os vários príncipes estrangeiros próximos a sua
idade não tivessem tentado. O único a chegar a um segundo
encontro tinha sido o Príncipe Nikolaos da Grécia. Seus pais o
haviam incitado a fazer um programa de intercâmbio em Harvard
por um semestre, esperando claramente que ele e a princesa
americana se apaixonassem loucamente. Beatrice saiu com ele por
um tempo para agradar às suas famílias, mas nada tinha acontecido
- embora, como filho mais jovem de uma família real, Nikolaos fosse
um dos poucos homens realmente elegíveis para sair com Beatrice.
O futuro monarca só podia casar com alguém de sangue nobre ou
aristocrático.
Beatriz sempre soube que não podia namorar a pessoa errada -
não podia nem mesmo beijar a pessoa errada, como todos os outros
na faculdade pareciam fazer. Afinal de contas, ninguém queria ver
seu futuro monarca voltar de uma festa universitária para a casa
usando as mesmas roupas do dia anterior.
Não, era muito mais seguro se o herdeiro do trono não tivesse um
passado sexual que a imprensa pudesse investigar: nenhum
problema de ex-namorados do passado, nenhum ex que pudesse
vender segredos íntimos para a imprensa. Não poderia haver altos e
baixos nas relações de Beatrice. Uma vez que ela namorasse
publicamente alguém, teria de ser isso: eles teriam que ser felizes,
estáveis e comprometidos.
Tinha sido o suficiente para que ela se livrasse quase por
completo de qualquer encontro.
Durante anos, a imprensa aplaudiu Beatrice por ter cuidado com
sua reputação. Mas desde que ela tinha completado 21 anos, ela
notou uma mudança na maneira como eles discutiam sua vida
amorosa. Em vez de correta e virtuosa, os repórteres começaram a
chamá-la de solitária e lamentável - ou pior, de indiferente. Se ela
nunca namorou com ninguém, eles reclamavam. Como ela deveria
se casar, e começar a importante função de fornecer o próximo
herdeiro ao trono?
— Você não acha que sou um pouco jovem para me preocupar
com isso? — perguntou Beatrice, aliviada com a calma que ela
parecia ter. Mas também, ela havia sido treinada por muito tempo
para manter suas emoções escondidas da exposição pública.
— Eu tinha sua idade quando seu pai e eu nos casamos. E eu
estava grávida de você no ano seguinte. — A rainha lhe lembrou.
Um pensamento verdadeiramente aterrorizante.
— Isso foi há vinte anos! — Beatrice protestou. — Ninguém
espera que eu... Agora, as coisas são diferentes.
— Não estamos dizendo que você deve correr para o altar
amanhã. Tudo o que estamos pedindo é que você comece a pensar
sobre isso. Essa não será uma decisão fácil e nós queremos ajudar.
— Ajudar?
— Há vários jovens que gostaríamos muito que você conhecesse.
Convidamos todos para o baile amanhã à noite. — A rainha pegou
sua bolsa de couro e puxou uma pasta, com abas plásticas
coloridas na sua borda. Ela entregou a pasta a sua filha.
Cada aba foi etiquetada com um nome. Lorde José Ramirez,
futuro Duque do Texas. Lorde Marshall Davis, futuro Duque de
Orange. Lorde Theodore Eaton, futuro Duque de Boston.
— Você está tentando me armar com alguém?
— Estamos apenas lhe dando algumas opções. Apresentando-lhe
homens jovens que podem ser um bom partido.
Beatrice folheou as páginas espantada. Elas estavam repletas de
informações: árvores genealógicas, fotos, históricos escolares, até
mesmo a altura e o peso dos rapazes.
— Você usou as informações da Agência Nacional de Segurança
para obter tudo isso?
— O quê? Não. — O rei ficou chocado com a insinuação de que
ele abusaria de seus privilégios com a ANS. — Os jovens e suas
famílias ofereceram voluntariamente essas informações. Eles
sabem para o que estão assinando.
— Então você já conversou com eles. — Disse Beatrice
rigidamente. — E amanhã à noite no Baile da Rainha você quer que
eu entreviste esses... potenciais maridos?
As sobrancelhas de sua mãe foram arqueadas em protesto. —
Entrevistar faz parecer tão impessoal! Tudo o que estamos pedindo
é que você tenha uma conversa com eles, conheça-os um pouco.
Quem sabe? Um deles pode surpreendê-la.
— Talvez seja como uma entrevista. — Admitiu o rei. — Beatrice,
quando você escolher alguém, ele não será apenas seu marido. —
Ele também será o primeiro Rei consorte da América. E ser casado
com o monarca reinante é um trabalho em tempo integral.
— Um trabalho que nunca para. — A rainha interrompeu.
Pela janela, no pátio de mármore, Beatrice ouviu uma explosão de
risos e fofocas, e uma única voz lutando corajosamente para se
elevar acima do barulho. Provavelmente, uma excursão do ensino
médio visitando o Palácio no último dia antes das férias. Esses
adolescentes não eram muito mais jovens do que ela, mas Beatrice
se sentiu irrevogavelmente distante deles.
Ela usou seu polegar para puxar as páginas da pasta para trás e
deixar que elas voltassem para baixo. Apenas uma dúzia de
homens jovens foram incluídos.
— Essa pasta é bem fina. — Disse ela suavemente.
É claro que Beatrice sempre soube que estaria pescando em um
pequeno lago, que suas opções românticas eram muito poucas. Não
era tão ruim quanto há cem anos atrás, quando o casamento do rei
era uma questão de política pública e não uma questão do coração.
Pelo menos ela não precisaria se casar para selar um tratado
político.
Mas ainda parecia difícil ter esperança de que ela pudesse se
apaixonar por alguém dessa lista muito pequena.
— Seu pai e eu fomos muito minuciosos. Nós passamos um pente
fino em todos os filhos e netos da nobreza antes de compilar estes
nomes. — Sua mãe disse gentilmente.
O rei concordou com a cabeça. — Há algumas boas opções aqui,
Beatrice. Todos nessa pasta são inteligentes, atenciosos e de uma
boa família - o tipo de homem que a apoiará, sem deixar que seu
ego se interponha no caminho.
De uma boa família. Beatrice sabia exatamente o que isso
significava. Eles eram filhos e netos de nobres americanos da alta
sociedade, se não fosse porque os príncipes estrangeiros de sua
idade - Nikolaos ou Charles de Schleswig-Holstein, ou o Grão-
Duque Pieter - já tinham tido sua chance e foram mal sucedidos.
Beatrice olhou para seu pai e depois para a sua mãe,
entreolhando seus pais. — E se meu futuro marido não constar
dessa lista? E se eu não quiser casar com nenhum deles?
— Você ainda nem os conheceu. — O pai dela se intrometeu. —
Além disso, sua mãe e eu fomos escolhidos por nossos pais, e veja
como isso deu certo. — Ele olhou diretamente para os olhos da
rainha com um sorriso carinhoso.
Beatrice acenou com a cabeça, um pouco reconfortada. Ela sabia
que seu pai havia escolhido sua mãe exatamente assim, a partir de
uma pequena lista de opções pré-aprovadas. Eles haviam se
encontrado apenas uma dúzia de vezes antes do dia de seu
casamento. E de seu casamento arranjado acabara florescendo em
uma verdadeira união por amor.
Ela tentou considerar a possibilidade de que seus pais estivessem
certos: que ela pudesse se apaixonar por um dos jovens listados
nessa pasta terrivelmente curta.
Isso não parecia provável.
Ela ainda não havia conhecido esses nobres, mas já podia
adivinhar como eles eram: o mesmo tipo de jovens mimados e
egocêntricos que a rodeavam há anos. O tipo de homem que ela
tinha recusado cuidadosamente em Harvard, cada vez que a
convidavam para uma festa num clube ou noite de confraternização.
O tipo de cara que olhavam para ela e viam não uma pessoa, mas
uma coroa.
Às vezes, Beatrice pensava traiçoeiramente, se era assim que
seus pais também a viam.
O rei segurava suas palmas das mãos sobre a mesa de reunião.
Contra a pele bronzeada de suas mãos brilhava um par de anéis: o
simples ouro de sua aliança de casamento e, ao lado dela, o pesado
anel de sinalização marcado com o Grande Selo da América. Seus
dois casamentos, para a rainha e para seu país.
— Nossa esperança para você sempre foi encontrar alguém que
você ama e que também possa lidar com as exigências que vêm
com esta vida. — Disse-lhe ele. — Alguém que seja a pessoa certa
para você e para a América.
Beatrice entendeu o que foi dito nas entrelinhas: que se ela não
conseguisse encontrar alguém que marcasse as duas caixas, então
a América precisava vir primeiro. Era mais importante que ela se
casasse com alguém que pudesse fazer esse trabalho, e que o
fizesse bem, ao invés de seguir seu coração.
E, na verdade, Beatrice havia desistido de seu coração há muito
tempo. Sua vida não lhe pertencia, suas escolhas nunca foram
totalmente dela mesma, ela sabia disso desde criança.
Seu avô, o rei Eduardo III, havia dito o mesmo a ela em seu leito
de morte. A memória ficaria para sempre gravada em sua mente: o
cheiro estéril do hospital, a luz fluorescente amarela, a maneira
categórica como seu avô havia dispensado todos os outros da sala.
— Preciso dizer algumas coisas a Beatrice. — Declarou ele,
naquele rosnado assustador que usava apenas para ela.
O rei no leito de sua morte havia pegado as pequenas mãos de
Beatrice nas suas mãos frágeis. — Há muito tempo, as monarquias
existiram para que o povo pudesse servir ao monarca. Agora o
monarca deve servir ao povo. Lembre-se que é uma honra e um
privilégio ser uma Washington e dedicar sua vida a esta nação.
Beatrice concordou com a cabeça. Ela sabia que era seu dever
colocar o povo em primeiro lugar; todos lhe diziam isso desde que
ela nasceu. As palavras A serviço de Deus e do país haviam sido
literalmente pintadas nas paredes de seu berçário.
— De hoje em diante vocês são duas pessoas ao mesmo tempo:
Beatrice, a menina, e Beatrice, herdeira da Coroa. Quando elas
quiserem coisas diferentes… — Disse solenemente seu avô. — A
Coroa deve vencer. Sempre. Me prometa isso. — Seus dedos se
fecharam ao redor dos dela com uma força surpreendente.
— Eu prometo. — Beatrice havia sussurrado. Ela não se lembrava
de ter escolhido conscientemente dizer essas palavras; como se
alguma força maior, talvez o próprio espírito da América, tivesse
tomado conta dela temporariamente e arrancado de seu peito essas
palavras.
Beatrice vivia por aquele juramento sagrado. Ela sempre soube
que essa decisão estava se aproximando em seu futuro. Mas o
quão repentino era tudo isso - o fato de que seus pais esperavam
que ela começasse a escolher um marido amanhã, e, a partir de
uma lista tão pequena, a fez prender sua respiração.
— Você sabe que esta vida não é fácil. — Disse gentilmente o rei.
— Que muitas vezes parece tão diferente de fora do que realmente
é por dentro. Beatrice, é crucial que você encontre o parceiro certo
para compartilhá-la. Alguém para ajudar você a superar os desafios
e compartilhar os sucessos. Sua mãe e eu somos uma equipe. Eu
não poderia ter feito nada disso sem ela.
Beatrice engoliu em seco contra um aperto na garganta. Bem, se
ela precisasse se casar pelo bem do país, ela poderia muito bem
tentar escolher uma dos candidatos de seus pais.
— Devemos olhar a pasta dos candidatos antes de encontrá-los
amanhã? — Disse ela por fim e abriu a pasta para ler a sua primeira
página.
NINA

Nina Gonzalez andava pelas escadas, seus passos ecoando ao


fundo da sala de conferências enquanto ela se dirigia ao seu
assento habitual no mezanino. Abaixo dela haviam centenas de
cadeiras de auditório vermelhas, cada uma afixada com uma mesa
de madeira. Quase todos os assentos foram ocupados. Aquela era
uma aula de Introdução à História Mundial, uma aula obrigatória
para todos os calouros da Universidade Real que o Rei Edward I
havia decretado quando fundou a universidade em 1828.
Ela arregaçou as mangas de sua camisa de flanela, e uma
tatuagem ficou visível, em seu pulso, suas linhas angulares inscritas
em sua pele bronzeada. Era o ideograma chinês da amizade.
Samantha tinha insistido que eles fizessem a tatuagem juntas, para
comemorar seus aniversários de dezoito anos. É claro que Sam não
podia ser vista com uma tatuagem, então a dela era em algum lugar
decididamente mais privado.
— Você vem hoje à noite, certo? — A amiga de Nina, Rachel
Greenbaum, inclinou-se da cadeira ao lado.
— Hoje à noite? — Nina pôs uma mecha de seu cabelo escuro
atrás de uma orelha. Um garoto bonito na última cadeira da fila
estava olhando para ela, mas ela o ignorou. Ele se parecia demais
com aquele que ela ainda estava tentando superar.
— Estamos nos reunindo na sala comum para assistir à cobertura
do Baile da Rainha. Eu fiz tortas de cereja usando a receita oficial, a
do livro de receitas de Washington. Eu até comprei as cerejas na
loja de presentes do palácio, para torná-la autêntica — disse Rachel
com entusiasmo.
— Isso parece delicioso. — Essas tortas de cereja eram famosas
no mundo inteiro: o palácio as tinha servido em cada festa ou
recepção de jardim por gerações. Nina se perguntava o que Rachel
diria se descobrisse o quanto os Washingtons odiavam
secretamente aquelas tortas.
Honestamente, teria sido mais autêntico se ela tivesse feito um
churrasco. Ou tacos de café da manhã. Ambos os quais a família
real comia com uma frequência chocante.
— Então você vai vir, certo? — Rachel pressionou.
Nina fez o seu melhor para parecer arrependida. — Eu não posso.
Eu realmente tenho que trabalhar hoje à noite. — Ela trabalhava na
biblioteca da universidade colocando livros nas prateleiras como
parte do programa de estudo de trabalho que financiou sua bolsa de
estudos. Mas mesmo que ela não estivesse ocupada, Nina não
tinha vontade de assistir à cobertura do Baile da Rainha. Ela tinha
ido a esse baile por vários anos seguidos, e era praticamente o
mesmo todas as vezes.
— Eu não sabia que a biblioteca estava aberta às sextas-feiras à
noite.
— Talvez você devesse vir comigo. Alguns dos formandos ainda
têm as provas finais; talvez você conheça um cara mais velho —
brincou Nina.
— Só você sonharia acordada com um encontro na biblioteca —
Rachel balançou a cabeça, depois soltou um suspiro audível. — O
que será que a princesa Beatrice vai vestir hoje à noite? Você se
lembra do vestido que ela usou no ano passado, com o decote de
ilusão? Era tão elegante.
Nina não queria falar sobre a família real, especialmente com
Rachel, que era um pouco obcecada demais com eles. Ela certa vez
disse a Nina que havia dado o nome de Jefferson ao seu peixe-
dourado de estimação – e a todos os dez deles em sucessão. Mas
uma profunda lealdade a Samantha fez Nina dizer. — E quanto a
Samantha? Ela também está sempre linda.
Rachel fez um vago barulho de discordância, ignorando a
questão. Foi uma reação totalmente típica. A nação adorava
Beatrice, sua futura soberana – ou pelo menos a maioria das
pessoas a adorava, exceto os grupos sexistas e reacionários que
ainda protestavam contra o Ato de Sucessão à Coroa. Essas
pessoas odiavam Beatrice, simplesmente por ter a ousadia de ser
uma mulher que herdaria um trono que sempre pertenceu aos
homens. Eles eram uma minoria, mas ainda assim eram perversos e
faziam barulho, sempre editando fotos online de Beatrice, vaiando
ela em comícios políticos.
Mas se a maioria da nação amava Beatrice, eles admiravam
Jefferson, com o que às vezes parecia ser um único suspiro
coletivo. Ele era o único menino, e o mundo parecia disposto a
perdoá-lo de qualquer coisa, mesmo que Nina não o perdoasse.
Quanto a Samantha... na melhor das hipóteses, as pessoas se
divertiam com ela. Na pior das hipóteses, o que era relativamente
frequente, elas a desaprovavam ativamente. O problema era que
eles não conheciam Sam. Não da maneira que Nina conhecia.
Ela foi salva de responder pelo professor Urquhart, que começou
a subir ao pódio com passadas pesadas. Houve uma enxurrada de
movimentos quando todos os setecentos alunos interromperam
suas conversas murmuradas e colocaram seus notebooks diante
deles. Nina, que provavelmente era a única pessoa que ainda
escrevia à mão, em um caderno com espiral, colocou seu lápis em
uma página nova e olhou para cima com expectativa. Ciscos de
poeira pendiam suspensos na luz solar que entravam através das
janelas.
— Como cobrimos todo o semestre, as alianças políticas ao longo
da virada do século foram tipicamente bilaterais e facilmente
quebradas – razão pela qual tantas delas foram seladas através do
casamento — começou o professor Urquhart. — As coisas
mudaram com a formação da Liga dos Reis: um tratado entre
múltiplas nações, destinado a garantir a segurança coletiva e a paz.
A Liga foi fundada em 1895 na Praça da Concórdia em Paris,
sediada por...
Louis, Nina respondeu silenciosamente. Essa era a parte mais
fácil da história francesa: seus reis foram constantemente nomeados
Louis, até o atual Louis XXIII. Honestamente, os franceses eram
ainda piores com Louis do que os Washingtons eram com George.
Ela copiou as palavras do professor em seu caderno com espiral,
desejando que ela pudesse parar de pensar nos Washingtons. A
universidade deveria ser o seu novo começo, uma chance de
descobrir quem ela realmente era, livre da influência da família real.
Nina tinha sido a melhor amiga da princesa Samantha desde que
eles eram crianças. Elas se conheceram doze anos antes, quando a
mãe de Nina, Isabella, foi entrevistada no palácio. O antigo Rei
Eduardo III, avô de Samantha, tinha acabado de falecer e o novo rei
precisava de uma camareira. Isabel estava trabalhando na Câmara
do Comércio e, de alguma forma, milagrosamente, seu chefe a
recomendou a Sua Majestade. Pois não havia “candidatura” para
empregos no palácio. O palácio fazia uma lista de candidatos, e se
você fosse um dos poucos sortudos, eles procuravam você.
Na tarde da entrevista, a mãe de Nina, Julie, estava fora da
cidade e a babá habitual de Nina foi cancelada no último minuto,
deixando sua mãe Isabella sem escolha a não ser trazer Nina com
ela. — Fique bem aqui — ela avisou, levando sua filha até um banco
no corredor do andar de baixo.
Nina havia achado surpreendente que sua mãe estivesse sendo
entrevistada no próprio palácio, mas, como ela descobriria mais
tarde, o Palácio de Washington não era apenas o lar da família real
na capital. Era também o centro administrativo da Coroa. A maioria
das seiscentas salas do palácio eram escritórios ou espaços
públicos. Os apartamentos privados no segundo andar eram todos
marcados por maçanetas ovais, ao invés das redondas no andar de
baixo.
Nina se sentou confortavelmente e discretamente abriu o livro que
ela havia trazido.
— O que você está lendo?
Um rosto coberto por um monte de cabelos castanhos espreita ao
virar da esquina. Nina reconheceu imediatamente a princesa
Samantha – embora ela não se parecesse muito com uma princesa
em suas leggings de zebra e vestido com lantejoulas. Suas unhas
foram pintadas em um arco-íris, cada uma com uma cor primária
diferente.
— Hm… — Nina escondeu a capa do livro em seu colo. O livro
era sobre uma princesa, embora fantasiosa, mas ainda assim era
estranho confessar isso a uma princesa de verdade.
— Meu irmãozinho e eu estamos lendo uma série de dragões
neste momento — declarou Samantha, e inclinou sua cabeça para
um lado. — Você já o viu? Eu não consigo encontrá-lo.
Nina balançou a cabeça. — Eu pensei que vocês eram gêmeos —
ela não resistiu a dizer.
— Sim, mas eu sou quatro minutos mais velha, o que faz de Jeff
meu irmãozinho — respondeu Samantha com lógica irrefutável. —
Quer me ajudar a procurá-lo?
A princesa era uma tempestade de energia cinética, pulando
pelos corredores, abrindo portas constantemente ou espreitando
atrás de móveis em busca de seu gêmeo. O tempo todo ela
manteve um fluxo constante de tagarelice, como se desse um tour
pelo palácio.
— Esta sala é assombrada pelo fantasma da Rainha Thérèse. Eu
sei que é ela porque o fantasma fala francês — declarou ela
sinistramente, apontando para a sala de estar do andar de baixo. —
Eu costumava andar de patins por estes corredores, até que meu
pai me pegou fazendo isso e disse que eu não podia. Beatrice
também fazia isso, mas nunca importa o que Beatrice faz. —
Samantha não parecia ressentida, apenas pensativa. — Ela vai ser
rainha um dia.
— E você, o que vai ser? — perguntou Nina, curiosa.
Samantha sorriu. — Todo o resto.
Ela levou Nina de um lugar inacreditável para outro, através de
depósitos de guardanapos de linho e cozinhas que eram maiores
que salões de baile, onde o chef deu-lhes biscoitos de açúcar que
estavam dentro de um frasco pintado de azul. A princesa mordeu
seu biscoito, mas Nina enfiou o dela em seu bolso. Era bonito
demais para comer.
Enquanto elas voltavam para o banco, Nina se assustou ao ver
sua mamãe andando pelo corredor, conversando normalmente com
o rei. Seus olhos focaram em Nina, e ela instintivamente congelou.
O rei sorriu, um sorriso genial e infantil que fez seus olhos
cintilarem. — E quem nós temos aqui?
Nina nunca havia conhecido um rei antes, mas algum instinto nela
- talvez todas as vezes que ela o viu na televisão – a levou a fazer
uma reverência.
— Esta é minha filha, Nina — sua mãe murmurou.
Samantha foi até seu pai e segurou a mão dele. — Pai, Nina pode
voltar em breve? — ela suplicou.
O rei virou seus olhos em direção a mãe de Nina. — Samantha
está certa. Espero que você traga Nina aqui à tarde. Afinal de
contas, não é como se tivéssemos um dia curto de trabalho.
Isabella piscou os olhos. — Vossa Majestade?
— As meninas claramente se dão bem, e sei que sua esposa
também tem uma agenda ocupada. Por que Nina deveria ficar em
casa com uma babá, quando ela poderia estar aqui?
Nina era muito jovem para entender a hesitação de Isabella. —
Por favor, mamãe? — Ela se precipitou, transbordando de
entusiasmo. Isabella havia cedido com um suspiro.
E assim, Nina se tornou parte da vida dos gêmeos reais.
Eles se tornaram um trio instantâneo: o príncipe, a princesa e a
filha da camareira. Naquela época, Nina nem sequer sabia que se
sentia consciente das diferenças entre sua vida e a de Samantha.
Pois apesar de serem gêmeos e realeza, Jeff e Sam nunca fizeram
Nina se sentir excluída. A única exceção era que todos eles eram
igualmente excluídos do mundo glamoroso e inacessível dos adultos
– e mesmo de Beatrice, que aos dez anos de idade já estava
matriculada em aulas particulares além de seus cursos do ensino
médio.
Sam e Jeff sempre foram os instigadores de seus planos, com
Nina tentando e falhando em mantê-los na linha. Eles fugiam da
babá dos gêmeos e partiam em alguma escapada: para nadar na
piscina coberta aquecida, ou para encontrar as salas seguras e os
abrigos anti-bomba que supostamente estavam escondidos por todo
o palácio. Uma vez Samantha os convenceu a se esconderem
debaixo de uma mesa e a escutar uma reunião privada entre o rei e
o embaixador austríaco. Eles foram pegos depois de apenas dois
minutos, quando Jeff puxou a toalha de mesa e derrubou uma jarra
de água, mas também Samantha já havia esguichado mel no sapato
do embaixador. — Se você não quer mel em seus sapatos, não nos
chute debaixo da mesa — ela disse mais tarde, seus olhos brilhando
de maldade.
O fato de que a amizade de Samantha e Nina tinha sobrevivido
todos estes anos era uma prova da determinação da princesa. Ela
se recusou a deixar que elas se separassem, apesar de terem
frequentado escolas diferentes, mesmo depois que a mãe de Nina
deixou sua função de camareira e foi nomeada Ministra do Tesouro.
Samantha continuou a convidar Nina para dormir no palácio, ou
para as casas de férias dos Washingtons nos fins de semana de
férias, ou para participar de eventos estatais como sua
acompanhante.
As mães de Nina tinham sentimentos mistos sobre a amizade de
sua filha com a princesa.
Isabella e Julie haviam se conhecido há anos na universidade.
Por esta altura, elas já eram um dos casais mais poderosos de
Washington: Isabella trabalhando como Ministra do Tesouro, Julie, a
fundadora de um negócio de comércio eletrônico de sucesso. Eles
não discutiam muito, mas a complicada relação de Nina com os
Washingtons foi algo em que elas nunca conseguiram chegar a um
acordo.
— Não podemos deixar Nina ir naquela viagem — Isabella havia
protestado, depois que Samantha convidou Nina para ir à casa de
praia da família real. — Eu não quero que ela passe muito tempo
com eles, especialmente quando não estamos por perto.
Os ouvidos de Nina ouviam o som de suas vozes, que ecoaram
através dos tubos de aquecimento antiquados do edifício. Ela estava
em seu quarto no terceiro andar, embaixo do sótão. Ela não tinha a
intenção de escutar... mas ela também nunca confessou a facilidade
com que os ouvia quando falavam na sala de estar, logo abaixo.
— Por que não? — Julie tinha respondido, sua voz estranhamente
distorcida pelos velhos tubos de metal.
— Porque eu me preocupo com ela! O mundo que os
Washingtons habitam, com todos os seus aviões particulares e
galas de corte e protocolo – isso não é realidade. E não importa com
que frequência eles a convidem ou o quanto a princesa Samantha
gosta dela, Nina nunca será realmente uma delas — a mamá de
Nina suspirou. — Não quero que ela se sinta como um parente
pobre de um romance de Jane Austen.
Nina se aproximou de seu colchão para ouvir a resposta.
— A princesa tem sido uma boa amiga para Nina — protestou sua
mãe — e você deveria ter um pouco mais de fé na maneira como
criamos nossa filha. Se alguma coisa, acho que Nina será uma
influência positiva para Samantha, lembrando-a do que existe fora
daqueles portões palacianos. A princesa provavelmente precisa de
uma amiga normal.
Eventualmente, as mães de Nina concordaram em deixá-la ir, com
a estipulação de que ela permanecesse fora dos olhos do público e
nunca fosse citada ou fotografada na cobertura da imprensa da
família real. O palácio tinha ficado feliz em concordar. Eles também
não queriam que a mídia se concentrasse particularmente na
princesa Samantha.
Quando estavam no colégio, Nina já estava acostumada com os
planos peculiares de sua melhor amiga e com a excitação
contagiosa. Vamos levar Albert para fora! Sam mandava mensagens
de texto, chamando o jipe amarelo-limão que ela implorava aos pais
que lhe dessem no seu décimo sexto aniversário. Ela tinha o carro,
mas continuava reprovando na parte de estacionamento paralelo do
teste de direção e ainda não tinha carteira de motorista. O que
significava que Nina acabou dirigindo aquele jipe amarelo
desagradável por toda a capital, com Samantha sentada de pernas
cruzadas no banco do passageiro, implorando que ela passasse
pelo McDonalds. Depois de um tempo, Nina nem se preocupou com
o oficial de proteção que brilhava para eles pelas costas.
Sam fazia com que fosse fácil demais para Nina esquecer as
inúmeras diferenças entre eles. E Nina a amava, sem cordas ou
condições, da maneira como teria amado uma irmã se ela tivesse
tido uma. Foi apenas porque sua irmã era a Princesa da América.
Mas seu relacionamento havia mudado sutilmente nos últimos
seis meses. Nina nunca havia contado a Sam o que aconteceu na
noite da festa de formatura – e quanto mais tempo ela mantinha
segredo, maior a distância que parecia ficar entre eles. Então Sam e
Jeff partiram em sua viagem de pós-formação, e Nina estava
começando seu primeiro ano de faculdade, e talvez tenha sido
melhor assim mesmo. Esta era a chance de Nina se estabelecer em
uma vida mais normal, sem os aviões particulares e as galas da
corte e o protocolo que tanto preocupava Isabella. Ela podia voltar a
ser seu eu comum, do mundo real.
Nina não tinha dito a ninguém no King's College que Samantha
era sua melhor amiga. Eles provavelmente presumiriam que ela era
uma mentirosa – ou se acreditassem nela, eles poderiam tentar usá-
la para seus contatos. Nina não sabia que resultado seria pior.
O professor Urquhart clicou fora do microfone, marcando a
conclusão da palestra. Todos ficaram de pé em um baralhamento de
laptops fechados e suprimiram os mexericos. Nina rabiscou algumas
notas finais em sua espiral antes de jogá-la em sua bolsa de ombro,
depois seguiu Rachel descendo as escadas e saindo para o pátio.
Algumas outras garotas do corredor se juntaram a elas, falando
em tom animado sobre a festa de exibição do Baile da Rainha. Elas
começaram em direção ao centro estudantil, onde todos geralmente
almoçavam depois da aula, mas os passos de Nina foram mais
lentos.
Um movimento perto da rua havia atraído sua atenção. Um carro
preto da cidade estava ocioso no meio-fio, ronronando suavemente.
Afixado na janela do carro estava um pedaço de papel de
computador branco com o nome de Nina rastejado nele.
Ela reconheceria essa caligrafia em qualquer lugar.
— Nina? Você está vindo? — Rachel gritou.
— Desculpe, tenho uma reunião com meu conselheiro — mentiu
Nina. Ela esperou mais alguns momentos antes de correr através do
gramado em direção ao carro.
No banco de trás estava a princesa Samantha, usando calças de
treino de veludo e uma camiseta branca através da qual Nina podia
ver seu sutiã rosa. Nina se apressou em juntar-se a ela, fechando a
porta antes que alguém pudesse vê-la.
— Nina! Eu senti sua falta! — Sam atirou seus braços ao redor de
sua amiga em um de seus abraços tipicamente efusivos.
— Eu também senti sua falta — Nina murmurou no ombro de sua
amiga. Um milhão de perguntas arderam em seus lábios.
Finalmente Samantha se afastou, inclinando-se para frente para
se dirigir ao motorista. — Você pode apenas dar uma volta no
campus por um tempo — disse-lhe ela. Típica Sam, querendo estar
em constante movimento, mesmo que ela não fosse a lugar algum.
— Sam... o que você está fazendo aqui? Você não deveria estar
se preparando para hoje à noite? — Sam baixou sua voz
conspiratorialmente.
— Estou te raptando e te arrastando para o Baile da Rainha como
minha acompanhante! — Nina balançou a cabeça.
— Desculpe, tenho que trabalhar hoje à noite.
— Mas suas mães estarão lá, tenho certeza que adorariam vê-la!
— Sam soltou um fôlego. — Por favor, Nina? Eu poderia realmente
usar algum apoio agora mesmo, com minha mãe e meu pai.
— Você não acabou de chegar em casa? Por que eles já
poderiam estar com raiva?
— Na última manhã na Tailândia, Jeff e eu fugimos de nossos
oficiais de proteção — admitiu Sam, olhando pela janela. Eles
estavam subindo a College Street em direção à arquitetura gótica da
Dandridge Library.
— Você abandonou seus guarda-costas? Como?
— Fugimos deles — repetiu Samantha, incapaz de reprimir seu
sorriso. — Literalmente. Jeff e eu nos viramos e nos lançamos ao
trânsito em sentido contrário, tecendo entre os carros, depois
pegamos carona para um local de aluguel de ATV. Nós andamos de
quatro rodas pela selva. Foi incrível.
— Isso parece arriscado — apontou Nina, e Sam riu.
— Você parece mesmo como meus pais! Veja, é por isso que eu
preciso de você. Eu estava esperando que se você viesse comigo
esta noite...
— Eu poderia mantê-la na linha? — Nina terminou para ela. Como
se ela alguma vez tivesse sido capaz de controlar a princesa.
Nenhum poder na terra poderia impedir Samantha de fazer algo
uma vez que ela tivesse decidido fazer isso.
— Você sabe que você é a boa!
— Eu sou apenas 'a boa' em comparação com você — contra-
argumentou Nina. — Isso não é dizer muito.
— Você deveria estar grata por eu ter colocado a fasquia tão
baixa — brincou Sam. — Olha, podemos deixar a recepção cedo –
pegar um pouco de massa de biscoito caseira das cozinhas, ficar
acordados até tarde assistindo TV de realidade ruim. Já faz muito
tempo desde que tivemos uma festa do pijama! Por favor —, disse
ela novamente. — Senti muito a sua falta.
Foi difícil ignorar esse tipo de súplica de sua melhor amiga. —
Acho que... provavelmente eu poderia fazer Jodi trocar de turno
comigo — admitiu Nina, após uma batida de hesitação tão leve que
Samantha provavelmente nem havia notado isso.
— Obrigada! — Sam deu um guincho de excitação. — A
propósito, eu lhe trouxe algo de Bangkok — Ela cavou através de
sua bolsa, eventualmente emergindo com um pacote de M&M’s de
pretzel. A bolsa azul brilhante estava coberta com os lindos loops e
os curliculos do roteiro tailandês.
— Você se lembrou. — Os M&M’s eram os doces favoritos de
Nina. Sam sempre trazia uma sacola deles de suas viagens ao
exterior – ela lera em algum lugar que a fórmula era in ajustada em
cada país, e decidia que ela e Nina teriam que provar todos eles.
— E então? Como estão? — Sam perguntou enquanto Nina
enfiava um dos doces de chocolate em sua boca.
— Deliciosos. — Na verdade, estavam um pouco murchos, mas
isso não foi surpreendente, dado o número de quilômetros
percorridos, esmagados no bolso lateral da bolsa de Samantha.
Eles viraram uma esquina e o palácio nadou em direção à vista
muito cedo para o gosto de Nina, mas afinal, o King's College
estava a apenas alguns quilômetros de distância. Os pinheiros da
Virgínia se estendiam altos e arrogantes em ambos os lados da rua,
que estava repleta de escritórios burocráticos e lotados de gente. O
palácio brilhava de branco contra o esmalte azul do céu. Seu reflexo
dançava nas águas do Potomac, de modo que parecia haver dois
palácios: um substancial, outro aquoso e onírico.
Turistas agarrados aos portões de ferro do palácio, onde uma
fileira de guardas estava em evidência, suas mãos levantadas em
uma saudação. Acima do círculo, Nina viu a borda agitada do
Padrão Real, a bandeira indicando que o monarca estava
oficialmente em residência.
Ela respirou fundo, acirrando-se. Ela não queria voltar para o
palácio e arriscar vê-lo. Ela ainda o odiava pelo que aconteceu na
noite da festa de formatura.
Mas mais do que isso, Nina odiava a pequena parte de si mesma
que secretamente ansiava vê-lo, mesmo depois de tudo o que ele
havia feito.
DAPHNE

Daphne Deighton rodou a chave na sua porta da frente e fez uma


pausa. Por força do hábito, ela olhou por cima do ombro com um
sorriso, embora tivessem passado meses desde que os paparazzi
se reuniram no seu gramado, da forma como costumavam fazer
quando ela namorava Jefferson.
Do outro lado do rio, ela podia ver um canto do Palácio de
Washington. O centro do mundo - ou pelo menos o centro do seu.
Era uma bela vista desse ângulo, a luz do sol da tarde cobrindo os
seus tijolos brancos de arenito e janelas altas em arco. Mas como
Daphne sabia, o palácio não estava tão em ordem como parecia.
Construído no local original do Monte Vernon, a casa do Rei Jorge I,
tinha sido renovada repetidamente à medida que vários monarcas
tentavam deixar a sua marca no palácio. Agora era um ninho
confuso de galerias, escadas e corredores, constantemente lotado
de pessoas.
Daphne morava com os seus pais à beira do Herald Oaks, o
bairro das casas aristocráticas do estado a leste do palácio. Ao
contrário das herdadas dos seus vizinhos, que tinham sido
entregues nestes últimos dois séculos e meio, a casa dos Deightons
era bastante nova. Assim como a sua nobreza.
Pelo menos a sua família tinha um título, graças a Deus, mesmo
que tenha caído um pouco abaixo na hierarquia pelo gosto de
Daphne. O seu pai, Peter, foi o segundo Baronete Margrave. O título
de Baronete foi concedido ao avô de Daphne pelo Rei Eduardo III,
por um "serviço diplomático pessoal" à Imperatriz Anna da Rússia.
Nunca ninguém na família tinha explicado a natureza deste serviço
não especificado. Naturalmente, Daphne tinha tirado as suas
próprias conclusões.
Ela fechou a porta atrás dela, atirando a sua bolsa de couro de
um ombro, e ouviu a voz da sua mãe na sala de jantar. — Daphne?
Pode vir aqui?
— Claro — Daphne se forçou a suavizar a impaciência do seu
tom.
Ela esperava que os seus pais chamassem hoje um conclave
familiar, como já tinham feito tantas vezes: quando Jefferson tinha
convidado Daphne pela primeira vez para sair, ou quando ele a
chamou para férias com a sua família, ou no dia impensável em que
ele terminou com ela. Cada marco na sua relação com o príncipe
tinha sido marcado por uma destas discussões. Era essa a forma
como a sua família funcionava.
Não que os seus pais tivessem contribuído muito. Tudo o que
Daphne tinha conseguido com Jefferson, ela tinha feito por conta
própria.
Ela deslizou para a cadeira de jantar em frente aos seus pais e
pegou despreocupadamente o jarro de chá gelado, para servir de
um copo. Ela já conhecia as palavras que viriam da sua mãe.
— Ele voltou ontem à noite.
Não havia necessidade de esclarecer a quem sua mãe estava se
referindo. O príncipe Jefferson George Alexander Augustus - o mais
novo dos três irmãos reais de Washington, e o único menino.
— Estou ciente. — Como se Daphne não tivesse definido uma
dúzia de alertas na Internet para o nome do príncipe, verificado
constantemente as mídias sociais em busca de toda a informação
sobre o seu estado. Como se ela não conhecesse o príncipe melhor
do que ninguém, provavelmente até que a própria mãe dele.
— Você não foi recebê-lo no aeroporto.
— Ao lado de todas as fangirls histéricas? Acho que não. Vou ver
Jefferson esta noite no Baile da rainha. — Daphne recusou-se a
chamar ao príncipe Jeff, tal como todos os outros o fizeram. Parecia
tão pouco real.
— Já passaram seis meses — lembrou seu pai. — Tem certeza
que está pronta?
— Acho que vou ter que estar — respondeu Daphne em tom rude.
Claro que ela estava pronta.
A sua mãe se apressou para interceder. — Estamos apenas
tentando ajudar, Daphne. Esta noite é uma noite importante. Depois
de tudo o que fizemos...
Uma psicóloga podia assumir que Daphne herdou as suas
ambições dos seus pais, mas seria mais correto dizer que as
ambições dos seus pais foram ampliadas e concentradas nela, da
mesma forma que uma lente de vidro curva pode focar feixes de
calor espalhados.
A escalada social de Rebecca Deighton tinha começado muito
antes do nascimento de Daphne. Becky, como então se chamava,
deixou a sua pequena cidade no Nebraska aos dezanove anos de
idade, armada com nada mais do que uma beleza deslumbrante e
uma inteligência afiada. Ela assinou com uma agência de top
models numa questão de semanas. A sua cara foi logo colocada em
revistas e outdoors, anúncios de lingerie e anúncios de automóveis.
A América ficou apaixonada por ela.
Becky eventualmente acabou por se reestilizar como Rebecca e
fixou o seu objetivo num título. Depois de conhecer o pai de
Daphne, era apenas uma questão de tempo até se tornar Lady
Margrave.
E se as coisas corressem de acordo com o plano e Daphne
casasse com Jefferson, os seus pais seriam certamente elevados
acima de um título humilde de Baronete. Eles poderiam se tornar um
conde e uma condessa... talvez até um marquês e marquesa.
— Só queremos o melhor para você, — acrescentou Rebecca, os
seus olhos presos nos da sua filha.
Você quer dizer o que é melhor para você, Daphne ficou tentada a
responder. — Eu vou ficar bem — disse em ao invés disso.
Daphne sabia há anos que se casaria com o príncipe. Essa era a
única palavra para isso: sabia. Não tinha esperança de se casar,
nem sonhava em se casar, ou mesmo se sentia destinada a se
casar. Essas palavras envolviam um elemento de acaso, de
incerteza.
Quando ela era pequena, Daphne tinha pena das garotas de sua
escola que eram obcecadas pela família real: aquelas que copiavam
tudo que as princesas vestiam ou tinham foto do Príncipe Jefferson
colada em seus armários. O que elas estavam fazendo quando
desmaiavam sobre seu pôster, fingindo que o príncipe era seu
namorado? Fingir era um jogo para bebês e tolos, e Daphne não era
nada disso.
Então, na oitava série, a classe de Daphne fez uma excursão ao
palácio, e ela percebeu porque seus pais se apegavam tão
obsessivamente ao seu status aristocrático. Porque esse status era
sua passagem para isso.
Enquanto ela olhava para o palácio em toda a sua grandeza
inacessível - enquanto ouvia seus colegas sussurrando como
deveria ser maravilhoso ser uma princesa - Daphne percebeu que
eles estavam certos. Era maravilhoso ser princesa. Razão pela qual
Daphne, ao contrário do resto deles, realmente se tornaria uma.
Depois daquela excursão, Daphne decidiu que sairia com o
príncipe e, como todos os objetivos que estabeleceu para si mesma,
ela o alcançou. Ela se inscreveu na St. Ursula's, a escola particular
só para meninas que as filhas da família real frequentavam desde
tempos imemoriais. As irmãs de Jefferson estudavam lá. Não
atrapalhou o fato de a escola de Jefferson, a Forsythe Academy,
apenas para meninos, ser ao lado.
No final das contas, no final do ano o príncipe a convidou para
sair, quando ela era uma caloura e ele, um aluno do segundo ano.
Nem sempre foi fácil gerenciar alguém tão espontâneo e
desatento como Jefferson. Mas Daphne era tudo que uma princesa
deveria ser: graciosa, talentosa e, claro, linda. Ela encantou o povo
americano e a imprensa. Ela até ganhou a aprovação da Rainha
Mãe, e a avó de Jefferson era notoriamente impossível de agradar.
Até a noite da festa de formatura do colégio de Jefferson, quando
tudo deu terrivelmente errado. Quando Himari se machucou,
Daphne foi procurar Jefferson - apenas para encontrar ele na cama
com outra garota.
Era definitivamente o príncipe; a luz cintilou inconfundivelmente
no castanho profundo de seu cabelo. Daphne tentou respirar. Sua
visão se desfez em manchas. Depois de tudo o que aconteceu,
depois de tudo que ela tinha feito...
Ela tropeçou para trás, fugindo do quarto antes que qualquer um
deles pudesse vê-la.
Jefferson ligou na manhã seguinte. Daphne sentiu uma pontada
momentânea de pânico que ele, de alguma forma, sabia de tudo –
sabia a coisa terrível e impensável que ela tinha feito. Em vez disso,
ele gaguejou através de um discurso de rompimento que poderia
muito bem ter sido escrito pelo seu pessoal das relações públicas.
Ele ficava dizendo como os dois eram jovens: como Daphne ainda
não havia terminado o ensino médio e ele não sabia o que ia fazer
no próximo ano. Que poderia ser melhor para os dois passarem
algum tempo separados, mas ele esperava que ainda pudessem ser
amigos. A voz de Daphne estava estranhamente calma quando ela
respondeu que entendia.
No momento em que Jefferson desligou, Daphne ligou para
Natasha do Daily News e plantou ela mesma a história do
rompimento. Ela havia aprendido há muito tempo que a primeira
história era sempre a mais importante, porque definia o tom para
todas as outras. Então ela se certificou de que Natasha relatasse o
rompimento como mútuo, que Daphne e Jefferson tivessem
concordado que seria o melhor.
Pelo menos, o artigo implicava sutilmente, por enquanto.
Nos seis meses desde a separação, Jefferson ficou fora da
cidade, em uma excursão real e, em seguida, em uma viagem de
pós-graduação com sua irmã gêmea. Isso deu a Daphne uma ampla
oportunidade de pensar sobre o relacionamento deles – sobre o que
os dois tinham feito e o que isso custou a ela.
Mesmo depois de tudo o que aconteceu, mesmo sabendo o que
sabia, ela ainda queria ser uma princesa. E ela pretendia
reconquistar Jefferson.
— Estamos apenas tentando cuidar de você, Daphne — Rebecca
continuou, a voz grave como se estivesse discutindo um diagnóstico
médico com risco de vida. — Especialmente agora …
Daphne sabia o que sua mãe queria dizer. Agora que ela e
Jefferson haviam terminado e era temporada de caça novamente,
bandos de garotas começaram a rastejar atrás dele. Caçadoras de
príncipes, como chamavam os jornais. Em particular, Daphne
gostava de pensar nelas como cadelas do Jefferson. Não importava
a cidade, elas eram sempre as mesmas: usando saias curtas e salto
alto, esperando por horas em bares ou em saguões de hotéis
apenas para ter um vislumbre dele. Jefferson – distraído, como
sempre – voou feliz de um lugar para outro como uma borboleta,
enquanto aquelas garotas o perseguiam com redes prontas.
As caçadoras de príncipes não eram realmente suas
competidoras; nenhuma delas estava nem mesmo na mesma classe
social que ela. Ainda assim, cada vez que via uma foto de Jefferson
cercado por um bando daquelas garotas, Daphne não conseguia
evitar a preocupação. Havia muitas delas.
Sem mencionar aquela garota na cama de Jefferson, seja ela
quem for. Alguma parte masoquista de Daphne queria,
desesperadamente, saber. Depois daquela noite, ela esperava que
a garota apresentasse um artigo sórdido que contava tudo, mas ela
nunca fez nada disso.
Daphne olhou para o espelho acima do aparador para se acalmar.
Não havia como negar que Daphne era linda – linda daquele jeito
raro e deslumbrante que parece justificar todos os sucessos e
desculpar muitos fracassos. Ela herdou as feições vívidas de
Rebecca, sua pele branca e, acima de tudo, seus olhos: aqueles
olhos verdes com um brilho dourado, que pareciam sugerir segredos
incontáveis. Mas o cabelo dela veio de Peter. Era uma gloriosa
profusão de cores, tudo desde cobre até groselha e madressilva, e
caia em uma queda suntuosa quase até a cintura.
Ela deu um leve sorriso, tranquilizada como sempre pela
promessa de seu próprio reflexo.
— Daphne — Seu pai interrompeu seus pensamentos. —
Aconteça o que acontecer, saiba que estamos do seu lado. Sempre.
Aconteça o que acontecer. Daphne olhou para ele. Ele sabia o
que ela tinha feito naquela noite?
— Eu vou ficar bem — disse ela novamente, e deixou por isso
mesmo.
Ela sabia o que era esperado dela. Se um plano não funcionasse,
ela tinha que fazer outro; se ela escorregou e caiu, ela sempre deve
cair para frente. Só poderia ser para a frente e para cima para ela.
Seus pais não tinham ideia do que Daphne era capaz – nenhuma
ideia do que ela já tinha feito, em busca dessa coroa.
SAMANTHA

Naquela noite, Samantha se dirigiu para uma porta desativada que


estava enfiada no corredor do andar de baixo como uma reflexão
tardia de um arquiteto. Podia não parecer impressionante, mas esta
era a Porta dos Suspiros, a entrada privada da família real para o
grande salão de baile: assim chamada porque gerações de
princesas ficavam lá quando eram muito jovens para comparecer e
suspiravam romanticamente enquanto assistiam a dança.
— Vai ser um inferno com seus pais — observou Nina,
caminhando ao lado dela.
— Talvez — Embora Sam duvidasse que seus pais tivessem
notado seu atraso. Eles nunca notaram nada que ela fez, a menos
que ela fizesse algo que os obrigassem a isso.
O oficial de proteção de Sam trotou ao lado deles, sua boca
formando uma linha fina. Sam poderia dizer que Caleb ainda estava
bravo com ela por ter feito aquela façanha na Tailândia. Bom, Sam
não queria correr no sentido contrário; Caleb simplesmente não deu
escolha. Nada mais funcionava com ele - nem persuasão ou súplica,
nem mesmo o último truque de Sam, que geralmente envolvia uma
reclamação sobre cãibras ou absorventes internos. Quando ela
experimentou com ele, o guarda-costas entregou dois comprimidos
de Midol e uma garrafa de água.
— Entrando com o Pardal, — Caleb murmurou em seu walkie-
talkie. Sam engoliu uma onda de irritação com o nome do código de
segurança dela. Todos os membros da família real foram
designados como pássaros: a Águia para o rei, o Cisne para a
rainha, o Falcão para Beatrice, o Pássaro Azul Oriental para Jeff. Há
apenas alguns anos Sam entendeu por que os seguranças sempre
chamavam a segunda filha de Pardal.
Era como um step. Como não a herdeira. Sam era a filha extra,
uma apólice de seguro: uma bateria de reserva viva e respirando.
O arauto, que estava em posição de sentido na Porta dos
Suspiros, não se atreveu a comentar o atraso de Sam. Ele esperou
enquanto ela alcançava sua bolsa frisada para reaplicar o brilho
labial, um tom de peônia personalizado. Ela recebeu a oferta de um
acordo de licenciamento multimilionário para ele – a empresa queria
chamá-lo de American Rose e colocar a cara de Sam no frasco –
mas ela recusou. Ela gostou da ideia da cor do brilho labial ser
inteiramente dela.
Quando ela acenou para ele, o arauto entrou no salão e bateu seu
enorme bastão dourado no chão. O som repercutiu sobre os
barulhos da festa: o tilintar de taças de vinho, a briga de solas de
couro, o zumbido baixo de fofoca.
— Sua Alteza Samantha Martha Georgina Amphyllis da Casa de
Washington!
Samantha lançou um último olhar para Nina e entrou no salão.
Centenas de olhos dispararam em direção a Samantha, brilhando
com cálculo. Todos estavam se perguntando quanto peso ela havia
ganhado no exterior ou, quanto custou seu vestido ou o quanto ela
tinha inveja de sua irmã mais velha. Sam tentou não recuar. Ela
tinha esquecido o quão grande era uma função de corte, com todos
os últimos nobres e políticos presentes, até mesmo seus pares, até
mesmo seus cônjuges.
Garçons de luvas brancas passavam roçando taças de
champanhe e um quarteto de cordas tocava jazz ao fundo. Trechos
de folhagem festiva estavam espalhados por toda a sala, decorada
com poinsétias e enormes laços de veludo vermelho. Em um canto
ficava a árvore de Natal oficial do palácio, seus galhos carregados
de guirlandas antiquadas de pipoca e cerejas, da mesma forma que
a família real vinha decorando as árvores por cem anos.
Sam avistou Jeff do lado de fora. As portas francesas foram
abertas, os cortesãos espalhados no terraço com colunatas para se
aglomerar sob lâmpadas de calor. Vários amigos dos gêmeos já
estavam lá fora. Jeff encontrou o olhar dela, seus olhos brilhando
com um aviso inconfundível, quando um braço se fechou em volta
do cotovelo de Samantha como um torno.
— Samantha. Nós precisamos conversar. — A rainha Adelaide
parecia friamente elegante em um vestido preto sem alças, seu
cabelo lustroso preso para trás com prendedores de diamantes
antigos - aqueles que Jorge II havia conquistado do rei francês Luís
XVI em um jogo de cartas. A Aposta de Louisiana, as pessoas
chamavam assim, já que resultou na França ceder o Território da
Louisiana para a América.
— Oi, mãe — Sam disse alegremente, embora soubesse que era
inútil.
— Esse não é o vestido que eu separei para você. — Adelaide
tinha a capacidade única de franzir a testa e sorrir ao mesmo tempo,
o que Sam sempre achou aterrorizante e também um pouco
impressionante.
— Eu sei. — Sam havia ignorado o vestido que sua mãe havia
escolhido, preferindo em vez disso um vestido de um ombro só
coberto com lantejoulas prateadas: muito ousado e impróprio para
um evento tão formal, mas ela não se importou. Seu cabelo escuro
e cheio estava solto e bagunçado, como se ela tivesse acabado de
cair da cama. Ela também pegou emprestada a gargantilha de sua
avó da coleção de joias da coroa, feita de enormes rubis cabochão
intercalados com diamantes, mas em vez de prendê-la ao redor de
sua garganta, ela a enrolou em torno de seu pulso em um
emaranhado grosso, transformando as elegantes pedras em algo
quase sexy.
Sam já havia resolvido há muito tempo que, se ela não podia ser
bonita, deveria, no mínimo, ser interessante. E ela não era bonita,
não no sentido tradicional – sua testa era muito larga e inclinada,
suas sobrancelhas muito cheias, suas feições muito marcadas,
como as de seus primos distantes Hanoverian.
Mas as pessoas tendem a esquecer tudo isso no momento em
que Samantha começa a falar. Havia uma energia nebulosa e
infecciosa nela, como se ela fosse de alguma forma mais viva do
que qualquer outra pessoa. Como se todos os seus nervos
estivessem explodindo ao mesmo tempo, logo abaixo da superfície
da pele.
A rainha conduziu a filha com firmeza para um lado do salão,
longe de qualquer ouvido que pudesse escutar.
— Seu pai e eu estamos decepcionados com você — começou
Adelaide.
Que novidade. — Sinto muito — disse Sam, cansada. Ela
conhecia o roteiro, sabia que era mais fácil simplesmente dizer a
sua mãe o que ela queria ouvir. Ela conseguiu evitar seus pais
quando pousou tarde na noite passada, e eles estavam muito
ocupados com os preparativos para o baile para confrontá-la hoje.
Mas ela sabia que não poderia evitar eles para sempre.
— Sinto muito? — a rainha sibilou. — Isso é tudo que você tem a
dizer em sua defesa depois de fugir de seus oficiais de segurança?
Samantha, esse tipo de comportamento é imperdoável! Esses
policiais colocam suas vidas em risco por você todos os dias. O
trabalho deles é, literalmente, se colocar entre você e uma bala. O
mínimo que você pode fazer é mostrar a eles algum respeito!
— Você já deu esse discurso para Jeff? — Sam perguntou, como
se ela não soubesse a resposta. Jeff sempre escapava de
problemas completamente ileso.
Não era justo. Apesar do quão progressista a América alegava
ser, ainda existiam regras sexistas sustentando tudo
silenciosamente. Ela e Jeff eram a prova disso, como naqueles
estudos científicos em que tratavam bebês gêmeos da mesma
forma, exceto por uma variável-chave, depois rastreavam como isso
os afetava.
A variável aqui era que Jeff era um menino e Sam uma menina, e
mesmo quando eles faziam exatamente a mesma coisa, as pessoas
reagiam a isso de maneira diferente
Se os paparazzi pegaram Jeff fazendo compras caras, ele estava
ostentando para uma ocasião especial, enquanto Samantha era
mimada.
Se tirassem fotos de Jeff visivelmente bêbado e cambaleando
para fora de um bar, ele só estava espairecendo o que é muito
necessário. Samantha era uma garota festeira.
Se Jeff respondeu aos paparazzi, ele estava simplesmente sendo
firme, protegendo sua privacidade. Samantha era uma cadela cruel.
Ela teria adorado ver como a imprensa poderia reagir a Beatrice
fazendo qualquer uma dessas coisas, mas é claro que Beatrice
nunca saiu da linha
Sam sabia que nada disso era culpa de Jeff. Ainda assim... foi o
suficiente para fazer ela desejar mudar as coisas. Não que ela
tivesse qualquer poder para fazer isso.
— Não vejo por que isso é tão importante — ela protestou
fracamente. — Nós não machucamos ninguém. Por que você não
pode simplesmente me deixar aproveitar minha vida de uma vez?
— Samantha, ninguém nunca te acusou de não aproveitar a vida
— rebateu Adelaide.
Sam tentou não revelar o quanto aquilo doeu.
Sua mãe deu um suspiro. — Por favor, você pode pelo menos
tentar se comportar da melhor maneira possível? Esta é uma grande
noite para sua irmã.
Algo em seu tom fez Samantha hesitar. — O que você quer dizer?
A rainha apenas franziu os lábios. O que quer que estivesse
acontecendo, ela não confiava em Sam para isso. Como de
costume.
Sam meio que desejou que ela pudesse voltar àquele momento
na Tailândia quando ela se virou para Jeff, uma sobrancelha
levantada em desafio, e o desafiou a fugir. Ou antes mesmo, dias
antes de sua mãe olhar para ela com uma decepção tão evidente.
Ela se lembrou de como sua mãe costumava sorrir para ela quando
chegava em casa com histórias de seus dias na escola. Adelaide
segurava a filha no colo e fazia uma trança francesa no cabelo, com
as mãos muito gentis enquanto escovavam as mechas e as
puxavam uma sobre a outra.
Mas Sam sabia que não adiantava. Ninguém se importava com o
que ela realmente pensava; eles só queriam que ela calasse a boca
e parasse de roubar a atenção da mídia da perfeita Beatrice. Para
ficar em segundo plano. Para ser vista e nunca ouvida.
Houve uma inclinação teimosa em sua cabeça enquanto ela
caminhava pelo salão de baile. Bem, agora todos podiam fofocar
sobre seu vestido, que era tão brilhante quanto uma bola de
discoteca acesa. Seus olhos brilharam obstinados e turbulentos sob
seus cílios.
Sam estava quase nas portas mais distantes quando viu sua irmã
mais velha, usando um vestido de coquetel chique de gola alta,
provavelmente sua primeira roupa da noite; ela geralmente tinha
várias trocas de roupa para cerimônias oficiais. Ela estava
conversando com uma mulher de traços marcados e cabelos
grisalhos. Sam demorou um pouco para perceber que elas não
falavam inglês.
Ela passou apressada por Beatrice e foi em direção ao bar,
caminhando para o lado para que ninguém a visse.
Para onde Nina foi? Sam pegou o telefone e digitou uma
mensagem rápida: Pegando bebidas, venha me encontrar. Então
ela se inclinou para frente para fazer contato visual com o barman.
— Posso tomar uma cerveja?
Ele olhou para ela de soslaio. Ambos sabiam que o palácio nunca
havia servido cerveja em eventos como aquele. Era considerado
muito baixo, o que quer que isso significasse.
— Por favor — Sam acrescentou, com o sorriso mais doce que
ela sabia dar. — Você não tem pelo menos uma garrafa aí atrás?
O barman hesitou, como se pesasse os riscos, então se abaixou
para baixo do bar, emergindo um momento depois com um par de
garrafas de cerveja geladas. — Você não conseguiu isso de mim —
Ele piscou e se afastou, se distanciando das evidências
incriminatórias.
— Oh, que bom, estou procurando por uma dessas — exclamou
uma voz à sua esquerda, uma das garrafas foi arrancada de suas
mãos.
— Ei, isso é meu! — Sam girou em seu salto de tiras.
O garoto parado ao lado dela apoiou os cotovelos no bar, uma luz
brilhando em seus olhos chocantemente azuis. Ele parecia um par
de anos mais velho, em torno da idade de Beatrice, com cabelos
loiros rebeldes e feições esculpidas. Se não fosse por seu par de
covinhas combinando, sua beleza teria sido quase intimidante.
Ela se perguntou quem ele era. Ao contrário da maioria dos
nobres, que na experiência de Sam eram moles e macios, ele tinha
o corpo musculoso de um atleta.
— Calma aí, assassina. Não tem necessidade de ter duas
cervejas na mão no início da noite.
— Você acabou de me chamar de assassina? — Sam exigiu, sem
saber se deveria estar insultada ou intrigada.
— Você prefere Vossa Alteza? — Ele fez uma reverência contida
na direção de Sam. — Eu sou Theodore Eaton, a propósito. Meus
amigos me chamam de Teddy.
Então ele era era nobre. Muito nobre, na verdade. Embora
Samantha gostasse que ele se apresentasse apenas com seu
nome, quando, como herdeiro de um ducado, ele era tecnicamente
Lorde Theodore Eaton.
Os Eatons eram uma das famílias mais proeminentes da Nova
Inglaterra desde o navio Mayflower. Alguns diriam que eram mais
americanos até do que os Washingtons, que, afinal, haviam se
casado com realezas estrangeiras durante a maior parte dos últimos
dois séculos. O pai de Teddy era o atual duque de Boston: um dos
treze ducados originais, concedidos por George I no primeiro Baile
da Rainha. A Velha Guarda, essas famílias às vezes eram
chamadas, porque não havia mais ducados à disposição. O
Congresso proibiu a criação de novos em 1870.
— Acabamos de nos conhecer e já somos amigos? Você é muito
presunçoso, Teddy, — Sam brincou. — De onde Teddy veio, afinal?
É Teddy como um ursinho de pelúcia?
— Exatamente isso. Minha irmã mais nova me chamava assim, e
o nome pegou. — Teddy estendeu os braços em um gesto
desamparado e divertido. — Não pareço o ursinho de pelúcia que
você tinha quando criança?
— Eu não tinha um ursinho de pelúcia. Apenas um cobertor de
bebê que chamei muito criativamente de "Blankie" ela respondeu. —
Bem, eu costumava ter o Blankie. Agora só tenho metade de um
Blankie.
— Onde está a outra metade?
— Com Jeff — O que tinha possuído ela para contar essa história
de qualquer maneira? Ela culpou Teddy, e aquele sorriso
desarmante dele. — Blankie foi um presente de nosso avô antes de
morrer. Ele deu a nós dois.
— Um cobertor para duas pessoas?
Sam girou preguiçosamente sua garrafa de cerveja na superfície
de mármore do bar. — Acho que ele queria que aprendêssemos a
compartilhar. Não funcionou, é claro. Quando meu pai nos pegou
brigando por Blankie, ele pegou uma tesoura e cortou bem ao meio.
Agora cada um de nós tem uma metade.
Teddy olhou para ela; realmente olhou para ela, aqueles olhos
azuis encontrando os dela por um segundo a mais do que era
socialmente aceitável. Sam ficou desesperada para saber o que ele
estava pensando. O que ele pensava dela.
— Ser gêmeo parece difícil. Fico feliz por meus irmãos serem
todos mais novos — concluiu.
Sam levantou um ombro marrom em um encolher de ombros.
Pelo menos ela não tinha lutado com Beatrice; o rei teria
simplesmente dado Blankie a ela sem pensar duas vezes.
— E estou muito feliz que minha irmã tinha um ursinho de pelúcia
em vez de um cobertor — ele continuou, com outro flash daquelas
malditas covinhas. — Caso contrário, como as pessoas me
chamariam?
— Oh, eu não sei. Blankie Eaton soa muito bem. No mínimo, é
memorável. — Sam tentou lutar contra um sorriso, mas o sorriso
parecia estar ganhando. — Então, Teddy-que-nem-o-ursinho, você
está temendo a cerimônia desta noite tanto quanto eu?
— Eu deveria estar?
— Você claramente nunca compareceu ao Baile da Rainha. Meu
pai e Beatrice têm que nomear cada um dos candidatos à nobreza,
individualmente, em ordem alfabética. É como a pior formatura do
ensino médio do mundo, exceto que cada graduado recebe uma
patente de nobreza em vez de um diploma.
— Parece que eu estava errado sobre ser muito cedo sobre ter
duas cervejas na mão.
— Eu vou beber isso. — Sam brindou com a garrafa dela na dele,
sem se importar que dava azar brindar com cerveja – ou isso seria
apenas na França? – e tomou um gole. Parecia que o resto da sala
havia recuado para trás de um vidro curvo enevoado, como se não
houvesse ninguém nesta festa, apenas os dois.
— Eu tenho que perguntar. — A voz de Teddy estava quente e um
pouco rouca. — Por que você está se escondendo aqui no bar, em
vez de estar na sala como o resto da sua família?
— Acredite em mim, o resto da minha família está indo muito bem
por conta própria. Agora mesmo minha irmã está falando com a
embaixadora alemã, em alemão, — Sam disse a ele, e revirou os
olhos.
— Uau — disse Teddy lentamente. — Isso é tão..
— Detestável?
— Eu ia dizer impressionante — respondeu ele, e Sam corou ao
ser pega. Mas muitas vezes parecia que Beatrice se esforçava para
fazer com que todos parecessem preguiçosos.
Quando ela era pequena – parecia há muito tempo, agora – Sam
costumava se considerar inteligente. Ela adorava ler, passava horas
ouvindo histórias sobre os ex-reis e rainhas e tinha uma memória
aguçada para detalhes. Mas então ela começou em Santa Úrsula, e
aquela confiança alegre inata foi sistematicamente reduzida a ela.
Ela não tinha a paciência da irmã mais velha, ou seu raciocínio
para números, ou seu desejo de presidir clubes e comitês. Em mais
de uma ocasião, Sam ouviu os professores falando sobre ela em
voz baixa: Ela não é nenhuma Beatriz, eles diziam, com evidente
frustração. Gradualmente, Sam se deixou acreditar nisso. Beatrice
era a futura rainha inteligente e bonita, enquanto Sam era apenas a
Outra Irmã Washington.
Ela olhou para Teddy, que estava mudando seu peso como se
fosse ir embora. Mas Sam não queria que ele fosse, ainda não.
— Podemos ir para a sala do trono se você quiser. A cerimônia
vai começar logo — ela ofereceu.
Teddy estendeu o braço em uma demonstração de cavalheirismo
descuidado. — Mostre o caminho, Vossa Alteza.
— Meus amigos me chamam de Sam. — Ela enrolou o braço no
dele, ainda segurando a cerveja pela metade na outra mão.
Os sons da festa os perseguiram, risos e música ecoando pelas
velhas salas de teto alto. Um fluxo constante de tráfego – lacaios
vestidos com fraque, pessoas de relações públicas e equipes de
câmeras – zumbia para frente e para trás ao longo do corredor.
Teddy parou na porta da sala do trono, para olhar para o teto
abobadado que se elevava acima deles. Foi pintado com o famoso
mural do Rei George I cruzando o céu em uma carruagem voadora.
— Charles Wilson Peale fez isso — Sam murmurou, ignorando os
olhares confusos da equipe de apoio que estava estacionada lá
dentro. Caleb já estava lá – Sam tentou não fazer contato visual
com ele – ao lado do do membro da segurança de Beatrice, um
jovem alto e de aparência feroz com o uniforme da Guarda Revere.
— Como na família Peale da Pensilvânia? — Perguntou Teddy.
Sam encolheu os ombros. Ela preferia muito mais Charles Wilson
a seus descendentes modernos. Ela tinha certeza de que as
meninas Peale começaram o boato de que ela foi enviada para a
reabilitação na décima série, e isso foi só porque ela dançou com
um de seus ex-namorados em uma festa.
— Ele foi tenente na Guerra Revolucionária. Ele pintou os pilares
também. — Sam acenou com a cabeça para os cantos da sala,
onde quatro colunas se elevavam. — Eles deveriam representar os
quatro pilares da virtude americana: verdade, justiça, honra e
família. O estranho com todos os fardos de feno e leitões é da
família, caso você não tenha entendido.
Os olhos de Teddy brilharam. — Como você sabe tanto de
história?
— Eu costumava fugir da minha babá e me esconder no meio dos
passeios pelo palácio — confessou Sam. — Às vezes as pessoas
nem me viam lá. Ou, se o vissem, eu sussurrava que estava
brincando de esconde-esconde contra meu irmão, e pedia se eles,
por favor, poderiam me ajudar a me esconder. Eles geralmente
topavam. Minha babá procurava por todo o palácio, mas nunca
pensou em me procurar no meio de uma multidão.
Teddy balançou a cabeça com admiração. — Acho que você é
muito inteligente para o seu próprio bem.
Trombetas soaram do outro lado do salão, indicando que a
cerimônia começaria em quinze minutos. O barulho foi seguido por
um trovão de passos em resposta enquanto centenas de pessoas
começavam a lenta procissão em direção à sala do trono.
O coração de Sam deu um salto. A etiqueta, assim como o bom
senso, ditavam que ela deveria levar Teddy ao seu assento – mas
ela não queria. Ela não tinha acabado com ele. Ela queria que sua
quente energia dourada ficasse focada nela por mais um momento.
Ela agarrou a mão de Teddy e o arrastou pelo corredor, em
seguida, abriu uma porta secreta e fechou atrás deles.
O armário de casacos cheirava a pele e madeira de cedro e ao
perfume Vol de Nuit de Samantha. Uma luz tênue penetrou pelo
batente da porta.
Sam ainda estava segurando sua garrafa de cerveja. Ela o levou
aos lábios, bem ciente da justaposição que representava: usando
um vestido de alta costura e jóias da coroa de valor inestimável,
bebendo uma cerveja. Teddy ergueu uma sobrancelha,
evidentemente se divertindo, mas não tentou sair.
Ela colocou a garrafa vazia no chão e se virou para encará-lo, o
tecido de lantejoulas de seu vestido se contorcendo ao redor dela.
— Você deve estar ciente de que eu sou superior a você — ela
sussurrou, provocando.
— Foi mencionado uma ou duas vezes.
Ela estendeu as mãos até os ombros dele para puxar a ponta
perdida de sua gravata borboleta, que caiu inutilmente no chão —
Eu estou acima de você — Sam repetiu, — e como sua princesa, eu
ordeno que você me beije.
Teddy hesitou e, por um momento, Sam se preocupou que ela o
tivesse interpretado mal. Mas então seu rosto relaxou em um
sorriso.
— Não acho que os monarcas fazem mais exigências
autocráticas como essa — disse ele suavemente.
— Eu não sou uma monarca — ela o lembrou. — Então, você se
recusa?
— Neste caso, estou feliz em obedecer. Mas não ache que isso
significa que vou obedecer a todos os seus comandos.
— Tudo bem por mim. — Sam agarrou um punhado de sua
camisa e puxou para frente.
A boca de Teddy estava quente na dela. Ele a beijou de volta
ansiosamente, quase com fome. Samantha fechou os olhos e
recostou-se na escuridão, caindo sobre o casaco de mink de
alguém. Seu sangue borbulhava, tão leve e efervescente como
champanhe.
Do outro lado da porta, ela ouviu o balido do bando de cortesãos
marchando em direção à sala do trono. Como se por um acordo
tácito, ela e Teddy se mantiveram absolutamente imóveis, cada vez
mais concentrados no beijo.
Não importava se Samantha aparecesse para a cerimônia.
Ninguém notaria se ela não estivesse lá. Afinal, ela era apenas o
Pardal.
BEATRICE

Beatrice manteve os olhos fechados, se lembrando de respirar.


Uma vez, durante a prova do vestido de florista que ela usou no
casamento de seu tio, ela se mexeu tanto que sua mãe gritou para
não mover um único músculo. Então ela não mexeu – nem mesmo
seus pulmões. Beatrice, de sete anos, prendeu a respiração com
tanta determinação que desmaiou.
— Você poderia olhar para cima, Sua Alteza Real? — a
maquiadora murmurou. Beatrice relutantemente ergueu o olhar,
tentando ignorar o lápis delineador cutucando sua pálpebra inferior.
Era mais fácil manter sua ansiedade sob controle quando seus
olhos estavam fechados.
Ela estava no centro do Quarto das Noivas, uma sala de estar no
térreo do outro lado do corredor do salão de baile, batizada em
homenagem às gerações de noivas reais que usavam ela para
vestir seus vestidos de noiva. Beatrice tinha se aprontado aqui em
inúmeras ocasiões; ela frequentemente precisava fazer esse tipo de
troca rápida de roupa no meio de um evento. Mas o nome da sala
nunca antes tinha causado tal inquietação.
Se tudo corresse de acordo com o plano de seus pais, ela estaria
se arrumando aqui novamente em breve.
O Quarto das Noivas era o epítome da feminilidade, seu papel de
parede cor de pêssego pintado à mão com delicadas flores brancas.
Havia muito pouca mobília: apenas uma pequena poltrona e uma
mesinha lateral com uma tigela de pot-pourri feito de velhos buquês
de noiva. O espaço estava propositalmente vazio, para deixar
espaço para vestidos com caudas cerimoniais de dez metros.
Um enorme espelho de três dobras estava diante dela, embora
Beatrice estivesse fazendo o possível para não olhar. Ela se
lembrou de como ela e Samantha costumavam se esgueirar aqui
quando eram pequenas, hipnotizadas pela visão de si mesmas
refletidas no infinito. "Olha, há mil Beatrizes”, Sam sussurrava, e
Beatrice sempre se perguntava com um toque de desejo como seria
- atravessar o vidro e entrar em uma de suas vidas, dessas outras
Beatrizes em seus estranhos mundos espelhados.
Houve momentos em que Beatrice desejou ser mais parecida com
a irmã. Ela tinha visto a maneira como Sam entrou no salão de baile
mais cedo, patentemente despreocupada por estar quarenta
minutos atrasada. Mas então, Sam sempre gostou de entradas
dramáticas e saídas ainda mais dramáticas. Enquanto Beatrice vivia
com medo do que sua mãe chamava de causar uma cena.
Ela estava agora na plataforma de uma costureira temporária,
cercada por atendentes que a ajudaram a tirar seu primeiro vestido
da noite e colocar o novo, um vestido azul profundo num estilo de
mangas cigana. Eles estavam fazendo a transição dela rapidamente
de um traje de coquetel para seu visual mais formal de chefe de
estado. Beatrice sentia estranhamente fora de cena, como se fosse
a Barbie Real, prestes a ser coberta de acessórios.
Ela permaneceu imóvel enquanto a maquiadora pressionava um
papel para tirar a oleosidade do seu nariz antes de polvilhar com pó
e reaplicar o batom. — Terminei — ela murmurou. Mesmo assim,
Beatrice não se olhou no espelho.
Um dos outros assistentes amarrou a faixa da Ordem Edwardian,
a maior honra de cavalaria da América, sobre o vestido de Beatrice.
Em seguida, colocou o manto de estado com acabamento de
arminho sobre os ombros da princesa. Seu peso parecia pressionar
Beatrice, pesada e insistente, quase como se quisesse sufocá-la.
Suas mãos cerradas e abertas ao lado do corpo.
O assistente pegou um broche de ouro. Mas antes que ela
pudesse prender a capa em volta da garganta de Beatrice, a
princesa se sacudiu violentamente para trás. Os olhos dele se
arregalaram de surpresa.
— Sinto muito, eu só... preciso de um momento sozinha. —
Beatrice se sentiu um pouco confusa; ela nunca tinha feito nada
assim antes.
Mas então, as armadilhas cerimoniais de sua posição nunca antes
pareceram tão sufocantes.
Os vários assistentes e estilistas fizeram uma rápida reverência
antes de sair. Quando eles se foram, Beatrice se esforçou para olhar
para seu reflexo.
A faixa de marfim era uma linha nítida contra o azul de seu
vestido, captando os tons frios de sua pele lisa e bronzeada. Várias
medalhas e honrarias brilharam na luz, junto com seus enormes
brincos em forma de pêra e colar de diamantes em camadas. Seu
cabelo escuro estava preso em uma torção tão forte que grampos
estavam cravados furiosamente em sua cabeça. Ela parecia muito
um membro da realeza e um pouco mais velha do que seus 21
anos.
Bem, ela provavelmente precisava parecer madura na recepção
desta noite, já que provavelmente encontraria o homem com quem
se casaria. Quem quer que ele fosse.
Sou Beatrice Georgina Fredericka Louise, da Casa de
Washington, futura Rainha da América, e tenho o dever de defendê-
la. Era a mesma coisa que Beatrice sempre recitava para si mesma,
cada vez que começava a sentir essa sensação de pânico – como
se sua vida estivesse escorregando por entre os dedos como areia,
e por mais que tentasse agarrá-la, ela não conseguia recuperar o
controle.
Uma batida soou na porta do Quarto das Noivas. — Dez minutos.
Você está quase pronta?
O alívio floresceu no peito de Beatrice. Ali estava uma pessoa que
ela queria ver. — Você pode entrar, Connor — ela gritou.
Teria sido inadequado pensar em Connor como o guarda-costas
de Beatrice. Guarda-costas não conseguia resumir a honra que era
ser um membro da Guarda Revere: os anos de disciplina e
treinamento brutal que isso exigia, o incrível auto-sacrifício. A
Guarda era muito mais elite do que qualquer grupo das forças
armadas. Havia milhares de fuzileiros navais e centenas de SEALs,
mas a Guarda Revere era composta por apenas algumas dezenas
de homens.
Fundada após o assassinato do Rei George II durante a Guerra
de 1812, a Guarda Revere - batizada em homenagem ao herói da
Guerra Revolucionária Paul Revere - respondia diretamente à
Coroa. Seus homens frequentemente serviam ao monarca em
missões secretas no exterior, protegendo aliados americanos ou
resgatando americanos que haviam sido capturados. Mas os
membros da Guarda sempre voltavam para casa eventualmente,
para servir ao seu propósito original: garantir a segurança da família
real. Era um trabalho tão exigente e de alto risco, com tantas
viagens e incertezas, que muitos membros da Guarda Revere não
se estabeleceram ou se casaram até se aposentarem.
— Você está bonita, Bee — disse Connor, renunciando à
formalidade, já que eles estavam sozinhos. Ele usava esse apelido
desde que ela admitiu que era como Samantha costumava chamar
ela.
Claro, fazia muito tempo que Beatrice e sua irmã não usavam
apelidos.
Ela sorriu, animada por seu elogio. — Você não parece mal
também.
Ele estava vestindo o uniforme de gala dos Guardas, um blazer
marinho trespassado. Estava desprovido de qualquer trança ou
insígnia, exceto o tradicional alfinete de lanterna de ouro: em
memória das duas lanternas de Paul Revere, o sinal de alerta contra
a invasão britânica. Na cintura de Connor estava pendurada uma
espada cerimonial de ouro. Poderia ter parecido ridículo e
desatualizado se Beatrice não suspeitasse que ele sabia
exatamente como usar.
Connor tinha sido designado para ela no outono passado, no
início de seu último ano em Harvard. Beatrice nunca se esqueceria
daquela manhã: quando Ari, seu oficial de proteção nos dois anos
anteriores, apareceu para acompanhar Beatrice em sua palestra,
acompanhada por um estranho alto em um moletom cor de carvão.
Ele parecia um ou dois anos mais velho que Beatrice.
— Sua Alteza Real, este é Connor Markham. Ele vai assumir a
sua segurança no meu afastamento amanhã — explicou Ari.
Beatrice assentiu. Ela tentou não olhar para o jovem, mas era
difícil desviar o olhar dele, com olhos azul-acinzentados atraentes e
pele clara. Seu cabelo castanho claro estava cortado curto,
enfatizando as linhas fortes e limpas de seu rosto.
Connor inclinou a cabeça em uma reverência tão superficial que
beirava a impertinência. A gola do moletom caiu mais abaixo,
revelando uma linha de tinta preta. Uma tatuagem.
Beatrice se surpreendeu se perguntando sobre aquela tatuagem,
o quão longe ela serpenteava sobre o peito de Connor, seus ombros
largos, seu torso. Seu rosto ficou quente e ela olhou para cima.
Connor encontrou o olhar dela – e não desviou o olhar.
Sua expressão estava limpa, mas Beatrice não pôde deixar de
pensar que Connor havia suspeitado da direção rebelde de seus
pensamentos.
Ela e seu novo guarda falaram pouco um com o outro, naqueles
primeiros meses. Não que Beatrice tivesse o hábito de conversar
constantemente com seu agente de segurança. Mas Connor era
especialmente reservado, quase… como se estivesse meditando.
Ele nunca ofereceu nenhuma informação sobre si mesmo, nunca
bateu papo. Ele era apenas uma figura alta e silenciosa ao lado de
Beatrice, acompanhando para palestras ou para a sala de jantar,
vestindo uma mochila e um suéter carmesim. Ao contrário da
maioria de seus oficiais de segurança, que tinham pelo menos trinta
anos, Connor poderia se passar por um estudante. Exceto que
agora, todos no campus estavam cientes dos guardas "incógnitos''
de Beatrice.
Beatrice sabia desde o início que Connor estava frustrado com
sua missão. Talvez ele tivesse presumido que estaria na equipe de
seu pai, no palácio e no centro da ação, em vez de cuidar dela em
um campus universitário. Ele era muito profissional para dizer
qualquer coisa, mas às vezes – quando Beatrice estava em um
grupo de estudo ou pegando uma pizza tarde da noite com amigos –
ela via a diversão entediada puxando suas feições. Ele claramente
sentiu que protegê-la estava abaixo de suas capacidades. Bem,
Beatrice lembrou a si mesma, não era culpa dela. Ela certamente
não havia pedido que Connor estivesse aqui.
Uma noite em novembro, Beatrice foi ao Museu de Belas Artes de
Boston, acompanhada, como sempre, por Connor. Ela estava tendo
um curso de história da arte, um requisito para sua graduação em
Estudos Americanos, e o professor havia designado um ensaio
sobre uma das pinturas desta coleção. Todos os outros alunos
foram de tarde, mas Beatrice não queria se juntar a eles. Isso teria
causado uma cena – todas aquelas pessoas olhando para ela,
tirando fotos secretas em seus celulares, sussurrando e
acotovelando umas às outras. Ela se sentiu muito mais confortável
perguntando ao curador se poderia passar por lá depois do
expediente.
Seus passos ecoaram pelo museu vazio enquanto ela procurava
pela pintura. Ela tinha certeza de que todos os retratos de Whistler
estavam lá embaixo, mas ela não viu. Ela não parava de verificar os
números dos quartos, desejando não ter tido muita pressa para
pegar um mapa.
— Precisamos subir. Este corredor só contém arte até 1875, e o
retrato que você está procurando foi feito em 1882.
Beatrice piscou. — Você se lembra disso?
— Eu estive nas mesmas palestras que você, princesa — disse
Connor laconicamente. Esse era outro hábito irritante dele: chamar
ela de princesa em vez de Alteza Real. Beatrice o teria corrigido,
exceto que ela suspeitava que ele não estava fazendo isso por
confusão. Ele estava perfeitamente ciente do protocolo e estava
tentando, sutilmente, irritar ela.
— Eu pensei… — Ela se interrompeu antes de dizer que
presumiu que ele não estava ouvindo nenhuma dessas palestras.
Mas ela estava fazendo anotações e ainda não se lembrava do ano
daquela pintura de cabeça.
Connor começou a conduzi-la escada acima. — A memória
eidética é algo que trabalhamos no treinamento — ele ofereceu
como explicação.
Com convicção, ele a levou direto para a pintura de que ela
precisava: o retrato de Lady Charlotte Eaton, de Sir James Whistler,
duquesa de Boston.
Beatrice se sentou no banco e tirou seu laptop. Ela digitou uma
série rápida de pensamentos sobre a pintura, mordendo o lábio
inferior em concentração. A sala parecia muito quieta e silenciosa.
Finalmente ela fechou seu laptop com um clique satisfeito e olhou
para cima. Connor não disse nada, apenas acenou com a cabeça
em direção à saída.
Beatrice acelerou o passo quando chegaram à sala cheia de
Picasso e outros pós-modernistas. — Eu nunca gostei muito desses.
Principalmente os que têm dois olhos do mesmo lado do rosto —
disse ela, apenas para quebrar o silêncio. — Eles sempre me fazem
sentir um pouco bêbada.
— Esse é o ponto — disse Connor secamente. — Bem, realmente
é para fazer você se sentir como se estivesse drogado de ácido.
Mas pode ser bêbado também.
Beatrice começou a rir. Connor olhou para ela com algo parecido
com a surpresa.
Talvez tenha sido por causa daquela risada que ele diminuiu o
passo e parou para examinar uma série de gravuras de artes
gráficas: aquelas dos anos 50 que pareciam páginas arrancadas de
um gibi.
Beatrice ficou do lado dele. — Você é um cara fã de quadrinhos?
Ela viu Connor debater o quanto de si mesmo revelar. — Minha
mãe é — ele disse finalmente. — Quando eu era criança, ela
trabalhava como artista gráfica. Ela fez esboços para alguns dos
principais quadrinhos de super-heróis: Poison Rose, the Ranger,
Captain Storm.
— Eu aposto que você adorava ganhar quadrinhos grátis —
Beatrice arriscou.
Ele olhou de volta para uma das impressões, alinhada com uma
tinta azul-elétrica. — Ela costumava desenhar minha própria história
em quadrinhos sempre que tinha tempo. As Aventuras de Connor.
Eu tinha um superpoder diferente a cada semana – voar,
invisibilidade, trajes de batalha de alta tecnologia. Ela é a razão pela
qual eu queria me inscrever para a Guarda. Eu pensei que era o
mais perto que poderia chegar de ser um super-herói na vida real.
Não apenas as coisas físicas, mas também o senso de... honra, eu
acho. — Ele deu de ombros, como se não tivesse certeza do por
que admitiu tudo isso.
— Isso faz sentido — Beatrice disse calmamente. Mesmo que ela
não tivesse visto todos os filmes de quadrinhos, ela sabia que os
super-heróis operavam de acordo com um código de moralidade
que parecia quase arcaico no mundo moderno. Eles protegiam os
fracos, serviam a algo muito maior do que eles. Não admira que
Connor tenha se sentido chamado para a Guarda Revere.
— Sua mãe parece muito especial — ela continuou.
Connor concordou. — Ela ia gostar de você. — Foi uma
declaração casual o suficiente, mas havia algo mais envolvido nela:
uma promessa, ou pelo menos uma possibilidade.
As coisas entre eles mudaram depois disso – lentamente, mas
elas mudaram do mesmo jeito. Connor começou a se sentar ao lado
de Beatrice durante suas aulas, em vez de ficar na fileira atrás dela,
debatia o material do curso com ela na caminhada de volta para seu
dormitório. Eles trocaram livros. Ele tinha um senso de humor
perverso e deixava impressões de seus professores ou colegas de
classe que a faziam rir tanto que chorava. Às vezes, em momentos
de descuido – quando estavam correndo ao longo do rio Charles e
ele a desafiava para uma corrida, ou quando Beatrice insistia para
que fossem à loja de iogurte congelado e ele a desafiava a
experimentar todos os sabores – ele parecia quase divertido.
E quando ele a acompanhou às funções reais, Connor não ficou
mais com o rosto impassível do lado. Agora ele chamava a atenção
de Beatrice sempre que alguém fazia uma piada de mau gosto ou
um comentário estranho, forçando ela a desviar o olhar para não
cair na gargalhada. Eles até desenvolveram um sistema silencioso,
usando sua bolsa como um dispositivo de sinalização. Se ela
deslizasse para frente e para trás de um antebraço para outro,
significava que ela queria ir embora, e seria o momento em que
Connor iria aparecer com uma desculpa inventada e ajudar ela a
escapar.
Conforme o tempo passava, Beatrice lentamente montou a
história de Connor. Ele cresceu no oeste do Texas, em uma cidade
chamada El Real – Como é típico do Texas chamar uma cidade de
real, como se o resto do mundo fosse apenas inventado – brincou
Connor. Seu pai trabalhava como funcionário dos correios e sua
irmã mais nova, Kaela, tinha acabado de começar a faculdade.
Quanto mais ela aprendia sobre Connor, mais Beatrice revelava
sobre si mesma: suas opiniões sobre as pessoas, suas frustrações.
Ela tentou fazer piadas. Por mais estranho e inesperado que
pudesse ser, ela começou a pensar em Connor como seu amigo.
E Beatrice nunca teve um amigo íntimo, não do jeito que Sam
tinha Nina ou Jefferson tinha Ethan. Mesmo na escola primária, ela
lutou para criar conexões com seus colegas de classe. Metade do
tempo ela não tinha ideia do que eles estavam falando – suas
referências a programas de TV ou à Disneyland não significavam
nada para ela, como se estivessem falando uma língua estrangeira
desconcertante. As outras garotas eram infalivelmente educadas,
mas sempre se mantinham à distância. Era como se eles pudessem
sentir o cheiro de sua alteridade inerente, como gatos selvagens.
No fim, Beatrice desistiu de tentar fazer amigos. Era apenas mais
fácil guardar para si mesma, buscar a aprovação dos adultos em
vez de seus colegas.
Até Connor, ela não tinha percebido o alívio que era ter alguém
que a conhecia tão bem. Alguém com quem ela pudesse
simplesmente conversar, sem ter que pesar cada palavra antes de
falar.
Foi chocante quando ela se formou, e eles deixaram a
informalidade de Harvard para voltar à corte, com todas as suas
normas e expectativas. Beatrice secretamente temia que as coisas
entre ela e Connor pudessem mudar. Mas, embora ele tenha
começado a chamar ela de Sua Alteza Real em público, em
particular eles caíram de volta em sua camaradagem fácil.
— Você está tão quieta — disse Connor agora, interrompendo os
pensamentos da princesa. Seus olhos encontraram os dela no
espelho. — O que está acontecendo, Bee?
— Meus pais querem que eu entreviste maridos em potencial esta
noite.
As palavras ecoaram violentamente na sala, como o disparo de
mosquetes durante a Apresentação anual das Tropas.
Beatrice não tinha certeza do que tinha possuído ela para dizer
isso tão sem rodeios. Ela não queria falar sobre isso com Connor. O
que era uma bobagem, na verdade, visto que ele sabia praticamente
tudo sobre ela: que ela odiava bananas, ligava para a avó todos os
domingos e sonhava com os seus dentes caindo sempre que ficava
estressada.
Por que parecia tão estranho, então, dizer a Connor que seus pais
queriam que ela começasse a pensar em casamento?
Talvez seu subconsciente a tivesse feito dizer isso, na esperança
de avaliar sua reação – para provocar uma onda de ciúme.
Connor olhou para ela com uma expressão curiosa, tingida com
algo que poderia ser descrença — Deixa eu ver se entendi — disse
ele lentamente. — Você vai conhecer alguns caras que seus pais
escolheram e depois se casar com um deles?
— Isso resume tudo com bastante precisão. — Beatrice tinha
visto dois rapazes do outro lado da sala durante a hora do coquetel.
Ela conseguiu evitar os dois até agora, mas sabia que teria que
enfrentar eles após a cerimônia.
— Quantos... potenciais pretendentes existem? — Connor
continuou, claramente sem saber como chamar.
— Por quê você se importa? — Beatrice queria que soasse
irreverente, mas saiu ligeiramente na defensiva.
— Só estou tentando fazer meu trabalho.
É claro. Não importava se eles eram amigos. No final do dia,
Beatrice ainda era seu trabalho.
Quando ela não respondeu, Connor deu de ombros. — Eles
precisam de você de volta lá fora. Você está quase pronta?
Beatrice pegou uma caixa de veludo sobre a mesa lateral e abriu
o fecho. Aninhada dentro estava a Tiara Winslow, feita há mais de
um século e usada desde então pela Princesa Real, a filha mais
velha do monarca reinante. Era de tirar o fôlego, as espirais de seu
padrão em forma de lacuna cobertas por várias centenas de
pequenos diamantes.
Ela o colocou no ninho de seu cabelo com spray de cabelo e
começou a prender no lugar. Mas suas mãos se atrapalharam, os
pinos escorregando de seus dedos. A tiara inestimável começou a
escorregar de sua cabeça.
Beatrice mal o pegou antes que pudesse se espatifar no chão.
— Aqui, me deixa tentar — Connor ofereceu, dando um passo
rápido para frente.
Beatrice dobrou os joelhos em uma quase reverência, embora
Connor fosse tão alto que provavelmente não precisava dela. Ela se
sentiu estranhamente fora do corpo, como se estivesse nadando
nas profundezas aquosas de um sonho, enquanto o observava
levantar a tiara. Nenhum deles falou enquanto ele usava uma série
de grampos para prender ela no lugar.
O movimento do peito de Beatrice eram superficiais sob a fralda
de seda de seu vestido. Ele mal a tocou, mas cada movimento, cada
toque de um dedo contra sua nuca, parecia escaldante.
Quando ela se levantou novamente, Beatrice piscou para seu
próprio reflexo coroado e brilhante. Seus olhos ainda estavam fixos
nos de Connor no espelho.
Ele pegou a capa de Beatrice, como se para arrumá-la
imperceptivelmente, embora já estivesse perfeitamente colocada.
Foi a imaginação de Beatrice ou ele segurou os dedos nas costas
dela por um momento a mais do que o estritamente necessário?
Um floreio de trombetas ressoou pelo corredor. Connor deu um
passo para trás, quebrando o momento – ou o que quer que tenha
sido.
Beatrice endireitou os ombros e se encaminhou para a porta.
Quando ela se virou, o denso veludo azul de sua capa varreu
majestosamente atrás dela. Devia pesar pelo menos sete quilos.
Sua tiara brilhou, enviando um spray de sombras e luzes sobre a
parede.
Quando eles alcançaram a porta, Connor instintivamente deu um
passo para trás, para que ele saísse da sala atrás da princesa,
como convinha a ambas as suas fileiras. Já tinha acontecido tantas
vezes antes, mas o coração de Beatrice ainda pesava um pouco
enquanto Connor demorava. Ela preferia ter ele ao seu lado, para
poder ver seu rosto.
Mas era assim que as coisas eram. Connor estava simplesmente
fazendo seu trabalho – e ela também deveria.
DAPHNE

Você tinha que dar os créditos para os Washington, pensou Daphne,


de onde se sentou na plateia da cerimônia de cavalaria. Eles
realmente sabiam como fazer pompa e circunstância.
No que dizia respeito às dinastias reais, dificilmente eram a mais
velha. Os Bourbons, os Habsburgs, os Hanoverians, os Romanov:
essas famílias podiam traçar sua soberania há muitos séculos ou,
em alguns casos – os Yamatos gorvernavam o Japão desde 660 aC
– milênios. Em comparação, os Washingtons eram tão recém-
chegados que eram praticamente os Deightons de famílias reais.
Mas o que faltava em tempo, os Washingtons mais do que
compensavam em estilo.
Centenas de cortesãos estavam sentados em bancos de madeira,
de frente para um estrado com três tronos enormes. A central e
maior era a do próprio Rei George IV, estofada em veludo vermelho
com suas iniciais entrelaçadas, GR de Georgius Rex, costuradas em
linha dourada. A rainha Adelaide estava sentada no trono vizinho,
enquanto o rei e a princesa Beatrice estavam diante dela,
conduzindo a cerimônia de cavalaria.
Beatrice estendeu um rolo de pergaminho – uma das patentes da
nobreza, amarrado com uma fita de seda vermelha. O manto de
estado varreu atrás dela, brilhando com bordados e decorado com
pele.
— Senhorita Monica Sanchez. — Beatrice falou no microfone
preso em sua faixa.
Uma das figuras nos primeiros bancos, provavelmente Monica
Sanchez, se colocou de pé em um salto. Seus movimentos eram
rígidos de nervosismo, como se ela fosse uma marionete cujas
cordas foram cortadas. Honestamente. As pessoas ficavam muito
preocupadas em conhecer a família real. Eles pareciam esquecer
que os Washingtons também eram humanos – que respiravam,
tinham pesadelos e vomitavam como todo mundo. Mas, Daphne
tinha visto tudo isso em primeira mão.
Monica subiu os degraus e se ajoelhou diante do rei.
— Pelos serviços que prestou a esta nação e ao mundo em geral,
agradeço. Deste dia em diante, concedo-lhe as honras e as
dignidades de uma Cavaleira Defensora do Reino. — O rei segurava
uma espada cerimonial, com o punho gravado com a águia
americana: não a espada que pertencia ao rei George I, porque se
perdera há muito tempo, mas uma réplica baseada em um antigo
retrato.
O rei bateu a lâmina da espada contra um dos ombros de Monica,
em seguida, levantou sobre a cabeça para bater no outro. Daphne
tinha certeza de que viu Monica se encolher. Provavelmente ela
tinha ouvido o que aconteceu no ano passado, quando Jefferson,
bêbado, decidiu imitar um cavaleiro usando uma das espadas
antigas na parede. Ele acabou cortando a orelha de seu amigo
Rohan. Rohan riu da situação, mas ainda dava para ver a cicatriz.
— Levante-se, Lady Monica Sanchez — o rei concluiu,
estendendo a mão para ajudar ela a se levantar. Houve um punhado
de aplausos educados, visivelmente mais suaves do que no início
do alfabeto. Pelo menos eles estavam finalmente no S.
— Jeff está incrível — uma garota na fileira do lado sussurrou.
Daphne sentiu sua boca se curvar em um sorriso possessivo.
Jefferson parecia fantástico, parado ao lado do estrado, um espaço
brilhante ao lado dele, onde Samantha deveria estar. Em um homem
normal, o uniforme de gala real poderia parecer ridículo, toda aquela
fita, trança decorativa e aquelas dragonas de ouro brilhantes.
Mesmo assim, Jefferson fazia com que parecesse distinto, até sexy.
— Senhor Ryan Sinclair — continuou Beatrice, e Daphne
rapidamente se controlou antes que alguém pudesse pegar ela
olhando para o príncipe. Havia tantas câmeras, agrupadas em
ambos os lados da sala como um emaranhado de olhos, e ela
nunca iria saber qual delas poderia estar direcionada para ela. Ela
juntou as mãos no colo e olhou para frente, se arrumando como um
manequim em exibição.
A cerimônia finalmente terminou. Lentamente, como um grande
elefante, a manada de pessoas elegantemente vestidas voltou pelo
corredor e entrou no salão de baile. Perto da entrada, alguns
jornalistas falaram rapidamente em seus microfones, completando a
cobertura da noite. Daphne não se preocupou em procurar seus
pais quando começou a vaguear pela sala.
Ela sabia onde Jefferson estava o tempo todo. Ela podia sentir,
como se ele estivesse segurando a extremidade oposta de um
elástico, e seu puxão constante a deixava saber em que direção
olhar. Mas ela não olhou. Ela esperaria até o momento certo.
Ela havia esquecido como era bom estar na corte. Seu sangue
latejava com algo no ar – tão espesso quanto o cheiro da chuva,
porém mais cru, primitivo e inebriante como fumaça. Isso fez
Daphne se sentir brutalmente desperta, até a ponta dos dedos. Era
o cheiro do poder, ela pensou, e se você fosse inteligente, você
sabia o que significava.
Ela não conseguia andar alguns metros sem que alguém parasse
para cumprimenta-lá. Aqui estava a condessa Madeleine de Hartford
e sua esposa, a condessa Mexia. Daphne notou com uma centelha
de inveja que as duas mulheres estavam usando vestidos direto da
passarela. Em seguida, a Ministra do Tesouro, Isabella Gonzalez,
sua filha tímida e mal vestida era amiga íntima de Samantha. E
agora a herdeira do fast food Stephanie Warner estava se
aproximando para posar com Daphne para os fotógrafos, se
certificando de ficar à direita de Daphne, para que seu nome
aparecesse primeiro nas legendas das fotos.
— Como está sua amiga Himari? — Stephanie perguntou quando
os flashes das câmeras pararam de piscar. A pergunta pegou
Daphne desprevenida.
— Himari ainda está no hospital — respondeu ela, talvez com a
primeira emoção genuína que demonstrou naquele dia.
Stephanie apertou os lábios em uma expressão de simpatia. Ela
estava usando um tom escuro de batom que não era adequado para
sua pele pálida. Isso a fez parecer extravagante, como algum tipo
de noiva vampira de uma cripta. — Ela está lá há um tempo, não é?
— Desde junho — Daphne disse um adeus rápido e andou ao
longo da sala. Ela não conseguia se permitir pensar em Himari e no
que tinha acontecido com ela na noite da formatura de Jefferson.
Assim que lembrasse, a memória tomaria conta de sua mente e se
recusaria a deixar ela livre.
Este era o maior jogo do mundo, o único jogo que realmente
importou: o jogo de influência na corte. Então Daphne olhou para
seus inimigos sorridentes e sorriu de volta para eles.
Parecendo esguia e sombria em seu vestido de seda escuro, ela
começou finalmente andar em direção ao príncipe. Seus saltos
faziam pequenos cliques enfáticos na superfície de madeira do
salão de baile. Ela estava com o cabelo solto esta noite, suas
camadas de fogo emoldurando o oval perfeito de seu rosto. Ela até
conseguiu emprestado um par de gotas de esmeralda que
realçaram o verde cruel de seus olhos.
Quando ela o alcançou, Jefferson fingiu olhar para cima como se
estivesse assustado, embora provavelmente a estivesse
observando do outro lado do salão. Depois de todos esses anos, ele
ainda era tão sintonizado com a presença dela quanto ela com a
dele.
Daphne fez uma reverência: direto para baixo como um balde,
como uma bailarina na barra. O tecido de suas saias se agrupou
arquitetonicamente ao seu redor. Ela manteve a cabeça erguida o
tempo todo, os olhos nos dele. Ambos sabiam que não havia razão
para ela cumprimentá-lo assim, exceto para dar uma boa visão da
frente de seu vestido. Um pouco desesperada, mas ela estava.
Depois de um momento, Jefferson estendeu a mão para acabar
com a reverência. Ela olhou para ele melancolicamente, como se
dissesse: Aqui estamos nós de novo, depois de tudo, e ficou aliviada
com o sorriso de resposta de Jefferson.
— Oi, Jefferson. — As sílabas familiares de seu nome rolaram em
sua boca como se fossem doces.
— Hey, Daph.
— Dança comigo? — Ela abriu seu sorriso mais cativante, ao que
Jefferson nunca foi capaz de resistir. Com certeza, ele acenou com
a cabeça.
Enquanto eles pisavam na pista de dança, ele entrelaçou a mão
na dela, descansando a outra em sua cintura, como já tinha feito
tantas vezes antes. Deus, ele era tão lindo, tão dolorosamente
familiar. Toda a antiga ternura e calor estavam borbulhando de volta,
e a dor também, quando ela se lembrou do que ele tinha feito com
ela – o que ela fez com ele...
— Você se divertiu na Ásia? — ela perguntou, para distrair da sua
divagação momentânea.
— Foi incrível. Não existe nada como sentar no topo do Angkor
Wat e assistir o nascer do sol para realmente colocar as coisas em
perspectiva. — Jefferson deu um sorriso preguiçoso. — Como estão
tratando você no último ano? Ouvi dizer que você foi eleita monitora,
a propósito. Parabéns.
Ela perguntou a si mesma como ele sabia disso – se alguém tinha
contado a ele ou se ele mesmo leu, nas notícias que ela pressionou
Natasha a publicar. De qualquer forma, era bom saber que Jefferson
ainda estava de olho nela.
— O verdadeiro benefício de ser monitora é que a irmã Agatha
não me persegue mais para obter passes de corredor quando estou
matando aula.
— Como se você já tivesse matado aula. — Jefferson a girou em
um giro experiente, fazendo com que as dobras de seu vestido se
agitassem e se acomodassem em torno dela com um sussurro
agradável.
— Eu matei aula naquela vez que fomos para a World Series.
— Foi quando Nicholas ficou tão bêbado que trocou os sapatos
por um cachorro-quente?
— Os sapatos e seu telefone.
Os dois riram da memória, o tipo de risada fácil e íntima que não
compartilhavam há muito tempo e, quando acabou, Daphne soube
que havia marcado seu primeiro ponto.
Sem mencionar que as pessoas os notaram juntos. Ela se sentiu
brilhar cada vez mais, com a faísca que a atenção coletiva sempre
arrancava dela.
— Daphne — disse o príncipe hesitante, e ela se inclinou para
frente, na expectativa. — Eu te devo um pedido de desculpas. Sinto
muito pela maneira como terminei as coisas.
— Está tudo bem. — Ela não precisava de um pedido de
desculpas de Jefferson. Ela precisava que ele a quisesse de volta.
— Eu simplesmente sinto que você merecia algo melhor —
acrescentou.
Daphne sabia que ele estava pensando naquela garota em sua
cama e, por um momento, quase o desprezou, por ser covarde
demais para contar a verdade sobre a separação deles. Por se
desculpar sem realmente dizer a ela por que estava se
desculpando.
— Está tudo no passado — disse ela calmamente, escondendo
suas emoções por trás da máscara de cortesão em seu rosto. —
Jefferson... senti sua falta.
Ela esperou que ele dissesse de volta. E por um instante, pareceu
que ele diria.
Mas então ele se afastou, baixando as mãos para os lados. — Eu
tenho que… desculpe, mas eu tenho que ir.
— É claro — Daphne se forçou a sorrir como se nada estivesse
errado, embora Jefferson a estivesse deixando sozinha no meio da
música. Transformando ela em uma fonte de fofoca.
Amanhã, várias versões dessa história tomariam conta de salas
de estar e jantares. Jefferson a abandonou na pista de dança, diriam
as pessoas; não há chance deles voltarem agora.
— Posso interromper? — Ethan Beckett, o melhor amigo de
Jefferson, apareceu ao lado dela tão rapidamente que só se poderia
supor que ele estava observando toda a interação.
Daphne abriu a boca para fazer algum comentário incisivo, mas
se conteve. Se ela dançasse com Ethan, apenas por uma música,
isso distrairia as pessoas da partida abrupta do príncipe. Que pode
ter sido precisamente o que Ethan estava planejando.
— Tudo bem. — Ela tentou descansar as mãos levemente nos
ombros dele, tão levemente que quase não se tocaram, mas através
do tecido Daphne sentiu o calor de sua pele.
Ethan era o melhor amigo de Jefferson desde o ensino
fundamental. Ele era bonito, com olhos escuros sorridentes e tinha
um punhado de sardas. Ele não era nobre: sua mãe trabalhava
como professora de escola pública, criando Ethan por conta própria.
Daphne sempre presumiu que ele estudou na Forsythe com uma
bolsa de estudos, porque certamente não havia como sua família
pagar as mensalidades. Agora Ethan era um calouro no King’s
College – onde Jefferson provavelmente iria estudar, assim que seu
ano sabático terminasse.
Daphne sempre gostou disso em Jefferson, que ele tinha alguém
como Ethan como seu melhor amigo. Alguém que veio de uma
formação tão drasticamente diferente da sua.
Mas, novamente, era fácil ignorar coisas como dinheiro e status
quando você tinha uma quantidade quase infinita de ambos.
Eles dançaram em silêncio por alguns momentos. Sem perceber,
Daphne passou Ethan para conduzir, seus passos ficando cada vez
mais rápidos até ultrapassarem o ritmo da música.
Quando ela quase tropeçou nos pés de Ethan em sua agitação, o
aperto dele em sua mão aumentou. — É uma dança. Você pode
aproveitar sem atacar.
Ela não se desculpou, mas recuou. Um pouco.
— Acho que as coisas não ocorreram muito bem com Jeff — ele
continuou, em tom de conversa.
Daphne lutou contra uma onda de indignação. Ela não devia uma
explicação a ninguém, muito menos a Ethan. No entanto, ele
sempre teve um talento particular em irritar ela.
— Não tenho ideia do que você está falando.
— Fala sério, Daphne, vocês terminaram. Vale mesmo a pena se
atirar nele assim, só para conseguir uma tiara algum dia?
Daphne enrijeceu. Apenas Ethan a acusou de namorar Jefferson
pelos motivos errados. — Eu não esperava que você entendesse.
Os relacionamentos nunca fazem sentido do lado de fora; as únicas
pessoas qualificadas para pensar sobre eles são as pessoas que
estão neles.
— Exceto que você e Jeff não estão mais em um relacionamento
— Ethan apontou implacavelmente.
— Por enquanto.
Ambos falavam baixinho, os olhos fixos um no outro. Daphne
quase tinha esquecido que eles estavam no salão de baile.
— Você está perdendo seu tempo. Você não vai estalar os dedos
e trazer ele de volta, simplesmente assim — ele rebateu.
— Não é simplesmente assim. — Não seria fácil, e ela poderia ter
que esperar um pouco. E daí se Jefferson saísse com algumas
daquelas vadias e perseguidoras do pelotão do príncipe? Essas
meninas não significavam nada para ele. Ele voltaria para ela,
porque no final eles pertenciam um ao outro, e ele sabia disso tão
bem quanto Daphne.
E ainda assim... algo nas palavras de Ethan a fez parar. — Para
onde Jefferson fugiu? — ela perguntou, desejando que não soasse
tanto como se ela estivesse implorando.
— Você não gostaria de saber.
— Estou perguntando como amiga. — As palavras eram facas em
sua garganta, mas ela as pronunciou com tanta graça quanto pôde
reunir.
— Oh, nós somos amigos agora? Eu pensei que depois...
— Não mencione isso.
— Cuidado, Daphne — Ethan disse significativamente. — Não
queremos que isso pareça uma briga de namorados.
Ele estava certo. A maneira como suas cabeças estavam
inclinadas juntas, o jogo rápido e ondulação de sua conversa –
parecia suspeito. Daphne colocou alguma distância entre eles, seu
rosto congelado com um sorriso, embora tenha saído tão duro e
frágil quanto as taças de cristal alinhadas no bar.
— Você não pode dizer essas coisas — ela sussurrou.
— Você quer dizer que eu não posso falar sobre nós?
— Não existe nós! — Daphne balançou a cabeça com tanta
violência que seus brincos giraram para acertar os lados de seu
rosto. — O que aconteceu naquela noite foi um erro terrível, horrível.
— Foi? Ou ir atrás de Jeff é o erro?
— Não mencione aquela noite. Por favor — Daphne implorou,
assustada com a educação. Normalmente ela e Ethan não se
importavam com as sutilezas.
O príncipe nunca, jamais poderia descobrir o que ela e Ethan
fizeram. Se descobrisse, todos os seus planos virariam pó.
— Você realmente acha que vai ter Jeff de volta, não é? — Ethan
respondeu, com descrença evidente.
Mas Daphne sabia que ela poderia fazer isso acontecer. Ela
poderia fazer qualquer coisa acontecer por si mesma.
— Eu sei que vou — ela disse a ele.
NINA

— Nina! Aí está você! — A princesa Samantha puxou a amiga para


um lado do salão de baile, se movendo da mesma maneira
impaciente e perversa que fazia desde que era criança, por mais
que os mestres de etiqueta tentassem treinar ela.
— Está mais para ai está você. Foi você que ficou completamente
desaparecida. — Nina balançou a cabeça divertida. — Onde você
estava durante a cerimônia de cavalaria?
O cabelo de Sam estava escapando de seus grampos, seu rosto
brilhando com um rubor revelador. Apesar de seu vestido cintilante e
dos diamantes brilhando em seus pulsos e garganta, ela parecia
nada mais do que uma criatura meio domesticada, como se ela
pudesse correr selvagem a qualquer momento.
Sam baixou a voz até quase um sussurro — Eu estava na sala de
chapéus com Teddy Eaton.
— Quem?
A princesa indicou com a cabeça em direção a um cara na pista
de dança, loiro e de aparência aristocrática. Nina teria dito que ele
não parecia o tipo de Samantha, exceto que Sam nunca teve
realmente um tipo. A única coisa consistente sobre suas aventuras
era o valor de choque que provocavam. — Ele é bonitinho — disse
ela evasivamente.
— Eu sei. — Samantha não conseguiu esconder o sorriso. —
Desculpe, eu sumi. Como está sua noite? Você já está infeliz?
Nina encolheu os ombros. — Essas coisas simplesmente não são
minha praia.
Ela já tinha falado com todos de quem realmente gostava nesta
festa, que não eram muitas pessoas para começar, exceto suas
mães. A maioria dos convidados parecia olhar através de Nina,
como se ela fosse invisível. Mas era assim que as coisas eram na
corte: até você ser alguém, você não era ninguém.
— Bem, obrigada de novo por ter vindo — disse Sam
sinceramente. — Da próxima vez, prometo que podemos ir a uma
das festas da faculdade. Estou morrendo de vontade de conhecer
todos os seus novos amigos.
Nina sorriu ao pensar em Samantha conhecendo Rachel. Suas
duas amigas mais próximas, ambas com personalidades tão
teimosas, ambas acostumadas a conseguir o que queriam. Elas se
adorariam ou se desprezariam.
Antes que Nina pudesse responder, um homem parou atrás de
Samantha. Lorde Robert Standish, que assumiu o cargo de
camareiro após a partida da mãe de Nina.
— Sua Alteza. Sua Majestade pede que você dance com o Grão-
Duque Pieter. — Robert manteve os olhos em Samantha, ignorando
Nina, embora soubesse perfeitamente quem ela era.
Samantha lançou a Nina um olhar de desculpas com um toque de
irritação. — Desculpe, mas parece que fui convocada — disse ela, e
saiu em busca do Grão-Duque – o filho mais novo do czar russo,
que estava atualmente na América como convidado da corte.
Nina ficou ao lado do salão, olhando para a pista de dança com o
olhar desapaixonado de um estranho. Tantas pessoas se
aglomeraram ali, todos eles usando seus títulos, riqueza ou
conexões ostensivamente em suas mangas. Vendo eles andarem
por aí daquela maneira rígida do Washington Palace, Nina deu um
suspiro silencioso de resignação.
Nada mudou. Era a mesma velha fofoca, o mesmo vinho
espumante derramado nas mesmas taças de cristal, as mesmas
pessoas discutindo sobre os mesmos pequenos dramas. Até
cheirava igual, os cheiros de ganância e governo misturados com
sachês de rosas e móveis velhos e mofados.
Isso fez Nina se lembrar das novelas que Julie adorava, aquelas
que você podia perder semanas de uma vez e então retomar a
história sem problemas. Porque apesar do turbilhão de ação que
parecia afetar os personagens, nada realmente aconteceu.
Ela observou Samantha se aproximar de Pieter; ele se curvou
rigidamente e estendeu a mão para conduzir ela para frente. Os
cortesãos se aglomeraram ao redor deles, cavalheiros de armas e
alabardeiros da guarda cujos nomes se misturavam na mente de
Nina. Ela fazia parte da vida privada de Samantha, não dessa esfera
pública e Real, e não importa quantos desses eventos ela tenha
comparecido, Nina não tinha ideia de quem era a maioria dessas
pessoas.
Embora ela tenha reconhecido Daphne Deighton, dançando com
o Príncipe Jefferson.
O braço de Daphne estava enrolado em seu ombro, sua boca
vermelha e sorridente. Tudo nela – o brilho de seus brincos, o brilho
de seu vestido – parecia raro, caro e incrivelmente elegante. Talvez
os rumores fossem verdadeiros, e ela e Jeff voltariam depois de
tudo.
Nina se sentiu repentinamente desesperada por ar fresco. Mas
muitos amigos de Jeff estavam no terraço, e a última coisa que ela
queria era correr em direção ao príncipe.
Então ela se lembrou de onde mais ela poderia ir.
Ela começou a avançar, seu reflexo nos espelhos antigos do
salão de baile se movendo com ela. Ela nunca iria se acostumar a
se ver em trajes formais. Seu vestido, um violeta transparente de
Sam com um decote frente única, ondulava em torno de seus
calcanhares enquanto caminhava.
Nina saiu pelas portas principais do salão de baile e desceu um
corredor lateral iluminado apenas por arandelas antigas a cada
poucos metros. Ela se moveu rapidamente, passando por estátuas
fantasmagóricas em pedestais de mármore e paisagens em
molduras pesadas. O único segurança que ela viu estava parado no
topo da escada; ele deu a ela um aceno desinteressado antes de
voltar para o telefone.
A maior parte do Palácio de Washington foi reformada várias
vezes. Tudo o que restou da casa original de Mount Vernon foi um
pequeno conjunto de quartos ao longo do canto sudeste. Eles
tinham teto baixo e eram desatualizados, nunca usados para
funções oficiais da corte. Mas Nina sempre amou aqui,
especialmente à noite, quando a idade do edifício era atenuada sob
um manto de sombras.
Tirando os sapatos prateados, ela saiu para uma varanda. As
pedras do piso estavam deliciosamente frias sob seus pés
descalços.
Abaixo dela se estendiam os jardins, uma colcha de retalhos de
luz e escuridão. Nina apoiou os cotovelos nos balaústres de ferro e
olhou além dos pomares de cerejas – a parada mais popular no
passeio pelo palácio, por causa daquela velha história sobre o rei
George I e a cerejeira – para a cidade além.
Washington, a capital da nação. A cidade dos sonhadores e
vigaristas, da nobreza e dos plebeus, das finanças, da moda e da
política e da arte – a maior cidade do mundo, seus residentes
sempre diziam, onde qualquer um poderia vir e fazer seu nome. Era
uma confusão gloriosa de telhados de pedra e arranha-céus novos e
barulhentos com outdoors de neon. As cúpulas gêmeas da
Columbia House, o ponto de encontro de ambos os órgãos do
Congresso, se erguiam acima do horizonte em um esplendor
dourado.
Uma porta se abriu atrás dela — Nina?
Sua respiração ficou presa nos seus pulmões. Ela deveria saber
que isso poderia acontecer.
— Eu quase não vi você a noite toda — disse Jeff. Ou melhor, o
príncipe Jefferson George Alexander Augustus, terceiro na linha de
sucessão ao trono da América.
— Eu queria ficar sozinha — Nina disse secamente. Seu tom
falhou em mandar ele ir embora.
— Esperta, vir aqui logo antes dos fogos de artifício começarem.
Você terá o melhor lugar da casa. — Ele deu seu sorriso arrogante
de sempre, embora isso não tenha feito Nina ficar com os joelhos
fracos como antes. Sério? A última vez que ela viu o príncipe, ele
estava na cama com ela, e agora ele estava agindo como se nada
entre eles tivesse mudado. Como se eles ainda fossem os mesmos
amigos descontraídos de sempre.
— Eu estava saindo.
Nina começou a se virar, mas a mão de Jeff fechou em torno de
seu pulso. A sensação de sua pele na dela disparou erráticamente
em seus nervos. Ela olhou para ele, que o soltou, castigado.
— Eu sinto muito. Eu só queria dizer, sobre a noite da formatura...
Nina cruzou os braços sobre o peito. Ela não estava usando sutiã
com este vestido, o que a fez se sentir constrangida de repente,
mas isso realmente importa? Jeff já tinha visto tudo. — Não se
preocupe. Eu nunca disse a ninguém, se é isso que você está
perguntando.
— O que? Não — ele disse rapidamente. — Eu queria te dizer
que sinto muito.
— Desculpe pelo o que aconteceu, ou desculpe por que você
nunca se preocupou em me enviar uma mensagem depois? — Nina
não costumava falar assim, mas essas palavras vinham sacudindo
em sua mente por meses, e agora que ela estava com o príncipe
novamente, elas pareciam estar saindo independentemente dela.
— Eu não sabia...
— Você não sabia que deveria reconhecer uma garota na manhã
seguinte?
Jeff estremeceu. — Você está certa. Eu deveria ter falado alguma
coisa. Aquela foi uma noite tão estranha, depois do que aconteceu
com Himari. Acho que não pensei.
Nina estava preparada para uma desculpa – que ele havia
esquecido, ou perdido o telefone, ou que ela estava exagerando, já
que afinal de contas eles nem tinham dormido juntos. Mas isso a
pegou desprevenida.
— Foi aquela garota que caiu? — Ela tinha ouvido falar de Himari
Mariko, como ela caiu pela escada dos fundos do palácio na noite
da festa de formatura. Foi um milagre seus pais não terem
processado a família real.
Talvez os aristocratas considerassem má educação acusar seus
monarcas em um tribunal. Nina realmente não saberia.
— Depois que aconteceu, o segurança bateu na minha porta.
Decidi deixar você dormir com tudo isso – acrescentou Jeff, olhando
para ela sem jeito. — E então, na manhã seguinte, saímos tão cedo
para a excursão real, e eu realmente não sabia... quero dizer... sinto
muito — disse ele de novo, impotente.
Seu pedido de desculpas tirou um pouco do ar do peito de Nina. A
onda de raiva dela pareceu quebrar, deixando ela com uma
estranha sensação de incerteza.
Como se fosse uma deixa, um estrondo baixo e barulhento soou
do gramado, e o céu irrompeu em um cata-vento de chamas
giratórias. Os fogos de artifício anuais do Baile da Rainha.
Nina se lembrava de como ela e os gêmeos adoravam assistir a
essa parte, quando eram muito jovens para ir à festa. Sam insistiria
para que Nina fosse dormir lá, e eles iriam se esgueirar para este
mesmo terraço antes dos fogos de artifício começarem, os três
enrolados em um cobertor de lã pesado.
— Vou ficar um minuto — ela se ouviu dizer. — Só até o fim dos
fogos de artifício.— Pelos bons tempos.
Jeff apontou para o chão como se oferecesse a Nina a cadeira
mais elegante do mundo. Ela ignorou a mão dele e abaixou para o
chão de pedra da varanda, levantando a saia do vestido de Sam
para deslizar as pernas pelo corrimão. Seus pés descalços com os
dedos dos pés sem polimento balançavam no ar.
— Você vê aquilo? — Jeff apontou para o palácio, onde um ninho
de pássaros vazio estava precariamente enfiado em uma das vigas.
Um gancho parecia puxar e puxar o coração de Nina. Ela havia
esquecido que ela e os gêmeos costumavam rondar o palácio em
busca de ninhos de pássaros. Normalmente, eles deixavam
migalhas do lado de fora, esperando que os pássaros as
comessem.
— Da próxima vez, precisamos trazer algumas sobras de scones
para esfarelar — pensou Jeff.
Próxima vez? Nina lançou um olhar questionador, mas Jeff estava
desviando o olhar.
Havia algo inerentemente real em seu perfil, seu queixo quadrado,
maçãs do rosto salientes e nariz aquilino. Era o tipo de rosto que os
romanos teriam estampado em uma moeda.
Eles ficaram sentados lá por um tempo em um silêncio amigável.
Os fogos de artifício continuaram explodindo no céu, tons de
vermelho americano, azul e dourado se desdobrando em chuvas
vibrantes de faíscas. Eles foram tão rápidos que cada fogo de
artifício iluminou o sussurro de fumaça que sobrou do anterior.
Sentada assim, assistindo aos fogos de artifício do jeito que
sempre faziam, Nina quase podia fingir que eram amigos de novo.
Mas ela sabia que não tinha como voltar no tempo, nem voltar a ser
"apenas amigos.'' Não para ela.
Nina não conseguia identificar quando, exatamente, ela tinha se
apaixonado por Jeff. Ela era amiga dele há anos, tinha crescido com
ele ao lado de Sam. Tudo que ela sabia era que um dia ela acordou
e seu amor por ele estava simplesmente lá, como neve recém-
caída. Talvez estivesse lá o tempo todo.
Quando ele começou a namorar Daphne, Nina quase se dobrou
de dor. De repente, Daphne tinha sido convidada para todos os
mesmos eventos e férias que Nina veio com Sam, e Nina teve que
assistir, impotente, como o relacionamento deles se desenrolava
diante dela.
Ela odiava Daphne. Odiava seu sorriso perfeito, seu cabelo
brilhante que nunca parecia cair fora do lugar, a maneira doce, mas
proprietária, com que pousava a mão no braço de Jefferson. Acima
de tudo, ela odiava Daphne por ser totalmente elegível – por ser o
tipo de garota com quem todos esperavam que Jeff namorasse.
Nina nunca poderia competir com uma garota assim.
Até a noite da festa de formatura dos gêmeos, quando tudo
mudou.
Os gêmeos iam viajar cedo na manhã seguinte, para uma das
viagens anuais da família real ao país. Mesmo assim, o rei e a
rainha concordaram em deixar os dois darem uma festa de
formatura no palácio. Nina riu, dançando com Samantha e alguns
amigos da escola particular de Sam. Todos eles beberam muito; o
coquetel de assinatura da festa era alguma coisa mista de frutas
que Sam tinha inventado, bancando o barman nas cozinhas do
palácio.
A festa acabou ficando muito quente e lotada para Nina. Ela
entrou no corredor – apenas para trombar com o príncipe.
Jeff colocou as mãos nos ombros dela para firmar ela, porque ela
cambaleou um pouco nos próprios pés. — Você está bem?
Nina não ficou curiosamente surpresa ao encontrar Jeff ali,
sozinho. Claro que ele estava lá: em sua mente bêbada e feliz,
parecia que o destino o tinha trazido até ali, apenas para ela.
— Não acredito que você vai embora amanhã. Não será a mesma
coisa sem você — Nina deixou escapar, então imediatamente
desejou poder voltar atrás. — Quero dizer, sem você e Sam...
— Nina Gonzalez. — Jeff sorriu. — Você está dizendo que vai
sentir minha falta?
Nina não sabia se ele falava sério ou não. Ela não sabia o que
responder.
Ele se inclinou para frente. A magia estava espessa e pesada no
ar. E de alguma forma – Nina tinha repetido aquele momento em
sua cabeça um milhão de vezes, e mesmo agora ela não podia dizer
com certeza qual deles tinha começado – de alguma forma eles
estavam se beijando.
Parecia para Nina como se ela tivesse saído completamente
deste universo e entrado em um novo lugar onde tudo poderia
acontecer.
— Você quer subir? — Jeff murmurou. Nina sabia que deveria
dizer não, claro que não.
— Sim — ela sussurrou ao invés disso.
Eles tropeçaram na sala de estar e entraram em seu quarto. Nina
caiu de costas na cama, puxando Jeff para o lado dela. O ar parecia
mais rarefeito, ou mais quente, ou talvez todo o oxigênio
simplesmente tivesse sido drenado de seu sangue, porque o mundo
inteiro tinha ligado. Ela estava lá, com o Príncipe Jefferson.
A mão dele deslizou sob a alça de seu vestido, e isso forçou Nina
brutalmente a recobrar os sentidos.
Ela tinha ficado com alguns meninos de sua classe na escola e
aquele cara no bar em Cabrillo, em uma viagem com Sam, mas
nada disso passou de um beijo. Era uma loucura e tolice e Nina se
recusou até mesmo a admitir para si mesma, mas ela sabia que
alguma parte dela estava esperando, desejando, por isso. Que ela
eventualmente estaria aqui, com o único menino que ela amou.
Ela não podia se permitir ir mais longe agora, porque se fosse, ela
não tinha certeza se conseguiria parar.
Lendo sua hesitação, Jeff recolocou cuidadosamente a alça de
seu vestido. — Sem pressão — ele disse calmamente.
Nina o beijou de novo, porque ela não sabia mais como explicar o
que sentia – que não era que ela não gostasse de Jeff; era que ela
gostava muito dele.
Por uma fração de segundo, Nina pensou ter ouvido um barulho
vindo da porta. Ela olhou para cima, o pânico crescendo em seu
sistema, mas ninguém estava lá. E então todos os pensamentos
foram expulsos de sua mente quando Jeff a puxou para perto e a
beijou de novo.
Quando ela acordou na manhã seguinte, ele tinha sumido.
Ela ficou lá por um tempo em uma confusão sonolenta, piscando
para a luz do amanhecer. Ele estava partindo para sua excursão
real naquela manhã, mas certamente ele não ia embora sem se
despedir. Talvez ele apenas tenha saído para verificar algo.
Por fim, Nina deslizou para fora da cama e começou a procurar
suas coisas. Ela caminhou na ponta dos pés para o corredor usando
o vestido da noite anterior.
— Senhorita? — Um dos guardas de segurança do palácio estava
do lado de fora da porta de Jeff, sua expressão cuidadosamente em
branco e profissional. — Temos um carro esperando para levar você
para casa.
— Oh — foi tudo o que Nina conseguiu dizer, seu corpo inteiro
quente de mortificação. O brilho agradável da noite anterior se
dissipou rapidamente. Ela sabia que ela e Jeff não tinham feito
nenhuma promessa um ao outro; não era como se ela estivesse
esperando um bilhete de amor escrito à mão, mas ela pensou que
pelo menos teria notícias dele pela manhã.
Talvez ele tenha ficado irritado com ela por pisar no freio. Talvez
ele só a tenha convidado para subir porque presumiu que ela
dormiria com ele, e uma vez que ela disse não, ele correu na
primeira chance que teve, deixando sua segurança para mandar ela
embora como um segredinho sujo. Bom, então, graças a Deus ela
não dormiu com ele, afinal.
Nina clicou em seu telefone com raiva, determinada a não pensar
em Jeff – apenas para descobrir que a internet foi inundada com
uma única notícia. O GRANDE ERRO DE JEFFERSON, proclamava uma
manchete; outra DIVISÃO REAL: MAS É PARA O BEM?
Aparentemente, depois de quase três anos de namoro, Jeff e
Daphne concordaram mutuamente em terminar.
Artigo após artigo, os colunistas pareciam compartilhar a mesma
opinião: que Jeff se arrependeria de sua decisão. Daphne Deighton
foi a melhor coisa que aconteceu à monarquia desde a rainha
Adelaide. Ela é identificável, inteligente e gentil, e trouxe à tona o
melhor do príncipe, proclamou uma redatora do Daily News. Ao
perder Daphne, a Coroa perdeu um de seus ativos mais poderosos
e vibrantes. Quem quer que Jefferson decida namorar em seguida,
ela simplesmente não estará à altura.
Nina se sentiu mal do estômago. Claro que ela não era Daphne.
Daphne era o tipo de garota que conseguia andar horas de salto
sem reclamar, que sabia qual garfo usar em um jantar formal, que
podia contar uma piada engraçada sem ser grosseira –
provavelmente em quatro línguas.
Daphne era a garota com quem Jeff se casaria, e Nina era a
garota com quem ele subiu furtivamente em uma festa e depois
mandou para casa em um carro alugado antes que alguém
descobrisse. O conhecimento a fez se sentir barata e de mau gosto,
e estranhamente vazia.
Ela ficou tão feliz quando eles se beijaram, mas tinha sido apenas
o produto de um bom, ou melhor, mau momento. Toda a noite
passada significava que Nina tinha topado com ele antes de
qualquer outra pessoa: que ela estava lá, e aparentemente burra o
suficiente para ficar com ele. Como qualquer outra garota burra da
América.
Agora a luz dos últimos fogos de artifício se dissolvia na escuridão
aveludada do céu.
Estava ficando mais frio; o vento arrepiando os cabelos de sua
nuca. — Eu deveria ir — ela murmurou, envolvendo os braços ao
redor de si mesma.
Jeff sem dizer nada tirou sua jaqueta para pôr nos seus ombros.
Era pesado, tilintando com várias medalhas e distintivos.
Contra seu melhor juízo, Nina deslizou os braços pelas mangas. A
jaqueta cheirava a ele, quente e um pouco doce.
Quando Jeff se inclinou para frente para roçar os lábios nos dela,
ela não se afastou.
Ela sentiu um chiado de choque quando o beijo ricocheteou por
seu corpo. Era isso que ela estava perseguindo, quando beijou
aqueles meninos na escola cujos rostos se transformaram em um
borrão. Era assim que um beijo deveria parecer – elétrico, pulsante
e fumegante ao mesmo tempo, como se você tivesse descoberto
uma nova fonte de combustível que poderia aquecer por dentro.
Então seus sentidos voltaram abruptamente ao foco, e ela se
lembrou de tudo que Jeff tinha feito.
Nina colocou as palmas das mãos em seu peito e o empurrou
com violência.
O silêncio caiu como uma cortina entre eles. Nina tropeçou em
seus pés. Jeff piscou para ela, seu rosto se contorceu em choque,
como se ele não pudesse acreditar no que tinha acabado de
acontecer. Nem ela poderia. Oh Deus, não era traição bater na
realeza?
— Eu sinto muito. Eu interpretei mal a situação — Jeff disse
hesitantemente. Ele se levantou, suas feições ainda estavam
marcadas pela confusão.
Ninguém nunca lhe disse não, percebeu Nina. Não mais. Essa era
a maldição da realeza.
Bem, tinha uma primeira vez para tudo.
— Você não deveria ter feito isso — ela retrucou, embora
soubesse que não era inteiramente justo. Ela estava sentada perto
dele, aqui no frio em um vestido fino. Vestindo sua jaqueta.
O cabelo de Jeff caiu para a frente; ele estendeu a mão para
empurrar com um gesto impaciente. — Eu sei que não lidei bem
com as coisas da última vez...
— Não idou bem com as coisas? Você tem alguma ideia de como
foi a sensação de acordar em sua cama depois disso? — Sua voz
quebrou com emoção reprimida. — E eu nunca mais ouvi falar de
você, nenhuma vez nos últimos seis meses!
— Desculpe — disse ele novamente, como se para lembrar do
que ele já tinha dito.
— Desculpa, não é uma borracha mágica que desfaz qualquer
coisa errada que você fez! Você não pode simplesmente pedir
desculpas e esperar que tudo seja como estava, não quando as
pessoas foram feridas!
Lágrimas se juntaram nos cantos de seus olhos e ela enfiou as
mãos nos bolsos de Jeff. Ele tinha um botão perdido em um deles.
Ela continuou brincando nervosamente com ele.
— Eu nunca quis te machucar — o príncipe disse lentamente. —
Mas me senti envergonhado com a maneira como lidava com as
coisas. Eu não terminei com Daphne quando você e eu... quero
dizer, eu não terminei com Daphne até a manhã seguinte.
— A imprensa fez parecer que a separação foi mútua. — Nina
sentiu um raio instantâneo de vergonha por ter admitido que tinha
lido aqueles artigos.
— Você, entre todas as pessoas, sabe que os tablóides inventam
essas coisas. Liguei para Daphne na manhã seguinte à festa de
formatura para terminar com ela. Mas nunca contei a ela sobre nós
— acrescentou Jeff. — Parecia desnecessariamente cruel. Eu não
sei, talvez isso seja errado da minha parte. Ou covardia.
Nina não tinha certeza de como responder. Ela havia subido
aquelas escadas também, confundido a linha entre o certo e o
errado.
— Eu queria falar com você na recepção mais cedo, Nina, mas
você fugiu antes que eu pudesse te encontrar. Eu chutei que você
poderia estar aqui.
— Você veio me procurar? — Ela achou que a aparição dele na
varanda era uma coincidência.
— Sim — disse ele com voz rouca. — Nina... você acha que
existe alguma chance de você e eu começarmos de novo? Tentar de
novo?
— Eu não sei. — Era a trégua quanto ela estava disposta a dar.
Um canto da boca de Jeff se ergueu, como se ele quisesse sorrir,
mas não tinha certeza se era permitido. — Bem, eu não sei é muito
melhor do que um não direto. Vou ficar com isso por enquanto.
Suas palavras foram uma pergunta e uma promessa. Tudo que
Nina pôde fazer foi acenar com a cabeça. Ela tirou sua jaqueta e
entregou a ele antes de voltar para dentro.
BEATRICE

Beatrice tinha feito turnês reais durante toda a vida.


Ela tinha apenas seis meses de idade em sua primeira turnê, pelo
sul e sudoeste americano. Ela não se lembrava, é claro, mas tinha
visto as fotos tantas vezes – de seus pais saindo do Eagle V,
segurando ela em seus braços – que ela sentia que se lembrava.
Seus pais aparentemente a carregaram para todos os cantos
naquela viagem, mesmo quando ela estava dormindo. Ao ver a
criança que seria a primeira Rainha da América, as multidões
rugiram com um frenesi que beirava a histeria.
Beatrice havia se acostumado com as turnês, a maneira como
tinha de sorrir e olhar nos olhos de cada pessoa que encontrava,
agradecendo pelo tempo delas, cumprimentando pelo nome. Ela
sabia o quão importantes esses momentos eram para a imagem da
família real. Como seu avô dizia, um monarca deve ser visto por seu
povo, todo o seu povo, para ser verdadeiramente levado a sério.
Mesmo assim, Beatrice ocasionalmente se pegava entrando no
modo de piloto automático, dizendo “obrigada” e “é um prazer
conhecê-lo” tantas vezes que ela se esqueceu do que as palavras
significavam.
Ela se sentia assim agora, no Baile da Rainha. Como se ela não
estivesse habitando sua própria vida, mas sim se transformado em
uma atriz, recitando um roteiro que outra pessoa tinha escrito.
Não ajudou o fato de que ela estava lutando bravamente, e com
pouco sucesso, para evitar ser pisada por seu parceiro de dança.
— ...e é por isso que a colheita foi muito mais tranquila este ano
— explicou Lord Marshall Davis, neto do Duque de Orange. Ele era
muito bonito, especialmente quando sorria, os dentes brancos
brilhando contra sua pele negra.
Eles estavam dançando o passo da caixa pelo salão de baile em
uma valsa lânguida. Era raro Beatrice dançar tanto em um evento
como aquele; geralmente ela e seus pais se abstinham de dançar.
Quando você está dançando, só pode falar com uma pessoa, seu
pai sempre dizia. É um uso mais eficaz do seu tempo deixar isso de
lado e circular pela multidão.
Esta noite era uma exceção, claro, porque esta noite Beatrice
precisava conhecer os vários candidatos. Ela ainda se recusava a
pensar neles como maridos em potencial.
Ela estava grata, pelo menos, que os jovens já sabiam o que
estava acontecendo, porque isso a salvou de ter que explicar por
que ela estava se apresentando. E cada um parecia saber quem
eram os outros; isso ficou claro pela maneira como eles continuaram
se encarando do outro lado do salão.
Até agora ela tinha conhecido a maioria dos rapazes. Lá estava
Lord Andrew Russell, futuro conde de Huron, cujo pai atualmente
servia como embaixador no Brasil. Lorde Chaska Waneta, futuro
duque dos Sioux, e Lorde Koda Onega, futuro duque dos iroqueses;
os dois herdeiros dos ducados americanos nativos que eram mais
próximos de Beatrice em idade. Havia até um par de irmãos, Lord
James Percy e Lord Brandon Percy, herdeiros do Ducado de
Tidewater, a estreita faixa de terra que circundava a maior parte do
Golfo do México.
A única coisa que todos eles tinham em comum era a ânsia de se
gabar de suas próprias realizações. Marshall, por exemplo, estava
atualmente se gabando de um vinhedo que sua família possuía em
Napa.
Beatrice forçou um sorriso no rosto. Ela raramente bebia vinho. —
Estou feliz que a colheita foi bem-sucedida. A agricultura é uma
parte muito importante da economia americana, especialmente em
Orange. — Ela estava cansada, se agarrando a qualquer coisa, mas
claramente ela disse a coisa errada.
— Fazer vinho não é agricultura. É uma arte — Marshall a
informou.
— Claro que é — ela se apressou a dizer. Ele acenou com a
cabeça rigidamente antes de conduzir ela em um giro.
Enquanto girava, Beatrice avistou uma cabeça loira do outro lado
do salão. Aquele era Theodore Eaton, o único jovem na lista de
seus pais que ainda não a tinha procurado. Ela o reconheceu pelas
fotos em sua pasta de papel manilha.
— Com licença, mas eu preciso ir — ela murmurou. Não importa
como Beatrice se sentia, suas maneiras nunca pareciam abandonar
seu corpo. — Foi um prazer.
— Oh, tudo bem. — Marshall recuou, deixando Beatrice cruzar a
pista de dança em direção a Theodore. Em seu vestido de saia
rodada, com o peso de sua faixa, medalhas e a tiara Winslow, ela se
sentia um pouco como um navio a todo vapor, fazendo progresso
lento, mas majestoso, em mares agitados.
— Theodore Eaton. É bom conhecê-lo finalmente — declarou. Foi
um pouco mais direto do que Beatrice normalmente era, mas ela
estava se sentindo desgastada e dispersa.
— Vossa Alteza Real — Ele estendeu a mão em expectativa, seus
pés já apontados para a pista de dança. — E, por favor, me chame
de Teddy.
— Na verdade… — Beatrice engoliu em seco. — Você se
importaria se nós apenas nos sentássemos por um minuto em vez
disso?
Ele assentiu e a seguiu pelas portas duplas até uma sala de estar,
que felizmente estava vazia. Beatrice se acomodou em um dos
sofás com um suspiro de alívio.
— Então, onde você esteve a noite toda? Se escondendo de
mim? — Ela queria que soasse como uma provocação, mas
claramente ela cometeu outro erro, porque Teddy corou
ligeiramente.
Mesmo com todos os anos de treinamento em etiqueta que ela
recebeu, ainda não tinha ideia de como falar com os meninos.
— Achei que deveria esperar minha vez — disse Teddy com
delicadeza.
Uma sombra se materializou na porta. Beatrice sabia antes
mesmo de olhar para cima que era Connor.
Ele ficou ciente da cena com um único olhar. Beatrice encontrou
seu olhar, dando o mais leve aceno de cabeça, e porque depois de
um ano juntos eles podiam se comunicar sem palavras, Connor
entendeu. Sua testa franziu em uma carranca, mas ele fez uma
reverência rígida e recuou.
Beatrice se preparou para a meia hora inevitável de se gabar que
estava prestes a suportar. No entanto, antes que ela pudesse pedir
a Teddy que falasse sobre si mesmo, ele interrompeu seus
pensamentos.
— Como você está aguentando?
Ela piscou — Perdão?
— Deve ser estranho e extremamente estressante para você,
conhecer um bando de caras com quem seus pais estão tentando te
arrumar. Como você está se sentindo? — Ele perguntou, então
balançou a cabeça. — Desculpe, tenho certeza que todo mundo
está perguntando isso a noite toda.
— Na verdade, você é a primeira pessoa a perguntar. — Beatrice
se sentiu estranhamente tocada por sua preocupação. — A verdade
é que sim. É meio estranho.
— É totalmente estranho. Igual aquele reality show speed-dating
— Teddy concordou, o que a fez querer sorrir. Ela conhecia o
programa de que ele estava falando; Samantha e Nina costumavam
assistir.
Teddy não era tão alto, certamente nem de longe tão alto quanto
Connor, mas quando ele se recostou nos travesseiros, ele parecia...
imponente. Não de um jeito ruim, Beatrice decidiu: de um jeito sólido
e firme. Mas algo fora de forma em sua aparência a incomodava.
— Sua gravata borboleta não está certa — Para sua imensa
surpresa, ela se viu inclinada para a frente — Aqui, posso refazer.
Teddy deu um sorriso de desculpas, embora ela tenha percebido
outro lampejo de autoconsciência. Oh Deus. Ele achava que ela
estava flertando com ele? Mas, não era exatamente isso que ela
deveria estar fazendo?
— Você é sempre tão perfeccionista? — Ele questionou.
— Faz parte do trabalho a descrição. — Ela se concentrou nas
mãos para não se sentir confusa: torcendo a gravata borboleta,
enrolando e depois puxando.
— Como você aprendeu a fazer isso? — Teddy perguntou
enquanto ela se inclinava para trás. A gravata borboleta estava
perfeitamente simétrica, com bordas bem definidas. Beatrice nunca
tentou qualquer tarefa que ela não pudesse completar
perfeitamente.
— Meu mestre de etiqueta me ensinou.
Ele começou a rir, mas se conteve. — Oh meu Deus — disse ele.
— Você não está brincando. Você realmente teve um mestre de
etiqueta?
— Claro que tive. — Beatrice se contorceu sob seu escrutínio.
— E o que esse mestre de etiqueta te ensinou?
— Modos à mesa, como fazer uma reverência, como entrar e sair
de um carro com segurança...
— Desculpe, por que isso faz parte das aulas de etiqueta?
Beatrice tentou não se sentir ainda mais envergonhada. — Eu
tenho que balançar as duas pernas de uma vez, meus joelhos
travados juntos, para impedir os paparazzi de… — Ela não suportou
dizer que eles iriam conseguir uma foto da virilha, mas não
precisava, porque os olhos de Teddy se arregalaram em
compreensão.
— Estou muito feliz por não ter que usar saias — brincou. Isso fez
Beatrice querer cair na gargalhada. Ela se contentou em franzir os
lábios contra um sorriso.
Os sons do salão de baile vinham na direção deles, ficando mais
suaves à medida que a noite avançava. Teddy olhou para ela,
pensativo. — Eu vi você em Boston algumas vezes, você sabe,
quando eu estava em casa no intervalo.
— Mesmo? Onde?
— No Darwin's. Eu costumava estudar lá — disse ele
timidamente. — Eu sempre sabia quando você ia, porque um de
seus oficiais de proteção faria uma varredura do local. Dez minutos
depois, você parava sua bicicleta, escondendo o rosto sob um boné
de beisebol, para pegar bagels e cerveja gelada. Achei legal da sua
parte — acrescentou ele suavemente. — Que você mesma foi
buscar bagels, quando claramente poderia ter enviado alguém.
Beatrice enrubesceu. Ela estava ciente de que o boné de beisebol
não havia enganado ninguém, mas o bom da faculdade era o
quanto as pessoas respeitavam sua privacidade. Mesmo quando a
reconheciam, geralmente não a incomodavam. — Adorava ir de
bicicleta até o Darwin's. Era muito trabalhoso chegar lá, mas eu
nunca quis desistir.
— O que você quer dizer com era muito trabalhoso?
— Um dos meus oficiais de proteção ia me seguir em um carro
com as janelas escuras, enquanto o outro, aquele que fazia a
varredura, estaria esperando no Darwin para me cumprimentar —
disse Beatrice timidamente. — Era uma coreografia complexa,
apenas para um bagel.
— Em sua defesa, esses bagels ficam mais saborosos quando
saídos do forno. Eles nunca teriam durado se você tivesse pedido
da biblioteca, ou onde quer que você estivesse estudando — Teddy
garantiu a ela.
— Delegacia. — Beatrice o corrigiu antes que pudesse se conter.
— O que?
— Eu não conseguia estudar na biblioteca. Estava sempre tão
lotado e eu realmente não gosto de estar em espaços pequenos e
fechados, não quando eles estão cheios de pessoas... — Beatrice
engoliu em seco. — Eu costumava ir de bicicleta até a delegacia de
Cambridge com meus bagels e ficar no último andar fazendo meu
dever de casa. Ninguém nunca me incomodou lá.
Ela se sentiu um pouco boba em confessar isso, mas Teddy
acenou com a cabeça em compreensão. — Qual era o seu pedido
de bagel? — ele perguntou, habilmente mudando de assunto.
— Blueberry, com cream cheese extra. A menos que eu ganhasse
um brownie de caramelo — ela confessou. — Costumava comer
uma vez por dia durante as provas. Eles eram minha rotina pessoal
antiestresse. — Ela inclinou a cabeça para olhar para Teddy. —
Qual era o seu pedido no Darwin?
— O Brawny Breakfast Sandwich, aquele com chorizo e
jalapeños. Sou viciado naquele molho picante — confessou ele,
rindo. — Eu me preocupo em estar sendo julgado pela minha
escolha de bagel.
— Eu não tenho muito para julgar você. Os outros caras
passaram a maior parte do tempo falando sobre si mesmos. —
Beatrice tinha dado a oportunidade, mas Teddy se recusou a morder
a isca.
— Talvez eu tenha menos sobre o que falar.
— Você não vai se gabar de Yale? — ela disse levemente.
— Eu não queria enfatizar que fui para uma escola tão melhor do
que Harvard — respondeu ele, com outro sorriso. — Embora eu
costumava me perguntar por que você decidiu não ir para o King’s
College. — Para onde os futuros reis da América sempre iam, ele
não precisava acrescentar.
— Estou tentando abrir um novo precedente — disse Beatrice,
evitando a questão. As pessoas geralmente presumiam que ela
havia estudado em Harvard por causa de seu rigor acadêmico,
quando a verdade era que ela simplesmente queria ficar longe da
capital por quatro anos. O mais longe que ela podia ir.
Ela teria preferido uma das faculdades do oeste, exceto que seus
pais nunca teriam permitido que ela fosse até Orange.
— Lembre-me, você não estava na equipe de caiaque? —
Beatrice perguntou, tentando mudar de assunto.
— Só no meu primeiro ano. E agora tenho provas de que você viu
meu currículo. — Teddy apoiou o cotovelo em um joelho. — Você
tem arquivos codificados por cores de todos nós, classificados em
ordem alfabética?
— É classificado pela precedência do título, na verdade — ela
rebateu, tentando fazer uma piada. — Como você sabia?
— Porque é o que meus pais teriam feito.
Ela não tinha certeza de como responder a isso, mas Teddy
continuou. — Meus pais são muito... opinativos — disse ele com
tato. — Como eu imagino que o seu seja. No momento, eles estão
chateados por eu não estar indo direto para a faculdade de direito.
Toda a minha família é de advogados — acrescentou, como se isso
explicasse tudo.
— E você quer ser advogado também?
— Não sei se quero ter alguma coisa a ver com isso — disse ele
suavemente.
Beatrice sentiu uma pontada de empatia. Ela não era estranha a
esse tipo de situação.
— Acho que vi um retrato de um de seus ancestrais no Museu de
Belas Artes de Boston. Lady Charlotte Eaton — lembrou Beatrice.
Um sorriso melancólico apareceu em suas feições com a lembrança
daquela noite.
— O retrato de Whistler — disse Teddy com sabendo do que ela
falava. — Ela é minha bisavó.
Beatrice assentiu. — Deve ter muito do acervo pessoal da sua
família em exibição naquele museu. Foi legal a sua família
emprestar.
A maior parte da arte da família Washington estava em
empréstimo permanente na National Portrait Gallery. Exceto quando
Beatrice era mais jovem, e uma foto por semana fora retirada da
coleção para pendurar na sala de aula. Algumas das pinturas
históricas mais sangrentas costumavam dar pesadelos nela.
— Nós vendemos aquele retrato, na verdade — Teddy disse a ela,
e imediatamente enrijeceu, como se lamentasse suas palavras.
Beatrice sentiu como se tivesse invadido algum território pessoal.
— Bom, eu tive que escrever um artigo sobre aquela pintura, e foi
uma das piores notas que recebi em toda a minha carreira
acadêmica — ela continuou. — Então, vamos esperar, para o nosso
bem, que você não seja tão confuso quanto sua bisavó. Porque se
for assim, eu nunca vou te entender.
Teddy parecia estudá-la com uma curiosidade pensativa — Sabe
— ele disse por fim — fiquei um pouco surpreso quando meus pais
me contaram por que eu estava te encontrando esta noite. Quero
dizer... você poderia ter literalmente quem você quiser.
Não qualquer um. Beatrice pensou novamente em como sua
pasta de opções era estreita.
— Não é tão simples — foi tudo o que ela disse.
O luar dançava através das enormes janelas em uma parede,
captando as surpreendentes safiras dos olhos de Teddy. Ele acenou
com a cabeça em compreensão. — Eu imagino.
Os outros meninos eram tão previsíveis, tão mesquinhos.
Nenhum deles realmente prestou atenção em Beatrice. Eles apenas
se posicionaram e se exibiram, dançando sobre a superfície de suas
conversas sem realmente ouvir ela.
Ela podia não sentir frio na barriga com Teddy, mas havia algo
genuíno nele que parecia uma marca a seu favor.
Beatrice tentou esconder seu nervosismo. Ela nunca tinha feito
isso antes, exceto em um diálogo com seu mestre de etiqueta – sim,
Lord Shrewsborough tinha feito-a práticar como convidar rapazes
para encontros, uma vez que a maioria dos homens ficavam
intimidados demais para convidar ela.
— Teddy… — Ela parou, engoliu em seco e reuniu as palavras. —
No próximo fim de semana minha família estará na noite de abertura
do Midnight Crown, o novo show no East End. Você quer vir
comigo?
Ele hesitou, fazendo Beatrice se perguntar se ela tinha cometido
um erro, pedindo a Teddy para ver um musical, e com sua família
inteira. Mas então ele relaxou em um sorriso.
— Eu adoraria — ele garantiu a ela.

Connor estava visivelmente quieto enquanto acompanhava Beatrice


de volta à suíte dela no final da noite.
Ela estendeu a mão para esfregar as têmporas, ainda doloridas
da tiara. Se ao menos pudesse tirar os sapatos e pular pelos
corredores descalça como Samantha fazia, mas mesmo agora,
algum senso de propriedade profundamente enraizado se recusava
a permitir.
Ela olhou para Connor. Ele estava olhando para longe, sua
mandíbula tensionada. Não era normal eles ficarem tão silenciosos.
Normalmente, no final de um evento, os dois estavam cheios de
histórias, comparando notas sobre as pessoas com quem Beatrice
havia conversado, compartilhando uma risada cúmplice às custas
de alguém. Esta noite, entretanto, ele parecia determinado a ignorá-
la.
Finalmente Beatrice não aguentou. — O que está acontecendo?
Eles estavam sozinhos no corredor do andar de cima, seus
passos abafados pelo pesado tapete. Ainda assim, Connor se
recusou a olhar em sua direção.
— Vamos — ela insistiu — Você é a única pessoa realmente
honesta comigo. O que está incomodando você?
— Honestamente? — Ele finalmente voltou aquele olhar para ela,
tão claro e afiado como o de um falcão. — Eu não posso acreditar
que você concordou em participar disso. Qual é o seu plano,
exatamente? Eliminar esses caras um por um, e quem sobrar no
final receberá a rosa final?
— Desculpe, você tem uma ideia melhor?
Ele fez um som de raiva e descrença. — Eu só não acho que
você pode convocar um bando de nobres para conhecer e esperar
um felizes para sempre com um deles.
— Não é necessário ser feliz para sempre. Pelo menos não de
acordo com meus pais — Beatrice se ouviu responder, com um
toque incomum de amargura. — Feliz o suficiente para sempre.
Eles haviam chegado na sua suíte. Sua sala de estar era linda,
embora um tanto impessoal: cheia de móveis antigos e lâmpadas
esmaltadas, as paredes azuis claras cobertas de aquarelas
recatadas. Perto da porta de seu quarto, uma escrivaninha sinuosa
estava cheia de convites e documentos oficiais.
Connor a seguiu para dentro, fechando a porta e se encostando
nela com os braços cruzados — Por que você está fazendo isso,
Bee? — Ele parecia chateado. O que não era justo, sendo que isso
realmente não tinha nada a ver com ele.
Ela soltou um suspiro de raiva. — Que outra escolha eu tenho?
Você sabe como a minha vida é estranha. Eu não posso
simplesmente sair para encontros como uma garota normal.
— E você acha que escolher um cara de uma formação
aristocrática é sua melhor aposta?
— Por favor, apenas… não — disse ela, impotente. — Já estou
ansiosa o suficiente.
— Você disse que queria que eu fosse honesto. — Connor enfiou
as mãos nos bolsos, sua postura rígida e fechada. Ele ainda estava
encostado na porta, alguns metros de distância o separando da
princesa. — E por que você está se sentindo ansiosa? Esses caras
estão todos aqui para o seu bem. Você tem todas as cartas na mão.
— Estou apavorada porque não tenho ideia do que estou fazendo,
ok? Tudo isto é novo para mim! Eu nunca tive um namorado de
verdade, nunca nem mesmo...
Ela se conteve antes que pudesse terminar a frase, mas Connor
provavelmente sabia disso de qualquer maneira. Hoje em dia, o país
inteiro parecia ter uma opinião sobre a virgindade de Beatrice.
— Eu nunca estive apaixonada — disse ela por fim. — Dadas as
circunstâncias, nunca tive realmente a oportunidade de estar.
Então, por algum motivo que ela não conseguia explicar, ela
levantou os olhos para Connor. — Você já?
Era a pergunta mais pessoal que ela já tinha ousado fazer.
Connor manteve seu olhar no dela. — Já.
Beatrice ficou surpresa com o ressentimento que a percorreu com
as palavras dele. — Bem, então — disse ela friamente — Fico feliz
por você.
— Você não deveria ficar.
Ela recuou um passo. O que quer que ele estivesse falando,
qualquer caso de amor passado dele havia dado errado, ela não
queria ouvir sobre isso. — Isso realmente não é da sua conta. Você
pode ir.
Nunca, em todo o tempo que passaram juntos, Beatrice o
dispensou assim. Ela o viu estremecer com suas palavras e abriu a
boca para retirar o que tinha dito.
Um rugido soou pelo palácio. Uma explosão, talvez, ou algo
sendo destruído.
Connor saltou para frente, rápido como uma sombra líquida, antes
que Beatrice tivesse registrado totalmente o som.
Ele a puxou de volta para a parede, então se virou, mantendo ela
segura atrás dele. Com o mesmo movimento fluido, ele tirou uma
arma do coldre.
Seus olhos dispararam da porta para o corredor, de volta para as
janelas, avaliando a probabilidade de uma ameaça de qualquer
direção. Ele havia corrido para ela com uma velocidade impossível,
e agora estava diante dela com uma quietude sobrenatural, o tipo de
quietude profunda que claramente resultava de anos de
treinamento.
O coração de Beatrice disparou. Ela estava hiper consciente de
cada lugar que seus corpos se tocavam, das pernas até o peito, que
estava pressionado contra as costas de Connor. Seu uniforme
estava arranhando sua bochecha. Ela podia sentir a rápida
ascensão e queda de sua respiração, o cheiro picante de seu
sabonete. O calor de seu corpo parecia queimar seu vestido,
queimar sua pele.
O juramento da Guarda Revere ecoou em sua mente. Eu sou a
lanterna da honra e da verdade, a luz contra as trevas. Na vida e no
corpo, para viver ou morrer, juro guardar este reino e a Coroa.
Para viver ou morrer. Connor tinha literalmente jurado protegê-la
com sua própria vida. Beatrice sabia disso, mas era outra coisa
completamente diferente ver ele lançar o corpo na frente do dela
como um escudo vivo. Saber que ele lutaria por ela, se fosse
necessário. Ela se sentiu estranhamente humilhada.
Parecia que uma eternidade se passou antes que uma voz
falasse no sistema de intercomunicação do palácio. — Alarme falso
pessoal! Um dos fogos de artifício disparou acidentalmente no
Pórtico Sul!
Connor se virou, colocando as mãos nos ombros nus de Beatrice
para firmá-la. Eram as palmas das mãos de um homem acostumado
ao esforço físico, um homem que levantava peso e empunhava um
rifle e conhecia bem o ringue de boxe. Seu rosto estava iluminado
por algo - alerta e preocupação, e algo mais que irradiava dele como
calor.
— Bee, você está bem?
Sua garganta estava muito seca. Ela conseguiu acenar com a
cabeça.
Aparentemente satisfeito, Connor se afastou, guardando sua
arma no coldre. Com toda a excitação, a gola de seu terno tinha se
mexido, e lá estava ela de novo: a borda daquela tatuagem. Isso
sugeria o verdadeiro Connor, o corpo privado que ele mantinha
escondido sob armas e uniformes.
O palácio provavelmente estava cheio de vozes e passos
correndo – deveria estar, depois de um susto de segurança como
aquele. Beatrice não ouviu nada disso. O resto do mundo parecia ter
diminuído para nada.
Ela deu um passo para frente e ergueu a boca para a dele.
Seu bom senso deve ter fugido momentaneamente de seu corpo,
porque ela agia totalmente sem pensar; mas todos os seus sentidos
voltaram rapidamente quando seus lábios se tocaram. A certeza
absoluta daquele beijo a atingiu profundamente em seu núcleo.
Connor se afastou e cambaleou para trás. Algo, talvez o alfinete
de sua lanterna, tinha se prendido em sua faixa de marfim,
arrancando-a de seu ombro quando ele se afastou. Ela caiu no chão
como uma bandeira branca de rendição.
Oh Deus. O que ela fez?
A respiração de Connor era tão superficial e irregular quanto a
dela. Nenhum deles falou. Ela os imaginou congelados no tempo
como personagens de desenhos animados, pequenos balões de
fala flutuando para fora de suas bocas, mas vazios sem nenhum
texto.
Uma batida soou na entrada de sua suíte. — Beatrice!
Como sempre fazia, seu pai empurrou a porta antes que ela
pudesse dizer pode entrar.
Nada sobre a posição deles era comprometedor; eles estavam
parados em sua sala de estar, Beatrice ainda estava usando seu
vestido de baile completo e salto alto. Ela só esperava que sua
expressão não os denunciasse.
— Você está bem? — o rei exclamou. — Desculpe pelos fogos de
artifício. Não tenho certeza de como isso aconteceu.
— Estou bem — disse Beatrice com firmeza.
Ao lado dela, ela sentiu Connor balançar em um arco rígido. —
Vossa Majestade — ele murmurou, e saiu apressado da sala.
— Eu só queria checar. Como você se sente em relação aos
rapazes que conheceu esta noite? — o rei perguntou, quando a
porta se fechou atrás de Connor.
Os ouvidos de Beatrice ainda zumbiam com o que tinha
acontecido. Ela tinha beijado seu guarda. O reconhecimento disso
ecoou como o som dos fogos de artifício que tinham explodido
alguns minutos atrás.
Realmente se passaram apenas alguns minutos? Parecia mais
uma vida inteira.
— Nós podemos conversar amanhã? Estou exausta — ela
perguntou ao pai, com um sorriso abatido.
— É claro. Eu entendo.
Quando o pai saiu, Beatrice cruzou a sala de estar e o quarto e foi
para seu último refúgio: seu closet. Havia uma janela de sacada
funda ao longo de uma das paredes, com um assento antigo e uma
pilha alta de almofadas.
Subindo nela, ela tirou os sapatos e puxou os joelhos para que a
saia caísse sobre as almofadas. Ela fechou os olhos e descansou a
testa na seda fria de seu vestido, desejando que seu pulso
diminuísse.
O que Connor achava do que aconteceu? Ele ainda estava
parado ali, atento do lado de fora da porta na frente?
Beatrice não conseguia suportar a ideia de perder ele.
Ela estava com medo de ter estragado as coisas com ele para
sempre, mas com ainda mais medo de si mesma – e dos novos e
assustadores sentimentos que a percorriam.
Sentimentos por uma pessoa que nunca terminaria em uma pasta
de opções aprovadas e apropriadas. Uma pessoa que nunca
poderia ser dela.
SAMANTHA

Samantha puxou a colcha sobre a cabeça e fechou os olhos com


força, mas não adiantou. Ela tinha esquecido de fechar as cortinas e
a luz cinza do amanhecer entrou em seu quarto, destacando os
travesseiros delicados que ela chutou sem cerimônia no carpete.
Suas orelhas pareciam comprimidas. Ela estendeu a mão,
percebendo que ela acidentalmente dormiu com os brincos de
diamante da coleção de jóias da coroa. Ops. Ela desatarraxou e os
jogou na mesa de cabeceira, então se lançou para o celular, de
repente desesperada para saber se Teddy tinha mandado uma
mensagem.
Ele não tinha. Mas então, ela tinha dado a ele seu número? Ela
deslizou suas várias notificações de redes sociais para encontrar o
perfil dele, mas foi frustrantemente inútil. Apenas algumas fotos: um
rolo de lagosta, um pôr do sol em Nantucket, fotos que ele tirou no
ano passado no aniversário de um amigo. Ela clicou em todas elas,
queimando de curiosidade por qualquer resquício de informação
sobre ele.
Finalmente Sam puxou as cobertas e se dirigiu para o armário,
vestindo uma calça rosa pink e uma blusa combinando. Ela pensou
em ir até o corredor para bater na porta de Jeff, mas ele era sempre
tão rabugento pela manhã. Em vez disso, mandou uma mensagem:
Filme mais tarde? Se ela fizesse um pedido agora, eles poderiam
realmente ter autorização para ir a um cinema de verdade, com
pessoas de verdade nele, o que sempre era mais divertido do que
assistir a algo na sala de projeção de lá – mesmo que eles
conseguissem cópias antecipadas de todos os filmes antes de seu
lançamento oficial. Ela só precisava de dois seguranças para varrer
o cinema cerca de meia hora antes de sua chegada.
Sam estava estranhamente quieta enquanto ia para a sala de
controle dos oficiais de proteção no andar de baixo. O palácio no dia
seguinte a uma festa sempre parecia curiosamente evocativo, as
salas vazias ecoando com os efeitos colaterais da noite anterior. As
empregadas já estavam limpando as mesas e desenrolando
tapetes, recuperando taças de champanhe perdidas de onde os
convidados bêbados as haviam esquecido: em uma prateleira da
biblioteca, dentro de um vaso de orquídea ou, no caso de Sam, no
chão do guarda chapéus. Ela riu do gesso quebrado e das marcas
de fuligem no Pórtico Sul, onde os fogos de artifício haviam
explodido. Pelo menos este acidente, pela primeira vez, não foi
culpa dela.
— Beatrice?
Seu pai estava sentado no banco estofado ao pé da escada,
inclinado para amarrar os tênis de corrida. — Oh... Sam. Achei que
você fosse sua irmã — ele explicou quando olhou para cima. —
Você viu ela?
— Ainda não.
— Ela deve ter decidido dormir até mais tarde. — O rei apoiou as
mãos nos joelhos e se levantou com um suspiro. Seus olhos
brilharam novamente quando olhou para Sam, em sua roupa de
treino toda rosa, e ele limpou a garganta. — E você, pronta para
correr?
É claro. Samantha não foi a primeira escolha de seu pai como
parceira de corrida, apenas a opção secundária quando Beatrice
não apareceu.
— Hum. Claro — ela murmurou, e seguiu seu pai para fora na
manhã de inverno.
Um par de oficiais de segurança caminhou ao lado deles, vestindo
trajes de serviço totalmente pretos, as armas no coldre até a cintura.
Eles haviam se resignado há muito tempo ao hábito de correr do rei:
ele saía quase todos os dias, em uma volta pré-aprovada pelo
centro da cidade. Frequentemente, ele pedia a alguém que o
acompanhasse: um embaixador estrangeiro ou um político que
queria pressionar sobre um determinado assunto ou, na maioria das
vezes, Beatrice. Os convites para correr com Sua Majestade eram
mais valorizados do que uma audiência em seu escritório.
Esse era o problema do pai de Sam – ele nunca parava de
trabalhar. Não havia uma divisão clara para ele entre o escritório e a
casa. Sua mente nunca parava. Mesmo quando eles estavam de
férias, Sam o pegava no trabalho, no início da manhã ou tarde da
noite: redigindo discursos, lendo relatórios, mandando e-mails para
sua equipe ou para seu secretário de imprensa ou para as pessoas
que dirigiam suas instituições de caridade sobre uma nova ideia que
ele tinha tido.
Eles foram pela saída lateral discreta do palácio, e a cidade se
desenrolou diante deles, de Aviary Walk aos largos traços verdes do
Parque John Jay. Passando pelo borrão de apartamentos e
escritórios, a espiral iridescente da Agulha do Almirantado surgiu no
horizonte, que estava tingido com a luz açafrão do amanhecer.
Alguns outros corredores passaram por eles, mas, além de alguns
olhares curiosos e ocasionais Bom dia, Majestade, eles deixaram o
rei em paz.
Sam olhou para seu pai, mas seu olhar estava fixado
resolutamente para a frente. Ele não parecia tão rápido como de
costume – normalmente ele marcava quatro milhas em oito minutos
– mas talvez Sam estivesse apenas correndo em alta velocidade,
cheia de adrenalina. Os devaneios com Teddy continuavam girando
em seu cérebro. O próprio ar parecia pesado com a possibilidade,
tão espesso e tangível quanto a névoa saindo do rio.
E mesmo sabendo que era apenas uma opção de reserva, Sam
se sentiu estranhamente feliz por seu pai a ter convidado para se
juntar a ele esta manhã. Ela não conseguia se lembrar da última vez
em que ficou sozinha com ele.
As coisas eram diferentes antes da morte do avô de Sam, antes
de seu pai ascender ao trono e ser forçado a se tornar o maior
multitarefa do mundo. Ele costumava passar horas com seus filhos,
jogando jogos que inventou. Um dos favoritos de Sam era o Egg
Day, quando seu pai dava um ovo pela manhã e dizia que eles
deveriam carregar ele o tempo todo. Se o ovo ainda estivesse
seguro no final do dia, eles ganhavam um prêmio. O pessoal do
palácio acabava limpando a gema de tudo, desde jogos americanos
até cortinas.
O rei também era um entusiasta da história e uma fonte infinita de
histórias sobre os ex-governantes da América. Sam adorava entrar
em uma sala e perguntar a ele quem morava lá, depois ouvir seu pai
contar as aventuras de seus ancestrais. Ele poderia criar uma
história a partir de qualquer coisa.
Ela sabia que poderia ser difícil, mas naquela época suas
travessuras faziam seu pai rir em vez de balançar a cabeça em
decepção. Ela se lembrou de uma vez em que escreveu seu nome
com marcador permanente na parede entre o poço do elevador e o
corredor dos funcionários do terceiro andar. Ela não tinha certeza de
que travessura tinha levado ela a fazer isso, mas seu pai não tinha
ficado com raiva de jeito nenhum; ele apenas caiu na gargalhada. —
Você deixou sua marca na história — ele brincou, puxando o
marcador vermelho das mãos de Samantha.
Essa foi provavelmente a única marca que ela faria na história.
Ninguém nunca se lembrava das irmãs mais novas de reis ou
rainhas, exceto como uma nota de rodapé para as biografias de
seus irmãos mais velhos.
O sol estava alto no céu. Sua luz aquosa iluminou as feições de
seu pai, ressaltando as linhas de cansaço gravadas em sua testa.
Sam percebeu, de repente, quantos anos ele parecia. Quando seu
cabelo tinha ficado totalmente grisalho?
— Samantha — ele disse finalmente, enquanto eles viravam o
grande espelho d'água — o que aconteceu ontem à noite? Primeiro
você apareceu atrasada no Baile da Rainha; então você perdeu
completamente a cerimônia de cavalaria.
— Eu sinto muito. — Sam queria acabar com isso o mais rápido
possível, mas seu pai balançou a cabeça.
— Eu não quero que você deixe escapar um pedido de desculpas
simbólico — ele advertiu. — Quero falar com você.
Os oficiais de proteção aceleraram um pouco para dar espaço,
embora provavelmente tenham ouvido tudo de qualquer maneira.
— Sua irmã começou a pensar sobre o futuro dela — o rei
continuou, em um tom estranho. Sam se perguntou o que ele quis
dizer com isso. Beatrice estava começando uma nova iniciativa do
governo? — Eu estava esperando que você começasse também.
Não vi muita direção sua.
— Acabei de me formar no ensino médio!
— Samantha, você se formou em junho. É dezembro — seu pai
apontou. — Quando concordei em permitir que você e Jeff
passassem um ano sabático antes da faculdade, esperava que
vocês pudessem usar esse tempo de forma construtiva: para
reflexão ou para aprender algo novo. Mas tudo o que você fez foi
voar de um lugar para o outro.
— Você aprovou o itinerário — ela disse defensivamente. Ela
tinha a sensação de que Jeff não estava prestes a ouvir a decepção
que ele tinha sido.
Sam gostaria de poder explicar como se sentiu ao longo daquela
viagem – que ela estava procurando por algo indefinível, e não
importa aonde ela fosse, ela nunca conseguiu encontrar. Talvez ela
nunca encontraria. Mas então, como ela poderia encontrar se nem
mesmo sabia o que estava procurando?
Seu pai acenou com a cabeça, admitindo o ponto. — Eu aprovei.
Mas agora que você está de volta, é hora de discutirmos o que vem
a seguir. Você não pode passar o resto de sua vida abandonando
seus guarda-costas, fugindo para andar de quadriciclo. Você nem
decidiu onde vai estudar no ano que vem.
Sam tinha enviado sem entusiasmo um monte de aplicações para
faculdades na primavera passada. Para surpresa de ninguém, todas
as escolas a aceitaram. Ela sabia que todos esperavam que ela
fosse para a faculdade, mas para quê? Não era como se ela
pudesse conseguir um emprego de pessoas normais, mesmo se ela
quisesse.
Talvez ela e Jeff fossem apenas perdedores profissionais, um
dreno na economia para o resto de suas vidas. As encarnações
modernas de um par de bobos da corte medievais. Pelo menos, era
o que sempre diziam um ao outro: que tinham a responsabilidade
constitucional de provocar problemas, nem que fosse para
compensar o quão dolorosamente boa Beatrice era.
— Eu entendo — disse ela ao pai. — Vou aceitar uma das ofertas
da faculdade.
O rei deixou escapar um suspiro de frustração. — Sam, não se
trata apenas da faculdade. É sobre seu comportamento. Eu sei que
não é fácil ser incapaz de fazer tantas coisas que outros
adolescentes podem. Eu também já tive sua idade. Eu entendo o
que você está passando.
— Eu não sei se você entende — Sam insistiu. Seu pai não
conseguia entender o que era ser um step. Ele tinha sido o herdeiro,
aquele que não podia fazer nada de errado, aquele pelo qual todo
mundo se agitava e exclamava. Aquele cujo rosto estava impresso
em dinheiro, selos e canecas de café.
— Você está certa. É mais difícil para a sua geração, com todos
aqueles sites de fofoca e coisas das redes sociais — seu pai
respondeu, entendendo errado. — Esta vida, ser um Washington, é
uma vida de privilégios e oportunidades, mas também uma vida de
restrições incomuns. Minha esperança para você sempre foi que se
concentrasse nas portas abertas, em vez das que estão fechadas.
Sua respiração estava ficando mais forte; ele diminuiu a
velocidade para uma caminhada. O suor escorria de sua testa.
— Eu sei que não é fácil — ele continuou. — Você é jovem, está
fadada a cometer erros e não é justo cometer eles na frente do
mundo inteiro. Mas, Sam, por favor, tente pensar um pouco sobre
isso.
Ela ainda não entendia. — Pensar no quê?
— O que você quer fazer até começar a faculdade no próximo
outono. Você poderia conseguir um estágio em algum lugar – uma
empresa de design, talvez, ou com uma planejadora de eventos?
Ou você pode se voluntariar, encontrar uma instituição de caridade
para focar.
— Não posso continuar viajando?
— Você poderia fazer uma turnê real, só você e Jeff.
Samantha bufou. Ela odiava ser arrastada nas turnês reais,
desfilando pelas ruas de várias cidades pequenas enquanto a
multidão gritava: ‘‘Olhe para cá, Beatrice!’’ e ‘‘Eu te amo, Jeff!’
Eles dobraram a última milha de volta ao palácio. A cidade
ganhava vida, as pessoas faziam fila no carrinho de café na
esquina. A sombra de Sam dançou longa e distorcida na trilha de
cascalho diante dela.
— Você é tão obstinadamente teimosa — continuou seu pai,
embora a maneira que ele disse tinha soado curiosamente como um
elogio. — Faça o que fizer, eu sei que será ótima. Você apenas tem
que canalizar toda essa tremenda energia para algo positivo. Você
me lembra sua tia Margaret — acrescentou ele, sorrindo. — E age
como ela também. Você é toda Washington, sabe.
Tia Margaret, a irmã mais velha do rei, tinha sido o membro mais
selvagem e controverso da família real. Pelo menos até Samantha
aparecer.
Sam adorava sua tia Margaret. Elas sempre foram iguais, porque
ao contrário do pai de Sam, Margaret sabia exatamente o que era
ser o Washington sem importância. E deve ter sido ainda mais
doloroso para ela, porque era mais velha que o pai de Sam e teve
que assistir seu irmão mais novo passar por ela na ordem de
sucessão.
Sempre foi assim para as princesas da América: o mais perto que
chegaram do trono foi no momento de seu nascimento. Porque,
eventualmente, não importa quanto tempo levasse, um menino iria
surgir – e os meninos sempre tinham precedência. Aquelas
princesas ficaram paradas, observando em silêncio enquanto seu
lugar na hierarquia caía ainda mais, à medida que eram rebaixadas
em importância com o nascimento de cada macho sucessivo. Até
Beatrice.
Se a lei tivesse mudado no tempo de tia Margaret, em vez de uma
geração depois, ela teria sido a primeira rainha reinante ao invés de
Beatrice.
Sam suspeitou que a lei mudou por causa da tia Margaret. Porque
o avô de Sam sabia o quão inteligente Margaret era, quanto
potencial ela tinha – e viu como ela se tornou amarga e dura, caindo
em um grupo boêmio e imprudente, deliberadamente se
distanciando da família real. Talvez o Rei Edward III tivesse se
arrependido do que aconteceu com seu filho mais velho e quisesse
garantir que a história não repetisse seus erros em Beatrice.
Os guardas de segurança desapareceram quando Sam e seu pai
chegaram ao palácio. Suas pedras brancas se elevavam acima
deles, uma gloriosa balaustrada do segundo andar cobrindo o ar
acima do Pátio de Mármore. Chegando pela entrada da frente, era
possível ter a impressão enganosa de que o palácio era simétrico,
mas da entrada dos fundos seu desnível era gritante.
Sam estendeu a mão para amarrar o cabelo.. Ela se perguntou o
que Teddy estava fazendo agora. Ele estava pensando no beijo
deles do jeito que ela estava?
— Pai, o que você sabe sobre os Eatons?
— Por que você quer saber?
Os olhos do rei pousaram nos dela e, por um momento, Sam teve
certeza de que ele sabia que Teddy era o motivo de ela ter perdido a
cerimônia de cavalaria.
— Eu conheci Teddy ontem à noite e estava curiosa — ela disse,
se esforçando para soar casual.
— Você já conheceu Teddy antes, na verdade. Você não se
lembra? — Seu pai não pareceu surpreso quando Sam balançou a
cabeça. — Bom, vocês dois eram muito novos. Teddy serviu como
pajem na minha coroação.
— Oh — Sam respirou. Ela não deveria ter ficado surpresa. Os
pajens reais, as crianças que serviam como assistentes em eventos
cerimoniais como coroações e casamentos, sempre eram da
aristocracia.
— Nós conhecemos os Eatons há muito tempo — explicou o pai.
Estava claro que muito tempo significava vários séculos. — A
duquesa viúva, que é a avó de Teddy, Ruth, já foi uma dama de
companhia de sua avó. E, claro, o atual duque costumava servir
como um de meus equerries, antes do pai dele falecer.
— Você era amigo do pai de Teddy?
O rei sorriu melancolicamente com alguma lembrança. —
Costumávamos nos meter em muitos problemas, invadindo a adega
e dando festas em Walthorpe. A mansão ducal dos Eatons —
acrescentou ele, em resposta ao olhar questionador de Sam. —
Provavelmente recebeu mais visitas reais do que qualquer outra
casa privada na América.
— Eu me pergunto por que ele não vem à corte — Sam meditou
em voz alta. Ela definitivamente teria notado um cara como Teddy
se ela o tivesse visto antes da noite passada. A maioria das famílias
aristocráticas fazia questão de passar pelo menos parte do ano na
capital. Por mais vastas ou luxuosas que fossem suas propriedades
em casa, todos possuíam alguma propriedade em Washington, para
as ocasiões em que precisavam estar na corte.
— Bem, ontem à noite ele veio conhecer Beatrice.
Antes que Samantha pudesse perguntar a seu pai o que ele quis
dizer, eles cruzaram para o calor do corredor dos fundos. Algumas
portas adiante ficava a sala de controle de segurança; mais longe, o
brilho das cozinhas. A grande colmeia do palácio já estava
zumbindo para a vida ao redor deles.
Beatrice estava parada na entrada, parecendo nervosa. Ela
estava vestida para correr com um top de mangas compridas e
calça preta atlética, seu cabelo preso em um rabo de cavalo alto e
elegante. — Desculpe, pai, eu não queria… oh — ela respirou,
vendo Samantha e registrando sua aparência suada. — Você
acordada cedo.
— Fuso horário. — Sam não se incomodou em ficar ofendida com
a implicação de que Beatrice presumiu que Sam estava com
preguiça de estar acordada àquela hora.
— Está tudo bem, Beatrice. Foi uma noite agitada; você merecia
dormir — o rei assegurou.
Sam viu sua irmã empalidecer visivelmente com suas palavras. —
Agitada? Na verdade não.
Agora foi a vez do rei ficar confuso. — Você não gostou de
ninguém que conheceu?
— Oh. Certo — Havia manchas coloridas no alto das bochechas
de Beatrice. Samantha olhou para trás e para frente de sua irmã
para seu pai, perguntando-se do que diabos eles estavam falando.
Os cavaleiros recém-formados?
— Não, quero dizer sim, gostei de alguns deles. — Beatrice
engoliu em seco. — Na verdade, convidei Theodore Eaton para ir ao
teatro com a gente.
— Isso é maravilhoso — exclamou o rei, assim que Samantha
deixou escapar: — Você convidou Teddy para um encontro?
— Como você conhece o Teddy? — Beatrice perguntou
lentamente.
O rei sorriu para Beatrice, alheio. — Samantha estava me
contando como ela conversou com Teddy na noite passada. Foi
inteligente da sua parte, pedir a ajuda da sua irmã. É sempre bom
obter uma segunda opinião de alguém de quem você confia. — Com
isso, ele começou a caminhar em direção à escada. — Não se
esqueça de que nos encontraremos mais tarde, Beatrice, para nos
prepararmos para as audiências privadas da próxima semana.
Sam se virou para sua irmã. — Do que ele está falando?
Havia algo incerto sobre Beatrice esta manhã. Seus olhos
continuavam a percorrer o corredor como se ela estivesse
procurando por alguém. — Audiências privadas são reuniões que
fazemos duas vezes por semana, geralmente de vinte minutos cada
— disse ela, impaciente. — Altos comissários, militares, juízes,
dignitários visitantes...
— Não, a parte sobre você e Teddy.
Beatrice pareceu surpresa com a pergunta. Mas ela e Sam não
conversavam exatamente sobre coisas pessoais há muito tempo.
Sam não tinha certeza de quando a distância entre ela e Beatrice
havia começado. Ela tinha apenas... crescido, cada uma delas
recuando um centímetro de cada vez. Agora era tão vasta que Sam
não conseguia imaginar como ela poderia fazer a ponte.
— Convidei Teddy Eaton para um encontro e ele aceitou —
repetiu Beatrice.
— Mas…
Mas fui eu que ele beijou, Sam queria gritar. Teddy tinha perdido a
cerimônia de cavalaria para ficar no guarda-chapéus com ela, e
agora ele estava saindo com sua irmã mais velha?
— Mas você nunca vai em encontros.
— Bem, eu decidi que agora é um bom momento para começar —
Beatrice disse cansada.
— Por que Teddy? — Tinha havido tantos jovens fervilhando ao
redor do baile na noite anterior. Por que Beatrice não poderia ter
escolhido qualquer um deles, em vez do garoto que Samantha
gostava?
— Ele vem de uma boa família. E ele é muito bonito — foi tudo o
que Beatrice respondeu. Mesmo aqui em particular, suas palavras
soaram afetadas e ensaiadas, como se ela estivesse em um pódio
fazendo um discurso.
— É isso? Você o escolheu no meio da multidão por causa do
rosto e do título?
— Por que se importa, afinal? Ninguém está pedindo para você
encontrar um marido!
— O quê? — Sam piscou em confusão. — Quem falou em
casamento?
Houve um lampejo momentâneo de algo, vulnerabilidade ou
confusão ou talvez até mágoa, por trás da expressão imutável no
rosto de Beatrice. Foi o suficiente para fazer Samantha dar um único
passo à frente.
Mas então aquela máscara deslizou sobre o rosto de sua irmã
novamente. — Eu não esperava que você entendesse. Isso é uma
questão de estado. — Do jeito que Beatrice pronunciou, Sam
praticamente podia ouvir a capitalização.
— Certo — Sam disse uniformemente. — Não tenho como
compreender as intrincadas implicações socioeconômicas e
políticas dos meninos com quem você sai.
Ela tentou não revelar o quanto doeu, que Teddy aparentemente
escolheu Beatrice em vez dela. Embora ela não devesse ter ficado
surpresa; isso foi o que aconteceu em suas vidas inteiras, com todo
o resto – a atenção de seus pais, o trono, o país inteiro.
Samantha nunca conseguiu segurar nada depois que Beatrice
decidia que deveria ser dela.
DAPHNE

Daphne odiava hospitais.


Ela odiava o quão frio e anti-séptico eles pareciam, com aquele
cheiro forte de metal subjacente a tudo. Ela odiava as salas de
espera, com suas máquinas de venda automática deprimentes e
revistas desatualizadas, algumas tão antigas que datavam do
reinado do rei anterior. Acima de tudo, Daphne odiava hospitais por
serem silenciosos, o silêncio quebrado apenas por aquelas
máquinas bipando seus refrões sem alma.
Mas Daphne não era boba; sabia que certas horas de caridade
valiam mais do que outras. Ela não poderia apenas ser docente no
museu de arte e patrocinar o balé. Se ela queria que o povo
americano a amasse de verdade, precisava que eles sentissem
como se tivessem tido uma interação real e significativa com ela.
Motivo pelo qual Daphne embarcou em uma incansável
campanha autodirigida de relações públicas. Ela deu aulas de
matemática e física a alunos carentes. Ela foi voluntária em um
abrigo local para sem-tetos. E todos os domingos ela vinha aqui
para a ala infantil do Hospital St. Stephen, porque Daphne sabia que
ser voluntária apenas uma vez não a levaria a lugar nenhum. Tinha
que ser um hábito para realmente contar.
E foi isso ela fez. No ano passado, Daphne registrou mais de
quatrocentas horas de trabalho voluntário, cuidadosamente
registradas e com data e hora. A princesa Samantha, entretanto,
tinha feito quatorze. No ano inteiro. Daphne não hesitou em passar
esses números para Natasha, que os publicou alegremente no Daily
News. Os comentários de apoio haviam, previsivelmente, chegado a
Daphne. Embora ela não tivesse certeza de que alguém no palácio
se preocupou em repreender a princesa.
Além disso, o que importava que ela derrotasse Samantha,
quando a santa princesa Beatrice tinha completado ainda mais
horas do que Daphne, enquanto ela era estudante de tempo integral
em Harvard?
Durante anos, Daphne tentava modelar seu comportamento no da
princesa mais velha. Beatrice claramente administrava sua
reputação com a mesma cautela meticulosa de Daphne. Como a
primeira herdeira ao trono, ela tinha que fazer isso. Muitas pessoas
estavam silenciosamente desejando que a princesa escorregasse.
Não havia espaço para erros em nenhuma de suas vidas.
Se ao menos elas pudessem lamentar sobre isso, Daphne às
vezes pensava. Como era difícil ser mulher neste mundo de
monarquias, cujas estruturas e tradições foram todas construídas
por homens.
Talvez as coisas melhorassem quando Beatrice um dia assumisse
o trono – quando, depois de duzentos e cinquenta anos, a América
finalmente seria governada por uma mulher. Ou talvez tivesse sido
melhor se a América nunca tivesse sido uma monarquia e tivesse
outra forma de governo.
Daphne duvidava disso.
— Daphne! É bom te ver. — O ajudante da recepção deu um
sorriso tímido, embora a conhecesse há anos. Ele era um cara
propenso a acne em seus vinte e poucos anos e que sempre
parecia prestes a pedir um autógrafo dela.
— Obrigado, Chris. Como está a nova gatinha? Daisy, certo? —
Daphne se orgulhava de se lembrar dos pequenos detalhes. Foi o
que a tornou uma profissional.
Chris se animou com o interesse dela e pegou o celular. Daphne
fez pequenos ruídos de ‘‘aww’’ enquanto ele folheava as fotos da
sua gata.
Ela ouviu passos no piso de linóleo e se virou para ver Natasha.
Bem no horário — Chris — disse Daphne docemente — estaria tudo
bem se Natasha me acompanhasse hoje? Só para tirar algumas
fotos, pegar algumas citações.
— Estamos fazendo uma peça especial para solicitar doações de
fim de ano, um destaque para os jovens filantrópicos. Esperávamos
incluir Daphne — Natasha entrou na conversa.
— Seria um crime não incluir Daphne. Ela está aqui todas as
semanas — Chris proclamou, e balançou para a frente na ponta dos
pés. — Apenas se certifique de conseguir permissão dos pais antes
de publicar qualquer foto das crianças.
Daphne nunca entendeu por que a família real era tão alérgica à
imprensa. Pela experiência dela, se você os ajudasse uma ou duas
vezes, eles estariam perfeitamente dispostos a fazer o mesmo por
você. Com Natasha, Daphne tinha chegado a um entendimento
silencioso: ela contava histórias – algumas delas sobre ela, algumas
sobre outras figuras na corte – e em troca Natasha garantiu que sua
cobertura retratasse Daphne sob a luz mais deslumbrantemente
favorável.
Hoje, Daphne ligou relutantemente para Natasha para pedir um
favor. Todo este artigo foi ideia dela; os outros jovens caridosos, se
tivessem, dificilmente seriam mencionados junto com a extensa
cobertura sobre Daphne. Ela odiava recorrer a isso – plantar
histórias deliberadas e autopromocionais – mas ela não tinha
certeza do que mais fazer. Ela ainda não conseguia superar a
maneira como Jefferson tinha deixado ela no baile, o fato de que ela
nem tinha ouvido falar dele desde então.
Claro, Daphne não esperava que o príncipe realmente se
importasse que ela fosse voluntária. Mas ele se importaria que a
América se importasse, porque ele gostava de ser amado. Jefferson
sempre evitou discórdia, lágrimas ou palavras ásperas de qualquer
tipo, provavelmente porque, como o filho mais novo mimado,
raramente lidava com isso.
Se Daphne pudesse convencer a América de que ela deveria ser
sua princesa, Jefferson acabaria concordando com eles.
Ela e Natasha caminharam pelo corredor em direção a uma das
enfermarias do mais jovens. Depois de uma porta de vidro
deslizante, havia uma longa fila de salas de tratamento. Esboços em
giz de cera de fadas e flocos de neve estavam pregados nas
paredes, ao lado de várias meias de feltro verdes e vermelhas. Uma
árvore de ouropel de ouro colocada alegremente em um canto.
Vários pais ergueram os olhos quando ela chegou e arregalaram
eles. Daphne sorriu para eles: o desarmador e vencedor raio de sol
de um sorriso que ela praticou tantas vezes no espelho.
Uma das meninas saltou da cama e correu em direção a Daphne,
que se agachou para ficar no nível do rosto da menina. — Oi — ela
disse. Atrás dela, ela podia ouvir a série constante de cliques que
significava que Natasha estava documentando tudo isso. — Qual o
seu nome?
— Molly. — A garota estendeu a mão para coçar o nariz. Daphne
se perguntou se ainda precisava apertar sua mão.
— É um prazer conhecer você, Molly. Eu sou a Daphne.
— Você é uma princesa? — a garota perguntou, com a falta de
tato de uma criança.
Daphne se obrigou a continuar sorrindo. Algum dia, ela pensou. E
quando eu for, você vai ter que me fazer uma reverência. Ela
segurou a mão da menina até que sua mãe viesse pegar ela,
garantindo à mulher que não era problema nenhum.
— Eu sabia — Daphne ouviu a mãe dizer enquanto se juntava ao
resto da família. — Eu sabia que ela era ainda mais bonita
pessoalmente. E tão doce.
Era por isso isso que Daphne merecia ser princesa algum dia –
porque ela poderia desempenhar o papel. Se ao menos Jefferson
pudesse ver isso tão claramente quanto ela.
Natasha discretamente abordou a mãe de Molly com um
formulário eletrônico de liberação para as fotos que ela tinha
acabado de tirar. A mulher, ainda se deleitando com o brilho de ter
conhecido a famosa Daphne Deighton, não hesitou em assinar.
À medida que andava pelo corredor, Daphne fazia questão de
parar em cada cabeceira: para dar um copo d'água e levar aos
lábios de um menino, brincar com a boneca de uma menina, ler uma
história favorita de um livro ilustrado. Ela nunca se cansava, nunca
deixava seu sorriso escorregar nem uma fração de centímetro,
enquanto o tempo todo a câmera de Natasha ficava clicando de
longe.
— Noite adorável — disse Natasha secamente quando elas saíram
para o estacionamento. A luz estava lentamente se dissipando do
céu, algumas estrelas espalhadas começando a espanar o
horizonte. O ar estava pesado e frio; Daphne enfiou mais os ombros
em sua parka.
— Tirei ótimas fotos — continuou Natasha, abrindo a porta do
carro para colocar a bolsa da câmera dentro. Seu cabelo escuro e
angular balançou para frente com o movimento. — Quer que eu
envie para você revisar antes de publicar o artigo?
— Por favor.
A repórter fez uma pausa, as chaves do carro tilintando em uma
das mãos. — Você está esperando alguém? Posso te dar uma
carona para casa.
Daphne balançou a cabeça. — Na verdade, vou voltar para
dentro. Tenho mais uma visita a fazer. Uma pessoal — acrescentou
ela, em resposta ao olhar questionador de Natasha.
— Sua amiga em coma. Eu me lembro — Natasha ronronou.
É claro que ela se lembrava, porque Daphne que tinha dado o
furo, praticamente compôs o artigo sozinha. Menores bebendo
dentro do Washington Palace e uma garota que acabou no pronto-
socorro? Foi uma das histórias de maior sucesso que Natasha já
publicou.
— Sim. O quadro dela não mudou.
— Lamento ouvir isso — respondeu Natasha, de maneira pouco
convincente como alguém alegando uma emoção que não sentia.
Seus olhos se voltaram para a câmera no banco de trás. — Quer
que eu vá junto?
A parte analítica de Daphne sabia que Natasha tinha razão. A
futura princesa de luto ao lado da cama de sua amiga: daria uma
ótima foto lateral para complementar toda a cobertura de sua
filantropia.
Mas essa dor era muito real para Daphne compartilhar com
alguém.
— Obrigada, mas acho que vou visitar ela sozinha.
Desta vez, quando Daphne entrou no hospital, ela se moveu
rapidamente, mantendo a cabeça baixa para desviar a atenção. Ela
realmente não queria anunciar porque estava lá.
Na enfermaria de cuidados de longa permanência, Daphne
desceu uma série de corredores, então se virou em direção a uma
porta familiar. Ela estendeu a mão para traçar a placa de
identificação – HIMARI MARIKO, dizia, em um quadrado de papel
laminado. No início, quando todos esperavam que Himari acordasse
a qualquer minuto, o nome dela estava escrito com caneta de tinta
removível em um quadro branco.
Daphne sabia que era sério quando penduraram o cartão de
identificação laminado.
Havia uma cadeira puxada ao lado da cama; Daphne sentou nela
e dobrou os pés para o lado, tirando as sapatilhas, de modo que os
dedos dos pés com as meias pretas se enrolassem nas almofadas.
Himari estava deitada diante dela, sob uma colcha prata e azul
que sua mãe trouxe de casa. Tubos e fios a conectavam a vários
IVs e máquinas. Seu rosto era vazio, sombras roxas profundas
inscritas sob seus olhos. Sua respiração estava tão fraca que
Daphne mal conseguia ouvir.
— Ei. Sou eu — Daphne disse calmamente.
Quando Himari entrou em coma, na época em que parecia uma
condição temporária, Daphne enchia suas visitas de tagarelice. Ela
contaria a Himari tudo o que estava perdendo: o lindo instrutor de
spinning que estava ensinando em seu estúdio favorito; a gala
temática dos anos oitenta no museu de ciências; o fato de que Olivia
Langley estava organizando um fim de semana na casa do lago de
sua família e não incluiu Daphne. Mas agora parecia estranho
despejar todas aquelas palavras sem sentido no silêncio. Não era
como se Himari estivesse ouvindo de qualquer maneira.
Ela ergueu a mão para pegar a mão de sua amiga, surpresa como
sempre com o quão mole ela parecia na dela. As unhas de Himari
haviam crescido grotescamente longas e tão irregulares que
estavam começando a prender no cobertor. Claro que as
enfermeiras tinham coisas mais importantes com que se preocupar
do que as cutículas de Himari, mas ainda assim.
Reprimindo um suspiro, Daphne enfiou a mão na bolsa para
pegar a lixa de unha que carregava com ela o tempo todo. Ela
começou a modelar meticulosamente as unhas de sua amiga,
arredondando as pontas.
— Desculpe, não tenho nenhum esmalte comigo. Embora eu não
tivesse o certo para você de qualquer maneira — Daphne sempre
usava rosa pálido, quase translúcido, temendo que tons de
vermelho pudessem lembrar as pessoas de unhas grandes ou
garras agarradoras. Mas Himari não hesitava. Ela sempre gravitou
em torno das cores escuras e fortes, assim como sua mãe fazia.
Você pode dizer que é uma verdadeira dama por seu esmalte e
batom vermelho, a mãe de Himari costumava dizer a elas enquanto
ela ia para algum evento em um vestido preto chique e saltos altos.
Os pais de Himari eram o conde e a condessa de Hana, um título
que pertencia à família por quase um século, desde que os bisavós
de Himari vieram de Kyoto como embaixadores da Corte Imperial
Japonesa.
Daphne adorava ir à casa dos Marikos. Eles moravam em uma
propriedade extensa no centro de Herald Oaks, com jardins bem
cuidados e uma enorme piscina. Himari tinha três irmãos, e sua
casa sempre parecia barulhenta e cheia de risos, não importando as
inestimáveis telas de aquarela e tigelas de terracota que decoravam
cada cômodo.
— Eu não aprovo sua amizade com aquela garota Mariko. Ela é
muito inteligente, — a mãe de Daphne anunciou um dia, quando
Daphne voltou para casa de uma festa do pijama de Himari. — Você
precisa se cercar de garotas que te fazem brilhar, não garotas que
competem com você.
— Ela é minha amiga — disse Daphne com veemência.
Rebecca olhou nos olhos da filha com uma presciência
assustadora. — Uma dupla de garotas tão bonitas e inteligentes
quanto vocês duas só pode terminar em desastre.
Daphne desejou que sua mãe não estivesse certa.
Durante o ensino médio, ela e Himari compartilharam quase tudo:
suas esperanças, seus sucessos, sua posição como as duas
garotas mais populares da escola. Que entrada elas faziam,
entrando juntas em algum evento da corte, ambas jovens,
impressionantes e aristocráticas. Parecia que ninguém poderia
resistir a elas, como se nada pudesse se colocar entre elas.
Até Daphne começar a namorar o príncipe.
Aconteceu que Himari também queria Jefferson. Claro que sim;
metade da América sonhava acordada com ele. No entanto, de
alguma forma, Daphne, que se orgulhava de conhecer as intenções
das pessoas quase antes que elas próprias as conhecessem, não
percebeu o que aconteceria.
— Nós éramos amigas, não éramos? — ela disse suavemente,
sabendo que Himari não responderia — Você não estava apenas
fingindo o tempo todo?
Aqueles sete dias, desde o aniversário de Himari até a festa de
formatura dos gêmeos, fizeram com que Daphne se questionasse e
duvidasse de tudo. Ela queria acreditar que Himari se importava
com ela, que alguma vez a amizade delas tinha sido real.
Porque, mesmo depois de tudo o que tinha acontecido, Daphne
sentia falta da amiga. Sua amiga arrogante, sarcástica e perspicaz
que sempre parecia saber demais para o seu próprio bem.
Ela lançou um olhar rápido e cauteloso ao redor da sala. Mesmo
agora, atrás de uma porta fechada, ela não poderia deixar de ser
muito cuidadosa. Então ela se inclinou para frente e pressionou a
testa nas costas da mão de Himari, fechando os olhos como se
implorasse por uma bênção que nunca viria.
— Eu nunca quis que nada disso acontecesse — Daphne
sussurrou. — Tudo deu tão errado. Eu só queria... queria que você
tivesse falado comigo. Você não me deixou muitas opções, Himari.
Daphne não era como os outros aristocratas, aqueles que as
famílias tinham títulos desde a Revolução, que cresceram treinados
nas regras de comportamento elegante. Ela tinha um instinto de
boxeador quando se tratava de luta, e Himari a encurralou.
Ela desejou poder derramar uma lágrima por sua amiga. Mas
Daphne não conseguia se lembrar da última vez que chorou.
Provavelmente antes do acidente de Himari.
Talvez ela tenha perdido a capacidade de se permitir mostrar
fraqueza. Talvez a culpa tenha secado seus dutos lacrimais e ela
nunca mais ia conseguir chorar.
— Eu nunca quis que isso acontecesse — repetiu Daphne.
Não houve reação de Himari, nem mesmo um piscar de olhos,
para mostrar que as palavras de Daphne tinham sido registradas.
NINA

— Qual é o nome do primo da Julieta em Romeu e Julieta? —


Rachel ergueu os olhos de seu laptop para onde Nina estava na
mesa oposta, organizando os livros em carrinhos de metal com
rodas.
Elas estavam na sala de trabalho da Dandridge, a biblioteca
principal do King’s College. Tecnicamente, o espaço deveria ser
apenas para funcionários, mas ninguém se importou quando Nina
levou Rachel pra lá. Nenhum dos outros funcionários da biblioteca
estava trabalhando hoje.
— Tybalt — respondeu Nina automaticamente, depois fez uma
pausa. — Por que você está escrevendo sobre Shakespeare para o
seu artigo de história da Rússia?
Rachel esticou os braços acima da cabeça, como se ela tivesse
estado na biblioteca o dia todo, em vez de uma única hora. — Fiz
uma pausa para fazer palavras cruzadas online. É importante fazer
pausas, você sabe, para manter o processo criativo bem cheio.
— Você está escrevendo um artigo de história de quatro páginas,
não um romance — brincou Nina.
Seu telefone vibrou com uma chamada de Samantha. Nina
recusou a ligação e digitou uma mensagem rápida. Estou no
trabalho, posso ligar mais tarde?
Sua mente girava enquanto tentava descobrir o que exatamente
ela diria a Sam. A princesa falou com ela durante toda a semana,
pedindo a Nina que passasse o Ano Novo na casa dos Washingtons
em Telluride. Nina tinha feito aquela viagem quase todos os anos na
última década; ela até aprendeu snowboard com o instrutor
particular de Sam e Jeff.
Ela queria estar ao lado de Sam, que estava visivelmente abatida
desde o baile no fim de semana passado – quando ela beijou aquele
cara de Boston, apenas para saber que ele estava saindo com
Beatrice.
Mas como Nina poderia enfrentar Jefferson depois do que
aconteceu na varanda naquela noite?
— Que tal esse “fundador do império”, César? Exceto que são
oito letras...
— Augustus — Nina forneceu, tentando sem sucesso não pensar
em Jeff. Augusto era um de seus nomes, assim como Alexandre. A
única coisa que faltava era William, ou talvez Átila, e então ele seria
literalmente nomeado em homenagem a todos os grandes
conquistadores da história mundial. Para alguém que não era o
herdeiro, ele com certeza tinha muito poder nesses quatro nomes.
— Sabe, você poderia usar a internet para isso, em vez de me
perguntar — ela ressaltou.
— Onde está a diversão nisso?
Nina balançou a cabeça, sorrindo. Ela realmente não se
importava que Rachel continuasse enchendo ela de perguntas. Teria
sido diferente se ela estivesse lendo, mas classificar os livros era
uma segunda natureza para Nina agora. Ela sabia de cor o sistema
decimal de Dewey. Honestamente, ela poderia ter aceitado este
emprego, mesmo que não fosse exigido pelos termos de trabalho-
estudo de sua bolsa, mesmo que apenas como uma desculpa para
passar um tempo a mais na biblioteca.
Nina foi criada com uma dieta regular de livros. Nos fins de
semana em que seus pais trabalhavam, quando ela não queria ir ao
palácio, Nina implorava que eles a deixassem na biblioteca local.
Ela passava o dia todo feliz lá, exercitando sua mente na seção
infantil da biblioteca, em inglês e espanhol. Ela e a mãe sempre
jogavam um jogo no final do dia, onde Nina tinha que descrever o
livro que estava lendo da forma mais criativa possível. “Nunca cruze
com um réptil” — Peter Pan. “Não se deixe enganar por um reflexo”
—Alice no País das Maravilhas. E assim por diante.
Aqui, na biblioteca do campus, o trabalho de Nina era coletar os
livros da rampa de retorno e colocar de volta em seus lugares nas
prateleiras. Na verdade, era muito divertido ver como as
necessidades de pesquisa das pessoas eram diversas. Ela nunca
soube o que iria encontrar, desde as memórias do Rei Zog da
Albânia até um livro de receitas do século XVII do qual ela
realmente fez uma receita. Isso lembrava Nina quanto conhecimento
existia no mundo.
— Logan manda mensagens horríveis — Rachel reclamou,
franzindo a testa para o telefone. O moletom turquesa brilhante
escorregou de um ombro. Nos meses que Nina a conhecia, ela
nunca tinha visto Rachel usar uma peça de roupa preta ou branca;
todo o seu guarda-roupa parecia positivamente fluorescente.
— O que ele disse? — Nina parou em um livro encadernado em
tecido esfarrapado intitulado Extinct and Dormant Peerages. Isso foi
feito sob nobreza ou heráldica? Ela passou o código de barras sob o
scanner para verificar.
— Eu disse que não poderia ir à festa hoje à noite porque tenho
que escrever este artigo, e tudo o que ele respondeu foi ‘Boa sorte’!
O que você acha que isso significa? — Rachel apertou os lábios —
Ele está tentando me dispensar?
— Você poderia terminar a tempo da festa se tentasse trabalhar,
em vez de procrastinar — Nina reprovou gentilmente. — São só
sete horas.
Rachel estendeu a mão para bagunçar seu cabelo encaracolado,
deixando ele espetado como se ela tivesse emergido de uma
tempestade elétrica. — Eu só queria sair com você antes das férias
de inverno. Senti sua falta no fim de semana passado.
Nina se mexeu desconfortavelmente. Ela odiava mentir, mas de
jeito nenhum poderia dizer a Rachel que ela tinha perdido a festa
para assistir o Baile da Rainha. Menos ainda sobre o que tinha
acontecido depois, na varanda.
— Além disso — Rachel continuou — eu gosto de trabalhar aqui.
Isso me faz sentir como uma VIP da biblioteca.
— Eu sei, é totalmente glamouroso — Nina brincou.
Rachel riu, inclinando a cadeira sobre as pernas traseiras, em
seguida, deixando ela cair com estrépito. — Me diga, você ainda vai
estar na cidade na véspera de Ano Novo, certo? Eu estava
pensando em organizar alguma coisa.
Antes que Nina pudesse responder, seu telefone vibrou com outra
chamada recebida. Ela começou a declinar, presumindo que fosse
Samantha de novo – mas então Nina viu quem era, e seu coração
pulou na garganta. Ela saiu da pequena sala e foi para o corredor,
baixando a voz.
— Nina! Por favor, me diga que você ainda não jantou — disse o
Príncipe Jefferson calorosamente.
— Não, hum, estou trabalhando — ela gaguejou.
— Isso significa que você pode vir me encontrar na Matsu?
— Você quer dizer Matsuhara? — Era um dos restaurantes de
mesa branca mais caros de Washington.
— Estou com desejo de sushi — disse Jeff simplesmente. —
Venha por favor? Não me faça comer aquele arroz crocante de atum
sozinho.
Nina engoliu em seco contra uma onda de emoções conflitantes.
Ele estava convidando ela para um encontro?
— Estou usando jeans e tênis — disse ela, evitando a pergunta.
— Além disso, não tenho certeza… Não tenho certeza se é a melhor
ideia.
— Oh — ele disse lentamente. — Hum... tudo bem. Eu entendo.
As palavras eram casuais, mas com uma nota distinta de
decepção. Por alguma estranha razão, isso mudou a mente de Nina.
Por que ela não deveria ir ao Matsuhara? Ela estava com tanto
medo de Jeff que não poderia lidar com um único jantar de sushi na
mesa com ele?
— Na verdade... ok. Te encontro lá. — Sua garganta estava muito
seca.
Ela jurou que podia ouvir o sorriso dele do outro lado da linha. —
Isso é fantástico. Devo mandar um carro para você?
— Não. Estou bem. — A última coisa que Nina precisava era ser
vista entrando em um dos carros reais da cidade aqui no campus.
Ela mal se safou da última vez.
Ela voltou para a sala dos professores, tentando não revelar como
de repente se sentiu confusa. — Ei, Rach, eu preciso ir. Se alguém
perguntar, você vai dizer que voltarei amanhã de manhã para
colocar eles na prateleira? — Ela acenou com a cabeça para os
livros empilhados no carrinho de metal com rodas. — E só se
certifique que a porta feche atrás de você quando você sair.
Rachel olhou para ela, sem se preocupar em esconder sua
curiosidade. — É claro. Está tudo bem?
— Mais ou menos. Quer dizer, sim, está tudo bem, mas eu
preciso ir. — Nina pensou em dizer que sua mãe havia ligado, mas
decidiu que era melhor ser vaga do que contar uma mentira
descarada. Ela tinha assistido o suficiente das operações de
relações públicas da família real para saber que era uma política
mais segura.
Rachel acenou com a cabeça, seus olhos vasculhando sua
amiga. — Tudo bem. Vejo você depois.
Jogando sua bolsa sobre um ombro, Nina saiu pelas portas
principais da biblioteca e trotou escada abaixo. Os icônicos leões
esculpidos que ficavam de cada lado da escada mostraram os
dentes para ela em rosnados perpétuos.

Matsuhara estava vazio quando ela chegou lá. Vazio, isto é, de


todos, exceto os seguranças estacionados na entrada, seus braços
cruzados impassivelmente sobre o peito – e Jeff, que estava
sentado sozinho em uma mesa central.
— O que é isso? — Nina respirou, parando em seu caminho. —
Onde está todo mundo?
Jeff se levantou para puxar sua cadeira. Entorpecida, ela se
sentou nela. — Somos apenas nós esta noite — disse ele, como se
uma compra completa de um restaurante não fosse grande coisa. —
Eu sei que você realmente não gosta dos holofotes, então pensei
que seria melhor se mantivéssemos um perfil discreto.
— Hum, está bem. — Nina olhou ao redor do resto da sala de
jantar, para as mesas redondas com suas banquetas vazias de
couro amarelo ranúnculo. Atrás de um sushi bar de madeira hinoki
lixada, dois chefs trabalhavam em silêncio coordenado.
— Por que você fez tudo isso?
Jeff apoiou os cotovelos na mesa. Ele estava usando uma camisa
de botão, seus vincos bem passados. — Lembro que seus pais
sempre levavam você para comer sushi em ocasiões especiais —
disse ele. — E parecia uma ocasião especial. Quer dizer, eu
considerei voar para Tóquio, para que a gente pudesse comer
diretamente da fonte — continuou ele — mas meus pais estão com
os dois aviões hoje.
— Jeff…
Ele começou a rir da expressão no rosto dela. — Eu estava
brincando, Nina.
Oh. Às vezes era difícil adivinhar quando a família real estava
realmente brincando.
Ela foi salva de mais conversas com a chegada de um homem
japonês em um casaco branco de chef e óculos grandes. — Vossa
Alteza, é uma honra recebê-lo esta noite. Posso apresentar o
primeiro prato?
Nina estava prestes a dizer a ele que eles não tinham pedido,
mas dois garçons já haviam saído da cozinha para colocar um
aperitivo para cada um deles. — Uma seleção de toro e caviar. Por
favor aproveite. — O chef deu um aceno deferente e saiu.
Ela olhou para seu prato. O molho de soja foi regado tão
lindamente que parecia quase pecado destruir. Os pauzinhos
esculpidos pareciam obras de arte em suas mãos. Nina percebeu
como sua tatuagem estava deslocada e começou a puxar a manga
para cobrir o pulso, mas decidiu não fazer isso.
— No que você estava trabalhando quando liguei? — Jeff
perguntou, educadamente, esperando por ela antes de dar uma
mordida.
— Eu estava no meu trabalho. Eu trabalho na biblioteca, como
parte da minha bolsa. — Nina disse isso com orgulho. Ela não tinha
vergonha de onde ela tinha vindo.
Ela se obrigou a experimentar o caviar, que geralmente evitava
quando era servido em funções reais. Como sempre, tudo o que ela
provou foi sal. Ela pousou os hashis com um ruído inadvertido.
— Você não gostou? — Jeff perguntou, olhando para ela.
Nina viu os sub-chefs olharem com olhos penetrantes. Ela não
podia fazer isso, não podia ficar sentada aqui neste vasto cômodo,
que deveria ter ecoado com vozes e risos e o tilintar de copos, mas
que estava pesado com o silêncio. Era tudo muito sufocante.
Demais.
Jeff provavelmente levava Daphne Deighton neste tipo de
encontro todo fim de semana. Mas Nina não era nada parecida com
Daphne, e se ela e Jeff teriam a menor chance de fazer aquilo
funcionar – seja lá o que fosse aquilo – então ele precisava entender
isso.
— Honestamente, não. Eu odeio caviar. — A voz de Nina mal era
audível sobre a música clássica ambiente. — Jeff, você não deveria
ter feito tudo isso.
— Eu te disse, é uma ocasião especial.
— Não — ela insistiu. — Este encontro é… — Extravagante,
chamativo, exagerado. — Profundo — disse ela, se
comprometendo. — Mas não sou eu.
Jeff piscou para ela com espanto. Nina se perguntou se ela o teria
chateado, depois de todo o dinheiro e planejamento que ele
obviamente investiu naquela noite. Então seus olhos brilharam e ele
riu.
— Você quer saber uma coisa? Eu também odeio caviar.
O príncipe se levantou em um único movimento, jogando o
guardanapo sobre a mesa ao lado da torre de toro e caviar pela
metade. Nina correu para seguir. Vendo seu movimento, Matsuhara
saiu da cozinha em evidente consternação.
— Sentimos muito, mas surgiu uma emergência. Não vamos ficar
para o resto da refeição. Claro, você ainda receberá o pagamento
integral — Jeff anunciou para o chef surpreso.
— Mas Vossa Alteza – toda a comida...
— Você e a equipe deveriam comer. Aposto que você nunca teve
a chance de desfrutar de sua própria comida. — A emoção floresceu
no rosto do chef.
Jeff esperou até que saíssem pela porta lateral sombreada antes
de se virar para Nina. — Para onde? Tenho que admitir, ainda estou
com um pouco de fome.
Nina deu uma risada apreciativa. — Eu sei exatamente o lugar.
A alegria incrédula no rosto de Jefferson valeu totalmente a pena –
mesmo que seu oficial de proteção parecesse que queria
estrangular Nina em retribuição.
Eles caminharam até o Wawa da Salsa Deli, a loja de tacos
favorita de Nina, onde se sentaram em uma mesa coberta de
plástico e pediram tacos de carnitas. Na luz fraca, ninguém os olhou
uma segunda vez. Principalmente depois que Jeff pegou
emprestado o moletom da marinha que seu oficial de proteção
guardava no porta-malas do carro.
Comer batatas fritas e molho enlatado era o oposto do jantar
cinco estrelas que eles tinham acabado de abandonar, mas era
muito mais a praia de Nina. Livres de toda aquela expectativa e
comida gourmet, ela e Jeff finalmente puderam relaxar e apenas
conversar.
Quando ele perguntou onde poderiam conseguir sobremesa, Nina
o conduziu até Wawa.
Estava frio lá dentro; luzes fluorescentes iluminavam corredor
após corredor de embalagens coloridas. A loja estava vazia, exceto
pela caixa, que mal olhou em sua direção antes de voltar para sua
revista. Nina teve que conter uma risada quando viu a capa: QUEM
VESTIU MELHOR? resenha dos vestidos do Baile da Rainha. Se ao
menos a caixa soubesse que o Príncipe do Reino estava em sua
loja, seu rosto escondido atrás de um moletom azul marinho.
Mas Nina sabia que o moletom não era a única razão pela qual
Jeff escapou impune. Era simplesmente uma questão de contexto. A
mulher do caixa não esperava ver o príncipe Jefferson no Engletown
Wawa, e foi por isso que ela não percebeu sua presença bem aqui
diante dela.
E agora Jeff estava correndo ao redor do Wawa como... bem,
como uma criança em uma loja de doces. Ele continuou retirando
itens das prateleiras com alegria: chips de batata sabor pimenta, um
Tastykake gelado e poppers de jalapeño.
Ele se virou para ela em confusão encantada, seus braços cheios
de alimentos embalados. — Eu não entendo este lugar. É um
restaurante fast-food ou uma loja de conveniência?
— Ambos. Wawa é onde esses dois mundos convergem.
Jeff sorriu. — Eu me sinto tão descolado. Tão moderno e boêmio.
— Para um garoto que usa uma tiara, acho que tudo parece
boêmio — brincou Nina, e Jeff enrubesceu com a referência dela.
— É um diadema, não uma tiara, e não a uso desde os dez anos!
— ele protestou. — Só usei por causa daqueles retratos que minha
mãe me fez tirar quando era criança!
— Com certeza parecia uma tiara para mim. — Nina se abaixou
quando Jeff jogou um saco de batatas fritas em sua direção. — Uma
rosa por qualquer outro nome…
— Vamos ver algumas fotos de quando você tinha dez anos. Pelo
que me lembro que você passou por uma fase difícil.
— Eu acho que você quer dizer meu infame corte tigela. Também
conhecido como o ano do meu cabelo ruim. — Nina riu.
— Pelo menos suas fotos não circularam pelo mundo todo —
apontou Jeff. — Além disso, você ainda era fofa, mesmo com
aquele corte de cabelo terrível.
Sua voz se suavizou. Os dois ficaram imóveis.
Nina sentiu uma necessidade repentina de dizer algo, qualquer
coisa, para quebrar o silêncio. — Viemos aqui para a sobremesa e
tudo o que você pegou foram salgadinhos — ela ressaltou.
— É justo. — Jeff desviou em direção ao freezer e pegou um litro
de sorvete de menta com gotas de chocolate.
Nina fez uma careta. — Existem dezenas de sabores para
escolher e você escolheu menta com chocolate?
— O que você tem contra menta com chocolate?
— Nada deve ter aquele tom de verde. Não é natural.
— Tudo bem então. Mais pra mim. — Jeff sorriu: um sorriso torto
e genuíno, que foi como Nina sabia que o outro, o que ele mostrava
para o resto do mundo, era falso.
Isso deu a ela uma onda de confiança estúpida, saber que foi ela
quem provocou aquele sorriso. Nina ficou desesperada para ver
novamente.
— Se você insiste nessa monstruosidade — ela apontou para a
caixa de sorvete dele — então você não me deixa escolha a não ser
comprar minha própria sobremesa. Assista e aprenda.
Ela marchou até o balcão da frente e chamou a atenção do caixa.
— Com licença, posso pegar um milkshake de chocolate com
M&M’s duplos?
— M&M’s duplo? Isso é chocantemente ganancioso. — Jeff veio
ficar atrás dela, perto o suficiente para que Nina pudesse se
encostar nele, se ela ousasse.
— Ou é o segredo da verdadeira felicidade — respondeu ela,
sobre a batida repentina de seu coração. — Tudo o que sei é que
quando preciso digerir meus sentimentos, eles têm gosto de
milkshakes Wawa com M&M’s extra.
Jeff sorriu. — Você e Sam ainda estão tentando provar todas as
variedades de M&M de todo o mundo?
Nina ficou surpresa por ele ter se lembrado. — Ainda não
chegamos a todos os países. Acontece que existe muito mundo lá
fora.
Algo brilhou nos olhos de Jeff com suas palavras, e ele acenou
com a cabeça, pensativo.
Nina insistiu em pagar pelos lanches. Era o mínimo que ela podia
fazer, depois de cortar o elaborado e caro encontro que Jeff havia
planejado. Ao pagar o recibo, ela percebeu que a caixa estava
olhando para seu companheiro de moletom um pouco de perto. A
garota abriu a boca – mas antes que ela pudesse dizer qualquer
coisa, Nina agarrou a sacola de compras com uma mão e o braço
do príncipe com a outra. — Vamos sair daqui.
— Devemos fazer uma corrida? — Jeff perguntou, tão brincalhão
e desafiador quanto quando eram crianças e ele costumava deslizar
pelas escadas do palácio nas almofadas do sofá.
— Aceito o desafio. — Nina saiu correndo pela rua, Jeff correndo
ao lado dela.
Quando chegaram à seção do John Jay Park que se estendia ao
longo do rio, os dois desabaram em um banco, com as respirações
irregulares. A escuridão era quebrada apenas por poças de luz
amanteigada lançadas por postes de luz espalhados ao longo da
trilha atrás deles.
Jeff puxou o moletom pela cabeça e jogou ao seu lado. O luar
brilhou em seu cabelo escuro, transformando-o em um elmo
prateado de um cavaleiro. — Desculpe, Matt — ele disse ao seu
oficial de proteção, sem parecer arrependido. Matt apenas balançou
a cabeça e recuou alguns metros no caminho, ainda em sua linha
de visão.
— Aquele lugar era incrível. — Jeff pegou sua caixa de sorvete
antes de passar a sacola de compras para Nina. — De onde nn vem
o nome Wawa, afinal?
— Não tenho certeza. — Provavelmente, como todo o resto neste
país, remonta a Washington.
Nina furou a tampa do milk-shake com um canudo. — Eu me sinto
honrada por ter conduzido você em sua primeira excursão Wawa —
ela continuou, em um tom mais leve. — Me prometa que no próximo
ano, quando você for ao campus Wawa para lanches noturnos, você
vai lembrar de que fui eu que mostrei como isso é feito.
— Tem um Wawa no King’s College?
— Oh sim. Está sempre lotado, especialmente à uma e cinquenta
e cinco da manhã, cinco minutos antes de fechar — ela disse. —
Uma vez, quando eu estava na frente da fila, alguém me ofereceu
trinta dólares pelo meu milkshake.
— Você pegou?
— Absolutamente não! Você não pode colocar um preço neste
tipo de felicidade.
Jeff mudou de posição no banco, sua perna momentaneamente
pressionando contra a dela. E mesmo que houvesse duas camadas
de tecido entre eles, sua calça cáqui e sua calça jeans preta, Nina
ainda sentia seu rosto esquentar. Ela tomou um gole enorme e nada
feminino de seu milk-shake, esperando que acalmasse o clamor de
seus pensamentos.
O príncipe pigarreou. — Para ser honesto — disse ele — não sei
se quero ir para o King’s College no próximo ano.
A declaração pegou Nina desprevenida. — Sério?
— Eu sei, eu sei, é para onde minha família sempre foi. Meus pais
continuam me pressionando para assinar na linha pontilhada e
acabar logo com isso.
— Mas… — Nina ofereceu, esperando.
— Mas prefiro ir para fora do país. Para a Espanha, talvez, ou
Austrália. Não que eles vão deixar. Um príncipe americano
estudando em um país que não é a América? — Jeff balançou a
cabeça. — A imprensa não perderia. Não estou pedindo que sinta
pena de mim — ele acrescentou apressado.
Nina balançou a cabeça, surpresa. Ela presumiu que Jeff
escolheria automaticamente o King’s College – porque era previsível
e fácil, porque ele poderia navegar por suas aulas e ser o presidente
de uma fraternidade, assim como seu pai, tio, o avô e bisavô.
Talvez ela não conhecesse Jeff tão bem ou talvez ele tivesse
mudado. Nina se perguntou se isso tinha acontecido com ela
também – se Jeff estava tendo problemas para reconciliar a Nina
atual com a que ele conhecia.
Seu telefone zumbiu em seu bolso. Nina olhou para a tela, apenas
para ver que era uma mensagem de Samantha: Quer vir aqui
amanhã?
Ela rapidamente guardou o telefone. Se estivesse com qualquer
outro menino naquele momento, Nina teria clicado secretamente em
uma resposta, então ligaria para Sam no momento em que o
encontro terminasse para discutir todos os detalhes. Parecia
estranho esconder algo assim de sua melhor amiga, mas não tinha
como ela contar para Samantha que estava com seu irmão gêmeo.
Pelo menos, não até Nina descobrir o que estava acontecendo
entre ela e Jeff, e se isso estava indo a algum lugar.
A meia-noite chegou com um coro repentino de sinos das igrejas
da capital, São Jerônimo e Santo Rosário e da Igreja da Liberdade
no centro. Os sons perseguiram uns aos outros pelas ruas e becos
da cidade, inaugurando um novo dia.
Jeff começou a se levantar, gaguejando algo sobre como estava
tarde, mas Nina puxou sua manga e ele sentou novamente.
— É amanhã; faça um desejo — ela murmurou.
— O quê?
— É algo que meus pais costumavam dizer quando ficávamos
acordadas até meia-noite: que agora é amanhã e você pode fazer
um pedido.
— Eu nunca ouvi falar disso. — A voz de Jeff estava repleta de
um ceticismo divertido. — Pra mim parece que elas estavam
procurando desculpas para realizar seus desejos.
— E daí se fosse? O mundo poderia usar mais desejos.
Nina não disse a Jeff o que ela silenciosamente desejou por todos
aqueles anos, que a maioria desses desejos tinham sido centrados
nele.
As notas finais dos sinos da igreja reverberaram ao redor deles.
Jeff tentou alcançar o rosto de Nina, o polegar roçando levemente
sua bochecha. Ele se inclinou para beijar ela.
Foi um beijo lento, quase cuidadoso, como se Jefferson tivesse
medo de se apressar ou errar. Quando finalmente se separaram,
Nina encostou a cabeça no peito dele. Ela podia sentir as batidas de
seu coração através de sua cara camisa de botão. O som era
estranhamente reconfortante.
— Essa é uma ideia terrível. — Suas palavras foram abafadas,
mas o príncipe ainda jogou um braço em volta dela, puxando para
mais perto.
— Discordo. É brilhante.
— Nós poderíamos apenas... eu não sei, ir embora e fingir que
nunca aconteceu.
— Por que faríamos isso?
— Porque… — Nina se forçou a se afastar de seu calor, mesmo
quando seu corpo gritou com a distância repentina entre eles. —
Além do fato que sua irmã é minha melhor amiga, eu não sou seu
tipo.
— Sam será a nossa maior fã, confie em mim — Jeff assegurou.
Essa única palavra, nós, parecia ter mais peso do que deveria. — E
desde quando inteligente e bonita não faz meu tipo?
— Não foi isso que eu quis dizer — Nina insistiu, nervosa. —
Quase não tenho escova de cabelo, odeio usar salto e, caso você
tenha esquecido, sou uma plebeia.
— Escovas de cabelo são superestimadas, esses tênis são muito
mais legais do que saltos, e quem se importa se sua família tem um
título?
— A América sim! Você sabe o que quero dizer, Jeff — ela disse
impacientemente. — Eu dificilmente sou o tipo de garota que você
deveria levar para Matsuhara.
— Achei que tínhamos estabelecido que todos os nossos
encontros futuros seriam em Wawa. — Jeff arriscou um sorriso. —
Eu gosto de você, Nina. Eu sei que errei antes. Mas eu realmente
quero mudar sua mente. No mínimo, você poderia parar de ser tão
difícil e me dar a chance de tentar?
Apesar de suas dúvidas persistentes, Nina sorriu. — Não leve
para o lado pessoal; Eu sempre sou difícil.
— Isso não me assustou até agora — lembrou Jeff.
Nina se aproximou e beijou o Príncipe da América novamente.
BEATRICE

Beatrice não se atreveu a olhar para trás, para Connor, enquanto


subia a escada curva do Teatro de Sua Majestade. O resto de sua
família, junto com toda a segurança, caminhava ao lado dela. Até
Jeff estava aqui, o que deveria ter surpreendido Beatrice, visto que
ele geralmente fazia de tudo para evitar o teatro. Mas ela estava
muito preocupada com sua própria ansiedade para notar.
Depois do Baile da Rainha – depois que ela cruzou uma linha
intransponível e beijou Connor – ela estava com medo de que ele
pudesse entregar sua renúncia. No entanto, Connor acabara de
aparecer para trabalhar na manhã seguinte, como de costume.
Eles mal se falaram durante toda a semana, a conversa fácil de
sempre e a provocação bem-humorada substituídas por um silêncio
pesado. As poucas vezes que Beatrice se aventurou a fazer uma
pergunta, as respostas de Connor foram cortadas e distantes. Ele
tinha claramente resolvido deixar toda a bagunça para trás e agir
como se nunca tivesse acontecido.
Que era exatamente o que ela deveria estar fazendo.
— Beatrice, sente aqui — ordenou a rainha, enquanto passavam
pela cortina que levava ao camarote real.
Adelaide gesticulou para o assento que estava na frente e no
centro. Era o mais exposto aos demais espectadores: na orquestra
de baixo, na sacada de cima, até os demais ocupantes dos
camarotes particulares, que circundam o mezanino em semicírculo
dourado. Beatrice reconheceu todos os rostos curiosos nessas
sacadas, desde o enviado comercial da Nigéria até a idosa
Baronesa Västerbotten, que olhava abertamente para a família real
através de seu lornhão de ópera.
Beatrice se sentou no lugar que sua mãe indicou. Ela colocou
uma mão sobre a outra em seu colo, então as inverteu. Os acordes
musicais flutuavam da orquestra, conversas se sobrepondo
enquanto as pessoas encontravam seu caminho para seus
assentos.
— Vossa Alteza Real — disse uma voz em seu ombro, e Beatrice
olhou para os olhos azuis dançantes de Teddy Eaton.
Ela se levantou em um movimento fluido, apenas para congelar
de indecisão. Como ela deveria receber Teddy? Um aperto de mão
parecia muito impessoal, visto que se tratava de um encontro, mas
um abraço parecia um pouco familiar.
Como se sentisse o pânico dela, Teddy pegou a mão dela e a
levou aos lábios em um gesto cortês e antiquado. Seu beijo mal
roçou a superfície de sua pele.
Beatrice engoliu em seco. Foi preciso até o último resquício de
seu autocontrole para não se virar e olhar para Connor — Obrigada
por ter vindo — ela declarou, suas palavras ocas e formais até
mesmo para seus próprios ouvidos.
No momento em que eles se sentaram um ao lado do outro, um
rugido surdo de interesse varreu o teatro. As pessoas esticavam o
pescoço para ver eles de relance e erguiam os celulares para tirar
uma foto rápida. Mesmo os ocupantes das outras caixas não se
preocuparam em esconder seus olhares.
Beatrice rangeu os dentes de trás, desejando não ter sugerido
algo tão importante e público. Claro que as pessoas fofocariam
sobre isso. Beatrice nunca teve encontros e agora estava no show
mais esperado da temporada com o bonito e eminentemente
elegível Theodore Eaton?
Teddy se virou para ela, ignorando a onda de excitação com sua
chegada. — Então, você está animada com o show? Eles estão
dizendo que é completamente revolucionário.
Beatrice viu sua irmã tentar escorregar para trás, mas a rainha
colocou as mãos nos ombros de Samantha e a conduziu para o
assento à esquerda de Teddy. Ela estremeceu com a memória de
como ela brigou com Sam na outra manhã. Ela não tinha intenção;
ela estava tão nervosa com o que tinha acontecido na noite anterior
com Connor, e as acusações de Sam a pegaram desprevenida.
— Estou ansiosa por isso — disse ela a Teddy, e olhou na direção
da irmã. Talvez ela pudesse estender um ramo de oliveira atraindo
ela para a conversa. — Embora Samantha seja quem realmente
gosta de musicais.
— Mesmo? — Teddy perguntou, olhando para Samantha.
— Beatrice é a patrona oficial das artes, não eu — Sam disse
carrancuda. Ela se virou para a amiga Nina, na cadeira do outro
lado.
Beatrice piscou com a grosseria da irmã. — Essa posição é
apenas uma formalidade — ela se apressou em explicar. — Eu
nunca tive nenhuma habilidade musical.
Os olhos de Teddy se voltaram rapidamente para Samantha, e
uma sombra de algo passou por sua expressão. Então ele deu um
sorriso para Beatrice. — Você não é cantora?
— Sou tão tragicamente desafinada que fui cortada do coro da
quarta série. Mas havia mais nisso. A verdade era que Beatrice
nunca teve paciência para teatro, pelo mesmo motivo que raramente
lia romances: ela não conseguia se relacionar com os personagens.
Ela se lembrou de como ficou frustrada quando criança, quando viu
uma peça sobre uma princesa em uma missão. A coisa toda parecia
tão enganosa para ela – essa história sobre uma princesa que
dirigia a ação, que tinha que fazer escolhas. Porque a vida de uma
princesa foi dada a ela, muito antes mesmo de ela nascer.
Os escritores podiam escolher o final de seus romances, mas
Beatrice não estava vivendo um conto. Ela estava vivendo a história,
e a história durava para sempre.
Ela abriu o Playbill e viu que o número de abertura seria
interpretado por Melinda Lacy, no papel de Emily.
Claro, Beatrice percebeu: o título por si só deveria ter revelado.
Essa era a história de Lady Emily Washington, a Pretendente – ou,
como algumas pessoas insistiam em chamar, Rainha Emily.
Filha única do rei Eduardo I, Emily continuou sendo uma das
figuras mais controversas, românticas e trágicas da história
americana. Seus pais haviam feito o possível para arranjar um
casamento para ela. Mas, apesar de ser perseguida por metade dos
reis do mundo – supostamente os reis da Grécia e da Espanha uma
vez lutaram um duelo por ela – Emily se recusou a se casar. Após a
morte de seu pai em 1855, Emily, de 25 anos, tentou estabelecer
sua reivindicação ao trono, como uma mulher, sozinha.
E então, depois de apenas um único dia sendo a chamada rainha,
Emily desapareceu da história.
Os estudiosos ainda debatem o que havia acontecido com ela. A
teoria prevalecente era que seu tio John mandou matar ela para que
ele pudesse se tornar rei. Mas os boatos persistiram, cada um mais
selvagem e bizarro do que o outro – que Emily se apaixonou por um
rapaz do estábulo e fugiu para viver no anonimato; que ela se tornou
uma senhora pirata e espionou para os britânicos; que ela fugiu para
Paris, assumiu o nome de Angelique d'Esclans e se casou com o
delfim francês, o que, portanto, significava que os verdadeiros
herdeiros do trono americano eram na verdade os reis da França.
— Eu não sabia que isso era sobre Emily — Beatrice disse
suavemente. — Eu me pergunto qual final o show vai dar a ela. —
Ela examinou a lista de números musicais em busca de uma pista.
— Gosto de pensar que ela escapou em segurança. Canadá,
talvez, ou Caribe. — Teddy apoiou o cotovelo no apoio de braço
entre eles.
— Infelizmente, gostar de pensar não é o mesmo que acreditar —
argumentou Beatrice. — As evidências sugerem que o tio dela a
assassinou.
— Esse mesmo tio é seu ancestral — Teddy a lembrou. Ele tinha
razão. — E até você, Emily era a única mulher que poderia alegar
ter sido a rainha da América. Você não quer que a história dela
tenha um final feliz, mesmo na ficção?
Para que serve a ficção quando confrontada com fatos duros e
frios? — Acho que sim — disse Beatrice evasivamente.
Ela se sentiu aliviada quando as luzes da casa diminuíram e a
cortina se ergueu, desviando a atenção de Teddy, e da maioria das
pessoas no teatro, de Beatrice finalmente.
Um ator em uma jaqueta vermelha trançada e coroa de colar
subiu no palco, acompanhado por uma atriz com uma tiara de strass
brilhante: provavelmente o par interpretando o Rei John e a
condenada Rainha Emily. Com os olhos fixos no camarote real
diretamente em frente a eles, os dois mergulharam em uma
profunda reverência.
Era uma tradição que remonta à fundação deste teatro, há
duzentos anos: qualquer ator representando a realeza deve se
curvar e fazer uma reverência à realeza real antes que o show
possa começar.
As luzes se suavizaram, brilhando no brilho reflexivo da fantasia
de Emily. O resto do mundo se dissolveu no esquecimento quando
ela começou a cantar.
E o autocontrole de Beatrice começou a escorregar.
Ela nunca tinha ouvido uma música tão poderosa, emocional e
comovente. Atingiu profundamente seu âmago, agarrou os
sentimentos que estavam emaranhados ali em nós quentes e
raivosos e os desenrolou como um novelo de linha. Ela se inclinou
para frente, extasiada, as mãos agarrando com força o programa.
Ela se sentia tão frágil e transparente que poderia se partir em duas.
Emily cantou sobre a construção de uma nação, sobre legado e
sacrifício. Ela cantou sobre o amor ganho e perdido. E quando a
pontuação avançou para o final do primeiro ato – enquanto Emily se
lançava em uma balada de cortar o coração sobre como ela
precisaria desistir da pessoa que amava, pelo bem de seu país –
Beatrice percebeu que estava tremendo.
Ela tropeçou em seus pés e fugiu, ignorando os olhares
assustados de sua família e Teddy. O corredor estava
misericordiosamente vazio, exceto pelo bando de seguranças de
sua família estacionados do lado de fora da porta de seu camarote.
Ela não deixou que seus protestos murmurados a atrasassem,
não parou nem mesmo quando seus saltos quase tropeçaram no
tapete vermelho. Ela apenas avançou freneticamente pelo corredor,
sem saber para onde estava indo, sabendo apenas que não
suportaria ficar parada.
— Você está bem? — Connor caminhou ao lado dela. — Aquele
duque disse algo que te aborreceu? Porque se foi isso, eu prometo
que...
— Estou bem. Eu simplesmente fiquei emocionada, assistindo ao
show. — Ela tentou enxugar os olhos sem que Connor visse, mas
ele enfiou a mão na jaqueta para dar a ela um lenço.
— Um musical fez você chorar — ele repetiu, com evidente
descrença.
Beatrice deu uma risada estrangulada — Eu sei que não soa
como eu. — Mas então, ela não tinha sido realmente ela mesma
desde o Baile da Rainha.
Ela parou no meio do corredor do mezanino. Fragmentos de
música flutuavam pelas portas fechadas das caixas. A luz das
arandelas de parede ornamentadas caiu sobre o uniforme de
Connor, em seu cabelo, no aço derretido de seus olhos. Esses olhos
estavam agora significativamente fixos nos de Beatrice.
Tantas coisas não foram ditas entre eles, e Beatrice não sabia
como começar a dizer.
— Connor — ela sussurrou. Seu nome em seus lábios era um
apelo, uma prece.
Ele se aventurou um passo mais perto, tão perto que Beatrice
podia ver cada sarda individual espalhada sobre seu nariz. Seu
rosto se inclinou para cima...
— Vossa Alteza Real! Você está bem?
Ao som da voz de Teddy, Connor deu um passo rápido para trás.
Beatrice teve que morder o lábio para não tentar alcançá-lo
novamente.
Acalmando a expressão em seu rosto, ela se virou para onde
Teddy estava caminhando a passos largos pelo corredor em sua
direção. — Estou bem — disse ela calmamente. — Eu só precisava
de um minuto, depois daquela música.
— E eu pensei que você não gostava muito de musicais — disse
Teddy gentilmente. Seus olhos desviaram para um sofá coberto de
veludo contra a parede. — Você quer esperar um minuto antes de
voltarmos?
Beatrice não pôde deixar de olhar para Connor, que deu de
ombros imperceptível. — O que você quiser, Sua Alteza Real.
A maneira como ele disse o título dela foi totalmente fria. Como se
ele precisasse se lembrar, lembrar a ambos, de sua posição.
Beatrice afundou sem palavras nas almofadas, tentando não olhar
para onde ele estava: a poucos metros de distância, mas
provavelmente ao alcance da voz. O que ele estava pensando? Seu
sangue estava faiscando e girando de modo tão selvagem quanto o
dela?
Teddy veio se sentar ao lado dela. Lentamente, o pânico nas
veias de Beatrice começou a diminuir. Nenhum deles se apressou
em falar, mas o silêncio não parecia tenso ou estranho, apenas...
simples. Sociável, até. Talvez porque, sozinho entre todos os
cortesãos que ela conheceu, Teddy não fez nenhuma exigência
dela.
Todo mundo queria algo. Eles queriam dinheiro, um título ou uma
posição no governo; eles queriam seus nomes ao lado do dela nos
jornais. Exceto Teddy. Ele não tinha pedido nada a ela, exceto talvez
por honestidade.
O que ela não tinha certeza se poderia dar.
— Quando eu era pequena, meus pais costumavam levar eu e
meus irmãos para a noite de abertura de todos os shows. —
Beatrice olhou para seu colo, mas ela podia sentir o olhar de Teddy
sobre ela. — Sam sempre implorou aos meus pais para nos
deixarem sair no intervalo.
— Por quê?
— Ela odiava finais infelizes. Ou realmente, ela odiava todos os
finais. Acho que Sam preferiu imaginar seu próprio final, em vez de
ficar e assistir tudo se desenrolar em uma tragédia. — Beatrice
olhou para Teddy. — Agora eu sei como ela se sentia
— Não precisamos ficar — ele ofereceu, e Beatrice sabia que ele
entendia que se tratava de algo mais do que musical.
— Lamento por ter fugido assim e pela forma como todos nos
olhavam. Eu não estive em muitos encontros antes — ela se
atrapalhou ao dizer — mas eu sei que eles não deveriam ser assim.
— Nosso primeiro encontro nunca seria normal.
Beatrice esboçou um sorriso incerto. — Provavelmente não, mas
ainda poderíamos ter ido a algum lugar sem uma audiência literal.
Teddy riu disso e depois se acalmou.
— Beatrice. Quero que saiba que eu… — Ele falou devagar, como
se escolhesse as palavras com cuidado — Respeito você — ele
decidiu finalmente.
Isso não soou particularmente romântico, mas Beatrice percebeu
que Teddy não queria romance. Ele estava apenas dizendo a
verdade.
— Obrigada — disse ela com cautela.
— Antes de nos conhecermos, eu não tinha certeza do que
esperar de você. Eu não sabia o quão atenciosa, inteligente e
dedicada você é. Você vai ser uma primeira rainha incrível. Se este
fosse um mundo onde as pessoas pudessem, eu não sei, votar em
seu monarca, eu sei que a América ainda escolheria você. Eu
escolheria você.
Eleger o rei ou a rainha – que conceito engraçado. Todos sabiam
que as eleições só funcionavam para juízes e Congresso. Fazer o
poder executivo ceder ao povo, implorar por votos – isso só poderia
terminar em desastre. Essa estrutura atrairia o tipo errado de
pessoa: pessoas sedentas de poder com agendas distorcidas.
Teddy deu um sorriso incerto. — Sei que tudo isso é uma
armação, que foram seus pais que te fizeram sair comigo.
Ela ficou rígida. — Teddy…
— Eu entendo — ele disse suavemente. — Estou sob o mesmo
tipo de pressão.
— Você só veio aqui esta noite porque seus pais te pediram?
— Não, quero dizer, sim, eles pediram, mas estou tentando dizer
a você que entendo como é. Ser herdeiro de um ducado não é tão
diferente de ser herdeiro de um reino, apenas em uma escala
menor. Eu sei o que é ter fardos e compromissos que outras
pessoas não conseguem entender. E mesmo que eles
entendessem...
Eles iriam correr na outra direção e deixar o emaranhado de
responsabilidades com a gente, Beatrice terminou silenciosamente.
Teddy se mexeu no assento ao lado dela. — Não pensei que
gostaria de você, mas gosto. Então, espero que nosso primeiro
encontro não seja também o último.
Beatrice deu um aceno lento. Ele estava certo: entre todos os
jovens que seus pais escolheram para ela, Teddy era uma surpresa
agradável. — Nem eu — ela admitiu.
Quando voltaram para as sombras do camarote real, sua família
lançou alguns olhares curiosos, mas Beatrice os ignorou. Ela se
recostou na cadeira, alisando o vestido de coquetel preto em volta
das pernas para que não amassasse.
Ela disse a si mesma que Teddy estava certo. Eles podiam não
estar apaixonados um pelo outro — de uma maneira louca ou
romântica, — mas pelo menos eles se entendiam.
Talvez ela estivesse procurando por ele, ou talvez seus nervos
estivessem apenas em alerta máximo, mas Beatrice percebeu o
momento em que Connor entrou na caixa. Ele se plantou dentro da
porta, de pé na maneira típica da Guarda Revere, sua coluna reta,
suas armas no coldre ao alcance. Ela se perguntou se ele tinha
vindo aqui sob ordens, ou por curiosidade, para ver o musical que
levou até a princesa Beatrice às lágrimas.
Algum instinto tolo a fez tentar chamar sua atenção, mas Connor
não olhou em sua direção. Seu olhar estava fixo no palco,
inescrutável como sempre.
SAMANTHA

Nem mesmo Midnight Crown conseguiu distrair Samantha do fato


de que Teddy Eaton estava sentado a poucos centímetros dela, em
um encontro com sua irmã.
Ela passou todo o segundo ato em uma agitação baixa e
latejante, hiper consciente do quão perto Teddy estava. Tão perto
que Sam poderia dar um tapa no rosto dele ou agarrar sua camisa
com os dois punhos e puxar ele para frente para beijá-lo.
Honestamente, ela não descartou nenhuma das possibilidades.
Por alguma razão masoquista, ela repetia a interação deles em
sua cabeça, examinando de todos os ângulos, como um joalheiro
estudando as facetas de uma pedra preciosa em várias iluminações.
Talvez fosse tolice dela, mas ela pensava que havia algo real entre
ela e Teddy. O que o levou a jogar pingue-pongue, indo dela direto
para Beatrice? Ele era realmente apenas mais um daqueles caras
superficiais que foram atrás de Beatrice pelos motivos errados, que
não queriam nada mais do que ser o primeiro rei consorte da
América?
Como os instintos de Sam sobre ele estavam tão errados?
Ela ficou aliviada quando a apresentação terminou e todos
entraram no salão de recepção para o afterparty. Garçons
passavam com bandejas de aperitivos: ovos de codorna cozidos,
arancini de queijo de cabra, salmão defumado dispostos em rodelas
minúsculas de pepino. A maior parte do elenco já estava aqui, ainda
usando suas fantasias, seus rostos derretidos com maquiagem e
suor.
— Você está bem? — Nina perguntou significativamente. Ela
sabia como estava sendo difícil para Sam ver Teddy com Beatrice.
Sam lançou a sua amiga um olhar agradecido. Ela estava tão feliz
por Nina ter concordado em vir com ela esta noite. Algo sobre o
humor prático de sua amiga, seu senso de identidade feroz e
inabalável, fazia Samantha sentir que poderia enfrentar qualquer
coisa.
— Eu preciso de uma bebida — Sam decidiu. — Quer vir?
Nina hesitou. Seu olhar vagou atrás de Sam e suavizou
imperceptivelmente. — Tudo bem. Vou esperar por você aqui —
Nina murmurou. Sam olhou ao redor, perguntando para si mesma
quem tinha causado aquele olhar, mas a única pessoa parada ali
era Jeff.
Quando ela chegou ao bar, Sam pediu ao barman duas taças de
vinho e um whisky sour, no momento em que uma figura muito
familiar se aproximou dela. — Sem cerveja essa noite? —
Perguntou Teddy.
Como se não tivesse sido suficiente para ele passar toda a
apresentação atormentando ela, agora ele tinha que arruinar a pós-
festa também.
Samantha apertou os lábios e não disse nada, determinada a ser
fria e indiferente. Ela não devia uma resposta a Teddy. Ela não devia
nada a ele, mesmo que seu corpo traidor persistisse em se inclinar
em direção a ele. Ela tentou – e falhou – não se lembrar de como se
sentiu ao ser pressionada contra ele na escuridão perfumada do
guarda-chapéus.
Teddy parecia determinado a tentar novamente. — O que você
achou do show?
Sam olhou para ele, seus olhos disparando fogo. — Se você quer
saber — ela disse friamente, — eu pensei que foi totalmente
copiado. Isso me lembrou do Henriad.
Ela esperava que a referência passasse por cima de sua cabeça,
mas para seu aborrecimento, Teddy acenou com a cabeça em
compreensão. — Claro que o início da história de Shakespeare foi
reproduzido. Porque Midnight Crown conta a história da América
para a América da mesma forma que Shakespeare contou a história
da Inglaterra para os ingleses. — Ele sorriu para ela, um sorriso fora
de forma que fez seu coração estúpido disparar. — Eu não teria
pensado que você fosse uma entusiasta de Shakespeare.
— Certo, porque Beatrice é a esperta — Sam disse
venenosamente. — Eu sou apenas a garota com quem você ficou
em um armário, até que minha irmã finalmente se dignou a se
encontrar com você.
Teddy recuou com as palavras dela. — Eu sinto muito. Não foi
isso que eu...
Sam o ignorou, pegando as bebidas que o barman deslizou em
sua direção — Até mais, Teddy. — Seu vestido azul pavão
esvoaçava em torno de seus saltos enquanto ela caminhava de
volta pela sala em direção a sua amiga.
Nina ainda estava conversando com Jeff; a visão deles em uma
conversa profunda, suas cabeças inclinadas juntas com uma
intimidade surpreendente, pegou Sam desprevenida. Ela não se
lembrava deles se darem tão bem no passado.
— Como você sabia que eu queria um whisky? — Jeff exclamou
deliciado, pegando o copo enquanto Sam entregava a Nina uma das
taças de vinho.
— Isso era para mim, na verdade, mas você pode ficar com ele —
Sam respondeu. — Só por que eu te amo muito.
— E aqui estava eu pensando que nossa telepatia gêmea
finalmente começou a funcionar. — Jeff bateu seu copo levemente
no dela. — Obrigado.
Os olhos de Sam voltaram para Nina. — Por que ele continua
tentando falar comigo?
— Eu acho que Teddy está apenas tentando ser educado — Nina
ofereceu, percebendo imediatamente de quem ela estava falando.
Jeff franziu a testa em confusão. — Teddy Eaton? Nós mal o
conhecemos.
— Exatamente — Samantha estalou. Teddy mal a conhecia, mas
já a havia julgado, visto seu desejo e atualizado para Beatrice. Ela
agitou seu vinho uma e outra vez, construindo seu próprio pequeno
tornado dentro dos limites de seu copo.
— O que ele disse para você? — Jeff perguntou, claramente
confuso. Nina lançou a ela um olhar de advertência, silenciosamente
pedindo que mudasse de assunto.
— Não importa — disse Sam pesadamente.
Ela não tinha contado ao irmão sobre ela e Teddy, mas sabia que
ele havia percebido que algo estava acontecendo. Quando os
gêmeos eram crianças, suas emoções sempre se confundiam: o
que quer que um deles estivesse sentindo, o outro
instantaneamente ampliava. A babá deles costumava brincar que
eles eram incapazes de rir ou chorar sozinhos. Mesmo agora, era
difícil um deles estar feliz se o outro não estivesse.
Samantha se obrigou a sorrir. Ela se odiava por se perguntar se
Teddy estava assistindo – se ele se importava em como ela se
sentia.
— Vamos tirar uma foto — sugeriu ela, estendendo o celular para
uma selfie. Nina, previsivelmente, deu um passo para o lado; ela
nunca apareceu em fotos com Sam. Jeff deu um sorriso fácil e se
aproximou enquanto Samantha tirava a foto.
— Você ainda é Fiona von Trapp? — Perguntou Nina.
Samantha deslizou pela tela para colocar óculos escuros de
desenho animado no rosto dela e de Jeff. — Jeff é Spike Wales.
Isso é igualmente absurdo — ela apontou, lutando contra um
sorriso.
A presença dos gêmeos nas redes sociais foi uma fonte de
frustração sem fim no departamento de relações públicas do
palácio. Os membros da família real não deveriam ter perfis
pessoais; a única conta aprovada era a oficial do palácio,
@WashingtonRoyal, que tinha um gerente e editor de fotos em
tempo integral. Ignorando essa regra, Sam e Jeff criaram contas
particulares próprias, usando nomes falsos e limitando seus
seguidores a cerca de cem amigos mais próximos.
Isso nunca durou. Inevitavelmente, o palácio descobriu as contas
e fechou elas. Mas Sam e Jeff simplesmente escolheram nomes
ainda mais bizarros, ouriços de desenho animado ou unicórnios ou
algo igualmente cômico para suas fotos de perfil e começaram tudo
de novo.
— Estou morrendo de fome e esses aperitivos são comida de
passarinho — anunciou Jeff, passando os braços casualmente
sobre os ombros de Sam e Nina e puxando as duas para perto. —
Alguém quer ir para casa e pedir pizza? Ou poderíamos passar por
um Wawa — acrescentou em um tom estranho.
Nina riu disso, embora Sam realmente não entendesse porque —
É melhor mandarmos uma mensagem pedindo agora — disse ela,
colocando sua taça de vinho ainda cheia em uma mesa lateral.
Claro, ninguém realmente entregaria pizza no palácio; eles teriam
que enviar um dos lacaios à paisana para ir buscar.
Enquanto eles saíam da festa em direção à entrada da garagem,
Samantha se lembrou de que não importava o que Teddy pensava
dela. Não importava que o mundo inteiro pensasse que ela era
menos que Beatrice, contanto que ela tivesse Nina e Jeff. Essas
duas pessoas, pelo menos, conheciam a ela de verdade.

Mais tarde naquela noite, Sam bocejou enquanto vestia uma


camiseta velha e um short de dormir azul de seda. Eles devoraram
duas enormes pizzas de massa fina e assistiram a um filme de ação
ruim – o lado oposto do espectro de Midnight Crown, pelo menos no
que diz respeito à sofisticação cultural. Ela desejou que Nina tivesse
ficado; havia um quarto de hóspedes ao lado da suíte de Sam que
eles normalmente usavam para dormir na casa dela. Mas quando
ela sugeriu isso, Nina tinha uma expressão estranha no rosto e
gaguejou que provavelmente deveria ir para o campus.
Ocorreu a Sam que Nina poderia voltar por causa de um menino.
Mas se ela estava namorando um de seus colegas de classe, por
que não contou a Sam sobre isso?
Os pensamentos de Sam foram interrompidos por uma batida
hesitante.
— Entra — ela gritou, e ficou surpresa ao ver sua irmã, pairando
incerta na entrada de sua suíte.
— Eu acho que te devo os parabéns — Sam se ouviu dizer. — A
internet praticamente quebrou sozinha esta noite, babando em você
e Teddy.
— O quê?
— Vocês são trending topic em todo o país. Hashtag #Beadore. —
Sam deu uma risada zombeteira. — Pessoalmente, se eu fosse
colocar seus nomes juntos, eu teria ido com Theotrice, mas ninguém
me perguntou.
— Oh tudo bem. — Beatrice parecia surpreendentemente jovem e
vulnerável em um conjunto de túnica de seda e pijama branco. Seu
cabelo, que mais cedo esta noite estava torcido em um penteado
intrincado, estava solto em um grande rio escuro sobre um ombro.
— Não te vi na after party, — ela continuou.
— Nina e Jeff saíram mais cedo comigo, para comprar pizza. —
Sam ficou surpresa com a dor que atravessou o rosto de Beatrice.
Ela estava se sentindo deixada de fora? — Você quer alguma
coisa? — ela continuou, com um pouco menos de amargura.
Beatrice suspirou. — Desculpe incomodar. Eu só fico pensando...
O ressentimento de Sam começou a se esvair e morrer. Ela não
conseguia se lembrar da última vez que Beatrice tinha vindo ao
quarto dela assim. Elas ficavam no corredor uma da outra, mas
podiam muito bem estar em continentes separados.
— O que é ? — Sam gesticulou para o sofá dela, uma poltrona do
século XVIII que ela desenterrou no depósito do palácio e mandou
ser reestofada em uma seda cor de caqui brilhante.
Beatrice afundou sem palavras nas almofadas. Ela olhou ao redor
da sala com algo parecido com confusão, como se ela estivesse
vendo pela primeira vez – as mesas de bambu incompatíveis, as
almofadas multicoloridas. Sam teve a estranha sensação de que
sua irmã estava tentando descobrir como pedir seu conselho, ou
talvez sua ajuda.
— Você acha que a tia Margaret é feliz?
O que quer que Sam esperava, não era isso. Ela se sentou
hesitantemente do outro lado do sofá. — O que você quer dizer?
Beatrice brincou preguiçosamente com a franja de um travesseiro
de seda. — Porque ela estava apaixonada por aquele piloto de
avião quando era mais jovem, e vovó e vovô fizeram ela desistir
dele.
— Eles não a obrigaram a fazer nada. Tia Margaret poderia ter se
casado com ele se quisesse. Mas ela teria renunciado a seus títulos,
renda e status, e renunciado a seu lugar na ordem de sucessão. Se
ela realmente o amasse, você não acha que ela o teria escolhido de
qualquer maneira? — Sam sempre pensou no piloto como apenas
mais um dos atos juvenis de rebelião de tia Margaret. Com o qual
Sam poderia se identificar.
— Talvez ela o amasse, mas sentia que era impossível para eles
ficarem juntos, porque ela era uma princesa — Beatrice disse
suavemente.
— Não sei. — Sam encolheu os ombros. — Ela não era a
herdeira do trono. Se eles tivessem se casado, ela nem teria sido
exilada nem nada. Ela poderia ter encontrado uma maneira de fazer
sua vida funcionar.
A cabeça de Beatrice disparou. — Exilada?
— Um rei britânico tentou se casar com uma plebeia e foi forçado
a abdicar por causa disso. Ele viveu em Paris o resto de sua vida.
Sua irmã ficou pálida, abraçando o travesseiro de seda com mais
força contra o peito.
Sam a olhou confusa. — Beatrice, sobre o que é isso realmente?
Antes que sua irmã pudesse responder, passos trovejaram pelo
corredor e outra batida soou na porta de Sam. Ela se abriu para
revelar o rei e a rainha.
— Beatrice! Aqui está você, — seu pai exclamou, seus traços
enrugados em um sorriso.
Claro que ele não tinha realmente ido ao quarto de Sam
procurando por Sam.
A rainha sorriu para Samantha, mas então seus olhos também se
voltaram para Beatrice. — Você e Teddy pareciam que estavam se
dando bem esta noite. Todos certamente adoraram ver vocês juntos.
Sam se perguntou se seus pais viram a onda de entusiasmo da
internet por causa de #Beadore.
— Ele é muito legal — respondeu Beatrice. Legal, o mais sem
sentido de todos os adjetivos. Uma palavra que você reservou para
conhecidos distantes e eventos dos quais não desejava participar.
Beatrice ao menos gostava de Teddy?
— Claro, foi apenas um primeiro encontro — Beatrice
acrescentou, como se para explicar sua falta de entusiasmo.
Seus pais trocaram um olhar. — Nós pensamos a mesma coisa. É
por isso que convidamos Teddy para Telluride, para o Ano Novo — o
rei anunciou com orgulho.
— Você convidou Teddy para Telluride? — A voz de Beatrice
arranhou descontroladamente as palavras, com algo que pode ter
sido pânico.
A rainha inclinou a cabeça, perplexa. — Achamos que seria uma
forma fantástica de acelerar as coisas. Ajudar você a conhecer
Teddy em um ambiente familiar e de baixo estresse.
Pela maneira como as narinas de Beatrice se dilataram em
pânico, parecia que isso dificilmente era para baixo estresse —
Certo — ela se esquivou. — É só que... Telluride sempre foi nosso
lugar privado, onde ficávamos juntos como uma família, e agora
você convidou alguém que é praticamente um estranho.
— Ele não é um estranho. Conhecemos os Eatons há gerações
— rebateu o rei.
Isso era demais. Sam não tinha certeza de por que Beatrice não
queria Teddy ali, mas quaisquer que fossem seus motivos, elas
concordaram pela primeira vez. Sam não tinha nenhum desejo de
passar as férias de Ano Novo assistindo Teddy em um encontro
prolongado com sua irmã.
— Isso está indo um pouco rápido — ela interrompeu. — Do
primeiro encontro para um fim de semana fora… o que as pessoas
vão pensar? Talvez Beatrice devesse esperar até que estejamos de
volta, e então se ela quiser convidar Teddy uma segunda vez, ela
pode fazer isso então.
Beatrice lançou a Sam um olhar agradecido, mas o rei acenou
para afastar seu protesto. — Não se preocupe com a mensagem
que ele envia. Teddy vai ficar no chalé de visitas, não na casa
principal. Do jeito que Daphne costumava fazer.
Daphne Deighton foi a única pessoa importante que já recebeu
um convite para Telluride. Não passou despercebido a Samantha
que seu pai tinha acabado de comparar o antigo relacionamento de
três anos de Jeff com o cara com quem Beatrice tinha saído uma
vez.
— Além disso — a rainha persistiu — nunca estamos lá como
uma família, apenas nós. Jeff está convidando Ethan este ano, e
Sam, você não vai levar Nina?
— Sim — Sam admitiu.
Beatrice acenou com a cabeça, tendo obviamente percebido que
ela não iria ganhar este. — Não, você estão certos. Trazer Teddy
para Telluride é uma boa ideia. Obrigado por pensar nisso. — Ela se
levantou, seus movimentos rígidos e espasmódicos, quase
robóticos.
— Beatrice — Sam arriscou. A irmã dela não queria terminar de
falar sobre... bem, o que quer que elas estavam falando?
Beatrice apenas balançou a cabeça, os olhos parecendo vazios.
— Boa noite, Sam. — Ela seguiu seus pais para fora da sala, seu
robe branco ondulando em seu rastro. A porta se fechou atrás dela
com um baque retumbante.
NINA

Os Washingtons se reuniram no topo da Montanha Careca, o


cenário de tirar o fôlego das Montanhas Rochosas caindo atrás
deles. A luz do sol brilhou sobre a neve branca e imaculada. Vendo
eles se provocando e atormentando uns aos outros, você quase
poderia pensar que eles eram qualquer outra família, posando para
uma foto rápida antes de derrubar as encostas.
Exceto que esta não era uma foto normal de férias, mas sim uma
chamada sessão de fotos.
O escritório de relações públicas do palácio tinha gastado muito
tempo fazendo uma barganha com os vários meios de
comunicação: a família real iria fazer uma entrevista no início de sua
viagem anual para Telluride, em troca de total privacidade depois
disso. Era muito parecido com o acordo que protegeu Beatrice
enquanto ela estava na faculdade, onde ela dava uma entrevista
detalhada uma vez por ano, e depois era capaz de se mover por
Cambridge relativamente despreocupada.
Nina ainda não conseguia acreditar que tinha vindo nessa viagem.
Apenas algumas semanas atrás, ela teve certeza de que ficaria na
capital: vá para a festa que Rachel estava planejando, tenha uma
véspera de Ano Novo normal, pelo menos uma vez. Mas isso foi
antes de ela sair com Jeff, e tudo mudar.
Não era fácil manter isso em segredo. No Natal com a família,
Nina precisava se controlar para não mencionar o príncipe
constantemente. Ela e Jeff estavam trocando mensagens de texto
sem parar; Nina tinha até mudado o nome dele para Alex em seu
celular, apenas no caso de alguém olhar para a tela dela enquanto
ela estava digitando. Quem poderia esperar que o Alex vagamente
rotulado fosse realmente o príncipe?
Eles se viram sozinhos apenas algumas vezes desde aquele
primeiro encontro, sempre em algum lugar público onde Jeff ficava
disfarçado. Nina não se atreveu a levar ele para o campus, onde ele
definitivamente seria reconhecido, e ela estava com muito medo de
ficar no palácio, caso Samantha os pegasse juntos.
Eles continuavam procurando desculpas para comparecer aos
mesmos eventos, mesmo que apenas para ter mais chances de
estar perto um do outro. Jefferson até tinha ido ao teatro pela
primeira vez, simplesmente porque Nina tinha dito a ele que estaria
lá com Sam.
Esconder de Samantha era a pior parte. Tantas vezes, Nina se
sentiu prestes a contar tudo para sua melhor amiga, mas alguma
cautela inata, ou talvez medo, a conteve. Não era que Nina se
preocupasse com a reação de Sam. No mínimo, Sam ficaria muito
animada com a notícia e acabaria contando o segredo para o resto
do mundo.
E Nina não conseguia deixar de pensar que, se ela e Jeff não
durassem, ela preferia que Sam nunca descobrisse. Por mais
estranhas que as coisas fossem para os três, uma vez que Sam
soubesse que Nina e Jeff estavam secretamente juntos, seria ainda
mais estranho se eles terminassem – e Sam teria que lidar com seu
irmão e sua melhor amiga como ex 's.
Estar em Telluride como convidada de Sam, em vez de Jeff, era
uma felicidade e uma tortura em partes iguais. Às vezes, quando
ninguém estava olhando, ele se esgueirava por trás dela e a puxava
para seus braços, ou a girava para dar um beijo demorado em seus
lábios. Na noite anterior, no jantar, o príncipe sentou ao lado de
Nina. Ela ficou tão distraída com a sensação da perna dele roçando
a dela que quase se esqueceu de comer.
Ele estava de pé agora com o resto de sua família, seus esquis e
pranchas de snowboard cuidadosamente colocados diante deles,
suas botas esmagando a neve. Quase todo mundo estava aqui: o
rei, a rainha e os gêmeos; o irmão mais novo do rei, Richard, duque
de Manchester, e sua esposa, Evelyn, junto com seus dois filhos
pequenos, Annabel e Percy, que estavam atualmente desenhando
bonecos de palitos na neve com as pontas de seus bastões de
esqui; a irmã mais velha do rei, a selvagem e controversa tia de
Samantha, Margaret, duquesa da Louisiana, e seu marido, Nate, o
Gostoso de Hollywood, como a imprensa gostava de chamar,
porque era um ator de novela e dez anos mais novo que Margaret –
felizmente para ela, ele também era neto de um visconde, caso
contrário o casamento não teria sido aprovado. A rainha-mãe havia
tentado em várias ocasiões fazer Nate desistir de seu trabalho; ela
não queria membros da família real envolvidos em algo tão
abertamente comercial, tão sem valor. Mas Nate alegremente
ignorou suas queixas. Nina sempre gostou dele por isso.
O único membro da família Washington visivelmente ausente era
a princesa Beatrice, que se juntaria a eles na tarde seguinte.
Nina tinha assistido muitas sessões de fotos ao longo dos anos.
Ela estava acostumada a ser arrastada para o lado e pedida para
esperar até que a entrevista terminasse. Hoje ela se posicionou sob
a saliência de um teleférico, alguns metros além da bolha barulhenta
de fotógrafos e repórteres. O amigo de Jeff, Ethan Beckett, estava
ao lado dela, ao lado de Teddy Eaton.
Não poderia ser fácil para Sam, tendo Teddy aqui em Telluride.
Nina temia que isso só piorasse quando Beatrice chegasse em casa
amanhã e Sam fosse forçada a observar o flerte deles de perto.
— Tudo bem, pessoal! — O camareiro do rei, Lorde Robert
Standish, gritou acima do barulho dos fotógrafos. Ele parecia um
pouco ridículo em seu terno azul-marinho típico, sua única
concessão ao frio era um lenço listrado patriótico, mas Robert
sempre foi um defensor do protocolo. Não importavam as
condições.
— Vamos responder a algumas perguntas neste momento — ele
ofereceu, com toda a auto-importância de quem dá notícias sobre
pessoas mais poderosas do que ele.
— Quem é a surpresa do entretenimento na festa de Ano Novo
deste ano? — gritou um dos jornalistas. O estalido das câmeras era
como o som de um milhão de insetos.
— Se anunciarmos isso, não seria uma surpresa. — A rainha deu
um sorriso bem-humorado.
A festa privada de Réveillon dos Washingtons, no clube local
exclusivo para membros Smuggler's, era o evento do ano. Nina
tinha ouvido falar de famílias nobres que alugaram casas em
Telluride durante a semana, apenas na esperança de encontrar o rei
nas encostas e conseguir um convite de última hora. Alguém
mundialmente famoso sempre acabava fazendo uma apresentação
privada – uma estrela pop ou comediante, ou uma boy band pela
qual Beatrice era um pouco obcecada.
— Eu diria que isso é melhor do que estar na palestra de Urquhart
agora — Ethan falou lentamente, deslizando para mais perto em sua
prancha de snowboard.
Nina percebeu, surpresa, que o comentário foi dirigido a ela. Ela
sempre se esquecia que Ethan também era um calouro no King’s
College este ano. — Espera... você está na aula de História
Mundial?
— Sim. — Ele encolheu os ombros. — Eu presumi que você
estivesse também. Você não parece o tipo de pessoa que deixa
créditos obrigatórios até o último ano.
Nina acenou com a cabeça distraidamente, se perguntando por
que ela ainda não tinha visto Ethan pelo campus. Então, novamente,
King’s College era uma grande faculdade.
Ela e Ethan se conheciam há anos. Era inevitável que seus
caminhos continuassem se cruzando, dada a proximidade dos
gêmeos. Mas Nina nunca teria se aventurado a dizer que eram
amigos. Não importa quantas vezes ele ria ou relaxava com os
outros, ela não conseguia se livrar da sensação de que Ethan
estava escondendo algo, por autopreservação ou cautela.
— O que você acha de tudo isso? — Ethan perguntou,
aproximando sua prancha um pouco mais.
Nina se perguntou por que Ethan estava se importando com ela
agora, quando ele nunca tinha prestado muita atenção nela antes.
— É apenas uma chamada de imprensa. Nós dois vimos o
bastante delas — ela disse facilmente.
Ainda assim, Nina não pôde deixar de olhar para trás, para os
Washingtons, tão artisticamente dispostos contra aquele fundo
dramático. As luzes das câmeras brilharam sobre seus sorrisos
brancos perfeitos e cabelos escuros, seus bronzeados dourados
impecáveis. Quando estavam todos juntos assim, havia algo
elegante e poderoso sobre eles, algo que deixou Nina com um mau
presságio espontâneo.
— Jeff! — gritou um dos repórteres. — Ouvimos boatos de que
você está saindo com alguém. Quem é ela?
O coração de Nina deu um pulo.
O correspondente do Daily News entrou na conversa, empurrando
seu microfone para frente. — É Daphne Deighton? Toda a América
continua esperando que você e Daphne voltem a ficar juntos.
— Você sabe que eu não comento sobre minha vida amorosa —
Jeff disse com firmemente.
— Então você está saindo com alguém! — um dos repórteres
gritou, exultante.
— Quem é ela?
— Qual é o nome dela?
— É a Daphne?
Nina começou a bater o salto da bota com raiva na neve, do jeito
que Annabel de dez anos fazia não muito tempo atrás.
— O que o príncipe quer dizer é sem comentários. — Robert se
colocou suavemente entre Jeff e o repórter. — E isso é tudo por
hoje. Vamos dar a Suas Majestades a chance de desfrutar da neve,
certo?
Houve uma explosão final de flashes, e então os Washingtons
rapidamente se dispersaram: tia Margaret descendo a encosta em
busca de seu gostosão de Hollywood, Richard e Evelyn levando
seus filhos a um instrutor particular. A imprensa começou o
laborioso processo de empacotar suas câmeras e equipamentos,
para carregar nos snowmobiles que os levariam de volta montanha
abaixo.
Jeff prendeu o pé na amarração e fez snowboard alguns metros
em direção a eles. — Desculpe por isso.
— Eu sei — Nina respondeu baixinho, assim como Ethan disse:
— Sem problemas.
Oh, certo. Jeff estava conversando com Ethan, se desculpando
por ter sido forçado a esperar por mais uma chamada da imprensa.
Nina achava que era por ela, que Jeff lamentava que os paparazzi
de alguma forma tivessem descoberto sobre eles.
Ethan lançou um olhar penetrante, como se se perguntasse o que
ela queria dizer. Porque, claro, Nina não deveria estar aqui por Jeff.
Ela estava aqui por Samantha, sua melhor amiga.
Sam escolheu aquele momento para se juntar a eles, fazendo
uma curva afiada para que a chegada dela jogasse um spray de
cristais de gelo em seus rostos.
— Ei! — Nina gritou, limpando a neve dos ombros. Sam riu. Foi a
risada do seu pai, aquela grande gargalhada de Washington que
provocou um sorriso de resposta em todos.
— Desculpe, mas todos vocês pareciam sonolentos — ela disse,
sem parecer culpada. — Considere isso seu despertar oficial.
— Eu sabia que me arrependeria de preparar aquela segunda
caneca de café para você — Jeff rebateu, embora estivesse
sorrindo.
— Eu culpo a garra de urso congelada tanto quanto o café. —
Nina dirigiu o comentário a Sam, embora estivesse observando a
boca de Jeff em busca de um sorriso.
Sam os ignorou, estendendo a mão para puxar os óculos de
proteção sobre os olhos. — Para onde vocês estão indo? Estou
pensando que se quisermos fazer Prospect, devemos ir agora,
antes que fique agitado e cheio.
— Parece perfeito — disse Teddy, que estava quieto até então.
Nina esperava que ela fosse a única que viu Sam se encolher
com suas palavras. — Vá em frente. Acabei de me lembrar de uma
coisa. — A princesa puxou o celular do bolso como se fosse enviar
uma mensagem, embora Nina tenha visto que ela estava apenas
folheando seus feeds das redes sociais.
Os olhos de Jeff pousaram nos de Nina, então se afastaram
rapidamente. — O último a chegar é o encarregado dos jatos da
banheira de hidromassagem! — ele gritou, e caiu na encosta, Ethan
e Teddy em seus calcanhares.
Nina se virou para Sam, mas os olhos da princesa se arregalaram
para algo em seu celular. — Você não vai acreditar quem está em
Telluride! — Sam respondeu à própria pergunta antes que Nina
pudesse adivinhar. — Daphne Deighton.
— Sério — Nina disse cuidadosamente. Foi um esforço para
manter suas feições em branco e desinteressadas. Justo quando as
coisas pareciam estar indo tão bem, ela teria que enfrentar a ex-
namorada de Jeff?
— Eu sei, isso faz ela parecer totalmente desesperada — Sam
concordou, entendendo errado.
Sam e Daphne nunca se deram bem – embora tenham fingido,
pelo bem de Jeff. Nina não tinha certeza do porquê, mas Sam não
gostava de Daphne. Foi a maior coisa sobre a qual os gêmeos já
haviam discordado.
— Precisamos encontrar outra pessoa para o Jeff namorar, para
que ele não tenha uma recaída e acabe voltando com ela. —
declarou Sam.
Nina fez um barulho estranho de protesto que ela rapidamente
tentou esconder com uma tosse. — Eu acho que você pode estar
exagerando.
Sam apenas sorriu quando ela enfiou o celular no bolso e deu o
pontapé inicial. Nina correu para seguir ela.
No meio da corrida, ela fez uma travessia estreita por entre as
árvores, apenas para perceber que tinha seguido o caminho errado.
Ela tinha perdido o desvio para o elevador Prospect.
Embora ela tivesse aprendido a praticar snowboard ao lado de
Jeff e Samantha, Nina nunca pegou o jeito como eles. Os gêmeos
adoravam terrenos extremos, que exigiam curvas fechadas e muita
sutileza. Enquanto na maioria das vezes, Nina secretamente
desejava poder ligar para a Ski Patrol para buscar ela e levá-la para
casa no que Jeff e Sam chamavam de ‘‘tobogã da vergonha’’.
Ela virou a prancha para a montanha, desacelerando quase até
parar, encostando enquanto raspava a travessia centímetro a
centímetro meticulosamente.
— Eu sabia que você ia vir por aqui.
Nina se virou, sem fôlego – e viu o príncipe de lado, sua prancha
pendurada casualmente no ombro.
— Jeff! Como você…?
— Porque você sempre perde aquele desvio. Todo ano. — Ele
sorriu e puxou ela alguns metros para baixo, para a cobertura
espessa das árvores. Nina soltou um grito assustado.
— Shh. — Jeff deixou sua prancha de lado e deu um passo à
frente, a prendendo contra o largo tronco de uma árvore. Ele apoiou
as duas mãos enluvadas contra a casca congelada para segurar
Nina no lugar. Não que ela quisesse ir a lugar nenhum.
Ela podia ver a nuvem de sua respiração no ar frio do inverno, se
misturando com a dela.
— Você não está preocupado em ser o último a subir? — ela
conseguiu dizer. Ninguém jamais quis estar trabalhando em uma
banheira de hidromassagem. Isso significava que, enquanto todos
os outros estavam aquecidos na água, você tinha que correr pelo
pátio e apertar o botão que ligava os jatos para outro ciclo de trinta
minutos.
— Tenho coisas mais importantes na minha mente agora.
Ainda a prendendo ali, como se estivesse com medo de que ela
mudasse de ideia e se afastasse dele, Jeff estendeu a mão para
desabotoar o capacete dela e tirar da cabeça. Ele começou a traçar
uma linha de beijos suaves e provocantes ao longo de sua
mandíbula.
Nina ficou imóvel, com os olhos fechados. Os lábios de Jeff
estavam congelados, mas sua língua estava quente. As sensações
gêmeas de gelo e fogo enviaram arrepios de desejo por seu corpo,
fundindo profundamente dentro dela em algo afiado e recém-forjado.
Ela continuou tentando torcer a cabeça, para pegar a boca de Jeff
com a dela, mas ele parecia determinado a torturá-la.
Quando Nina não aguentou mais, ela alcançou sua cintura para
agarrar punhados de sua jaqueta, puxando ele para mais perto. Seu
cabelo roçou contra a árvore quando ela inclinou a cabeça para trás,
arqueando no beijo com abandono imprudente. À distância, eles
ainda podiam ouvir risos dispersos e o assobio de esquiadores
passando.
— Acho que devemos descer — disse Jeff finalmente, com
relutância óbvia.
O sangue de Nina bateu com adrenalina. — Você deveria pelo
menos me dar uma vantagem. É a coisa mais cavalheiresca a se
fazer.
Ela deu a ele um último beijo rápido antes de começar a descer a
colina, incapaz de parar de sorrir.
Naquela noite, Nina ficou parada na porta, ficando na ponta dos pés
e abaixando novamente. Ela estava esperando pelo silêncio – por
todo o farfalhar, passos e ruídos ambientais gerais de uma casa de
dezoito quartos finalmente pararem.
Pelo menos ela estava lá como amiga de Sam. Se Jeff a tivesse
convidado, Nina sabia que ela teria sido relegada para a casa de
hóspedes, como Daphne costumava ser. Havia um segurança 24
horas estacionado na propriedade, o que complicaria as coisas se
ela tentasse se esgueirar pelo quintal de volta à casa principal. Ela
se perguntou como Jeff e Daphne costumavam fazer isso, então
estremeceu com o pensamento.
Não adiantava se atormentar com perguntas sobre a ex-
namorada de Jeff. E daí se Daphne estivesse em Telluride agora?
Talvez eles nem se encontrassem.
Quando Nina julgou que já tinha demorado muito, prendeu a
respiração e disparou silenciosamente para o corredor, andando na
ponta dos pés pelo corredor até chegar ao quarto de Jeff.
— Finalmente! — Ele fechou a porta atrás dela. — Eu estava
preocupado que você pudesse não estar vindo.
— Tive que esperar até que a barra estivesse limpa.
O quarto de Jeff era maior do que o de Nina, embora decorado no
mesmo estilo: travesseiros de camurça, um puff de corda trançada e
aconchegantes cobertores de cashmere. Em uma parede estava
pendurada uma série de fotos em preto e branco emolduradas, que
o ex-rei tinha tirado nas montanhas.
Nina afundou agradecida na cama de Jeff, puxando seu braço
para puxar ele para perto dela.
— Nina — Jeff começou, e pela maneira como ele disse o nome
dela, Nina sabia que ele estava pensando nisso há um tempo. —
Ainda não entendo todo o sigilo. Por que não podemos pelo menos
contar a Sam?
Ela tentou interpretar de uma forma alegre. — Sam não consegue
guardar um segredo. Lembra como ela arruinou o vigésimo
aniversário de casamento dos seus pais?
— Ela não queria — lembrou Jeff. Os irmãos de Washington
tentaram planejar uma festa surpresa de aniversário para seus pais,
mas a surpresa explodiu quando o Post soube de seus planos e
publicou uma matéria sobre isso na semana anterior.
Aparentemente, Samantha tinha fofocado sobre a festa em um
brunch com alguns amigos, e outra mesa tinha ouvido.
— Eu quero dizer isso — Jeff insistiu. — Quando aquele repórter
perguntou hoje se eu estava namorando alguém, tudo que eu queria
era gritar sobre você para o mundo inteiro. Por quanto tempo mais
precisamos manter isso em segredo?
Nina passou a mão no xadrez vermelho e preto de sua colcha. Ela
não sabia como explicar a geometria confusa de suas emoções: que
ela estava se apaixonando por Jeff de novo, e muito rápido. E o que
quer que houvesse entre eles, ainda era muito incerto, muito frágil
como uma casca de ovo, para ela compartilhar.
Ela respirou fundo. — Só não estou pronta para contar a ninguém.
Assim que a gente contar... não vai ser mais apenas nós. — Seu
relacionamento seria de propriedade pública.
— Por que isso é tão ruim? As pessoas vão descobrir
eventualmente.
— Porque eles não aprovam! Eu sou diferente do tipo de garota
com quem a América quer que você esteja, e isso me assusta, ok?
Para seu crédito, Jeff não descartou automaticamente as
objeções dela, ou disse a ela que nenhuma dessas coisas importava
para ele, como da última vez. Ele ficou em silêncio por um tempo.
— Não posso fingir que sei como todos vão reagir — disse Jeff
por fim. — Mas eu não me importo com a opinião pública, e nem
você. Pelo que vale a pena, eu gosto de como você é diferente.
Gosto que você seja inteligente e ambiciosa, e que me fale quando
estou errado. Que você fale comigo, e não com meus títulos, como
todo mundo faz.
— Espere um minuto, você tem títulos? Isso muda tudo.
Ela fez menção de empurrar ele, mas ele rodeou seus pulsos com
as mãos e a abraçou. Seus olhos dançaram em apreciação. — Você
é engraçada. Vou levar duas de você, por favor.
— Como se você pudesse lidar com duas de mim — ela zombou.
Jeff riu, uma grande gargalhada que parecia emanar do fundo de
seu peito. — Verdade — ele admitiu. — Já estou com problemas
suficientes apenas com uma.
Ela se acomodou contra ele, a cabeça apoiada em seu ombro. A
mão dele envolveu a cintura dela, não de uma forma exigente, mas
simplesmente porque parecia pertencer a ela.
— Sinto muito — disse Nina por fim — mas não posso apenas...
manter você para mim mesma, por mais um pouco?
Jeff sorriu. — Sem argumentos aqui. Eu gosto muito quando você
me mantém para você.
O vento soprava ao escovar a neve contra as janelas. Parecia que
o resto do mundo não existia mais: como se eles tivessem caído sob
um feitiço temporário e não houvesse nada além dos dois, e aquele
momento.
Nina mudou. — Sabe, me lembrei que ainda temos alguns
assuntos pendentes desta tarde.
— Nós resolvemos agora? — A voz de Jeff era um estrondo
baixo.
O cabelo de Nina caiu solto ao redor deles, cobrindo seus rostos
enquanto ela se inclinava para beijá-lo.
Lá fora estava o mundo: frio e duro, cheio de contradições e
julgamentos. Lá fora, ele era Sua Alteza Jefferson George
Alexander Augustus, enquanto Nina era uma plebéia cuja mãe
trabalhava para sua família. Mas lá, naquele casulo de calor
dourado, eles estavam seguros.
Lá eles eram apenas um menino e uma menina, se beijando em
uma cabana nas montanhas.
DAPHNE

Daphne fez curvas largas e lentas nos últimos cinquenta metros,


parando na entrada do elevador Apex. Ainda não tinha sinal de
Jefferson.
O operador do teleférico, um cara com um gorro Raiders e uma
barba desalinhada, deu um sorriso perplexo, como se soubesse que
deveria reconhecer ela mas não conseguia se lembrar pelo que ela
era famosa. Isso irritou Daphne um pouco, embora ela odiasse
admitir.
Ou talvez ele não a reconhecesse e estivesse olhando para ela
com tanta confusão porque não conseguia entender por que ela
estava subindo novamente, repetindo exatamente a mesma corrida
que esquiou a última hora e meia.
Essa era a primeira vez em três anos que Daphne não foi
convidada para se juntar à família real no Ano Novo, mas ela não
estava disposta a deixar um pequeno detalhe como aquele impedir
ela. Ela e seus pais tinham vindo eles mesmos a Telluride, alugando
um quarto de hotel por uma semana, para que Daphne pudesse
encontrar uma oportunidade de, oh, tão convenientemente,
encontrar o príncipe.
Razão pela qual ela estava aqui, lambendo Apex, sozinha. Ela
esquiou com Jefferson e Ethan o suficiente para ter certeza de que
eles terminariam nesta corrida: era o lugar favorito deles para
esquiar em manhãs como esta, quando estava quente o suficiente
para amolecer a camada superior de neve.
Exceto que Jefferson estava longe de ser visto. Daphne lançou
outro olhar para trás, por cima do ombro – e avistou uma figura em
um casaco cinza indefinido, praticando snowboard em Ophir Loop.
Ela se permitiu dar um sorriso lento e perigoso. Ela reconheceria
aquele tom particular de cinza em qualquer lugar.
Tinha algumas outras pessoas aqui com Jefferson: seu tio
Richard; sua tia Margaret e seu marido, Nate; um oficial de
proteção. E, claro, Ethan.
Daphne se inclinou para o lado e se curvou fingindo que estava
apertando as botas. Quando ela os ouviu se aproximando da
entrada do elevador, ela se virou lentamente, para efeito máximo.
Ela estava bem ciente de como ela parecia incrível, mesmo com o
equipamento de esqui. Seu conjunto todo preto – uma parca fina
com capuz forrado de pele de coelho, calças elásticas ergonômicas
com cinto na cintura – era surpreendentemente chique. Ninguém iria
saber que ela passou meses monitorando os sites de esportes de
luxo, pronta para comprar no mesmo instante em que entrasse em
promoção.
— Jefferson! — exclamou, em uma demonstração de surpresa, e
se virou brilhantemente para os outros. — E Vossas Altezas, Ethan.
É bom ver todos vocês.
O tio dos gêmeos, Richard, sorriu calorosamente para ela, mas a
tia Margaret, que estava vestindo um macacão de esqui amarelo
que a fazia parecer uma banana alta de esqui, deu um aceno frio
antes de se virar deliberadamente. Ela era a única que não gostava
de Daphne.
Bem, além de Samantha. Não importava o quão intensamente
Daphne havia aumentado seu charme, a irmã gêmea de Jefferson
nunca tinha gostado dela. Por fim, Daphne desistiu de tentar e tratou
a princesa com a mesma cordialidade agradável com que tratava
todas as outras pessoas.
Jefferson puxou um de seus fones de ouvido: ele sempre ouvia
música enquanto praticava snowboard, apesar dos constantes
protestos do rei e da rainha, que temiam que isso fosse de alguma
forma perigoso. — Ei, Daph. Eu não sabia que você estava na
cidade neste fim de semana.
Ela se emocionou um pouco com o uso do antigo apelido. —
Meus pais e eu decidimos no último minuto. Você estava prestes a
subir? — ela acrescentou, seus olhos cortando em direção ao
elevador.
Jefferson acenou com a cabeça e seu peito se contraiu de alívio.
Ela sentiu o peso dos olhares de todos sobre eles enquanto se
dirigiam para a estação de carregamento. Daphne ficou satisfeita
com o flash de reconhecimento no rosto do operador quando ele
percebeu que a outra pessoa na cadeira era o príncipe Jefferson.
Agora, pelo menos, ele finalmente a reconheceu.
Com um pouco de sorte, ele poderia dar uma dica para uma das
revistas nacionais, dizendo que ela e o príncipe foram vistos
esquiando juntos em Telluride.
Ela enfiou os bastões sob uma das pernas da calça, resistindo ao
desejo de puxar a barra de segurança para baixo. Jefferson sempre
zombou de qualquer pessoa que precisasse. Então ela engoliu seu
medo e se recostou, tentando não pensar em quão longe eles
estavam acima do solo frio e duro, correndo a trezentos metros por
minuto.
— É bom ver você, Jefferson. — Parecia estranho falar com ele
de uma forma tão afetada, como se eles mal se conhecessem, pior
ainda do que quando eles começaram a namorar, todos aqueles
anos atrás. — Como está indo a viagem?
— Você sabe como é — disse ele, rindo. Eu sei, Daphne pensou
furiosamente. — Minha mãe e tia Margaret estão constantemente
brigando, e Percy e Annabel continuam correndo para cima e para
baixo nas escadas no início da manhã, quando todos nós ainda
estamos tentando dormir. Somos praticamente os mesmos de
sempre.
Doeu um pouco que fosse tão aparentemente fácil para Jefferson
estar em Telluride sem ela, quando para Daphne este lugar estava
indelevelmente impresso com suas memórias. Muito de seu
relacionamento tinha se desenrolado aqui. Todas aquelas longas
tardes em que Samantha os guiava para fora da pista para as
clareiras, Jefferson e Daphne riam e os seguiam. Parando na
barraca de crepe para um crepe de chocolate com amêndoas, que
comeriam ali mesmo, em pé, porque estava muito quente e eles
estavam com muita ansiedade para esperar; se demorando na
banheira de hidromassagem até as pontas dos dedos ficarem
enrugadas, falando sobre qualquer coisa e nada.
A casa de esqui foi onde Jefferson disse a Daphne pela primeira
vez que a amava.
As encostas desciam diante deles enquanto a cadeira ficava cada
vez mais alta. À sua direita, atrás de uma cortina de abetos cobertos
de neve, Daphne podia ver as curvas brilhantes de uma pista
chamada Allais Alley. Sobre o lado íngreme da parte de trás da
montanha ficava o Revelation Bowl, sua larga tela branca cruzada
pelas linhas de vários esquiadores. Aninhada entre as formas
adormecidas das montanhas estava a própria aldeia de Telluride, a
distância fazia a cidade parecer um brinquedo em miniatura que a
família real costumava colocar sob sua árvore de Natal.
Daphne percebeu desde cedo o quão importante Telluride era
para os Washingtons. Representava a chance de escapar, de fechar
as portas e baixar a guarda por um breve momento. Duas gerações
de Washingtons haviam passado a lua-de-mel nesta mesma casa
depois de seus casamentos. E algumas das fotos mais famosas da
família real foram tiradas aqui, como a infame do rei esquiando com
a princesa Samantha nos ombros. Ele recebeu muitas palestras
sobre segurança depois desse incidente.
Daphne estava preocupada que sua habilidade para esquiar
pudesse ser um obstáculo – que ela pudesse perder o interesse de
Jefferson se não conseguisse acompanhar nas encostas – e,
portanto, se jogou nas aulas de esqui com uma agressão quase
violenta. Sua decisão de esquiar, em vez de fazer snowboard como
Jefferson fazia, tinha sido um acerto: a rainha Adelaide e a princesa
Beatrice esquiavam e, portanto, Daphne também.
— Como foi seu natal? — Jefferson perguntou.
— Foi ótimo — disse Daphne automaticamente, embora tivesse
se mantido tão ocupada que o Natal tinha chegado e passado quase
sem que ela percebesse. Não era como se sua família fosse do tipo
que se enrosca com biscoitos e canções de natal, de qualquer
maneira.
Daphne passou a temporada de férias em um turbilhão de
eventos públicos. Ela compareceu à abertura da nova exposição da
National Portrait Gallery, uma recepção de boas-vindas em
homenagem a Lady Siqi, a nova embaixatriz da China, e dezenas
de concertos de canções de natal. Ela respondeu que sim para
tantos coquetéis e benefícios que às vezes parava em cinco eventos
em uma única noite. Daphne esperava que Jefferson aparecesse
em um deles, pudesse ver ela e perceber o quanto sentia sua falta.
No final, ela se sentiu como a isca na ponta de um anzol de pesca,
sendo jogada repetidamente na água, esperando impotente que o
príncipe a mordesse.
Ele não mordeu. Ele nem mesmo compareceu a nenhum desses
eventos. O único membro da família real que Daphne continuava
vendo era a princesa Beatrice, muitas vezes acompanhada por
Theodore Eaton.
Se ao menos ela tivesse ido à apresentação da noite de abertura
de Midnight Queen. Ela poderia facilmente ter estado lá; ela
conhecia muitas pessoas que alugavam uma caixa para a
temporada, muitas das quais lhe deviam um favor de uma forma ou
de outra. Mas Daphne não imaginava que Jefferson iria assistir a um
musical, não quando ele não tinha ido a um único em todos os anos
que eles namoraram. O rei e a rainha devem ter insistido nisso, para
o primeiro encontro público de Beatrice com Teddy.
Eles estavam chegando ao fim do elevador; Daphne precisava
dizer algo agora, ou perderia a chance. — Para ser honesta, foi um
Natal estranho — disse ela a Jefferson. — Não parecia o mesmo
sem você.
— Daphne… — O príncipe se aproximou da cadeira, seus olhos
escuros queimando.
Eles haviam alcançado o ponto de descarga. O que quer que ele
estivesse prestes a dizer a ela, ele deixou passar, colocando o pé de
trás entre as amarras e escorregando alguns metros. Quando
Daphne tirou as varas da calça e veio se juntar a ele, seu sorriso
estava brilhante e descuidado como sempre.
— A neve parecia ótima nas Etapas Gigantes — ela ofereceu.
Jefferson deu um aceno fácil. — Estou sempre disposto a fazer
etapas. — Atrás deles, o resto do grupo havia desembarcado do
teleférico. Daphne ficou aliviada ao vê-los esquiar mais para baixo,
em direção a uma das corridas menos intensas que começavam
desse o teleférico.
Jefferson já tinha descido para a entrada das Etapas Gigantes.
Era um funil fino que disparou logo abaixo do teleférico e não tinha
sido preparado no que pareceram semanas. A neve era funda,
bancos grossos se acumulando nas bordas enquanto as pessoas
viravam no meio íngreme.
Daphne estava prestes a cair na rampa quando Ethan parou. Ele
deslizou até parar diretamente em seu caminho.
— O que você está fazendo aqui, Daphne?
— Eu estava tentando esquiar, mas você parece estar no meu
caminho.
— Você está realmente tão desesperada? — Ethan olhou para ela
através das lentes curvas de seus óculos de proteção azuis. — Você
não espera seriamente que qualquer um de nós pense que isso foi
uma coincidência?
— Eu realmente não me importo com o que você pensa.
Como se ela fosse compartilhar seus planos com Ethan Beckett.
Daphne jogava seu próprio jogo e mantinha seu próprio conselho, e
a última coisa que ela precisava era sua interferência.
Ethan não se mexeu. — Daphne... tenho quase certeza de que
Jeff está com outra pessoa agora.
Ela riu. — Isso é por causa do que Natasha disse na foto? Porque
fui eu que fiz essa pergunta. — Qualquer coisa para fazer Jefferson
pensar nela novamente, para ele lembrar do quanto América
adorava a ideia dos dois juntos.
— Não — Ethan persistiu. — Tem alguma coisa acontecendo
entre ele e Nina.
— Nina? — Daphne vasculhou sua memória de Santa Úrsula, de
todas as várias filhas e netas da aristocracia, mas não conseguiu
pensar em uma única chamada Nina.
— Amiga de Samantha, Nina Gonzalez.
— A filha da Ministra do Tesouro?
Ethan bufou. — Eu deveria saber que é assim que você pensaria
dela. Em termos de sua proximidade com o poder.
Daphne o ignorou. Ela poderia ter rido de puro alívio. Claro que
ela conhecia Nina – aquela garota com pontas duplas e um senso
de moda atroz, que estava sempre atrás de Samantha,
provavelmente esperando ser convidada para outras férias cinco
estrelas.
— Você está errado — disse Daphne com desdém.
— Acho que não.
— Você viu eles juntos? — Ela se odiou pela maneira como sua
voz se elevou com a pergunta.
— Eles ficaram se encarando durante todo o fim de semana. E na
coletiva de imprensa ontem...
— Ciúme não fica bom em você — Daphne interrompeu. Ela
empurrou Ethan, e desta vez, ele não a impediu.
A corrida foi mais estreita do que Daphne se lembrava, forçando a
se erguer em cada curva rápida. Muito abaixo, ela viu a forma cinza
de Jefferson, esculpindo vagamente no centro da pista.
Ela sabia que os instintos de Ethan sobre essas coisas
geralmente estavam certos. Mas mesmo que Nina e Jefferson
estivessem namorando – o que Daphne fazia o possível para não
pensar muito – não tinha como Jefferson estar falando sério sobre
uma garota como aquela.
Um banco de nuvens sinistras se reuniu à distância. Em breve
nevaria; Daphne podia sentir a paisagem prendendo a respiração de
ansiedade. Pinheiros se erguiam de cada lado do caminho, seus
galhos pesados polvilhados de branco. Um pássaro saltou das
árvores em uma rajada de neve caindo.
Daphne adorava esquiar – o pulso das cores borradas ao seu
redor, a sensação poderosa e tensa de entalhar se transforma na
encosta da montanha. Ela amava o silêncio profundo e sagrado,
onde o único som era o chiado do pó crocante quando ela o
quebrava. Quando estava esquiando, Daphne sentia que tinha
controle sobre tudo em sua vida, sobre o mundo inteiro, até mesmo
sobre a própria gravidade.
Ela estava ganhando de Jefferson. Ele tinha mais massa do que
ela, mas estava se virando preguiçosamente, enquanto Daphne se
lançava para frente como uma flecha de um arco. Ela sabia que
tinha passado Ethan a muito tempo. Talvez ele nem mesmo ousasse
tentar essa corrida. O pensamento era excessivamente satisfatório.
— Isso foi incrível — ela exclamou, depois que ela finalmente
alcançou o príncipe. Suas canelas doíam de tanto pressionar as
botas e os quadríceps queimavam agradavelmente.
— De verdade. — O sorriso de Jefferson ecoou o dela. Ele tirou o
capacete e passou a mão pelo cabelo úmido. Mesmo agora, suado
e respirando pesadamente, ele parecia alto, moreno e bonito, como
um príncipe de um livro de histórias.
Jefferson esperou que Ethan fizesse o seu caminho em direção a
eles antes de acenar para o teleférico. — Devemos voltar?
— Absolutamente.
Sorrindo, Jefferson abaixou para desatar a amarração das costas
e começou a se arrastar em direção à entrada do elevador. Daphne
enrolou as mãos enluvadas nos punhos de seus bastões e o seguiu,
seu rosto ainda estampando seu sorriso brilhante e perfeito.
Ela iria mostrar a Ethan o quão errado ele estava. Ela já tinha
vindo até aqui; ela traria Jefferson de volta, custasse o que
custasse.
Não importa o que ela tivesse que fazer com a pobre Nina
Gonzalez, para tirar ela do caminho.
BEATRICE

As janelas do avião eram quadrados congelados de escuridão, mas


Beatrice continuou olhando para eles de qualquer maneira, porque
ela não suportava olhar para frente: onde Connor estava sentado,
lendo um livro de capa dura, a ignorando.
Eles tinham viajado assim, apenas os dois em um pequeno avião,
tantas vezes antes. Beatrice secretamente esperava ansiosamente
por esses voos. Era uma das únicas oportunidades que ela e
Connor tiveram de simplesmente conversar, por horas a fio: sobre
suas famílias, ou política, ou qualquer filme ruim que eles assistiram
para passar o tempo, enquanto mastigavam pipoca ensacada do
avião da gaveta de lanches a bordo. Se os pilotos estavam curiosos
sobre como a princesa parecia estranhamente próxima de seu
guarda-costas, eles eram muito profissionais para dizer alguma
coisa.
Mas estava sendo assim entre ela e Connor por semanas, sua
camaradagem usual e conversa fácil substituída por um silêncio
estranho e tenso. Beatrice não tinha ideia do que ele estava
pensando. Seu rosto não revelava nada enquanto a acompanhava
aonde quer que fosse, para cortes de fitas e reuniões com ministros.
E em encontros com Teddy.
As coisas se aceleraram depois que seu pai o convidou para ir a
Telluride na noite do musical. Eles tinham saído várias vezes desde
então, para festas e eventos de caridade e uma vez em uma visita à
escola.
Beatrice sabia que a América estava apaixonada pelo
relacionamento deles. A maior parte da imprensa começou a
chamar Teddy de namorado – e para sua surpresa total, Teddy
acolheu o termo e começou a se referir a Beatrice como sua
namorada.
Parecia particularmente estranho, dado que eles nem mesmo
tinham se beijado.
Talvez Teddy estivesse esperando alguma sugestão dela. Isso
estava bom para Beatrice; ela não tinha desejo de apressar as
coisas. Ela não pressionou Teddy para que explicasse mais, mas
ainda se lembrava do que ele disse no teatro, que tinha obrigações
tão urgentes quanto as dela.
Ela se perguntou se ele estava gostando de Telluride. De alguma
forma, ela não conseguia reunir um grama de arrependimento por
ter ficado na cidade para o dia de serviço do Centro Maddux e
chegando um dia atrasado. Seus pais haviam feito o possível para
fazer ela mudar de ideia, lembrando em tom incisivo de que Teddy
estava indo para Telluride como seu convidado. Bem, não foi
Beatrice que o convidou.
Como ela disse a seus pais, ela e seu pai precisariam voar em
aviões separados de qualquer maneira – o primeiro na linha de
sucessão nunca poderia viajar com o monarca reinante, por razões
de segurança – então que diferença faria se ela ficasse na capital
um dia a mais?
Secretamente, Beatrice ficou aliviada por chegar atrasada e se
salvar daquele dia extra de intimidade forçada com Teddy.
Seus pensamentos foram interrompidos por um golpe violento
quando o avião sacudiu por uma turbulência repentina.
— Vossa Alteza Real — As palavras do piloto emanaram dos alto-
falantes. — Infelizmente, devido ao clima, não poderemos pousar no
aeroporto de Telluride conforme planejado. O controle de tráfego
aéreo insiste que desviemos para Montrose Regional. Sinto muito,
eu disse a eles quem era o passageiro — acrescentou ele se
desculpando. — Mas eles foram muito firmes.
— Eu entendo. Obrigada. — A mente de Beatrice parecia
estranhamente entorpecida. Montrose? Eram pelo menos duas
horas de carro de Telluride.
Os pilotos deviam estar pousando sem o localizador, porque não
havia visibilidade; seu avião desceu através de uma nuvem de um
branco opaco. Beatrice fez uma prece de gratidão quando pousaram
suavemente na pista.
Um SUV escuro já havia parado ao lado do jato particular, seu
motorista correndo para pegar sua bagagem no compartimento de
carga do avião. A neve caía mais forte agora, rápida e densa como
chuva, obscurecendo a visão de Beatrice Faíscas geladas se
dissolviam em sua pele.
Ela se acomodou no banco de trás do carro que esperava.
Connor deslizou ao lado, trazendo uma lufada de ar frio com ele.
— Vossa Alteza Real — disse o motorista hesitante, enquanto
saía do estacionamento de ré. — Tenho mais más notícias. Eles
acabaram de fechar as duas rodovias devido às condições
inseguras das estradas. Não há como você chegar a Telluride esta
noite.

Quase uma hora depois, ela e Connor estavam em uma pequena


cabana nos arredores de Montrose. Não era exatamente o que
Beatrice estava acostumada, mas suas opções eram bastante
limitadas, visto que era tarde da noite e em condições de nevasca.
A dona da propriedade ficou quase apoplética de ansiedade
quando percebeu a identidade de seu convidado. Ela havia
assinado o Acordo de não-divulgação padrão, é claro, mas ainda
insistia em se arrastar até o meio da tempestade para abrir ela
mesma a porta da frente. Houve muitas reverências e Vossa
Majestade, que Beatrice reconheceu com um sorriso. Ela não teve
coragem de dizer à mulher que Vossa Majestade era um título
honorífico reservado exclusivamente para o rei e a rainha.
Quando a mulher finalmente foi embora, Connor pigarreou —
Desculpe, não havia nada mais... espaçoso. Vou dormir no chão, é
claro.
Oh. Beatrice não tinha registrado totalmente que tinha apenas
uma cama.
— Não seja ridículo. Você deve pelo menos ficar no sofá. — Para
esconder sua confusão, ela se ajoelhou diante da lareira e começou
a acender o fogo.
— Me deixa fazer isso — Connor ofereceu, quando viu o que a
princesa estava fazendo. Beatrice balançou a cabeça.
— Meu avô me ensinou a fazer uma fogueira. Ele disse que era
uma habilidade crítica para a vida. — Metodicamente, ela empilhou
toras maiores em cima das menores, adicionando jornais
amontoados como isca embaixo. — Além disso, é bom para mim
fazer algo útil, pelo menos uma vez. Eu geralmente não tenho a
chance.
— Tudo o que você faz é útil — insistiu Connor.
Uma mecha de cabelo caiu em seus olhos; Beatrice soltou um
suspiro para assoprar de volta. — Você sabe o que eu quero dizer.
Ela acendeu a lateral do isqueiro e encostou nos gravetos. Havia
algo profundamente satisfatório em ver a chama se curvar
continuamente para cima. Quando teve certeza de que não iria
sumir, Beatrice foi para o sofá, puxando os pés para se sentar com
as pernas cruzadas. Connor não se moveu de onde ele estava
contra uma parede, seu corpo tenso na postura usual da Guarda
Revere. Seu olhar estava fixo a frente, como se ele estivesse
examinando a sala em busca de possíveis ameaças.
— Você pode vir se sentar, em vez de rosnar ai no canto.
— Talvez eu goste de rosnar — As sombras do fogo cintilavam
em suas feições.
— Não quando não tem ninguém para quem rosnar. — Foi o mais
próximo que eles chegaram em semanas de suas brincadeiras
descontraídas. — Como alguém poderia chegar aqui através
daquela tempestade? Você está oficialmente de folga esta noite —
ela insistiu.
Cautelosamente, Connor foi se sentar no sofá, deixando um
espaço generoso entre ele e Beatrice. Ele pegou um dos
travesseiros cinza desbotado e o colocou no assento ao lado dele
como uma espécie de barreira de segurança.
Eles ficaram sentados ali por um tempo, observando o fogo
dançar tranquilamente diante deles. Por fim, Connor se levantou
para atirar em outro pedaço de madeira. As chamas arderam e
estalaram contentes em resposta. Beatrice imaginou que podia ver
várias formas ali, estrelas, cataventos e trombetas, todas derretendo
e se erguendo outra vez em colunas de luz vermelho-dourada.
— Você se lembra da vez em que nevou assim na faculdade? —
ela perguntou quando ele voltou para o sofá. Pode ter sido sua
imaginação, mas ele pareceu se acomodar um pouco mais perto do
que antes.
— Winter Storm Nemo — Connor lembrou. — Teve tanta neve
que todo o campus fechou por dias. Tínhamos que viver de cereais.
Beatrice sorriu com a lembrança. O refeitório ficou fechado o dia
todo, então Harvard acabou enviando alguém através da neve para
entregar comida em mãos em cada um dos dormitórios. Não era
nada além de uma caixa de leite contendo alguns cereais pré-
embalados. Ela e Connor fizeram um piquenique, sentados no chão
enquanto comiam Cheerios secos e jogavam Trivial Pursuit.
— E então construímos aquele boneco de neve horrível —
respondeu ela. Quando acordaram na manhã seguinte, junto com a
maior parte do corpo estudantil, Beatrice e Connor se aventuraram
no pátio. Pela primeira vez, ninguém estava com pressa de chegar a
lugar nenhum. As pessoas estavam rindo e iniciando lutas de bolas
de neve, enquanto grupos de garotas com botas peludas e chapéus
com pompom tiravam fotos fazendo poses pesadas. Eram o tipo de
garota que normalmente fingia bajular Beatrice, mas ela estava tão
enrolada em seu lenço e jaqueta que ninguém a notou. Ela e
Connor estavam livres para fazer seu boneco de neve
absurdamente torto, que continuava tombando apesar de seus
melhores esforços. — Lembra de como algumas crianças do meu
dormitório construíram um iglu e tentaram colocar na caixa térmica?
— Acho que os dias de neve deixam as pessoas imprudentes —
disse Connor, então fez uma pausa quando pareceu perceber o que
havia dito; porque este também era um dia de neve.
Antes que Beatrice pudesse responder, seu estômago deu um
ronco alto e raivoso. Ela corou, tentando não se sentir constrangida
— Acho que não comi pipoca suficiente no avião.
Connor se levantou. Sua silhueta brilhava como âmbar quente
contra o fogo. — Por que não investigamos um pouco?
Ele se dirigiu para a cozinha com passos longos e preguiçosos e
começou a vasculhar os armários. Momentos depois, ele apareceu
com um saco de macarrão e um pouco de molho Alfredo em uma
jarra. — Parece que suas opções são macarrão e... macarrão.
Beatrice inclinou a cabeça, fingindo considerar a pergunta. —
Macarrão parece delicioso — declarou ela. — Posso ajudar?
— Você poderia pegar um escorredor. — Connor encheu uma
panela com água e ligou o fogão, então tirou outra panela e
despejou o macarrão.
— Um escorredor? — Beatrice olhou para ele. Ela não tinha ideia
do que era.
A boca de Connor se contraiu em um sorriso. — Deixa para lá.
Ela observou enquanto ele fazia a água ferver e acrescentava o
macarrão, depois o drenava em algo que devia ser uma peneira.
Beatrice percebeu como isso era absolutamente normal. Ficar na
cozinha, cozinhando molho de macarrão em uma jarra: isso era algo
que outras pessoas podiam fazer quando quisessem.
— Quer tentar mexer? — Connor ofereceu.
Beatrice se aventurou até o fogão e começou a mexer o molho.
Connor riu em protesto — Não tão rápido – você não está tentando
fazer chantilly! — Ele cutucou Beatrice para fora do caminho e
agarrou a colher de pau, mexendo a panela em um ritmo mais lento
e calmo.
— Desculpe, sou um caso perdido na cozinha.
— Está tudo bem; Eu não gosto de você por suas habilidades
culinárias.
Algo sobre suas palavras, sobre a maneira como ele disse gosto,
permaneceu nos ouvidos de Beatrice. Mas antes que ela pudesse
pensar sobre isso de perto, o rosto de seu guarda endureceu. —
Acho que isso não importa para Lord Boston também.
Beatrice sabia que deveria deixar o comentário passar, mas uma
pegada de vulnerabilidade no tom de Connor, sob as camadas de
sarcasmo, a fez parar.
— Você sabe que o nome dele é Teddy — ela disse baixinho.
— Honestamente, Beatrice, estou feliz por você, que...
Ela interrompeu. — E se você tivesse prestado a menor atenção
no mês passado, em vez de ficar carrancudo no canto, perceberia
que não há nada real entre nós.
Connor franziu a testa. — Vocês parecem felizes quando estão
juntos. E… ele é um cara legal. — Essas últimas palavras foram
ditas com óbvia relutância.
— Claro, ele é legal. — E caloroso, amigável e escrupulosamente
bom. Ela podia imaginar seu futuro com Teddy, direto e simples,
estendendo continuamente à distância. Ele faria um trabalho
maravilhoso como o primeiro rei consorte da América.
Beatrice apoiou as palmas das mãos no balcão, lutando contra
uma sensação repentina de tontura. Ela teve a sensação de que seu
mundo inteiro estava posicionado no fio da navalha, e suas
próximas palavras determinariam para que lado cairia.
— Acredite em mim, gostaria de me apaixonar por Teddy — disse
ela, impotente. — Seria muito mais fácil se eu pudesse. Mas ele não
é...
— Não é o quê?
O silêncio se esticou entre eles.
Beatrice estava muito cansada de fugir disso, de esconder tudo
sob uma camada suave de negação. Ela precisava dizer isso –
correr o risco de ser rejeitada, mesmo que tivesse que carregar essa
rejeição pelo resto da vida.
— Ele não é você.
Lentamente, percebendo o significado inconfundível daquelas
palavras, ela pegou a mão de Connor e entrelaçou os dedos nos
dele. Ele respirou fundo, mas não se mexeu.
Era estranho, Beatrice pensou, sobre as batidas ensurdecedoras
de seu pulso. Ela tinha sentido o toque de Connor tantas vezes: o
toque dele em seu cotovelo enquanto ele a ajudava a navegar em
uma multidão, ou a batida acidental de joelhos que poderia
acontecer quando eles se sentassem próximos um do outro em um
carro. Isso parecia monumentalmente, inacreditavelmente diferente.
Como se alguma magia brilhasse e se reunisse ali, onde suas mãos
estavam entrelaçadas.
Então Connor se afastou à força.
— Beatrice, não. — A cozinha pareceu vibrar com o que ele disse.
Ela deu um passo para trás, cruzando os braços para esconder o
tremor repentino. — Eu sinto muito. Só... esqueça que eu disse
alguma coisa.
Ela começou a passar por ele, mas as próximas palavras dele a
pararam.
— Você acha que eu não quero isso também? — A voz de
Connor estava áspera. — Deus, Bee, é tudo em que tenho pensado
durante a maior parte do ano! Tantas vezes eu marchei até meu
comandante, para dizer a ele que eu preciso ser transferido, porque
me importo muito com a minha responsabilidade. Porque é um
tormento estar perto de você quando não posso estar com você.
Mas então, todas as vezes, eu desistia no último minuto.
Ele ainda estava tão perto, sua boca perigosamente perto da dela.
— Aparentemente, eu preferia estar perto de você assim, preferia
acompanhar seus encontros com Lorde Theodore Eaton, do que
dizer adeus para sempre. — Ele balançou a cabeça com amargura.
— É evidente que tenho um ponto fraco quando se trata de você.
O coração de Beatrice deu um salto em seu peito. — Você acha
que isso foi mais fácil para mim?
— Fácil o suficiente, já que você anda saindo com Teddy Eaton!
— Eu te disse, não existem sentimentos reais entre nós! Eu só
estou namorando com ele porque meus pais me pediram!
Desta vez, Connor finalmente pareceu registrar suas palavras.
Seus olhos azul-acinzentados estavam velados.
— Isso ainda é impossível — ele insistiu, os punhos cerrados ao
lado do corpo. — Beatrice, você está completamente fora dos limites
para alguém como eu. Eu trabalho para seu pai. Eu sou seu guarda.
Eu fiz um juramento sagrado e inquebrável de que protegeria e
serviria à Coroa até o meu último suspiro.
— Eu sei. — Ela também estava vinculada por um juramento
sagrado.
— Sua família nunca permitiria — acrescentou. Como se ela
precisasse de outro lembrete.
Beatrice percebeu que nenhum deles era dono de seu próprio
destino. Não Connor ou Teddy e especialmente ela. Quaisquer
decisões que ela havia feito em sua vida eram uma ilusão – a
escolha de que vestido usar, que instituição de caridade patrocinar –
uma seleção entre duas opções igualmente limitadas.
Ela nunca, jamais escolheu para si mesma antes. Não quando se
tratava de algo importante.
— Vamos deixar tudo isso para trás — disse Connor, muito
formalmente. — Assim que voltarmos para a capital, vou pedir
minha transferência.
— Não.
Beatrice ficou surpresa com a veemência de sua própria resposta.
— Você não pode ir — disse ela com voz rouca. — Por favor,
Connor. Você não tem ideia do quão importante você é para mim.
Você é o único na minha vida que me faz sentir como uma pessoa
real.
Em seu olhar confuso, ela se atrapalhou com as palavras para
explicar. — Até te conhecer, nunca soube o que era sentir quando
alguém olhava para mim por ser quem sou, não pelo o que sou. Eu
não posso suportar perder você — ela disse sem rodeios.
Connor engoliu em seco. — Eu nunca faria nada para machucar
você. Mas, Beatrice, não posso prometer que você não sofrerá
nenhum dano. Que você não vai se machucar, se você se envolver
comigo.
— Eu já estou ferida. — Ela sentiu as lágrimas pinicando seus
olhos. — Eu nunca consigo fazer minhas próprias escolhas. Sempre
coloquei minha família em primeiro lugar – meu país em primeiro
lugar – e isso me custa, todos os dias da minha vida. Mas perder
você… esse não é um preço que estou disposta a pagar.
Connor afastou uma mecha solta de seu cabelo. Antes que ele
pudesse abaixar a mão, Beatrice estendeu a mão para pegá-la,
colocando os dedos em torno de sua bochecha. Sua pele parecia
áspera e calejada.
— Não deveríamos estar fazendo isso — disse ele novamente.
— Não estamos fazendo nada ainda. — Ela ergueu o olhar para
encontrar o dele. — Se você vai quebrar as regras, Connor, vá em
frente e quebre.
Ele deu um meio sorriso familiar com as palavras dela, então se
abaixou para reivindicar sua boca com a sua.
Beatrice ficou na ponta dos pés, com os lábios entreabertos. As
mãos de Connor deslizaram de seu rosto para pousar suavemente
em sua cintura. Ela se inclinou para trás contra a ilha de pedra no
centro da cozinha, e Connor se inclinou para frente em resposta, o
calor dele caindo contra ela. Ele a beijou lentamente, com uma
sensação silenciosa de admiração que beirava a adoração. Como
se ele também não acreditasse totalmente que isso estava
acontecendo.
Beijar Connor parecia assustador e familiar ao mesmo tempo,
como voltar para casa depois de uma vida inteira perdida.
Em algum momento, o balcão de pedra estava afundando em
seus quadris e Beatrice se mexeu. Connor pareceu interpretar isso
como um sinal para fazer uma pausa. — Nós provavelmente
deveríamos… hum… — ele disse, em um tom questionador.
Os olhos de Beatrice dispararam instintivamente em direção ao
sofá. De jeito nenhum ela estava pronta para levar isso para o
quarto.
Vendo aquele olhar e sabendo o que significava, Connor desligou
o fogão – pelo menos um deles estava se lembrando de não
queimar o lugar – e pegou Beatrice em seus braços como se ela
não pesasse nada. Ele a carregou até o sofá e a colocou
delicadamente nas almofadas, nunca interrompendo o beijo.
Lá fora, a neve caía cada vez mais rápido em direção ao solo;
uma franja de pingentes de gelo pendurada ao longo do parapeito
da janela. Beatrice sentiu como se tivesse entrado em um globo de
neve que alguém sacudiu. Ela rezou para que os pequenos flocos
brancos nunca se assentassem, que ela pudesse ficar aqui para
sempre, fora do próprio tempo.
— Eu estou assustado. — Connor sussurrou tão baixinho que ela
pensou ter ouvido mal.
— Você? Achei que você fosse muito arrogante para ter medo.
— Essa é a Beatrice que eu conheço. — Ele deu um sorriso
irônico, então soltou um suspiro. — Mas estou com medo. Estou
com medo de perder você, de machucar você de alguma forma.
Acima de tudo, tenho medo de falhar com você.
Beatrice mudou o peso do corpo para poder olhar nos olhos dele.
— Eu também estou com medo — ela admitiu. — Pelo menos
podemos ter medo juntos.
O fogo queimava diante deles, descuidado.
SAMANTHA

Samantha estava na estação de carregamento do teleférico com


Teddy e Jeff, cantarolando uma melodia desconexa baixinho,
quando o telefone de Jeff caiu do bolso.
— Desculpe! — ele exclamou, abaixando para o lado para pegar.
Antes que Sam pudesse reagir, a cadeira girou em torno da rotatória
central em direção a eles – não deixando outra escolha a não ser
subir com Teddy.
Ele se virou para ela como se fosse dizer algo, mas Sam se
afastou deliberadamente dele. Não era função dela entreter ele só
porque seu encontro real ainda não havia chegado. Ela continuou
olhando para a montanha, na qual mal podia esperar para ser solta.
Sam tinha acordado naquela manhã para um mundo de branco
flutuante: nuvens brancas se transformando em neve, vento branco
chicoteando tudo ao redor deles. Ela correu para seu equipamento
de neve e desceu as escadas, onde alguns membros da família já
estavam reunidos.
Jeff ficou de pé com a chegada dela. — Estamos em Interlodge!
Ambas as rodovias estão fechadas, 145 e a passagem de Red
Mountain.
— O que significa que Beatrice ainda está presa em Montrose. —
Os olhos da rainha se voltaram desconfortavelmente para Teddy,
que estava na mesa da cozinha comendo um sanduíche caseiro de
café da manhã em um pãozinho. — Se as estradas não forem
abertas novamente à tarde, ela vai perder a festa.
Sam não estava particularmente preocupada se Beatrice tinha
chegado à celebração da véspera de Ano Novo. Seus olhos
encontraram os de Jeff; ambos estavam sorrindo com uma
excitação cúmplice.
Interlodge era a condição dos sonhos de todo esquiador ou
snowboarder: quando nevava tanto que as estradas fechavam, mas
a montanha permanecia aberta. A neve em si não era suficiente
para fechar uma estação de esqui, apenas ventos fortes, o que
tornava o teleférico inseguro para operar. Interlodge, portanto,
significava neve inacreditável, além de ter a montanha
principalmente para você – porque o fechamento das estradas
impedia qualquer outra pessoa de esquiar, exceto as pessoas que já
estavam na cidade.
— Nesse caso, é melhor irmos. — Sam foi em direção ao
mudroom para colocar suas botas e jaqueta, em seguida, agarrou
seu snowboard, que estava coberto de adesivos e decalques. —
Quem vem?
Os olhos de Sam estavam em seu pai, que normalmente vivia por
dias como este, mas ele apenas balançou a cabeça. — Vou deixar
vocês, crianças, ficarem com a montanha para vocês esta manhã.
Ele disse isso alegremente, mas Sam não pôde deixar de notar o
quão completamente cansado ele parecia. Tinha linhas finas
enrugando ao redor de seus olhos e uma nova queda em seus
ombros.
Ela olhou para Nina, que deu um sorriso de desculpas e segurou
um grosso romance de fantasia. — Eu posso ficar em casa. Além
disso, só vou atrasar você em um dia como hoje.
Então, para horror de Sam, Teddy entrou na conversa. — Eu
adoraria ir, se você não se importar.
— Claro — disse ela, depois de um momento. Ela não conseguia
pensar em nenhuma maneira razoável de se livrar dele.
Eles começaram nas rampas de Gold Hill, avançando
continuamente pela montanha. Sam teve que admitir de má vontade
que Teddy era um esquiador muito bom. Ela não conseguiria se
livrar dele mesmo se tentasse – e ela vinha tentando, a manhã toda.
— Estamos indo para o Revelation Bowl, certo? — Teddy tentou
agora.
— Jeff e eu vamos — Sam disse rigidamente. — Você pode
arrancar mais fácil antes da caminhada. Caso contrário, você terá
que caminhar ao longo do cume pelos últimos quinhentos metros
carregando sua prancha. Ou, no seu caso, esquis – acrescentou ela
incisivamente. Ela sempre achou os esquiadores tão...
convencionais.
— Eu posso lidar com isso. — Teddy deu um sorriso ousado. —
Ao contrário de você, aprendi a esquiar em terrenos realmente
difíceis. As corridas geladas, implacáveis, que deixam o limite e
espero que você não morra em Stowe.
Sam estremeceu em simpatia fingida. — Esquiar na Costa Leste?
Lamento que você tenha sofrido com isso.
— Sam! — Jeff gritou da cadeira atrás deles. — Revelação,
certo?
Sam se virou; seu irmão estava esparramado na cadeira, uma
perna chutada para cima no assento enquanto a outra balançava
abaixo, ainda presa à prancha.
— Absolutamente. Corrida? — ela gritou em resposta.
— Desafio?
— Você está dentro.
Teddy olhou para trás e para frente entre eles. — Você e Jeff
sempre usaram esse tipo de linguagem gêmea?
— Você acha que era linguagem de gêmeos? — Sam zombou. —
Isso é apenas conversa preguiçosa de teleférico. Quando éramos
crianças, Jeff e eu nos comunicávamos em resmungos completos.
Isso deixava nossa babá maluca.
Teddy sorriu sob sua polaina de lã. A ponta do nariz ficou
vermelha de frio. — Eu entendi mal ou ele apenas a desafiou para
uma corrida?
— Jeff e eu sempre corremos no Revelation Bowl. O vencedor
pode fazer o perdedor completar um desafio. — Ela deu uma
risadinha. — No ano passado, depois de ganhar, eu o fiz congelar a
roupa de baixo da Daphne na neve durante a noite. Ela ficou furiosa
no dia seguinte.
Eles estavam acima da linha das árvores agora; a paisagem
corria abaixo deles em um lençol branco contínuo.
— Ouvi dizer que a equipe de esqui do King’s College é
surpreendentemente boa, visto que eles não estão nas montanhas.
— Um sorriso apareceu nos lábios de Teddy. — Reconhecendo, é
esqui da Costa Leste, mas você ainda pode dar uma olhada.
— Por que todo mundo sempre presume que vou para o King’s
College? — Sam lutou para controlar sua irritação. — Quem sabe,
talvez eu nem vá para a faculdade.
— Você não quis dizer isso — rebateu Teddy, com surpreendente
convicção.
Ela deu de ombros desinteressada. — Qual é o ponto, para
alguém como eu?
— Alguém como você, ou seja, uma das pessoas mais influentes
do planeta? Alguém que realmente tem o poder de tornar o mundo
um lugar melhor?
— Você está me confundindo com minha irmã. O que é
compreensível, considerando que você ficou com nós duas. — Sam
ignorou a inspiração aguda de Teddy. — Beatrice já faz parte das
reuniões de gabinete, está ajudando a definir a agenda nacional e a
negociar tratados. Ela tem poder, não eu.
O vento aumentou, balançando a cadeira levemente para frente e
para trás. Teddy ergueu a voz para ser ouvido. — Você não percebe
que milhões de pessoas procuram sua inspiração? Você tem uma
posição única, Samantha – você pode usar para levar as pessoas à
ação, para destacar questões de seu interesse...
— Você está falando sobre defesa de direitos, não formulação de
políticas ou governo — ela interrompeu. — O que significa ser uma
líder de torcida glorificada, dando um monte de festas chiques e
pedindo às pessoas que doem para a minha causa da semana?
Acho que não. — Esse era o tipo de coisa que Daphne queria fazer
da vida. Não Samantha.
— É mais do que uma torcida glorificada se causar uma mudança
real — contrapôs Teddy. — Ou o que você prefere fazer?
Sam começou a fazer algum comentário irreverente e incisivo
para zombar de Teddy por seu idealismo brilhante – mas a verdade
veio à tona. — Não sei o que quero fazer. Eu nem sei no que eu
seria boa.
— Talvez se você fosse para a faculdade, você descobriria.
De repente, eles estavam levantando a barra de segurança e
deslizando para o pico varrido pelo vento. Sam saltou da prancha e
a ergueu sobre o ombro, sem esperar por Teddy, que tirou uma alça
de nylon do bolso da jaqueta, e ia prender os esquis atrás dele
como uma mochila.
Ela silenciosamente começou ao longo do cume, seguindo as
pegadas de gelo gravadas na neve por esquiadores e snowboarders
anteriores. À sua esquerda, a cada vários metros, estacas de
madeira eram ancoradas na neve com fita vermelha PERIGO enrolada
entre elas – não que a fita fizesse alguma coisa para ajudar, se
alguém escorregasse. Depois da fita, a montanha cai em uma
queda vertical.
Por fim, eles alcançaram o topo do Revelation Bowl: uma vasta
extensão de neve que afunilava ao lado da montanha. Sam
estendeu a mão para abrir o zíper de sua jaqueta, se sentindo
quente pelo esforço. O sol finalmente dispersou as nuvens. Ela
inclinou o rosto para cima, deixando seus raios beijarem sua testa.
— Você está pronta para perder? — Jeff perguntou, ainda
respirando pesadamente. Ele lançou seu sorriso atrevido de
sempre.
— Pode vir. — Ignorando a presença silenciosa de Teddy atrás
dela, Sam prendeu as costas em sua prancha de snowboard. Então
ela passou pela borda da encosta e caiu.
O ar chicoteou nela, rasgou impiedosamente suas roupas. O pó
até o joelho se espalhou para cada lado da prancha em um jato de
branco. Sam se sentia como se estivesse estagnada a cada minuto
que não estava em seu snowboard – que só agora, quando estava
caindo da encosta de uma montanha, ela estava viva novamente.
Jeff disparou à frente, e ela sentiu Teddy beliscando seus
calcanhares, o barulho de seus esquis um som mais suave do que o
entalhe alto das tábuas. Sam curvou os tornozelos e jogou seu peso
para a frente com mais força cega do que o normal, como se
estimulado pelo que Teddy havia dito. Que direito ele achava que
tinha, de julgar ela?
Sua prancha escorregou debaixo dela.
Uma vez, aos cinco anos de idade, Sam tentou escapar de seu
instrutor particular e disparou montanha abaixo. Ela correu para fora
da neve, derrapando em vinte metros de lama antes de bater em um
arbusto. Quando Ski Patrol finalmente a desenterrou, ela tinha
perdido dois dentes e estava sorrindo de orelha a orelha.
Sam se sentia assim agora. Ela estava descendo a encosta cada
vez mais rápido, tentando desesperadamente bater o pé de trás na
beirada...
Ela voou para frente, batendo na neve com um baque e caindo de
cabeça para baixo morro abaixo. O mundo foi reduzido a um
redemoinho branco.
Ela enrolou o corpo sobre si mesma, esperando até que tudo
finalmente parasse.
— Sam!
Para sua surpresa, a voz não era de Jeff, mas de Teddy.
Ele agarrou seu cotovelo para puxar ela para cima. — Você está
machucada?
— Estou bem — Sam procurou sua prancha nos montes e
prendeu de volta, um pé de cada vez. Ela se sentiu repentinamente
envergonhada – não por ter caído, mas pelo motivo que aconteceu.
Porque ela estava pensando em Teddy.
— Parabéns — ela se forçou a dizer, olhando para Jeff descendo
a montanha. — Parece que devo um desafio a você.

Envolvida em uma toalha branca fofa, Sam caminhou em direção à


banheira de hidromassagem interna, que era construída na lateral
da casa, cercada por janelas do chão ao teto que davam para as
montanhas. Também tinha uma banheira de hidromassagem ao ar
livre, é claro, mas todos os músculos de Sam doíam, e ela não
queria continuar correndo para o frio para reiniciar os jatos.
Ela dobrou a esquina, apenas para perceber que não estava
sozinha.
— Oh, desculpe. Não importa — ela disse hesitantemente.
Teddy se levantou, balançando a cabeça. — Por favor, não me
deixe assustar você. Tem muito espaço.
Era verdade; a banheira de hidromassagem foi projetada para
acomodar quinze pessoas. Mas não era um pouco estranho para ela
estar aqui sozinha, com o cara que sua irmã estava namorando?
Então, novamente, Sam percebeu, ela não tinha ouvido Teddy
mencionar o nome de Beatrice durante todo o fim de semana.
Ela relutantemente largou a toalha e mergulhou na água. Ela
estava usando uma peça única fúcsia brilhante, que tecnicamente
não poderia ser qualificada como uma peça única, dado quantos
recortes haviam sido estrategicamente cortados nele. Era o tipo de
coisa que ela não podia usar no verão, porque as marcas de
bronzeado que ficavam eram muito estranhas.
— Além do mais, você provavelmente precisa da banheira de
hidromassagem mais do que eu, depois daquela queda — Teddy
continuou, e arriscou um sorriso. — Jeff já decidiu seu desafio?
— Ainda não. Ele vai ter que inventar algo realmente ótimo,
porque essa oportunidade não aparecerá novamente. Eu
normalmente não perco para ele — ela se gabou.
Teddy deu uma risadinha. — Contanto que vocês não congelem
minha cueca.
— Não posso fazer promessas.
Sam se virou de forma que suas costas estivessem sobre um dos
jatos. Ela se forçou a olhar pela janela, porque senão ela estaria
olhando para Teddy – seus braços musculosos, a linha fina de barba
por fazer ao longo de sua mandíbula. O vapor enrolou em torno de
seu cabelo, tornando-o um pouco mais escuro do que o normal, a
cor de ouro fino.
— Samantha. — Teddy pigarreou. — Sinto muito pelo que disse
antes. Eu fui sem educação.
— Não, você estava certo.
Sam ficou tão chocada com a própria resposta quanto Teddy
parecia estar. Ela olhou para a superfície da água, mordendo o
lábio. — Ao contrário de Beatrice, Jeff e eu não temos um papel ou
propósito definido, nenhum trabalho para o qual estamos sendo
treinados. Nós apenas... existimos.
Teddy balançou a cabeça. — Desculpe interromper, mas você não
é chata ou preguiçosa o suficiente para simplesmente existir.
Sam se sentiu curiosamente grata por suas palavras. E talvez
fosse o brilho simpático de seus olhos, ou o calor delicioso da
banheira de hidromassagem, mas ela se sentiu induzida a admitir a
verdade. — Essa não é a única razão pela qual estou enrolando
sobre a faculdade — disse ela lentamente.
— O que você quer dizer? — Uma gota de suor deslizou pela
curva do pescoço de Teddy para se estabelecer distraidamente no
oco de sua garganta. Seus cílios estavam espetados e úmidos.
Sam desviou os olhos dela à força. — Beatrice odiava Harvard.
Não os acadêmicos, mas o aspecto social. Ela sempre sentiu como
se estivesse isolada, como se ela realmente não fizesse parte disso.
— Ela deu um meio sorriso. — Eu sei que fiz um bom show, mas na
verdade não tenho muitos amigos.
— Mesmo? Nem mesmo as meninas que estudaram na sua
escola?
Por algum motivo, Sam pensou na escola primária, quando
algumas das meninas costumavam roubar coisas que pertenciam a
ela ou a Beatrice e vendiam online. Seus crachás antigos custavam
cem dólares; qualquer coisa com uma assinatura, como dever de
casa ou testes, ainda mais. Quando o palácio descobriu, Beatrice
tinha ficado ainda mais quieta e reservada, enquanto Sam respondia
ignorando seus colegas de classe por completo e saindo com Jeff e
seus amigos.
Pensando bem, esse foi provavelmente o início de sua reputação
de namoradeira.
— Essas meninas não são realmente minhas amigas.
— Por que você diz isso? — Não havia desafio no tom de Teddy,
apenas curiosidade.
— Porque um amigo de verdade perdoa seus erros, e aquelas
garotas os guardam para espalhar como itens de fofoca. — Ela
ondulou os dedos sobre a superfície da água, deixando escapar um
suspiro. — Eu só tenho uma amiga de verdade, Nina.
— Você tem sorte de ter uma amiga como ela.
Sam acenou com a cabeça em concordância. — Ainda assim,
tenho medo de que ir para a faculdade só vai destacar o quanto já
sou solitária. E vou passar quatro anos sendo tão miserável quanto
Beatrice foi. Exceto provavelmente pior, porque eu não sou a estrela
acadêmica que ela é.
— Você poderia tentar falar sobre isso com Beatrice, você sabe.
— Beatrice não tem tempo para mim atualmente.
Teddy balançou suavemente a cabeça. — Acho que você ficaria
surpresa.
Sam se lembrou da noite do musical – quando Beatrice bateu em
sua porta, com os olhos arregalados e perdida, e Sam a
cumprimentou com nada além de desdém. Ela corou com a
memória.
— E você? Você fez bons amigos em Yale? — ela decidiu
perguntar.
— Sim, mas eu sou mais parecido com você. Tive o mesmo
melhor amigo desde a infância — admitiu Teddy. — É só mais fácil
com pessoas que o conhecem há muito tempo, ao invés de pessoas
que julgam você à primeira vista.
Ela torceu um laço de cabelo verde-limão para cima e para baixo
em seu pulso. — Eu sei o que você quer dizer. As pessoas nunca
têm uma boa primeira impressão de mim.
Os olhos azuis de Teddy se aprofundaram. — Ou às vezes a
primeira impressão é boa, e é a segunda impressão que dá tudo
errado.
Sam se perguntou se ele estava falando sobre eles – sobre sua
primeira impressão de Teddy, e como isso mudou drasticamente
depois que ele saiu com sua irmã.
Sua confusão foi quebrada pelo zumbido de seu telefone, que
estava empoleirado em uma borda próxima. Sam cambaleou para
fora da banheira de hidromassagem para pegar. Seus olhos se
arregalaram quando ela viu a mensagem que havia recebido.
— Beatrice está voltando. Ela deve estar aqui em algumas horas
— ela disse lentamente. Ela não tinha percebido o quanto esperava
que Beatrice continuasse presa em Montrose.
— Fico feliz que ela esteja bem — respondeu Teddy, embora
alguma emoção estranha invadisse seu rosto com a notícia.
— Teddy... o que realmente está acontecendo, com você e minha
irmã?
Por um momento, Teddy tentou ignorar as palavras dela. — Não
sou bom o suficiente para Beatrice — disse ele, com um sorriso
autodepreciativo. — Ela vai acabar com alguém muito mais
importante do que eu – o duque de Cambridge, talvez, ou o
czarevitch.
Sam revirou os olhos — Ela não pode estar com outro herdeiro;
isso é uma impossibilidade política.
— É sério?
— É claro! A última vez que herdeiros de seus respectivos tronos
se casaram foi Filipe da Espanha e a Rainha Maria, e todos nós
sabemos como isso acabou.
— Nós sabemos?
— Não muito bem — disse Sam secamente.
— Que pena, então. — Teddy soltou um suspiro. — A verdade é
que gostei de conhecer sua irmã. Eu realmente a admiro.
— Esse é o endosso menos romântico que já ouvi. — Sam não
tinha a intenção de deixar escapar assim, mas para seu alívio,
Teddy não parecia incomodado com suas palavras.
— Ela é a futura rainha. Eu não acho que deva deva me sentir
romanticamente atraído por ela — disse ele abruptamente. — Ela
existe em um plano superior do que o resto de nós, no nível de... eu
não sei. Símbolos e ideais.
Do jeito que Teddy disse isso, parecia quase impossível sentir
algo romântico em relação a Beatrice.
— Estou grato, é claro, que seus pais pensaram que eu era digno
de ser considerado...
— Meus pais armaram para vocês?
— Beatrice não te contou? — Ao ver seu olhar atordoado, Teddy
soltou um suspiro. — Seus pais fizeram uma lista de caras que eles
queriam que ela conhecesse no Baile da Rainha. E eu fiz o corte. É
claro — acrescentou ele — meus pais só me contaram o verdadeiro
motivo de irmos ao baile naquela noite depois de eu já ter conhecido
você — Seus olhos imploravam a ela, um pedido silencioso de
perdão. — Eu nunca teria entrado naquele vestiário com você se
soubesse que estava na lista curta de candidatos de Beatrice.
Lista curta. Oh Deus.
Sam se lembrou do que Beatrice dissera na manhã seguinte ao
baile: Ninguém está pedindo que você se case.
Ela tinha entendido tudo errado. Ela presumiu que Beatrice estava
perseguindo Teddy só porque ela podia, quando na verdade seus
pais aparentemente queriam um casamento real. Talvez eles
tivessem visto todos aqueles artigos de opinião reclamando da falta
de namorado de Beatrice, ou talvez estivessem simplesmente
ansiosos por alguns netos, para garantir a sucessão importantíssima
para outra geração.
— Eu não percebi — disse ela calmamente.
— Olha, Beatrice e eu nos damos bem — disse Teddy. — Nós nos
entendemos. Mas se dependesse de mim... — Ele não terminou a
frase.
Ela só conseguiu pronunciar uma única palavra. — Por quê?
Teddy olhou para baixo, evitando o olhar dela. — Existem certas
expectativas em mim, por causa de quem eu sou. Especialmente
porque minha família perdeu nossa fortuna.
Sam se assustou. — O quê?
— Como tantas famílias antigas da Nova Inglaterra, ganhamos
nosso dinheiro há gerações e o administramos desde então. Até a
última recessão chegar, descobrimos que meu avô investiu muito
em alguns investimentos voláteis. Ele morreu mais tarde naquele
ano.
— Minha família está prestes a perder tudo. Todas as nossas
casas, nossas posições, nosso modo de vida. Já tivemos que
demitir centenas de pessoas, vender nossos negócios – você sabia
que minha família era o maior empregador na área de Boston? — A
voz de Teddy estava rouca de angústia. — Quando você está nesse
tipo de posição e a herdeira do trono o convida para sair... não é
uma pergunta para a qual você diz não. Você simplesmente aceita.
Sam olhou pela janela, sua mente girando com tudo o que ele
disse. Uma das famílias da Velha Guarda prestes a perder tudo, o
futuro de uma comunidade inteira sobre os ombros... era muito peso
para uma pessoa carregar.
A transformação de Teddy foi leve, mas Sam percebeu: a maneira
como suas costas ficaram retas, a nova distância em seus olhos.
Era assustadoramente semelhante à transformação que ela via
Beatrice fazer mil vezes – a maneira como ela voltava ao seu ser
formal e remoto, como se colocasse a máscara de Washington.
— Eu não deveria ter te contado nada disso — disse ele, com a
voz pesada. — Ninguém sabe. Nem mesmo sua irmã. Por favor,
podemos manter isso entre nós?
— É claro. O que acontece na banheira de hidromassagem fica
na banheira de hidromassagem. — Sam estava se esforçando para
ser despreocupada, mas de repente ela ouviu outro significado para
suas palavras.
Ela viu pelo brilho dos olhos de Teddy que ele também.
Sam caminhou na direção dele, estendendo as mãos sob a
superfície borbulhante da água. Teddy hesitou, então entrelaçou os
dedos nos dela.
— Isso é muito para você assumir — ela murmurou.
— Eu sempre soube o que se espera de mim, como tenho certeza
de que sua irmã sabe. É por isso que nós nos entendemos. —
Teddy deu um sorriso torto. — Embora as coisas fossem mais fáceis
para mim e Beatrice se eu não tivesse conhecido você primeiro.
— Teddy…
— Eu não me arrependo — ele se apressou em dizer. — Não
importa o que aconteça, estou feliz por ter beijado você. Mesmo que
tenha sido apenas uma vez, em um vestiário.
Não importa o que aconteça.
Essa frase foi um arranhão de disco alto e áspero, como pregos
no quadro-negro, porque Sam sabia as palavras que Teddy havia
omitido. Não importa onde as coisas vão com ele e Beatrice.
Não importa se eles acabarem se casando.
Mas sua irmã não estava aqui agora, e Sam se recusou a ceder
ele neste momento. Beatrice poderia ficar com Teddy pelo resto da
vida, mas ela não estava com ele agora. Esta parcela de tempo
existia em si mesma, removida do resto do mundo, de
consequências ou arrependimentos ou e se. Não pertencia a
Beatrice, mas a Teddy e Sam.
Suas mãos ainda estavam entrelaçadas sob a superfície da água.
Sam se sentiu quase tonta, por causa da altitude ou do calor ou da
repentina proximidade do rosto de Teddy.
Seus lábios se tocaram.
O beijo foi gentil e suave, nada como os beijos febris no vestiário
naquela noite. Foi o beijo que eles poderiam ter compartilhado se
tivessem se conhecido em outras circunstâncias. Se eles tivessem a
chance de ter encontros reais, se Beatrice nunca tivesse ficado
entre eles.
Sam ergueu as mãos para espalmar sobre os planos do peito de
Teddy, em seguida, colocou sobre seus ombros. Ela o abraçou com
força, como se ainda estivesse caindo montanha abaixo e ele fosse
a única coisa sólida que restava no mundo. Tudo parecia estar
delicioso, lento e parado.
Finalmente, depois de um tempo impossível, Teddy encostou a
testa na dela. — Sinto muito — disse ele, respirando com
dificuldade. — Eu não deveria ter...
— Nunca se desculpe por me beijar.
Lá estava aquele sorriso, aquele que Sam se encontrou
desesperada para ver novamente. — Anotado — foi tudo o que ele
disse.
— Está ficando tarde. — Relutantemente, Sam pegou seu rabo de
cavalo e torceu-o por cima do ombro como um pano molhado. Ela
saiu da banheira de hidromassagem e vestiu um dos robes no
armário de cedro aquecido.
Antes de voltar para dentro, ela lançou um último olhar de volta
para as montanhas, ainda cobertas pelo tapete brilhante da neve da
noite anterior. Havia algo evocativo na visão, algo brilhante e
cintilante e cheio de promessas.
DAPHNE

Daphne estremeceu; o ar noturno parecia frio em seus braços, como


um vestido de seda da corte. Ela estava usando um vestido cocktail
de tule preto com detalhes dourados, uma jaqueta de pele curta
jogada sobre os ombros. Mas então, ela não tinha se vestido para o
clima. Ela havia se vestido para a batalha. Para lembrar Jefferson
de tudo que ele desistiu.
Seus saltos agulha batiam agradavelmente na calçada enquanto
ela se dirigia para o Smuggler's. Não tinha placa na frente, nenhuma
indicação de que você estava no lugar certo, exceto por uma única
palavra, MEMBROS, em letras de latão polido na porta.
Alguns disseram que os donos do clube privado de esqui eram os
próprios Washingtons, embora ninguém soubesse com certeza. A
identidade dos proprietários estava tão bem guardada quanto os
segredos do que acontecia por trás daquela famosa porta de
madeira.
Smuggler's exige que todos os hóspedes verifiquem seus
telefones na entrada, principalmente quando a família real está na
residência. Nenhuma foto não autorizada surgia do que acontecia lá
dentro. Claro, isso só alimentou os rumores: que os recém-casados
Duques de Roanoke uma vez entraram em uma briga de amantes
lá, tão terrível que um deles atirou um garfo no outro (ninguém
jamais diria qual); que a irmã do rei, Margaret, deu sua despedida
de solteira lá e usou o telefone fixo para fazer trotes bêbados a
todos os seus ex-namorados, incluindo o duque d'Orléans e o
marajá de Jaipur. O mais famoso de todos era o evento de hoje à
noite, a festa anual de véspera de Ano Novo dos Washingtons.
Apesar dos esforços da família real para manter esta festa
discreta, a cidade inteira claramente sabia sobre isso. Uma enorme
multidão cercava a entrada do Smuggler's, todos lutando
ansiosamente por uma posição, como se a equipe de segurança
pudesse milagrosamente mudar de ideia e de repente deixá-los
entrar. Mais para a frente da multidão, Daphne viu algumas das ‘‘it
girls'' que estavam ocupadas na cena social da capital, usando
vestidos muito curtos e diamantes muito grandes. Elas olharam em
sua direção, mas Daphne se recusou a fazer contato visual. Ela
marchou para a frente da fila como se pertencesse aqui - porque ela
pertencia.
— Ei, Kenny. — Ela acenou com a cabeça para o guarda
enquanto passava por ela, esperando que ele não...
— Daphne? — Kenny se sobressaltou, dando um sorriso
desconfortável. Ele tinha um espaço entre os dois dentes da frente.
— Não te vi na lista deste ano.
Como regra, Daphne amava barreiras, mas apenas quando
estava do lado correto delas.
— Jefferson me convidou — disse ela inocentemente, e estendeu
o telefone. Com certeza, tinha uma série de mensagens de
Jefferson. Ela apertou as mãos ao lado do corpo, desejando que
Kenny não clicasse no ícone de contato, porque então ele
perceberia que as mensagens tinham, na verdade, vindo do telefone
de sua mãe. Daphne as havia enviado ela mesma, enquanto se
preparava.
— Vocês estão juntos de novo? — Kenny perguntou, então
balançou a cabeça, devolvendo o telefone dela. — Sinto muito, mas
não posso. Hoje não.
O estômago de Daphne despencou de pânico. Ela não podia
permitir que todas aquelas pessoas testemunhassem sua
humilhação. — Você sabe que eu não sou um perigo para a
segurança — ela insistiu, e fez um show ao abrir a bolsa preta
reluzente para mostrar a escova de cabelo e o brilho labial
inocentemente enfiados dentro.
Antes que Kenny pudesse negar novamente, a porta da frente do
Smuggler se abriu e Ethan saiu. Ele viu toda a situação com um
único olhar. Daphne sem querer ergueu os olhos para ele.
— Eu sinto muito, Daphne. — Ela ouviu Ethan lutando para
mascarar sua diversão. — Isto é minha culpa. Jeff me pediu para
adicionar você à lista, mas esqueci completamente. Ela não pode
entrar? — Este último foi dirigido a Kenny.
Daphne continuou sorrindo seu sorriso doce e ingênuo, mas por
dentro estava fervendo.
Kenny pareceu pensar a respeito, mas cedeu visivelmente. — Ok,
só desta vez.
Daphne entregou seu telefone no posto de controle obrigatório,
recolhendo um tíquete de reclamação de plástico em seu lugar. Ela
começou a descer as escadas, mas Ethan intencionalmente
estendeu o braço. Ela não tinha escolha a não ser aceitar.
Uma luz fraca brilhava no lustre acima, que era feito inteiramente
de chifres. As paredes verdes escuras da sala eram revestidas com
pinturas de estilo ocidental, os pisos de pinho com nós cobertos por
tapetes e móveis de couro. Mulheres vestidas de lantejoulas e
homens em gravatas-borboleta invadiram a sala ao lado, que
continha um bar e, mais adiante, uma pista de dança.
O olhar rápido de Daphne confirmou que era a multidão usual:
condes e condessas e membros da Suprema Corte, alguns
empresários espalhados, vários membros da família real estendida.
O rei ficou de costas para a enorme lareira de pedra, seu braço
roçando no da rainha enquanto ela contava alguma história.
Normalmente ele ficava tão jovial com esses eventos – rindo,
gesticulando para que os lacaios mantivessem as taças de vinho de
todos cheias – mas esta noite Daphne notou uma nova gravidade
em seus modos.
— Você pode ir agora — Daphne murmurou, soltando seu braço
de onde estava preso no de Ethan.
— Sua gratidão, como sempre, é avassaladora.
— Você foi convincente o bastante, Ethan. Não há necessidade
de se gabar.
— Mas eu sou tão bom nisso. — Seus olhos brilharam como
estrelas escuras.
— Não estou com vontade, ok?
Ele deu um sorriso preguiçoso e sensual. — Vamos, Daphne. Eu
sei que tivemos nossos momentos...
— Isso é um eufemismo...
— … Mas você deveria estar feliz por eu estar aqui. Caso
contrário, você ainda estaria parada na porta, acenando com suas
mensagens de texto falsas.
Ela franziu os lábios contra uma réplica incisiva. — Obrigada por
me ajudar a entrar — ela se forçou a dizer.
Ethan riu da confusão dela — Não se preocupe, você pode me
dever uma.
Daphne não se dignou a responder. Ela não tinha nenhuma
intenção de dever nada a Ethan.
Ele pegou duas taças de champanhe de uma bandeja que
passava e tentou entregar uma a ela, mas ela balançou a cabeça.
Ela nunca bebia em público: não importava que fizesse dezoito anos
em alguns meses, e que beber sendo de menor fosse tacitamente
permitido, ou pelo menos educadamente ignorado, em eventos
privados como aquele. Ela tinha trabalhado muito para arriscar sua
imagem durante um coquetel.
— É véspera de Ano Novo; ninguém se importa — Ethan rebateu,
mas Daphne o ignorou.
Seus olhos se fixaram em uma garota que estava de um lado da
sala, usando um vestido preto sem alças e botinhas curtas —
botinhas, para uma festa formal de Ano Novo.
Foi a expressão nos olhos castanhos profundos de Nina que fez
Daphne parar. Porque ela estava olhando para o pátio, onde o
Príncipe Jefferson estava.
Daphne odiou o fato das duas estarem olhando para ele. Ela
odiava que elas tivessem isso em comum, que elas tivessem algo
em comum.
Daphne caminhou rapidamente em sua direção. — Nina! Já faz
um tempo... desde este verão, pelo menos? — Ela disse isso
hesitantemente, implicando que a outra garota não era memorável o
suficiente para ela ter certeza.
Nina encolheu os ombros. — Eu estava no Baile da Rainha
algumas semanas atrás. Talvez você estivesse lá?
O sorriso de Daphne congelou em seu rosto. Foi Nina a razão de
Jefferson ter fugido no meio da dança? — Você está fantástica, a
propósito. Eu amei esses brincos.
Era uma velha tática dela: usar elogios para avaliar seus
oponentes, deixar eles à vontade.
Nina levou a mão à orelha, como se quisesse verificar quais
brincos ela estava de fato usando. Uma tatuagem brilhou na parte
interna de seu pulso. — Oh, estes são de Samantha.
Claro que sim. — Bem, eles são lindos — declarou Daphne, e
inclinou ligeiramente a cabeça. — Sabe, eu não fazia ideia de que
você estava na cidade. Acho que não vi você postar nada?
— Eu realmente não uso mídias sociais — disse Nina com
desdém. — Pensando bem, também não sabia que você estava na
cidade neste fim de semana. Você está aqui com seus pais?
A coragem dela. — Eu estou. Na verdade, encontrei Jefferson
outro dia fora do elevador Apex. Se eu soubesse que você estava
aqui, teria sugerido que você viesse nos encontrar — acrescentou
ela, em um tom educadamente perplexo.
Nina deu uma risada autodepreciativa. — Tudo bem. Não consigo
acompanhar Jeff nessas corridas intensas.
Você não pode nos acompanhar em lugar nenhum. — Eu me
lembro, você sempre ficava mais feliz lendo um livro perto do fogo
do que nas encostas. É bom saber que as coisas não mudaram.
— Pelo menos a maioria das coisas — Nina rebateu, como se
para lembrar a Daphne o que mais mudara: seu relacionamento
com o príncipe.
Não tinha mais nada a ser feito aqui; Daphne tinha feito o que
queria — Se você me der licença… — disse ela vagamente, e saiu
em uma agitação de saias de tule e lantejoulas.
Jefferson estava no pátio dos fundos, cercado por um grupo de
pessoas, a maioria mulheres jovens. Eles lançaram olhares de
esguelha, remexendo nas roupas, como se os vestidos tivessem
ficado muito quentes ou frouxos demais.
Daphne não deixou que isso a perturbasse. As garotas sempre se
atiravam em Jefferson. As coisas eram assim mesmo quando ela e
o príncipe estavam namorando – e não parariam, ela sabia, até que
estivessem noivos. Talvez não até eles se casarem.
Quando ela encontrou o olhar de Jefferson, ele relaxou em um
sorriso fácil e a seguiu passando por uma fogueira ao ar livre.
Piscas-piscas foram colocadas em todo o espaço, ecoando o brilho
das estrelas acima.
— Dá para acreditar na neve que caiu este ano? — o príncipe
exclamou. — Estou pensando em voltar para a Apex amanhã, se
você quiser se encontrar conosco.
Daphne tentou não vacilar com o fato de que seu nós não a
incluía mais. — Eu adoraria. — Ela deu um passo discreto para
frente, deixando seu vestido escorregar um pouco mais para baixo.
Os olhos de Jefferson derivaram previsivelmente para baixo, para a
curva sombreada de seu decote. Por um momento, o olhar neles –
um olhar que Daphne conhecia bem – pareceu que ela poderia usar
a seu favor.
— Eu me diverti muito, passando um tempo com você outro dia.
Me diverti como nunca. — Ela recuperou o fôlego e mergulhou. —
Eu realmente sinto sua falta, Jefferson.
Ele piscou para ela incerto.
— Eu sei que terminamos as coisas... de forma bagunçada — ela
murmurou, sua voz ondulando com a sedução. — Mas estou aqui
agora e quero tentar de novo. Desta vez, não precisamos esperar.
Para qualquer coisa.
Não tinha como confundir seu significado.
Desde a separação, Daphne se perguntava se seu erro foi nunca
ter dormido com Jefferson. Parecia a coisa certa a fazer – talvez
fossem os tempos modernos, mas ela almejava os objetivos mais
elevados e, portanto, se mantinha nos padrões mais elevados.
Certamente de acordo com o padrão estabelecido pela princesa
Beatrice.
Ela disse a Jefferson que eles eram muito jovens, que queria
esperar até que os dois estivessem um pouco mais maduros. E para
ser justo, eles eram jovens; ela mal tinha quinze anos quando
começaram a namorar.
Bem, ela estava mais velha agora, e muito mais segura de si
mesma – do que ela queria.
Daphne não costumava cometer erros tão espetaculares de
julgamento. Mas ela soube imediatamente que tinha dito a coisa
errada. Jefferson deu um passo para trás, dobrando rapidamente a
distância entre eles. O sorriso dela sumiu de seu rosto.
— Lamento se lhe dei a impressão errada — disse o príncipe
apressadamente. — Quando estávamos praticando snowboard,
achei que você soubesse que éramos apenas amigos. Estou com
outra pessoa agora.
Os pulmões de Daphne contraíram. Ela respirou fundo, ofegante,
lutando para ficar de pé. Não havia oxigênio suficiente em nenhuma
parte nesta altitude.
— Oh. — Sua voz parecia emanar de uma grande distância, tão
fria e elegante como sempre. — Eu te vejo mais tarde, então.
Ela estava tão certa de que Jefferson ainda se importava, que ela
poderia persuadi- lo a voltar para ela. Especialmente agora que ela
estava finalmente, depois de todos esses anos, disposta a colocar o
sexo na mesa.
Ela tentou não pensar nas implicações disso – no que deveria
estar acontecendo naquela casa de esqui entre ele e Nina. Mas não
importa o quanto ela tentasse bloquear essa visão, uma enxurrada
de imagens inundou a mente de Daphne, cada uma mais dolorosa
do que a outra. Jefferson apresentando Nina à sua avó. Enviando
uma mensagem de texto para ela com uma série de corações de
desenho animado no meio do dia. Levantando o cabelo para dar um
beijo na nuca. Todas as coisas que ele fez com Daphne, pelo menos
no começo, ele estaria fazendo com ela.
Daphne desistiu de tudo por Jefferson, projetou sua vida inteira
em torno dele. Agora seu futuro parecia se achatar diante dela,
obscurecendo e obscurecendo nas bordas até que não levasse a
lugar nenhum.
Os sons da festa diminuíram para um rugido maçante sob as
batidas de seu coração. Ela empurrou cegamente de volta para
dentro.
— Daphne?
A princesa Samantha estava perto do bar, segurando um copo
com um líquido claro que certamente não era água. Ela se inclinou
para frente, um pouco perto demais de Daphne; mas esse sempre
foi o jeito de Samantha. Ela simplesmente se recusou a habitar o
espaço normal entre as pessoas.
— Você está se divertindo? — Samantha perguntou, um toque de
desafio à pergunta.
— Esta festa está incrível, como sempre.
Daphne achou que tinha soado convincente, mas Samantha
bufou de descrença divertida. — Mesmo? Porque você parece tão
miserável quanto eu.
Daphne ficou tão surpresa com o comentário que nem se
importou em negar. — Minha noite não foi exatamente como eu
esperava — ela se ouviu dizer. E então, se chocando ainda mais…
— Por que você está miserável?
— Isso importa? — a princesa perguntou, com um toque de
amargura. Ela continuou lançando olhares para alguém do outro
lado da sala.
Daphne seguiu seu olhar, até onde a princesa Beatrice estava ao
lado de Theodore Eaton. Os dois sorriam, ambos conversando com
o mesmo grupo de convidados; entretanto, quanto mais Daphne os
observava, mais parecia que seus movimentos eram coordenados,
mas díspares, como se fossem trens operando em trilhos paralelos.
Beatrice parecia nunca olhar para para Theodore, mas ao seu redor.
— Vejo que sua irmã voltou a tempo.
— Sim — disse Samantha com desdém. Ela ergueu o copo agora
vazio e o sacudiu, com um brilho provocador nos olhos. — Quer se
juntar a mim?
Os olhos de Daphne se voltaram para a pista de dança, onde
hordas de pessoas estavam reunidas, esperando a contagem
regressiva para a meia-noite. Vários dos estagiários do planejador
de festa começaram a circular com colares brilhantes e criadores de
ruído.
Por que ela não deveria tomar um drink, pelo menos uma vez?

Pela primeira vez na vida, Daphne estava bêbada em público.


Depois que ela e Samantha tomaram a primeira rodada de doses,
Daphne insistiu em mudar para champanhe, que pelo menos
parecia elegante. Mas ela estava na terceira – ou seria a quarta? –
taça, e naquela altitude, com o estômago vazio, o álcool estava
realmente subindo para sua cabeça.
Ela e Samantha estavam na pista de dança agora, pulando e
rindo como se sempre tivessem sido melhores amigas. Se Daphne
não estivesse tão bêbada, ela poderia ter sorrido com a ironia disso.
Por anos ela se distraiu, pensando em maneiras de fazer a irmã
gêmea de Jefferson gostar dela – quando o tempo todo, tudo que
ela precisava fazer era ser amiga de bebida de Samantha.
Daphne girou em um círculo, sua pilha de colares brilhantes
quicando enquanto ela se movia. Perto da cabine do DJ, ela viu Sir
Sanjay Murthy com seus dois filhos adolescentes, que frequentaram
a Forsythe Academy com Jefferson. Ambos piscaram para ela de
forma encorajadora. Daphne soprou para eles um beijo alegre em
resposta.
Ela nunca soube como era totalmente libertador beber até que os
limites da realidade parecessem líquidas e borradas. Para fazer algo
deliciosamente ilícito, apenas para provar que nada disso importava.
Era assim que Samantha se sentia o tempo todo? Em caso
afirmativo, não é de admirar que ela tenha ficado do jeito que ficou.
Um par de mãos se fechou em torno de sua cintura, e Daphne
nem mesmo as afastou, apenas se inclinou para trás
provocativamente.
— Vamos, Daphne. Você é melhor do que isso — Ethan
sussurrou em seu ouvido. Sua respiração estava de alguma forma
quente e fria ao mesmo tempo, enviando arrepios misteriosos por
sua espinha.
— Estou bem, obrigada — ela o informou.
Quando Ethan tentou girá-la para encarar ela, o calcanhar de
Daphne escorregou e ela perdeu o equilíbrio.
Algumas pessoas olharam para ela, mas Ethan conseguiu segurá-
la antes que ela caísse na pista de dança. Ele habilmente a dobrou
em um giro, fazendo parecer que a coisa toda tinha sido apenas um
movimento de dança muito ansioso. Os espectadores se viraram,
perdendo rapidamente o interesse.
— Cinco minutos para a meia-noite! — proclamou o DJ, que
começou a aumentar o volume ainda mais.
Os braços de Ethan ainda estavam fechados em torno de seus
cotovelos. — Acho que é hora de levar você para casa.
Pela primeira vez, Daphne deixou seus olhos se arrastarem
descarada e apreciativamente sobre Ethan: a inteligência brilhante
de seus olhos, a curva suave de sua boca. Ele estava vestindo um
blazer feito sob medida que enfatizava as linhas largas de seus
ombros. Daphne os enlaçou com os braços, tentando encontrar o
equilíbrio.
— Eu tenho que ficar pelo menos até meia-noite — ela o
informou, e baixou a voz para um sussurro. — Você pode me beijar
na contagem regressiva, se quiser. — Talvez isso quebrasse a
barreira da indiferença de Jefferson, o deixasse com ciúmes.
Ou talvez parte dela quisesse beijar Ethan novamente.
Pela segunda vez naquela noite, ela disse a coisa errada. Ethan
recuou com as palavras dela, raiva – ou talvez mágoa – passando
por suas feições. — Você está sendo injusta, Daphne — disse ele
calmamente. — Você sabe que não é assim que eu quero você.
Assim não.
Antes que ela pudesse discutir, ele agarrou seu pulso e abriu um
caminho pela pista de dança lotada. Daphne lançou um olhar para
Samantha, que mal parecia ter notado sua partida, antes de
tropeçar atrás dele. Eles dobraram uma curva, passando por um bar
onde mais taças de champanhe estavam alinhadas. Ela estava
perfeitamente ciente de como o corredor era estreito, o quão perto
ela estava do calor do corpo de Ethan.
— Para onde você está me levando?
— Você não quer sair pela porta da frente. Há muitas pessoas por
aí com celulares, acredite em mim.
— Eu não confio em ninguém — Daphne estava bêbada o
suficiente para admitir. Era verdade. As únicas pessoas em quem
ela confiou eram seus pais, e mesmo neles ela só confiava
parcialmente.
— Eu sei — Ethan disse calmamente.
Seus protestos morreram quando ela passou por um espelho
pendurado em uma parede. Onde seu reflexo deveria estar, o rosto
de um estranho flutuou diante dela: um rosto vazio com olhos
sombreados e maquiagem pesada e borrada. Seu cabelo tinha
perdido todos os cachos, caindo úmido e indiferente sobre os
ombros.
— Eu não posso ir lá — disse ela suavemente, quase para si
mesma. Se ela fizesse, essa imagem estaria em todos os tablóides
amanhã de manhã.
— Está bem, eu tenho um táxi para você lá fora.
— Um táxi? — Os motoristas de táxi nem sempre eram
confiáveis, especialmente pegando pessoas em uma festa como
esta.
— Você está pagando em dinheiro, não se preocupe. — Ethan
entregou a ela uma máscara de plástico no estilo Mardi Gras,
forrada com uma escrita que dizia FELIZ ANO NOVO! — Você pode usar
isto, se estiver se sentindo extremamente paranóica.
Daphne cobriu o rosto com a máscara e se virou para Ethan. —
Não sei por que você está sendo tão legal, mas obrigada — disse
ela, reunindo o máximo de dignidade que podia.
— Talvez eu saiba como é viver com um coração partido — ele
disse rispidamente.
Daphne prendeu a respiração. Ela não conseguia entender a
expressão de Ethan. Ele estava olhando para ela como se ela não
tivesse segredos para ele, como se ele pudesse ver através do
plástico dourado de sua máscara para a segunda máscara abaixo –
seu rosto perfeito – e então ainda mais longe, sob sua pele e seus
músculos para a pegajosa ambição sombria embaixo. Nada disso o
incomodou.
Ethan acenou com a cabeça uma vez antes de voltar para a festa.
Enquanto ele se afastava, os olhos de Daphne permaneceram em
sua nuca, entre a linha do cabelo e a gola de sua camisa. Ela sabia
que não deveria estar olhando para Ethan assim. Mas não
importava mais, agora que ela e Jefferson tinham acabado.
Exceto... isso tinha que acabar? Ela estava realmente pronta para
admitir a derrota?
Daphne fechou os olhos, se encostando na parede enquanto sua
mente repassava suas várias opções. Ela sorriu em um súbito
lampejo de inspiração.
Este jogo entre ela e Nina não tinha terminado, não enquanto
Daphne ainda tinha um último movimento para fazer.
BEATRICE

Na semana seguinte, Beatrice acordou com Connor se mexendo ao


lado dela. A luz do amanhecer vazava pelas cortinas de seu quarto,
lançando um brilho perolado sobre o papel de parede marfim, o
tapete azul claro, os travesseiros de renda espumosos. Quando ela
se mudou para cá do berçário, Beatrice costumava imaginar que
estava adormecendo dentro de uma nuvem.
— Não vá — ela implorou, e instintivamente puxou ele de volta
para baixo para que ela se deitasse contra ele. Ela se afundou mais
nos lençóis, que estavam costurados no canto com o brasão real.
— Mais cinco minutos — Connor soprou em seu cabelo. Ele não
se incomodou em lembrar de como isso era perigoso. Ambos
conheciam os riscos.
Eles estavam se esgueirando desde aquela noite na cabana em
Montrose. Beatrice desejou que a tempestade de neve tivesse
durado semanas, desejou que ela e Connor ainda estivessem lá
agora, afastados do resto do mundo. Mas as estradas foram
reabertas na tarde seguinte, deixando-a sem escolha a não ser
seguir para Telluride, para a festa anual de Ano Novo de sua família
– e para Teddy.
Ao entrar na festa, Beatrice roçou os dedos nos de Connor: um
lembrete rápido e sutil de que ela era dele. A única resposta de
Connor foi um leve aperto na mandíbula quando Teddy apareceu. E
os olhares territoriais que ele continuou enviando a ela a noite toda
do canto da sala.
A vida de Beatrice agora parecia dividida em duas partes. Existia
seu eu público, que ia a eventos com Teddy, que mecanicamente
executava suas funções como herdeira do trono.
E então existia seus momentos roubados com Connor.
Ele entrava furtivamente em seu quarto todas as noites, quando a
segurança mudava para o turno da noite, e saía novamente ao
amanhecer. Eles não estavam fazendo tudo, mas ainda assim,
Beatrice mal dormiu a semana toda. Ela se oferecera, uma vez, para
ir ao quarto dele, mas a recusa de Connor fora inflexível. Se alguém
pegasse Connor fora de seus quartos em horários estranhos, eles
poderiam pelo menos dar uma explicação plausível. Não havia
motivo para a princesa real estar no corredor dos funcionários do
terceiro andar.
Cada manhã Connor demorava um minuto ou dois a mais, os dois
estendendo a noite como se não pudessem suportar o fim dela.
Eles conversaram por horas sobre tudo no mundo, exceto isso - a
loucura absoluta do que estavam fazendo. Era como se ambos
pensassem que poderiam continuar se safando, desde que nunca
falassem sobre isso em voz alta.
Beatrice sabia que eles deveriam conversar sobre isso. Se ela
fosse mais corajosa, ela se voltaria para Connor e faria a mesma
pergunta: ‘‘O que estamos fazendo?’’, Mas então, ela já sabia a
resposta.
Eles estavam sendo imprudentes e tolos; eles estavam
desafiando o destino; eles estavam quebrando as regras; eles
estavam se apaixonando.
Ou eles já haviam se apaixonado há muito tempo e só agora
tiveram a chance de agir sobre isso.
Ultimamente, Beatrice tinha começado a deixar outro pensamento
tomar conta de sua mente, um tão radical que ela nem mesmo tinha
expressado em voz alta.
E se houvesse uma maneira de eles ficarem juntos?
Claro, nenhum plebeu jamais se casou com alguém da família
real. Mas nenhuma mulher jamais sentou no trono antes, também.
Os tempos estavam mudando. Talvez um futuro com Connor não
fosse tão impossível quanto ela pensava.
Beatrice se apoiou em um cotovelo, para olhar para a forma
estendida de Connor. Ela traçou seus dedos levemente ao longo de
sua mandíbula, áspera com a barba por fazer, saboreando o arrepio
que seu toque evocou.
Ela deixou sua mão deslizar ainda mais para baixo; sobre seus
ombros esculpidos, ao longo da força de seus antebraços. Connor
engoliu em seco. Ela sentiu o pulso dele saltar sob a pele, tão
errático e febril quanto o dela.
Finalmente, as pontas dos dedos dela pousaram sobre o coração
dele, acima das linhas amplas de sua tatuagem. Ela amava poder
finalmente ver.
— Você vai me contar a história por trás disso?
Era uma águia desenhada sobre os planos largos do peito de
Connor em tinta preta. Suas asas enormes estavam abertas, se
estendendo do topo das costelas até a base da garganta. Havia
uma ousadia nas linhas que evocavam movimento e uma firme força
eterna.
— É o símbolo original da Guarda Revere, de quando a Guarda
era apenas alguns homens guardando o Rei Eduardo I. Bem, não é
o símbolo original — corrigiu Connor. — Nenhum dos desenhos dele
sobreviveu. Este é apenas um esboço moderno, baseado em
descrições de jornais antigos. Eu consegui depois de nossa primeira
turnê de serviço, depois que perdi um de meus colegas guardas —
acrescentou ele, com os olhos sombreados.
Beatrice segurou a palma da mão contra as batidas constantes do
coração de Connor. — Quem desenhou para você?
— Eu que desenhei.
Ele desviou o olhar, constrangido, mas Beatrice manteve os olhos
nos dele. — É magnífico. Eu não tinha ideia de que você era um
artista.
— Eu não sou. Minha mãe é a artista — argumentou Connor. —
Eu sou apenas um cara com uma caneta e tinta.
— Hmm — Beatrice murmurou. — Por mais que fosse gostar de
debater seu talento artístico, posso pensar em maneiras melhores
de usar nosso tempo. Se eu tiver mais alguns minutos, vou fazer
valer a pena. — Ela se inclinou para roubar um beijo rápido
Quando ela se afastou, ela se assustou com a expressão de seu
guarda. — Sinto muito, Bee. Eu gostaria que não tivesse que ser
assim. Tenho certeza de que nenhum outro garoto fez você se
esconder assim.
— Em primeiro lugar, não posso acreditar que você disse
esconder — declarou Beatrice, o que provocou a sombra de um
sorriso. — E em segundo lugar, nenhum desses caras importava. O
príncipe Nikolaos e eu tivemos os encontros mais miseráveis de
todos os tempos.
Ela estava evitando propositalmente a menção a Teddy, mas
empurrou sua culpa de lado.
— E você? Você tem alguém... — ela parou antes que pudesse
terminar a frase.
— Ninguém, realmente — respondeu Connor. — O Guarda
Revere não deixa tempo para muito mais. Como você, não tive a
oportunidade.
— Mas na noite do Baile da Rainha, você me disse que já tinha se
apaixonado antes. — Estou feliz por você, ela disse friamente, ao
que ele respondeu: Você não deveria estar.
Pareceu levar um momento para Connor se lembrar da conversa.
Quando o fez, seus olhos azul-acinzentados brilharam por dentro. —
Bee. Eu estava falando sobre você.
O mundo desacelerou e depois parou.
Antes que Connor pudesse reagir, Beatrice se levantou de modo
que ficasse sentada em cima dele, montada em seu torso. — Eu
também te amo — disse ela, rindo um pouco de sua alegria
estonteante e delirante. — Eu te amo, eu te amo, eu te amo.
Beatrice teve a sensação de ser a primeira pessoa na história a
dizer essas palavras – que antes eram apenas sílabas vazias,
nunca tinham significado nada até que ela falasse agora, para
Connor.
Ela disse isso repetidamente, beijando-o a cada vez: no nariz, na
têmpora, no canto da boca. Um beijo por todas as noites que
passaram separados antes de se descobrirem. Um beijo por tudo
que Connor havia sofrido, pelas linhas de tinta que caíam sobre sua
pele. Um beijo para o futuro que Beatrice dificilmente ousaria
esperar.
Ela sentiu Connor sorrir, mesmo quando um rosnado baixo ecoou
em seu peito. Ele estendeu a mão para puxar ela para mais perto,
passando a mão pelas costas dela, a outra emaranhada em seu
cabelo...
O interfone na mesa de cabeceira de Beatrice emitiu um zumbido
raivoso.
Ela deu um suspiro e deslizou para fora da cama, pressionando o
botão verde brilhante do interfone. — Sim?
— Vossa Alteza Real, seu pai pediu para vê-la em seu escritório.
— Foi Robert.
— Agora? — Beatrice olhou por cima do ombro nu para Connor,
mas ele já estava fora da cama, fechando os botões da frente da
camisa. — Vamos nos apressar?
— Não — respondeu Robert. — Venha assim que estiver pronta.
— Eu estarei lá em dez minutos — Beatrice concedeu. Ela ouviu o
sussurro da porta da frente se fechando e percebeu que Connor já
tinha saído.
Quando ela saiu da sala de estar vestindo jeans e um suéter cor
de beringela profundo, ele estava em posição de sentido no
corredor, como se tivesse acabado de chegar pela manhã. — Oh,
Connor — ela fingiu dizer. — Me acompanha até o escritório do meu
pai?
Ele acenou com a cabeça e caminhou ao lado dela. — Parece
que reconheço esse uniforme — acrescentou Beatrice com
indiferença. — Alguma chance de ser o que você usou ontem?
— Vou fazer você pagar por isso — disse Connor. Seu olhar ainda
estava fixo à frente, mas sua boca se curvou em um sorriso.
— Estou ansiosa por isso — Beatrice respondeu, e ficou satisfeita
com a maneira como Connor quase tropeçou.
Quando chegaram à entrada do escritório de Sua Majestade,
Connor se afastou para ficar em frente à Guarda de seu pai.
Beatrice bateu nas portas duplas, esperando a resposta abafada de
seu pai antes de abri-las.
Este sempre foi seu cômodo favorito no palácio, repleto de calor e
madeira escura. Duas estantes enormes continham a biblioteca
particular de seu pai, a maioria volumes encadernados em couro de
história e direito, embora perdido por ali houvesse um ou outro
thriller de bolso. Na parede brilhava um painel de alarme habilitado
para biossegurança.
Diante da janela estava a escrivaninha do rei, feita de carvalho
pesado e coberta com couro. Estava repleto de papéis e pedidos
oficiais. Uma caneta-tinteiro cerimonial banhada a ouro – com a qual
o rei assinou todas as leis, tratados e correspondência oficial -
estava apoiada em seu pedestal.
Seu pai estava no sofá de couro perto da lareira, um velho álbum
de fotos no colo. Beatrice se sentou ao lado dele, estranhamente
paralisada por algo em seus modos.
— Desculpe por ter chamado você aqui tão cedo. Eu não
conseguia dormir — confessou o rei. — Preciso falar com você
sobre uma coisa e não posso esperar mais.
— Ok — Beatrice disse hesitantemente.
Ele passou para ela o álbum de fotos. — Este foi o dia mais feliz
da minha vida, você sabe. Exceto pelo dia em que me casei com
sua mãe.
Ele fez uma pausa nas fotos do St. Stephen’s Hospital, tiradas no
dia em que ela nasceu: closes de Beatrice enrolada em um cobertor
de lã branca, seus pequenos punhos fechados e, em seguida, as
fotos de família posadas na escada externa.
— Estas são ótimas fotos. — Beatrice nunca deixou de se
surpreender com como sua mãe parecia linda logo após o parto. Ela
fazia questão de usar seus velhos jeans pré-gravidez do hospital, só
porque podia.
— Sua mãe e eu estávamos completamente apaixonados — o rei
continuou, seu olhar se suavizando. — Você era essa criatura
perfeita que pertencia a nós, mas estava claro que você pertencia a
todos os outros também. Houve essas cenas fora do hospital
naquele dia, Beatrice. Mesmo assim, a América a adorava.
Beatrice adorava quando ele sorria assim. Quando ele deixava de
ser o rei e voltava a ser seu pai.
Ela continuou a folhear as páginas, passando por fotos da escola
e do jardim, até um jantar oficial onde Beatrice tinha adormecido no
colo da mãe. — O que fez você decidir olhar isso?
— Só... relembrando — seu pai disse vagamente. — A propósito,
tenho algo para você.
Ele se arrastou até a mesa, voltando com um livro esfarrapado
encadernado em tecido. As páginas eram enrugadas e amarelas,
com aquele cheiro distinto de papel envelhecido. Ela abriu na
primeira página, curiosa.
A Constituição americana, dizia, em letras maiúsculas em negrito.
Artigo I: A Coroa.
Alguém havia sublinhado o parágrafo inicial: O Rei é o Chefe de
Estado, o símbolo de sua Unidade, Glória e Permanência. Ao
ascender ao trono deste Reino, o Rei é encarregado por Deus de
administrar o governo desta Nação de acordo com suas leis e de
proteger os direitos de seu povo. O Rei assume a mais alta
representação do Estado americano nas Relações Internacionais…
O Rei, o Rei, dizia sem parar. Os Pais Fundadores nunca
imaginaram que uma mulher pudesse governar sua nação.
Beatrice fez uma nota mental para revisar a Constituição para que
ela dissesse o Soberano em seu lugar.
— Esta era a cópia antiga do seu avô, e depois a minha. Você
encontrará algumas de nossas anotações nas margens. Espero que
você busque orientação com isso — seu pai disse a ela em um tom
estranho. — Ser o monarca é um trabalho solitário, Beatrice.
Quando você tiver uma pergunta algum dia, depois que eu sair,
prometa que procurará aqui a resposta.
Ele geralmente não era tão mórbido. Mas então, essa sempre foi
a parte mais estranha de ser herdeira do trono: o fato de que ela
passou a vida inteira treinando para um trabalho que só assumiria
quando seu pai morresse.
— Felizmente isso demorará muito — disse Beatrice com firmeza.
O rei olhou para os anéis em suas mãos entrelaçadas. — Não
tenho certeza se é esse o caso.
Seu coração pulou uma batida. — O que você quer dizer?
Quando seu pai olhou para ela, cada linha de seu rosto estava
gravada com tristeza. — Beatrice, fui diagnosticado com câncer de
pulmão em estágio quatro.
O ar pareceu sair abruptamente da sala. Tudo estava em silêncio,
como se o relógio de pêndulo no canto tivesse parado no tempo,
como se até o vento lá fora tivesse parado com as palavras de seu
pai.
Não. Não poderia ser possível, não, não, não...
— Não! — Beatrice não se lembrava de estar de pé, mas de
alguma forma ela estava. — Quem é o seu médico? Eu quero ir com
você, revisar seu plano de tratamento — ela disse freneticamente,
pensando em voz alta. — Você pode vencer isso, pai, tenho certeza
que pode; você é a pessoa mais forte que conheço.
— Beatrice. — A voz de seu pai falhou. — Está no estágio quatro.
Não há plano de tratamento.
Demorou um pouco para que a implicação de suas palavras fosse
absorvida.
A dor explodiu em sua cabeça. E havia um rugido em seus
ouvidos, o som de diferentes pedaços da realidade se fragmentando
e se estilhaçando ao seu redor.
— Pai… — Beatrice sussurrou, com os olhos ardendo, e ela viu
que as lágrimas escorriam pelo rosto dele também, quando ele
assentiu.
— Eu sei — disse ele pesadamente. — Eu sei.
Ela desabou no sofá e jogou os braços em volta dos ombros dele.
Seu pai apenas a abraçou e a deixou chorar, grandes soluços
desamparados que abriram seu peito por dentro. Ele passou a mão
levemente pelas costas dela, do jeito que costumava confortá-la
quando ela era criança. Isso fez Beatrice desejar que ela pudesse
derreter ao voltar ao tamanho de uma menina: voltar para quando
tudo era tão simples, quando um beijo e um band-aid podiam
resolver quase todos os problemas.
Ela não conseguia suportar a ideia de perdê-lo. O pai dela, que
costumava jogar ela na piscina e fingir que estava lançando-a no
espaço; que lia histórias para sua lontra de pelúcia quando ela era
orgulhosa demais para pedir para si mesma; que sempre foi seu
maior defensor e campeão mais feroz. Seu pai – e também seu rei.
— Eu te amo, pai — ela sussurrou através do nó em sua
garganta.
— Eu te amo tanto, Beatrice — ele disse a ela, mais e mais. A voz
dele estava firme, mas ela percebeu que ele ainda chorava, porque
o cabelo dela estava úmido com as lágrimas.
Ele não precisava dizer para que Beatrice soubesse o que ele
estava pensando. Ela precisava chorar tudo agora, em particular,
porque ela não teria outro momento como este. De agora em diante,
ela precisaria ser dura, pelo bem de seu pai. Para sua família. E,
acima de tudo, para o de seu país.
A determinação de Beatrice vacilou um pouco ao pensar no que
estava por vir - o fato de que ela teria que governar, muito mais cedo
do que ela jamais imaginou - mas ela lidaria com isso mais tarde.
Esse medo não era nada comparado à dor que a percorria.
Eventualmente ela se recostou, seus soluços diminuindo. A luz da
manhã filtrada pela janela para dançar sobre o tapete enrolado sob
seus pés.
— Quem mais sabe? — ela perguntou, ainda fungando. — Você
contou para a mamãe?
— Ainda não. — A voz do rei parecia áspera. — E se eu pudesse
evitar contar a você, eu evitaria. Gostaria que tivesse uma maneira
de contar a Beatrice, minha sucessora, sem contar a Beatrice,
minha filha. É uma questão de estado, uma questão entre monarcas
— disse seu pai.
— Eu entendo. — Beatrice desejou ser forte para seu pai, para
ser Beatrice a sucessora. Mas Beatrice, a filha, não conseguia
conter as lágrimas silenciosas que corriam por seu rosto.
— Eu prometo que contarei a sua mãe em breve… e a Sam e Jeff
— seu pai se apressou a acrescentar. — Mas agora eu quero
aproveitar este tempo, por mais longo que seja, sem a sombra da
minha doença pairando sobre nós. E por todo o país.
Como que para provar o pouco tempo que lhe restava, ele teve
um acesso de tosse: uma tosse forte e violenta que pareceu abalar
todo o seu corpo. Finalmente, ele olhou para ela, sua boca definida
em uma linha sombria.
— Quanto tempo? — ela perguntou.
— Esperançosamente um ano — seu pai disse suavemente. —
Mais provavelmente, meses.
Beatrice mordeu o lábio até sentir que ia tirar sangue.
— Você será uma grande rainha. — Seu pai falava devagar, como
se escolhesse as palavras com cuidado. — Mas, como eu disse
antes, esse não é um trabalho fácil. É muito mais do que o trabalho
de caridade ou a política. As reuniões do Gabinete, as nomeações
de embaixador, sendo o comandante-chefe das forças armadas.
Mais do que tudo isso, o papel mais importante do monarca ainda é
simbólico.
— Quando você for rainha, as pessoas vão olhar para você como
o símbolo máximo de estabilidade em um mundo confuso e em
constante mudança. A coroa é o elo mágico que mantém este país
unido, que mantém todos os diferentes estados e partidos políticos e
tipos de pessoas pacificamente interligadas.
Beatrice já tinha ouvido tudo isso antes. Mas ao ouvir agora,
sabendo que sua hora chegaria muito rápido, ela sentiu o
sentimento assumir um significado totalmente novo.
— Eu só estou… — Ela apoiou as mãos no tecido da calça jeans
para se firmar. — Não estou pronta para isso.
— Bom. Se você pensasse que estava pronta, teria sido a prova
certa de que você não está — o rei disse rispidamente, mas com
calor inconfundível. — Ninguém está pronto para isso, Beatrice. Eu
certamente não estava.
Seu coração foi rapidamente da tristeza ao pânico. — Estou com
medo de errar.
Em vez de amenizar seus medos, seu pai apenas assentiu. —
Você vai. Incontáveis vezes.
— Mas…
— Você acha que seus predecessores nunca cometeram erros?
— Ele perguntou, então respondeu rapidamente sua própria
pergunta. — Claro que sim. A história de nossa nação é tecida de
seus erros de julgamento, de suas decisões erradas, tanto quanto
de suas realizações.
Beatrice seguiu o olhar de seu pai até o retrato do Rei George I
que estava pendurado acima da lareira. Ela sabia exatamente do
que seu pai estava falando, porque era algo que eles haviam
discutido antes; o horror da escravidão.
George I sabia que a escravidão era errada; ele tinha libertado
todos os seus escravos após sua morte. Talvez se ele tivesse dado
ouvidos à sua consciência em vez de aos congressistas do sul, ele
teria abolido a instituição por completo. Em vez disso, isso não
aconteceu por mais duas gerações.
— Eu gostaria de poder dizer a você que se tornar o monarca lhe
dará um julgamento infalível. Se assim fosse, talvez a América
tivesse uma história da qual eu inequivocamente me sentiria
orgulhoso de representar. Seu pai deu um suspiro de
desapontamento. — Mas, infelizmente, esta é a história que temos.
Beatrice nunca tinha pensado muito nessa parte do trabalho. Que,
como símbolo vivo da América, ela seria a herdeira do legado da
nação, tanto os maus quanto os bons.
— Eu gostaria que pudéssemos apagar tudo isso, aquelas
atrocidades — ela gaguejou, e ficou surpresa com a resposta de seu
pai.
— Nunca diga isso — ele insistiu. — Diga que você quer
consertar as coisas, construir um futuro melhor. Mas apagar o
passado, ou pior, tentar reescrevê-lo, é a ferramenta dos déspotas.
Só nos envolvendo com o passado podemos evitar repeti-lo.
Beatrice se lembrou de algo que seu tutor de história costumava
dizer: uma boa rainha aprende com seus erros, mas uma grande
rainha aprende com os erros dos outros.
Ela pegou o álbum de fotos, que escorregou de seu colo para o
tapete. Ele tinha caído aberto em uma foto de uma aparência de
varanda antiga. Os olhos de Beatrice rapidamente passaram por
seus pais acenando para se concentrar no mar turbulento de
pessoas abaixo. A visão deles, o grande número deles, de repente
parecia opressor.
— Como você faz isso? — ela sussurrou. — Como eu poderia
representar dezenas de milhões de pessoas que desejam coisas tão
diferentes? Especialmente quando…
Ela não terminou a frase, mas seu pai sempre foi capaz de
adivinhar a direção de seus pensamentos. — Especialmente quando
alguns deles preferem Jefferson do que você?
— Sim, exatamente!
— Você faz isso com graça — ele disse suavemente. — Você
ouve essas pessoas com respeito e tenta atender às suas
preocupações, mesmo quando elas se recusam a lhe conceder a
mesma cortesia. Porque você será a rainha deles. Quer gostem ou
não.
Beatrice passou para outra página do álbum de fotos. Ela sabia
que seu pai estava certo. Mas às vezes – quando os jornais a
acusavam de ‘‘ficar emocionada’’ , o que quer que isso significasse,
ou quando a mídia passava mais tempo criticando suas roupas do
que suas políticas – ela desejava poder agir com um pouco menos
de graça e um pouco mais de agressão. Que ela poderia ser um
pouco mais como Samantha.
Ela piscou, surpresa com o último pensamento.
— Beatrice — continuou o pai, parecendo hesitante. — Tem uma
coisa que eu gostaria de perguntar a você.
— Claro — disse ela automaticamente.
— Você é a futura rainha, e as pessoas a conhecem, amam você,
desde que você nasceu. Mas, como você apontou, ainda existem
muitos americanos que não estão prontos para ter uma mulher no
comando. — Ele suspirou. — Odeio dizer isso, mas nem todo
mundo vai gostar da ideia de você subir ao trono como uma jovem,
sozinha. A transição seria muito mais fácil para você se você tivesse
um rei consorte ao seu lado.
Não. Certamente ele não estava pedindo isso a ela.
— Eu-eu não entendo — ela gaguejou. — Você acabou de me
dizer que nosso dever é aprender com os erros de nossos
antepassados. Para ser melhor do que eles.
Seu pai inclinou a cabeça em concordância. — Isto é.
— Mas sugerindo que eu me case... Você está dizendo que não
posso fazer o trabalho sozinha.
— Ninguém pode fazer este trabalho sozinho — o rei esclareceu e
tentou um sorriso. — Beatrice, este é o papel mais difícil do mundo,
e nunca diminui ou oferece qualquer tipo de adiamento. Eu te amo
demais para deixar você assumir esse fardo sem alguém para
compartilhar.
Beatrice abriu a boca em protesto, mas nenhuma palavra saiu.
Seu pai não pareceu notar.
— Eu não sugeriria se não achasse que você estava pronta, mas
vi você e Teddy na festa de ano novo. Vocês pareciam tão à vontade
um com o outro, combinando tanto. E mais do que isso, você não
conseguia parar de sorrir para si mesma. Você parecia tão feliz. — A
voz de seu pai era urgente e sincera.
Beatrice empalideceu. Se ela parecia assim no Ano Novo, era por
causa dos olhares secretos que ela trocou com Connor. Não tinha
nada a ver com Teddy.
— Eu só... eu não conheço Teddy há muito tempo — ela
gaguejou. — Faz apenas um mês.
— Sua mãe e eu tivemos apenas onze encontros antes de nos
casarmos, e veja o que aconteceu para conosco. — A expressão de
seu pai suavizou, como sempre acontecia com a menção de sua
mãe. — Eu sei que outras pessoas às vezes esperam anos antes de
se comprometerem com decisões como esta, mas não somos como
as outras pessoas. E seus instintos sobre Teddy são sólidos. Pude
passar mais algum tempo com ele em Telluride e gostei do que vi.
Ele tem força, integridade e humildade e, acima de tudo, um
coração caloroso.
Beatrice torceu as mãos no colo — Não estou pronta para ficar
noiva.
— Eu sei que isso parece rápido. Mas me deixe dizer por
experiência própria, você seria miserável como soberano sem um
parceiro para ajudar você a enfrentar isso. É um trabalho tão
solitário e isolador. — Os olhos de seu pai brilharam. — Teddy vai
cuidar bem de você.
Beatrice colocou os braços em volta do peito, tentando não
pensar em Connor. — Tudo parece tão… — Esmagador, impossível,
injusto. — Parece demais — ela terminou.
Seu pai assentiu. — Eu entendo se isso for muito rápido para
você. Mas sempre sonhei em levar você até o altar. Adoraria fazer
isso antes de morrer — concluiu.
Essas três palavras, antes de eu morrer, parecem ecoar
lamentosamente pela sala.
Essas palavras eram como a régua que o professor de etiqueta
de Beatrice usava para bater em seus dedos, com o intuito de trazê-
la bruscamente de volta à realidade. Todas as coisas que ela estava
sonhando esta manhã pareciam exatamente assim: sonhos. Sonhos
tolos, impossíveis e sem esperança.
De agora em diante, vocês são duas pessoas ao mesmo tempo:
Beatrice, a garota, e Beatrice, a herdeira da Coroa. Quando elas
querem coisas diferentes, a Coroa deve vencer. Sempre.
Ela pensou na tarefa que tinha pela frente: em todas as coisas
que ela teria que incorporar, construir, melhorar e unir. De todos os
milhões de pessoas cujas vozes ela foi encarregada de representar.
O peso colossal desse dever caiu sobre seus ombros como uma
capa costurada com pedras, pressionando-a para baixo.
A coluna de Beatrice endureceu instintivamente, seus ombros se
endireitaram, apoiando sob aquele peso. Aquele podia ser um fardo
quase impossível, mas era o fardo dela. Aquele para o qual ela se
preparou por toda a vida.
Ela nunca poderia ficar com Connor. Ela sabia disso, e ele
também. Os dois não disseram isso naquela noite em Montrose,
antes de se atirarem um contra o outro?
— Eu te amo, Beatrice — seu pai disse a ela. — Independente da
sua decisão. E estou tão orgulhoso de você.
Beatrice esfregou os olhos, estendeu a mão para passar os dedos
pelos cabelos e respirou fundo. De alguma forma, ela encontrou
autocontrole para se levantar.
— Eu também te amo, pai — ela disse a ele. Envolvida nessa
frase estava sua promessa, seu voto solene; parte do mesmo voto
que ela havia feito há muito tempo, que havia sido jurada em seu
nome no momento em que ela nasceu. Ela viu que seu pai
entendeu, porque suas feições relaxaram visivelmente com alívio.
Ela sabia, agora, o que tinha que fazer.
NINA

— Estou pensando em abandonar os Estudos de Cinema —


anunciou Rachel, estendendo a mão sobre a mesa para pegar uma
das batatas fritas de Nina.
Eles estavam no refeitório dos calouros na Universidade Real. Era
um dos prédios mais antigos do campus; o teto arqueado de
madeira se erguia bem acima deles, e enormes luzes estavam
penduradas sobre cada mesa.
— Eu também — concordou Logan, o cara que Rachel estava
saindo de novo, de vez em quando. Eles deviam estar juntos de
novo agora, da maneira como estiveram deliberadamente batendo
os cotovelos durante a refeição.
— Espere, por quê? — perguntou Nina. Quando Rachel tentou
roubar outra batata frita, ela deslizou o prato pela mesa, divertida.
Os três concordaram em fazer Estudos de Cinema juntos: Rachel
e Logan precisavam de um crédito em artes plásticas e, quanto a
Nina achava que parecia interessante. Além disso, contou para seu
GPA departamental. Vantagens de se formar em inglês.
Logan deu de ombros. — Muito trabalho. Quem quer assistir às
exibições de filmes todas as quintas à noite?
— Você ainda pode sair às sextas e sábados — Nina o lembrou.
— E às terças, quartas e domingos — Rachel acrescentou, só um
pouco brincando. Nina sabia que ela ia a festas praticamente todos
os dias da semana. Honestamente, ela gostava; a qualquer
momento que sentisse vontade de fazer algo, ela poderia contar
com Rachel para saber o que estava acontecendo.
Nina recostou-se na cadeira, abafando um bocejo. Ela foi ao
palácio na noite passada para se aninhar em uma das salas de
mídia e assistir a um filme com Jeff. Depois que eles se deram bem
em Telluride, parecia bobo dizer a ele que ela não poderia ir –
embora Nina ainda se sentisse estranha por se esgueirar, tentando
evitar Sam.
Quando o filme acabou, Jeff insistiu em voltar no carro com ela: —
Um namorado normal te levaria para casa.
— Um namorado normal me acompanharia até minha porta —
Nina rebateu.
Talvez porque fosse tão tarde, o campus silencioso e deserto, Jeff
levou suas palavras a sério. Ignorando o grunhido zangado de
desaprovação de seu oficial de proteção, ele seguiu Nina para fora
do carro e a acompanhou até a entrada de seu dormitório,
observando enquanto ela passava a identidade do campus no leitor
de cartão-chave.
— Que nunca seja dito que eu não posso agir como um namorado
normal. Pelo menos uma fração do tempo — ele provocou, e deu
um beijo rápido em sua boca.
Nina sorriu com a lembrança de sua consideração e começou a
empurrar a cadeira da sala de jantar para trás. — Algum de vocês
quer Froyo? Eu vi que a máquina tem caramelo salgado hoje.
— Você poderia me trazer um pouco? — Rachel estava com o
telefone na mão e folheava preguiçosamente o feed de notícias —
Você ainda me deve, já que perdeu minha festa de ano novo.
— Estive doente — era uma mentira frágil, mas Nina não tinha
pensado em nada melhor.
Ela estava ficando cansada de todos os segredos que não
paravam de invadir sua vida, se multiplicando e se construindo.
— Tudo bem, tudo bem, vou com você — Rachel começou a
ficar... e congelou. Ela estava olhando para algo em seu telefone, a
boca aberta em choque.
— Tudo certo?
Logan se inclinou em direção a Rachel para ler sobre seu ombro.
Seus olhos se arregalaram e ele os ergueu incrédulo para Nina.
— Você está namorando o príncipe?
O estômago de Nina despencou. — Como…
Rachel silenciosamente deslizou seu telefone pela mesa.
Nina ficou surpresa ao ver seu próprio rosto espalhado na página
inicial do Daily News. A NOVA MENINA SECRETA DO PRÍNCIPE! publicou a
manchete, que foi postada apenas quinze minutos atrás – junto com
as fotos dela e de Jeff, do beijo de despedida da noite anterior.
— Eu reconheço aquele arco! Nina! — Rachel gritou, incrédula —
Você andou beijando o Príncipe Jefferson do lado de fora do nosso
dormitório e nunca me contou? — alguns alunos nas mesas
próximas se viraram em sua direção, curiosos.
— Oh, meu Deus — Nina sussurrou, sua mente a mil.
Alguém deve saber sobre eles. Ela não tinha visto ninguém por
perto na noite passada, e pela alta resolução da foto, ela poderia
dizer que não tinha sido tirada com um telefone. Este não foi um
encontro acidental da realeza.
Alguém estava esperando por eles, estacionado do outro lado do
pátio com uma câmera de lente longa, apenas esperando a chance
de conseguir uma foto como esta. Mas quem possivelmente sabia?
Jeff contou a alguém?
Nina deu um zoom para olhar as fotos com mais detalhes, então
estremeceu de arrependimento imediato. Ela parecia desgrenhada e
desleixada. Seu casaco não estava fechado e, por baixo dele, sua
camisa estava subindo, revelando uma linha da barriga nua. De
alguma forma, o ângulo dava a impressão de que era ela quem
estava enrolada em Jeff, como se estivesse se aproximando dele de
forma bastante agressiva.
O artigo continha verdades suficientes para torná-lo
perigosamente confiável. Afirmava que Nina era filha da Ministra do
Tesouro, que por acaso também era a ex-camareira do rei, e que ela
agora frequentava a faculdade a apenas alguns quilômetros do
palácio – que ela aparentemente escolheu porque queria ficar perto
de Jeff. Ela era claramente uma prostituta de fama, uma alpinista
social – “embora o príncipe esteja muito acima dela, alpinista social
é um termo melhor”, apontava o artigo.
Pessoas que Nina mal conhecia saíram do buraco para denunciá-
la: Ela não era nem mesmo bonita ou legal o suficiente para ir ao
baile, soltou uma garota na classe de Nina no colégio, que falou sob
condição de anonimato. Ela é amiga da princesa Samantha há anos
e, durante todo o tempo em que usou a princesa para ter acesso a
Jeff, outra pessoa se intrometeu. O artigo até localizou uma foto
nada lisonjeira de um dos jogos de futebol no outono – com Nina ao
fundo, dando uma enorme mordida em um cachorro-quente
enquanto a mostarda escorria por sua camisa.
A foto ao lado era de Daphne Deighton lendo para crianças na ala
infantil do hospital. Quando as compara uma ao lado da outra, Nina
parece... uma porcaria.
— A imagem realmente não é tão ruim — disse Rachel,
observando o rosto de Nina. — Pelo menos você tem um apetite
saudável? E espírito escolar!
— Daphne Deighton nunca permitiria que esse tipo de foto fosse
tirada — Nina disse calmamente. Porque esse era o problema, não
era? Ela não era Daphne.
As pessoas não hesitaram em dizer isso nos comentários. Nina
ficou surpresa com o quão cruel eles eram. Todos pareciam ter seus
próprios motivos para desprezá-la – porque ela tinha duas mães, ou
porque era latina, ou simplesmente porque era uma plebéia. Eles
atacaram sua tatuagem, sua cartilagem perfurada e seu guarda-
roupa moderno. #TeamDaphne, gritou um comentador após o outro.
Sério, Jeff, livre-se daquela plebeia asquerosa
Eu não sei quem ela é, mas eu a odeio
O começo do fim para a família real
Ou, o mais estranho de tudo: Não se preocupe, a rainha
simplesmente mandará matá-la.
O sangue sumiu do rosto de Nina. Ela sabia que isso aconteceria,
disse a Jeff que a América nunca iria aprová-la como uma parceira
para seu amado príncipe. E os eventos ocorreram exatamente como
ela temia. No espaço de meia hora, ela passou do anonimato feliz
para a garota mais odiada da América.
Alguém deve ter começado a circular o artigo pelas cadeias de e-
mail do campus, porque de repente parecia que o refeitório,
normalmente com conversas em voz baixa, explodiu em fofoca
agitada. Nina afundou ainda mais no banco.
— Vou descobrir quem tirou aquela foto de futebol e incinerá-lo —
disse Rachel baixinho
Se ao menos fosse tão simples quanto uma única foto, Nina
pensou com tristeza. Embora ela ainda fosse grata pelo apoio
veemente e inquestionável de Rachel.
Ela olhou para o telefone e viu, tardiamente, que havia recebido
dezenas de mensagens de texto nos últimos dez minutos. A maioria
era de Jeff, variações de Você está bem? e Eu sinto muito e Por
favor me ligue. Uma boa parte do resto era de Samantha,
alternando entre as versões de Não acredito que você não me
contou!! e Estou ficando preocupada – por favor, me ligue?
As mães dela enviaram apenas uma mensagem: Estamos aqui se
você quiser voltar para casa e conversar.
Nina se obrigou a ficar de pé, ignorando os olhos famintos e
curiosos ao redor da sala. — Me desculpe, eu... eu tenho que... eu
não posso… — ela gaguejou. Rachel assentiu em compreensão.
De alguma forma, Nina conseguiu sair. Ela foi em direção ao
ponto de ônibus na esquina, envolvendo os braços em volta do
torso. Ela estava vestindo um casaco de lã fino, mas não teve
coragem de voltar ao seu quarto para pegar um casaco de verdade;
ela não podia esperar mais um instante antes de sair daqui. Ela
olhou para suas botas marrons grossas.
— Olha, é ela — alguém sussurrou. Nina olhou para cima e viu
duas mulheres olhando para seus telefones, depois para Nina e
novamente para a tela do celular. Elas começaram a tirar fotos
apressadas dela.
— Jeff poderia ter tido qualquer mulher na América, e esta é
quem ele escolheu?
— Ela está realmente prestes a pegar o ônibus conosco?
Eles não estavam mais fingindo manter suas vozes baixas.
Nina passou por elas com a cabeça erguida, pisando no meio-fio
para chamar um táxi. Ela não se lembrava de já ter ficado tão grata
por deslizar para o banco de trás antes. Ela disse ao motorista seu
endereço residencial e fechou os olhos.
Seu telefone não parava de zumbir. Nina procurou em sua bolsa e
viu que Samantha estava ligando, novamente. Ela começou a
aceitar – mas seu dedo parou sobre o ícone verde brilhante. Ela
realmente queria falar com Sam agora? Parte dela ansiava, mesmo
que apenas para descarregar um pouco disso em sua melhor
amiga. Mas ela sabia que também teria que explicar por que
manteve um segredo tão grande. Ela não tinha energia para essa
conversa agora.
— Senhorita? Tem certeza de que esta é a casa certa? — o
taxista perguntou hesitante. Nina ergueu os olhos e praguejou em
voz alta ao ver sua rua.
Estava inundado de paparazzi.
Sua casa não tinha qualquer tipo de portão ou cerca, então os
fotógrafos se aglomeraram no gramado da frente, em um
aglomerado de pelo menos seis pessoas de profundidade. No
momento em que perceberam que ela estava estacionando, eles
correram em direção ao carro, suas lâmpadas piscando em uma
erupção constante de luz.
— Esta é a casa certa — disse Nina com voz rouca. Ela empurrou
um maço de dinheiro para o motorista, então abriu a porta do carro
e tentou correr para a varanda.
Os paparazzi se arrastaram ao lado dela, enfiando as câmeras
em seu rosto, bombardeando-a com perguntas. Nina, querida, você
está apaixonada? Nina, como é o príncipe na cama?
Ela abaixou a cabeça e tentou se mover mais rápido, mas vários
deles dispararam à frente para ficar na frente dela, circulando-a
cada vez mais apertado, como um laço. Alguns deles realmente a
agarraram com mãos ásperas na tentativa de desacelerá-la.
Nina empurrou a porta da frente, atrapalhando-se com as chaves,
que deixou cair em sua confusão. Ela se ajoelhou para subir no
degrau da frente para pegá-las e, assim que as pegou, Julie abriu a
porta e puxou-a rapidamente para dentro.
A porta se fechou atrás dela, e o mundo inteiro passou do caos
estrondoso a um silêncio abençoado.
— Mãe — Nina disse, quebrada. Ela começou a dar um passo à
frente, mas a expressão de sua mãe a parou.
— Nina. Você tem um visitante — ela acenou com a cabeça para
o homem sentado em uma poltrona, uma perna cruzada sobre o
joelho oposto. Era o camareiro do rei, Lord Robert Standish. Seu
cabelo grisalho estava cortado rente, sua boca desenhada em uma
linha dura.
Isabella se sentou em frente a Robert, os dois olhando um para o
outro – dois pares de olhos castanhos guerreiros, um feroz e
protetor, um frio e desdenhoso.
— Senhorita Gonzalez — Robert começou, o que era
estranhamente formal; nas raras ocasiões em que ele se dirigiu a
Nina no passado, era sempre pelo primeiro nome dela — Por favor,
sente-se — ele ofereceu, como se esta não fosse a casa das
Gonzalez.
Bem, tecnicamente esta casa pertencia à Coroa. Era uma casa de
graça e favores: uma propriedade pertencente à família real e
alugada sem pagar aluguel para aqueles que trabalhavam em seu
serviço. Nina e suas mães moravam aqui há doze anos, desde que
sua mãe começou a trabalhar como camareira.
Nina permaneceu de pé. — Você não pode se livrar deles? — ela
sacudiu a cabeça em direção à porta da frente, para indicar as
hordas estridentes de paparazzi do lado de fora.
Robert estendeu as mãos em um gesto impotente. — Se você
fosse menor de idade, estaria protegida pelas leis de privacidade da
Comissão de Conformidade da Imprensa, mas agora que você tem
dezoito anos, há muito pouco que posso fazer.
Nina afundou no sofá azul profundo em frente a ele, ao lado de
Isabella. Sua mãe ocupou o lugar do outro lado. Era reconfortante,
Nina pensou, ter uma mãe de cada lado dela. Defendendo seus
flancos do ataque que certamente viria.
— Estou aqui para discutir seu relacionamento com Sua Alteza o
Príncipe Jefferson — Robert começou — Mas antes de
começarmos, deixe-me dizer que estou aqui a título não oficial. O
palácio não pode ser visto oficialmente encorajando esse tipo de
comportamento.
— Que tipo de comportamento? Nina não fez nada de errado! —
Isabella o desafiou. Julie silenciosamente pegou a mão de Nina e
apertou-a.
— Não podemos tolerar relações pré-matrimoniais — disse
Robert com cuidado — O que você deve saber, Isabella. Você já
esteve na minha posição antes.
Nina se contorceu. — Nós não... quero dizer… — ela não
conseguia acreditar que estava dizendo isso, mas sentiu a
necessidade de esclarecer. Não houve absolutamente nenhuma
relação pré-marital entre ela e Jeff.
Não que ela não tivesse considerado isso.
— Senhorita Gonzalez, essa parte de seu relacionamento não é
da minha conta — Robert se apressou em dizer — Estou aqui
simplesmente para discutir as aparências. Contanto que você e Sua
Alteza estejam juntos, precisaremos regulamentar estritamente
todas as viagens que você frequentar com a família Washington,
certifique-se de ficar em um prédio separado. Se eu soubesse —
acrescentou ele com força — teria alojado você na casa de
hóspedes em Telluride, junto com Lorde Eaton. Mas você
supostamente estava lá como um convidado de Sua Alteza, a
princesa Samantha.
Era irritantemente pomposo a maneira como Robert não
conseguia falar sobre ninguém sem usar seus títulos completos.
Mas se ela não tivesse permissão para ficar no palácio... — Isso
significa que Jeff pode vir me ver nos dormitórios?
Robert estremeceu. — Isso seria público demais.
Nina franziu os lábios. Ela não podia deixar de se perguntar como
essa conversa tinha sido quando o palácio tentou com Daphne
Deighton. Ou talvez nunca tenham tido. Talvez Daphne fosse tão
perfeita e adequada que ninguém jamais precisasse repreendê-la
por nada.
— Entendo. Sem festa do pijama real — ela disse rigidamente.
— E também precisaremos discutir sua segurança, agora que
você é uma figura de interesse público.
— Minha... segurança?
— Infelizmente, a menos que você esteja noiva ou casada com
um membro da família real, não podemos fornecer segurança
privada usando os dólares dos cidadãos pagantes de imposto. Eu
encorajo você a entrar em contato com o chefe de polícia local – ou
com a segurança do campus quando você estiver na escola – se
você se sentir insegura. Especialmente se qualquer um dos
repórteres e fotógrafos tentar obter entrada ilegal em sua casa.
— O quê? — a mãe de Nina gritou, seu rosto uma nuvem negra
de tempestade.
— Eles vão começar a vasculhar o seu lixo, então ou destrua-o ou
dirija você mesmo até o centro de processamento — disse Robert
em um tom irritantemente prático — Especialmente itens sensíveis,
como recibos ou receitas – eles vão separar as lixeiras para esse
tipo de coisa. Sinceramente espero que você não mantenha um
diário.
— Não desde que eu estava na terceira série.
Ele assentiu. — Quanto ao seu guarda-roupa. Infelizmente, a
menos que você esteja noiva ou casado com um membro da família
real — ele tinha esse discurso bem claro, Nina pensou, sem graça
— o palácio não pode ser visto financiando seu guarda-roupa. No
entanto, esperamos que você possa investir em algumas peças
novas se você planeja participar de quaisquer eventos futuros com
Sua Alteza. Eu sei que você e sua Alteza, a princesa Samantha, são
amigas, mas você não pode ser vista constantemente vestindo
vestidos dela. Os blogueiros de moda rastreiam suas escolhas de
roupas; eles são obrigados a notar.
Sua mãe soltou um silvo baixo. Nina sustentou o olhar do
camareiro. — Eu não sabia que minhas roupas eram um problema
— disse ela calmamente. Ele não tinha coisas melhores para fazer
do que se preocupar com as roupas dela?
O palácio definitivamente nunca teve essa parte da conversa com
Daphne, porque Daphne nunca pareceu menos do que
absolutamente perfeita.
Robert visivelmente lutou para encontrar uma resposta. — O
palácio prefere que as bainhas sejam mantidas logo acima do
joelho. E pode ser melhor se você não for fotografada de moletom
em público.
— Ela é uma estudante universitária — interrompeu a mãe de
Nina — Ela tem todo o direito de usar calças de moletom!
Mas Robert já havia mudado. Ele estendeu uma pasta de papel
manilha contendo um pacote pesado grampeado. Nina olhou para a
linha de abertura: A NÃO ASSINADA, NINA PEREZ GONZALEZ, CONCORDA EM
ASSINAR ESTE CONTRATO DE CONFIDENCIALIDADE.
Era um contrato de sigilo.
Nina já tinha visto isso antes: eles foram distribuídos para os
amigos de Samantha e Jefferson, para qualquer pessoa que eles
convidaram para o palácio ou que compareceram a uma de suas
festas. Mas nunca em todos os seus anos de amizade com a
princesa alguém havia pedido um dela.
Sua mãe se levantou, gesticulando em direção à porta da frente.
— Acho que terminamos aqui. Sinta-se à vontade para dizer à
imprensa reunida que eles também podem sair.
Mas algo mais ocorreu a Nina. — Mesmo que você não possa
tocar na imprensa, você pode fazer algo sobre os comentaristas
online? O que eles estão dizendo sobre mim... não conta como
abuso? — ela perguntou baixinho.
As feições de Robert relaxaram em algo que se aproximava de
simpatia. — Infelizmente — ele começou. Nina esperou que ele
dissesse a menos que você esteja noiva ou casada com um
membro da família real, mas em vez disso ele continuou — a
liberdade de expressão é um direito constitucional na América. Eu
sinceramente gostaria de poder ter esses comentários removidos e
banir os comentadores da Internet. Mas é totalmente legal ser feio e
mesquinho. Realmente sinto muito, Nina — acrescentou o
camareiro, parecendo humano pela primeira vez naquele dia.
Isabella fechou a porta atrás de Robert, então se virou para se
encostar nela. — Oh, querida. Você está bem?
Nina lutou para conter o ataque de lágrimas. — Honestamente,
mamãe, eu já estive melhor — ela conseguiu dizer, com uma
tentativa frustrada de rir.
A mãe de Nina ainda segurava sua mão com força. Isabella
mudou-se rapidamente para o outro lado e começou a esfregar as
costas com gestos suaves e calmantes. — Eu gostaria que você
tivesse nos contado.
— Eu sinto muito — Nina se sentiu péssima por terem que
descobrir assim: da mídia, em vez dela — Eu queria esperar até
descobrir se havia algo real entre mim e Jeff.
— E há?
Ela olhou ao redor do primeiro andar ao ar livre, com sua mesa de
jantar de madeira empenada, samambaias e suculentas
cascateando em várias superfícies. Ao longo de uma parede, uma
velha escada de biblioteca tinha sido reaproveitada como estante de
livros.
— Achei que houvesse — admitiu Nina — Exceto…
— É um exceto muito grande — sua mãe deu um suspiro —
Confie em mim, eu sei em primeira mão como é ser trazida para a
órbita da família real. É demais para suportar. Nós entenderíamos
se você quiser se afastar de tudo.
— É isso que você acha que eu devo fazer? — Nina perguntou
lentamente.
— Sim — declarou Isabella, assim como Julie disse: — Não
necessariamente.
Suas mães se encararam por cima da cabeça de Nina.
Claramente, elas não tiveram tempo de preparar o veredicto oficial
antes de sua chegada.
— Isso é exatamente o que eu sempre temi que acontecesse —
continuou sua mãe, puxando suavemente uma mecha de cabelo de
Nina para trás. — Desde aquele primeiro dia em que fiz uma
entrevista no palácio e te encontrei andando por aí com Samantha,
fiquei preocupada com você. Viver esta vida real quando você não é
realmente real... isso mexe com seu senso de realidade. E agora
você foi forçada a ficar sob os holofotes, onde todas aquelas
pessoas horríveis podem julgá-la. É muito público.
— Seu trabalho é público — Nina a lembrou — As pessoas
escrevem coisas odiosas sobre você o tempo todo.
— Sou uma mulher adulta e aceitei este trabalho sabendo
exatamente o que significava! — Isabella explodiu — Você tem
dezoito anos! Não é certo que as pessoas estejam dizendo todas
essas coisas nojentas e hediondas sobre você. É vil, é pervertido,
é...
Julie lançou um olhar de advertência para a esposa e se voltou
para Nina. — Querida, você sabe que tudo o que queremos é que
você seja feliz. Mas... — ela fez uma pausa, hesitante — Você está
feliz?
Se sua mãe tivesse feito essa pergunta há uma semana, Nina
teria dito sim sem hesitar. Mas mesmo assim, ela estaria levando
uma vida dupla.
— Eu não sei — ela admitiu. Como ela ainda poderia estar com
Jeff, sabendo o que América pensava deles? — As coisas que
essas pessoas escreveram…
Sua mãe colocou as mãos firmemente nos ombros de Nina. —
Não se atreva a se preocupar com o que essas pessoas pensam.
Eles são mesquinhos e ciumentos e, francamente, sinto pena deles.
As pessoas que amam você a conhecem por quem você é. O resto
é apenas barulho.
Pelo menos ela sempre teria isso, Nina pensou com gratidão. Não
importa o quão confuso o resto do mundo se tornasse, pelo menos
sua família estaria sempre do lado dela. — Obrigada — sussurrou
Nina.
Elas se inclinaram para frente e todas se abraçaram com força no
mesmo abraço de três pessoas que vinham dando desde que Nina
era uma criança.
Seu telefone não parava de zumbir, mas Nina o ignorou. Ela não
tinha ideia de quando estaria pronta para falar com Jeff. Talvez ela
nunca estaria.
BEATRICE

O que vestir para seu próprio noivado? Beatrice pensou, com uma
estranha sensação clínica de distanciamento. Algo branco? Ela
escolheu um vestido de renda cremosa de mangas compridas e
sapatos de salto combinando.
— Você está linda — Connor disse assim que ela entrou no
corredor e começou a atravessar o palácio em direção à Ala Leste
— Qual é a ocasião?
Ela sentiu a cor subindo para suas bochechas. — Nenhum
motivo.
Beatrice estava em uma turbulência silenciosa e gritando desde a
conversa com seu pai alguns dias atrás. Todas as manhãs, ela
acordava ao lado de Connor com um raio de felicidade – e então o
conhecimento da doença de seu pai a atingia de novo, inundando
seu corpo com ondas excruciantes de dor. As notícias de ontem
sobre Jeff namorando a amiga de Sam, Nina, não foram o suficiente
para tirá-la dessa situação.
Ela e Connor tinham acabado de chegar na Sala Carvalho quando
uma figura apareceu na extremidade oposta do corredor. Bem na
hora, é claro.
— Você não me disse que essa reunião seria com Theodore
Eaton.
— Connor... — disse ela, impotente.
— Estou brincando, Bee — ele se virou para ela com um sorriso
tão genuíno, tão intimamente confiante, que bateu o ar em seu peito
— Eu prometo que não serei mais um idiota ciumento. Eu sei o que
é real e o que é apenas farsa.
Ele se inclinou para frente, abaixando a boca em direção à dela –
momentaneamente esquecendo que Teddy estava bem ali, no meio
do corredor e mais perto a cada segundo, porque Beatrice sabia
pelo olhar em seus olhos que ele iria beijá-la.
Ela fez um som estrangulado no fundo da garganta. Connor se
assustou com a consciência. Ele conseguiu transformar o
movimento em uma reverência abreviada, como se estivesse
respondendo a algum comando dela. Com o rosto impassível, ele
parou perto da porta.
Beatrice se obrigou a sorrir para Teddy. — Obrigada por vir.
— Claro que eu vim. Você não ignora exatamente uma
convocação da futura rainha — ele disse isso levemente, mas as
palavras se torceram como uma faca em seu estômago.
Com a postura rígida de uma bailarina, Beatrice entrou na Sala
Carvalho e Teddy a seguiu.
Ela escolheu a Sala Carvalho por sua privacidade. Ela poderia ter
convidado Teddy para sua sala de estar, mas parecia muito íntimo –
o que era ridículo, na verdade, dada a conversa que eles estavam
prestes a ter. Mas a Sala Carvalho era o tipo de lugar que os
cortesãos do século XIX poderiam ter ido para sussurrar segredos
traiçoeiros. Tinha apenas uma janela e era forrada com pesados
painéis de carvalho da cor do mel escuro, tão espessos que nenhum
som escapava.
Essa conversa já seria dolorosa o suficiente, sem que Beatrice
precisasse se preocupar com a possibilidade de Connor ouvir do
corredor.
Ela havia abordado esse assunto com o pai outro dia, assim que
sua onda inicial de choque começou a diminuir. Qualquer proposta
teria que vir de Beatrice. Como tantas rainhas antes dela – a rainha
Victoria britânica, a Imperatriz Maria Theresa da Áustria,
supostamente até mesmo Mary, rainha da Escócia – ela mesma
teria de fazer a pergunta. Isso era apenas parte de ser o próximo na
linha de sucessão ao trono. Ela era tão estratosférica na hierarquia
que ninguém ousava pedir sua mão em casamento.
— Teddy — Beatrice começou, soando formal e tensa até mesmo
para seus próprios ouvidos — há algo que eu queria te perguntar.
— Ok — ele disse hesitantemente.
Quão diferente ele era de Connor, que tinha olhado para ela
naquela manhã com um amor tão claro e vibrante. Comparado a
isso, Teddy era um estranho. No entanto, ela estava prestes a pedir-
lhe para passar o resto de sua vida com ela.
Ela cravou as unhas nas palmas das mãos, tentando se lembrar
das palavras que havia memorizado. Pense nisso como um
discurso, ela se lembrou, como se você estivesse se dirigindo ao
Congresso.
— Teddy, no tempo que passamos juntos, sinto como se tivesse
te conhecido. Ou pelo menos, eu sei as coisas mais importantes.
Seu amor por sua família, seu carinho, sua consideração.
Ele estava olhando para ela com tanta atenção que Beatrice teve
que fechar os olhos. Ela não podia dizer o que precisava, não sob o
escrutínio daquele olhar.
— Eu sei de todas as coisas importantes — ela repetiu, sua voz
oscilando um pouco, — e é por isso que estou pronta para te
perguntar isso. Eu sei que pode parecer... rápido ou apressado. Mas
acredite em mim quando digo que tenho motivos para perguntar
agora.
— Estar comigo não seria a decisão mais fácil da sua vida, ou a
mais simples — ela disse seriamente, — então, eu quero que você
realmente pense sobre isso. Você não tem que responder
imediatamente. Teddy...
Ela praticou essa parte diante de um espelho, lutando para
encontrar seu próprio olhar. Mas não importa quantas vezes ela
disse isso, a frase não fazia sentido. Simplesmente não parecia que
tinha nada a ver com ela.
— Você quer se casar comigo?
Teddy a encarava com visível incredulidade. — Tem certeza? —
ele disse finalmente.
— Você acreditaria mais em mim se eu me ajoelhasse?
Ela ficou curiosamente feliz quando Teddy riu disso. — Desculpe
— ele disse rapidamente — eu simplesmente não pensei…
Eu também não, Beatrice concordou silenciosamente. Não tão
cedo – na verdade, nunca.
Ela sustentou seu olhar. — Eu acredito que você e eu podemos
realizar grandes coisas juntos. Que poderíamos ser um time
fantástico. Mas eu entendo que é um sacrifício se casar com a
Coroa. Estar casado comigo, quando ambos sabemos que não nos
amamos.
Ela não insultou Teddy ao lembrá-lo das implicações de sua
decisão. Ele sabia disso tão bem quanto ela. Se ele dissesse sim,
se eles continuassem com isso, seria para o resto da vida. Como
sua avó sempre dizia, o divórcio era algo que apenas a realeza
europeia fazia.
Teddy ficou em silêncio. Ele parecia estar tomando alguma
decisão dentro de si mesmo, vários pesos e copos se encaixando
em sua mente. Seus olhos encontraram os dela, e Beatrice viu que
ele adivinhou o que estava acontecendo: talvez não tudo, porque ele
não poderia saber sobre seu relacionamento com Connor, mas o
suficiente.
Ele estendeu a mão para pegar as dela. O choque de seu toque
foi como uma mordida.
Para sua consternação, Teddy se ajoelhou diante dela e abaixou a
cabeça. Um raio de sol cortou a janela para tocar em seu cabelo
dourado.
— Você não precisa… — Beatrice começou, mas ficou em
silêncio com as próximas palavras de Teddy.
— Eu, Lorde Theodore Eaton, juro solenemente que sou seu
suserano. Vou honrá-la e servi-la com fé e lealdade, de hoje em
diante e por todos os dias da minha vida, se Deus quiser.
Teddy tinha acabado de fazer o Juramento de Homenagem a
Vassal. As palavras que os membros da nobreza recitavam sobre a
ascensão de um novo rei.
Ele estava falando com ela não como uma mulher com quem iria
se casar, mas como sua futura soberana.
Beatrice olhou para baixo, maravilhada com a sensação estranha
e desajeitada de seu aperto, como se suas mãos fossem peças de
um quebra-cabeça que não se encaixavam direito. Parecia
profundamente errado, mas ela supôs que se acostumaria com o
tempo.
Houve um roteiro de resposta ao juramento – aceito
humildemente e com gratidão seu serviço – mas não parecia certo.
Beatrice decidiu puxar gentilmente as mãos de Teddy para colocá-lo
de pé.
Seus olhos azuis encontraram os dela e ele assentiu. Beatrice
soube naquele momento que eles se entendiam, ambos conscientes
da promessa que estavam fazendo – e do que estavam desistindo.
— Obrigado por me confiar sua felicidade futura. Juro que tentarei
ser digno da honra que você está me prestando — Teddy parecia
estar aceitando uma oferta de trabalho, o que, ela supôs, ele estava.
Teddy poderia não ser o amor de sua vida, mas ele era muitas
outras coisas – honrado e verdadeiro, confiável e estável. Ele era o
tipo de homem em quem uma garota poderia se apoiar em um
mundo em constante mudança.
Ela só esperava que fosse o suficiente para construir uma vida.
— Então, posso interpretar isso como um sim? — ela perguntou.
— Sim — ele a assegurou.
Lentamente, com uma reverência silenciosa, Teddy a beijou.
Beatrice percebeu que isso estava por vir e tentou não pensar
muito nisso – não pensar em nada. Mas levou cada grama de sua
força de vontade para não recuar ao sentir os lábios de Teddy nos
dela.
Ainda esta manhã ela estava enroscada na cama com Connor,
seus beijos tão eletrificados que chiaram por todo o caminho até
cada uma de suas terminações nervosas, enquanto esse beijo
parecia tão vazio quanto um pedaço de papel em branco. Ela se
perguntou se Teddy percebeu sua relutância, se foi por isso que ele
manteve o beijo tão rápido e casto.
Beatrice pigarreou. — Mais uma coisa. Sei que ambos
compartilharemos a notícia com nossas famílias, mas você se
importaria se não contássemos a ninguém, apenas até o anúncio
para a imprensa? Não quero correr o risco de um vazamento de
mídia.
Ela não queria que Connor descobrisse mais cedo do que ele
absolutamente precisava. Talvez fosse egoísmo, mas ela queria
tanto tempo quanto possível com ele antes que ele soubesse.
Ela não achava que ele iria olhar para ela da mesma maneira
quando soubesse o que ela tinha feito.
— Anúncio para a imprensa? — Teddy olhou para as mãos deles
e seus olhos se arregalaram — Devo trazer um anel para você?
— Você pode escolher um da coleção de joias da coroa e dar
para mim na entrevista coletiva — Beatrice ofereceu, e conseguiu
sorrir.
Teddy concordou. Normalmente, quando o herdeiro do trono a
pedia em casamento, ele trazia para sua noiva um anel do cofre
real. Exceto que todo herdeiro do trono até agora tinha sido um
homem.
Beatrice tinha considerado levar um anel para Teddy hoje, mas
honestamente, ela não tinha sido capaz de enfrentar a ideia de ir até
o cofre para escolher um. Isso faria tudo parecer real demais.
— Isso parece ótimo. Vou ligar para meus pais agora com as boas
notícias, mas não se preocupe, vou fazê-los jurar discrição —
respondeu Teddy.
Beatrice acenou em agradecimento. Ela teve que se esforçar para
não chegar aos lábios, onde aquele beijo desconhecido ainda
permanecia, agora frio.

Beatrice caminhou pelo quarto com todo o pânico enjaulado de um


gato selvagem. Era quase meia-noite e Connor ainda não estava
aqui.
Ela sabia que não conseguiria adormecer, não depois do que
aconteceu hoje. Ela não parava de imaginar a maneira como Teddy
se ajoelhou diante dela como um cavaleiro medieval, jurando ligar
para sempre sua vida à dela. Era muito, muito rápido, e seu coração
simplesmente não conseguia acompanhar.
Antes que ela pudesse se questionar, Beatrice vestiu um velho
moletom da faculdade sobre o pijama. Ela saiu de sua suíte e
começou a atravessar o palácio silenciosamente: desceu uma série
de corredores, depois subiu em outro lance de escadas. O piso de
mármore empurrava o frio pelas solas de seus chinelos.
Ela só teve que bater no quarto de Connor uma vez antes que a
porta se abrisse.
Seus olhos se arregalaram quando a viu parada ali. Ele agarrou
seu braço para puxá-la rapidamente para dentro, então fechou a
porta atrás deles.
— O que você está fazendo aqui? — ele sussurrou, parecendo
que preferia gritar com ela por sua imprudência.
— Eu só… — ela engoliu em seco — Você não veio, e eu
precisava ver você.
— Como você sabia qual quarto era meu?
— Eu procurei. Autorização de segurança superior — ela tentou
parecer irreverente, mas sabia que ele ouviu o tremor em sua voz.
— Você está bem? O que aconteceu?
Ela piscou para conter as lágrimas, olhando ao redor da sala
enquanto tomava um momento para se recompor.
Era pequeno, mas muito arrumado, a cama estreita feita com
nítida precisão militar. Em uma cômoda de madeira havia uma série
de fotos emolduradas: Connor e sua família em um parque temático,
Connor e sua irmã eram crianças pequenas, com os braços em
volta de um filhote de cachorro golden retriever. E então, para a
surpresa de Beatrice, uma foto dela e Connor de sua formatura em
Harvard. Ela mal se lembrava de tirar aquela foto.
— Precisamos substituir isso. Você nem está olhando para a
câmera — ela o informou.
— Eu gostaria — disse Connor com cuidado, — mas esta é a
única foto que tenho de nós.
Oh. A mente de Beatrice voou para todas as fotos que as pessoas
tiraram dela e de Teddy – centenas, talvez milhares delas – em
revistas, por toda a internet. Ela se odiou um pouco, por não tirar
mais fotos com Connor enquanto tinha chance.
— O que está acontecendo? — ele perguntou novamente — Você
quer falar sobre isso?
Quando ela não respondeu, ele colocou a mão em suas costas,
como se para conduzi-la porta afora. — Então você realmente
precisa sair.
Beatrice sacudiu teimosamente a cabeça. — Você já esteve no
meu quarto várias vezes. Por que isso deveria ser diferente?
— Porque minha reputação não importa, e a sua sim.
No tom áspero de sua voz, a luz que ardia naqueles olhos,
alguma corrente dentro de Beatrice se rompeu.
Ainda esta manhã, ela e Teddy haviam concordado em se casar.
Embora tivesse parecido mais para Beatrice uma aliança política do
que qualquer coisa romântica. Ela se lembrou do beijo deles, tão
remoto e casto, e estremeceu.
Outras meninas se casam por amor. Beatrice pode não ser livre
para fazer essa escolha, mas ela ainda merecia experimentar o
amor – o amor verdadeiro, em todo o seu calor e paixão – pelo
menos uma vez antes de assinar sua vida.
Se ela não pudesse ter um futuro com Connor, então ela teria que
viver plenamente no pouco tempo que tinha.
— Eu não vou embora — Beatrice puxou o moletom pela cabeça
e deu um passo à frente — Eu vim porque... eu queria… — ela
engoliu em seco e tentou novamente — Se você vai quebrar seu
voto, achei que você deveria quebrá-lo totalmente.
A expressão de Connor vacilou, seus olhos percorrendo seus
traços pálidos e desenhados. Ele respirou estremecendo e colocou
as mãos nos ombros dela. — Eu quero você mais do que tudo, Bee.
Acredite em mim. Mas isso... — ele olhou para ela com hesitação —
Não parece certo. Você parece chateada demais para tomar esse
tipo de decisão. Tem certeza de que está bem?
Não. Meu pai está morrendo e eu vou me casar com Teddy Eaton,
quando eu realmente gostaria que pudesse ser você.
Beatrice estava tremendo. O tremor começou em suas mãos,
espalhando-se pelos braços e pelas pernas de modo que todo o seu
corpo estremeceu de repente. Ela pressionou as palmas das mãos
nos olhos, sua respiração saindo em ofegos curtos. Sua espinha se
curvou para dentro, seus ombros curvados...
Assim como ele tinha feito na cabana, Connor a pegou em seus
braços e a carregou, ainda tremendo incontrolavelmente, para sua
cama.
Beatrice enterrou o rosto em seu peito e soluçou. Ela não
conseguia suportar a ideia de deixá-lo ir. Nem agora, nem nunca.
Ela o agarrou com mais força, as mãos cravando-se com tanta força
em suas costas que provavelmente estava deixando marcas de
arranhões, como se pudesse ancorá-los à força aqui, neste
momento. Connor não disse nada, sua mão acariciando o lençol
escuro de seu cabelo.
Ela não teve coragem de compartilhar toda a verdade com
Connor, mas talvez ela pudesse contar a ele uma parte.
— Meu pai tem câncer de pulmão — ela sussurrou em sua
camisa, agora molhada com suas lágrimas — Ele não tem muito
tempo.
Connor se afastou alguns centímetros e olhou em seus olhos
avermelhados. Seu rosto estava brilhando de amor. Mas não
importa o quão inflexivelmente ele a protegesse, algumas ameaças
não eram físicas. De algumas coisas ele não conseguiria protegê-la.
— Oh, Bee — ele disse suavemente — Eu sinto muito.
Não havia outras palavras, mas Beatrice não precisava delas. Ela
ficou dobrada na segurança do abraço de Connor, deixando as
lágrimas inundá-la. Ela pensou que poderia quebrar pelo quão bom
era, por simplesmente ser abraçada por alguém que a amava.
No resto de sua vida, Beatrice teve que ser inabalavelmente forte.
Mas aqui, por um breve momento, ela poderia colocar seu fardo no
chão, poderia se apoiar nos ombros de Connor e fechar os olhos.
Mesmo depois que seus soluços diminuíram, ela manteve os
braços em volta dele, saboreando sua força silenciosa.
— Sinto muito — ela sussurrou.
Seu rosto ainda estava pressionado contra o peito de Connor, de
modo que ela sentiu sua resposta retumbar suavemente através
dela. — Você não tem nada com que se desculpar.
Ela se recostou e enxugou os olhos. Seu rosto estava coberto de
lágrimas. — Eu vim aqui para seduzi-lo — disse ela, com uma
risada estrangulada, — e então chorei em cima de você.
— Vamos remarcar a sedução, por favor — Connor respondeu, e
então seu tom ficou mais sério — Você sabe que pode chorar em
cima de mim a qualquer hora. Eu sempre estarei aqui para você,
Bee.
Beatrice acenou com a cabeça, embora ela não tivesse certeza
de que isso era verdade. Não quando Connor descobrisse que ela e
Teddy estavam noivos.
Ela olhou para ele por um longo e abrasador momento, tentando
fixar seu rosto em sua mente, como se estivesse pressionando o
Grande Selo de seu pai em um medalhão de cera. E então ela se
inclinou para beijá-lo.
Ela se concentrou na sensação de sua boca, a aspereza de sua
bochecha contra a dela, guardando todos os detalhes na memória –
para que um dia, quando ela estivesse presa em um casamento
político, ela pudesse olhar para trás neste momento e lembrar como
era a sensação de ser amada de verdade.
SAMANTHA

Sam se arrastou pelo corredor do térreo, perdida em pensamentos.


Ela estava debatendo se deveria ir à Universidade Real e tentar ver
Nina.
Sam não conseguiu falar com a amiga desde que as notícias
sobre Nina e Jeff foram divulgadas. Ela ligou e mandou mensagens
de texto sem parar, mas a única resposta que Nina enviou a todas
as suas mensagens foi: Obrigada por entrar em contato, mas não
estou pronta para ver ninguém.
Eu não sou ninguém, Sam queria responder. Eu sou sua melhor
amiga. Ou pelo menos ela pensou que era.
Os melhores amigos não mantinham segredos tão grandes um do
outro, não é?
Sam teve que admitir, ela sentiu uma pontada inicial de
estranheza ao saber que seu irmão gêmeo e sua amiga estavam
namorando por semanas sem contar a ela – estiveram se
esgueirando por toda a viagem para Telluride, bem debaixo do nariz
de Sam. Foi um pouco doloroso que ela tivesse descoberto sobre o
relacionamento deles nos tablóides, assim como o resto da América.
Mas aquela onda inicial de desconforto foi seguida por uma onda
avassaladora de proteção. O tom desses artigos, sem falar nos
comentários, era absolutamente vil. Sam queria publicar uma
refutação, ou melhor ainda, ir à televisão e contar a todos como
Nina realmente era – mas o secretário de imprensa do palácio havia
colocado uma ordem de silêncio sobre ela e Jeff no momento em
que a história estourou. O melhor que Sam pôde fazer foi postar
uma série de comentários em apoio a Nina, sob uma série de
pseudônimos.
Ela tentou obter algumas respostas de Jeff, mas ele tinha uma
aparência de cachorro perdido sobre a coisa toda. Aparentemente,
Nina também não atendia suas ligações.
Na primeira manhã depois que os artigos foram publicados,
quando ela não tinha ouvido nada de Nina além daquele único texto,
Sam pediu a seu oficial de proteção para levá-la à casa das
Gonzalez. Ela acotovelou os paparazzi espalhados para tocar a
campainha. Quando a mãe de Nina atendeu, ela deu uma olhada
em Sam e balançou a cabeça. — Ela voltou para o campus.
Sam concordou. — Obrigada. Eu irei lá agora.
— Eu não sei se essa é a melhor ideia — Isabella disse incerta,
— ter você lá pode piorar as coisas — ela desviou os olhos para os
paparazzi, que ainda estavam reunidos no gramado da frente como
necrófagos cercando suas presas.
— Oh, tudo bem. Você dirá a ela que eu vim? — Sam enfiou as
mãos nos bolsos de sua jaqueta cheia de penas.
Isso fora há três dias, e Sam ainda não tinha ouvido nada de
Nina.
Ela parou agora na entrada da Grande Galeria, uma longa sala
forrada com retratos de todos os reis americanos, em ordem. Nesta
extremidade estava a enorme pintura de George I após a Batalha de
Yorktown, sorrindo benevolentemente, uma mão no punho de sua
espada. Em seguida veio seu sobrinho George II, um pouco pálido e
semicerrado para o gosto de Sam, e depois seu filho, o rei
Theodore: aquele que morreu quando criança, de quem os ursinhos
de pelúcia – e provavelmente Teddy Eaton – foram batizados. E
assim por diante, até o retrato oficial do reinado do pai de
Samantha, George IV.
Passos soaram atrás dela. Ela se virou, esperando um dos
lacaios ou burocratas, e ficou encantada ao ver Teddy. Ele estava
andando devagar, perdido em pensamentos.
Ela e Teddy não tinham tido um momento a sós desde o beijo
ilícito na banheira de hidromassagem. Ela o tinha visto algumas
vezes desde seu retorno de Telluride, sempre em eventos lotados,
quando ele estava oficialmente lá com Beatrice. Mas seus olhos se
encontravam do outro lado da sala, e Sam saberia, com um brilho
ardente de certeza, que ele estava pensando nela.
Naqueles momentos, cada centímetro dela parecia tão ansioso e
vivo que ela teve que se conter à força para não pegar o braço dele
e arrastá-lo com ela.
— Ei. Não sabia que você viria hoje — ela pegou a mão de Teddy,
mas ele se desvencilhou de suas garras e deu um passo para trás.
O movimento foi como um balde de água fria atirado sobre sua
cabeça.
— Eu não posso, não agora. Estou aqui para ver Robert — disse
Teddy a ela.
— Standish? — Sam torceu o nariz em uma carranca — Para
quê?
— Para discutir o anúncio de imprensa.
— Anúncio para a imprensa? — Sam perguntou
inexpressivamente.
Teddy ficou em silêncio por um momento. Uma série de emoções
cintilou em seu rosto, muito rápido para ela ler. — Eu presumi que
você sabia. Beatrice e eu concordamos em contar às nossas
famílias. Mas acho que ela queria manter a surpresa.
O coração de Sam atingiu um ritmo estranho em seu peito. —
Contar para suas famílias o quê? — ela perguntou, muito baixinho,
porque alguma parte dela já sabia e se recusava a enfrentar isso.
— Sobre o nosso noivado.
O choque disso vibrou por ela.
A garganta de Teddy balançou enquanto ele engolia. — Beatrice
me pediu em casamento e eu disse que sim.
Minúsculas luzes brancas dançaram diante da visão de Sam. Ela
sentiu falta de ar, como uma de suas ancestrais contraídas em um
espartilho e ofegante.
Teddy deu um passo cauteloso em sua direção, mas Samantha
cambaleou para trás, erguendo as mãos para alertá-lo. — Eu não
posso acreditar em você — disse ela cruelmente — Você vai mesmo
se casar com minha irmã?
Ele estremeceu. — Lamento ter beijado você em Telluride. Não foi
justo com Beatrice ou com você.
— Você não pode ir em frente com isso — Sam insistiu, ignorando
sua menção à banheira de hidromassagem. Aquilo havia sido muito
mais do que um único beijo — Teddy, você não pode se casar com
Beatrice só porque sua família espera isso de você.
O aço brilhou em seus olhos. — Sinto muito, mas você não pode
me dizer o que posso e o que não posso fazer.
— Por que não? — ela pressionou — Você já me deu um sermão
sobre como decidir o que fazer da minha vida! Portanto, agora estou
lhe fazendo a mesma pergunta. É isso mesmo que você quer?
Casar com Beatrice?
— Não me faça responder isso — disse Teddy rigidamente.
— Se você realmente não quer se casar com ela, então por que
disse sim ao pedido dela?
— Eu disse sim porque você não pode dizer não para a futura
rainha, não quando ela faz uma pergunta como essa!
— Sim, você pode. É fácil! — Sam argumentou — Você abre a
boca e diz não a ela!
— Eu sinto muito — a voz de Teddy estava tão rouca, tão
derrotada, que parecia irreconhecível. Aqueles penetrantes olhos
azuis estavam cheios de remorso.
A raiva passou por ela como um relâmpago de verão. — Tudo
bem. Se é realmente assim que você quer que seja.
— Não é como eu quero que seja, mas como eu disse a você,
não tenho escolha.
— Todo mundo tem uma escolha, Teddy. E você, aparentemente,
escolheu isso.
Suas feições se contorceram de dor, mas ele não respondeu. Ela
não esperava realmente que ele o fizesse.
— Deixe-me te contar algo. Se você acha que este casamento vai
lhe dar uma posição de poder, você está errado — Sam falou
devagar, enunciando cada sílaba, da pontuação, até os espaços
entre as palavras, com um cuidado terrível. — Você será forçado a
deixar de lado seus próprios desejos para apoiar Beatrice. Ela
estará no centro das atenções e no assento do motorista, não você.
Seus filhos terão o sobrenome Washington — ela sentiu um prazer
sombrio com a angústia de Teddy com suas palavras.
— Beatrice vai priorizar a si mesma e o que ela acha que é certo
para o país — ela desviou o olhar, seu tom caindo para um sussurro
— Eu sempre nos colocaria em primeiro lugar.
— Sam… — disse ele entrecortadamente.
Ela balançou a cabeça. — Como eu disse quando nos
conhecemos, apenas meus amigos me chamam de Sam.
Teddy hesitou por mais um momento, então pareceu pensar
melhor. Ele fez uma reverência baixa e formal antes de seguir pelo
corredor.
Sam encostou a palma da mão na parede e respirou fundo
algumas vezes. Os retratos ao longo da galeria pareciam estar
olhando para ela, suas mandíbulas apertadas em julgamento, seus
olhos frios e desapontados. Como se estivessem telegrafando
silenciosamente seu desagrado para ela – a filha sobressalente
inútil, o voador e ridículo Pardal.
Como se eles também escolhessem Beatrice em vez dela.
Antes que ela tivesse pensado nisso, Sam estava subindo as
escadas para a suíte de Beatrice, passando por seu Guarda Revere
desnorteado, sem sequer se preocupar em bater. Ela bateu a porta
atrás dela com um baque retumbante.
Beatrice estava sentada em sua mesa, com as mãos
posicionadas sobre as teclas de seu laptop. Ela olhou para a
chegada de Samantha e deu um sorriso aguado. — Ei, Samantha.
— Você pediu Teddy em casamento — Sam ficou satisfeita ao ver
a irmã recuar.
— Acho que as notícias correm rápido por este lugar.
— Isso é tudo que você tem a dizer? Eu não posso acreditar que
você faria isso comigo!
— Fazer isso com você? — Beatrice franziu o cenho intrigada.
— Eu gosto do Teddy! Eu gosto dele desde o Baile da Rainha. E
eu o conheci primeiro — Sam gritou, incapaz de parar o fluxo
repentino de palavras, — ou ele não te contou que passou toda a
cerimônia me beijando?
Beatrice respirou fundo, mas sua expressão permaneceu
inalterada. — Lamento que você tenha uma queda pelo meu noivo...
— Não é uma queda! — Sam interrompeu — Eu realmente gosto
dele, ok?
— Você gosta de todo mundo, Samantha.
Ela estava falando com uma voz calma e nivelada, o que de
alguma forma deixou Sam ainda mais irritada, como se quanto mais
racional Beatrice era, mais fora de controle Sam ficava. Ela foi
tomada por um desejo irracional de agarrar algo – um peso de papel
de vidro espiralado, talvez – e arremessá-lo contra uma parede,
apenas para vê-lo quebrar.
— Eu sei que mamãe e papai lhe pediram para sair com ele, mas
por que você teve que pular para um noivado? Você não sente que
está apressando as coisas? Ou você está tão desesperada para
permanecer no centro das atenções?
Uma emoção mais escura e pesada passou por trás dos olhos
castanhos profundos de Beatrice. — Como sempre, você não tem
ideia do que realmente está acontecendo — disse ela
enigmaticamente — Eu odeio ser quem lhe traz as notícias,
Samantha, mas nem tudo é sobre você.
— Confie em mim, eu sei disso. É tudo sobre você — Sam
disparou de volta.
Beatrice se irritou. — Não sei por que você está tão chateada.
Você é aquela que pode fazer o que quiser, e ninguém se importa.
— Exatamente! — Sam gritou triunfante — Ninguém se importa!
Ela estava gritando agora. Alguma parte racional dela percebeu
que a equipe deveria ter ouvido. Essa era a desvantagem de viver
em um palácio – nada era privado, certamente nem suas lágrimas
ou histeria.
Com as palavras de Sam, Beatrice pareceu se dobrar para dentro,
como um balão que estava murchando. — Sam, eu trocaria com
você em um piscar de olhos — seu sussurro foi tão baixo que Sam
não teve certeza de que ela tinha ouvido.
Beatrice parecia totalmente quebrada; a visão dela assim atingiu a
raiva de Samantha, transformando-a em outra coisa.
Exceto que Beatrice havia vencido. Ela tinha Teddy; ela tinha o
trono; ela tinha tudo. Então, por que ela parecia tão infeliz? Ela
parecia tão triste quanto Teddy estava, como se o noivado tivesse
sido forçado a ambos. Mas eles não conseguiram interpretar as
vítimas aqui. Não quando ela foi a verdadeira vítima deste noivado.
— Esqueça — Sam foi em direção à porta — Você e Teddy
claramente se merecem.
NINA

Nina se agitava e se virava apaticamente. Seus olhos estavam


fechados, mas ela sabia que não iria adormecer, apesar das
cortinas blackout que ela encomendou online e grampeou na
moldura superior de sua janela. Bem, era uma da tarde.
Ela estava se escondendo em seu dormitório desde que aqueles
artigos horríveis foram publicados outro dia – quando os paparazzi
montaram acampamento fora de seu dormitório. As poucas vezes
que Nina saiu para a aula ou para trabalhar na biblioteca, ela
mandou uma mensagem para Rachel e Logan para que a
encontrassem na porta. Eles a protegeriam lado a lado enquanto
Nina abria caminho para frente, tentando o seu melhor para ignorar
os gritos dos paparazzi.
Nina, nos dê um sorriso! eles gritavam. Nina, quando Jeff virá te
visitar? Quando ela manteve a cabeça baixa e não respondeu, eles
começaram a dizer coisas muito piores, xingando-a de nomes cruéis
e desagradáveis. Nina sabia que eles estavam apenas tentando
aborrecê-la, porque fotos dela apenas caminhando não eram boas
para eles. Eles precisavam de uma foto dela chorando – ou melhor
ainda, gritando – para obter um pagamento real dos blogs inúteis
que compraram essas fotos.
Mesmo quando conseguiu chegar a uma aula, Nina sentiu o peso
dos olhares de todos. Ela tinha visto mais de um aluno
secretamente pegar um telefone e tirar uma foto dela despenteada e
triste. A única vez que Nina se arriscou a ir à loja de conveniência
do campus para comprar xampu e lenços de papel, ela viu seu
próprio rosto em todas as revistas no caixa. Na verdade, uma das
manchetes dizia NINA DIZ A JEFF: “ESTOU MANTENDO O BEBÊ!”
Ela voltou e comprou uma caixa extra-grande de absorventes
internos depois de ver aquilo.
Seus pais ficaram ligando para saber como ela estava, para
perguntar se queria voltar para casa por um tempo, mas Nina
insistiu que estava bem. Uma coisa era a imprensa começar a
atacá-la, mas a maneira como tratavam seus pais estava
completamente fora da linha. Pelo menos quando ela ficava nos
dormitórios, ela mantinha os paparazzi longe da casa de sua família.
Uma batida soou em sua porta. Nina se mexeu, fechando os
olhos com força. — Quarto errado — ela gritou. A única pessoa que
aparecia era Rachel, e ela estava na aula agora. A mesma aula de
história que Nina deveria estar. Bem, pelo menos ela sabia que
Rachel iria compartilhar suas anotações da aula.
A batida soou novamente, uma batida um-dois-três familiar que só
poderia vir de uma pessoa. Costumava ser sua batida secreta, na
época em que brincavam de ser cavaleiros em um castelo. — Por
favor, Nina? Eu quero conversar — gritou a Princesa Samantha.
O estômago de Nina se revirou. Ela tinha evitado Sam nos últimos
dias, quase pelo mesmo motivo que estava evitando Jeff – ela não
sabia o que dizer a ela. Era tudo tão incrivelmente estranho.
Ela saiu da cama com relutância e foi destrancar a porta, batendo
no interruptor de luz para que as lâmpadas fluorescentes
acendessem.
— Nina! — Sam se inclinou um pouco para a frente, como se
estivesse prestes a abraçar a amiga em um de seus abraços
habituais, mas então pareceu mudar de ideia. Ela permaneceu
indecisa na porta.
De repente, Nina viu seu quarto pelos olhos de Samantha. Era
menor do que o armário de Sam e tinha a aparência gasta e usada
que vem de décadas de alunos. Blocos de notas haviam sido
pregados em cada centímetro da parede, cobertos com a caligrafia
de Nina. Ela estava sempre escrevendo coisas: citações literárias,
lembretes para si mesma. Ao lado das notas, havia colagens de
fotos – de Nina com seus pais ou saindo com seus amigos de
faculdade. Não havia uma única foto de Nina e Sam.
Sam havia notado; Nina viu pela maneira como ela franziu os
lábios. Mas ela não disse nada.
— Ei, Sam. Hum, você pode entrar. — Nina gesticulou para a
cama de solteiro, que estava começando a ficar um pouco
amarrotada e velha. Sam subiu obedientemente na colcha
estampada azul, mas Nina foi ficar perto da janela, espiar atrás da
sombra. Os repórteres ainda estavam todos reunidos lá, suas lentes
brilhando avidamente ao sol da tarde, embora eles tivessem dado
alguns passos respeitosos em deferência ao guarda-costas de Sam,
que estava na porta com os braços cruzados.
— Fiquei esperando notícias suas — disse Sam baixinho,
enquanto Nina se acomodava na cama.
— Eu te enviei uma mensagem — Nina olhou para o tapete,
evitando o olhar de Sam. Ela sabia que devia a sua amiga mais do
que aquela única mensagem. Mas toda vez que ela pegava seu
telefone para ligar para Sam, ela pensava em como a conversa
seria – o pedido de desculpas que ela teria que dar, por manter isso
em segredo – e adiava. Ela tinha muito com que se preocupar além
dos sentimentos feridos de Sam.
Sam se inclinou para frente, com as pernas cruzadas diante dela.
— Por que sentiu que não poderia me contar sobre você e Jeff?
Muitos motivos. Nina tentou pensar no mais simples. — Eu não
sabia o que aconteceria entre nós — ela disse honestamente — Eu
não queria tornar as coisas mais estranhas do que o necessário,
caso não desse certo.
Aparentemente, foi a coisa errada a dizer. — Então, se vocês
tivessem terminado antes de isso acontecer, vocês nunca teriam me
contado? — Sam perguntou, visivelmente magoada — Eu fico
pensando sobre todas as coisas que fizemos em Telluride... aquele
comentário que fiz, sobre como eu queria encontrar uma namorada
para Jeff. Vocês estavam rindo de mim pelas minhas costas o tempo
todo?
Nina piscou. Não estávamos pensando em você ela queria
responder. Sam não entendia que isso não tinha sido só diversão
para ela, que a deixou infeliz?
Sam suspirou. — Só estou dizendo que sou sua melhor amiga e
tive que descobrir nos tablóides, assim com o resto do mundo.
— Você também é irmã gêmea de Jeff — Nina sentiu a
necessidade de apontar — Ele escondeu isso de você tanto quanto
eu.
— Ele e eu já conversamos sobre isso — Sam a informou —
Cerca de vinte minutos depois que o artigo foi publicado.Ela não
precisava dizer mais; a implicação era clara. Ela achava que Nina
era uma má amiga por evitá-la nos últimos dias.
Nina não conseguiu segurar a língua por mais tempo. — Desculpe
por não priorizar seus sentimentos enquanto minha vida estava
caindo aos pedaços ao meu redor.
Sam estremeceu com seu tom. — Certo. Só... não foi a semana
mais fácil para mim também. Teddy e Beatrice ficaram noivos. Eles
vão anunciar isso em uma entrevista coletiva em breve — ela
suspirou e olhou para baixo — Eu gostava muito dele, sabe? Ainda
gosto. Eu entendo que Beatrice tem que se casar com alguém,
porque ela é a futura rainha e que suas escolhas são limitadas. Mas
ela não poderia ter escolhido outra pessoa?
Nina olhou para a amiga. — Sério?
— Eu sei, não é confuso?
— Estou falando de você, Sam! É realmente por isso que você
veio? — as palavras de Nina saíram rapidamente, alimentadas por
uma raiva que a surpreendeu — Achei que você queria falar comigo
sobre Jeff, ou sobre o fato de que a maior parte da América
aparentemente me odeia. Mas, em vez de vir aqui para me apoiar,
você na verdade está aqui porque queria desabafar sobre Beatrice e
Teddy!
Sam mordeu o lábio. — Eu sinto muito. Eu só... precisava de uma
amiga agora.
— Eu também — Nina disse verdadeiramente.
Os olhos de Sam dispararam em direção à janela escurecida. —
Os paparazzi vão perder o interesse em breve — ela prometeu,
claramente tentando ser útil — Eles vão passar para outra história e
parar de sair por aqui. Quero dizer, eles ainda vão tirar fotos de você
em eventos oficiais, mas você vai se acostumar com isso.
— Eu não quero me acostumar! — Nina agarrou com raiva a
colcha, os punhos cerrados em torno do tecido estampado — Eu só
quero que as coisas voltem ao normal!
— Normal significa um mundo onde você convenientemente me
apagou da história da sua vida? — Sam acenou com a cabeça em
direção às fotos na parede.
Nina estava curiosa sobre quanto tempo Sam levaria para
perguntar sobre isso.
— É só... ninguém na escola sabe que sou sua amiga. Parecia
mais fácil não contar a todos. Menos complicado — disse Nina
rapidamente, perguntando-se porque sentia a necessidade de se
explicar a Sam, de qualquer maneira.
A princesa estremeceu com suas palavras. — Não sabia que eu
era uma complicação.
— Você sabe que não foi isso que eu quis dizer — Nina insistiu,
embora seu olhar seguisse o de Sam em direção às fotos.
E se essa fosse uma descrição precisa da vida de Nina? E se sua
mãe nunca tivesse sido entrevistada para o emprego de camareira,
se Nina e Sam nunca tivessem se tornado tão boas amigas? Como
a vida de Nina seria diferente – ou, mais importante, como Nina
seria diferente?
Mesmo quando criança, Nina sabia instintivamente que tinha que
dar lugar a Sam. Não necessariamente porque ela era da realeza,
embora isso certamente fosse uma parte disso. Mas Sam tinha
personalidade suficiente para duas pessoas – o que sempre fazia
Nina sentir que precisava recuar um pouco, para compensar. Sam
era imprevisível e irreprimível, risonha e travessa. Ela sempre foi a
única a definir seus planos, inventar seus esquemas. E ela esperava
que Nina seguisse seu exemplo sem questionar.
Nina pensou em todas as vezes em que fizera silenciosamente o
que Sam queria, sem nem mesmo parar para se perguntar o que ela
mesma poderia querer. Quando elas foram comprar mochilas novas
na quinta série, Sam exigiu a azul brilhante, embora soubesse que
azul era a cor favorita de Nina. No ano passado, quando elas
fizeram suas tatuagens juntas, Sam escolheu o desenho e só então
perguntou a Nina se ela gostava. Ela implorava a Nina para ir a
eventos onde ela não conhecia muitas pessoas, então a
abandonava para ficar com um cara novo em um armário.
Pensando bem, Sam era uma amiga não confiável e impensada.
Egoísta, até.
— Sam — ela disse calmamente — Nem sempre foi fácil ser sua
melhor amiga.
— Por quê? — Sam exigiu, instantaneamente na defensiva.
— Porque uma amizade deve ser igual, e absolutamente nada em
nossa amizade jamais foi igual. — Nina soltou um suspiro — Eu sei
que você nunca tentou conscientemente me fazer sentir inferior.
Mas viajar todas essas férias que sua família paga, dirigir seu carro
pela capital porque meus pais não queriam me comprar um, ir a
galas com seus vestidos descartados, onde todo mundo olha direto
através de mim como se eu nem estivesse lá. A única coisa pior do
que se sentir invisível é se sentir como se fosse seu caso de
caridade.
Ela encontrou o olhar de Sam. — É mais fácil com os amigos que
fiz na faculdade. Estamos todos tendo as mesmas aulas e indo às
mesmas festas. Somos apenas... iguais.
O rosto de Sam estava atordoado, quase incrédulo, mas por baixo
dele Nina viu uma dor inconfundível. — Eu não percebi. — disse ela,
afirmando o óbvio — Mas, Nina, nenhuma dessas coisas importa
para mim, nem o dinheiro, nem os títulos, nem as férias.
— Elas apenas não importam para você porque você as tem —
respondeu Nina. Saiu mais áspero do que ela pretendia. Mas
realmente, Nina era a coisa mais distante do mundo de uma
alpinista social, mas mesmo assim não conseguia deixar de estar
constantemente ciente dessas coisas. Dinheiro, títulos e a falta
deles.
Era difícil não ficar ressentida com Sam um pouco, por ser tão
felizmente alheia às lutas que todos os outros enfrentavam.
— Bem, esqueça o que o mundo pensa — Sam respondeu, se
esforçando para um tom otimista.
— Esquecer o que o mundo pensa? — Nina perguntou, incrédula
— Como vou fazer isso quando milhões de pessoas estão falando
mal de mim no momento? Eles não acham que sou boa o suficiente
para o seu irmão.
— Claro que você é boa o suficiente!
— Você realmente acha isso? — Nina não tinha certeza de qual
instinto a estava impulsionando. Talvez tenha sido bom discordar de
Sam pela primeira vez, em vez de deixar os desejos da princesa se
sobreporem aos dela.
— Eu não seria sua amiga se não pensasse assim — respondeu
Sam.
Esse comentário levou Nina ao limite. Porque no típico estilo de
Sam, ela não respondeu realmente à pergunta – não disse a Nina
que ela era inteligente e elegante, e para ignorar os trolls da
internet. Ela tinha acabado de dar sua própria opinião como se fosse
um fato, e deixou isso de lado.
— Nós somos amigas? — Nina se ouviu perguntar, sua voz
assustadoramente uniforme — Porque a meu ver, você aparece
aqui quando é conveniente para você – invadindo meu dormitório,
me chamando para alguma festa ou apresentação de teatro, sempre
querendo falar sobre você e seus problemas. Não estou à sua
disposição, Samantha. Eu deveria ser sua amiga. Não sua
assistente, não sua secretária, não alguém que você possa
desvalorizar. Uma amiga!
As palavras borbulhavam dela como ácido, anos de frustração e
inseguranças reprimidas finalmente transbordando. E pela primeira
vez, Nina se sentiu impotente para conter tudo.
Sam ficou muito vermelha. — Sempre pensei em você como uma
irmã, Nina, mas acho que me enganei o tempo todo, já que,
aparentemente, magoei seus sentimentos ao longo de nossos anos
de amizade.
— Como uma irmã? — Nina repetiu — Isso não é muito, com
base na maneira como você trata sua irmã de verdade.
No momento em que o comentário saiu de sua boca, Nina se
arrependeu – mas o estrago estava feito.
Suas palavras foram seguidas por um silêncio completo e total.
Sinto muito, Nina queria dizer; Eu não quis dizer isso exceto que
não era totalmente verdade. Ela quis dizer isso, ou pelo menos
alguma parte dela quis.
Sam havia puxado o lábio inferior em seus dentes, do jeito que ela
fazia quando estava lutando para não chorar. — Eu vou sair daqui.
Não quero que minha presença arruine sua vida universitária
perfeita.
— Parece bom para mim — Nina não se incomodou em assistir
Sam fechar a porta atrás dela.
Ela caiu de costas na cama, puxando as mãos à sua frente
enquanto se enrolava em posição fetal. A tatuagem estava a poucos
centímetros do seu rosto.
Ela se lembrou do que havia pesquisado quando Sam decidiu que
elas fariam aquela imagem em particular. O caractere chinês era
mais matizado do que a simples tradução de amizade. É derivado
de um símbolo mais antigo que combinava as palavras dois e mãos
– significando não apenas um amigo, mas um amigo que o ajudou
em momentos de necessidade. Um amigo em quem você pode
contar.
Nina enfiou o pulso tatuado sob o travesseiro e fechou os olhos.
SAMANTHA

Samantha batia freneticamente em seu controle, desejando que seu


carro animado verde-limão fosse mais rápido. Ela sempre venceu
Jeff naquele jogo. Essa era sua parte favorita de jogar: o olhar de
espanto e choque no rosto de seu irmão enquanto ele perde.
Jeff estava curvado na poltrona ao lado dela, seus olhos escuros
brilhando com o brilho refletido da tela da TV. Sam cerrou os dentes,
girando o carro na curva da pista, apenas para colidir com a parede
em uma explosão de chamas de desenho animado.
Ela esperava que Jeff se levantasse, no mínimo para dar um grito
de vitória, mas ele apenas se virou para ela com um encolher de
ombros irregular. — Nenhum de nós está jogando tão bem. —
ressaltou — Talvez devêssemos encerrar o dia.
Sam deixou de lado o controle do videogame e se virou para o
irmão. — Ainda sem notícias de Nina? — Quando ele balançou a
cabeça, ela suspirou — Ela não está falando comigo também.
— Mesmo? Achei que vocês já teriam feito as pazes.
Lentamente, sua garganta quase fechando com as palavras, Sam
relatou o que Nina havia dito no campus no dia anterior. Que não
tinha sido fácil para ela, passando tanto tempo com a família real ao
longo dos anos. Como eles inadvertidamente a colocaram de lado, a
fizeram se sentir inferior. Trataram-na como uma segunda opção.
A expressão de seu irmão endureceu e ele murmurou uma
maldição. — Não acredito que ela se sentiu assim e eu não
percebi…
— É minha culpa também. Ela era minha melhor amiga muito
antes de se tornar sua namorada secreta.
Jeff olhou para ela, alertado por algo em seu tom. — Você está
com raiva por eu não ter contado?
— Não estou com raiva — Sam admitiu — Só... doeu, eu acho.
Achei que você confiasse em mim com esse tipo de coisa. —
Mesmo quando ela disse isso, Sam se contorceu em sua própria
hipocrisia, porque ela não tinha contado a Jeff sobre ela e Teddy.
Bem, ela definitivamente não contaria a ele agora, dado que
Teddy tinha acabado de ficar noivo da irmã deles.
As luzes do detector de movimento no teto piscaram quando sua
mãe entrou na sala de mídia.
— Aí estão vocês! — a rainha proclamou, sua voz cheia de
impaciência — Samantha, estou procurando por você. Eu preciso de
você agora.
— Para quê? — Sam perguntou com cautela.
— Preparação do casamento. Vamos. — Adelaide deu meia-volta
e conduziu a filha pelo corredor, depois desceu vários lances de
escada. A trança em cauda de peixe de Sam balançava para frente
e para trás como um pêndulo com seus passos.
Preparação do casamento. Na noite anterior, Beatrice anunciou a
notícia do noivado para a família reunida – com Teddy ao seu lado,
é claro. Houve muitos abraços, champanhe e planejamento de uma
festa de noivado para toda a côrte, o que fez Sam se sentir um
pouco mal.
Quando eles pisaram no corredor que conduzia abaixo do palácio,
Sam quase parou no meio do caminho. — Vamos para o cofre?
A rainha lançou-lhe um olhar perplexo. — Algo está errado?
Normalmente você não pode esperar por uma desculpa para vir
aqui.
Embora as Jóias da Coroa tecnicamente pertencessem ao
Estado, o direito de tomá-las era concedido apenas a critério do
monarca, o que significava que, agora, as únicas pessoas com
acesso eram a rainha, as princesas e a rainha-mãe – e,
ocasionalmente, tia Margaret e tia Evelyn. Normalmente, eles
agendavam uma visita antes de cada evento black-tie, para
coordenar quais jóias cada um usaria. Às vezes, a rainha trazia seu
estilista favorito junto, para que ele pudesse fazer um vestido
especificamente para mostrar um determinado item de joalheria.
Elas provavelmente estavam aqui para escolher suas joias para a
grande festa de Beatrice e Teddy. Outra ocasião para celebrar
Beatrice, Sam pensou estupidamente. O que mais havia de novo.
Ela se perguntou o que sua mãe pensava sobre o noivado rápido
de Beatrice. Talvez ela fosse quem pressionou Beatrice para isso.
— Não consigo acreditar nas notícias sobre Teddy e Beatrice —
Sam começou, testando o terreno — Você não acha que parece um
pouco rápido?
A rainha encolheu os ombros. — Quando você sabe, você sabe.
Eu sabia que seu pai era o único no final do nosso terceiro encontro.
Sam ergueu uma sobrancelha com ceticismo, mas sua mãe não
havia terminado: — Beatrice claramente se sentiu certa o suficiente
em sua escolha de que não precisava esperar mais. Ela sempre
teve certeza do que queria. — Ao contrário de você era a implicação
silenciosa.
— Acho que sim — Sam murmurou, não convencida. Era fácil ser
decisivo quando tudo o que você fazia era obedecer às ordens de
seus pais.
Elas entraram em um corredor subterrâneo sombreado. O ar
estava especialmente frio aqui; Sam se abraçou, tentando não
estremecer em seu fino suéter preto. Dois guardas de segurança
estavam de cada lado de uma pesada porta de metal.
A rainha pressionou a palma da mão contra um painel de
biossegurança e a porta abriu para dentro, revelando que tinha
quase um metro de espessura. Sam seguiu sua mãe para dentro,
sentindo seu ânimo melhorar um pouco, apesar de tudo.
A sala ganhou vida com as mesas iluminando-se uma à uma.
Atrás das vidraças, contra um pano de fundo de veludo preto, ouro e
marfim reluzentes e inúmeras joias. Sam sabia com certeza que
nada aqui estava seguro, porque como alguém poderia começar a
designar um valor financeiro para esses itens? Eles eram totalmente
inestimáveis.
Esta foi de longe a parte mais lucrativa da receita de turismo do
palácio: a "Experiência das jóias da coroa" custou dez dólares
adicionais por ingresso, que quase todos pagaram. Nos meses
movimentados de verão, a linha de entrada serpenteava pelo
corredor por horas.
Sam vagou além da primeira caixa, a que continha todos os trajes
cerimoniais: o Grande Cetro, o Orbe do Estado, a Mão da Justiça.
Mais adiante havia uma coleção de delicadas caixas de bolo de
casamento de porcelana que, surpreendentemente, ainda continha
uma fatia de bolo de cada casamento real. O glacê estava sólido
como um tijolo agora.
Ela fez uma pausa nas coroas e tiaras. Havia quase uma dúzia
delas, algumas pesadas e masculinas, outros delicados e
filigranados, incluindo algumas coroas do tamanho de crianças para
os príncipes e princesas reais. Ao longo dos primeiros cem anos da
história da América, os reis e rainhas encomendaram suas próprias
coroas para cada coroação, até que a despesa foi eventualmente
considerada muito grande.
A mais grandiosa de todas era a Coroa Imperial do Estado,
aquela que fora usada em todas as coroações desde a do Rei
George III. Ele brilhava por toda parte com pedras – no centro
estava um enorme rubi de cem quilates chamado Sangue do
Coração, roubado na Guerra Hispano-Americana – e um conjunto
de pérolas que diziam ser do colar da Rainha Martha.
As memórias de Sam da coroação de seu pai eram nebulosas;
seu avô, o rei Eduardo III, morrera repentinamente. Ninguém
esperava que George assumisse o trono por mais vinte anos, pelo
menos.
Ela se lembrou da expressão no rosto de seu pai enquanto ele
recitava as palavras do juramento da coroação: Juro-te que toda a
minha vida, seja longa ou curta, será dedicada ao teu serviço e ao
serviço desta grande nação ao qual todos pertencemos.
— Com quem ele está falando? — ela sussurrou para Beatrice, de
dez anos, que estava ao lado dela, parecendo maravilhada e talvez
um pouco assustada. Mas então, Beatrice sabia que ela seria a
próxima.
— Todo mundo. Com a América — respondeu Beatrice.
Sam observou, sem fôlego, enquanto seu pai estendia a mão para
a enorme coroa reluzente e a colocava sobre a cabeça.
Em outros países, reis e rainhas eram coroados em igrejas, por
sacerdotes. Mas esta era a América, onde o Estado era o Estado,
sem envolvimento de nenhuma entidade religiosa. Aqui os
monarcas se coroavam.
— Vossa Majestade. Muito obrigada por ter arranjado tempo —
ela ouviu Teddy dizer enquanto caminhava pela porta e entrava no
cofre. Ele começou a se curvar para a rainha, que ignorou o
movimento e o puxou para um abraço.
— Estamos tão emocionados por vocês dois — murmurou a
Rainha Adelaide. Sam revirou os olhos.
Teddy parou de repente quando notou Sam. — Samantha. Eu não
sabia, quero dizer, não esperava que você se juntasse a nós.
O telefone da rainha tocou e ela olhou para a tela com a testa
franzida. — Eu tenho que atender isso — disse ela com um suspiro
resignado — Por que vocês dois não começam sem mim?
Começar? Sam sentiu seu peito apertar de pânico. Eles estavam
realmente aqui para escolher o anel de noivado de Beatrice??
Teddy empalideceu. — Tudo bem, podemos esperar…
— Não seja ridículo — Adelaide assegurou-lhe — Você está em
boas mãos. Afinal, Samantha é a dama de honra.
— Eu não sou a dama de honra. Quer dizer, Beatrice não me
perguntou — Sam murmurou.
A rainha trocou um olhar carregado com Teddy, como se
procurasse simpatia pela obstinação de Sam. — Ela não precisa
perguntar. Ela é sua irmã; está entendido, — disse ela secamente.
Antes que qualquer um deles pudesse protestar, ela saiu da sala,
deixando os seguranças na porta — Continue, só vou demorar um
minuto!
Samantha pensou brevemente em fugir. Mas essa era a coisa
covarde a fazer, e a última coisa que Sam queria era que Teddy
pensasse que ele a havia abalado. Ela endireitou os ombros e
começou a ir em direção à última fileira de vitrines, aquelas pelas
quais todos realmente vinham: as jóias. Um dos guardas de
segurança destrancou a tampa de vidro antes de recuar com um
aceno de cabeça.
Teddy veio ficar ao lado dela. Ele parecia estranhamente
cauteloso, como se esperasse que Sam se voltasse para ele com
uma enxurrada de insultos a qualquer momento, ou talvez o
esmurrasse com os punhos.
Ela apenas olhou para os anéis, ignorando-o.
— Estou desesperado. — arriscou Teddy, quebrando o silêncio —
Todos eles estão lindos. Como devo escolher? — Ele abriu a vitrine
para retirar um dos anéis, uma elegante faixa de platina circundada
com diamantes em lapidação baguete.
— Minha avó mandou fazer aquele para comemorar seu vigésimo
quinto aniversário de casamento — ela não tinha certeza de por que
disse isso a ele.
— Nesse caso, talvez tenha alguma sorte — Teddy lançou um
rápido olhar para Sam, mas ela ainda se recusou a encontrar seu
olhar. Em vez disso, ela se moveu de lado ao longo da caixa,
estudando as várias jóias de destaque aninhadas dentro.
Algumas delas ela escorregou em seu próprio dedo: uma
esmeralda enorme de treze quilates, um diamante oval em uma
aliança de ouro rosa. Elas eram todas inquestionavelmente bonitas,
mas para Sam, seu apelo era muito mais do que beleza.
Eles eram fragmentos vivos da história. Cada vez que ela
colocava um, Sam sentia os fantasmas de seus ancestrais
sussurrando para ela através dos séculos. Os anéis a fizeram se
sentir mais confiante, até mesmo majestosa.
Não que ela algum dia fosse uma Vossa Majestade.
Teddy pigarreou. — Sinto muito, mas tenho que perguntar... você
está apenas com raiva de mim ou algo mais está acontecendo?
— Oh, então você decidiu que agora é um bom momento para
começar a se preocupar com meus sentimentos?
— Por favor, Sam. Estou tentando aqui.
Sam sentiu a raiva vazando dela, só um pouco. Depois de tudo o
que aconteceu entre eles, ela não queria exatamente entrar nisso
com Teddy. Mas ela não tinha mais ninguém com quem conversar. E
ele era um bom ouvinte.
— Nina e eu brigamos. Acima de tudo... parece que há muito
acontecendo.
— Você sente falta dela — não foi uma pergunta.
— Costumávamos nos falar constantemente, e agora, de repente,
silenciamos o rádio. Parece que metade do meu monólogo interno
foi repentinamente desligado.
— Você já se desculpou?
— O que te faz pensar que fui eu que fiz algo errado? — Sam
disse automaticamente, então prendeu a respiração ao ver a
expressão irônica no rosto de Teddy — Eu não sei. As coisas que
dissemos uma à outra... Não tenho certeza se seremos capazes de
perdoar e esquecer.
— Quem falou em esquecer? O objetivo do perdão é reconhecer
que alguém o magoou e ainda amá-lo, apesar disso. — Pela
maneira como Teddy disse isso, Sam sabia que não estava mais
falando apenas de Nina.
Ele pegou um dos anéis. Parecia muito pequeno, centralizado ali
em sua palma. Ele rapidamente colocou de volta. — Qual você
escolheria?
Seus olhos dispararam para um diamante rosa de corte
almofadado rodeado por um halo de diamantes menores.
Sem dizer nada, Teddy pegou o anel nas mãos. Ele olhou para ela
com expectativa.
Um feitiço silencioso parecia ter caído sobre eles. Samantha
prendeu a respiração quando colocou a mão na dele. Lentamente,
nenhum dos dois ousando falar, ele deslizou o anel em seu dedo.
Encaixou perfeitamente.
Seus rostos estavam de repente muito próximos. O batimento
cardíaco de Sam ecoou em seus ouvidos. Ela sabia o que o gesto
antiquado de Teddy significava. Ele estava silenciosamente
desejando que ela entendesse que mesmo que seu amor nunca
pudesse acontecer, por razões muito mais poderosas do que
qualquer um deles, ele sempre se importaria com ela.
Ela engoliu em seco e se obrigou a recuar. — Você não está
escolhendo para mim, no entanto. E este anel não se parece com
Beatrice.
Teddy largou a mão dela com visível relutância. Sam se odiava
pelo quão solitária sentia a palma de sua mão sem que ele a
tocasse.
Ela nunca foi boa em disfarçar seus sentimentos. Havia algo
muito imediato em seu rosto, a maneira como todas as suas
emoções se manifestavam em suas feições como sombras de
nuvens na água. Ela se virou, porque sabia que se continuasse
olhando para ele, ele veria exatamente o que ela estava pensando.
Teddy pegou um anel muito antigo que pertenceu à Rainha
Thérèse, a única rainha francesa que a América já teve. Parecia
Beatrice, clássica e elegante: um diamante solitário simples em uma
faixa de ouro branco. Ambos arfaram quando um raio de luz atingiu
a pedra multifacetada, lançando um brilho de pontinhos dançantes
que se espalharam pelas paredes do cofre.
— Parece que você conhece Beatrice muito bem. — Sam
conseguiu soar quase normal, embora ela pudesse sentir seu
coração quebrando novamente.
— Oh! Aquele é perfeito — gritou a rainha, que acabara de entrar
no cofre. Ela se apressou para puxar Teddy para outro abraço,
sorrindo, exclamando seus parabéns sem parar.
Ninguém percebeu quando Samantha deslizou o diamante rosa
de seu dedo e o colocou de volta no veludo preto da vitrine.
BEATRICE

— Não acredito que estamos fazendo sua entrevista de noivado! —


Dave Dunleavy exclamou em sua voz estrondosa de televisão.
Beatrice esboçou um sorriso tenso em resposta.
Dave era o correspondente real sênior da mídia desde que
Beatrice era criança. Ele conduziu todas as entrevistas importantes
da vida dela, desde a primeira aos cinco anos – uma entrevista
conjunta com o pai dela, quando Dave exibiu desenhos bobos no
teleponto para ter certeza de que ela sorriria – até a muito séria que
ela tinha feito em seu aniversário de dezoito anos. Beatrice havia
pedido pessoalmente por Dave para as filmagens ao vivo de hoje.
Como esperado, ele agarrou a chance de apresentar ao mundo o
futuro rei consorte da América.
Um pequeno grupo de funcionários agitava-se ao redor deles,
preparando a sala – um dos salões menores no primeiro andar –
para a entrevista. Algumas portas adiante ficava o Media Briefing
Hall, onde o secretário de imprensa do palácio falava com
repórteres todas as manhãs atrás de um pódio, abordando questões
de política ou orçamento. Mas para essas conversas íntimas e
pessoais, a família real preferia uma sala de estar.
— Teddy, como você está se sentindo? — Dave olhou para Teddy,
que estava completamente imóvel enquanto um assistente prendia
um pequeno microfone em sua camisa.
— Nervoso — admitiu Teddy — A América vai decidir sobre mim
agora. O que quer que eles pensem de mim depois dos próximos
vinte minutos, é o que eles vão pensar de mim pelo resto de suas
vidas. Então, você sabe, sem pressão.
— As primeiras impressões são importantes — Dave concordou
sabiamente — mas não há necessidade de se preocupar. Seu
relacionamento falará por si.
Robert Standish moveu-se para o lado da sala, um fone de ouvido
Bluetooth enfiado no ouvido. Ele chamou a atenção de Beatrice e
acenou com a cabeça, todo profissional. Ao lado dele estava o
segurança substituto de Beatrice, um guarda chamado Jake, que
normalmente trabalhava na entrada do palácio.
Essa foi a única pequena bênção: a ausência de Connor. Beatrice
sentiu vergonha de sua própria covardia, mas ela planejou
propositalmente esta entrevista para uma quinta-feira porque era o
dia de folga de Connor. Ela não queria ver a expressão em seu rosto
enquanto observava ela e Teddy encenarem esse relacionamento
na frente do mundo inteiro.
Ela havia tentado, tantas vezes, contar a Connor sobre seu
noivado. Mas sempre que ela se preparava para compartilhar a
notícia, ela via a expressão em seu rosto – e as palavras morriam
em seus lábios. Vou contar a ele amanhã, ela se assegurou. Só
mais uma noite em que ele sorri para mim assim, antes que tudo
desmorone.
Esta manhã, Beatrice sabia que não podia esperar mais; ela tinha
que contar a ele, ou arriscaria que ele descobrisse pela mídia. Mas
quando ela estendeu a mão por cima da cama para tocar Connor,
ele já tinha ido embora.
— Tudo certo. Vocês dois estão prontos? — Dave perguntou,
sentando-se na poltrona em frente a eles.
Beatrice se acomodou ao lado de Teddy no sofá, alisando uma
ruga inexistente de seu vestido azul marinho pregueado. Alguém
ajustou uma luz do teto, e ela apertou os olhos para a claridade
repentina. O quarto estava muito quente. — Estou pronta.
— Tão pronto como nunca estive — ecoou Teddy.
— Rodando — disse o cameraman suavemente, a alguns metros
de distância.
Dave acenou com a cabeça. — Que honra é poder falar com
vocês dois em um dia tão feliz. Princesa Beatrice, você gostaria de
compartilhar pessoalmente suas novidades?
Como a profissional que era, Beatrice ergueu os olhos para a
câmera e sorriu. — Tenho o prazer de anunciar que Theodore Eaton
e eu estamos noivos. Eu o pedi em casamento na semana passada
e, felizmente, ele disse que sim.
— Sei que falo pela América quando digo como estou
emocionado por vocês dois — respondeu Dave — É claro pelos
olhares em seus rostos que vocês estão muito apaixonados.
Apaixonados. Certo. Beatrice olhou para Teddy com o que
esperava ser um sorriso brilhante.
Naquele exato momento, a porta no fundo da sala se abriu e uma
figura alta e familiar entrou.
O tempo parou momentaneamente.
Não, Beatrice pensou desesperadamente. Connor não deveria
estar aqui. Estava tudo errado.
Os olhos de Connor encontraram os dela, então foram para o
enorme diamante no dedo de Beatrice, que de repente parecia
incrivelmente pesado. Ela viu as mudanças rápidas em sua
expressão, de perplexidade, para compreensão, para a dor
devastadora que se seguiu.
Ela se odiou naquele momento, por ser a fonte daquela dor.
— Conte-nos sobre seu relacionamento, Beatrice. Parece que foi
um redemoinho! — Dave continuou — Como você decidiu que
estava pronta para noivar?
Não foi à toa que Beatrice viveu toda a sua vida sob os holofotes.
Seu sorriso nunca vacilou.
— Como minha mãe sempre me disse: quando você sabe, você
sabe — ela respondeu, sem perder o ritmo — Eu soube
imediatamente que Teddy era alguém com quem eu poderia me ver
casando. — De certa forma, era verdade. Ela conheceu Teddy com
o propósito específico de encontrar um futuro marido.
Teddy pegou a mão dela, entrelaçando os dedos no sofá entre
eles.
Connor respirou fundo com o gesto e saiu da sala. Beatrice
gostaria de poder olhar, mas não ousou. Ela apenas continuou
sorrindo.
Teddy deve ter percebido seu pânico repentino, porque ele se
inclinou para frente e baixou a voz conspiratoriamente. As câmeras
giraram obedientemente em sua direção.
— Minha primeira impressão foi um pouco diferente — confessou
a Dave. — Para ser sincero, pensei que Beatrice não gostasse de
mim, porque ela se recusava a dançar comigo. Não que eu a
culpasse, — ele acrescentou, com aquele sorriso desarmante que
revelou suas covinhas gêmeas — ela está tão fora do meu alcance,
presumi que não tinha chance.
— Ela não dançava com você! — Dave agarrou-se avidamente a
este boato — Por que não?
A atenção da sala voltou-se para Beatrice, mas agora ela havia
recuperado a compostura. Ela deixou seus olhos encontrarem os de
Teddy em um único instante de gratidão. Ele pode não saber por
que ela estava chateada, mas ele fez o seu melhor para protegê-la
da mesma forma.
— Eu sei, erro meu — ela disse levemente — Felizmente para
mim, tenho uma vida inteira dançando com Teddy para compensar
isso. — Ela viu pela expressão radiante de Dave que havia dito a
coisa certa.
Ela poderia fazer isso, Beatrice lembrou a si mesma, apertando a
mão de Teddy para se tranquilizar. Ela poderia sentar-se diante
dessas câmeras e girar sua vida no romance de conto de fadas que
a América ansiava. Ela podia sorrir até o amargo fim, custe o que
custasse, porque era uma Washington e fora treinada para sorrir em
qualquer situação. Mesmo com seu próprio coração partido.

Após a entrevista, Robert perguntou a Beatrice e Teddy se eles não


se importariam de fazer uma caminhada – sair e cumprimentar a
multidão que os esperava. Aparentemente, a maior parte da capital
estava assistindo à transmissão e já havia inundado as ruas para
parabenizá-los.
Teddy olhou para Beatrice em busca de confirmação. — Tudo
bem — disse ela, com a garganta rouca. Ela continuou olhando ao
redor em busca de Connor, mas não o viu.
As pessoas se acotovelavam atrás dos portões de ferro do
palácio, agitando bandeiras americanas em miniatura, gritando os
nomes de Beatrice e Teddy. No momento em que eles apareceram
nos degraus da frente, o nível de decibéis aumentou ainda mais.
— Você começa pela esquerda e eu vou pela direita? — Teddy
ofereceu. Beatrice assentiu.
Ela caminhou metodicamente ao longo da multidão, parando para
apertar as mãos sempre que podia, sorrindo para as telas de
telefone que eram colocadas em seu rosto. As pessoas atiraram
flores quando ela passou; Beatrice se abaixou para aceitar uma
delas, um punhado de margaridas simples de jardim de uma
menina. "Ela olhou para mim!” mais de uma pessoa gritou, dando
uma cotovelada em um amigo. Todos pareciam desesperados para
captar seu olhar, para escovar seu casaco, para sentir de alguma
forma que haviam reivindicado um pedaço dela. À sua direita,
Beatrice viu Teddy aceitando graciosamente os parabéns,
abraçando as pessoas por cima da barreira. Ele realmente era
naturalmente talentoso nisso
Só mais tarde, depois que Teddy finalmente voltou para casa e
Beatrice começou a subir as escadas para o quarto dela, que ela
olhou pela janela e avistou Connor.
Ele estava no pátio de mármore: uma figura sozinha e solitária
segurando um cigarro na mão.
Ela teve que se esforçar para não sair correndo enquanto se
dirigia para as salas de recepção do primeiro andar e para fora.
Connor ficou tenso, mas de outra forma não reconheceu sua
chegada.
Beatrice queria dizer um milhão de coisas: que sentia muito e que
o amava e que ele poderia perdoá-la. Tudo o que ela deixou
escapar foi: — Não sabia que você fumava.
— Apenas em situações extremas — disse ele secamente, e se
virou.
Beatrice instintivamente estendeu a mão para ele, para puxá-lo de
volta, então se conteve, baixando o braço lentamente para o lado.
— Por favor. Você daria um passeio comigo?
Ela precisava falar com ele em particular, e não tinha ideia de
onde mais eles poderiam ir. O palácio estaria fervilhando de gente
agora: camareiros e camareiras, cortesãos, turistas e ministros de
estado. Os jardins só estavam abertos para passeios em grupo
durante os meses de verão. Era janeiro, então tudo parecia
monótono e morto, mas pelo menos eles podiam falar sem medo de
serem ouvidos.
Connor jogou o cigarro nas placas de mármore preto e branco,
desgastado por séculos de tráfego de pedestres. Ele apertou o
calcanhar, desafiando Beatrice a comentar, mas ela ficou em
silêncio. — Tudo bem — ele consentiu.
Eles começaram a descer o caminho de cascalho no centro dos
jardins. Céus cinzentos formavam um arco no alto, espelhando as
águas cinzentas do Potomac à distância. O ar parecia forte.
— Lamento não ter te contado — as palavras de Beatrice caíram
agudamente no silêncio. — Eu quis, tantas vezes, mas…
— Você o pediu em casamento, Beatrice. Como você acha que
me senti, vendo você fazer uma entrevista de noivado e com alguém
como ele?
— Teddy é realmente uma pessoa legal — ela não pôde deixar de
dizer, o que só piorou as coisas.
— Oh, então agora você o está defendendo?
A luz do inverno se filtrava pelos galhos nus acima, caindo nas
esculturas que ladeavam os caminhos. As fontes estavam todas
vazias, para evitar que congelassem. Elas pareciam nus e solitários
sem seus jatos de água cintilantes.
— Isso é por causa do seu pai, não é? — Connor perguntou —
Porque ele está doente?
Beatrice deu um aceno miserável, sem surpresa que ele tivesse
descoberto. — Ele quer que eu me case antes que ele morra. Acho
que vai dar a ele paz de espírito, saber que ele está deixando o país
em boas mãos.
— Ele estará deixando o país em boas mãos com você. Não há
ninguém mais inteligente ou mais capaz.
— Eu acho que ele quer garantir a sucessão — ela esclareceu,
sua voz sombria — Se certificar de que as coisas estejam
preparadas para a próxima geração de Washingtons.
À menção de crianças, Connor parou seus passos. Por um
momento, Beatrice pensou que ele fosse sair furioso, se afastar dela
e nunca mais olhar para trás.
Em vez disso, ele caiu sobre um joelho diante dela.
O tempo parou momentaneamente. Em alguma parte confusa de
sua mente, Beatrice se lembrou de Teddy, rigidamente ajoelhado a
seus pés enquanto ele jurava ser seu vassalo. Isso parecia
totalmente diferente.
Mesmo ajoelhado, Connor parecia um guerreiro, cada linha de
seu corpo irradiando um poder tenso e força.
— Me mata não ter mais a oferecer a você — disse ele
asperamente — Não tenho terras, nem fortuna, nem título. Tudo o
que posso dar a você é minha honra e meu coração. Que já
pertence a você.
Ela teria se apaixonado por ele naquele momento, se já não o
amasse tanto que isso fazia cada célula de seu corpo queimar.
— Eu te amo, Bee. Eu te amei por tanto tempo que esqueci como
era não te amar.
— Eu também te amo — seus olhos ardiam de lágrimas.
— Eu entendo que você tem que se casar com alguém antes que
seu pai morra. Mas você não pode se casar com Teddy Eaton.
Ela observou enquanto ele procurava alguma coisa em sua
jaqueta – será que ele comprou um anel? Ela pensou
descontroladamente – mas o que ele puxou foi uma caneta
permanente preta.
Ainda ajoelhado diante dela, ele deslizou o anel de noivado de
diamante do dedo de Beatrice e o enfiou no bolso da jaqueta dela.
Usando a caneta, ele traçou um laço fino ao redor da pele do dedo
de Beatrice, onde seu anel estava.
— Lamento que não seja um anel de verdade, mas estou
improvisando aqui — havia um tom nervoso na voz de Connor que
Beatrice não tinha ouvido antes. Mas quando ele olhou para cima e
falou as palavras seguintes, seu rosto brilhou com uma esperança
feroz e fervorosa.
— Case comigo.
Naquele instante, Beatrice se esqueceu de quem ela era – o
nome com o qual nascera, o manto de responsabilidade que logo
vestiria. Ela esqueceu seus títulos, sua história e as promessas que
havia feito. Ela pensava apenas no jovem que se ajoelhava diante
dela e no fato de que cada fibra de seu ser gritava sua resposta –
sim sim sim.
Quando voltou à razão, tudo pesava mil vezes mais do que antes.
— Eu sinto muito.
Beatrice fechou os olhos para não ter que ver o rosto de Connor.
Ele estava de pé em um movimento rápido e fluido, o espaço
entre eles doendo.
— Você está realmente fazendo isso — disse ele pesadamente
—, você está realmente escolhendo ele?
— Não! — ela gritou, balançando a cabeça — Não é isso. Só
porque vou casar com ele, não significa que o estou escolhendo.
Mas Connor, você sabe que você e eu... é impossível.
— É mesmo? — ele disse dolorosamente.
A pele de Beatrice arrepiou de frio. — Eu não quero isso tanto
quanto você. Mas podemos descobrir algo. Encontraremos uma
maneira de continuar a nos ver...
— O que você está dizendo? — Connor interrompeu.
— Estou dizendo que te amo e não quero perder você!
— Então você quer que eu... o quê? Apenas fique aqui como seu
guarda? Que eu assista do lado de fora, sozinho, enquanto você se
casa com ele, e eventualmente tenha filhos com ele? Roubar
momentos juntos quando pudermos nos safar, sempre que seu
marido estiver fora da cidade? Não — ele disse amargamente — Eu
te amo, mas isso não significa que eu quero viver do tempo que
você tiver de sobra da sua vida real.
— Sinto muito — sussurrou Beatrice em meio às lágrimas — Mas
Connor, você sempre conheceu as restrições da minha posição.
Você sabe quem eu sou.
— Eu sei o que você é. Mas eu não tenho certeza se sei quem
você é. A Beatrice que conheço nunca me pediria isso.
Beatrice se sentiu de repente terrivelmente solitária.
Ela pegou a mão dele, mas ele recuou um passo. O pânico
percorreu sua espinha. — Por favor — ela implorou —, não desista
de nós.
— Foi você quem já desistiu de nós, Bee — ele soltou um suspiro
pesado — Se esta for realmente sua escolha, é claro que não posso
fazer nada para impedi-la. Tudo o que posso fazer é me recusar a
fazer parte disso.
— O que você vai...
— Considere esta minha renúncia formal. Quando voltarmos para
o palácio, direi ao meu supervisor que preciso ser transferido.
Uma vez, na terceira série, Beatrice caiu do cavalo e quebrou o
braço. Os médicos garantiram a ela que não era grande coisa, que
muitas pessoas quebravam os braços e que os ossos
frequentemente voltavam a ficar mais fortes nos lugares quebrados.
Parada aqui no jardim frio e vazio, ela pensou naquele dia, em
quanta dor ela havia sentido e como isso era exponencialmente pior.
Era muito mais fácil quebrar um braço do que quebrar seu coração.
Corações não se curam. Os corações não se refazem mais fortes
do que antes.
— Aceito sua renúncia. Obrigada pelo seu serviço — ela disse a
ele, e a voz que saiu dela foi uma voz que Beatrice nunca tinha se
ouvido usar antes – dura, calma, tensa com controle.
Foi a voz de uma rainha.
Connor deu um aceno silencioso antes de voltar para o palácio.
Beatrice esperou até ouvir seus passos triturando o caminho de
cascalho antes de levantar a mão para estudar a linha de caneta
permanente inscrita lá. Ela mal podia ver através do borrão de sua
visão.
Ela enfiou a mão no bolso para pegar o anel de noivado de
diamante e colocou-o de volta no dedo, cobrindo até o último
vestígio da tinta.
NINA

— Venha para a festa da fraternidade de Logan comigo esta noite?


— Rachel implorou.
Nina balançou a cabeça automaticamente. Durante toda a
semana, após sua briga explosiva com Samantha, ela ficou
acampada aqui em seu dormitório, emergindo apenas para ir a pé
para suas aulas ou para seu trabalho na biblioteca, um casaco com
capuz puxado para baixo sobre a cabeça. De jeito nenhum ela iria
para algo tão lotado e hipersocial como uma festa de fraternidade.
Ela se enrolou de lado e fechou os olhos, esperando o som de
Rachel fechando a porta.
Em vez disso, Rachel foi até a cama e arrancou o cobertor de
Nina. — Levante-se. — ela retrucou — Chega de chafurdar em seu
quarto.
— Eu não posso…
— Sim, você pode. — Rachel abriu as portas do guarda-roupa de
Nina e começou a puxar vários itens, jogando-os um após o outro
na cama. Sua vivacidade era contagiante. — Vista-se e vamos.
— Tudo bem — Nina concordou assustada.
Rachel colocou música em seu telefone, cantando com uma voz
distintamente desafinada enquanto esperava sua amiga ficar pronta.
Nina vestiu uma blusa de crochê preta e jeans skinny, com um longo
colar de ouro com várias faixas. Então prendeu o cabelo em um
rabo de cavalo alto, revelando os piercings que subiam pela
cartilagem de suas orelhas. Deixe as pessoas olharem, ela pensou,
com uma nova ferocidade. Rachel estava certa – era hora de ela
parar de se esconder.
Quando saíram, Nina ficou agradavelmente surpresa ao ver que
apenas um único paparazzi estava estacionado fora de seu
dormitório. Ele tirou algumas fotos desanimadas, murmurando para
si mesmo, então começou a arrumar seu equipamento.
Rachel deu uma risada brilhante de mercúrio. — Parece que o
noivado de Beatrice tirou o calor de você.
— Aparentemente sim — Nina não era tão próxima da irmã mais
velha de Sam, mas ainda assim, ela se sentia estranhamente grata
a ela.
Rachel levou Nina a um antigo prédio de tijolos vermelhos no final
da Somerset Drive, que os alunos da Universidade Real chamavam
simplesmente de "A Rua", uma vez que era ladeada em ambos os
lados com todas as casas de fraternidades e irmandades. Em noites
como essa, os carros nem mesmo tentavam dirigir pela Rua; havia
muitos universitários caindo na calçada, segurando seus telefones
nas orelhas, indo e voltando de uma casa para outra enquanto
festejavam. Apesar do tempo frio, algumas das casas tinham barris
e música nos gramados da frente, para que as pessoas pudessem
levar a festa para fora.
No momento em que entrou pela porta da frente, Nina ouviu os
sussurros: Ela é mais bonita do que eu esperava; ela não é tão
bonita; você acha que os seios dela são reais? olha o que ela está
vestindo. As pessoas ergueram seus telefones para tirar fotos pouco
sutis dela, que provavelmente esperavam vender para algum
tablóide ou site de fofoca.
— Nina! Como você está? — uma garota de sua aula de inglês –
Melissa? Marissa? – avançou com um sorriso ansioso — O Jeff está
aqui? — Ela olhou ao redor de Nina, como se Nina pudesse estar
escondendo o Príncipe da América na varanda da frente da
fraternidade.
— Ele não está — disse Nina laconicamente.
— Que pena! Espero que ele venha na próxima vez — Melissa-
ou-Marissa respondeu, na voz ansiosa de alguém que prospera na
fofoca. Isso quebrou o – já tênue – autocontrole de Nina.
— Com licença — ela murmurou, e passou pela garota para a
festa, Rachel logo atrás dela.
A sala de estar da casa de dois andares da fraternidade estava
cheia de outros alunos, muitos deles segurando copos descartáveis
vermelhos. Um videoclipe passava na enorme TV. Em uma sala
próxima, grupos de alunos se reuniram ao redor de uma mesa de
plástico, alinhando seus copos de cerveja para um jogo de bebida.
Pode ter sido imaginação de Nina, mas ela achou que o barulho
da festa diminuiu um pouco com sua chegada, enquanto as pessoas
cutucavam seus amigos e a apontavam. No momento em que ela
passava, pequenas correntes e redemoinhos de sussurros
ondulavam em seu rastro.
Ela parou perto da porta do quintal e ergueu o queixo, desafiando
as pessoas a dizerem algo. Eventualmente, o nível de ruído na sala
voltou a calibrar-se para o normal.
— Prometa que vai ficar pelo menos uma hora. Você está linda
demais para desperdiçar essa roupa se lamentando em seu quarto
— Rachel implorou, como se estivesse lendo seus pensamentos.
Nina esboçou um meio sorriso. — Estou feliz que você me
arrastou para fora. Mesmo com o fato de que você me trouxe para
uma festa de fraternidade.
— Não há nada de errado com uma festa da fraternidade de vez
em quando — Rachel disse calmamente — Além disso, se você for
embora agora, os haters vencem.
Alguns daqueles haters provavelmente estavam aqui agora. Nina
olhou ao redor da sala, cheia de olhares abertos e sorrisos falsos
brilhantes. Ela se perguntou quais desses alunos eram os que
enviaram fotos das salas de aula, zombando de suas escolhas de
roupas ou de sua “falta de classe”. Quantos deles haviam se
conectado aos painéis de comentários para chamá-la de um nome
feio?
Ela nunca havia percebido como deve ser difícil para a família real
saber onde depositar sua confiança.
Rachel soltou um suspiro. — Sabe, eles me procuraram.
— 'Eles'?
— Revistas, blogs. Não sei como eles me encontraram, mas
descobriram que somos amigas. Eles me ofereceram mil dólares em
troca de informações sobre você, fotos comprometedoras, qualquer
coisa. Eu disse a eles para irem para o inferno, obviamente. —
Rachel disse rapidamente — Mas eu pensei que você deveria saber.
Nina recuou com o choque. — Obrigada. Isso significa muito para
mim.
— Como se eu fosse trair minha amiga. Sem mencionar minha
conexão para o status de VIP na biblioteca — Rachel sorriu,
encostando-se na parede e cruzando os braços — Agora, você
poderia me dizer por que ainda se recusa a falar com Jeff?
Algumas pessoas inclinaram a cabeça na direção deles, tentando
desesperadamente escutar sem serem óbvias. Nina
deliberadamente deu as costas para o resto da sala. — Eu
simplesmente não estou pronta para... seja lá o que for essa
conversa.
— Já se passaram quase duas semanas — disse Rachel sem
rodeios — E eu sei que ele está ligando sem parar. Ou devo dizer,
seu amigo imaginário Alex está ligando — os olhos de Rachel
brilharam com diversão — Isso foi meio óbvio, Nina. Da próxima vez
que você estiver escondendo um relacionamento secreto com um
príncipe, não ponha o contato dele como um de seus nomes do
meio.
Esse era o problema de ter amigos inteligentes e observadores,
Nina pensou ironicamente. Ela soltou um suspiro. — Eu sei que não
é completamente justo, mas parte de mim está com raiva de Jeff.
Toda essa tempestade da mídia é exatamente o motivo pelo qual eu
não queria contar a ninguém, e a história ainda se espalhou de
qualquer maneira.
Rachel bateu o calcanhar ossudo distraidamente no chão. — Jeff
não tirou aquelas fotos. Ele não merece pelo menos a chance de
dizer que está arrependido?
— Você está dizendo isso porque realmente acha que ele não tem
culpa, ou porque ele é o príncipe?
— Não vejo por que não pode ser as duas coisas — disse Rachel
fluentemente, e seu sorriso afrouxou um pouco a determinação de
Nina.
Como se fosse uma deixa, seu telefone vibrou com uma chamada
de Jeff. Ela começou a ignorar, mas o olhar cético de Rachel a
impediu. — Tudo bem, você venceu — ela murmurou, e atendeu.
— Hum, ei. É o Jeff — ele parecia nervoso, como se não
esperasse que ela atendesse – e agora que ela atendeu, ele estava
com medo de que ela pudesse desligar novamente — Eu vim para o
seu dormitório, mas você não estava respondendo.
— Você está no campus?
— Sim. Onde você está?
Nina se assustou ao responder. — Uma festa em uma das
fraternidades.
— Qual fraternidade?
— Sigma alguma coisa? Ouça, Jeff…
— Eu entendo se você não quiser falar comigo — houve um
estalo do outro lado da linha, como se ele estivesse se movendo
rapidamente e precisasse dizer tudo de uma só vez — eu só quero
me desculpar por toda a loucura que a imprensa fez você passar.
Você deve ter todas as expectativas de privacidade. Eu sinto muito.
Nina sentiu seu ressentimento diminuir lentamente. — Eu sei que
não é sua culpa.
— É Sigma Chi ou Kappa Sig? Ou SAE?
— Eu não sei, é a da esquina? — demorou um momento para
Nina perceber o que ele acabara de dizer — Espere, você está
aqui?
Houve o som de uma porta de carro batendo. — Olha, pelo
menos me deixe entregar este milkshake de chocolate da Wawa.
Especialmente depois que esperei por isso.
— Você foi ao Wawa você mesmo? — Nina tentou, e não
conseguiu, imaginar Jeff na fila. A loja inteira deve ter pedido selfies
com ele.
— Eu tive que ter certeza de que eles dariam a você os M&M’s
extras. Obviamente.
Antes que Nina pudesse responder, uma comoção cresceu atrás
dela. Ela sentiu os olhos de todos virarem abruptamente para a
porta da frente, depois para Nina e vice-versa, como se estivessem
assistindo a uma partida de tênis. Nina sabia, antes mesmo de se
virar, o que veria.
Era o príncipe Jefferson George Alexander Augustus, com o
telefone colado ao ouvido, segurando um milkshake Wawa em um
copo de plástico. — Estou aqui — disse ele desnecessariamente,
ainda falando ao telefone. Nina teve a sensação surreal de ouvir a
voz dele em seu ouvido e, ao mesmo tempo, a vários metros dela.
Ninguém estava nem ao menos fingindo não olhar, mas Nina não
se importou mais.
Ela desligou e foi em direção ao príncipe. Ele parecia
estranhamente nervoso, como se ainda não tivesse certeza de
como ela reagiria a ele. Nina também não tinha.
— Como prometido, sua entrega — declarou Jeff, entregando o
milkshake Wawa. Nina deu um pequeno gole para disfarçar sua
confusão.
— Jeff! — Rachel exclamou em seu jeito otimista e saltitante. Ela
havia ignorado seus títulos, Nina notou aturdida, o que Jeff
agradecia, e estendeu a mão em vez de fazer uma reverência — É
tão bom conhecê-lo. Eu sou Rachel Greenbaum.
— Eu ouvi muito sobre você — respondeu Jeff — E devo dizer
que você tem um gosto excelente em nomes para seus peixinhos
dourados.
— Você contou a ele! — Rachel se virou para Nina, embora ela
não parecesse chateada — Antes de me julgar, você deve saber
que cada garota em nosso corredor tem um pôster seu em seu
dormitório, exceto Nina. — ela deu um sorriso malicioso — Eu
entendo, no entanto. Por que ter um pôster seu quando ela já tem a
coisa real?
— A coisa real é muito mais trabalhoso, acredite em mim — Nina
rebateu, apenas um pouco provocando.
Os olhos de Jeff brilharam. — Mas o pôster entregaria a você
milkshakes sob demanda?
Contra seu melhor julgamento, Nina se aventurou a dar um passo
mais perto. Sua mente latejava de confusão.
— Há algum lugar onde possamos conversar? Em particular? —
Jeff perguntou.
— Você poderia subir para o escritório — Rachel sugeriu —
Garanto que ninguém vai trabalhar agora.
— Há um escritório aqui?
— Garotos da fraternidade tem lição de casa também — Rachel
deu de ombros, seus olhos indo para Jeff — Na verdade, Jeff, eles
dizem que seu tio e seu pai escreveram suas teses de último ano
naquela sala.
Nem Nina nem Jeff falaram enquanto subiam as escadas e
desciam o corredor, seu segurança pairando ao lado deles.
O escritório estava forrado de estantes de livros antigos, um par
de mesas circulares reunidas sob lâmpadas de ferro semelhantes às
de bancos. Nina prendeu a respiração quando o oficial de proteção
parou do lado de fora e fechou a porta. Ela colocou o copo sobre a
mesa; seu estômago estava muito contorcido de ansiedade para um
milkshake agora.
— Jeff, por que você veio?
— Para ver você — disse ele, como se fosse evidente.
— Não, quero dizer, por que você veio hoje? — Depois de eu ter
te evitado desde a semana passada, ela não precisou adicionar.
— Sam me disse que veio aqui. Ela também me contou o que
você disse, sobre como tem sido difícil estar envolvida com nossa
família todos esses anos. Eu sinto muito por fazer você se sentir
assim. — seus olhos estavam baixos — E então, na noite passada,
depois da entrevista de noivado de Beatrice, quando vi todas
aquelas pessoas se aglomerando ao redor dela e de Teddy fora do
palácio... eu deveria ter percebido que era por isso que você queria
manter nosso relacionamento em segredo. De qualquer forma, —
ele disse desajeitadamente — eu realmente sinto muito.
Ele prendeu a respiração antes de sua próxima pergunta, como
se não pudesse suportar perguntar, mas não pudesse suportar não
fazer.
— Nina... o que está acontecendo conosco? Nós vamos ficar
bem?
Nina passou a mão pela lombada dos livros próximos. Ela não
pôde deixar de notar que eles não estavam organizados em
qualquer tipo de ordem, nem em ordem alfabética ou pelo sistema
decimal de Dewey ou mesmo por cor. Uma parte perversa dela
queria arrancar todos eles, catalogá-los e então colocá-los de volta
nas prateleiras adequadamente.
— Eu quis dizer o que disse antes, — acrescentou Jeff, divagando
no silêncio — a forma como a mídia tem tratado você está
completamente fora dos eixos. Eu sinto muito por minha parte nisso.
— Eu sei, — Nina ainda não estava pronta para dizer Está tudo
bem.
— mas ainda estou curiosa para saber como os paparazzi sabiam
sobre nós — ela continuou, expressando um pensamento que tivera
várias vezes na semana anterior — alguém deve ter avisado para
eles estarem prontos e esperando do lado de fora do meu dormitório
com uma câmera de lente longa.
— Ninguém sabia sobre nós. Exceto pela minha equipe de
segurança e a equipe em Matsuhara, e não acho que eles nos
traíram.
— Você nunca contou a ninguém? Nem mesmo Ethan? — Ela
não precisava apontar que Ethan frequenta essa universidade
também. Talvez até morasse em um dos dormitórios perto de Nina.
— Eu disse a Ethan que gostava de alguém, — admitiu Jeff — Foi
meio difícil não fazer isso, depois que o repórter fez essa pergunta
na sessão de fotos. Mas nunca disse a ele quem era. E eu confio
em Ethan, implicitamente — ele acrescentou, antes que ela pudesse
acusar Ethan de dar dicas aos tablóides.
Nina deu um aceno lento. Ela acreditou em Jeff. Afinal, ela
certamente nunca faria algo assim com Sam.
— Ainda assim, alguém deve saber. — ela persistiu — Não há
como um fotógrafo estar coincidentemente no campus com aquela
câmera, notar você e tirar uma foto nossa no primeiro segundo em
que você me beijou!
Jeff encolheu os ombros. Ele claramente não estava tão
incomodado com isso quanto ela, mas então, ele estava muito mais
acostumado a ter sua privacidade invadida. — Talvez eles
estivessem seguindo o carro da cidade? Posso tentar envolver
minha segurança, se você quiser — ele ofereceu, embora não
parecesse esperançoso.
— Só me faz sentir insegura, pensar que alguém nos entregou. —
Nina insistiu — Não sei mais em quem confiar.
— Você pode confiar em mim. Jeff deu um passo hesitante em
sua direção — Por favor, Nina. Diga-me o que posso fazer para
consertar isso.
Ela tirou o telefone do bolso e puxou o álbum de fotos. Ela tirou
uma foto de cada página do acordo de sigilo que Robert pediu para
que ela assinasse. Nina já o havia lido por inteiro, mas agora
observava Jeff folhear as várias seções.
Não revelarei informações confidenciais a nenhuma parte... Não
devo usar ou explorar meu relacionamento com a Coroa para
promover meus próprios interesses... Em caso de disputa, renuncio
meu direito a um júri de meus pares em um processo de tribunal
público, e concordar em vez de uma arbitragem fechada…
Jeff praguejou. — Eu não fazia ideia — ele devolveu o telefone de
Nina a ela, balançando a cabeça em desgosto — Por favor, não
sinta que precisa assinar isso.
— Não me importo de assinar. Eu nunca iria vender segredos
sobre sua família — Nina disse gentilmente —, mas não se trata do
contrato. É sobre o que o contrato representa. Que se você e eu
continuarmos namorando, nunca seremos apenas você e eu no
relacionamento. Somos você e eu e o palácio – ou, pior, você e eu e
o mundo. O que torna as coisas um pouco complicadas.
— Se continuarmos namorando? — Jeff repetiu.
Uma mecha de seu cabelo continuava caindo em seus olhos;
Nina resistiu ao desejo de afastá-lo. — Não sei se sou a pessoa
certa para namorar você.
— Quem disse, alguém do Daily News? Eu não poderia me
importar menos com o que ela pensa — Jeff atirou de volta, mas
Nina balançou a cabeça.
— Não é só ela. Todos os milhares de comentários – a América
costumava te adorar, e agora eles odeiam você, por minha causa. E
quanto a Daphne?
— O que tem ela?
— Todo mundo gosta mais dela!
— Você realmente precisa parar de ler os tablóides. Essas coisas
apodrecem seu cérebro — disse Jeff, ao que Nina não pôde deixar
de sorrir — Honestamente, Nina. Não me importo se a América
‘gosta mais dela’ — ele ergueu as mãos em aspas no ar para
mostrar seu ceticismo — não é a América que está tentando
namorar você; eu estou. E eu gosto mais de você.
Nina não estava tentando validar todos aqueles artigos, mas
ainda... — Parece que ainda há algo entre vocês, algum tipo de
negócio inacabado. Você não acha que, eventualmente, vai acabar
voltando para ela?
— Sinto muito sobre Daphne e a formatura — disse Jeff
pesadamente — eu sei que o que eu fiz você passar não foi justo. A
questão é que eu deveria ter terminado as coisas com Daphne
muito antes do que fiz.
Ele engoliu em seco e olhou nos olhos dela.
— Estávamos juntos há muito tempo, e meus pais, todos os meus
amigos e até a mídia sempre me diziam como ela era boa para mim.
Então eu continuei pensando que ela deveria ser — ele disse
desamparado.
— Esse é exatamente o meu ponto! — Nina gritou — Você
mesmo disse: seus pais, amigos e a mídia estavam todos torcendo
por ela. Eu queria que isso não importasse, mas importa. Não
somos mais apenas nós dois, Jeff. E eu me preocupo por não ser a
pessoa certa para esta vida. Para sua família.
Jeff pegou a mão dela e Nina o deixou pegá-la. Ele esfregou o
polegar levemente na parte de trás do pulso dela.
— Você já faz parte da nossa família — disse ele —, você é a
melhor amiga de Sam há tanto tempo que já viu tudo por trás da
cortina. Você conhece o verdadeiro nós, as brigas e a pressão. Você
sabe que meu primo Percy é um pequeno perigo e que metade das
vezes quando tia Margaret faz compromissos reais, ela está
bêbada. Você, mais do que ninguém, não deve se preocupar em se
adaptar. Você já pertence a nós. Você pertence a mim.
Nina soltou um suspiro pesado. — Se ao menos as coisas
pudessem ficar assim, quando formos apenas nós dois. Simples,
sem complicações.
Os olhos escuros de Jeff pareciam possuir profundidades
impossíveis. — Eu odeio que toda essa bagagem venha com o
namoro comigo. É muito para assumir, especialmente para alguém
tão independente como você. Eu gostaria de poder dizer que as
coisas vão ficar mais fáceis. Mas eles nunca vão – não para mim.
Ele deu um aperto final na mão de Nina e a soltou. — Eu não
tenho escolha, mas você tem. Se você quiser se afastar disso, de
toda a atenção e da loucura e dos acordos de não-divulgação, não
vou te culpar. Mas vou sentir sua falta.
Nina abriu a boca para dizer sim – que ela queria ir embora, que
ela não desejava nada além do melhor e sempre seria sua amiga.
Que esta vida e tudo o que vinha com ela eram demais.
O que saiu em vez disso foi “Não”.
O príncipe ergueu os olhos bruscamente. Nina engoliu em seco.
— Não — ela disse novamente, e percebeu que era verdade — Eu
não terminei com você, ainda não.
Então ela estava se jogando em seus braços, beijando Jeff com
tanto entusiasmo que ele cambaleou para trás e teve que erguê-la
do chão – literalmente, suas botas estavam balançando no ar. Nina
nem percebeu que os botões da jaqueta de Jeff estavam cavando
nela. O impacto de seu beijo caiu através dela como pratos,
formigando todo o caminho até seus lábios e dedos dos pés e até as
pontas de seu cabelo.
Finalmente Jeff a colocou no chão. Nina alcançou a mesa para se
equilibrar e sua mão quase derrubou o milkshake.
Ela balançou o cabelo para trás e deu um gole comemorativo,
sorrindo em volta do canudo. — Obrigada por me trazer isto — disse
ela a Jeff, e entregou-o para que ele tentasse.
Ele sorriu. — Você está certa, realmente fica melhor com os
M&M’s extras.
DAPHNE

Daphne suspirou com uma sensação vazia de descontentamento.


Era sábado de manhã e ela estava sentada ao lado da mãe em
uma das luxuosas cadeiras de pedicure do Ceron's, o principal salão
de Washington. Elas foram acomodadas em um lugar de honra no
centro da sala, com vista privilegiada para o resto do salão. Daphne
viu Henrietta de Hanover, uma das numerosas primas distantes da
família real, com o cabelo enrolado em um capacete Medusa feito
de folhas de prata. E não era a senadora de Rainier saindo de uma
sala de tratamento, com o rosto vermelho e raivoso de um
tratamento facial?
A mãe de Daphne conheceu Ceron anos atrás, quando ele
cuidava dos cabelos para sessões de fotos para revistas e desfiles,
embora ele se movesse em círculos mais rarefeitos atualmente. Sua
vida mudou para sempre depois que ele foi nomeado o cabeleireiro
oficial do palácio. Isso fez com que os negócios aqui no salão
triplicassem, mesmo que metade desses clientes fossem apenas
fanáticos pela realeza que se sentavam em suas cadeiras e
declaravam que, independentemente de como Sua Majestade
estava usando seu cabelo, eles queriam exatamente a mesma
coisa.
Tiffany, a assistente de salão, terminou de passar o finalizador nas
unhas dos pés de Rebecca. — Gostaria de mais alguma coisa,
milady?
Rebecca não pôde deixar de se gabar um pouco com o título. Ela
nunca estava mais feliz do que quando era tratada como milady em
algum lugar. — Não, a menos que você tenha alguma notícia para
mim — disse ela significativamente.
Ceron ia ao palácio várias vezes por mês, para retocar as mechas
da rainha ou pentear o cabelo das princesas antes de um evento. Às
vezes, ele trazia os técnicos de salão juniores com ele. E embora
Ceron fosse leal demais aos Washingtons para ser suscetível a
suborno, nem todos os membros de sua equipe eram. Foram
necessárias apenas algumas dicas cuidadosamente soltas e
gorjetas excessivamente generosas para Tiffany chegar a um
entendimento com a mãe de Daphne. Ela havia fornecido aos
Deighton detalhes sobre a família real em mais de uma ocasião.
Pequenos detalhes, como a cor do vestido que a rainha poderia
usar em um evento que se aproxima, e alguns que eram mais
significativos.
Tiffany se inclinou para frente, abaixando a voz para quase um
sussurro. — Ele estava no palácio ontem para fazer um penteado na
princesa Beatrice. Eles vão ter um baile de gala em breve, em
homenagem ao noivado dela com Teddy. Os convites estão prestes
a sair.
Rebecca mostrou seus dentes brancos perfeitos em um sorriso.
— Obrigada, Tiffany.
Tiffany recuou, seu rabo de cavalo loiro platinado balançando. Ela
enrolou um lenço vermelho fino nos buracos do cinto de seus jeans
pretos encerados. Era a marca registrada do salão de beleza
Ceron's: cada um dos estilistas tinha que usar preto e branco com
um pequeno toque de vermelho. O salão em si era decorado com o
mesmo esquema de cores, desde os vasos de flores vermelhas
vibrantes até as fotos em preto e branco nas paredes.
Rebecca lançou um olhar curioso para a filha. — Você precisa ir
àquela festa de noivado como a acompanhante de Jefferson.
— Eu sei, mãe — embora em particular, Daphne estava mais
preocupada com o casamento em si. Ela não podia deixar que isso
acontecesse da maneira que aconteceu no último casamento real –
quando a tia de Jefferson, Margaret, se casou, e Daphne nem
mesmo foi convidada.
Rebecca deu um vago hmm de preocupação. Ela parecia tão
deslumbrante como sempre em uma camisa branca e jeans, seu
cabelo loiro claro em camadas aparentemente sem esforço. Mas
não importa o quão bem ela se vestisse para o papel, você ainda
poderia dizer que Rebecca Deighton não tinha nascido para a vida
aristocrática. Havia algo duro e faminto brilhando em seu rosto
felino.
Daphne olhou para suas unhas, que brilhavam com uma camada
de esmalte transparente perolado. BOM E ADEQUADO, o frasco estava
rotulado, o que era tão preciso que quase parecia irônico. A última
vez que ela visitou o hospital, Daphne trouxe um frasco de Va-Va-
Voom vermelho escuro e pintou as unhas de Himari com ele.
Ela não contou à mãe sobre isso, porque sabia exatamente o que
Rebecca diria: que visitar Himari era uma perda de tempo de
Daphne. Mas Daphne não tinha certeza se estava indo pelo bem de
Himari.
— Pelo menos você se livrou daquele obstáculo — Rebecca
apontou para as revistas em seu colo – People, Us Weekly, Daily
News. Todos estavam cheios de fotos de Nina Gonzalez parecendo
cafona e de segunda categoria ao lado de imagens de Daphne.
Embora, desde que Beatrice anunciou seu noivado, a cobertura de
Nina diminuiu drasticamente.
— Bom trabalho, Daphne — acrescentou a mãe, um pouco
desajeitada. Ela claramente não estava acostumada a elogiar.
No momento em que ela voltou da festa de Ano Novo no
Smuggler’s, Daphne enviou a Natasha a dica sobre Jefferson e
Nina. Ela até descobriu em qual dormitório Nina estava morando,
para que Natasha pudesse vigiar; tudo o que foi necessário foi um
pouco de investigação online e um telefonema para a escola. Ela
sabia que o Daily News não poderia publicar uma história como
essa sem evidências fotográficas.
— Não foi tão difícil — respondeu Daphne — Os comentadores
fizeram a maior parte do trabalho árduo para mim.
Daphne sabia que não havia alvo mais fácil do que um chamado
alpinista social, e foi por isso que ela pediu a Natasha para assumir
esse ângulo no artigo. Previsivelmente, a internet rugiu de
indignação que alguém pretendia enredar seu amado príncipe.
Alguns deles chegaram a afirmar que os pais de Nina haviam
planejado a vida inteira de sua filha com este propósito: que Isabella
havia aceitado o trabalho de camareira especificamente para jogar
sua filha no caminho do príncipe. Essa menina é como uma erva
daninha, escreveu um comentarista. Ela é feia de se olhar e tem
uma habilidade feroz de escalar.
Daphne não sentia muito pelo que tinha feito. Nina causou isso a
si mesma indo atrás do príncipe, quando todos sabiam que ele
pertencia a Daphne.
Havia muitos outros garotos mais anônimos na América – milhões
deles, na verdade. Nina não entendia que para namorar alguém tão
famoso como Jefferson, ela necessariamente se tornaria uma figura
pública?
Se ela não aguentou a pressão, deveria ter ficado fora das
grandes ligas.
— Quando você verá Jefferson da próxima vez? — Rebecca
interrompeu seus pensamentos — Você deve encontrar uma
maneira de mencionar esta festa.
Daphne fingiu soprar as unhas, sua mente correndo, mas ela não
conseguia pensar em uma maneira fácil de mentir. — Na verdade,
não ouvi falar dele — ela admitiu.
Ali estava: a razão pela qual Daphne sentia esse
descontentamento vago e cáustico. Ela havia feito tudo ao seu
alcance, planejado, chantageado e nocauteado seus concorrentes,
e ainda assim Jefferson não havia estendido a mão. O que ele
estava esperando?
Os olhos de Rebecca desviaram para seu telefone, onde ela
estava folheando vários blogs de fofoca. Seus olhos se arregalaram
com algo que ela viu.
— Talvez seja por isso. — a voz de sua mãe estava
perigosamente baixa enquanto ela estendia o telefone. Daphne
estendeu a mão para ele com ansiedade.
Era uma foto borrada de Nina e Jefferson no celular, tirada ontem
à noite em uma festa da faculdade.
— Ele foi a uma festa de fraternidade com ela? — Daphne se
forçou a respirar, tentando não gritar — Bem, depois de todos esses
artigos, de jeito nenhum o palácio vai deixá-lo sair com ela.
— Ele não é o herdeiro do trono. Ele tem mais liberdade do que
Beatrice — sua mãe franziu a testa — Daphne, você perdeu
completamente o controle desta situação.
— Eu... você estava apenas dizendo que fiz um bom trabalho…
— Daphne gaguejou, mas o olhar feroz de Rebecca reprimiu seus
protestos.
— Isso foi antes de eu saber o desastre total que é.
O pânico inundou as sinapses de Daphne. — Eu não sei mais o
que fazer! Eu não posso simplesmente me atirar nele; eu tentei no
Ano Novo e não funcionou.
Rebecca se virou para a filha com um olhar impassível. — Há
duas pessoas nessa relação. Se você não está chegando a lugar
nenhum com o príncipe, então é hora de tentar outra abordagem.
Quando Daphne entendeu, ela quase se sentiu mal. Ela não
conseguia imaginar ver Nina Gonzalez novamente. Ela a
desprezava.
— Daphne, você não pode simplesmente ficar sentada esperando
que algo aconteça. Nada jamais é realizado dessa maneira. — sua
mãe sibilou. Como se Daphne já não soubesse disso.
Rebecca se recostou na cadeira, passando as mãos pelas bordas
das revistas em seu colo para organizá-las em uma pilha perfeita. —
Você não aprendeu nada comigo? Nunca ataque um rival, a menos
que você consiga eliminá-lo completamente. Ou termine o trabalho
ou não comece em primeiro lugar — ela disse calmamente.
Daphne assentiu, mas seus pensamentos se voltaram para
Himari, que está em coma há quase oito meses. Conclua o trabalho
ou não o inicie em primeiro lugar.
O que aconteceria se Himari acordasse e contasse ao mundo –
contasse a Jefferson – o que Daphne havia feito?
BEATRICE

Beatrice não conseguia dormir.


Na semana desde que ela e Teddy anunciaram o noivado, a
agenda deles mudou em um ritmo alucinante, abarrotada de
jantares, discursos e visitas de caridade. Ainda esta manhã, sua
família inteira foi para um abrigo para moradores de rua do outro
lado da cidade. Beatrice mal teve tempo de fazer o cabelo e a
maquiagem depois, para a sessão de fotos de noivado com Teddy,
para tirar as fotos que seriam reproduzidas em todos os produtos do
casamento. Travesseiros e bonecas de papel, canecas de café e
baralho de cartas e, é claro, os selos reais de noivado de edição
limitada: tudo isso seria estampado com seus rostos. Parecia um
pouco ridículo, mas Beatrice sabia que era melhor não recusar
nenhum dos pedidos de licença, não quando as últimas estimativas
projetavam que seu casamento impulsionaria a economia em mais
de trezentos milhões de dólares.
Honestamente, ela estava grata pela agenda lotada. Ela se sentia
como um daqueles tubarões que precisava continuar nadando para
se manter vivo. Enquanto ela estivesse em uma reunião com
membros do Congresso, ou discutindo o casamento, ou mesmo
apenas sorrindo para alguém, ela poderia esquecer
momentaneamente que seu pai estava doente – que seu tempo
como rainha estava chegando muito mais cedo do que qualquer um
poderia imaginar.
Ela poderia esquecer que o Guarda rastreando seus movimentos
não era Connor, mas Jake.
Mas o esquecimento nunca durou o suficiente. Porque tudo no
palácio agora lembrava Beatrice de Connor: do tom perverso de seu
humor, a graça rápida e segura de seus movimentos. A maneira
como seus olhos azul-acinzentados se iluminavam toda vez que ele
a via.
Embora houvesse mais pessoas do que nunca no palácio
ultimamente, embora agora ela tivesse um noivo, Beatrice nunca se
sentiu tão sozinha.
Ela saiu da cama e foi abrir as janelas, para olhar a rede de luzes
que brilhava sobre a capital. Os postes de luz brilhavam em linhas
retas e nítidas em torno do retângulo de escuridão que marcava o
Parque John Jay.
Seu estômago roncou ressentido. A família de Teddy tinha vindo
jantar hoje à noite, para discutir a festa de noivado da próxima
semana, e Beatrice não estava com muito apetite. Ela se esforçou
para engolir algumas mordidas de seu peixe-espada, mas parecia
como cacos de vidro em seu estômago. Felizmente, ninguém tinha
notado – assim como ninguém parecia olhar além de seus falsos
sorrisos, para notar a sombra que permanecia em seus olhos.
Com um suspiro pesado, Beatrice vestiu um robe e desceu as
escadas para a cozinha. Os eletrodomésticos de aço inoxidável e as
lustrosas placas de fogão pretas brilhavam convidativamente.
Ninguém estava aqui a esta hora: os primeiros sub-chefes e
ajudantes de garçom não chegariam antes das seis da manhã.
Ela abriu a geladeira, prestes a pegar um dos recipientes com
sobras que os cozinheiros sempre guardavam aqui apenas para
essa situação, apenas para fazer uma pausa. Ela não queria os
resquícios frios do jantar de hoje à noite. Pela primeira vez na vida,
Beatrice cozinharia algo para si mesma.
Depois de alguns minutos fazendo barulho, ela desenterrou uma
enorme panela. Ela derramou água nela e colocou-a no fogão para
ferver, mexendo nos botões. O que era aquela rede que Connor
usara para escorrer a massa cozida? E onde nesta vasta cozinha
ela deveria encontrar macarrão, afinal?
Aquela noite na cabana parecia pertencer a outra vida, outra
Beatrice. Como tudo era simples naquela época, antes que ela
soubesse sobre a condição de seu pai. Antes que ela tivesse que
desistir de Connor.
Ela apoiou as palmas das mãos no balcão, sua respiração saindo
em suspiros curtos e em pânico. E finalmente – agora que ela não
precisava mais manter aquele sorriso frágil no rosto, agora que não
havia ninguém por perto para ver – ela se permitiu chorar.
— Beatrice? Você está bem?
Samantha estava na porta, vestindo um manto idêntico ao de
Beatrice; sua mãe os havia dado como presente de Natal este ano.
Seu cabelo estava preso em um rabo de cavalo lateral bagunçado
que fazia sua cabeça parecer torta. Típica Samantha.
Beatrice enxugou rapidamente as lágrimas. — Eu estava tentando
fazer macarrão — ela admitiu — O que você está fazendo aqui?
— A mesma coisa que você, eu acho. Não comi muito no jantar.
— Oh — Beatrice sentiu-se repentinamente hesitante e insegura
perto da irmã. Em todo o seu desconforto durante a refeição com a
família de Teddy, ela não tinha realmente pensado que poderia ser
estranho para Samantha também. Mas ela já não tinha superado
Teddy?
Sam chutou um chinelo felpudo preguiçosamente contra o outro.
— Lembra-se da vez em que entramos aqui antes de um jantar
oficial e acidentalmente derrubamos aquele bolo enorme?
— Eles tiveram que enviar alguém no último minuto para comprar
cinquenta potes de sorvete de limão — Beatrice lembrou. Isso foi
antes de seu avô morrer, quando ela podia se safar com um
comportamento como aquele — Tivemos tantos problemas naquela
noite.
— Nós sempre estivemos em apuros — Sam respondeu, e
encolheu os ombros — Pelo menos, Jeff e eu estávamos.
A água da panela começou a ferver. Beatrice fez um ruído
indefeso e se voltou para ele. Ela ainda não tinha encontrado
nenhum macarrão.
— Eu acho que tem um pouco de macarrão com queijo na
despensa — Sam apontou.
— Qual despensa — Beatrice sabia sobre a despensa de cristal, a
despensa de prata, a despensa de porcelana…
— Aquele com comida dentro — Sam parecia quase divertida —
Aqui, vou procurar.
Beatrice tentou esconder sua surpresa com a oferta de Samantha.
— Isso seria ótimo, na verdade.
Sua irmã entrou na despensa, emergindo momentos depois com
uma caixa azul e branca etiquetada MACARONI E QUEIJO: AVENTURA
REAL! O macarrão plano tinha o formato de minúsculas tiaras e
estrelas, assim como uma garota com um vestido de baile que
Beatrice suspeitava que era para ser ela.
— Quem está encarregado de reabastecer tem senso de humor
— ela se ouviu dizer. Sam ergueu uma sobrancelha, mas não
respondeu.
Nenhuma das duas falou quando Sam abriu a caixa, despejou o
macarrão na água quente e drenou alguns minutos depois. Ela
mediu a manteiga e o leite da geladeira antes de mexer com o
molho de queijo em pó.
— Como você sabe tudo isso?
— É apenas macarrão com queijo; qualquer um pode fazer isso
— Sam apontou, então estremeceu — Desculpe, eu não…
— Está tudo bem. Ambas sabemos que não sou qualquer pessoa
normal — Beatrice riu, mas não havia humor nisso. Ela odiava o
quão desamparada ela era em tarefas domésticas tão simples. Ela
odiava que esta vida a tivesse arruinado para uma vida normal.
— A maior parte da cozinha é apenas seguir as instruções.
Realmente não é difícil.
Então eu deveria ser ótima nisso, Beatrice pensou tristemente.
Tudo o que ela sempre fez foi seguir as instruções.
Sam colocou a massa em duas tigelas de cereal e pegou um par
de colheres, então subiu no balcão para se sentar com os pés
pendurados na beirada. Depois de um momento, Beatrice fez o
mesmo. Bem, não era como se eles estivessem prestes a levar
macarrão com queijo tarde da noite para a sala de jantar formal.
O macarrão estava delicioso, seu queijo quente curiosamente
reconfortante. Beatrice se perguntou o que Connor diria se visse as
princesas assim – sentadas no balcão da cozinha, comendo
macarrão com queijo em formato real.
— O que é isso no seu dedo? — a voz de Sam ecoou pela
cozinha cavernosa — Você não está usando seu anel?
Beatrice olhou para a mão esquerda, tão descaradamente nua
onde o enorme diamante deveria estar. Se olhasse de perto, poderia
ver a linha desbotada de caneta permanente que Connor traçou ali.
— Tiro o anel à noite, quando lavo o rosto, para evitar que o
sabonete o suje — Beatrice mentiu. — Devo ter deixado
acidentalmente no suporte de argolas ao lado da minha pia.
Todas as noites, Beatrice tirava o anel no instante em que ficava
sozinha. Ficava muito frio, muito pesado, seu enorme peso era
quase insuportável. Parecia que pertencia a outra pessoa e tinha
sido dado a ela por engano.
— Você o ama?
A pergunta de Sam a pegou tão desprevenida que ela quase
deixou cair sua tigela de cerâmica.
— Só estou tentando entender — Sam persistiu — No seu quarto
naquele dia, depois que você o pediu em casamento, você parecia
tão infeliz. Eu continuo observando você e Teddy em todos os seus
eventos de noivado, esperando que qualquer um de vocês diga eu
te amo, mas você nunca o fez.
Beatrice mudou de posição no balcão. Samantha era muito mais
observadora do que o mundo acreditava.
— Eu só queria que tivesse sido qualquer um, menos Teddy. Pelo
menos se fosse outra pessoa… — Sam parou antes que ela
pudesse terminar, mas Beatrice sabia o suficiente para preencher os
espaços em branco.
Se Teddy estivesse livre do noivado, pelo menos uma das irmãs
Washington ficaria feliz.
Beatrice presumiu que Sam estava flertando com Teddy por
maldade ou simplesmente porque ela estava entediada. Ela não
percebeu que os sentimentos de sua irmã eram tão profundos.
Beatrice girou a colher entre os dedos. Era pesada, com frutas e
folhagens gravadas em todo o cabo. — Sinto muito — disse ela à
irmã. — Eu gostaria que as coisas fossem diferentes.
Os olhos de Sam brilharam. — Então torne-as diferentes!
Desnoiva-se de Teddy para que ambos possam seguir em frente
com suas vidas!
— Eu não posso simplesmente me desnoivar dele — Beatrice
revirou os olhos com a palavra inventada de Sam — Não agora. Eu
estaria decepcionando todo mundo.
— Quem, o pessoal de relações públicas e os planejadores de
festas? Caso você tenha esquecido, eles trabalham para você!
— Não são apenas eles — disse Beatrice, desamparada.
— Então o que é? — o rosto de Sam ficou vermelho, quente e
indignado — Se você não ama Teddy, por que está correndo para o
altar? — seu temperamento sempre foi assim, cruel e rápido como
um raio. Beatrice sentiu seu controle de suas emoções começando
a se desgastar.
— Sei que pode parecer rápido, mas pensei muito sobre isso, tá
bem? Realmente estou tentando fazer a coisa certa por este país.
— E que razão o país tem para precisar que você se case agora?
Beatrice sentiu-se repentinamente tonta. — Estabilidade — ela
insistiu —, e continuidade, e simbolismo…
— Você está apenas dizendo um monte de palavras sem sentido!
— Porque papai está morrendo!
Beatrice não queria dizer isso. Ela gostaria de poder pegar a frase
do ar e engoli-la de volta em seu peito, onde suas asas afiadas já
batiam furiosamente por semanas. Mas era tarde demais.
— O quê? — as mãos de Sam agarraram as bordas do balcão
com tanta força que os nós dos dedos ficaram brancos.
— Ele tem câncer — disse Beatrice miseravelmente.
— O quê? — Sam repetiu, com um suspiro audível — O que
você… como pôde… por que ele não nos contou? — ela conseguiu
finalmente. Uma lágrima escorreu por seu rosto e caiu na tigela de
macarrão que estava esquecida em seu colo.
Então Beatrice estava chorando também, enquanto a história
derramava dela em uma bagunça confusa: o diagnóstico fatal de
seu pai, os motivos que ele tinha para guardá-lo para si mesmo – e
o que ele pediu a Beatrice para fazer.
Samantha deixou seu macarrão com queijo de lado com um
barulho estridente e jogou os braços com força ao redor de Beatrice.
Foi a primeira vez que eles se abraçaram assim em anos.
Beatrice não tinha percebido, até este momento, o quanto ela sentia
falta da irmã.
— Não acredito que você está lidando com tudo isso — Sam
estendeu a mão para mexer em seu rabo de cavalo — Você se
segurou tão bem, eu nunca teria percebido que você estava
chateada.
— Às vezes eu acho que me controlo muito bem — Beatrice disse
suavemente. Ela odiava que seus irmãos pensassem que ela era
fria ou insensível. Só porque ela foi criada para manter suas
emoções escondidas, não significa que ela nunca experenciou
essas emoções.
Sam concordou. As lágrimas ainda brilhavam em suas
bochechas. — Estou feliz que você me contou. Ninguém deveria
carregar esse tipo de fardo sozinho.
— Isso é ser o herdeiro do trono. Estar sozinha… — Beatrice
disse automaticamente. Andando sozinha, dormindo sozinha,
sentada sozinha em um trono solitário.
Mesmo depois de se casar com Teddy, Beatrice sabia que ela
ainda se sentiria sozinha.
Um zumbido suave emanou das geladeiras. As luzes do teto
caíram em feixes largos sobre as feições de Samantha.
— Você já desejou ser outra pessoa? — Beatrice perguntou,
depois de um tempo.
— Eu sempre desejei ser você. Porque eu sou totalmente inútil,
enquanto você é literalmente o ponto de tudo — Sam inclinou a
cabeça para olhar para Beatrice em confusão — Mas você não
deveria se sentir assim. Por que diabos você gostaria de ser outra
pessoa?
Beatrice nunca pensou que Sam pudesse ter ciúmes dela – que
Sam preferisse ser a herdeira.
— Porque eu não pedi por isso — Beatrice respirou fundo —
Acredite em mim, eu sei o quanto sou sortuda por ter nascido com
esse tipo de privilégio. Mas ainda tenho inveja de todos no país,
porque eles podem escolher o rumo que suas vidas tomaram.
Outras crianças podem sonhar em ser astronautas, bombeiros,
dançarinos ou médicos — disse ela, desamparada — Mas ninguém
na minha vida nunca me perguntou o que eu quero ser quando
crescer, porque só há um futuro possível para mim.
— Beatrice — Sam perguntou, seus olhos arregalados — Você ao
menos quer ser rainha?
— Querer não tem nada a ver com isso — Beatrice a lembrou —
Eu sou uma Washington, assim como você, e me tornar a rainha
sempre foi meu futuro. Minha estrada está desenhada diante de
mim, mas a sua não precisa ser. Você tem opções, você tem
liberdade, que eu nunca terei.
Ambas ficaram quietas com isso.
Sam pegou a mão de sua irmã e apertou-a. — Lembra quando
éramos pequenos e eu costumava entrar no seu armário para
roubar suas roupas?
— Seu favorito era aquele vestido de Páscoa rosa claro. Aquele
com os sapatos combinando — Beatrice lembrou, estranhamente
melancólica.
— Eu queria tanto ser como você, naquela época — a voz de
Sam estava áspera — Eu queria ser você. Quando percebi que isso
era impossível – que apenas você era a futura rainha, e eu nunca
poderia ser você, não importa o quanto tentasse... decidi ser tudo
que você não é.
— Você o quê?
— Por que você acha que agi da maneira que agi? — Sam
encolheu os ombros — Você seguiu as regras, então me comportei
mal; você foi disciplinada e organizada, então eu corri selvagem. Eu
me senti excluída — ela acrescentou suavemente —, você estava
constantemente fazendo coisas importantes de futura rainha.
Beatrice endireitou-se um pouco mais pela surpresa. — Eu
também me senti excluída, Sam. Você e Jeff sempre tiveram aquele
vínculo inquebrável de gêmeos. Isso me fez sentir como uma
estranha.
— Sinto muito — sussurrou Sam —, eu não sabia.
Beatrice só conseguiu assentir. Ela desejou que eles tivessem tido
essa conversa anos atrás, em vez de esperar até que essas
circunstâncias as impusessem.
— Olha, eu sei que você não pediu por esta vida, mas também
não consigo imaginar ninguém lidando com isso com tanta graça e
dignidade quanto você. Você é a próxima na fila para o trono e vai
ser rainha – é assim que as coisas são. Mas isso não significa que
tenha que definir você. Você ainda é uma pessoa e esta ainda é sua
vida. Podemos dar um jeito. Tem que haver uma maneira de fazer o
trabalho para o qual você nasceu sem se sacrificar ao longo do
caminho.
Beatrice ficou chocada com a maturidade e sabedoria de sua
irmã. Ela apertou a mão de Sam com gratidão. — Obrigada.
— Estou aqui por você, Bee — Sam disse a ela, usando o apelido
por o que deve ter sido a primeira vez em uma década — Depois de
tudo isso... só quero ter certeza de que você está bem.
Beatrice olhou novamente para os olhos vidrados de Samantha,
lembrou-se da maneira nervosa como ela entrou na cozinha mais
cedo. — E você? — ela exigiu — Você está bem?
— Na verdade, não — Sam olhou para baixo, seus cílios lançando
sombras em seu rosto. — Nina e eu tivemos uma briga horrível. Eu
não senti que poderia realmente descarregar em Jeff... é meio
estranho, falar sobre Nina com ele. Mamãe e papai nunca me
ouvem de qualquer maneira, e eu não conseguia falar com você…
— Você pode falar comigo agora — Beatrice assegurou — Sem
mais segredos, sem mais mal-entendidos. De agora em diante,
teremos uma a outra.
Sam conseguiu dar um sorriso irregular. — Eu gostaria disso.
Quando Beatrice puxou Samantha para outro abraço, o nó gelado
em sua garganta pareceu diminuir, só um pouco. O que quer que
tenha acontecido, pelo menos agora ela tinha sua irmã ao seu lado.
SAMANTHA

Na manhã seguinte, Samantha bateu nas pesadas portas de


madeira do escritório de seu pai. — Ei, pai, você está ocupado?
— Sam! Entre — ele gritou em resposta.
Ela normalmente não aparecia aqui sem ser convidada, mas
depois da conversa de ontem à noite com Beatrice, Sam precisava
falar ela mesma com o pai: olhá-lo nos olhos e perguntar sobre seu
câncer. Talvez ainda houvesse alguma saída para todos eles. Talvez
o prognóstico não fosse tão ruim quanto Beatrice temia.
Seu pai estava sentado atrás de sua mesa, vasculhando um
pequeno baú com capa de couro cheio de papéis. Na chegada de
Sam, ele olhou para cima com um sorriso cansado. — Estou feliz
que você passou por aqui. Há algo que eu queria falar com você.
Sam abriu a boca, transbordando de perguntas — Quão ruim
está? Por que você não nos contou? – mas as palavras vacilaram e
morreram em seus lábios. Ela percebeu com um sentimento de
naufrágio que não precisava perguntar, porque ela já sabia.
Seu pai não parecia bem. Ela não tinha certeza de como havia
perdido as mudanças; eles devem ter sido graduais e sutis o
suficiente para que ela não os notasse no dia-a-dia. Mas agora que
ela estava olhando de perto, ela viu como sua pele se tornou fina, as
sombras roxas sob seus olhos. Seus movimentos eram marcados
por uma nova e alarmante fadiga.
Sam afundou na cadeira em frente a ele, tentando
desesperadamente controlar sua respiração, organizar suas feições
em alguma aparência de uma expressão normal.
Seu pai não pareceu notar sua angústia. — Você já viu a Caixa
antes? — ele perguntou, ainda organizando os papéis em várias
pilhas. Algo na maneira como ele disse a palavra fez Samantha
imaginá-la maiúscula.
— Não tenho certeza. — A Caixa era do tamanho de uma pasta,
forrada de couro gofrado, com dobradiças lubrificadas. Sam
percebeu que seu pai a havia destrancado com uma pequena chave
de ouro.
— Ele contém meus negócios do dia. Muito disso é eletrônico
agora, é claro — ele gesticulou para o tablet em seu cotovelo. —
Mas parte dele ainda está impresso: atas do gabinete, relatórios de
várias agências federais, documentos que exigem minha assinatura.
Minha parte favorita são as cartas — acrescentou ele, pegando na
caixa para extrair um envelope branco comum.
— Cartas?
— Recebo centenas de cartas todos os dias — informou seu pai,
— cada uma delas é respondida, principalmente por minhas
secretárias juniores. Mas eu pedi a eles para puxar duas cartas
aleatoriamente a cada dia, e essas cartas eu mesmo respondo. É
algo que seu avô costumava fazer também.
— Mesmo?
O rei acenou com a cabeça. — Eu acho isso útil. Como um
instantâneo diário do que se passa na mente dos americanos a
qualquer momento.
— Pessoas me enviam DMs. É meio parecido — Sam ofereceu.
— DM?
— Mensagem direta. Sabe, nas redes sociais.
— Ah — o rei respondeu, evidentemente confuso — Bem. É
importante que as pessoas sintam que têm uma linha direta com
seu monarca. Que somos acessíveis, simpáticos e receptivos.
Especialmente porque eles geralmente escrevem coisas altamente
pessoais.
— Que tipo de coisas eles escrevem para você? — Samantha
perguntou, curiosa.
— Tudo. Eles querem perdão para alguém preso; eles querem
mudar minha opinião sobre alguma nova proposta de política. Sua
biblioteca local está falhando; seu pai está doente; sua sala de aula
da quarta série precisa de material escolar. E então, é claro, há as
cartas cheias de críticas por algo que fiz.
— Eles criticam você? — Sam explodiu, saltando em defesa de
seu pai — Por que suas secretárias não estão filtrando essas cartas
para que você não as veja? — Ler esse tipo de carta parecia
desnecessariamente masoquista, como rolar pelos comentários
negativos nas redes sociais. Sam há muito aprendeu a evitá-los.
— Porque eu pedi que não fizessem isso — respondeu o pai —
Samantha, a crítica é uma coisa boa. Isso significa que você lutou
por algo. As únicas pessoas livres de censura são aquelas que
nunca tomaram uma posição.
Ela se mexeu desconfortavelmente na cadeira. — Claro, mas isso
não significa que você precise ler os ataques de estranhos contra
você.
— Pelo contrário, eu preciso — argumentou — Alguns dos
maiores momentos de mudança de nossa nação nasceram dos
críticos mais vocais de nossa família. Foi Red Fox James, por
exemplo, cujos esforços levaram ao estabelecimento dos ducados
nativos americanos. A oposição é crucial para o governo, como o
oxigênio para o fogo. E agora essas vozes, esses movimentos, vêm
de sua geração — os olhos do rei pousaram calorosamente em Sam
— Embora, historicamente, as pessoas que geram mudanças
geralmente o tenham feito de fora da monarquia, não de dentro.
— O que você quer dizer? — ela perguntou, confusa.
— Estou falando de você, Sam — um canto da boca de seu pai se
ergueu — Você nunca teve problema em avisar sua família quando
estávamos errados.
Ela soltou um suspiro divertido. — Você está realmente me
agradecendo por ser encrenqueira?
— Digamos renegada em vez disso — brincou seu pai — Parece
um pouco melhor.
O sorriso de Sam desapareceu quando ela olhou para a carta em
suas mãos, ainda fechada. — Como você responde a todas as
pessoas que escrevem para você?
— Com honestidade e respeito. Se eu puder ajudar com seu
pedido, geralmente o faço – mesmo que isso signifique contornar as
regras da política oficial e fazer uma doação pessoal e privada. É
bom sentir que fiz a diferença, de alguma forma. Especialmente nos
dias em que sinto que não consegui resolver os problemas maiores.
Seu pai rasgou o envelope e alisou seu conteúdo na mesa à sua
frente. Suas próximas palavras foram mais suaves, quase como se
ele estivesse falando sozinho: — Muitas vezes me pergunto como
deve ser a sensação de pedir ajuda tão cegamente como desta
forma – apenas escrever uma carta para o rei e aguardar sua
resposta. Eu gostaria de ter alguém a quem pudesse recorrer para
obter orientação. Mas tudo que posso fazer é orar.
Sam não esperava fazer exatamente o que ele havia descrito –
colocar todos os seus problemas nos ombros do pai? Queria que ele
dissesse que tudo ficaria bem, como costumava fazer quando ela
era pequena. Mas ela sabia agora que aqueles dias haviam
acabado.
Ela olhou para fora da janela, sua visão turva. Havia um buraco
na caixa de ferro da janela que seu pai jurou ser um buraco de bala
de uma tentativa de assassinato do Rei Andrew. Ela tentou
desesperadamente se concentrar nisso, para não chorar na frente
dele.
— Sam — o pai dela começou a dizer, mas antes que pudesse
terminar, ele teve um acesso repentino de tosse e enfiou a mão no
bolso para pegar um lenço para cobrir a boca — Desculpe — disse
ele, ofegando através de um sorriso pesaroso — estou um pouco
com a garganta seca.
Sam assentiu em silêncio.
Por fim, recostou-se, enfiando o lenço no bolso, depois
pressionou as mãos sobre a carta do cidadão, alisando
distraidamente os vincos. — Eu queria te agradecer. Percebi todo o
esforço que você fez com Teddy, ajudando-o a se sentir parte da
família. E sua mãe me disse que você ajudou a escolher o anel de
noivado para Beatrice.
— Eu não fiz muito — a culpa corroeu o estômago de Sam.
— Eu sei que você nunca teve certeza de qual deveria ser o seu
papel, indo em frente, que às vezes você se sente fora do lugar —
os olhos de seu pai brilharam conscientemente nos dela. — Mas
Beatrice vai contar com você quando for rainha, algum dia.
Sam percebeu que o algum dia estava um pouco marcado.
— Confiar em mim para quê? — ela balançou a cabeça, confusa
— Não sou tão inteligente quanto Beatrice.
— Há muitas maneiras de ser inteligente, Sam. Não são apenas
livros e memorização. É sabedoria, paciência e compreender as
pessoas, algo que você sempre foi capaz de fazer. Sem mencionar
que Beatrice estará cercada por cortesãos dizendo a ela o que ela
quer ouvir, o que, como acabamos de estabelecer, não é um
problema de que você sofra — ele disse isso levemente, mas Sam
ouviu um fio de urgência sob as palavras — Beatrice vai contar com
você para a verdade nua e crua. Espero que você dê a ela seu
apoio quando ela merecer e suas críticas quando ela merecer.
Afinal, é para isso que servem os irmãos.
— Você está certo — disse Sam com voz rouca. Como irmã de
Beatrice, Sam deveria ter sido sua crítica mais atenciosa, mas
também sua campeã mais feroz. Em vez disso, ela passou anos
tratando Beatrice como se estivessem em extremos opostos de um
campo de batalha.
Bem, isso havia acabado na noite anterior.
Seu pai conseguiu sorrir. — Sempre achei que você e Beatrice
formam uma ótima equipe – que vocês duas incorporam diferentes
aspectos da monarquia. Vocês são como Edward o Príncipe Negro
e John de Gaunt.
— Você está me tornando John de Gaunt nesta analogia? — Sam
protestou — Ele se casou por dinheiro e manipulou o sobrinho, e
não tentou roubar o trono de Castela também?
O rei ergueu as mãos em sinal de rendição. — Nos primeiros
anos! — ele exclamou — Quando eles eram adolescentes, o Rei
Edward III usou o Príncipe Negro e John de Gaunt para diferentes
fins políticos. Eles eram irmãos próximos que claramente confiavam
um no outro e eram capazes de dividir o trabalho de uma forma que
fazia sentido. Havia muitas coisas que o Príncipe Negro não podia
fazer sozinho, como herdeiro do trono, que John de Gaunt era
capaz de assumir.
— Como o quê, cobrar impostos? — Sam provocou.
Seu pai riu apreciativamente. — Isso não é totalmente errado. Às
vezes você terá que servir como um pára-raios para lidar com toda a
negatividade e ciúme que as pessoas não ousam mostrar a
Beatrice. Mas você já sabe disso.
Sam piscou. Ela não tinha pensado nisso dessa forma – que
algumas das críticas que ela suportou podem realmente ser críticas
a Beatrice, ou à monarquia de forma mais ampla, que canalizou
para ela simplesmente porque não havia nenhum outro lugar para
onde pudesse ir.
Talvez isso fosse apenas parte de ser sobressalente.
— Como chefe de Estado — continuou o rei —, Beatrice não
poderá assumir nenhuma causa de caridade. Ela não pode
demonstrar preferência pessoal assim. Mas você pode. Esse é um
dos pontos fortes inerentes à monarquia: você não deseja a
reeleição como os membros do Congresso; você não tem motivação
política, mas tem continuidade. Você pode agir de acordo com seu
bom senso, sua empatia, de uma forma que seria impossível para
eles.
Seu pai nunca tinha falado com ela dessa forma antes – como se
ela pudesse realmente fazer a diferença. Sam se inclinou para a
frente em sua cadeira. — O que você quer que eu faça?
— Eu estava esperando que você pudesse assumir um papel
mais ativo no Washington Trust. Eu gostaria de lhe dar um lugar no
conselho — seu pai anunciou.
O Trust era um fundo de caridade que doava milhões de dólares
todos os anos, geralmente encontrando iniciativas novas e pouco
valorizadas, colocando uma grande quantidade de capital inicial
nelas e ajudando a aumentar a conscientização. Seu bisavô havia
criado o fundo, muitos anos atrás, quando percebeu que não havia
muito que ele poderia realizar por meio do governo. O fundo deu a
ele uma maneira direta de ajudar os americanos sem ter que fazer
lobby no Congresso por uma nova lei.
— Obrigada, pai — Sam se sentiu estranhamente humilhada.
— Não precisa me agradecer — seu pai disse rispidamente, —
você merece isso. Eu te vi ontem no abrigo: você estava tão natural,
especialmente com as crianças pequenas. O jeito como você fez
papel de boba, rindo e pulando com as crianças como se ninguém
estivesse olhando. Você até se lembrou daquele menino da nossa
última visita.
Quando eles visitaram o abrigo, Sam reconheceu uma das
crianças do ano passado, um menino chamado Pete, que contou a
ela tudo sobre sua música. Ela perguntou a ele se ele ainda estava
tocando guitarra, e ele se esforçou para pegá-la, exultante por ela
ter se lembrado dele. A coisa toda se transformou em um divertido
concerto improvisado.
Sam encolheu os ombros. — Não foi grande coisa.
— Foi sem dúvida uma grande coisa para aquele jovem — insistiu
o pai — Essa é uma das suas qualidades mais incríveis, Sam – sua
falta de pretensão, a maneira como você pode fazer alguém se
sentir ouvido. Você é identificável, o que é algo que a monarquia
poderia usar um pouco mais.
Sam pensou no que ela disse a Beatrice na noite anterior, que
Beatrice tinha que encontrar uma maneira de fazer sua vida parecer
sua. Talvez ela pudesse também. Ela pode ser a princesa reserva,
mas ela ainda era ela mesma. Ela poderia usar sua posição para
fazer algo significativo, fazer uma diferença real.
— Me desculpe se eu te pressionei muito — o rei continuou,
olhando para sua mesa — Achei que precisava dar a você o
benefício da minha experiência, quando o tempo todo precisei que
você me desse o benefício da sua inexperiência — o rei sorriu —
Você é uma força da natureza, Sam. Quando você está sendo você
mesma, você é a arma secreta de nossa família.
— Pai… — ela teve que engolir para evitar que sua voz falhasse
— Obrigada. Isso realmente significa muito, que você acredita em
mim.
— Eu sempre acreditei em você. Desculpe se não fiz o melhor
trabalho em mostrar isso — admitiu — Agora, o que você queria me
perguntar? Você não veio falar sobre algo?
Sam olhou para o sorriso calmo de seu pai, seus olhos castanhos
firmes, tão cheios de sabedoria. De repente, ela não teve coragem
de lançar acusações contra ele. Ele contaria a ela sobre sua doença
assim que estivesse pronto e, enquanto isso, cada momento que ela
passava com ele era precioso.
— Nenhuma razão, realmente. Só queria passar um tempo com
você — seus olhos se voltaram para a caixa — Posso ajudar com
isso?
— Quer responder isso para mim? — ele ofereceu, e deslizou o
envelope para Sam.
— Assinando como você?
— Você poderia — seu pai disse, — ou você poderia responder
como você mesma. Acho que o autor dessa carta realmente
adoraria ouvir de você.
Ela assentiu com a cabeça, o sol brilhando em seus cabelos
enquanto ela se curvava sobre o papel. — Eu te amo, pai.
Sua Majestade sorriu. — Eu também te amo, filha. Muito.
DAPHNE

Daphne desviou agressivamente para outra faixa, resistindo ao


impulso de subir muito acima do limite de velocidade. Ela não podia
se dar ao luxo de ser parada agora – mesmo que provavelmente
conseguisse se safar da multa.
Ela finalmente iria enfrentar Nina Gonzalez.
Só tinha piorado durante a semana desde que as fotos de Nina e
Jefferson na festa da fraternidade apareceram. O que quer que
tenha acontecido naquela noite deve ter resolvido seus atritos,
porque agora eles estavam juntos por toda parte: em um café local,
em assentos ao lado da quadra em um jogo de basquete, andando
pelo campus da Universidade Real.
Daphne sabia que sua mãe estava certa: ela precisava falar com
Nina, sozinha. Ela não deveria ter perdido tempo tentando falar com
o príncipe, não quando Nina era claramente o ponto fraco em seu
relacionamento.
Mas criar uma situação em que pudesse falar com Nina – sem
Jefferson em nenhum lugar por perto – foi mais difícil do que
Daphne havia previsto. Ela havia se debatido em tentar seguir a
garota das aulas da faculdade, mas Daphne sabia que seu rosto era
famoso demais; alguém a veria e faria a conexão, e então ela
pareceria uma ex-namorada maluca espreitando no dormitório da
nova namorada.
Por fim, ela configurou alertas de internet para menções ao nome
de Nina e monitorou atentamente as várias hashtags sobre Nina e
Jefferson. Vinte minutos atrás, alguém finalmente postou algo: uma
foto borrada de celular de Nina olhando os vestidos de grife no Halo.
Halo era uma boutique de décadas no centro de Herald Oaks,
amplamente conhecida por ter a melhor seleção de vestidos da
cidade. Daphne mal podia acreditar que Nina havia mostrado seu
rosto aqui. Ela não percebeu que estava na loja favorita de Daphne,
no gramado de Daphne? Isso foi equivalente a uma declaração de
guerra.
Sua mente vagou para o convite que sua família havia recebido
no início desta semana, em papel creme com borda dourada,
estampado com o brasão de Washington.

O Lorde Chamberlain é comandado por Suas Majestades


para solicitar a honra de sua presença
em uma recepção comemorando
Sua Alteza Real Beatrice Georgina Fredericka Louise
e Lorde Theodore Beaufort Eaton
Sexta-feira, sete de fevereiro, às oito da noite
É solicitada uma resposta dirigida ao Lorde Chamberlain,
Palácio de Washington

Daphne tinha toda a intenção de ir àquela festa de noivado. E se


Nina e Jefferson estivessem juntos – bem, ela se certificaria de que,
no final da noite, eles não estivessem mais.
Ela invadiu o estacionamento de Halo, com os nervos à flor da
pele, e disparou direto pelas portas da frente. Ela precisava se
mover rápido; ela não tinha ideia de quanto tempo Nina ficaria. Isto
é, se ela já não tivesse partido.
Havia muitas pessoas dentro do espaço de enorme teto: um casal
olhando para a vitrine de jóias, um par de mulheres rindo enquanto
compravam bolsas acolchoadas idênticas. Daphne nunca tinha
entendido as mulheres que iam às compras juntas e compravam
exatamente a mesma coisa. Eles não percebiam que o objetivo das
roupas era fazer você se destacar?
Alguns olhos voltaram para ela com reconhecimento, embora
ninguém a tenha saudado. Daphne se perguntou qual deles havia
postado a foto nada lisonjeira de Nina. Ela esperava que eles
pensassem em tirar uma foto dela – ela estava absolutamente
fantástica em seu suéter marfim sem mangas e calças de couro
creme. O look branco de inverno monocromático era difícil de tirar, a
menos que você tivesse um corpo absolutamente perfeito. O que, é
claro, Daphne tem.
— Daphne! Eu não sabia que você estava vindo. Eu tenho alguns
vestidos para você lá nos fundos, para a festa de Beatrice — era
seu vendedor favorito, Damien: apenas alguns anos mais velho do
que Daphne, com olhos azuis claros e um sorriso que
provavelmente encantou inúmeras mulheres a fazer compras de que
não precisavam. Como de costume, ele estava usando uma gravata
casual justa.
— Está tudo bem; estou aqui apenas para olhar — Daphne tentou
encolher os ombros para afastar a irregularidade, mas ela sabia que
Damien viu através dela. Nunca em sua vida Daphne veio para Halo
"apenas para olhar". Ela sempre mandava mensagens para ele com
antecedência, para informá-lo sobre qual evento na interminável
rotação de funções da corte ela estava procurando. Assim, assim
que ela chegasse, ele já teria arranjado um camarim cheio de
opções.
Antigamente, Damien conscientemente deixava Daphne devolver
os vestidos que ela usava – ela deixaria as etiquetas, enfiando-as
atrás do sutiã se pudesse, então traria as roupas de volta para Halo
no dia seguinte. Damien nunca disse uma palavra, apenas piscava e
dava a Daphne o reembolso total. No momento em que o
relacionamento dela com o Príncipe Jefferson se tornou público, ele
convenceu o gerente a lhe dar um desconto promocional total, para
que ela pudesse comprar os itens pelo preço de custo. Mesmo
depois que ela e o príncipe terminaram, ele não retirou o desconto.
— Você vai adorar os vestidos novos que acabaram de chegar —
Damien tentou resolutamente conduzi-la na direção oposta — Há
um cor de rosa que ficará perfeito em você. Arabella Sykes tentou
comprá-lo ontem, mas eu disse a ela que estava reservado — ele
acenou para outro vendedor, que saiu apressado, supostamente
para encontrar o vestido em questão.
Daphne sabia o que ele estava fazendo, envolvendo o resto da
loja em uma conspiração silenciosa para mantê-la longe de Nina, e
ela o adorava ainda mais por isso. Mas ela não estava disposta a
ser dissuadida de sua missão.
— Eu realmente queria dar uma olhada nas roupas formais desta
vez — Daphne disse a ele, e se dirigiu para a ala da loja que
abrigava todos os vestidos. Desta vez, Damien não fez nenhum
movimento para detê-la.
Com certeza, lá estava Nina, folheando os vestidos com uma
carranca perplexa no rosto. Daphne notou com prazer que ela
estava vestindo calças esportivas pretas elásticas, com uma blusa
larga que parecia pertencer mais por direito à avó de alguém. Suas
botas de combate continuavam fazendo um barulho indigno de
chiado sobre o chão.
Nina não percebia que era uma figura pública agora, e não podia
deixar seu dormitório parecendo nada além de perfeita?
— Nina! — Daphne exclamou, satisfeita com o quão
verdadeiramente surpresa ela parecia — Que coincidência.
Samantha está aqui?
— Oh, Daphne, oi — a garota gaguejou, evidentemente pega de
surpresa — Sam não está aqui, na verdade. Apenas eu.
Os ouvidos de Daphne se aguçaram com seu tom. Algo havia
claramente acontecido entre as ditas melhores amigas. Talvez
Samantha não aprovasse o namoro de Nina com seu irmão gêmeo.
Talvez tenha sido isso que incomodou a princesa na festa de Ano
Novo – a razão pela qual ela estava no bar sozinha, procurando
alguém com quem beber. Porque ela tinha acabado de descobrir
que seu irmão e sua melhor amiga estavam se esgueirando por trás
dela.
Daphne colocou de volta um macacão estampado que ela fingia
examinar. — Honestamente, não sei quem decidiu que macacões
contam como traje formal — disse ela em tom de conversa —, eu
sei que eles fazem nossas pernas parecerem fantásticas, mas não
podemos exatamente usar calças na festa de noivado de Beatrice. É
para isso que você está comprando, certo?
— Estou tentando — disse Nina sem jeito.
Então ela iria à festa. Pelo menos agora Daphne foi avisada. Ela
poderia lidar com isso. Ela era Daphne Deighton e podia lidar com
qualquer coisa.
— Na verdade, estava esperando encontrar com você. Como
você está, depois daqueles artigos horríveis?
— Eu realmente não quero falar sobre isso — Nina fingiu
examinar uma etiqueta de preço, parecendo claramente
desconfortável.
— Eu também já passei por tudo isso, sabe — disse Daphne com
seriedade — Eu entendo como isso é totalmente horrível. Só queria
dizer que estou aqui, se precisar de ajuda.
Nina parecia confusa com este gesto de amizade sem
precedentes da ex de seu namorado. — Isso é muito gentil, mas eu
não gostaria de incomodar você — disse ela com cautela.
Daphne balançou a cabeça. — Jefferson e eu somos amigos —
ela insistiu — Eu sei que você e eu nunca fomos próximas, mas está
claro para mim que ele se preocupa com você. Acredite em mim
quando digo que entendo. Provavelmente sou a única pessoa na
terra que entende.
Ela viu Nina ouvindo, suavizando, apesar de si mesma. — É
realmente uma merda — Nina arriscou.
— Não é? — Daphne perguntou, e seus olhos se encontraram no
que Nina certamente pensou ser um olhar de empatia.
— Este vestido ficaria incrível em você — continuou Daphne,
tomando as rédeas da conversa com firmeza — Embora seja muito
grande. Onde será que Damien está?
Sem surpresa, ele apareceu imediatamente. Ele provavelmente
estava espionando do outro lado do cabide de roupas. Não que
Daphne se importasse. Se ele vendesse essa história para a
imprensa, isso só poderia refletir bem nela.
— Podemos conseguir um provador e você pode, por favor, puxar
algumas coisas para Nina? — ela perguntou docemente, levando a
outra garota embora.
— Eu não poderia… você não precisa…
— Vamos, o baile é em apenas alguns dias, e você claramente
não estava fazendo nenhum progresso por conta própria — Daphne
a lembrou — Além disso, isso é muito mais divertido do que fazer
compras sozinha.
Em minutos, eles estavam nos fundos da loja, duas prateleiras de
vestidos enrolados ao lado deles. Havia dezenas para escolher:
seda e chiffon, com mangas balão e sem mangas, adaptados e
desleixados. Embora Daphne tenha notado com prazer proprietário
que Damien não havia realmente trazido as melhores opções, como
se quisesse minar silenciosamente seus esforços para ajudar Nina.
O pensamento a aqueceu.
Ela sorriu e começou a separar os vários vestidos, eliminando os
rejeitados com determinação brutal. Enquanto Nina se retirava para
um provador para experimentá-los, um após o outro, Daphne
mantinha um fluxo constante de conversa, confessando que a
revista People tinha destruído a primeira roupa que ela usava em
público — Foi esse vestido verde horrível que me fez parecer
enjoada; eu não sei o que estava pensando, — e que nas primeiras
semanas, ela leu cada um dos milhares de comentários sobre esses
artigos online.
Não conte a ninguém seus segredos, a mãe de Daphne sempre
dizia, mas faça-os pensar que você contou. Isso cria a ilusão de
intimidade..
— Eu li todos os comentários também! Bem, por enquanto.
Acabei de excluir minhas mídias sociais — a voz de Nina saiu pela
porta do camarim — Você nunca fez isso, não é?
— Eu acho que pensei que se eu fugisse de tudo, os haters iriam
vencer — disse Daphne simplesmente.
Nina deu um passo na frente do espelho, usando um vestido de
coluna preto que Daphne não tinha peitos pequenos o suficiente
para usar. Claro, seu cabelo estava opaco e sem realce, e ela não
usava maquiagem ou esmalte de unha. E ainda assim não parecia
totalmente horrível nela.
— Como você fez todo mundo… — Nina hesitou, soando
vulnerável — fazer com que todos gostassem de você?
Eles nunca vão gostar de você, porque eles sempre vão me amar.
Em voz alta, ela disse: — Eles vão gostar de você eventualmente.
E então eles não gostarão de você, e então gostaram de você de
novo, para frente e para trás. É assim que funciona. — Daphne deu
de ombros, como se ela não estivesse particularmente incomodada
com isso, e mudou de assunto.
— Não tenho certeza sobre este vestido. É meio chato —
declarou ela, e puxou um vestido de trompete de um ombro só de
marfim de uma das prateleiras — Que tal este?
Nina franziu a testa perplexa. — Não é estranho usar branco em
uma festa de noivado? Eu não gostaria que ninguém pensasse que
eu estava tentando ofuscar Beatrice.
Opa. Nina cresceu perto da família real; é claro que ela não
poderia ser enganada por um truque barato como esse. — Certo —
Daphne concordou, sem perder o ritmo — Eu não estava pensando,
desculpe.
— Vou tentar isto — disse Nina, pegando um vestido azul marinho
com um padrão de veludo preto e fechando a cortina do provador
atrás dela. Ela não suspeitava de nada de Daphne. O que explicaria
por que sua bolsa – uma bolsa de palha trançada que só deveria ser
usada no verão – estava bem aqui no corredor, implorando para ser
explorada.
Em um único movimento suave, Daphne abriu a bolsa e tirou o
celular que estava dentro.
Era protegido por digital. Daphne deslizou para cima para ativar a
função de câmera e, em seguida, clicou no ícone no canto inferior
esquerdo para rolar pelas imagens salvas no rolo da câmera de
Nina. Certamente haveria algo incriminador, algo que Daphne
poderia enviar para si mesma, para derrubar essa garota para
sempre. Ela folheou sem fôlego foto após foto, mas tudo o que viu
foram capturas de tela de deveres de casa, fotos de livros – livros! –
e uma selfie ocasional com uma garota de cabelos escuros que
Daphne não reconheceu.
Isso foi uma perda de tempo. Nina era aparentemente inteligente
o suficiente para não tirar nenhuma foto com Jefferson, nem
qualquer foto de lingerie sexy.
A cortina farfalhou. Daphne rapidamente colocou o telefone na
bolsa de Nina e deu um passo para trás. – Isso é absolutamente
perfeito — ela jorrou — Acho que acabamos aqui.
— Você acha? — Nina se virou para frente e para trás para se
examinar de perfil — Mesmo com saltos, pode ser um pouco
longo…
Daphne assentiu. Ela tentou não parecer muito satisfeita consigo
mesma quando disse: — Não se preocupe com isso; Halo fará a
bainha para você. Vou buscar um dos alfaiates agora.
Pobre Cinderela, Daphne pensou presunçosamente, tome
cuidado em qual fada madrinha você confia. Você pode não ter um
vestido para o baile, afinal.
NINA

Mais tarde naquela semana, Nina passou pelas portas de vidro do


Halo e se virou em direção ao caixa de mármore. Ela ficou surpresa
ao ver como a loja parecia diferente de quando ela estivera aqui
antes: totalmente vazia e revirada, como se tivesse sido devastada
por um bando de socialites desesperados.
Graças a Deus Nina comprou seu próprio vestido antes do frenesi
de alimentação de última hora.
A garota atrás do balcão, que estava digitando indiferentemente
em seu telefone, olhou para a chegada de Nina. — Posso ajudar?
— Meu nome é Nina Gonzalez. Estou aqui para comprar um
vestido que estava sendo ajustado — explicou Nina. A vendedora
deu um suspiro pesado e desapareceu na sala dos fundos.
Quando Nina se aventurou aqui na semana passada, ela
imediatamente se sentiu oprimida: havia muitos vestidos para
escolher, em muitos estilos. Ela desejou mais do que tudo poder
pedir a ajuda de Samantha, exceto que ela e a princesa ainda não
estavam se falando.
A raiva de Nina aumentou quando Daphne apareceu. Ela
presumiu que elas trocariam algumas gentilezas e voltariam a se
ignorar, mas para seu choque, Daphne sugeriu que comprassem
juntas.
Nina não conseguia pensar em uma desculpa rápido o suficiente.
Ela sentiu os olhares de toda a boutique sobre elas e sabia que, se
recusasse, a história seria divulgada online – sobre como a doce
Daphne se oferecera para ajudar, mas Nina recusou rudemente.
Então ela se resignou ao inevitável e foi para o fundo da loja. Onde
ela acabou encontrando um lindo vestido azul e preto.
Foi mais do que Nina gastou em uma peça de roupa em toda a
sua vida, mas ela disse a si mesma que valeu a pena. A festa de
noivado de Beatrice seria uma grande noite para ela e Jeff – porque
seria o primeiro noivado da família Washington que eles
compareceriam como um casal. Na frente do mundo inteiro e de
toda a imprensa reunida.
Nina mudou de posição com impaciência. Pelo menos ela estava
vestida mais apropriadamente do que da última vez que esteve aqui.
Não era natural para ela, porque esse estilo country club era o
oposto do estilo de Nina, mas ela começou a pensar nele mais
como uma fantasia do que uma roupa, como se ela tivesse sido
escalada para um filme. Hoje, por exemplo, ela estava interpretando
o papel da namorada do príncipe, pegando seu vestido para o baile.
Esse personagem usava um vestido de mangas compridas, meia-
calça e brilho labial nude.
— Desculpe, não estou com o seu vestido — disse a vendedora,
emergindo de trás de uma cortina que provavelmente levava ao
depósito.
Nina olhou para o crachá da garota e tentou sorrir. — Lindsay.
Você sabe quando estará pronto? Preciso usá-lo amanhã à noite.
Lindsay balançou a cabeça. — Não temos nada em seu nome.
— É azul marinho com uma sobreposição preta. Eu pedi para
fazerem a bainha — disse Nina, e percebeu que estava
balbuciando. Ela engoliu em seco, tentando pensar em como
Samantha lidaria com isso — Eu estava aqui no domingo com
Daphne Deighton. Damien estava nos ajudando.
— Damien está de folga hoje.
— Você pode, por favor, olhar novamente? — Nina ignorou a
onda de pânico no fundo de seu estômago.
A vendedora mudou-se para um computador. Seus dedos
clicaram no teclado por alguns momentos e ela franziu a testa. —
Nina Gonzalez?
— Sim — Nina quase disse: Você não me conhece? mas se
conteve a tempo. Essa coisa de celebridade instantânea estava
realmente bagunçando sua cabeça.
A carranca de Lindsay se aprofundou. — Mas você cancelou seu
pedido de vestido.
— O que? Não, eu não cancelei.
— Sim — Lindsay insistiu. Ela pronunciou as palavras com
firmeza, com uma espécie de prazer, como se se sentisse vingada
por essa prova — Está registrado bem aqui – você ligou no final da
tarde para cancelar. Você disse que encontrou outra coisa de que
gostou mais.
— Não fui eu — explodiu Nina — Não sei quem era, mas você
deve ter confundido os nomes, me confundido com outro cliente.
Não cancelei este pedido.
Lindsay deu um suspiro que indicava claramente que não era
problema dela. — Reembolsamos seu cartão de crédito, já que não
tínhamos começado as alterações — ela disse, como se Nina
devesse estar feliz por ter seu dinheiro de volta.
O coração de Nina bateu freneticamente em seu peito. — A festa
de noivado é amanhã. Eu deveria estar lá, no baile, com Jeff!
— Eu não sabia que você estava comparecendo com Sua Alteza
— respondeu Lindsay. Presumivelmente, isso era para lembrar Nina
que, como uma plebéia, ela deveria ter se referido a Jeff por sua
posição adequada.
— Onde está o vestido? Vou levá-lo para outro lugar para as
alterações... — Nina engoliu em seco. Ela parecia quase histérica.
— Temo que alguém comprou aquele vestido há alguns dias —
disse Lindsay, e Nina percebeu que ela não estava mais fingindo
não saber a qual vestido Nina se referia —, mas, claro, você pode
navegar pelos cabides para ver o que ainda está disponível. Embora
eu tenha medo que a maioria das coisas restantes não seja do seu
tamanho. Têm sido uns dias agitados.
— O que está acontecendo aqui? — um homem de cabelos
grisalhos e óculos de armação metálica saiu da sala dos fundos.
Seus olhos percorreram Nina com evidente desgosto — Algum
problema?
Foi quando Nina percebeu o que estava acontecendo.
Essas pessoas estavam tentando se livrar dela. Sabiam
exatamente quem ela era, mas não a aprovavam – sua formação,
seu estilo ou a maneira como ela supostamente "roubou" Jeff. Essas
eram as pessoas que estavam deixando todos aqueles comentários
horríveis online.
Alguns compradores perdidos olharam, curiosos sobre o drama
que se desenrolava diante deles.
Nina nunca na vida chorou por causa de roupas, mas agora ela se
sentia loucamente à beira das lágrimas. Ela se forçou a engoli-las
de volta. Fazer uma cena só resultaria em uma cobertura menos
lisonjeira, ao lado de fotos dela parecendo corada e com raiva.
Como ela iria conseguir um vestido de gala até amanhã à noite?
Para todas as outras funções como essa, Nina teria acabado de
pegar algo emprestado de Samantha, mas ela não poderia pedir a
Samantha agora…
Seus ombros caíram. Ela se lembrou do que Sam disse quando
ela foi ao dormitório de Nina e eles começaram aquela briga terrível.
Você é como uma irmã para mim.
Ela tinha estado tão focada em todas as memórias de Samantha
sendo irrefletida ou egoísta, mas agora outra memória surgiu na
mente de Nina. Da época em que ela tinha conseguido aquele corte
horrível, aquele que Jeff mencionou no Wawa. As meninas de sua
escola a provocaram impiedosamente por isso.
Quando Nina contou a Sam o que tinha acontecido – e que ela
estava presa com o corte de cabelo por meses, até que crescesse –
Sam encontrou uma tesoura e deu a si mesma um corte tigela
também, em solidariedade. E, claro, porque ela era a princesa, ela
de alguma forma conseguiu torná-lo elegante – transformando Nina
em uma criadora de tendências e salvando-a do ostracismo social
do quinto ano.
Nina acusou Sam de não valorizá-la, mas ocorreu a Nina que
talvez ela também não tivesse valorizado a amiga. Elas eram
amigas há tanto tempo que ela passou a ver a amizade delas como
uma coisa permanente, tão imutável e confiável quanto a pedra do
Monumento Georgiano.
Nina se encolheu ao lembrar algumas das coisas que disse à
amiga. Bem, ela iria ver Samantha no baile amanhã de qualquer
maneira; ela pode muito bem ter um dia de vantagem. Nina
precisava pedir a ajuda de Sam.
E seu perdão.
SAMANTHA

Samantha estava sentada de pernas cruzadas no sofá, lendo


preguiçosamente um artigo em seu laptop, quando ouviu uma batida
familiar de um-dois-três.
Ela empurrou o computador de lado, certa de que tinha ouvido
mal, ou que um dos lacaios a ouviu usar a batida e estava tentando
mexer com ela. Mas quando ela abriu a porta, Nina estava lá.
Sam gostaria de poder abraçar sua amiga e despejar tudo o que
aconteceu desde a briga deles. Nina e Jeff podem ter se
reconciliado – Jeff contou a Sam sobre isso, logo depois que
aconteceu, e Sam viu as fotos deles juntos na semana passada –
mas ela e Nina ainda não tinham se falado desde aquele dia horrível
no dormitório de Nina. O silêncio ecoou com todas as coisas que
elas gritaram uma para a outra.
Nina pigarreou. Ela estava vestida totalmente fora do personagem
em um vestido conservador e meia-calça, seu cabelo normalmente
ondulado puxado para trás.
— Desculpe, não avisei que estava vindo. Eu só... eu estava na
área e pensei... — Nina parou de falar em confusão.
Sam franziu a testa. — Nina, o que aconteceu?
— Não acredito que estou dizendo isso, mas tive uma emergência
no guarda-roupa.
— Emergência do guarda-roupa? — um sorriso apareceu no
canto da boca de Sam. Ela tinha quase certeza de que Nina nunca
usara essas duas palavras juntas.
Nina deu um aceno rápido, fazendo com que alguns fios de
cabelo escorregassem de seu coque. Isso a fez parecer mais com
ela mesma. — Houve um mal-entendido com os ajustes do meu
vestido, e agora não tenho vestido para amanhã. E todas as lojas da
cidade estão totalmente selecionadas. Eu gostaria de saber se você
sabia onde eu poderia conseguir um de última hora? — ela
perguntou em voz baixa.
Sam não estava mais tentando esconder seu sorriso. Dados os
outros problemas monumentais em sua vida agora, era um alívio ser
confrontada com um que ela realmente poderia resolver.
— Parece que precisamos ir às compras — ela agarrou o pulso
de Nina e puxou-a para o corredor.
— Praticamente não sobraram vestidos em toda a cidade, tenho
procurado — Nina começou a protestar, mas Sam continuou a
conduzi-la por um corredor após o outro.
— Estamos comprando aqui — ela parou quando chegaram a
uma tela de toque de metal em uma parede. Sam escaneou as
impressões digitais dela e a porta se abriu silenciosamente.
Os olhos de Nina se arregalaram. — Eu não sabia que você tinha
biossegurança em qualquer lugar, exceto no cofre das Jóias da
Coroa.
— Este não é o cofre das Jóias da Coroa, mas é quase tão bom
quanto — Samantha entrou ansiosamente e as luzes do sensor de
movimento se acenderam.
Eles estavam em um armário de tamanho industrial, pelo menos
cinco vezes maior que o quarto de Sam. Em três das paredes havia
varas penduradas, transbordando com todo tipo de vestido
imaginável: vestidos formais e vestidos curtos de lantejoulas e ralos
vestidos de festa no jardim. A parede final consistia em prateleiras
forradas em camurça preta luxuosa, cobertas de acessórios. Havia
chapéus, luvas e bolsas de todos os tamanhos, desde bolsas de
couro funcionais até bolsas clutch enfeitadas tão pequenas que mal
conseguiam segurar um brilho labial. Incontáveis pares de sapatos
estavam alinhados como uma variedade de doces coloridos.
No canto oposto, a plataforma de uma costureira estava diante de
um enorme espelho triplo. Um dimmer na parede tinha
configurações para DIA, SALÃO DE BAILE, TEATRO, JANTAR e NOITE. Sam
nunca tinha realmente entendido como o teatro e jantar diferiam do
cenário noturno, mas quem se importava? No mínimo, era divertido
de se brincar.
— Bem-vinda — entoou Sam, na voz de um locutor de um game
show —, ao Armário de Vestidos.
— O que é tudo isso... quero dizer…
— É um armário coletivo meu, de Beatrice e de minha mãe.
Apenas os vestidos de gala e de eventos. Muitos deles nunca foram
usados.
Nina deu uma volta lenta. — Como eu nunca estive aqui antes?
— Nunca tivemos uma emergência de guarda-roupa Código
Vermelho antes — quando Nina não riu da piada, Sam pigarreou. —
Cada vez que tínhamos um evento chegando, eu apenas puxava
algumas opções para você. Achei que você não queria entrar aqui.
Nina estremeceu com suas palavras e Sam percebeu que havia
dito a coisa errada – lembrando Nina de todos aqueles
comentaristas online que zombavam de seu senso de moda. Nina
puxou distraidamente a bainha do vestido de mangas compridas. —
Você está certa. Eu não sei nada sobre essas coisas.
Sam estava feliz que a rainha não estava presente para ouvir
Nina chamar este quarto – cheio de milhares de dólares em vestidos
de alta costura, de bordados intrincados e tecidos finos e delicadas
lantejoulas costuradas à mão – de essas coisas.
— Não se preocupe, você está em boas mãos. Porque eu sei
muito. — Um sorriso apareceu no rosto de Sam. — E estou
esperando por este momento há anos. Você, Nina Gonzalez, não
tem escolha a não ser ser meu manequim humano.
Ela já estava rondando pela primeira prateleira, tagarelando
enquanto avançava. — Você tem um torso tão longo que vai se
encaixar melhor nos vestidos de Beatrice do que nos meus. O que é
uma pena, já que meu estilo é muito mais divertido — ela brincou,
puxando um vestido requintado após o outro. O pêssego de de gola
alta de gala do museu do ano passado, coberto por pequenos
cristais que refletiram a luz. Um lindo vestido vermelho com
arabescos pretos que desciam pela saia larga e pesada. Um vestido
de seda fúcsia que Beatrice usou em uma visita de estado à Grécia.
Sam colocou-os sobre seu braço, um após o outro, em uma pilha
multi colorida vibrante.
Nina balançou a cabeça. — Sam, não posso deixar você fazer
tudo isso. Eu estava economizando para o meu próprio vestido.
— Excelente. Mime-se com uma mani-pedi amanhã — Sam
brincou.
— É sério. Não devo pedir nada emprestado à sua família.
Sam revirou os olhos — Quem disse, a polícia da moda?
— Robert disse isso, quando veio à minha casa com um acordo
de sigilo!
Sam ficou quieta sobre isso. Seu aperto se fechou sobre um dos
cabides forrados de feltro, tão forte que ela quase o quebrou. Não
admira que Nina pensasse que os Washingtons a faziam se sentir
pequena.
— Esqueça Robert. Ele não tem nada que dizer a você o que
fazer. E se ele disser alguma coisa, eu o despedirei.
— Não tenho certeza se você tem autoridade para fazer isso —
respondeu Nina, embora estivesse quase sorrindo.
— Por favor. — Sam puxou a palavra para que fosse duas
sílabas. — Apenas experimente algumas coisas? Você é minha
amiga mais antiga no mundo, e você nunca me deixou vesti-la, não
assim.
— Você está se aproveitando do meu desespero — reclamou
Nina, mas obedientemente abriu o zíper do vestido e vestiu a
primeira peça que Samantha estendeu para ela, um vestido justo de
cobalto coberto de lantejoulas.
— E daí se eu estiver? — Sam sorriu, deslizando vários vestidos
ao longo das barras de titânio do armário. — Você realmente vai me
privar de algo que me traz tanta alegria?
— Você simplesmente gosta de fazer isso porque dá a você uma
aparência de controle em um mundo caótico. — Nina girou para que
Sam pudesse puxar o zíper para ela.
Sam foi pega de surpresa pelo insight. Mas antes que ela
pudesse responder, Nina se virou para encará-la. Suas bochechas
estavam brilhantes com a cor, seus olhos brilhando.
— Eu realmente senti sua falta, Sam.
Foi o suficiente para deter o furacão de movimento de Samantha.
Ela congelou, os vestidos escorregando de seus braços e caindo no
chão.
Ela passou por cima da alta costura como se fosse uma pilha de
lenços de papel e envolveu a amiga em um abraço. — Eu odeio
brigar com você.
— Foi a pior! — Nina exclamou. — Me desculpe por ter atacado
você assim. Não foi justo da minha parte. Eu me senti tão abalada
com os paparazzi e todos aqueles comentários.
Sam deu um passo para trás. — Estive pensando sobre o que
você disse, sobre a maneira como tratei você. Eu realmente sinto
muito — disse ela com fervor. — Eu odeio ter feito você se sentir
assim.
— Muito disso não foi sua culpa.
— Ainda. Você vai me dizer como posso melhorar nisso de
amizade?
Nina sorriu. — Agora você pode me assistir trabalhando nesta
enorme pilha de vestidos e fornecer comentários em execução.
— Isso, eu definitivamente posso fazer — Sam garantiu a ela, e
começou a recolher os vestidos espalhados pelo tapete.
Que alívio saber que, com tudo o mais dando errado no mundo,
isso era algo que havia conseguido se corrigir, afinal.
Enquanto Nina experimentava um vestido após o outro, ela e
Samantha se atualizavam em tudo o que haviam perdido nas
últimas semanas: a reconciliação de Nina com Jeff e o fato de Nina
ter ido às compras com Daphne.
— Isso é realmente estranho — disse Sam sem rodeios. — Ex-
namoradas não vão apenas às compras com as namoradas atuais,
não por vontade própria.
— Foi o que eu pensei também. Quem sabe, talvez ela esperasse
que alguém relatasse tudo aos tablóides, e isso a faria parecer bem.
Isso certamente era plausível, mas Sam não pôde deixar de
pensar que havia mais na história. Parecia um pouco conveniente
demais para ser uma coincidência completa.
— Além disso — Nina acrescentou, levantando uma sobrancelha.
—, você não tem espaço para falar. Parece que me lembro de você
tirando fotos com Daphne na véspera de Ano Novo.
Sam riu; ela quase se esqueceu disso. — Só porque não
consegui encontrar você! — ela protestou.
Embora tivesse sido divertido tentar remover as camadas de
comportamento impecável que envolviam Daphne como uma
armadura.
— E você, Sam? — Perguntou Nina. — Você está bem, com
todas as notícias sobre Beatrice e Teddy?
Sam balançou a cabeça lentamente. — Beatrice e eu
conversamos. Acontece que nós duas nos entendemos mal por um
tempo. Quanto a Teddy... — Sua voz falhou um pouco; então ela
seguiu em frente. — Eu estaria mentindo se dissesse que estou feliz
com isso, mas Beatrice tem seus motivos para se casar com ele. E
não é como se eu pudesse impedi-la. Então, estou tentando superar
isso, o melhor que posso. Encontrando coisas para me distrair.
Falando nisso... — Ela olhou para o vestido de Nina, que estava
coberto de pompons fofos na parte inferior, e sufocou uma risada. —
Você parece algodão doce que passou por um triturador. Próximo.
— Você e Beatrice são amigas agora? — Nina balançou a cabeça
enquanto tirava o vestido ofensivo. — Há quanto tempo não
estamos conversando?
— Demasiado longo.
— O que fez com que vocês se reconciliassem? Você encontrou
um inimigo comum ou algo assim?
Sim. Câncer do meu pai.
Sam mordeu o lábio contra as palavras. Ela queria contar a Nina
sobre o prognóstico de seu pai. Ela queria ligar e contar tudo para
sua melhor amiga desde o primeiro momento em que ouviu a
notícia.
Revelar esse segredo podia fazê-la se sentir melhor, mas também
parecia incrivelmente egoísta. O segredo não era realmente de Sam
para compartilhar. E honestamente, ela não queria colocar o peso
da doença de seu pai nos ombros de outra pessoa. Especialmente
de Nina – não depois de tudo que ela havia passado recentemente.
No momento, o que Sam e Nina precisavam era continuar
jogando este jogo muito elaborado de vestir-se de alta costura.
— Acho que Beatrice e eu acabamos de nos atualizar — ela disse
como explicação. — Você sabe o que dizem, irmãs antes de
aventureiros.
Nina bufou. — Eu não acho que isso seja um ditado real, mas vou
deixar que você diga.
Sam pegou o vestido rejeitado, alisando as alças no cabide de
veludo, depois passou um vestido azul claro para Nina. Ele se
espalhou pela sala ao redor deles, uma cachoeira de seda clara.
— E pelo lado bom, o noivado de Beatrice não desviou a atenção
da mídia de você e Jeff? — Sam observou enquanto Nina colocava
o vestido.
— Alguns, sim. É simplesmente desanimador quantas pessoas
me odeiam e que nunca me conheceram.
Sam sentiu uma onda feroz de proteção em relação à amiga. —
Quer que eu envie um segurança para atacá-los, ensinar-lhes uma
lição?
Nina bufou, ignorando Sam, e se virou para frente e para trás na
plataforma. Ela parecia, para ser honesta, um bolo de casamento
com cobertura azul. — Eu não posso usar isso.
— Experimente um destes — Sam sugeriu, puxando alguns
vestidos de coluna. — E prometa que você não lerá mais os
comentários online. Essas pessoas estão com inveja de como você
é inteligente, equilibrada e segura de si. E, você sabe, o fato de que
você está namorando um príncipe.
— Sam… — Nina torceu as mãos, parecendo nervosa. — Você
está realmente bem comigo e Jeff? Eu não gostaria que você se
sentisse estranho ou desconfortável...
— Minhas duas pessoas favoritas no mundo, percebendo o quão
incrível são um para o outro? Por que eu não estaria bem com isso?
— Sam perguntou, um brilho perverso em seus olhos. — Claro,
espero que você dê o meu nome ao seu primogênito, já que fui eu
quem os uniu.
O rosto de sua amiga ficou vermelho como uma beterraba,
fazendo Sam cair na gargalhada. — Tudo bem — ela concedeu. —
Pensando bem, esta família não aguentaria outra Samantha.
Nina sorriu, seu rosto ainda corado. — Só poderia haver uma de
você, Sam.
DAPHNE

Não havia emoção que se comparasse a de entrar em uma festa e


saber que, de todas as jovens presentes, você era sem dúvidas a
mais bonita.
Daphne entrou no salão de baile como um cisne ao pôr do sol, os
olhos brilhando com olhares refletidos de admiração – e vários de
inveja. Seu vestido balançava agradavelmente com seus
movimentos. Era uma cor suave presa em algum lugar entre
champanhe e blush, com alças delicadas que deslizavam sobre os
ombros e camadas de tule leve caindo umas sobre as outras como
pétalas. Seu cabelo caía em cachos brilhantes pelas costas.
Ela viu a princesa Juliana da Holanda falando com Lady Carl, que
parecia séria, em um longo vestido preto – ela não sabia nada sobre
etiqueta? Era péssimo usar preto para uma festa de noivado. E aqui
estava o, infelizmente chamado Herbert Fitzherbert, flertando
desajeitadamente com um dos mais bonitos oficiais de honra do rei.
Fragmentos de conversas flutuavam ao seu redor.
— Eu despediria meu assistente, exceto que, neste ponto, ele
sabe muito sobre mim…
— Não, a melhor torrada de abacate está em Toulouse; vou levá-
lo para o brunch amanhã…
— ...ela não é rude; ela é apenas francesa. Se você queria ser
mimado, deveria ter trabalhado na embaixada sueca…
— Eu ouvi que Sedley pretende derrubar aquele projeto de lei no
momento em que for apresentado…
Todos eles pararam para cumprimentá-la quando ela passou,
suas respirações travando um pouco com sua beleza. Daphne deu a
cada um deles um sorriso sereno, não revelando nada de sua
ansiedade, a forma como seus músculos pareciam enrugados e
tensos sob o vestido. Ela era como um corredor olímpico equilibrado
antes do tiro que deu início a uma corrida. Esperando por Jefferson.
Mas então ela viu Ethan Beckett indo em sua direção com passos
longos e galopantes, e o sorriso de Daphne se transformou em algo
real.
— Dance comigo? — ele perguntou com sua brusquidão típica.
Daphne sabia melhor do que dizer sim. Ela tinha um príncipe para
encontrar, um relacionamento para romper e sempre, sempre, um
suprimento infinito de pessoas para encantar.
Em vez disso, ela colocou a mão na dele, deixando Ethan
conduzi-la através da multidão e do brilho do salão de baile.
Ele passou um braço em volta de Daphne para colocá-lo
levemente acima da base de sua coluna. Com a outra, ele estendeu
a mão para entrelaçar os dedos. — Você parece muito satisfeito
consigo mesma.
— Eu? — ela perguntou levemente.
— Você parece como se alguém tivesse acabado de lhe conceder
um condado — ele deu seu sorriso sardônico de sempre, e Daphne
sentiu seus próprios lábios se curvando nas bordas.
— Então, você vai me contar seu plano? — Ethan continuou.
Daphne não negou. Ele tinha o hábito desconcertante de ver
através dela, não importa o que ela fizesse.
— Se eu tivesse um plano, dificilmente compartilharia os detalhes
com você.
— Não esperava nada menos.
Os movimentos de Ethan não eram chamativos, mas tinham uma
graça inesperada. Ele era autoconfiante, movimentava-se facilmente
para alguém tão alto. Outros casais menos glamorosos esvoaçavam
e conversavam ao seu redor, fazendo Daphne se sentir mais
impressionante em comparação.
— Você é um bom dançarino — observou ela.
Houve uma torção na boca em forma de arco de Ethan. — Tente
não soar tão chocada na próxima vez que fizer um elogio a alguém.
— Eu não tenho o hábito disso.
Algo faiscou no ônix de seus olhos. — Você é uma parceira fácil
— ele admitiu; em seguida, acrescentou, mais suavemente —
Combinamos bem.
Não havia nada que Daphne pudesse dizer sobre isso. Ela sabia
tão bem quanto Ethan porque eles dançavam tão bem juntos.
Porque Ethan conhecia seus movimentos e ela conhecia os dele –
porque, sob a disputa verbal acalorada, eles eram basicamente
iguais.
A música terminou. Houve uma explosão de aplausos, e a banda
começou outra. Daphne e Ethan, por meio de um acordo tácito,
continuaram a dançar.
— Vou sentir sua falta, você sabe — disse ele em voz baixa.
— O que você quer dizer? — seu coração curiosamente acelerou.
— Assim que você e Sua Alteza voltarem, vou sentir sua falta —
era estranho se referir a Jefferson pelo título formal, mas Daphne
fingiu não ouvir. Assim como ela fingiu não ouvir as entrelinhas do
que ele estava dizendo.
— Não estou exatamente pensando em ir embora.
Nenhum dos dois sorria, como se tivessem chegado a um ponto
que estava além de sorrisos. Embora estivessem cercados por
centenas de pessoas, parecia a Daphne que estavam
completamente sozinhos: uma bolha de silêncio incerta em um mar
de barulho.
— Daphne — Ethan disse finalmente — o que você quer?
Mesmo.
Alguma parte estranha dela sussurrou uma resposta que ela se
recusou a reconhecer. Daphne silenciou brutalmente aquela voz.
— Eu quero tudo — ela disse a ele.
Não houve necessidade de elaborar. Daphne queria uma coroa,
que poderia muito bem ser a única coisa no mundo que Ethan não
poderia dar a ela, não importa o quão rico ou poderoso ele se
tornou, não importa o quanto ele planejou, lutou ou conseguiu.
— Tudo — Ethan repetiu secamente — Bem, se for apenas isso…
Suas palavras inexplicavelmente a fizeram rir – e então os dois
começaram a rir, suas risadas se enredando em torno deles
enquanto se moviam nos passos familiares da valsa.
Os olhos de Ethan ainda estavam fixos nos dela.
— O que acontece quando uma força imparável encontra um
objeto imóvel? — perguntou ele, tão baixinho que poderia estar
falando sozinho. Diante do olhar curioso de Daphne, ele explicou: —
É um paradoxo da filosofia antiga. O que acontece quando uma
força imparável, como uma arma que nunca falha, encontra um
objeto imóvel, como um escudo que não pode ser quebrado?
— Então? — ela jogou impacientemente os cachos cor de páprica
— Qual é a resposta?
— Não há resposta. É por isso que é um paradoxo. Um enigma.
Mas Daphne sabia. O que acontece são faíscas. Ela pegou seu
corpo inclinado em direção ao de Ethan e se forçou a dar um passo
para trás.
Ela realmente deveria saber melhor – especialmente depois do
que aconteceu entre eles no maio passado.

Daphne se recusou a deixar seu humor estragar a festa de


aniversário de Himari, embora seu sorriso parecesse cada vez mais
precário à medida que a noite avançava.
Ela estava preocupada com seu relacionamento. As coisas com
Jefferson estavam complicadas há algum tempo; ele estava furando
seus planos com ela, ignorando-a por dias a fio, saindo com seus
amigos rapazes e se deixando ser fotografado com o braço de uma
garota qualquer serpenteando em sua cintura. Daphne estava com
medo de que, quando ele se formasse no ensino médio na próxima
semana, ele terminasse com ela.
Não ajudou o fato de que ele estava atualmente em Santa
Bárbara, no primeiro casamento da família real em décadas. Sua tia
Margaret estava finalmente se casando com seu namorado ator – e
Jefferson não tinha convidado Daphne como seu par.
Os tablóides estavam engolindo tudo. DAPHNE DISPENSADA PARA O
CASAMENTO! diziam as manchetes. Vários blogs revisaram a lista de
convidados de maneira obsessiva e detalhada, perguntando-se
quem poderia tentar Jefferson a traí-la. Enquanto isso, os corretores
de apostas haviam diminuído suas chances de se casar com o
príncipe de um em sete para um em dezoito, em algum lugar entre
sua prima de terceiro grau, Lady Helen Veiss, e a princesa mexicana
de seis anos.
Daphne vagava sem rumo pela casa de Himari, um copo de
margarita na mão – esse era seu movimento característico nas
festas, carregar água com gás em um copo de margarita, porque
parecia tão festivo que ninguém nunca havia questionado – exceto
que esta noite seu conteúdo não era água com gás, mas tequila
pura. Ela esperava que, se bebesse o suficiente, poderia esquecer
temporariamente que seu relacionamento duramente conquistado e
de alto perfil estava se desfazendo. Até agora não havia funcionado.
Quando a festa se transformou em um vale-tudo desleixado,
todos pulando e se agarrando na pista de dança improvisada,
Daphne atingiu seu limite. Ela deslizou para fora, pelas pedras frias
do terraço, para abrir a porta de correr da casa da piscina.
O sofá-cama foi feito com lençóis e cobertores: provavelmente
ideia dos pais de Himari, caso alguém fique muito bêbado na festa
para voltar para casa. Estava abençoadamente quieto aqui. Daphne
soltou um suspiro e afundou na beira da cama.
E então as comportas se abriram e ela começou a chorar.
— Você está bem?
Ethan estava parado na porta. A luz se espalhou por trás dele,
fazendo-o se parecer com uma daquelas pinturas medievais onde
as figuras eram decoradas em folhas de ouro.
— Estou bem — Daphne retrucou, seu orgulho se manifestando.
Ela enxugou bruscamente as lágrimas. Ela não tinha jurado nunca
deixar ninguém vê-la chorar?
Ethan veio sentar-se na beira da cama ao lado dela. — O que
está acontecendo?
Daphne não conseguia desviar o olhar das íris escuras líquidas de
seus olhos. Eles passaram tantas horas juntos – é claro que
passaram, como a namorada do príncipe e seu melhor amigo – e
Ethan nunca agiu nada além de amigável com ela. Mas, por algum
motivo, Daphne tinha a sensação de que ele a conhecia. Que, ao
contrário de todas as outras pessoas em seu mundo, ele não se
deixou enganar pela maneira como ela se comportou. Que ele viu
os pensamentos girando sob seu verniz calmo.
No entanto, ela não conseguia lê-lo.
Ela havia, há muito tempo, descoberto como ler Jefferson; ele não
era tão complicado. Tornou-se uma espécie de jogo para ela,
introduzir tópicos aparentemente ao acaso – música reggae, a
Inquisição Espanhola, o escândalo do Congresso do ano passado –
e tentar adivinhar o que Jefferson diria. Até agora ela não se
enganara nenhuma vez.
Nem um pouco como com Ethan, que era enlouquecedor, evasivo
e impossível de entender.
— Posso fazer alguma coisa para ajudar? — ele insistiu.
Daphne deixou escapar um suspiro, ignorando sua preocupação.
— Há quanto tempo você conhece Jefferson?
Se Ethan ficou surpreso com a pergunta dela, ele não
demonstrou. — Somos melhores amigos desde o jardim de infância
— disse ele. O que ela já sabia.
— E vocês continuaram tão próximos desde os cinco anos? —
Daphne não queria parecer condescendente. Mas se ela não
conseguiu manter o interesse do príncipe por meros três anos, como
Ethan conseguiu fazer isso durante a maior parte de suas vidas?
Ele encolheu os ombros. — Sabe, o rei foi na verdade quem me
convidou originalmente. Acho que ele pensou que seria bom para
Jeff passar um tempo com alguém de uma origem diferente. Alguém
de classe média. — Ethan disse isso sem hesitar, quase como se
tivesse orgulho de ser um plebeu. Então seu olhar se concentrou
novamente em Daphne — Por que você pergunta?
Ela apertou as mãos na colcha acolchoada e fechou-as em
punhos. — Eu preciso descobrir o que fiz para fazer Jefferson
perder o interesse — ela se ouviu dizer, em um tom aborrecido e
oco — Caso contrário, ele vai terminar comigo.
Ela não tinha a intenção de confessar esse medo, especialmente
para Ethan, mas a tequila parecia ter entorpecido as bordas de tudo
e ela não se importava mais.
— Isso é ridículo — Ethan disse calmamente —, só um tolo
jogaria fora a chance de estar com você.
Algo em seu tom fez Daphne erguer os olhos, mas seu rosto
estava inescrutável e imóvel como sempre. Ela engoliu em seco e
explicou. — As coisas entre mim e Jefferson parecem estranhas
ultimamente. E com sua formatura chegando... eu não sei o que vai
acontecer.
Ethan devia estar bêbado também, o álcool embotando as bordas
de sua costumeira cortesia cínica, porque suas próximas palavras a
chocaram.
— Por que você se importa, se você nem gosta de Jeff?
Daphne piscou. — Claro que me importo. Eu o am...
— Você ama ele? Mesmo? — a voz de Ethan zombou da palavra.
— Eu cheguei longe demais para parar agora!
As palavras eram como champanhe saindo de uma garrafa,
impossível de suprimir, como se a válvula de pressão de
emergência final de Daphne tivesse finalmente quebrado. — Há
anos tenho lutado para ser perfeita o suficiente para a família real —
disse ela com veemência — Você tem ideia de como tem sido
difícil?
— Não, mas…
— É exaustivo e nunca consigo desistir, nem mesmo por um
segundo! Tenho que ser constantemente charmosa, não apenas
com Jefferson e seus pais e a mídia, mas com cada pessoa que
cruzar meu caminho, mesmo que seja apenas por um momento,
porque eles vão me julgar por aquele momento pelo resto de suas
vidas. Eu não consigo parar de sorrir, ou a coisa toda vai desabar ao
meu redor!
Os sons da festa pareciam muito distantes, como algo em um
sonho.
— Se é realmente assim que é, então talvez você e Jefferson
devessem terminar. Talvez ele não seja a pessoa certa para você.
Talvez… — ele continuou — você deva ficar comigo em vez disso.
Daphne não sabia como responder.
Seu estômago era um turbilhão de emoções confusas – atração e
irritação, gosto e ódio – tudo arranhando dentro dela por domínio,
como se cada neurônio em seu cérebro tivesse ligado em um show
de luz elétrica selvagem.
Ethan se aproximou, dando uma volta suave ao longo do colchão.
Seus olhos brilharam, escuros e fervorosos e questionadores.
Essa era a última chance de recuar, fingir que nada disso havia
acontecido e ir embora. Mas ambos estavam muito parados, um par
de sombras silenciosas.
Mesmo no silêncio, Daphne sentiu algo estalar e faiscar entre
eles.
De repente, eles estavam caindo na cama juntos, um emaranhado
de mãos, lábios e calor. Ela puxou o vestido impacientemente pela
cabeça. Ele caiu no chão com um sussurro.
— Tem certeza? — a respiração de Ethan enviou pequenas
explosões por toda a sua pele, como fogos de artifício. Foi o mais
perto que qualquer um deles chegou de reconhecer o quão errado
isso era.
— Tenho certeza — Daphne disse a ele. Ela sabia exatamente o
que estava fazendo, sabia as promessas que estava quebrando,
para si mesma e para Jefferson. Ela não se importava mais. Ela se
sentiu fluida, eletrificada, gloriosamente irresponsável.
Ela se sentiu, pela primeira vez em anos, como ela mesma. Não a
Daphne Deighton pintada em público que ela mostrou ao mundo,
mas a verdadeira garota de dezessete anos que ela mantinha
cuidadosamente escondida embaixo.

— Daphne? Eu preciso falar com você — sua mãe cruzou a pista de


dança em direção a eles, nem mesmo se preocupando em
reconhecer Ethan.
— Oh, tudo bem — Daphne se perguntou como estaria a
expressão em seu rosto para mandar Rebecca correndo para cá.
Seus olhos encontraram brevemente os de Ethan, e ela viu seu
lampejo de compreensão e de decepção. Ele assentiu, dando um
passo para o lado.
As unhas de Rebecca cravaram na carne da parte interna do
braço de Daphne enquanto ela a arrastava para longe. — Você não
tem tempo para distrações, logo esta noite, de todas as noites.
— Ethan é o melhor amigo de Jefferson — disse Daphne,
cansada — Eu estava apenas dançando com ele algumas músicas.
E lembrando da noite em que perdi minha virgindade com ele.
— Você poderia estar dançando com um imperador, e eu ainda
esperaria que estivesse presente para a entrada da família real —
Rebecca sibilou.
— Mãe… — os passos de Daphne diminuíram — Você já se
perguntou... quero dizer, tudo isso realmente vale a pena?
O aperto de Rebecca aumentou com tanta força que Daphne mal
engoliu um grito de dor.
— Daphne. — como sempre, sua mãe conseguiu transmitir um
mundo de emoções nessas duas sílabas — Vou fingir que você não
perguntou isso. Nunca mais diga nada parecido, não para mim, e
certamente não para seu pai. Não depois de tudo o que fizemos por
você.
Ela se afastou e Daphne apertou as mãos para esconder o tremor
repentino. Sua mãe estava certa, é claro. Ela tinha estado nesta
estrada por muito tempo para se questionar agora.
Havia um anel de meias-luas vermelhas na pele da parte interna
do braço de Daphne, onde as unhas de Rebecca estavam.
Uma comoção soou na Porta dos Suspiros, e o arauto surgiu para
bater seu cajado contra o chão. — Suas Majestades, Rei George IV
e Rainha Adelaide!
Daphne observou junto com todos na sala quando o rei e a rainha
entraram, seguidos por Beatrice e seu noivo. Momentos depois,
Samantha apareceu, e então, finalmente, Jefferson.
Ele entrou no salão de baile sozinho, conforme ditado pelo
protocolo: apenas alguém noivo de um membro da família real tinha
permissão para caminhar ao lado deles. Mas ele só avançou alguns
metros para dentro da sala quando Nina Gonzalez se separou das
massas reunidas e veio ficar ao seu lado.
O estômago de Daphne embrulhou ao ver Jefferson estender o
braço para Nina.
Ela percebeu imediatamente que sua manobra na Halo havia sido
inútil. Na verdade, Nina ficava ainda melhor assim: um vestido de
gola redonda em um cinza profundo, corpete e saias pesadas com
contas de carvão.
— Você tem um trabalho a fazer — Rebecca disse calmamente.
Como se Daphne corresse o risco de esquecer.
Ela se forçou a respirar fundo, lutando contra a onda de
frustração, ressentimento e inveja que ameaçava afogá-la. Ela não
podia se dar ao luxo de perder a calma por causa de uma ninguém.
Nina poderia muito bem aproveitar esta hora com Jefferson,
porque seria a última que ela teria. No momento em que Daphne
pudesse pegá-la sozinha, ela agiria rápido.
NINA

Nina já tinha ido a muitas festas no salão de baile do Washington


Palace, mas mesmo ela nunca o vira tão encantado.
O espaço estava transbordando em flores; hortênsias verdes,
lírios e dálias laranja vibrantes espalhando-se por todas as
superfícies. Candelabros de cristal lançavam fitas de luz por toda a
sala. A luz caia sobre saias de tule giratórias, smokings recém-
passados, joias que haviam sido retiradas de cofres e caixas de
depósito seguro para a ocasião, enquanto todos esses cortesãos
competiam desesperadamente para vencer uns aos outros.
E em todos os lugares que ela olhou, Nina viu o monograma de
casamento B&T. Foi impresso em folha de ouro nos guardanapos
de coquetel, bordado no tecido das mesas altas com rodapé, e até
mesmo pintado na bateria da banda.
Um homem de cabelos escuros, dançando a apenas alguns
metros de distância com uma mulher em um vestido de veludo
amassado, encontrou os olhos de Nina. Ele a encarou com uma
mistura de desdém e tédio.
— Jeff — Nina sussurrou no ouvido do príncipe —, quem é
aquele?
Ele se virou para seguir o olhar dela, então soltou uma
gargalhada. — Esse é Juan Carlos, o filho mais novo do Rei da
Espanha. Costumávamos passar férias com a família, em seu
palácio de verão em Maiorca — Jeff habilmente conduziu Nina para
mais longe do príncipe espanhol — Ele uma vez convidou Beatrice
para um encontro, bem, praticamente todos os príncipes
estrangeiros fizeram, em algum momento, mas ela disse que não.
— Beatrice recusou um príncipe?
— Não sei por que você está surpresa. Pelo que me parece, você
fez isso sozinha. Várias vezes — Jeff brincou, uma sobrancelha
erguida em desafio.
Nina enrubesceu com a memória. — Pelo que eu me lembro,
você mereceu — ela disse levemente — E ao contrário de Beatrice,
eu não sou uma princesa. Não preciso me preocupar com questões
de protocolo real ou relações internacionais se disser não a um
encontro.
Jeff riu disso. — Bem, ele e Beatrice nunca teriam dado certo de
qualquer maneira. Sua família o chama de Juan-para-a-viagem
Carlos. — Jeff baixou a voz conspiratoriamente — Porque ele traz
um frasco no bolso da jaqueta sempre que tem que cumprir funções
reais oficiais.
Nina lançou outro olhar para o príncipe espanhol, ainda dançando
com a mulher de veludo. Seus braços instintivamente apertaram os
ombros de Jeff. Se Jeff e Sam não fossem cuidadosos – se não
encontrassem algo que importasse para eles, algum tipo de
propósito – eles poderiam acabar como Juan Carlos: ocioso,
cansado do mundo, flutuando sem rumo de uma função real para
outra.
Era apenas o perigo constitucional de ser o reserva.
— Você está incrível, sabe — Jeff murmurou. O desejo em sua
voz, baixa e áspera, cortou abruptamente os pensamentos de Nina.
Ela mordeu o lábio contra um sorriso. — Sam ajudou. Eu não teria
um vestido sem ela.
O vestido cor de fumaça de Nina estava todo costurado com
miçangas. Elas balançavam e se acomodavam ao redor de seu
corpo, dando-lhe a curiosa sensação de que estava dançando na
água. Seu cabelo escuro estava empilhado no alto da cabeça como
uma nuvem noturna, algumas mechas escapando para emoldurar
seu rosto.
— Você também não está tão mal — acrescentou ela, com um
aceno de cabeça para o blazer de Jeff: aquele que ela havia pegado
emprestado no terraço meses atrás. Ele até colocou os alamares e
a correia cruzada brilhante, embora o cinto não tivesse uma espada.
— Eu sabia que você tinha uma queda por homens de franja —
Jeff deu um sorriso malicioso — Embora se eu soubesse que o
Príncipe Hans estava chegando, eu teria usado meu medalhão da
Ordem dos Cavaleiros de Malta. É a única decoração que tenho que
ele não tem.
— Príncipe Hans? — Nina seguiu o olhar de Jeff, até um menino
magro usando óculos de armação quadrada — Ele é...
dinamarquês?
— Norueguês.
Nina tentou não revirar os olhos. — Desculpe, quantos membros
da realeza estrangeira estão nesta festa?
— O máximo que puderam chegar a tempo — Jeff encolheu os
ombros — O pai de Hans é um dos padrinhos de Beatrice.
Claro que ele é. Nina se lembrou de um livro que ela havia
guardado na biblioteca um dia, Famílias Reais Menores da Europa,
cheio de páginas e mais páginas de árvores genealógicas. Ela olhou
para eles com os olhos arregalados – todas aquelas linhas e galhos,
se entrelaçando e se entrelaçando – antes de fechar o livro
exasperada.
Seus olhos se desviaram para onde Beatrice estava ao lado de
Teddy, cercada por uma multidão de convidados ansiosos.
— Ainda não consigo acreditar que Beatrice está noiva. Tudo
aconteceu tão rapidamente — Nina estava pensando em Samantha
– em como deve ser difícil para ela ver Teddy com Beatrice. Isso a
fez se sentir quase culpada por estar tão feliz quando sua amiga
claramente não estava.
— Eu gosto de Teddy — disse Jeff secamente — Ele é um cara
ótimo e parece ser uma boa opção para Beatrice, mesmo que…
— O quê?
Jeff encolheu os ombros com desconforto. — Claramente estou
errado, mas por um tempo lá em Telluride, eu meio que pensei que
havia uma vibração entre ele e Samantha.
Nina franziu os lábios e não disse nada.
— Beatrice nunca foi indecisa. Não estou surpreso que ela tenha
se decidido sobre Teddy tão rapidamente — a voz de Jeff era suave
sobre os delicados fios da música jazz — Acho que quando você
encontra a pessoa certa, nada mais importa.
Nina assentiu, entendendo.
Ela não tinha certeza se algum dia iria se acostumar com tudo: a
exposição, o escrutínio público interminável Era muito mais intenso
agora do que quando ela era apenas amiga de Samantha. Ela
esteve à margem, claro, assistiu a muitas chamadas de fotos e
passou por várias filas de fotógrafos, mas eles nunca a deram um
segundo olhar.
Ser namorada de Jeff era totalmente diferente. Nina ainda ficava
surpresa sempre que via seu próprio rosto em um tablóide ou ouvia
seu próprio nome ser gritado no meio da multidão.
Embora, ultimamente, Nina tenha notado parte da cobertura
mudando de tom. Ela não tinha certeza do porquê: se as pessoas se
cansaram do ângulo da ascensão social ou se os tabloides
simplesmente encontraram outra vítima para zombar. Talvez outras
meninas comuns, não aristocráticas, quisessem acreditar no conto
de fadas – que elas também poderiam encontrar um Príncipe
Encantado.
Seja qual for o motivo, havia menos veneno aqui esta noite do
que Nina esperava. Ela veio ao baile de noivado de Beatrice
pensando que seria um ninho de víboras: que seus únicos aliados
verdadeiros eram Sam e Jeff, e todos os outros seriam declarados
com firmeza Time Daphne. Mas ela ficou agradavelmente surpresa
com o número de rostos familiares no salão de baile. Alguns eram
amigos de sua mãe, alguns colegas de escola de Sam e Jeff; outros
eram pessoas que ela nunca conheceu, mas que lhe deram sorrisos
acenos de aprovação.
As mãos de Jeff desceram em suas costas. Nina se aproximou
um pouco mais, colocando o braço em volta dele para colocar a
cabeça em seu ombro. Seu corpo estava formigando e alerta, seu
sangue zumbindo com as palavras que ela ainda não ousara falar
em voz alta.
Nina tinha tanto medo de perder-se de vista em meio a todo o
glamour e protocolo, a natureza inerentemente pública de seu
relacionamento. Mas em vez disso, ela encontrou algo muito maior.
Ela amava Jeff.
E embora ela sempre soubesse disso – embora seu amor por Jeff
fosse tão antigo que ela mal conseguia se lembrar de um tempo
antes de amá-lo –, Nina se permitiu aprender tudo de novo.
BEATRICE

Beatrice se sentia como uma boneca de corda mecânica, recitando


as mesmas frases sem parar: Estamos tão felizes que você
conseguiu vir; obrigado pelos votos calorosos; nós dois estamos
emocionados.
Ela não podia se dar ao luxo de pensar muito sobre o significado
de suas palavras, ou ela poderia realmente desmaiar. Ela já sentia o
suor escorrendo por suas costas sob o tecido duro de seu vestido.
De alguma forma, ele conseguia evocar uma noiva sem realmente
parecer um vestido de noiva – seus painéis de seda em um tom de
creme tão escuro que beirava o ouro claro, adornado com detalhes
em tafetá. Seu cabelo estava arrumado em um penteado intrincado,
a tiara Winslow empoleirada em sua cabeça. Os diamantes
brilhavam como lágrimas em suas orelhas.
Inúmeros nobres estavam diante dela em ordem de precedência,
todos esperando para parabenizar ela e Teddy pelo noivado. Eles
contornaram a lateral do salão em uma fila quase interminável.
Beatrice não parava de imaginá-los dançando, como uma espécie
de conga aristocrática.
Ela olhou para sua irmã, que se plantou resolutamente à
esquerda de Beatrice, como se Beatrice pudesse de repente
precisar se escorar nela para se apoiar. Desde a conversa na
cozinha, Beatrice notou uma nova maturidade em Samantha. Ela
não era a mesma princesa que ria alegremente durante o ensino
médio. Havia um novo lado nela, um novo peso em suas palavras.
Em algum momento do ano passado, enquanto Beatrice não
estava prestando atenção, sua irmãzinha tinha crescido.
Beatrice havia se segurado durante os duques e marqueses, mas
eles ainda estavam na metade dos condes, e ela sentiu que
começava a se desgastar. A linha de cortesãos parecia estender-se
indefinidamente.
Teddy – ela ainda não conseguia pensar nele como seu noivo –
pousou a mão nas costas dela em um gesto silencioso de apoio.
Talvez ele a tenha notado caindo um pouco.
— Robert — Beatrice voltou-se para o camareiro — Podemos ter
uma pausa?
As sobrancelhas de Robert se juntaram em uma carranca. —
Vossa Alteza Real, é costume que os membros recém-noivos da
família real recebam parabéns de todos os pares reunidos no início
do baile de comemoração — uma das maiores habilidades de
Robert era dizer não à realeza sem realmente dizer a palavra.
Para o alívio de Beatrice, Teddy interrompeu, com voz firme. —
Está tudo bem, Robert; podemos fazer uma pausa. Ou se você não
achar que é impróprio, fico feliz em aceitar os parabéns em nome da
princesa.
— Obrigada — Beatrice lançou um olhar agradecido a Teddy.
Pegando suas abundantes saias com as duas mãos, ela saiu do
salão de baile.
No momento em que ela entrou no corredor, Beatrice começou a
correr. Ela não se importava para onde estava indo, contanto que
continuasse se movendo, para longe daquela sala onde tudo era
impresso com um B entrelaçado e um T. Beatrice nem se lembrava
de ter dado sua aprovação para aquele monograma de casamento,
mas ela supôs que deveria ter. Tudo relacionado ao casamento se
tornou um borrão.
Ela tropeçou passando por uma das salas de estar do andar de
baixo, onde os convidados haviam depositado seus presentes no
início da noite, apenas para parar em seu caminho.
— Connor?
Ele estava perto de uma mesa de madeira que gemia sob o peso
dos presentes, a maioria deles embrulhados em papel de marfim ou
prata. Embora Beatrice e Teddy tivessem insistido que tudo o que
queriam eram doações de caridade, todos pareciam determinados a
enchê-los de presentes.
— Eu sei que não fui convidado — Connor se apressou em dizer.
Ele estava sem uniforme, vestindo jeans e um suéter que realçava o
azul acinzentado de seus olhos. Em sua mão estava uma caixa
amarrada com fita de cetim — Eu só queria te dar isso, antes…
— Obrigada — Beatrice disse, porque ela tinha que dizer algo, e
sua mente estava atualmente incapaz de formar qualquer outra
palavra.
A coisa certa a fazer era seguir em frente, para longe de Connor.
Para voltar ao salão de baile, onde seu noivo – e todo o resto de seu
previsível futuro real – a esperava.
Em vez disso, Beatrice entrou, fechando a porta silenciosamente.
— Não há necessidade, Vossa Alteza Real — disse Connor, uma
aspereza nessas três últimas palavras — Eu sei que você tem que
voltar para sua festa.
— Por favor, não me venha com Sua Alteza Real.
Ele cruzou os braços defensivamente. — O que você quer de
mim, Beatrice? Você deixou perfeitamente claro como as coisas
estão entre nós. Já nos despedimos — ele a lembrou —, só espero
que você esteja feliz com as escolhas que fez.
— Talvez eu não esteja.
Saiu apenas um sussurro.
Connor não se mexeu. — O que isso significa?
Beatrice sentiu que sua personalidade controlada escapava tão
facilmente como se ela estivesse abrindo o zíper de um vestido.
— Quero dizer que não acabamos. Ou, pelo menos, eu não
superei você — ela respirou fundo — Não importa o que aconteça,
eu nunca vou esquecer você.
Lentamente, ela deu um passo à frente e levou a mão ao rosto
dele: para traçar cada sarda, cada curva e sombra que se tornara
tão familiar para ela. Mais familiar até do que seu próprio reflexo.
— Bee… — ele disse rispidamente.
Ela agarrou seu suéter com as duas mãos e puxou-o para beijá-
lo.
Sua boca na dela estava escaldante. Beatrice fechou os olhos e
se pressionou contra Connor. Parecia que ela estava vivendo em
um mundo faminto de oxigênio e agora podia finalmente respirar –
como se fogo puro corresse por suas veias, e se ela e Connor não
tomassem cuidado, eles poderiam queimar o mundo com ele.
Quando finalmente se separaram, Connor manteve as mãos em
volta das dela, como se ele não pudesse suportar não ter alguma
parte dele que a tocasse. Ambos correram para falar.
— Eu sinto muito...
— Eu nunca quis…
— Beatrice — interrompeu Connor e ela ficou em silêncio —, eu
vou voltar, se você me aceitar. Serei seu Guarda novamente.
O bordado no topo de seu vestido se agitou com sua respiração.
— Mesmo?
Ele acenou com a cabeça solenemente. — Estas últimas
semanas foram uma tortura. Percebi que não posso suportar a ideia
de uma vida sem você. Não estou dizendo que vou gostar de
assistir você se casar com ele — Connor acrescentou, tropeçando
um pouco nas palavras — Mas eu entendo, Bee. Você é a herdeira
do trono e não pode fazer suas próprias escolhas.
Ele voltaria para ela. Eles estariam juntos novamente. Beatrice
tentou ficar satisfeita com isso... mas de repente tudo o que ela
podia ver era Connor, ajoelhado diante dela no jardim, o coração
nos olhos.
— Eu sei que não devo tentar escolher quais partes de você amar
— ele estava dizendo — Eu te amo, Beatrice. Todas as suas partes,
até mesmo a parte de você que se jurou à Coroa. Mesmo que isso
signifique que não podemos ficar realmente juntos.
— Eu também te amo.
— Tudo bem então. Vou pedir para ser transferido para você —
Connor sorriu para ela — Pelo menos assim teremos um ao outro.
Beatrice sabia que não poderia aceitar sua oferta.
Essa coisa entre ela e Connor era real. Ela era dele e ele era dela
– isso era simplesmente a verdade, talvez a verdade mais poderosa
em toda a corte. E algo tão verdadeiro assim era algo pelo qual valia
a pena lutar.
— Não — Beatrice deu um passo para trás, balançando a cabeça
— Eu não posso pedir isso a você. Você merece muito mais do que
meia vida.
— O que você está dizendo?
Beatrice deslizou o anel de noivado de diamante de seu dedo,
revelando a linha de caneta permanente preta inscrita abaixo. Pela
primeira vez em semanas, seu sorriso não foi forçado.
— Ainda está aí? — ele perguntou, incrédulo.
Ela não era capaz de suportar a visão de seu dedo sem ele. — Eu
mesma retoquei — ela confessou, e respirou fundo — Connor, estou
cancelando o casamento.
Ver Connor novamente foi um lembrete nítido de tudo que Teddy
não era. Beatrice gostava de Teddy e o entendia, e sabia sem
dúvida que ele teria sido um grande primeiro rei consorte. Se ela
nunca tivesse conhecido Connor, talvez isso fosse o suficiente.
Exceto que ela conheceu Connor. Eles conseguiram se encontrar
neste mundo confuso, confuso e cheio de falhas. E agora que ela
sabia o que era amar alguém de verdade, Beatrice não podia aceitar
nada menos.
— Mesmo? — a esperança nua na expressão de Connor quase a
desfez.
— Sim. Vou falar com meu pai esta noite, dizer a ele que não
posso me casar com Teddy. — Seu estômago deu um nó de pavor
ao pensar naquela conversa.
— O que você acha que ele vai dizer?
Beatrice gostaria de poder dizer a Connor que tudo ficaria bem.
Mas depois de tudo que eles passaram, ele merecia a verdade dela.
— Honestamente, eu não sei.
— Ele não vai me aprovar — disse Connor calmamente — Nem a
América. Veja o quanto eles piraram com Jeff e Nina, e ele nem
mesmo é o herdeiro. Eles nunca aceitarão sua futura rainha
namorando seu guarda-costas.
— Se eles realmente se sentem assim, talvez eu não queira ser
sua rainha.
Connor bufou exasperado. — Não seja petulante.
Beatrice deu um passo à frente, dobrando seu corpo no dele.
Depois de um momento, Connor deixou seus braços envolvê-la,
puxando-a para mais perto. Ela pressionou o rosto contra o peito
dele, inalando seu cheiro quente e familiar. O mundo inteiro de
repente parecia mais leve.
— Eu já perdi você uma vez. Não posso suportar perder você de
novo — ela murmurou — Não sei o que vai acontecer ou como as
pessoas vão reagir, mas vamos descobrir algo. Seja o que for,
vamos fazer isso juntos.
Um relógio soou no corredor. Beatrice se perguntou, de repente,
quão tarde era. Todos aqueles viscondes e barões provavelmente
ainda estavam alinhados para parabenizá-la por um noivado que ela
tinha toda a intenção de romper antes que a noite acabasse.
— Tenho certeza que eles estão procurando por você — disse
Connor, como se estivesse lendo sua mente. Ele sorriu. — Quanto
mais cedo você for, mais cedo poderá tirar o anel do dedo.
Beatrice deu um passo em direção à porta e hesitou, dividida. Ela
odiava a ideia de se afastar de Connor tão cedo, quando ela apenas
o tinha de volta. — Você viria comigo? Você poderia entrar de
uniforme e dizer a todos que você foi designado para mim
novamente.
— Sem ofensa, mas não vou a lugar nenhum perto dessa festa —
disse Connor ironicamente.
— Sem problemas.
— Eu estarei aqui para você quando tudo acabar — ele
assegurou a ela — E, Bee, boa sorte com seu pai.
— Obrigada — ela ficou na ponta dos pés para roçar os lábios
contra os de Connor mais uma vez.
Ao começar a descer o corredor, a princesa ajeitou o vestido
amarrotado e colocou para trás uma mecha de cabelo que se soltou
do coque. Os olhos dela estavam muito brilhantes, seus lábios de
um rosa vivo. E ela estava sorrindo para si mesma, um sorriso
cintilante secreto que a fez parecer brilhar por dentro.
Ela parecia, para todos que a viam, como uma jovem apaixonada.
NINA

Nina estava no banheiro feminino do primeiro andar quando ouviu o


grupo de meninas entrar. Seus saltos batiam em uníssono no chão,
suas vozes cadenciadas e conspiratórias.
— Você viu o que ela está vestindo? Ela com certeza fez um
upgrade rápido, uma vez que conseguiu o dinheiro do príncipe.
— Você realmente acha que ele comprou aquele vestido para
ela?
— A mãe dela com certeza não foi, não com um salário do
governo.
Nina congelou.
— Ouvi dizer que ela está tão desesperada por dinheiro que está
vendendo fotos dela mesma para os tablóides.
Um bufo de desaprovação. — Você pensaria que ela teria mais
estilo, tendo crescido ao redor do palácio.
— Ora, Josephine, você sabe que não pode comprar classe se
não tiver nascido com ela. — Houve um coro de risadas maliciosas
com isso.
Eu as desafio a dizer essas coisas na minha cara, Nina pensou, e
saiu furiosa do box do banheiro. Seu vestido sacudiu com contas de
cristal como granizo no pavimento.
O trio de garotas se aglomerou diante da pia, que era feita de uma
enorme placa de quartzo rosa iluminado por trás, com as torneiras
em formato de pescoço de cisne. Nina lavou as mãos, ignorando as
outras friamente. Eles trocaram um olhar entre si antes de fugir do
banheiro em um farfalhar volumoso de saias.
Ela se recusou a deixar essa mesquinhez arruinar sua noite, mas
ainda... Nina engoliu em seco. Quando era só ela e Jeff, tudo
parecia tão simples. Mas em momentos como esse, o resto do
mundo voltava correndo, em toda a sua feiura sórdida.
Daphne Deighton escolheu aquele momento para entrar no
banheiro. Ela parecia resplandecente em um vestido delicado cor de
champanhe.
— Nina — seu olhar formigou em Nina no espelho — Você está
maravilhosa. É uma pena toda a falta de comunicação no Halo, é
claro, mas esse vestido é divino.
Ela estava sorrindo como sempre, mas Nina tinha a sensação de
algo duro e inflexível sob o calor superficial de sua voz.
— Obrigada — disse ela com cautela. Então, todo o significado
das palavras de Daphne a atingiu e ela fez uma pausa — Como
você soube da confusão no Halo?
O autocontrole de Daphne vacilou, tão rápido que Nina nem teria
notado se ela não estivesse prestando atenção. — Damien me
contou, é claro. Ele se sentiu péssimo com tudo aquilo. Estou tão
feliz que deu certo!
Nina poderia ter acenado com a cabeça e deixado para lá, mas
uma suspeita acendeu em sua mente, e ela precisava saber.
— Daphne — disse ela com cuidado — foi você quem cancelou
meu pedido de vestido?
Ela esperava que Daphne negasse categoricamente. Mas, para
sua surpresa, a outra garota girou sobre um calcanhar e marchou
para cima e para baixo na fileira de banheiros, empurrando cada
porta para se certificar de que estavam vazias.
Nina observou, sem palavras, enquanto ela voltava para a entrada
do banheiro feminino e trancava a porta principal.
Quando Daphne se virou, todos os traços de um sorriso foram
apagados de suas feições perfeitas – como se uma máscara tivesse
caído e agora Nina finalmente a estava vendo de verdade.
— Fui eu — disse Daphne simplesmente — Fui tudo eu, tudo o
que aconteceu com você desde que se envolveu com Jefferson. Eu
dei aos paparazzi o endereço do seu dormitório e os ajudei a
encontrar fotos incriminatórias de você. Plantei a história nos
tablóides. Liguei para a boutique, fingindo ser você, e cancelei seu
pedido de vestido.
Nina piscou. Ela se sentiu estranhamente pega de surpresa pela
franqueza da confissão de Daphne. — Você fez tudo isso só para
tentar fazer Jeff voltar para você?
— ‘Tudo isso'? — Daphne sorriu, um sorriso afiado e brilhante que
combinava com a luz de seus olhos verdes — Nina, estou apenas
começando.
Nina cambaleou para trás. — Você é louca — disse ela com
veemência. O que ela estava pensando, deixando Daphne trancá-
las juntas em um banheiro?
— Eu realmente acho que você é uma garota legal, então vou te
dar alguns conselhos grátis. Você precisa terminar as coisas agora,
antes que você se machuque. Você nunca terá sucesso na família
Washington, não com seu tipo de experiência.
— Meu tipo de experiência? — Nina balbuciou — Para sua
informação, o rei e a rainha sempre gostaram de mim.
— Como a melhor amiga de Samantha, como filha de um de seus
funcionários, com certeza. Como namorada do único filho? Acho
que não.
— Minha mãe é uma ministra do Gabinete, não uma camareira —
Nina disse calmamente — E me desculpe, quanto à sua
experiência, o que a torna mais qualificada, o fato de que seu pai é
um lorde?
— Um baronete — Daphne corrigiu secamente — e sim. Ao
contrário de você, tenho treinado para esse trabalho minha vida
inteira. Porque é um trabalho.
— Eu não...
— Você sabe como chamar de Sua Alteza Serena e Sua Alteza
Imperial em vez de Sua Alteza Real? Você consegue identificar o
herdeiro do trono em todos os países – o Príncipe de Gales, a
Princesa das Astúrias e o delfim francês? Você conhece a linhagem
de cada um dos treze ducados soberanos? Como você se dirige
adequadamente a um juiz federal ou membro do Congresso? —
Daphne fez uma pausa em seu monólogo para respirar — Você não
tem ideia do que é preciso para ser a namorada do príncipe.
Nina não conseguia acreditar na lista bizarra de requisitos de
trabalho que Daphne acabara de recitar. — Qualquer que tenha sido
o seu relacionamento com Jeff, o nosso é diferente. Ele não se
importa com essas coisas.
— Seu relacionamento com Jefferson nunca é só para vocês dois.
É uma posição pública. Você está morando em um aquário, está
constantemente em exibição e em julgamento.
Nina balançou a cabeça, embora as palavras de Daphne fossem
assustadoramente semelhantes ao que ela disse a Jeff não muito
tempo atrás. Daphne viu aquele pedaço de hesitação e se lançou
sobre ela.
— O rei e a rainha nunca darão permissão a Jefferson para se
casar com você — ela continuou — nunca.
— Quem falou em casamento? Temos dezoito anos!
— Ah. Entendo — Daphne tinha a aparência felina e satisfeita de
alguém que era muito protetor com seu território — Você está
apenas brincando com ele até que ele encontre alguém sério. Bom.
Nesse caso, você não ficará desapontada quando terminar. Porque
não há como você e o príncipe terem um futuro juntos, Nina. Você
está patinando em gelo derretido. Ele pode estar a fim de você
agora, mas é apenas uma questão de tempo.
— Uma questão de tempo antes do quê?
Daphne ergueu um ombro em um encolher de ombros sinuoso. —
Antes que ele perceba que você não é um material de longo prazo.
Nina nem havia pensado em casamento, mas agora ela não
conseguia deixar de se perguntar se Daphne poderia estar certa. Se
ela não conseguia se ver ficando séria com Jeff, de que adiantava
se apaixonar por ele e, eventualmente, se machucar?
Pare com isso, ela se repreendeu. Isso era exatamente o que
Daphne queria: fazê-la duvidar do relacionamento deles – duvidar
de Jeff.
Daphne deu um passo à frente, provavelmente esperando que ela
recuasse, mas Nina se manteve firme. Apesar de seus vestidos de
baile, suas jóias, seus penteados elaborados, Nina comparou as
duas a um par de guerreiros circulando tensamente no campo de
batalha.
— Sabe de uma coisa? — Nina declarou — Eu sinto muito por
você. Se o que você diz é verdade, se você realmente dedicou toda
a sua vida a ser uma figura de princesa perfeita, e isso é patético.
Havia um brilho perigoso nos olhos de Daphne. — Ah não. Você
não tem direito a sentir pena de mim.
— Tenho, sim — repetiu Nina — Porque ao contrário de você, eu
me importo com Jeff, a pessoa. Não com o fato de que ele é um
príncipe.
Daphne riu, mas não havia alegria nisso. — Eles são a mesma
coisa, Nina. Você não pode querer Jeff como um homem comum e
ignorar suas posições e títulos. Se você não sabe disso, é uma
idiota.
— Melhor amá-lo de verdade do que amá-lo por causa de suas
posições e títulos!
— Meu Deus, você o ama — outra garota sorriu — Isso realmente
é muito ruim para você. Porque Jefferson vai se tocar e se livrar de
você em breve. Até então, estarei bem aqui, tornando a sua vida um
inferno.
Nina sabia, com uma certeza assustadora, que Daphne falava
sério.
— Vou contar a todos a verdade sobre você. Que você é uma
mentirosa, manipuladora…
— Adoraria ver você tentar — Daphne lançou-lhe um olhar
fulminante — Em quem você acha que eles vão acreditar? Eu sou a
queridinha da América, e você é a prostituta caçadora de fama para
a qual ele correu, antes que ele finalmente volte para mim.
Nina abriu a boca para retaliar, mas nenhuma palavra saiu,
porque ela sabia no fundo que era verdade. A América ficaria do
lado de Daphne.
— Algum dia você vai me agradecer por isso — disse Daphne
calmamente — Você não tem estômago para esse tipo de vida.
Estou te fazendo um favor a longo prazo.
Com isso, ela girou o ferrolho da porta e saiu para o corredor.
Nina piscou, atordoada. Havia uma poltrona no canto; ela
desabou sobre ele em uma pilha desleixada de miçangas.
Ela ficou sentada ali por um tempo, com o queixo enfiado nas
mãos, olhando fixamente para a parede oposta. A luz caiu do lustre
de cristal acima, que de repente pareceu a Nina como uma torrente
de lágrimas, congelada no meio do outono por uma rainha da neve
malvada.
Quão estúpidamente ingênua ela foi, pensando que poderia
simplesmente entrar nesta festa com um lindo vestido e tudo ficaria
bem. Ela não sabia como navegar neste tribunal, com suas
promessas em camadas e favores farpados. Este tribunal
recompensou pessoas como Daphne – pessoas frias e brutais que
faziam o que diabos queriam e nunca olhavam para trás. Nina não
conseguia competir com essas pessoas. Ela não queria.
Este não era o seu mundo, e nunca seria.

Nina passou as mãos para cima e para baixo nos braços nus para
se proteger do frio. As asas do palácio se espalharam para cada
lado dela, inundadas com a luz da lua. Ela estava na varanda,
aquela com o ninho dos pássaros, onde ela e Jeff haviam assistido
aos fogos de artifício semanas atrás.
Desta vez, Nina não se surpreendeu quando seus passos soaram
atrás dela.
— Aí está você — a voz de Jeff era calorosa, mas então ele
pareceu perceber sua palidez, o olhar sombrio em seu rosto, e ele
se apressou para diminuir a distância entre eles.
— Precisamos conversar — Nina disse pesadamente.
Jeff tirou a jaqueta como se fosse colocá-la sobre os ombros dela,
mas ela se afastou. Ele deixou seus braços caírem para os lados,
castigado.
— Nina, você está bem? O que aconteceu?
Sua ex-namorada aconteceu. Ela apertou seu aperto nas grades
de ferro forjado.
— Eu estava tão animada com esta noite — ela começou — Estar
aqui com você, em um evento que é importante para sua família.
Pensei que estávamos prontos para isso.
— Estamos prontos para isso, Nina. Espero que saiba o quanto
significa para mim que você esteja aqui.
Ela balançou a cabeça. — Você pode estar pronto para isso, mas
eu não. Todas as mentiras e fingimentos, aquele salão de baile
cheio de pessoas com duas caras… eu não consigo fazer isso.
— Eu te disse, esqueça os comentaristas da internet — insistiu
Jeff — Minha família te ama; todos os que importam te amam.
— Tem certeza de que sua família me aprova? — Nina avançou
antes que ele pudesse interromper — Eu não estou falando sobre
Sam, estou falando sobre seus pais. Você honestamente acha que
eles nos dariam permissão para nos casar?
Ela meio que esperava que Jeff a defendesse, mas ele se
encolheu. — Não é um pouco cedo para falar sobre casamento?
— Seria, se fôssemos um casal normal e eu não precisasse me
preocupar se sou adequada ou não! — Nina se odiava por
papaguear Daphne. Mas, como todos os bons insultos, as palavras
de Daphne continham um fundo de verdade. É por isso que
cortavam tão fundo.
— Eu não estou tentando assustar você, ou ser irracional —
acrescentou ela, impotente — Mas também não desejo entrar em
um relacionamento que está condenado desde o início. Eu não
quero namorar alguém cujos pais têm vergonha de mim.
Jeff pegou a mão dela, e desta vez Nina o deixou pegá-la. — De
onde vem isso?
Ela soltou um suspiro. — Daphne me encurralou no banheiro
feminino e me disse para terminar com você. Ela sempre quis me
pegar desde o início. Ela sabotou meu vestido...
— O que aconteceu com o seu vestido? — Jeff interrompeu,
confuso.
— …e ela é quem plantou aquelas fotos nossas nos tablóides,
aquelas tiradas fora do meu dormitório! Ela mandou os paparazzi
para lá naquela noite!
— Daphne não tinha ideia sobre nós. Ninguém sabia, lembra?
— Tem certeza de que não disse a ela no Ano Novo? — Nina não
conseguiu esconder o ciúme de sua voz — Eu vi vocês dois
conversando no pátio do Smuggler's. Vocês pareciam muito
próximos.
— O que você quer que eu diga? Sim, Daphne deu em cima de
mim no Ano Novo, mas eu recusei, disse a ela que eu estava com
outra pessoa agora — ele balançou a cabeça em desapontamento
— Vamos, Nina. Achei que você seria pelo menos graciosa na
vitória.
— Ser graciosa — Nina disse sombriamente —, parece mais uma
das muitas coisas que Daphne pode fazer e eu não.
A escuridão parecia tensa e pesada, e de alguma forma mais
sinistra do que antes. Nina lutou para respirar. Então, algo que Jeff
disse se encaixou.
— Você contou a Daphne. Mesmo você não tendo contado meu
nome a ela — ela insistiu — depois que você disse a ela que estava
saindo com alguém, ela claramente percebeu que era eu. Então ela
enviou a imprensa para o meu dormitório!
— Você percebe o quão paranóica você está parecendo? — Jeff
perguntou, incrédulo — Daphne odeia a imprensa. Ela nunca faria
isso. Eu sei que ela pode parecer uma valentona, especialmente
para alguém como você, mas ela não me machucaria assim.
Não passou despercebido por Nina que ele disse me machucar.
Não nos.
— Para 'alguém como eu'? — ela repetiu, atordoada — Você quer
dizer uma plebeia?
— Claro que não. Eu só quis dizer, alguém que não conhece
Daphne há anos.
— Você me conheceu quando tínhamos seis anos — ela o
lembrou. Ela não precisava acrescentar que era muito mais tempo
do que ele conhecia Daphne. Jeff olhou para a ponta do sapato de
Nina, espiando por baixo de seu vestido.
— Daphne e eu terminamos em bons termos. Ainda somos
amigos. O que quer que ela tenha dito a você, tenho certeza de que
foi bem intencionado.
Ele estava seriamente tomando o lado dela? — Eu não posso
acreditar que você já saiu com ela. Ela é horrível.
— Por que você está agindo assim? Eu estou com você agora. O
que importa o que aconteceu no passado?
— Porque eu não acho que esteja realmente apenas no passado!
— Nina explodiu — Daphne claramente não desistiu de você – e da
maneira como você a está defendendo, talvez você também não
tenha desistido dela!
Ela tirou a mão do aperto de Jeff. — Ela é uma manipuladora,
Jeff. Ela tem mentido para você desde o início.
— Nina...
— É um absurdo que, supostamente, sou eu quem está atrás de
fama, quando na verdade é Daphne. Eu gosto de você, apesar de
sua posição, e Daphne gosta de você por causa disso!
A mandíbula do príncipe apertou. — Daphne e eu namoramos por
quase três anos — disse ele. Nina recuou um pouco com o
lembrete. — Acho que saberia se ela estivesse mentindo para mim
todo esse tempo.
— Não. Você está cego demais pela aparência dela para ver —
Nina insistiu — Ela está brincando com você, Jeff. Usando você. Ela
deveria ganhar um Oscar por isso, porque é o desempenho de uma
vida inteira – fazendo você pensar que ela se preocupa com você,
quando tudo o que importa é ser uma princesa!
— Então agora você a está acusando de ser uma sociopata —
disse ele calmamente.
— Exatamente! Ela fingiu todo o seu relacionamento, e se você
não consegue ver, você é ainda mais tolo e superficial do que eu
pensava que era!
Nina olhou fixamente para a cidade com determinação, furiosa
consigo mesma por chorar, mas era tarde demais.
Se ao menos ela tivesse provas do que aconteceu no banheiro.
Mas foi a palavra dela contra a de Daphne. E se Jeff iria escolher o
lado de Daphne ao invés do dela... bem, ela tinha sua resposta ali
mesmo.
Jeff soltou um suspiro. — Não quero fazer promessas que não
posso cumprir, sobre casamento ou para onde isso está indo. Não
estou tentando enganar você de forma alguma. Tudo que sei é que
quero nos dar uma chance justa.
— Nós nos demos uma chance justa e não funcionou — disse
Nina calmamente. — Eu não consigo lidar com tudo isso. Os
repórteres, o escrutínio constante, o fato de que sua ex-namorada
está determinada a se livrar de mim, até mesmo o fato de que seu
advogado me enviou um contrato de relacionamento por e-mail… É
demais.
Jeff não respondeu de imediato. Ele parecia atordoado com suas
palavras.
— Nina… — ele disse finalmente — Se fôssemos apenas nós, se
eu fosse um cara normal, as coisas seriam diferentes?
Claro que sim, Nina queria dizer, exceto que a própria ideia era
um absurdo. Pensar nele como um suposto cara normal, como um
dos universitários desgrenhados que trabalhava para ganhar cerveja
e pizza, era ridículo. Jeff só poderia ser o Príncipe da América.
Assim como Nina só poderia ser uma plebéia.
— Nunca seremos apenas nós, Jeff.
Ele assentiu. — Eu realmente sinto muito.
Ela virou o rosto coberto de lágrimas para ele. — Eu também.
Eles ficaram lá, ambos inclinados um para o outro, mas sem se
tocar.
— Acho que é isso, então — disse Jeff por fim — Até a próxima.
Ele deu um último beijo em sua testa, mais como um amigo se
despedindo do que um namorado. Então ele voltou para o palácio,
as portas se fechando atrás dele com um clique definitivo.
Nina apoiou os cotovelos no corrimão. Seu estômago se contraiu
em uma cãibra inegável, como se toda a dor e tristeza em seu corpo
a estivessem torcendo como uma toalha, torcendo as lágrimas de
seus olhos.
Ela precisava sair do palácio, e desta vez, ela não voltaria.
SAMANTHA

Não estou com ciúmes, Samantha lembrou a si mesma, enquanto


vagava pela festa da irmã como um floco de neve perdido. Parecia
mesquinho sentir ciúme em um momento como este. O noivado de
Beatrice era uma questão de estado, uma decisão dinástica e seu
pai estava morrendo – e em comparação com isso, parecia egoísta
para Samantha estar desejando Teddy. Havia muito mais em jogo
aqui do que seu próprio coração partido adolescente.
Seu cérebro racional sabia e aceitava tudo isso, mas isso não
tornava as coisas menos dolorosas.
Pelo menos Nina e Jeff pareciam felizes. Eles estiveram ligados
um ao outro a noite toda, sorrindo sorrisos idiotas e apaixonados.
Sam não os via mais na pista de dança, no entanto. Provavelmente
eles haviam escapado para ficar sozinhos.
A pessoa que ela continuava vendo, não importa o quão
conscientemente ela tentasse não pensar, era Teddy.
Desde a conversa no Cofre das Jóias da Coroa, ela e Teddy
fizeram um trabalho admirável em evitar um ao outro. Parecia que
ele estava indo e voltando para Boston de qualquer maneira.
Quando ela o via, Sam murmurava uma saudação educada e
rapidamente seguia em frente.
Mas hoje à noite Teddy parecia estar em toda parte. Sam
percebeu que alguma parte estúpida dela estava rastreando seus
movimentos, com um zumbido baixo de alerta que parecia operar
sob a superfície de sua consciência.
Ele estava lindo em seu smoking, seu cabelo loiro um pouco mais
comprido do que costumava ser – lindo e totalmente fora dos limites
para ela. Sam agarrou a haste do vidro com tanta força que deixou
uma marca dentada em seus dedos. Ela quase, quase aceitou o fato
de que estava desistindo dele. Essa decisão era muito mais fácil de
levar a diante quando ele não estava bem na frente dela.
Havia muitos outros jovens nesta festa, se ela quisesse se distrair.
Sam se forçou a girar pela pista de dança com eles, um após o
outro: Alastair von Epstein, Darius Boyle e o infame Lord Michael
Alden, que desafiou os desejos de sua família e se tornou um
nadador profissional. Ele era ainda mais fofo pessoalmente, com
aquele sorriso branco perfeito que estava em todas as caixas de
cereal e comerciais de pasta de dente.
Samantha certamente estava vestida para um flerte. Seu
dramático vestido de trompete vermelho combinava com seu batom
vívido, e seu cabelo caía em cachos por um ombro, botões de rubi
brilhando em suas orelhas. Tudo tinha um toque glamoroso da velha
Hollywood.
Ela fez um esforço concentrado por um tempo – olhando para
Michael com os cílios baixos, rindo de suas piadas mesmo quando
não eram engraçadas – mas seu coração não estava nisso.
— Sam, posso falar com você um minuto?
Beatrice veio ficar atrás dela, estranhamente sozinha.
— Claro — Sam respondeu, curiosa. Ela seguiu Beatrice até um
canto do terraço com colunatas, atrás de um alto spray de peônias
brancas em um vaso de vidro lapidado. Um jovem com o uniforme
da Guarda Revere sombreou seus movimentos, eventualmente se
acomodando ao longo da borda do salão de baile.
— O que aconteceu com o seu outro guarda? O alto e sonhador?
— Sam não reconheceu o novo destacamento de segurança de
Beatrice.
— Connor? — Sua irmã soltou um suspiro estranho que era
quase uma risada, sua voz mais aguda do que o normal — Ele
voltará. Ele estava apenas de licença temporária.
Algo estava diferente em Beatrice esta noite. A luz da lua atingiu
faíscas vivas das pontas de sua tiara, lançando um brilho pálido em
seu rosto. Ela parecia mais suave e bonita do que Sam jamais a
tinha visto.
Beatrice olhou ao redor, certificando-se de que ninguém pudesse
ouvir. Então ela se aproximou. — Estou cancelando o noivado —
disse ela abruptamente.
— O que? Mas por quê?
— Você estava certa, Teddy e eu não estamos apaixonados. Não
devemos assumir esse tipo de compromisso, não quando há outras
pessoas lá fora para nós. Pessoas por quem poderíamos nos
apaixonar — acrescentou ela, com um olhar significativo para Sam.
— E quanto a tudo que você disse, sobre como precisa se casar
antes… — Sam se conteve para não dizer antes que papai
morresse, mas Beatrice entendeu.
— Vou falar com papai hoje à noite, assim que puder ficar um
minuto a sós com ele. Eu sei que ele não vai ficar feliz — ela admitiu
— mas espero que ele venha a entender.
Sam olhou para trás em direção ao salão de baile. Com todas
aquelas centenas de pessoas que vieram para celebrar a história de
amor de Beatrice e Teddy.
— Você tem certeza? — ela sussurrou. O vento uivava em seus
ouvidos, abafando as risadas e as fofocas da festa — Você
realmente vai dizer ao mundo que mudou de ideia?
Beatrice balançou a cabeça com um sorriso irreprimível. — Quem
se importa com o que o mundo pensa? As únicas pessoas cujas
opiniões deveriam contar agora são a nossa família e a de Teddy.
Foi uma resposta tão nada como Beatrice que Sam só conseguiu
piscar, sem palavras.
O vento puxava com mais insistência as saias de seus vestidos,
puxando os grampos de seus cabelos. Ainda assim, nenhuma delas
se moveu.
— Não acredito que você faria isso por mim — Sam conseguiu
dizer por fim.
— Estou fazendo isso por nós. Há tanto que você e eu não
podemos controlar sobre nossas vidas, sendo quem somos, mas
não há razão para termos que fazer esse tipo de sacrifício.
Foi quando Samantha soube.
— Você está com outra pessoa — ela adivinhou.
A expressão no rosto de Beatrice – surpresa e nervosismo por ter
sido pega, mas acima de tudo uma brilhante e radiante excitação –
foi confirmação suficiente.
— Prometa que não vai dizer nada até que eu converse com
papai.
Sam queria pegar as mãos de sua irmã e gritar de empolgação. E
pensar que Beatrice, cuidadosa e obediente, estava tendo um caso
de amor clandestino. — Quem é ele? Alguém que eu conheço?
O sorriso de Beatrice vacilou. — Você o conhece, sim — disse ela
lentamente.
— Ele está aqui esta noite?
Quando Beatrice acenou com a cabeça, Sam olhou sem fôlego de
volta para a festa, se perguntando qual dos rapazes dentro era o
namorado secreto de sua irmã.
— Não vai ser fácil — disse Beatrice, hesitante — Esse cara... ele
não é tão eminentemente adequado quanto Teddy.
— Poucas pessoas são. — Sam tentou fazer piada disso.
— Ele é um plebeu.
Sam piscou em choque. Agora ela entendia por que Beatrice
havia feito todas aquelas perguntas estranhas sobre a tia Margaret.
Ela queria saber o que aconteceria se ela não aguentasse o
casamento com nenhum dos rapazes da lista de seus pais. Se ela
seguisse seu coração ao invés.
— Eu sei — continuou Beatrice, lendo a expressão de Sam — é
menos do que ideal. O que eu posso fazer?
— Você vai descobrir. Apenas... um passo de cada vez.
Concentre-se em sair do seu noivado com Teddy primeiro, antes de
tentar entrar em outro — Sam tentou parecer encorajadora.
Ela não tinha ideia de como sua irmã iria administrar algo
totalmente sem precedentes como se casar com um plebeu.
Beatrice suspirou. — Não estou ansiosa para compartilhar as
novidades com papai. Ou com a mídia. Eu me pergunto qual é o
protocolo, para romper um noivado real. Isso sequer já aconteceu
antes?
— Ah, com certeza! — Sam exclamou — No século XIX, mais
casamentos foram cancelados do que realmente ocorreram.
Acontecia o tempo todo quando as alianças políticas mudavam.
— Excelente. Vou dizer ao papai que podemos olhar para trás,
para o noivado rompido de Edward I como um precedente —
Beatrice deu uma risada estrangulada, depois ficou em silêncio —
As pessoas vão me odiar por um tempo.
— Talvez — Sam admitiu — ou talvez eles se orgulhem de você
por saber o que você pensa e por ser corajosa o suficiente para
acabar com tudo isso.
Beatrice assentiu, embora não parecesse convencida.
Os olhos de Sam voltaram para o salão de baile. — Teddy já
sabe?
Ela se lembrou da observação de Teddy quando ele disse a ela
que Beatrice havia proposto Você não pode dizer não para a futura
rainha. Ele nunca teria sido capaz de romper o noivado por si
mesmo – não com o destino de sua família, de sua comunidade
inteira, sobre seus ombros.
Mas se Beatrice desistisse, não havia nada que os Eatons
pudessem dizer em protesto.
A irmã de Sam balançou a cabeça. A luz dourada da festa
iluminou seu perfil, brilhando em um de seus brincos, deixando a
outra metade de seu rosto na sombra. — Você é a primeira pessoa
para quem eu conto.
Ela podia estar exagerando, mas Sam tinha que perguntar. — Eu
poderia dizer a ele?
— Achei que ele merecia ouvir isso de mim… — Beatrice
começou, então pareceu mudar de ideia com a expressão no rosto
de Sam. Ela sorriu com um alívio inconfundível — Pensando bem,
talvez você deva ser a pessoa a contar a ele. Não é o trabalho da
dama de honra lidar com as complicações do casamento? — Ela
disse isso levianamente, como se cancelar o casamento do século
fosse nada mais do que uma complicação comum.
Sam jogou os braços em volta da irmã. — Obrigada.
E apesar de seus esforços para evitar Teddy a noite toda, apesar
do fato de ela ter acabado de passar os últimos dez minutos aqui no
terraço, Sam percebeu que ela sabia exatamente onde ele estava.
Ele ficou perto da beira da pista de dança, rodeado por um
semicírculo de simpatizantes. Sam foi em direção a ele. Ela se
sentiu de repente como se estivesse flutuando, como se uma alegria
infecciosa efervescente a tivesse tirado deste planeta e ela nunca
mais voltaria.
Teddy ergueu os olhos surpresos. Ele claramente não esperava
que Sam o procurasse esta noite. Nem ela, até agora.
— Beatrice quer ver você. Acho que para tirar mais fotos — ela
anunciou em voz alta. Então ela inclinou a cabeça para longe da
multidão, de forma que apenas ele pudesse ler seus lábios.
Vestiário, cinco minutos, ela murmurou, e se afastou antes que ele
pudesse questioná-la.

Ele estava lá em quatro.


Ela andava de um lado para o outro em sua ansiedade – bem,
andar não era a palavra certa, dados os limites do espaço; ela só
podia dar um passo em cada direção. Ela não parava de pensar na
última vez em que esteve aqui com Teddy: no Baile da Rainha,
quando ainda era a garota desatenta que bebia uma cerveja no
armário de casacos. De volta quando tudo que ela sabia sobre ele
era seu nome e o calor de seu sorriso.
— Eu não deveria ter vindo — Teddy ficou parado indeciso na
porta.
— O que você é, um vampiro que precisa ser convidado a
ultrapassar a soleira? — Sam o puxou para dentro, fechando a porta
atrás dele — Está tudo bem, eu prometo.
— Sam, não — ele recuou um passo, a mão já na maçaneta. Seu
código de honra impressionou Samantha como algo raro e fino, um
resquício de um século anterior.
— Beatrice vai acabar com o noivado.
Sam estava alerta à sua resposta, então mesmo na escuridão ela
viu a expressão atordoada e de olhos arregalados de Teddy. Ele
deixou sua mão cair lentamente da porta. — O quê?
— Ela está cancelando o casamento — disse Sam novamente.
— Ela te disse por quê?
— Porque ela ama outra pessoa.
— Ah — sussurrou Teddy — eu imaginei que isso pudesse
acontecer.
— Você o quê?
Ele mudou seu peso, fazendo com que as peles exuberantes
atrás dele balançassem com o movimento. Sam se forçou a ficar
quieta, embora cada átomo de seu corpo zumbia com sua
proximidade.
— Houve momentos em que Beatrice ficava com uma expressão
distraída no rosto. E eu sabia que ela devia estar pensando em
outra coisa ou em outra pessoa — disse Teddy lentamente, e
encolheu os ombros — Ela nunca sorriu assim para mim.
— Teddy… — se ao menos houvesse uma luz aqui – ela
precisava vê-lo melhor, tentar descobrir o que ele estava pensando.
— Não que eu a culpe — Teddy continuou, sua voz áspera e
ilegível — já que eu estava fazendo exatamente a mesma coisa.
Ele estava falando sobre ela… não estava?
Levou cada grama de autocontrole de Sam para não se aventurar
para mais perto. — Então você não está desapontado?
— Honestamente? Eu me sinto aliviado. E feliz por sua irmã, que
ela encontrou alguém que ama. Ela merece isso.
O vestiário estava muito silencioso, tão silencioso quanto as
suntuosas peles que os envolviam. Sam se sentia hiperconsciente
de cada centímetro de escuridão que a separava de Teddy.
A voz dele cortou o silêncio. — O que acontece depois?
— Beatrice vai falar com nosso pai esta noite, para dizer a ele sua
decisão. Então, tenho certeza de que envolveram Robert,
descobrirão a melhor maneira de dar a notícia; ele provavelmente
fará com que você faça outra entrevista ou talvez uma entrevista
coletiva. E você terá que devolver todos os presentes empilhados
naquela sala. E cancelar a degustação de bolo do próximo fim de
semana — Sam acrescentou, daquele jeito divagante e nervoso
dela — Eu estava realmente ansiosa por isso.
— Samantha, eu quis dizer o que acontecerá a seguir para nós.
Sam engoliu em seco. Ela sentiu de repente como se tivesse
derretido, como se ela não fosse nada além de um raio envolto em
pele.
— Da última vez que estivemos aqui, você disse que se recusava
a receber ordens minhas.
— Isso depende do pedido.
— Bem, eu esperava que você me beijasse, mas já que não
posso comandar você, acho que terei que…
Suas palavras seguintes foram silenciadas quando Teddy baixou
a boca até a dela.
Não parecia mais importar que Sam não pudesse vê-lo – que ele
estava na escuridão, e ela estava na escuridão, e a escuridão girava
ao redor deles. Porque tudo no mundo se estreitou naquele único
ponto de contato. Para a sensação abrasadora da boca de Teddy na
dela.
Ela enganchou os braços em volta dos ombros dele e puxou-o
para mais perto. Teddy alcançou seus cachos para segurar a base
de seu pescoço, a outra mão deslizando ao redor de sua cintura. A
respiração de Sam ficou presa na garganta. Eles tropeçaram nas
peles e Teddy bateu com a cabeça em uma prateleira, mas nem isso
interrompeu o beijo.
— Devíamos voltar — Teddy sussurrou finalmente, com o hálito
quente em seu ouvido.
Sam mordeu o lábio inferior uma última vez, só porque ela podia.
Ela sentiu mais do que viu ele sorrir contra sua pele.
— Se for preciso — ela disse dramaticamente, e se forçou a dar
um passo para trás. Ela estava perigosamente perto de arrastar
Teddy até seu quarto, não importando as consequências.
— Sam — Teddy passou a mão pelo cabelo, uma sombra contra a
escuridão — Eu sinto muito pela maneira como tudo isso aconteceu.
Não tem sido especialmente justo com você.
— Não tem sido justo com nenhum de nós — Sam pensou em
Beatrice, encurralada por seu pai a propor quando ela realmente
não queria.
— Eu gosto de você — disse Teddy sem rodeios — Em Telluride,
eu sempre desejava poder clicar em pausa; continuar passando
tempo com você, aprendendo mais sobre você. O que estou
tentando dizer é que você merece mais do que isso. Do que se
esconder comigo em um vestiário.
Suas palavras a aqueceram. — Eu gostaria que fosse um pouco
mais espaçoso — ela brincou, mas ele não mordeu a isca.
— Eu só... eu odiaria causar problemas para você, com sua
família.
O que quer que acontecesse, Sam sabia que ela e Beatrice
estariam juntas. — E você e sua família? — ela perguntou,
desviando.
Teddy deu um suspiro silencioso. — Não sei — admitiu — Espero
que possamos descobrir algo. Se não o fizermos, acho que vou
aprender como é perder tudo.
— Não tudo. Você ainda vai me ter.
Sam apalpou sua mão e Teddy a agarrou com força.
— Vamos ter que dar tempo às pessoas, você sabe — disse ele
— Nenhum de nós parecerá muito bem aqui. Eu serei o cara
namorando a irmã de sua ex-noiva, e você é a dama de honra
namorando o ex-noivo.
— Eles vão superar isso eventualmente. Coisas estranhas
acontecem quando se trata de casamentos reais — declarou Sam,
com mais confiança do que sentia.
— Tais como?
— Luís XIV teve um caso com a esposa de seu irmão. Henrique
VIII se casou com a esposa de seu irmão — Sam riu — Você
também tem o rei medieval Hardecanute (que significa 'Nó difícil')
que morreu de embriaguez em uma festa de casamento. Estou
falando sério — ela insistiu, ao ver o olhar cético de Teddy — Ele
literalmente bebeu até a morte!
— Eu acredito em você — Teddy estava claramente lutando
contra sua diversão.
— Você está rindo de mim?
— Nunca — ele disse rapidamente — Só estou pensando em
como será difícil estar com você. Difícil e imprevisível e nunca,
nunca entediante.
Ela enrubesceu de autoconsciência satisfeita.
— Ok, por que eu não saio primeiro e depois você espera alguns
minutos, só para garantir. Me encontre perto do bar? — sugeriu
Teddy.
Sam assentiu enquanto saía pela porta. Apenas alguns segundos
se passaram antes que ela disparasse para o corredor, a bainha de
seu vestido arrastando no chão enquanto ela a alcançava.
— Oh, Teddy! — ela gritou, com indiferença estudada — Estou
tão feliz por ter encontrado você!
— Achei que tivéssemos concordado que você esperaria alguns
minutos — ele sussurrou, embora estivesse sorrindo.
— Deixe-me fazer do meu jeito, só desta vez.
— Tenho a sensação de que nunca será apenas desta vez com
você — respondeu Teddy — embora eu deva dizer, estou bem com
isso.
DAPHNE

Daphne estava conversando com a condessa de Cincinnati quando


Nina passou pelas portas do salão de baile. Ela parecia pálida e
ligeiramente abalada, embora não estivesse chorando. Daphne ficou
muito impressionada com isso.
Ela observou Nina lançar um último olhar demorado para a festa,
como se guardasse tudo na memória, e depois partir em um
farfalhar de contas de vidro cinza.
Daphne olhou para a mãe, corada de vitória. Afinal, Rebecca
estava certa: a maneira de separá-los sempre foi por meio de Nina,
e não de Jefferson. Rebecca encontrou o olhar de Daphne e
desviou os olhos significativamente para o príncipe.
Mas Daphne não estava com pressa. A última coisa que ela
queria era que Jefferson se sentisse perseguido.
Foi só quando a noite estava chegando ao fim – a multidão no bar
diminuindo, a pista de dança diminuindo – que ela foi procurá-lo.
Jefferson estava, previsivelmente, na Sala Reynolds: uma
pequena câmara no corredor do salão de baile. Suas janelas eram
forradas com cortinas de caqui, um enorme sofá enrolado diante
deles como um grande animal adormecido. No canto havia um bar
embutido. Raramente era servido, embora em uma ocasião Daphne
tivesse visto o próprio rei lá, misturando martínis.
O príncipe estava sentado em uma banqueta reluzente, seu corpo
caído para a frente, os cotovelos apoiados na barra. Uma cara
garrafa de uísque estava diante dele. Havia prateleiras de copos de
cristal ao longo da parede, mas esta noite parecia que o príncipe
havia dispensado as sutilezas e estava bebendo direto da garrafa.
Daphne fechou a porta atrás dela e os sons da festa foram
rapidamente cortados.
Jefferson mal ergueu os olhos quando ela chegou. — Oh, oi.
— Noite difícil? — ela perguntou com simpatia, sem se deixar
abater pelo tom dele. Ela sempre foi capaz de tirar Jefferson de seu
humor piegas de bêbado — Parece que você precisa de uma amiga.
— O que eu realmente preciso é de uma amiga para beber.
Daphne subiu na banqueta ao lado dele. — Onde está
Samantha? Ela era uma amiga de bebida fantástica em Telluride.
Ela viu o lampejo de reconhecimento de Jefferson. — Isso
mesmo. Vocês duas não estavam tomando shots?
Era bom saber que ele ainda não conseguia desviar o olhar dela,
mesmo se quisesse. — Quem, eu? — Daphne perguntou, com falsa
inocência. Ela tirou os saltos cravejados de strass e enganchou os
pés no degrau inferior da banqueta — O que estamos bebendo?
Ele deslizou o uísque para ela, algo desafiador em sua atitude,
como se ele realmente não esperasse que ela participasse.
— Saúde — Daphne disse levemente. A garrafa parecia pesada
em sua mão. Ela tomou um longo gole e, em seguida, colocou-o na
barra, lentamente e com algum estilo.
Agora ela tinha a atenção do príncipe.
— Está tudo bem? — Seu vestido transparente cor de champanhe
caiu em cascata ao redor dela quando ela se inclinou para frente.
Naquele momento, Daphne sabia, tudo nela parecia suave e
angelical, desde a curva pálida de seu pescoço até os lábios cor de
rosa e as unhas pintadas de um rosa translúcido.
Jefferson deu um suspiro. — Você provavelmente já ouviu falar,
mas Nina terminou comigo esta noite.
— Não — Daphne respirou — eu não tinha ouvido falar.
Ele a olhou com curiosidade. — Ela disse algumas coisas muito
estranhas sobre você, na verdade. Ela te acusou de mandar os
paparazzi para o dormitório dela, para contar a história sobre nós.
Daphne deixou sua boca cair em um perfeito “O” de choque. —
Eu não tinha ideia de que vocês estavam namorando. Muito menos
em qual dormitório ela mora — ela disse, com uma risada confusa
— Além disso, eu nunca faria algo assim. Você sabe o quanto eu
odeio a imprensa.
— Isso é o que eu disse a ela. Mas... de onde Nina tiraria uma
ideia dessas?
Daphne percebeu sua incerteza. E ela sabia que isso aconteceria
– que Nina iria lançar acusações sobre ela para o príncipe. Razão
pela qual ela veio preparada.
Nina não estava mais aqui e, como disse uma vez o rei George I,
a história é escrita pelos vencedores.
— Eu sinto muito. Isso é tudo minha culpa. Toda essa confusão,
quero dizer — explicou Daphne, em resposta ao olhar perplexo de
Jefferson — Eu disse a Nina hoje à noite que me culpava. Acho que
ela entendeu mal.
— Se culpou? Pelo que?
— Ela claramente se sentia perdida — Daphne disse isso
suavemente, de modo que de alguma forma não soasse como um
insulto, mas mais como uma observação silenciosa — Ela não
estava equipada para lidar com toda a atenção que estava
recebendo. Tentei dar-lhe alguns conselhos quando fomos às
compras…
— Você foi fazer compras com a Nina?
— Nós nos encontramos na Halo e eu a ajudei a escolher um
vestido — Daphne suspirou — Eu provavelmente não deveria ter
feito esse esforço. Ela claramente pensou que eu estava
interferindo. Eu só queria que ela aprendesse com meus erros.
Jefferson acenou com a cabeça, em silêncio. Ele olhou para a
lareira, acima da qual pendia um famoso retrato inacabado de seus
avós, o rei Eduard III e a rainha Guilhermina. A metade superior
estava completa, mas a inferior se dissolvia em linhas de esboço de
carvão, o vestido da rainha-mãe mudando de tinta cor de chama
para tiras de lápis. Depois que seu marido morreu, ela se recusou a
deixar o artista terminar a pintura; e então permaneceria assim, para
sempre incompleto.
— Nina não gosta de você — Jefferson disse abruptamente. Ele
ainda não estava convencido com a explicação de Daphne.
Claro que não gosta. Daphne deu um aceno sereno. — Eu não a
culpo. Ela sabia o que eu estava pensando esta noite.
— O que você estava pensando?
Daphne ergueu os olhos para encontrar os dele, então varreu
seus cílios negros e grossos sobre as bochechas.
— Como ainda me sinto por você. Não vou dizer que sinto muito
que você e Nina terminaram, porque não sinto.
Ela deixou as palavras caírem entre eles como dados, lançados
em algum jogo cósmico de azar, exceto que Daphne não deixou
nada ao acaso. Jefferson não iria beijá-la; ela sabia disso. Era muito
cedo. Ela só precisava dizer as palavras e deixá-las infiltrar-se em
sua mente.
Ele se mexeu sem jeito, como se não tivesse certeza de como se
comportar perto dela depois do que ela disse. Ainda assim, Daphne
esperou um momento. Muitas pessoas ficam nervosas com o
silêncio, mas ela não. Ela sabia o que poderia ser realizado em uma
batida de silêncio, se você estivesse disposto a deixar isso
acontecer.
— Obrigado por compartilhar isso — disse ela finalmente, e
estendeu a mão sobre ele para pegar a garrafa de uísque, para
tomar outro longo gole antes de devolvê-la a Jefferson.
Ele pigarreou. — Lembra-se de quando entramos aqui e tocamos
Apples to Apples?
— Você e Ethan continuaram tentando fazer disso um jogo de
bebida! — Daphne lembrou — Foi há muito tempo, não me lembro
quem ganhou…
Jefferson deu um sorriso sardônico. — Não fui eu, se minha
ressaca na manhã seguinte foi alguma indicação.
— Não era um dia de aula?
— Oh, sim. Tenho certeza de que implorei que você trouxesse um
sanduíche de café da manhã para mim no beco — os alunos de
Santa Úrsula e Forsythe não deveriam visitar os campus uns dos
outros, mas havia uma estreita faixa de grama entre os dois –
involuntariamente chamada de "o beco" – onde você poderia se
encontrar entre os períodos para um beijo rápido. Ou, no caso de
Daphne, para entregar Gatorade e um sanduíche de café da manhã
para seu namorado.
— Eu sinto falta desses dias — o sorriso de Daphne estava
tingido de nostalgia — Deixando tudo de lado, sinto falta de ser sua
amiga. Tantas vezes eu me peguei pegando meu telefone, porque
havia algo que eu queria dizer a você, e então…
A mão de Jefferson estava bem ali na barra entre eles. Daphne
sabia como seria fácil entrelaçar os dedos nos dele, mas não queria
assustá-lo.
Em vez disso, ela suspirou e olhou para baixo, os diamantes em
suas orelhas balançando e refletindo a luz. — Eu gostaria que
pudéssemos ser amigos de novo.
O príncipe acenou com a cabeça, lentamente. — Não vejo por
que não podemos ser.

Mais tarde naquela noite, Daphne foi em direção às portas duplas


principais do palácio. Ela tinha acabado de dizer adeus a Jefferson –
bem, adeus pode ser um exagero; ela o despejou nos braços
prestativos de um de seus oficiais de segurança. Ela havia
considerado brevemente subir as escadas com ele, mas decidiu não
fazer isso. Ela não queria que ele pensasse nela como a
recuperação de Nina, quando Nina sempre foi a recuperação dela.
E, de qualquer forma, eles ficaram muito bêbados, deslizando
aquela garrafa de uísque para a frente e para trás enquanto
relembravam e riam de velhas memórias. Daphne decidiu que era
melhor terminar agora, com uma nota alta. Ela reacendeu a faísca, e
isso foi o suficiente por esta noite.
Daphne não se preocupou em voltar para a festa; não havia mais
ninguém que ela precisasse ver, e seus pais já estavam em casa há
muito tempo. Ela parou no corredor da frente para pegar seu casaco
com um lacaio. Mesmo que ela tivesse tomado goles muito menores
do que Jefferson, ela sentiu o uísque pulsando languidamente em
suas veias. Ela estava bastante bêbada.
E exausta. Essa era a questão do sucesso; pode ser ainda mais
desgastante do que o fracasso. Tinha parecido uma maratona:
todos aqueles dias e noites de intrigas e conspirações, rompendo
um relacionamento e se mantendo nos bastidores. Ela estava
exaltada e com determinação pura, e agora não havia mais nada
para mantê-la em pé.
O percurso circular do palácio sempre foi caótico depois de uma
grande festa. Uma longa fila de pessoas se contorcia na varanda da
frente, cada uma esperando por um dos carros de cortesia, que o
palácio fornece de graça depois de noites como esta. Daphne se
permitiu um suspiro e começou a ir para trás.
— Daphne? Posso te dar uma carona?
Ela, de alguma forma, não ficou surpresa ao ver Ethan na frente
da fila, segurando a porta de um carro.
Daphne parou ao luar, o casaco caindo dos ombros. Havia algo
novo e nítido no ar, algo que ela deveria ignorar. Mas ela não fez
isso.
— Isso seria bom, obrigada — ela murmurou, e deslizou atrás
dele para o banco de trás. Ethan se inclinou para frente para dar ao
motorista o endereço dela.
— Você pode ir primeiro. Este era o seu carro, afinal.
— Está tudo bem — disse Ethan rapidamente, e sorriu —
Cavalheirismo e tudo o mais.
Daphne percebeu que ela realmente não sabia onde Ethan
morava, nunca tinha estado em sua casa, nunca tinha conhecido
sua mãe. Ela se perguntou, rapidamente, por que ele nunca
convidou nenhum de seus amigos – se sua mãe não os aprovava,
ou se Ethan tinha razões próprias.
— Então? Como foi? — Ethan exigiu. Através das janelas
escuras, a cidade era um borrão salpicado de ouro. Os arranha-
céus do distrito financeiro amontoados contra o horizonte pareciam
favos de mel por conta das janelas de escritórios espalhadas que
ainda estavam iluminadas.
— Nina terminou com Jefferson.
— Parabéns — Ele deu uma batida lenta e silenciosa — Embora
eu deva dizer... estou surpreso que você não esteja mais com Jeff,
depois de uma vitória como essa.
Ela poderia ter dito a Ethan que Jefferson estava muito bêbado,
que ela tinha feito mais do que o suficiente por uma noite. Em vez
disso, tudo o que Daphne disse foi: — Bem, não estou.
Ele ergueu uma sobrancelha. — Estou curioso. Como você
conseguiu isso?
De repente, foi um alívio estar sentada aqui com Ethan, sem
esconder nada. Ao longo da conversa com Jefferson, Daphne
estivera em alerta máximo, monitorando cada palavra e gesto dela.
Mas com Ethan ela poderia ser ela mesma.
Ela contou a ele tudo que tinha feito para Nina, desde o início.
O carro fez uma curva fechada e, como nenhum dos dois estava
usando cinto de segurança, o peso do corpo de Ethan caiu contra o
dela.
Ele se afastou rapidamente, embora com menos distância entre
eles do que antes.
— Estou impressionado — declarou ele, quando Daphne terminou
sua história — Sabotagem e intimidação – você se superou. Você
realmente dizimou aquela garota.
Algo sobre sua frase a incomodou. — Você duvidou de mim? —
ela perguntou irritada.
— Nunca — Ethan fez uma pausa, como se não tivesse certeza
de dizer suas próximas palavras, então foi em frente e às disse de
qualquer maneira — É uma pena que Jeff não aprecie a metade do
que você é capaz.
— Isso não é verdade…
Ele soltou uma risada. — Jeff não conhece você como eu. Tudo o
que ele vê é a sua aparência, o que é uma pena, porque sua mente
é o que há de melhor em você. Sua mente brilhante, teimosa e
inescrupulosa, e a pura força de sua força de vontade.
Daphne queria protestar, mas Ethan estava olhando para ela com
uma expressão que ela nunca tinha visto antes.
Era o olhar de quem te conhece, conhece o seu melhor e o seu
pior, sabe o que fez e o que é capaz de fazer, e que te escolhe
apesar de tudo. Era um olhar que Daphne nunca vira em Jefferson
em todos os anos que eles namoraram.
— Pare — ela sibilou, e então novamente, com um volume maior:
— Apenas pare, ok? Eu não sei como ganhar com você!
— Daphne. Nem sempre se trata de vencer.
— Claro que sim!
Ela estendeu a mão para alisar o cabelo, sentindo-se poderosa e
inquieta. Antes que ela pudesse abaixar a mão novamente, Ethan a
pegou na sua. O polegar dele traçou pequenos círculos na parte de
trás do pulso dela – círculos atentos, lentos e preguiçosos que
fizeram Daphne perder o fôlego. Ela não se afastou, embora o rosto
de Ethan estivesse repentinamente perto do dela. Pela primeira vez,
não houve inclinação sardônica em sua boca carnuda e sensual.
— Ethan… — Daphne pretendia soar reprovadora, mas sua voz
saiu perigosamente incerta.
Quando ele finalmente baixou a boca para a dela, parecia
inevitável.
O beijo desceu por seu corpo como uma droga, correndo
descontroladamente ao longo de suas terminações nervosas.
Daphne o puxou para mais perto. Ela sabia que isso era um erro
tolo – que ela estava jogando fora todos os seus anos de trabalho
duro. Ela não se importou.
A escolha deveria ter sido tão simples: de um lado estava
Jefferson, o príncipe. Todos queriam que eles ficassem juntos: os
pais de Daphne e os pais de Jefferson e toda a América e,
aparentemente, Daphne.
No entanto, aqui estava ela. Era como se o toque dos lábios de
Ethan nos dela tivesse causado um curto-circuito em seu cérebro e
nada mais importasse.
De alguma forma, ela se moveu para sentar em cima dele,
montada em seu colo. Ambos se atrapalharam no escuro,
empurrando para o lado a montanha espumosa de suas saias. Seus
lábios viajaram por seu pescoço, e ela inclinou a cabeça para trás,
deixando suas mãos se enrolarem possessivamente sobre seus
ombros. Ela sentiu como se ela e Ethan tivessem se tornado um par
de lâminas atacando para fazer fogo, faíscas contra semelhantes.
Ethan estava certo sobre uma coisa: Jefferson não conhecia a
verdadeira ela, e nunca a conheceria.
BEATRICE

Beatrice não conseguiu ficar um momento sozinha com Teddy até


que a festa estava quase acabando.
Havia simplesmente muitos convidados, todos ansiosos por seu
próprio momento pessoal com o noivo e a noiva. Ela chamou a
atenção de Teddy algumas vezes, e um lampejo invisível de
comunicação passava entre eles – mas então outro simpatizante o
puxaria de lado, ou o fotógrafo solicitaria uma foto de Beatrice, e
eles novamente giravam em direções diferentes.
Alguns participantes da festa ainda estavam na pista de dança
desgastada. Os lacaios se aproximaram deles com copos de água,
tentando gentilmente conduzi-los até a entrada, onde uma longa fila
de carros se estendia ao redor do círculo. Até as flores em seus
arranjos altos pareciam ter perdido o desabrochar, pétalas perdidas
já caindo no chão.
Beatrice finalmente se virou para Teddy e pediu um momento a
sós. Ele acenou com a cabeça em compreensão, e ela o conduziu
para a lateral da pista de dança, atrás de uma coluna de granito
rosa.
— Teddy, sinto muito por tudo — ela se apressou em dizer —
Espero que você saiba que eu... quero dizer, eu nunca deveria ter...
— Está tudo bem — ele garantiu a ela, seus olhos azuis
subjugados — Contanto que você esteja bem — A frase aumentou
no final, tornando-se uma pergunta.
— Ainda não — Beatrice admitiu — Mas eu acho, espero, que
ficarei.
Teddy deu a ela um sorriso suave, um que ela certamente não
merecia. — O que posso fazer para ajudar?
Isso torceu sua culpa como uma faca, que Teddy estivesse sendo
tão honrado e atencioso em um momento como este. Que mesmo
quando ela estava rompendo o noivado, ele ainda se concentrava
em tornar as coisas mais fáceis para ela.
— Por favor, não conte a ninguém ainda — ela foi estranhamente
lembrada de fazer o mesmo pedido quando ela propôs, embora por
razões drasticamente diferentes — Eu preciso dar a notícia ao meu
pai primeiro. Então podemos descobrir as próximas etapas.
Teddy concordou. — Vou continuar me comportando como seu
noivo até ouvir o contrário de você.
— Obrigada — Beatrice murmurou — E obrigada por ser tão
compreensivo sobre tudo isso. Por não me odiar, mesmo depois do
que eu fiz você passar.
— Eu nunca poderia odiar você — ele alcançou a mão dela, nada
romântico no gesto, mas como se quisesse transferir um pouco de
sua força — Aconteça o que acontecer, saiba que você sempre
pode contar comigo. Como um amigo.
Beatrice assentiu, incapaz de falar.
Quando eles voltaram para o que restava da festa, os Eatons
fizeram fila para se despedir.
Eles estavam todos aqui: os pais de Teddy, o duque e a duquesa
de Boston; os irmãos mais novos de Teddy, Lewis e Livingston; e a
filha mais nova, a irmã deles, Charlotte. Mesmo que ela ainda não
os tivesse conhecido, Beatrice saberia imediatamente que eles eram
parentes. Todos eles tinham aquela aparência. Uma aparência de
cabelos dourados, patrícios e fotogênicos que faz você pensar em
jogar futebol ao ar livre, torta de maçã recém-assada e verões
varridos pelo vento em Nantucket. Eles pareciam totalmente à
vontade em seus vestidos de baile e smokings, como se
acordassem e se vestissem com traje de gala todas as manhãs de
suas vidas.
— Obrigada por terem vindo — disse Beatrice a cada um deles,
com um aperto de mão; esta família não era do tipo que abraça.
— Estou tão emocionado. Tão emocionado! — O pai de Teddy
explodiu, jogando um braço jocoso em volta dos ombros de Teddy.
Beatrice percebeu o meio abraço de despedida desajeitado que
Teddy deu a Samantha e reprimiu um sorriso. Talvez, se tivessem
sorte, as duas irmãs Washington poderiam terminar com um final
feliz.
Foi só quando os Eatons partiram que Beatrice pigarreou. — Pai?
Posso falar com você? Sozinho.
— Certo. Vamos ao meu escritório para uma bebida antes de
dormir — sugeriu ele, ainda radiante.
Beatrice o seguiu, acomodando-se em frente ao pai em uma
poltrona. Um lacaio deve ter mantido o fogo aceso a noite toda,
porque ele brilhava contente na enorme lareira de pedra.
Ela gostaria de poder relaxar na cadeira como a jovem que era:
colocar os pés sobre as almofadas e colocá-los de lado, inclinar a
cabeça para trás. Mas ela não tinha permissão para esse tipo de
informalidade, porque agora ela não era uma filha falando com o
pai.
Ela era uma futura rainha, conversando com o rei atual. Foi nesse
contexto que ela e o pai começaram esta discussão – um assunto
entre monarcas, ele disse, quando disse a ela que estava doente –
e era assim que ela continuaria.
O rei estendeu a mão para a garrafa em uma mesa lateral e
serviu o bourbon em um par de copos de vidro lapidado. Ele
entregou um a Beatrice, que imediatamente tomou um gole.
Coragem líquida, certo?
— Que noite — ele meditou, ainda animado por seu bom humor
— Você estava tão linda, Beatrice. Tão real. Estou orgulhoso de
você.
A única maneira de contar a notícia era tudo de uma vez, ela
pensou, e se fortaleceu.
— Pai, quero cancelar o noivado.
O sorriso jubiloso sumiu de seu rosto. — O que você está
falando?
— Eu não posso casar com Teddy. Eu não o amo.
Houve uma urgência repentina em suas palavras, como se ela
tivesse aberto uma torneira e agora elas estivessem saindo como
água, mais rápido do que ela poderia pegá-las. — Eu tentei me
apaixonar por ele, de verdade. Eu sabia o quanto isso significava
para você. Mas eu não posso fazer isso, pai. Nem mesmo para
você.
O rei acenou com a cabeça. — Eu entendo — disse ele, e o nó no
estômago de Beatrice começou a se desfazer. Isso tinha sido muito
menos árduo do que ela esperava. Ela deveria saber que seu pai
não a pressionaria...
— Vamos adiar o casamento. Isso dá a você e Teddy mais tempo
para se conhecerem — seu pai continuou, alheio ao desânimo de
Beatrice — Ainda não anunciamos uma data. Diremos ao comitê de
planejamento que você precisa de mais seis meses, diminua o
ritmo. Talvez você e Teddy pudessem fazer uma viagem, passar
bons momentos juntos, longe de todas as aparições públicas. Eu sei
que minha doença colocou tudo em uma agenda apertada — ele
acrescentou, seus olhos baixos — lamento ter feito você se sentir
apressada.
As mãos de Beatrice se apertaram freneticamente em seu colo. —
O problema não é o momento certo, pai. Daqui a um ano, não irei
querer me casar com Teddy mais do que quero esta noite.
A raiva brilhou nos olhos do rei. — Ele fez algo para te machucar?
— Claro que não — ela disse impacientemente — Teddy é ótimo,
mas...
— Então, o que é?
— Eu me apaixonei por outra pessoa!
— Oh — seu pai respirou, como se tudo o que ele pudesse fazer
agora fosse uma única sílaba. Beatrice não se atreveu a responder.
— Quem é ele? — ele perguntou finalmente, em uma espécie de
choque de madeira.
— Connor Markham.
— Seu Guarda Revere?
— Eu sei que ele não é de sua lista de opções pré-aprovadas —
Beatrice se apressou a dizer — que ele não é um nobre. Mas, pai,
eu o amo.
O vento assobiava e uivava nas vidraças. O fogo assobiou,
faíscas voando enquanto as toras eram reinstaladas. Beatrice
estendeu a mão para o copo para tomar outro gole nervoso do
bourbon. Ele brilhou em um âmbar profundo à luz do fogo.
— Sinto muito, Beatrice. Mas não — o rei disse por fim.
— Não? — ela repetiu. Foi essa realmente a resposta dele?
Negar categoricamente o pedido dela, como se ela fosse uma
criança pedindo para ficar acordada depois da hora de dormir?
— Certamente você vê que está fora de questão — seu pai fez
uma pausa, dando a Beatrice tempo para acenar em concordância.
Quando ela não o fez, ele seguiu em frente — Beatrice, você não
pode interromper seu casamento com Teddy Eaton, que vem de
uma das melhores famílias do país, que é inteligente, honrado e
gentil, porque você está apaixonada por seu Guarda.
Ela tentou não estremecer com a maneira como ele disse uma
das melhores famílias do país, como se isso fosse algo que os
títulos centenários realmente medissem e classificassem. — Connor
é tudo isso também, pai. Inteligente, honrado e gentil.
— Teddy se formou com louvor em Yale. Seu guarda nunca foi
para a faculdade, mal conseguiu concluir o ensino médio!
— É você quem sempre diz que existe mais de um tipo de
inteligência! — Beatrice cerrou os dentes — Eu sei que não há
precedente histórico para isso, mas isso não significa que esteja
errado.
Seu pai não respondeu de imediato. Ele tilintou o gelo em seu
copo, os olhos ainda fixos no fogo.
— Lembra do que seu avô sempre dizia, sobre como a Coroa
divide você em duas pessoas: uma pública, outra privada? Que
você é Beatrice, a futura rainha, e Beatrice, a jovem, tudo de uma
vez?
Beatrice girou o anel de noivado para frente e para trás,
deslizando-o do dedo e ligando-o novamente. Ela teve um desejo
repentino de jogá-lo do outro lado da sala.
— Eu me lembro — ela respondeu.
— Vai ser assim por toda a vida. Fica ainda pior quando você é
pai e tem um filho que se torna o herdeiro do trono. — Por fim, o rei
olhou para cima, diretamente nos olhos de Beatrice. A pura tristeza
em sua expressão tirou o ar de seu peito — O pai em mim está
muito feliz por você ter encontrado o amor. Claro que não importa
para mim, como seu pai, com quem você está, contanto que essa
pessoa te trate bem e te faça feliz.
— Mas… — ela forneceu, quando seu pai ficou em silêncio. Ela
ficou chocada ao ver seus olhos brilhando com lágrimas.
— Essa outra parte de mim, a parte que responde à Coroa, sabe
o quão impossível é. Se você fosse outra pessoa no país... — o rei
estremeceu e colocou a mão sobre o peito, como se estivesse com
dor — Mas você nunca foi qualquer uma Beatrice, você não pode
ficar com aquele jovem e ser rainha. Você teria que desistir de tudo
por ele.
Ela se sentiu eriçada. — Você costumava me dizer que nada era
impossível, que poderíamos encontrar uma solução para qualquer
coisa se pensássemos com cuidado e criatividade o suficiente.
— Isso era sobre problemas políticos!
— Pelo que você está me dizendo, isso é um problema político!
Essa lei tem dois séculos. Talvez seja hora de termos um plebeu no
trono! — ela lançou-lhe um olhar suplicante — Você é o rei, pai.
Certamente há algo que você pode fazer. Assine uma ordem
executiva ou submeta uma nova lei ao Congresso. Tem que haver
uma saída.
O rosto do pai dela estava muito sério quando ele falou suas
palavras seguintes: — Mesmo se houvesse algo que eu pudesse
fazer, eu não faria.
— O quê? — Beatrice pigarreou, lutando para não gritar — Você
realmente não vai me ajudar a casar por amor?
— Beatrice, sempre quis que você se casasse por amor — insistiu
o pai. — Eu apenas esperava que você se apaixonasse... dentro de
certas diretrizes. É por isso que convidei aqueles jovens para o Baile
da Rainha. Eles são muito mais adequados para este tipo de vida do
que Connor.
Dentro de certas diretrizes. Beatrice ficou com vergonha de
perceber que poderia ter funcionado: que ela poderia ter se
convencido a amar Teddy, eventualmente, se não fosse por Connor.
Ela se mexeu na beirada da cadeira, sua voz mordaz.
— Você honestamente acha que eu não deveria estar com
Connor porque ele é um plebeu.
Seu pai balançou a cabeça com cansaço. — Beatrice, você
estudou a Constituição de trás para a frente. Você não sabe até
agora que os fundadores nunca fizeram nada sem um bom motivo?
— Ele serviu-se de outro gole de bourbon. Sua boca estava definida
em uma linha sombria, seus olhos sombreados — Essa lei existe
para proteger você e a Coroa de situações como esta. De...
desalianças.
Lágrimas picaram nos olhos de Beatrice. Ela precisava de
espaço, precisava de um minuto para pensar em uma maneira de
superar isso. — Por que você não dá pelo menos uma chance a
ele?
— Não é sobre mim, Beatrice. Se eu fosse a única pessoa que
você tivesse que convencer, você já teria a minha bênção — seu pai
disse calmamente — Mas eu sei o quão falho é o mundo; o quão
ferozmente as pessoas vão julgar você, como a primeira rainha da
América. Eu conheço a tarefa quase impossível que está à sua
frente. Acredite em mim quando digo que se você se casar com
Teddy, ele ajudará a diminuir esse fardo para você de mil pequenas
maneiras. Teddy vai te erguer e te apoiar. Ele será um trunfo para
você, enquanto Connor provaria nada além de um obstáculo. E você
não pode se dar ao luxo de um obstáculo. Vai ser difícil o suficiente
para você do jeito que é.
— Porque eu sou uma mulher — disse Beatrice categoricamente.
Seu pai não discutiu. — Sim, exatamente, porque você é uma
mulher, e o mundo tornará tudo exponencialmente mais difícil para
você. Não é certo ou justo, mas é a verdade. Você vai ser a primeira
Rainha da América. Você tem uma estrada mais íngreme para
escalar do que todos os onze reis que vieram antes de você. Você
terá que fazer muito mais para se provar, para ganhar o respeito de
dignitários e políticos estrangeiros e até mesmo de seus próprios
súditos. Há anos venho tentando ajudar a prepará-la, para tornar as
coisas o mais fácil possível para você, mas ainda é um desafio que
você enfrentará todos os dias.
— Connor sabe de tudo isso, pai. Ele viu minha vida de perto e
não se assustou. Posso confiar nele como uma fonte de apoio. —
Eu já confio.
— Ele vai arrastar você para baixo — seu pai disse brutalmente.
— Beatrice, tenho certeza de que ele tem boas intenções, mas
aquele jovem não tem ideia do que está se metendo. Como ele vai
se sentir depois de anos, décadas, de ouvir constantemente que ele
não é bom o suficiente? De sentar-se calmamente ao seu lado em
milhares de funções do Estado? Ele será forçado a sublimar toda a
sua vida às exigências da Coroa — o rei respirou fundo. — Connor
pode amar você agora, mas o amor dele por você é forte o
suficiente para suportar tudo isso?
Claro que é, queria dizer Beatrice. As palavras não chegaram a
seus lábios.
— A lei pode parecer desatualizada e ridícula para você, mas há
sabedoria nela — afirmou seu pai — Por que você acha que tantos
de nossos antepassados se casaram com princesas estrangeiras?
Não foi apenas para selar tratados políticos. Era porque ninguém
mais era capaz de assumir esse trabalho. Ninguém mais, além dos
filhos de outros monarcas, que foram criados desde a infância para
liderar milhões de pessoas.
— Você está subestimando Connor — Beatrice tentou dizer, mas
sua voz falhou.
O rei enxugou os olhos. — Beatrice, estou tentando proteger
vocês dois. Mesmo se você pudesse se casar com Connor, seria um
erro. Algum dia, quando ele percebesse o quanto desistiu por você,
ele se arrependeria dessa escolha. Ele viria a odiar você por isso, e
pior; ele viria a odiar a si mesmo.
Beatrice não conseguia se mover. Ela se sentiu totalmente
paralisada pelas palavras de seu pai.
— Mas... eu o amo — ela disse novamente.
— Eu sei — a mão de seu pai apertou seu copo — Se serve de
consolo, você não é a primeira monarca a enfrentar esse tipo de
sacrifício. Muitos reis que vieram antes de você desistiram de
alguém que amavam, para satisfazer as exigências da Coroa. Eu
incluído.
Suas palavras não foram absorvidas de imediato. Quando o
fizeram, o olhar de Beatrice se ergueu. — O quê?
— Eu também amei alguém, antes de sua mãe.
Seu sangue zumbiu com o choque. O único som era o estalo
silencioso do fogo.
— Quem… — os lábios de Beatrice estavam secos e rachados.
— Ela era uma plebéia.
— O que aconteceu com ela?
— Eu não a vejo há muito tempo — disse ele gravemente.
Beatrice estava muito distraída para perceber que não era uma
resposta completa.
Seu pai tinha se apaixonado quando era jovem e desistiu desse
amor para se casar com Adelaide. Beatrice tentou se imaginar
deixando Connor ir assim: nunca mais vê-lo de novo, nunca saber
se ele finalmente mudou, se casou com outra pessoa. Seu coração
se torceu de angústia com o pensamento.
— Beatrice, eu sei que você ama seu Guarda agora, mas o tipo
de amor de que você está falando, não dura — o rei parou para
tossir antes de continuar. — Sua mãe e eu não estávamos
apaixonados quando nos casamos. Nós nos apaixonamos, dia após
dia. O verdadeiro amor vem de criar uma família juntos, de enfrentar
a vida juntos – com todas as suas bagunças, surpresas e alegrias —
ele suspirou — Eu sei que você não ama Teddy agora, mas também
sei que se você se casar com ele, você o amará. De uma forma real.
Esse é o tipo de amor sobre o qual você pode construir um futuro,
não o que quer que você sinta agora por Connor.
Beatrice ficou sentada em silêncio por um tempo, olhando
cegamente para o fogo. Sua mente girou com tudo que seu pai
havia lhe contado.
— Não — ela disse finalmente.
A palavra caiu como uma pedra no silêncio.
A cabeça do rei se inclinou em direção a ela. — Como assim não?
— Quero dizer que não aceito isso. Você pode acreditar nesta lei,
pode pensar que ela de alguma forma protege a Coroa, mas eu me
recuso a ser limitada por ela. Eu não sou como você ou a tia
Margaret — uma nova teimosia brilhou em seus olhos e ela se
levantou.
Seu pai fez uma careta — Beatrice, por favor, não diga coisas
assim.
— Por que não? — suas palavras ganharam força, avalanchando
cada vez mais rápido no calor incandescente de sua raiva. —
Passei minha vida inteira perseguindo essa ideia de perfeição,
tentando ser a princesa perfeita, filha perfeita, futura rainha perfeita.
E para quê?
Os olhos do rei estavam vidrados, o sangue drenado de seu rosto.
— Pela América — disse ele, e tossiu de novo.
— A América vai me amar do jeito que Connor ama? Ouvir meus
segredos e me dar um beijo de bom dia e me diga que vale a pena
perseguir meus sonhos? Tudo o que fiz pela América foi dar, dar e
dar, e ainda assim a América quer mais! Quando será o suficiente?
Beatrice nunca em sua vida falara assim. As palavras
destrancaram uma parte nova e surpreendente dela – como se ela
tivesse aberto a porta de sua suíte e descoberto que continha mais
quartos do que ela jamais imaginou, todos brilhando com
possibilidades, apenas esperando para serem explorados.
— Talvez as coisas fossem mais fáceis se eu fosse embora! —
ela disse calorosamente — Deixe a lei tirar meus títulos e me retirar
da sucessão; eu não me importo. Deixe Samantha ser a primeira
rainha no meu lugar!
Beatrice sabia que estava atacando como um animal encurralado,
que ela não quis dizer o que disse. Ou quis?
Ela pensou em Samantha, brilhando no salão de baile tão
confiante quanto uma imperatriz.
E se Beatrice não fosse rainha?
Seu pai a olhou fixamente, seus traços contorcidos em uma
máscara grotesca de horror. — Por favor, Beatrice…
Foi tudo o que ele conseguiu dizer antes de levar a mão ao peito,
tomado por um acesso de tosse.
E continuou tossindo.
O flash de raiva de Beatrice se dissipou rapidamente quando ela
viu seu pai se dobrar, com as mãos apoiadas nos joelhos. Seu rosto
estava ficando vermelho, seus olhos bem fechados, sua tosse mais
alta e mais áspera. Um arrepio de pressentimento percorreu seu
caminho por sua espinha.
— Pai! — ela pegou uma garrafa de água da mesa lateral,
tentando colocar um pouco na boca dele, mas não funcionou; a
água pingou inutilmente em seu queixo.
O rei desabou, caindo de joelhos.
— Ajuda! Alguém ajude! É o rei! — Beatrice afundou no tapete ao
lado dele. Ela percebeu vagamente que seu vestido estava
salpicado de sangue vermelho brilhante; o sangue de seu pai, que
estava tossindo, e ela não podia fazer nada para ajudá-lo.
Foi apenas uma questão de segundos antes que sua segurança
invadisse a porta, mas aqueles poucos segundos foram os mais
longos da vida de Beatrice. Tudo pareceu se dissolver em uma
névoa multicolorida de pânico. Tudo o que Beatrice conseguia ouvir
era o som áspero e irregular da respiração de seu pai. As pontas de
sua tiara cravaram-se impiedosamente em seu crânio.
— Pai — vai ficar tudo bem, eu prometo. Estou bem aqui — disse
ela entrecortada, com as mãos nos ombros dele, até que um dos
seguranças os empurrou suavemente. Ela continuou falando
enquanto os paramédicos chegavam para colocá-lo em uma maca.
Isso tudo estava acontecendo muito rápido. Beatrice sentiu um
grito crescendo dentro dela, mas se obrigou a reprimi-lo; ou talvez
ela estivesse mordendo a língua, porque sentiu sangue na boca,
com o gosto metálico do medo.
— Sinto muito — ela repetia sem parar, como se fosse uma
oração — Fique comigo, pai. Por favor.
DAPHNE

Daphne piscou, acordando lentamente. Através de suas janelas, o


céu era de um cinza chumbo, riscado com as primeiras luzes fracas
do amanhecer.
Ao lado dela, com sua respiração suave e regular, estava Ethan
Beckett.
Ela se sentou abruptamente, abraçando os lençóis de cetim
cremoso contra o peito enquanto seu quarto – seu erro – estalou em
um foco estonteante. Seu vestido estava em um monte de tule
desgrenhado no chão, ao lado dos sapatos que ela havia tirado e
pedaços espalhados do smoking de Ethan: um rastro de evidência
reprovador, lembrando-a do que eles haviam feito. De novo.
Ethan se mexeu ao lado dela, mas continuou dormindo. Por um
momento, Daphne deixou seus olhos percorrerem sua forma: seu
torso longo, seus ombros musculosos, a sombra de seus cílios nas
maçãs do rosto. Seu cabelo enrolado na nuca. Ela se lembrou de
como, poucas horas atrás, suas mãos estavam emaranhadas
naquele cabelo, sua cabeça inclinada para trás enquanto ela engolia
um gemido. Daphne estremeceu com a memória.
Se ao menos ela pudesse rebobinar tudo como uma fita cassete
antiquada, ou melhor ainda, puxar a fita completamente e fazer uma
série de furos nela.
Ela não entendia a corrente de desejo que pulsava entre ela e
Ethan, apesar do que aconteceu da última vez, ou talvez por causa
disso. Talvez o que ela e Ethan fizeram juntos tenha forjado algum
vínculo sombrio entre eles, como se eles fossem heróis – ou melhor,
anti-heróis – que se aventuraram juntos no submundo, e agora seus
destinos estavam para sempre entrelaçados.
Não. Fosse o que fosse, Daphne precisava parar agora.
Ethan deve ter sentido os olhos dela nele, porque ele piscou
lentamente ao acordar. — Ei — ele murmurou, com um sorriso
bocejante, e estendeu a mão para puxar Daphne de volta para ele.
Ela se esquivou para fora dos braços dele e recuou.
Ela o odiava por parecer tão sexy agora, quente, amarrotado e
enrugado de sono.
— Ethan, você precisa sair.
Ele soltou um suspiro e se sentou. — Vamos pelo menos
conversar sobre isso.
— Não há nada para falar.
Ele balançou a cabeça em desafio, quase na defensiva. —
Daphne, já são duas vezes agora que você e eu nos atiramos um no
outro. Não estou dizendo que sei o que isso significa, mas você não
acha que devemos a nós mesmos descobrir isso?
— No que me diz respeito, nada aconteceu. Vamos deixar isso
para trás, assim como fizemos antes.
Exceto que a última vez foi muito, muito pior.
Ethan sustentou seu olhar firmemente. — Não posso continuar
fingindo que nada aconteceu entre nós.
— Nada deveria ter acontecido entre nós. Não podemos fazer
isso com Jeff! — Daphne sibilou, assustada em chamá-lo pelo
apelido pela primeira vez.
— Não estamos fazendo nada com Jeff — Ethan argumentou —
Olha, da última vez tivemos motivos de sobra para nos sentirmos
culpados. Mas isso é completamente diferente, você não está mais
namorando ele. Eu me recuso a agir como se isso fosse um erro de
bêbado.
A luz cinza penetrou mais profundamente na sala, tocando uma
velha caixa de música em cima da penteadeira de topo alto onde as
jóias de Daphne brilhavam. Jogado nas costas da cadeira da
escrivaninha estava um lenço preto delicado que Jefferson lhe dera,
depois que ela uma vez mencionou que gostaria de ter um, para
todos os coquetéis a que compareciam no tempo frio. Esse era o
tipo de namorado que Jefferson tinha sido. O tipo que se lembrava
de comentários perdidos e agia de acordo com eles. Ou, pelo
menos, quem enviou um dos assistentes de sua família para agir
sobre eles.
— Jefferson é seu melhor amigo, e eu namorei com ele por quase
três anos. Isso... — Daphne gesticulou com raiva ao redor da sala,
indicando os lençóis amarrotados, as peças de roupa espalhadas
como escombros após uma explosão — Isso tem que parar.
— Você está me dizendo seriamente que a noite passada não
significou nada para você?
Ele a encurralou. Ela não podia admitir que não significava nada.
Não depois de ela ter dormido com ele duas vezes, quando ela
nunca dormiu com Jefferson em todos os seus anos de namoro.
Mas ela se recusou a ser pressionada a dizer qualquer coisa de que
pudesse se arrepender. Ela se recusou a verbalizar sentimentos que
ela nunca deveria ter tido em primeiro lugar.
O silêncio se estendeu até o ponto de ruptura. Ethan ergueu um
braço como se fosse alcançá-la, mas pareceu pensar melhor.
— Você está mentindo para si mesma — disse ele — Fingir que
isso é apenas físico, que não significa nada, quando ambos
sabemos que não é verdade.
Por uma fração de segundo, Daphne se permitiu imaginar como
seria dizer sim. Para dizer a Ethan que ela o escolheu. Para cair de
volta no círculo quente de seu abraço, deixá-lo continuar olhando
para ela daquela forma carregada e mágica.
Seus reflexos brilharam para ela do espelho em sua parede:
Ethan olhando para ela com aqueles olhos escuros brilhantes, o
olhar de Daphne indo e voltando com indecisão. Ambas as figuras
foram lançadas em um brilho azul fantasmagórico. Estava vindo de
seu telefone, Daphne percebeu, que estava explodindo de
mensagens. Ela estendeu a mão para pegá-lo da mesa lateral.
Sua tela inicial estava coberta por dezenas de pequenas bolhas.
Todos eram alertas rotulados de URGENTE, o nível de pânico
aumentando constantemente conforme a noite avançava.
Sua Majestade o Rei foi internado na UTI do Hospital Santo
Estêvão…
Sua Majestade está em suporte de vida, tendo sofrido uma
trombose coronária. Não há nenhuma atualização atual sobre sua
condição. Sua família está com ele neste momento…
O rei, no hospital?
A frequência cardíaca de Daphne disparou quando seu medo e
incerteza explodiram. Mas o mesmo aconteceu com suas décadas
de treinamento.
Aquela era uma notícia drástica, estilhaçante e devastadora, e
Daphne tinha perdido porque estava na cama com o garoto errado.
Ela enviou uma oração silenciosa de agradecimento que seus pais
ainda não tinham invadido seu quarto para contar a ela.
— O rei foi hospitalizado — ela disse a ele, em um tom nítido e
objetivo — Você realmente precisa sair. Pegue a escada dos fundos;
caso contrário, meus pais podem ver você.
Ela saiu da cama e foi até o armário, onde escolheu uma roupa:
um cardigã recatado e jeans escuro, um colar de cruz em uma
corrente de prata, botinhas de camurça. Ela teria tempo de lavar o
cabelo ou deveria apenas prendê-lo em um rabo de cavalo baixo?
— O que você está fazendo? — Ethan perguntou, observando
seus movimentos..
Uma espécie de calma isolada se instalou sobre os ombros de
Daphne. As coisas que ela estava pensando apenas dois minutos
atrás, sobre ela e Ethan, agora pareciam a impossibilidade mais
selvagem e bizarra. — Estou indo para o hospital.
— Para estar com Jeff.
— Ele precisa estar cercado pelas pessoas que o amam agora —
Daphne ergueu os olhos para Ethan, tão serena como se fossem
velhos amigos dizendo olá em uma festa no jardim — Suponho que
te vejo lá mais tarde.
Ethan saiu da cama e começou a se vestir, seus movimentos
eram angulares e vingativos. Um músculo trabalhou em sua
mandíbula. Daphne observou sua expressão mudar rapidamente de
descrença para dor e raiva. Bom, ela pensou. A raiva era o mais
seguro. Raiva era o que ela sabia como lidar.
— Tudo bem, Daphne — A camisa de Ethan estava abotoada
pela metade, sua jaqueta jogada sobre o braço, seus sapatos
amarrados nos cadarços e segurados em uma mão — Se é assim
que você quer que as coisas sejam. Vou deixar você curtir sua
vitória da maneira que quiser. Sozinha.
Sua voz estava estranhamente baixa. — Porque é isso que você
será se o escolher, sabe. Sozinha. Mesmo que algum dia você
consiga o que deseja e tenha um anel no dedo e uma coroa na
cabeça e um título grande e elaborado antes do seu nome, ainda
chegará um momento em que todos os outros sairão da sala e
serão apenas vocês dois. Você, e um príncipe que mal te conhece.
Espero que valha a pena.
Os ecos lamentosos dessa palavra – sozinha, sozinha, sozinha –
pareciam persegui-la, muito depois de Ethan ter fechado a porta.
NINA

— Minha vez — Daphne ronronou, uma sobrancelha erguida em um


desafio inconfundível.
Nina abriu suas cartas e as segurou perto. Seus rostos pretos e
vermelhos ornamentados, impressos com paus, diamantes e
espadas, olhavam impassivelmente para ela. Sua mão não era boa.
Daphne largou o valete de copas com um floreio. — O patife —
declarou ela, usando o termo antiquado, de quando as cartas de
rosto representavam a família real, quando o patife deveria
representar o príncipe, aquele que partia corações.
Não havia nada para Nina jogar, e Daphne sabia disso. Ela deu
um sorriso estreito. — Eu ganhei — ela declarou. Nina observou
enquanto ela varria tudo sobre a mesa em sua direção, os olhos
brilhando de avareza.
Daphne empilhou as joias no colo e olhou para Nina com uma fria
surpresa. — O que você ainda está fazendo aqui? Você sabe que
não pertence a este lugar.
Nina se sentou ereta, o coração batendo forte no peito. Foi
apenas um sonho.
Em seguida, os eventos da noite anterior passaram por ela em
detalhes dolorosos – seu confronto com Daphne, seu rompimento
com Jeff. Depois disso, Nina não pôde mais voltar ao campus, onde
seria cercada por todos aqueles olhos ansiosos e curiosos. Ela
pediu ao carro de cortesia para trazê-la para casa.
Pelo menos aqui ela não seria bombardeada por lembretes
constantes de Jeff. Todo o resto, até mesmo seu dormitório, parecia
muito emaranhado em memórias dele. Ela não conseguia nem
mesmo um milkshake do Wawa pós-término, porque agora também
parecia pertencer a ela e a Jeff.
Era exatamente por isso que Nina não queria se aproximar dele
em primeiro lugar: porque ela sabia, no fundo, que não iria
funcionar. Que não importa o quanto eles quisessem estar juntos, as
circunstâncias sempre conspirariam para separá-los.
A luz da manhã tocava todos os confortos familiares de seu
quarto de infância: a velha tela de vime no canto, suas luminárias de
latão, o roxo profundo de suas almofadas. Estava aquecido aqui, um
calor seco e empoeirado que Nina queria envolver em torno dela
como um cobertor. Ela percebeu que tinha adormecido com o braço
em volta de seu velho gato de pelúcia, Lenna, o que ela não fazia há
anos.
Nina começou a virar o rosto teimosamente de volta para o
travesseiro, apenas para ouvir ruídos vindos do andar de baixo.
Parecia que alguém estava chorando. Ela vestiu um roupão felpudo
sobre o pijama velho e desceu as escadas descalça.
Suas mães estavam no sofá juntas, Isabella inclinando a cabeça
no ombro de Julie. A luz da televisão piscou sobre seus rostos,
destacando as sombras sob seus olhos. Isabella tinha uma caixa de
lenços de papel no colo, que ela mexia nervosamente. Ambas as
mulheres estavam fungando.
— O que está acontecendo? Está tudo bem?
Sua mãe ergueu o rosto coberto de lágrimas. — O rei está no
hospital, em estado crítico.
— O quê?
A mãe de Nina se mexeu sem palavras, deixando Nina se
acomodar na almofada entre eles. Era assim que eles costumavam
assistir filmes quando ela era mais jovem – Nina no meio, cercada
pelo calor de suas mães, os aromas concorrentes de seus
perfumes.
Sua mãe pegou o controle remoto e aumentou o volume. — Todas
as redes de cabo suspenderam seus programas regulares. Tem sido
uma cobertura total o dia inteiro.
Uma repórter estava diante do Hospital de Santo Estêvão, uma
das mãos enfiada no bolso de seu casaco preto e a outra segurando
um microfone. — Para todos os telespectadores que acabam de se
juntar a nós, estamos cobrindo esta história que se desenrola desde
as duas da manhã, horário do leste, quando o rei foi levado às
pressas para o hospital após a festa de noivado de sua filha
Beatrice. O palácio ainda não emitiu uma declaração oficial sobre
sua condição. Tudo o que sabemos é que Sua Majestade está
sendo tratado na unidade de terapia intensiva de Santo Estêvão.
Nina balançou a cabeça. — Eu o vi ontem à noite na festa, e ele
parecia bem. Ele até dançou com a rainha por um tempo! Como isso
pôde acontecer?
O rei sempre foi tão vibrante, com aquela risada estrondosa e
exagerada. Parecia impossível que a doença pudesse atingir
alguém tão completamente vivo.
— Simplesmente aconteceu — Julie disse suavemente — Não há
como ou por quê para esse tipo de tragédia. Sem explicação. Nem
tudo faz sentido.
Nina procurou o telefone no bolso e discou o número de Sam,
mas foi direto para o correio de voz. Ela se perguntou como sua
amiga estava, como Jeff estava.
Este é o pior tipo de tragédia, não é? O tipo que você não espera.
Algumas coisas, como rompimentos ou brigas com seu melhor
amigo, você poderia pelo menos se preparar para lidar com. Mas
não havia como se preparar para algo assim: para o ataque
cardíaco que aconteceu ao acaso, poucas horas depois da festa de
noivado de sua filha.
— Você se lembra do dia em que ele foi coroado? — a voz de
Isabella interrompeu seus pensamentos.
— Vagamente — Eles haviam demarcado um ponto no limite da
rota do desfile, ansiosos para ter um vislumbre dos novos rei e
rainha. Nina se lembrou de agarrar uma pequena bandeira
americana em uma vara de madeira e acená-la furiosamente,
lembrou-se de ter comprado um cone de cereja em um vendedor de
rua e lamber sua doçura de xarope de seus dedos.
— Estranhos estavam conversando com estranhos, todos agindo
como se toda a capital tivesse se tornado um festival de rua gigante
— Isabella ainda segurava um lenço de papel nas mãos. Ela
começou a dobrá-lo repetidamente em um triângulo cada vez menor
— Eu nunca pensei que teria a chance de realmente trabalhar para
ele, e então… — ela suspirou — Ele tem sido um rei tão bom.
Um arrepio percorreu a espinha de Nina com a finalidade das
palavras de sua mãe. Parecia que ela já estava de luto por ele. —
Não sabemos o que está acontecendo. Ele pode ter uma
recuperação completa.
— O palácio não fez qualquer declaração. Isso não é um bom
sinal — rebateu sua mãe. Bem, ela de todas as pessoas conhecia o
funcionamento interno da infraestrutura do palácio.
Nina pensou novamente nos gêmeos. Em toda a família real,
amontoada em uma daquelas salas de espera sombrias, esperando
por boas notícias que podem nunca vir.
— Você deveria ir para o Santo Estêvão — Julie interrompeu,
como se estivesse lendo a mente da filha — Eu sei que Jeff e
Samantha precisam de um rosto amigo agora.
Nina odiava a ideia de deixar sua melhor amiga passar por isso
sozinha. Mas não havia como ela enfrentar o príncipe agora. —
Mãe, não. Eu não posso.
— Eu sei que vai ser estranho ver Jeff depois da noite passada —
disse sua mãe gentilmente — Mas você deveria estar lá pelo bem
de Sam.
Nina sabia que sua mãe estava certa. Mas então ela pensou na
noite anterior, em como Jeff automaticamente ficou do lado de
Daphne. Como tinha sido fácil para ele se afastar de seu
relacionamento.
— Você não entende. Não foi exatamente uma separação normal.
— Isso faz sentido, visto que seu relacionamento dificilmente era
normal.
Nina só conseguiu acenar com a cabeça, puxando um travesseiro
para o colo para abraçá-lo.
— Você quer falar sobre isso? — sua mãe continuou. Quando
Nina não respondeu de imediato, ela tentou novamente — Parecia
que você e Jeff eram tão felizes juntos. Eu não consigo entender o
que aconteceu entre vocês.
Não foi o que se interpôs entre nós, Nina pensou, mas quem. A
glamorosa e insidiosa Daphne Deighton, conseguindo o que queria,
como sempre.
Nina respirou fundo e contou às mãeis tudo o que havia
acontecido.
Quando ela terminou, o rosto de sua mãe estava manchado de
raiva. — Como ela ousa? Eu sempre soube que havia algo estranho
sobre aquela garota... que pequena..
— Eu sinto pena dela — interrompeu sua mãe — Ela claramente
perdeu de vista a realidade.
Nina acenou com a cabeça. — Isso é o que a torna tão perigosa.
Não há nada que ela não faça para conseguir o que deseja.
— Deixe-me ver se entendi — Isabella continuou, puxando uma
perna para cruzá-la sobre a outra — Você está desistindo só porque
a terrível ex-namorada de Jeff encurralou você em um banheiro e
disse coisas desagradáveis?
— Eu não estou desistindo. Estou farta de tudo: a atenção dos
paparazzi, a maneira como o palácio se intromete no nosso
relacionamento. O fato de que eu tinha que me vestir de forma
diferente se quisesse ficar com ele. Tudo o que Daphne disse foi
simplesmente a cereja do bolo.
Os olhos de suas mães se encontraram sobre sua cabeça. Nina
praticamente podia sentir sua indecisão, as mensagens silenciosas
se cruzando e colidindo entre eles.
— Nina, eu estaria mentindo se dissesse que ficamos
emocionadas quando você nos contou que você e o príncipe
estavam namorando — começou sua mãe, o que foi uma forma
generosa de dizer isso, já que descobriram nos tablóides — Mas
também ficou claro para nós que você e Jeff realmente se
importavam um com o outro. Esse tipo de sentimento não aparece
com muita frequência. Vale a pena lutar, vale a pena defender.
Especialmente de pessoas como Daphne.
Nina mudou. — Lutar com Daphne? Você não entende como ela
é.
— Oh, Nina. Já enfrentei as Daphne Deightons do mundo mil
vezes — Isabella soltou um suspiro triste — Você acha que sua mãe
e eu não sabemos como é ouvir que não somos boas o suficiente,
que não pertencemos? Eu sou uma mulher lésbica latina em uma
posição de enorme poder na administração do rei. Isso me
conquistou muito mais inimigos do que amigos. Todos os dias eu
enfrento pessoas como Daphne – pessoas que lutam sujo, que
pensam que têm direito a qualquer coisa no mundo que desejam,
simplesmente porque podem estender suas mãos gananciosas e
pegá-las.
— Exatamente! — Nina exclamou — Como posso vencer alguém
assim? Combater fogo com fogo? — A ideia de tentar manipular
Daphne era assustadora. De jeito nenhum Nina poderia travar esse
tipo de guerra social.
— Claro que não.
Julie passou os dedos pelo cabelo de Nina: um gesto suave e
distraído. — Sua mãe e eu olhamos uma para a outra para nos
mantermos firmes. Pessoas como Daphne, que andam pelo mundo
machucando os outros, escondendo seu verdadeiro eu, essas
pessoas são azaradas. Você não pode se preocupar com elas. Tudo
o que você pode fazer é ser você mesma, completa e
assumidamente. Você não precisa mudar por ninguém, nem mesmo
por um príncipe. E se Jefferson não te ama do jeito que você é,
então ele não é o jovem que eu pensei que ele era — ela adicionou
suavemente.
Nina balançou a cabeça. — Não sei... Jeff e eu dissemos coisas
muito duras um ao outro — ela não havia o chamado de superficial
e egoísta?
— Oh, querida. Algum dia você entenderá que palavras são
apenas isso: palavras. Elas podem machucar, mas também podem
curar.
Todas elas olharam para a TV, que mostrava a multidão reunida
do lado de fora do hospital. A capital deve ser totalmente fechada
esta manhã. O que parecia que milhares de pessoas haviam corrido
para as ruas, falando em tons baixos e sombrios. Estranhos se
abraçavam; a polícia monitorava os cruzamentos para proteger as
pessoas que entraram na estrada, cegas pelas lágrimas.
O repórter estava dizendo outra coisa, sobre como a bolsa de
valores suspenderia as negociações até novo aviso, mas Nina não
estava ouvindo. Tudo o que ela conseguia pensar era nessa enorme
demonstração de amor e apoio à família real. Ela tinha que fazer
parte disso.
— Momentos como este ajudam a suavizar as arestas das coisas,
para nos ajudar a ver o que realmente importa — disse sua mãe.
Nina pensou no que Jeff havia dito naquela noite no campus,
quando ele a surpreendeu com o milkshake Wawa. Você já faz parte
da nossa família, ele disse a ela. Você pertence a nós; a mim.
Ela se levantou, passando a mão distraidamente pelo cabelo, que
ainda estava emaranhado com spray de cabelo do penteado
dramático da noite anterior. Ela precisava ir, agora. Não importava o
que tivesse acontecido entre ela e Jeff, ela precisava estar lá para
Samantha.
— Vocês acham… — ela parou, olhando incerta para suas mães
— Vocês acham que ele vai querer me ver?
— Eu não sei — disse sua mãe honestamente — Mas só há uma
maneira de descobrir.

Quase vinte minutos depois, elas pararam em frente ao Santo


Estêvão. Julie estava dirigindo, ainda de pijama, com Isabella
empoleirada no banco do passageiro, lançando olhares
preocupados para Nina. Elas insistiram em lhe dar uma carona para
que Nina não tivesse que lidar com estacionamento.
Nina assistiu com espanto aterrorizado enquanto sua mãe cortava
as faixas de tráfego, brilhando através de luzes amarelas com
abandono. Pela primeira vez, não parecia importar. Quase não havia
ninguém na estrada. Cafeterias e lavanderias estavam fechadas e
escuras, placas de, TEMPORARIAMENTE FECHADO pregadas nas portas.
Um silêncio caiu sobre a capital, como se todos estivessem
ansiosamente prendendo a respiração, colocando suas próprias
vidas em espera enquanto a vida de seu rei estava em jogo.
Elas pararam do lado de fora das portas da sala de emergência,
evitando as câmeras e microfones agrupados perto da entrada
lateral. Nina viu a esquina do Estandarte Real tremulando sobre o
telhado do hospital, ao lado da bandeira americana – como se
alguém já não soubesse que o rei estava residindo.
— Boa sorte, querida — Isabella murmurou, quando Nina abriu a
porta traseira do carro — Eu amo você.
— Também te amo, mãe — os olhos de Nina dispararam para
Julie, e seu sorriso vacilou — Obrigado por dirigir, mãe. Me deseje
sorte.
Nina forneceu seu nome na recepção e ficou aliviada ao saber
que ela já havia sido adicionada à lista de visitantes pré-aprovados.
— Sei que eles ficarão felizes em ver você — ofereceu o
administrador. Ela olhou para as mãos vazias de Nina, uma
pergunta em seus olhos.
Nina tentou não revelar sua consternação. Ela deveria trazer
flores? Ela veio com tanta pressa que nem tinha pensado nisso.
Daphne provavelmente teria vindo com um presente, mas então,
Daphne não era a única aqui. Nina era.
Quando ela alcançou a ala privada onde o rei estava sendo
tratado, Nina parou. Dois guardas de segurança do palácio estavam
nas portas duplas. Reconhecendo Nina, eles se afastaram para
deixá-la passar.
Seus passos aceleraram. A sala de espera estava logo à frente. O
que ela diria para Samantha, para Jeff? Ela não podia se preocupar
com isso, Nina decidiu. Ela teria que apenas confiar que as palavras
certas viriam a ela no momento.
E de repente, lá estava ele – dobrando uma esquina, seu rosto
pesado de tristeza. Nina sentiu dor por ele. Ela abriu a boca para
gritar uma saudação…
Daphne dobrou a esquina ao lado dele.
Nina cambaleou para trás, recuando para trás do grande volume
de uma máquina de refrigerante. Ela assistiu com horror crescente
quando Daphne deslizou seu braço pelo de Jeff: um gesto íntimo e
confiante. O rosto dela virou-se para o dele em preocupação e ela
assentiu, ouvindo algo que ele disse. Ela usava um suéter recatado
cor de carvão e um colar de cruz simples, uma leve camada de
maquiagem no rosto.
Ela parecia perfeita, como sempre – perfeita e cara, onde Nina
estava amarrotada e rançosa, os olhos avermelhados de uma noite
de choro.
Jeff teria realmente telefonado para Daphne para pedir que ela
fosse com ele ao hospital?
Nina lutou contra uma onda de tontura. Apenas doze horas atrás,
ela e Jeff estavam juntos, abraçados na pista de dança, e agora ele
estava de volta com ela. Isso confirmou tudo o que Daphne havia
dito. Seu relacionamento com Nina tinha sido nada mais do que
uma única nota desafinada, um pontinho interrompendo seu
relacionamento real.
No final, Daphne era realmente quem tinha todas as cartas.
Nina sabia que o forte a se fazer seria ir até lá de qualquer
maneira. Para se sentar ao lado de Samantha e colocar um braço
em volta dela, dizer à sua melhor amiga que ela estava aqui para
ela, não importando o que acontecesse.
Mas Nina não foi corajosa o suficiente para isso. Ela recuou antes
que Jeff ou Daphne pudessem vê-la.
Enquanto ela se arrastava cegamente pelo corredor, pareceu a
Nina que o único barulho em todo o hospital vinha dela. Era o som
de seu coração, quebrando tudo de novo.
SAMANTHA

Samantha havia memorizado a arte na parede oposta. Ela conhecia


cada gradação sutil de sua cor, cada torção em seu padrão. Ela teria
ficado olhando pela janela apenas para mudar as coisas, exceto que
a sala de espera não tinha janela.
Talvez a sala tivesse sido projetada dessa forma de propósito,
para evitar que as pessoas vissem o sol se mover no céu: para que
não notassem a passagem do tempo e ficassem ainda mais
ansiosas do que já estavam. Uma explicação tão boa quanto
qualquer outra, já que também não havia relógio aqui.
Ela olhou para o telefone para verificar a hora. Ainda estava no
modo avião; ela mudou isso horas atrás, quando ela não conseguia
lidar com mais nenhum alerta de notícias de última hora. Quase
meio-dia. Realmente se passaram dez horas desde que eles
chegaram aqui? Tudo parecia surreal, na forma escura e pegajosa
de um sonho ruim.
Sam decidiu desligar o telefone do modo avião. Sua tela se
encheu imediatamente de bolhas de notificação, mensagens de
apoio de todos que ela conhecia. Uma das mensagens era de Nina:
Lamento muito pelo seu pai. Eu gostaria de poder estar no hospital
com você. Saiba que estou pensando em você sem parar. Te amo.
Sam enviou um único emoji de coração vermelho em resposta.
Era tudo o que ela era capaz, agora.
Ela estava em seu quarto quando ouviu os gritos de Beatrice do
lado oposto do palácio: gritos de puro pânico que não pareciam ter
saído da garganta de sua irmã. Sam tinha tropeçado escada abaixo,
ainda usando seu vestido de trompete vermelho, a saia derramando
em torno de seus pés descalços como uma poça de sangue. Ela
assistiu, impotente, enquanto os paramédicos colocavam seu pai na
parte de trás de uma van médica. As fitas de seu uniforme
esvoaçavam cada vez que a maca chacoalhava.
A rainha estava ao lado de Samantha. As luzes da ambulância
dançaram sinistramente sobre suas feições, apenas um leve aperto
de sua mandíbula traindo suas emoções. Beatrice balançou um
pouco ao lado dela, como se o álcool – ou, mais provavelmente, o
choque - a tivesse deixado instável.
Eles observaram, totalmente mudos, enquanto a van partia para o
hospital. Sua sirene ecoou ao redor deles, uma rajada raivosa de
som rasgando as ruas.
Momentos depois, eles correram para um carro que os esperava
e os seguiram, para se reunir aqui nesta sala de espera anônima,
onde passaram a noite fazendo exatamente isso. Esperando e
esperando.
TOs médicos apareciam a cada meia hora sem atualização,
informando que, mais uma vez, a condição do rei não havia
mudado. Ele ainda estava no aparelho de suporte vital.
Eles não estavam deixando ninguém entrar para vê-lo, não que
ele estivesse acordado de qualquer maneira. Mas Sam não pôde
deixar de pensar que isso não era um bom presságio. Ela foi
morbidamente lembrada da corte francesa, onde membros da
família real não tinham permissão para visitar parentes que estavam
doentes, porque acreditava-se que se um rei ou rainha
testemunhasse a morte, o país inteiro seria amaldiçoado.
Sam se mexeu, fazendo com que as almofadas da cadeira
rangessem em protesto. Ninguém olhou para cima. Jeff estava
sentado ao lado dela, a cabeça pendurada nas mãos, Daphne do
outro lado. Sam se sentiu chocada demais para questionar a
presença de Daphne agora. Ela apenas segurou a mão de sua mãe,
sua mente girando inutilmente de um pensamento para outro.
A rainha Adelaide mal tinha falado desde que chegaram ao
hospital. Sua mão estava agarrada à de sua filha, com tanta força
que as unhas cravaram na palma de Sam. Sam mal sentiu.
No canto estava ajoelhada a Rainha-Mãe, as contas brancas de
seu rosário estalando em suas mãos enquanto ela pronunciava sua
ladainha de orações. Ela não se mexia há horas. Se alguém podia
rezar para que o rei recuperasse a saúde, Sam sabia, sua avó
podia.
Beatrice sentou-se ligeiramente afastada de todos os outros,
empoleirada na beirada da cadeira, parecendo tão apavorada e
frágil quanto uma boneca de porcelana. A mão de Teddy descansou
timidamente em seu ombro, embora Beatrice parecesse alheia ao
contato.
Ele continuou olhando para Sam, e seus olhos se encontravam
em um raio silencioso de comunicação. Ela sabia que eles estavam
tentando o destino, olhando um para o outro do outro lado da sala,
mas todos os outros estavam muito envolvidos em sua própria
angústia para realmente notar. Sam desejou mais do que qualquer
coisa que Teddy pudesse se sentar ao lado dela – que ela pudesse
sentir o calor reconfortante dele enquanto todo o resto estava
desmoronando.
Mas tudo aconteceu tão rápido que ele e Beatrice não anunciaram
que estavam cancelando o noivado. O que significava que Teddy
teria que continuar fazendo o papel de noivo de Beatrice por mais
um tempo.
Sam puxou distraidamente as mangas de seu suéter de gola alta,
perguntando-se qual dos funcionários havia escolhido isso. Ela e
seus irmãos, há apenas alguns minutos, ainda estavam usando
seus vestidos de baile, quando Robert veio correndo com uma
sacola de "roupas confortáveis". Sam esperava por calças de ioga e
um moletom, mas as aparências sempre devem ser mantidas.
Ela fingiu não ver as outras roupas enfiadas no fundo da bolsa –
um vestido preto e salto alto, para o caso de precisarem sair do
hospital de luto.
— Eu preciso de um minuto — ela declarou, e gentilmente tirou a
mão do aperto de sua mãe. Ela tinha que ir para algum lugar,
qualquer lugar apenas para sair daquela sala de espera e seu
silêncio opressor.
Havia uma sala de descanso no corredor. Alguém trouxera uma
entrega de comida aqui: muffins, bananas, uma tigela grande de
frutas vermelhas. Como se a família real possivelmente quisesse um
bufê agora.
Sam não estava com fome, mas ela precisava fazer algo com as
mãos. Enquanto ela continuasse se movendo, ela poderia assustar
os pensamentos sombrios – que eram como sombras, se
multiplicando e se expandindo em sua mente. Ela se ocupou
fazendo chá, esquentando água quente na máquina e escolhendo
um saquinho de chá sem notar o sabor.
Quando ela ouviu passos, Sam se virou, meio que esperando que
Teddy a tivesse seguido. Mas era seu irmão gêmeo.
— É melhor você não deixar a vovó ver você com isso — brincou
Jeff, acenando para a caneca dela. Seu coração claramente não
estava para piadas, mas Sam apreciou o esforço do mesmo jeito.
— Eu sei, eu sei. Uma princesa bebendo chá, é o fim da
monarquia — embora a América não estivesse em guerra com a
Grã-Bretanha por duzentos anos, todos ainda agiam como se beber
chá fosse um ato profundamente antipatriótico. O palácio recusava-
se a servir chá em qualquer um de seus eventos, apenas café. Que
nem mesmo era cultivado na América
— Você está bem? — Jeff perguntou suavemente.
— Não exatamente.
Com o som sufocado de seu soluço, ele avançou e jogou os
braços ao redor dela. Eles ficaram assim, se abraçando, pelo que
pareceu um longo tempo.
Sam não se importou com as palavras. Havia alguns sentimentos
que as palavras não conseguiam expressar; e de qualquer maneira,
este era Jeff, que a entendia em um nível elementar. Que uma vez
compartilhou o ritmo de seus batimentos cardíacos.
Finalmente eles se separaram. Piscando para conter as lágrimas,
Sam pegou um frasco em miniatura de mel e colocou um pouco em
seu chá. — Eu sei que isso é ridículo, dado tudo o mais que está
acontecendo, mas eu tenho que perguntar — porque ela estava
curiosa e porque precisava se distrair, mesmo que apenas por um
segundo — Por que Daphne está aqui em vez de Nina?
Jeff deu uma risada estranha, reconhecendo a banalidade de sua
pergunta. — Eu presumi que você soubesse. Nina terminou comigo
ontem à noite.
— Sério? — Sam afundou em uma das cadeiras de plástico. Jeff
puxou o acento próximo a ela e caiu para frente, os cotovelos sobre
a mesa.
— Ela me disse que não queria ser mais parte nisso — disse ele,
impotente — A mídia, o escrutínio. Foi demais para ela.
— Mas…
Mas vocês dois pareciam tão felizes na noite passada, Sam quis
protestar. E no dia anterior, no armário de roupas, Nina estava
radiante e corando com a menção de Jeff. O que poderia ter
acontecido para mudar a opinião de sua amiga?
Ela olhou novamente para o rosto de Jeff, e as perguntas
morreram em seus lábios. Seu irmão estava sofrendo o suficiente
sem ter que reviver todos os detalhes de sua separação.
— Jeff... sinto muito.
Ele assentiu taciturnamente. — Quando Daphne veio ao hospital
esta manhã, não pude mandá-la embora.
Agora Sam entendeu o texto de Nina. Quando ela leu pela
primeira vez, ela estava muito entorpecida com a dor para
questionar por que Nina não estava vindo. Era porque Nina não
queria enfrentar o ex-namorado no dia seguinte ao término do
namoro. Sam não a culpava, extamente.
— Lamento ter feito as coisas ficarem estranhas com sua melhor
amiga — acrescentou Jeff, como se estivesse lendo sua mente.
— Não vai ser estranho — Sam o assegurou, embora ela se
preocupasse que ele estivesse certo. Sua amizade com Nina
poderia não ser a mesma depois disso, porque sempre haveria o
fantasma de Jeff entre eles. Um espaço onde ele deveria estar.
Jeff pegou um muffin e o pousou novamente. — Isso tudo
aconteceu muito rápido — disse ele calmamente. — Tudo está
mudando e não sei como impedir. Eu só quero que tudo volte a ser
como era.
— Eu sei — Sam concordou.
Mas ainda... depois dos eventos dos últimos meses, as coisas
nunca voltariam ao normal. Jeff estava certo. Tudo mudou. Ou
talvez tenha sido ela quem mudou. Porque Sam não estava mais
contente em deixar os dias passarem de braços cruzados.
Por grande parte de sua vida, ela e Jeff estiveram alinhados em
quase tudo. Eles posavam para um retrato conjunto da imprensa
todos os anos no dia de seu aniversário, participavam dos mesmos
campos de futebol e eram criados pela mesma babá. Eles se
comunicavam em uma linguagem truncada de gêmeos – isto;
certeza que agora?; Hora certa. Mesmo à medida que cresciam,
frequentavam as mesmas festas, andavam com o mesmo grupo de
amigos. Eles não guardavam segredos um do outro.
Sempre pareceram os dois lados da mesma moeda: os dois
bobos da corte, os gêmeos divertidos e espumosos. O canhão
emocional que sua família enviava sempre que precisava distrair a
América.
Sam não tinha certeza de quando isso havia mudado. Talvez
fosse a doença de seu pai, ou as palavras de Teddy, que se
infiltraram em sua mente desde Telluride.
Tudo o que ela sabia era que Jeff não se parecia mais como seu
segundo eu. Que, pela primeira vez na vida, ela se sentiu mais
próxima de sua irmã mais velha do que de seu irmão gêmeo.
Talvez fosse assim que fosse finalmente crescer.
DAPHNE

Daphne nunca deveria ter duvidado de suas habilidades.


Quando ela chegou esta manhã com um buquê de lírios e pediu à
equipe do hospital para deixá-la entrar, Daphne não tinha certeza se
eles a deixariam passar para a ala real.
Ela se assustou quando Jefferson desceu o corredor e jogou os
braços ao redor dela com uma emoção surpreendente. — Obrigado
por ter vindo. Significa muito para mim — disse ele asperamente —
Você ficará?
— É claro.
Ele a levou para a sala de espera, onde se sentaram em um
silêncio pulsante e ansioso. Jefferson continuou alcançando a mão
de Daphne, como se procurasse a simples garantia do contato
humano.
Ela não tinha percebido que seria tão fácil. Que depois de meses
de trama e manobras cuidadosas, meses de cálculo, tudo que
precisou foi um único ato de tragédia para Daphne trabalhar seu
caminho de volta.
Mas então, eventos como este tinham uma maneira de mudar as
pessoas; ou melhor, de revelar seu verdadeiro eu. Afastava partes
deles, até que emergiram afiados e limpos como uma flecha bem
afiada.
Daphne, certamente, mudou para sempre pelo que ela fez a
Himari
Ela continuou roubando olhares para o príncipe, se perguntando o
que ele estava pensando. Isso significava que eles estavam juntos
novamente? No final da conversa de ontem à noite, eles
concordaram simplesmente em ser amigos novamente – mas
certamente amigos não ficam sentados aqui o dia todo, de mãos
dadas na sala de espera de um hospital?
Uma voz baixa e estridente na cabeça de Daphne a lembrou de
que ela havia acordado esta manhã com Ethan. Ela foi direto de
Jefferson para seu melhor amigo – de novo –, o fato de que ela
dormiu com Ethan enviou sua mente a um túnel escuro de
memórias, de todas as coisas terríveis que aconteceram depois da
primeira vez que ela ficou com ele.
Ela não gostava de pensar nisso. Daphne tinha um código moral
facilmente adaptável, mas mesmo assim ela não conseguia aceitar
o que tinha feito. Sua melhor opção era compartimentar a memória:
enfiá-la em uma caixa escura e deixá-la sozinha. Na maioria das
vezes isso funcionava.
Mas depois do que Ethan disse – depois de esperar aqui a manhã
toda por boas notícias que nunca chegavam, assim como ela
esperou o dia em que Himari caiu – a caixa foi aberta, e agora todas
as memórias voltaram correndo.
Daphne sentiu uma necessidade avassaladora de falar com
alguém, de desabafar. Mesmo para alguém que não podia ouvir.
— Você se importa se eu sair por um segundo? — ela perguntou,
apertando a mão de Jefferson.
— Claro que não — ele a assegurou.
Daphne se levantou com um aceno de cabeça, alisando o cabelo
com cuidado sobre os ombros. Quando ela alcançou os elevadores,
em vez de descer, ela subiu, em direção à enfermaria de longa
permanência. Ela havia andado esses degraus para o quarto de
Himari tantas vezes que poderia ter navegado com os olhos
vendados.
— Ei. Sou eu — ela disse, como sempre, enquanto sentava na
cadeira ao lado da cama de Himari. Seu olhar viajou instintivamente
para os monitores médicos, onde a vida de Himari era reduzida a
uma série de números e linhas verdes irregulares.
— Estava pensando na época em que nos conhecemos. Você se
lembra quando éramos parceiras naquele projeto da nona série? —
Elas foram designadas para pesquisar uma era da história. Himari
imediatamente insistiu que eles se concentrassem nos anos 20.
Podemos usar boás para a nossa apresentação, ela apontou, em
uma espécie de tom óbvio, como se a simples menção de boás
negasse qualquer outro argumento.
Daphne riu. Você me convenceu em ‘boás’.
Naquela tarde, Daphne foi até a casa de Himari para experimentar
as fantasias no sótão de sua família. Enquanto eles estavam ali de
frente para o espelho – ambas rindo e se exibindo, seus olhos
brilhando acima do monte de penas – sua amizade havia sido
selada.
Daphne apoiou os cotovelos sobre os joelhos em uma posição
nada feminina e suspirou. — Eu gostaria que você pudesse
responder. Cada vez que venho, me pergunto o que você me diria
se pudesse responder. Eu me pergunto se você ao menos gosta da
minha vinda.
Daphne não sabia por que ela visitava Himari com tanta
frequência. Mantenha seus inimigos por perto, como diz o ditado –
exceto que Daphne ainda tinha problemas para pensar em Himari
como um inimigo. Mesmo depois de tudo.
— Talvez você me odeie — ela continuou — você tem todo o
direito.
Ela normalmente não falava tanto em suas visitas, não mais. Hoje
em dia, ela ficava sentada em silêncio, escovando o cabelo da
amiga, observando a batida de seu pulso nos monitores brilhantes.
Mas hoje Daphne sentiu um estranho impulso de expressar seus
segredos. Hoje ela praticamente podia vê-los – eles estavam aqui
na sala com ela, espreitando nos cantos, batendo grandes asas de
couro.
— Você provavelmente não se importa, mas estou prestes a
trazer Jefferson de volta. Ele estava saindo com uma nova garota,
Nina, mas ela terminou com ele. Bem, eu fiz ela terminar com ele —
Daphne pegou a mão de sua amiga, fechando a outra palma sobre
os dedos de Himari — Além disso, não que você aprovaria, mas eu
dormi com Ethan novamente.
Daphne não ousou reconhecer o que havia acontecido entre ela e
Ethan na festa de aniversário de Himari.
Ela acordou no meio da noite e escapuliu antes que alguém
pudesse vê-la, enquanto Ethan ainda estava roncando naquela
cama dobrável. Se ela nunca falasse em voz alta, disse a si mesma,
seria como se a coisa toda nunca tivesse acontecido.
Até a semana seguinte na casa de Himari, quando Himari a
confrontou sobre isso.
— Então — Himari disse, virando-se para Daphne em uma
desaprovação fria — Quando você vai contar ao príncipe sobre você
e Ethan?
— Com licença? — Daphne gaguejou.
Elas estavam no quarto de Himari, experimentando seus vestidos
para a festa de formatura do dia seguinte. Uma festa no palácio, em
que elas planejaram ir juntas, como melhores amigas.
Himari revirou os olhos com a negação. — Não se faça de boba,
Daphne. Eu vi você e Ethan na minha festa de aniversário, na minha
casa da piscina. Há quanto tempo isso está acontecendo?
Ela os tinha visto, mas não disse nada sobre isso até agora? Os
olhos de Daphne se voltaram com culpa para a janela de Himari,
para ver a cena do crime. Os holofotes faziam a casa da piscina
parecer mais brilhante do que nunca, como se Himari a tivesse
destacado apenas para esse propósito.
— Fiquei pensando que você mesma contaria a Jefferson —
Himari olhou fixamente para sua amiga —, embora eu ache que eu
também não diria nada, se eu estivesse namorando o príncipe, e
supostamente esperando o casamento, e estivesse dormindo com
seu melhor amigo. Movimento elegante, Daphne.
— Eu não tenho dormido com Ethan! Foi só uma vez, e foi um
erro! Quero apagar tudo e fingir que nunca aconteceu.
— Você não pode apagar algo assim — o rosto de Himari estava
rancoroso, seus olhos escuros brilhando com condenação.
— Meu relacionamento com Jefferson não é da sua conta, ok?
— É da minha conta porque eu vi! Você pode concordar em
mentir, mas eu não.
— Deixe-me explicar — Daphne tentou, mas Himari a
interrompeu.
— Explicar? Para mim? — ela deu uma risada vazia e impiedosa
— Aquele a quem você deve uma explicação é Jeff. Ele é aquele
cuja confiança você traiu. Mas vou lhe dar uma última chance. Diga
a Jeff no final da festa amanhã à noite, ou eu contarei.
Daphne engoliu em seco. Sua garganta parecia uma lixa seca. —
Você está me chantageando?
Himari deu um sorriso estreito. — Prefiro pensar nisso como um
forte incentivo para você fazer a coisa certa.
— Por que você quer me machucar?
— Da forma que vejo, você é quem está machucando Jefferson.
Você não acha que é hora de dar um passo para trás? Deixá-lo
namorar outra pessoa para variar?
Daphne olhou para a amiga em descrença entorpecida. Ela
deveria saber. Himari queria o príncipe para ela.
Claro, outras garotas sempre quiseram Jefferson. Daphne havia
lutado contra elas durante todo o relacionamento, nas festas e na
escola e até nas ruas. Jefferson literalmente não podia andar em um
desfile sem garotas gritando com ele, segurando cartazes que
diziam CASE COMIGO, JEFF! Daphne há muito se resignou a ver as
garotas se exibindo e flertando diante dele, se jogando para ele
como se ela não estivesse bem ali.
Mas ela nunca suspeitou que sua melhor amiga também estava
desejando ele.
Ela se perguntou se ela e Himari já haviam sido realmente
amigas, ou se Himari estava fingindo o tempo todo. Esperando o
momento em que Daphne pudesse escorregar e ela pudesse tomar
seu lugar.
— Se você acha que ele vai pular de mim para você, você está
errada.
Himari deu uma risada áspera. — Talvez ele vá; talvez ele não vá.
Acho que vamos descobrir.
Havia uma dureza em Himari que Daphne nunca tinha visto antes.
Isso criou uma dureza em resposta dentro dela. Ela sentia como se
não conhecesse mais sua amiga.
Ela disse a Ethan para encontrá-la fora da escola no dia seguinte,
no beco entre seus dois campi. Ele era pelo menos metade
responsável pelos eventos daquela noite – e ele não podia permitir
que a verdade fosse revelada também. Não se ele quisesse manter
seu melhor amigo.
Quando ela contou a ele sobre o ultimato de Himari, Ethan franziu
a testa. — Talvez devêssemos contar a Jeff nós mesmos. Antecipe-
a. Se vier de nós, podemos melhorar a situação.
Daphne lutou para manter a voz baixa. O beco estava
misericordiosamente vazio agora, mas você nunca sabia quem
poderia virar a esquina. — Você não pode estar falando sério. Não
há maneira certa de melhorar isso, Ethan! Jefferson não pode
descobrir. Foi apenas um erro isolado, algo que nunca deveríamos
ter feito e de que ambos nos arrependemos.
— Foi isso? — ele pressionou, com um olhar curioso e meio
vigilante.
— É claro.
O mais estranho era que Daphne não se sentia realmente
culpada. Ela sabia que deveria, os dois deveriam: isso era uma
dupla traição terrível, a namorada e o melhor amigo. No entanto, a
única culpa que Daphne conseguiu reunir foi um vago sentimento de
culpa por não sentir culpa alguma.
Ela percebeu de repente que não se arrependia de verdade do
que tinha feito.
Tudo o que ela lamentou foi ter sido pega.
— Não vejo como podemos impedir Himari de contar a ele, se o
coração dela está decidido — disse Ethan lentamente.
Daphne revirou os olhos em frustração. Por que ele não parecia
mais determinado a consertar isso?
— Talvez possamos enfraquecê-la — ela ponderou, pensando em
voz alta. Seus sapatos rangeram nas pedras sob os pés enquanto
ela andava para frente e para trás.
Daphne sentiu sua mente girando e clicando como as
engrenagens de um relógio, correndo para mil possibilidades a cada
segundo. O que eles precisavam era de uma forma de marginalizar
Himari – fazê-la parecer ridícula, até farsesca, de modo que se ela
contasse a Jefferson o que sabia, ele não acreditaria em uma
palavra do que ela disse.
— Se ao menos ela ficasse bêbada na festa. Então, suas
acusações irão soar como divagações incoerentes.
— Mesmo se ela ficar bêbada, ela não vai esquecer o que sabe
— Ethan a lembrou — Como isso a impede de procurar Jeff em
outra hora e contar tudo a ele?
Ele estava certo. Eles precisavam de uma vantagem.
— Se nós a deixarmos bêbada o suficiente, então ela pode fazer
algo ridículo. Algo que poderíamos tirar fotos, para usar contra ela –
ameaçá-la de que se ela contasse a Jefferson sobre nós,
mostraremos as fotos para seus pais.
Ethan acenou com a cabeça. — Eles são tão rígidos com ela que
pode funcionar — ele concordou — Combater a chantagem com
chantagem. Exceto...
— Exceto que é Himari, e nós dois sabemos que ela não vai ficar
bêbada e fazer algo incriminador — Daphne terminou por ele. —
Não importa quantas vezes as pessoas a incentivassem a se soltar,
Himari nunca bebia mais do que uma única taça de vinho. Ela tinha
muito medo das punições de seus pais. A única vez que eles
pegaram ela e Daphne tomando refrigerantes de vinho do lado de
fora, eles ameaçaram mandar Himari para uma escola militar se ela
fizesse isso novamente.
O pânico varreu Daphne, um pânico áspero e frio que varreu
todos os pensamentos de sua cabeça.
Foi só então, quando sua mente estava brutalmente vazia, que
ela concebeu seu plano. Nem parecia que ela tinha inventado, mas
sim como se outra pessoa tivesse escrito para ela, em letras
maiúsculas, e agora ela finalmente era capaz de ver.
— O que foi? — Ethan perguntou, lendo sua expressão
— Nós poderíamos fazer ela parecer bêbada.
— O que você está sugerindo, que nós deveríamos droga-la? —
Ethan disse isso de brincadeira, mas quando Daphne não riu, seus
olhos se arregalaram de ansiedade.
— Ouça-me — disse Daphne rapidamente — Nós poderíamos
colocar um pouquinho na bebida de Himari… não muito, apenas
uma dosagem mínima. Se ela disser alguma coisa, parecerá
divagações incoerentes bêbadas. Ou ela pode simplesmente
desmaiar no sofá antes de ter a chance. Todo mundo vai pensar que
ela bebeu demais, rápido demais. E ela obviamente não estará em
condições de nos delatar. Tiramos algumas fotos dela, apenas por
segurança, para mantê-la sob controle no futuro.
— Daphne. Por favor, me diga que você está brincando.
Então Ethan não iria ajudá-la. Tudo bem então. Daphne faria isso
sozinha. Da mesma forma que ela fez todo o resto.
— Deixa para lá. Você está certo — ela concordou, rápido demais
para ser totalmente convincente — vou encontrar outra maneira.
Mas é claro, sempre houve apenas um caminho para Daphne.
Para a frente e para cima, como sempre.
Naquela noite no palácio, ela colocou alguns comprimidos para
dormir na bebida de Himari
Foi fácil, realmente; ninguém sabia que Himari e Daphne estavam
brigadas. Tudo o que Daphne precisava fazer era pedir a outra
garota que por favor entregasse essa taça de vinho para sua amiga.
Himari ficou instantaneamente, visivelmente mais bêbada, suas
palavras mais altas e mais contundentes, e então, alguns minutos
depois, ela se retirou para uma sala de estar. Daphne estava perto
da porta com Jefferson, observando enquanto Himari inclinava a
cabeça para trás nas almofadas caras do sofá, com os olhos
fechados.
TA festa diminuiu e fluiu em torno de Himari por várias horas.
Daphne viu o oficial de proteção de Jefferson franzindo a testa para
a forma adormecida de Himari, mas ele nunca fez nenhum
movimento para fazer nada, o que Daphne achou reconfortante. Ele
foi treinado clinicamente – se Himari estivesse em perigo, ele não
diria algo?
Conforme a noite avançava e as pessoas ficavam mais bêbadas,
a garota desmaiada se tornou uma espécie de meme. As pessoas
posaram para selfies com ela, fazendo um sinal de positivo na frente
de Himari, cuja boca estava aberta, um jato de baba caindo no sofá.
Daphne não ficou surpresa. Himari sempre foi esnobe e
inescrutável, e a humilhação dos orgulhosos era uma das fontes de
entretenimento favoritas da humanidade.
Ela sabia pelos olhares zangados de Ethan que ele havia
descoberto o que ela havia feito. Mas ela fez o possível para mantê-
lo à distância. Ela tinha o suficiente para se preocupar agora, sem
as acusações hipócritas dele.
Finalmente, no final da noite, ele a encontrou sozinha.
— Eu não posso acreditar que você fez isso — Ethan sussurrou,
sacudindo a cabeça em direção a Himari.
Daphne deu de ombros. Ela sabia que esse era um plano
absurdo, mas que outra escolha ela tinha? Sua reputação, seu
relacionamento, estavam em jogo.
— Ela vai ficar bem. Seu orgulho ficará um pouco machucado,
mas ela sobreviverá a isso. Eu realmente estou observando ela —
Daphne adicionou, em uma voz queixosa. Não importa o que Himari
tenha dito, não importa se ela jogou fora seus anos de amizade
como uma pilha de lixo, Daphne nunca a machucaria de verdade.
Ethan lançou a Daphne um olhar curioso e inescrutável.
— O que você vai fazer, me dedurar? — ela exigiu, seu queixo
levantado em desafio.
— Você sabe que não — ele fez uma pausa — Você é
assustadora, no entanto — a maneira como ele disse isso soou
estranhamente como um elogio.
— Assustadoramente brilhante — Daphne emendou.
Uma risada retumbou no peito de Ethan. Por um instante, Daphne
se perguntou como seria sentir aquela risada – realmente sentir, seu
corpo contra o de Ethan, pele com pele. — Lembre-me de nunca
irritar você — disse ele.
— Acho que você sabe bem para sequer tentar.
Eles haviam vagado sem palavras para a outra sala, em direção à
mesa de bebidas, apenas para protelar no meio do caminho.
Daphne se forçou a ignorar a sensação de oscilação que o olhar de
Ethan acendeu em seu peito.
Nenhum deles viu Himari se levantar sonolenta do sofá e se dirigir
para as escadas dos fundos, aquelas do corredor do andar de baixo.
Mesmo em seu estado drogado, ela estava determinada a ir até o
quarto de Jefferson, para contar a ele a verdade sobre Daphne. E
provavelmente por outros motivos.
Não foi até que ela ouviu o som sobrenatural dos gritos de Himari
que Daphne percebeu que a outra garota tinha subido na metade da
escada – e caído de volta.

Daphne mudou de posição na cadeira do hospital, ainda segurando


a mão da amiga. Ela desejou mais do que tudo que as coisas
tivessem acontecido de forma diferente. Que ela tivesse ouvido
quando Ethan tentou dissuadi-la desse plano ridículo, que ela
forçasse Himari a negociar – inferno, que ela tivesse feito o que
Ethan queria em primeiro lugar, e dito a Jefferson a verdade ela
mesma.
Perder a virgindade com Ethan já era ruim o suficiente, mas
drogar Himari era muito, muito pior. Não importava que Daphne só
quisesse que ela desmaiasse e dormisse. Foi culpa dela que Himari
tivesse caído e batido com a cabeça – culpa dela que sua amiga
estivesse em coma pelos últimos oito meses.
Ninguém jamais poderia descobrir a verdade daquela noite.
Principalmente Jefferson.
— Sinto muito — Daphne sussurrou novamente, e soltou um
suspiro.
O que foi feito foi feito, e agora que aconteceu, Daphne se sentia
mais permanentemente fixada em seu caminho do que nunca. Ela
havia perdido muito, machucou sua amiga, negociou os últimos
pedaços esfarrapados de sua consciência, para desistir agora. Ela
precisava ver isso. Muitos sacrifícios foram feitos ao longo do
caminho para que ela fosse a qualquer lugar, menos para a frente
de forma implacável.
Daphne ergueu os olhos bruscamente. Houve uma leve pressão
em sua mão.
Um arrepio percorreu sua espinha. Seus olhos cortaram
nitidamente para o rosto de Himari, mas estava tão vazio e tenso
como sempre. Ainda assim, seus dedos se apertaram em torno dos
de Daphne em um aperto quase imperceptível. Quase como se ela
quisesse assegurar a sua amiga que ela ainda estava lá.
Ou para faze-la saber que ela estava ouvindo cada palavra que
Daphne dizia.
BEATRICE

É tudo minha culpa. É tudo minha culpa.


As palavras ecoaram continuamente na cabeça de Beatrice, um
mantra terrível e hediondo, e não havia nada que ela pudesse fazer
para dissipá-las, porque ela sabia que eram verdadeiras.
Ela havia dito a seu pai que não queria ser rainha, que queria
renunciar a seus direitos e títulos para poder se casar com seu
Guarda, e o choque disso causou-lhe um ataque cardíaco.
Literalmente.
Pai nosso, que estás nos céus... Todas as orações que Beatrice
memorizou quando criança voltaram correndo, as palavras
enchendo-lhe a garganta. Ela continuou recitando-os, porque isso
deu a ela algo para ocupar seu cérebro, uma arma para empunhar
contra sua culpa avassaladora. O amor acredita em todas as coisas,
espera todas as coisas, tudo suporta. Amor nunca falha.
Mas de que tipo de amor aquele versículo estava falando? O tipo
de amor que ela sentia por Connor, ou por seu pai, ou o amor
protetor que sentia por sua irmã? E quanto ao amor que Beatrice
sentia por seu país?
Se o pai dela morresse…
Ela não suportou terminar aquela frase. Ela queria gritar, bater os
punhos contra as paredes e uivar de angústia, mas havia uma
lâmina de força dentro dela que se recusava a deixá-la quebrar.
Connor estava aqui, de uniforme. Ele ficou discretamente de um
lado da sala de espera, tentando chamar a atenção de Beatrice, o
que ela se recusou veementemente a fazer. Ela não teve coragem
de mandá-lo embora, mas também não se atreveu a falar com ele
sozinha.
— Vossa Alteza Real, Vossa Majestade — Um dos médicos parou
na porta, falando com Beatrice e sua mãe — Posso ter um momento
com vocês duas?
Beatrice sentiu seu batimento cardíaco pular e derrapar por todo o
lugar. Ela assentiu, sem confiar em si mesma para falar, e seguiu
sua mãe pelo corredor.
O médico fechou a porta atrás deles. — A condição do rei não é
muito promissora.
— O que você quer dizer? — a voz da rainha estava nivelada e
calma como sempre, embora suas mãos tremessem visivelmente.
— Como você sabe, o câncer do rei está se espalhando de seus
pulmões. O que ele sofreu na noite passada foi uma trombose
coronária, o que significa que um dos bloqueios causados por seu
câncer entrou em uma artéria, interrompendo o fluxo sanguíneo
para o coração. Isso causou o ataque cardíaco.
Trombose. Até a própria palavra parecia maligna, aquele S
sibilante que sugava a língua em sua pronúncia como uma cobra,
prestes a cravar suas presas em você.
A mãe de Beatrice encostou na parede para se equilibrar. Ela nem
sabia que seu marido tinha câncer até que chegaram ao hospital na
noite passada e o cirurgião-chefe do rei a informou. — Ele não
deveria ter se recuperado do ataque cardíaco até agora?
— Fez alguns estragos — disse o médico delicadamente — O
maior problema é que o câncer ainda está lá. E agora estamos
tendo problemas para estabilizar a respiração de Sua Majestade.
Lágrimas brilharam nos olhos da rainha. Os brincos da festa da
noite anterior ainda estavam torcidos nas orelhas: um par de
enormes diamantes canarios, tão grandes que quase pareciam
limões em miniatura. — Obrigada — ela conseguiu dizer, e voltou
para a sala de espera. Mas Beatrice não a seguiu.
Ela olhou para o médico, engolindo seu medo. Mesmo que ela já
suspeitasse da resposta, ela tinha que perguntar. — Será que a
trombose coronária pode ter sido causada por um choque?
O médico piscou, educadamente intrigado. — Um choque? O que
você quer dizer?
— Se algo aconteceu ontem à noite que realmente surpreendeu
meu pai, algo que ele não esperava — disse ela desajeitadamente
— Isso poderia ter causado o coágulo de sangue?
— Um choque não pode criar um coágulo por si mesmo. Ele só
pode acelerar o processo pelo qual o coágulo entra na corrente
sanguínea. O que quer que... tenha assustado seu pai ontem à noite
— disse ele com tato — pode ter contribuído para o momento. Mas
o rei já estava doente.
Beatrice assentiu. Ela tentou afastar o medo que rastejou pelas
rachaduras em sua armadura, para manter a máscara plácida de
Washington em seu rosto. Estava ficando mais difícil a cada minuto.
— Eu poderia... eu poderia ver meu pai?
Talvez fosse o que ela acabara de confessar, ou talvez ele
simplesmente sentisse pena dela, mas o médico deu um passo para
o lado. — Cinco minutos — ele a advertiu — Não podem haver mais
motivos de estresse para o sistema de Sua Majestade.
Está bem. Já disse a ele que estou apaixonado pela minha
Guarda e que quero renunciar à minha reivindicação ao trono. Não
há mais nada que eu possa dizer que irá chocá-lo mais do que eu já
fiz.
— Obrigada — ela murmurou, tão graciosamente quanto pôde.
O quarto do hospital estava cheio de silêncio, quebrado apenas
pelo bipe metódico de máquinas agrupadas. Beatrice os odiava. Ela
odiava todas aquelas linhas iluminadas e saliências, traçando o
pulso de seu pai enquanto ele lutava para se endireitar.
Quando ela o viu, o pânico tomou conta dela com dedos gelados.
Suas pernas de repente pareciam instáveis.
Seu pai estava com uma camisola de hospital, dobrado sob os
cobertores na cama estreita. Seu rosto tinha uma coloração cinza-
azulada. Algo no ângulo de seus braços e pernas parecia estranho,
como se fossem membros supérfluos que ele não sabia mais como
usar.
Ele vai ficar bem, Beatrice disse a si mesma, mas ela podia provar
suas próprias mentiras. Isso não parece bem.
— Pai, por favor — ela implorou. — Por favor, continue lutando.
Nós precisamos de você. Eu preciso de você.
Alguma emoção profunda em sua voz deve ter alcançado através
da névoa de sua dor, porque o rei se mexeu. Seus olhos se
forçaram a se abrir.
— Beatrice — ele murmurou.
— Pai! — ela deu um grito de alegria que era em parte uma risada
de gratidão e se virou para gritar por sua mãe. Depois de todas
essas horas, ele estava consciente novamente. Certamente isso era
um bom sinal. — Mamãe! Papai está acordado, você precisa…
— Espere um segundo. Há algumas coisas que quero te dizer.
A voz de seu pai estava baixa, mas havia uma gravidade urgente
nela que a silenciou. Ele estendeu uma das mãos, debilmente, para
pegar a de Beatrice. Ela apertou ambas as mãos ao redor das dele,
com tanta força que o anel de sinete da América pressionou
desconfortavelmente em sua palma, mas ela se recusou a soltar.
Ela não conseguia deixar de pensar na última vez que esteve ao
lado da cama de um hospital, quando seu avô usou seu último
suspiro para lembrá-la de que a Coroa sempre deve vir primeiro.
Não, ela pensou ferozmente. Seu pai não podia morrer. Parecia
tão impossível, tão cosmicamente injusto, que ele pudesse morrer
quando todos eles precisavam dele tão desesperadamente. Ele
tinha apenas cinquenta anos.
— Eu preciso que você saiba o quanto eu te amo — ele disse a
ela, antes que uma nova onda de tosse invadisse seu peito.
Beatrice reprimiu as lágrimas que ameaçavam transbordar. —
Pare com isso, pai. Você não pode falar assim. Eu não vou deixar
você.
Havia a mais leve sugestão de um sorriso em seus lábios — Claro
que não. Tenho toda a intenção de melhorar. Só... queria dizer
essas coisas, já que estão na minha cabeça.
Ela sabia que um pedido de desculpas poderia incomodá-lo. Isso
só iria lembrá-lo do que ela disse em seu escritório, o que causou
seu ataque cardíaco em primeiro lugar. Beatrice seguiu em frente de
qualquer maneira. — Pai, sobre a noite passada…
— Estou tão orgulhoso de você, Beatrice. Você é incrivelmente
inteligente e sábia além da sua idade — ele não parecia tê-la ouvido
— Confie no seu julgamento: é sensato. Se alguém tentar empurrá-
la para algo sobre o qual você tem um mau pressentimento, dê uma
olhada nisso. Não tenha medo de pedir ajuda, de seus conselheiros
ou de sua família. Há tanto glamour, tanta pompa e circunstância.
Não se esqueça... — sua voz começou a sumir, mas ele forçou as
últimas palavras a saírem como um sussurro — Não se esqueça de
que é a sua posição que está sendo honrada, e não você.
Beatrice o abraçou com mais força, como se pudesse mantê-lo
aqui por pura força de vontade. — Pai, sinto muito. Sobre Teddy…
— Não tenha medo de lutar contra sua oposição. Não será fácil
para você, uma jovem, assumir um trabalho que a maioria dos
homens pensa que pode fazer melhor. Aproveite um pouco dessa
sua energia, essa teimosia e se apegue às suas crenças — ele falou
com cuidado e devagar, cada palavra sublinhada por um chiado ou
uma pequena tosse, mas as palavras eram certas. Beatrice tinha a
sensação de que ele as tinha memorizado. Que ele esteve deitado
aqui em sua cama de hospital, compondo-as em pedaços e
fragmentos, nos momentos em que pairou perto da consciência.
— Pai… — ela disse, em uma voz fraca.
— Tem sido a maior honra da minha vida ajudar a prepará-la para
assumir este papel. Você vai ser uma rainha magnífica.
Beatrice mordeu o lábio para não chorar. — Eu amo você, pai.
— Eu também te amo, Beatrice — ele disse pesadamente —
sobre Connor... e Teddy…
Sua cabeça inclinou para trás contra os lençóis, seus olhos
tremulando fechados, como se o esforço para ficar acordado tivesse
sido demais.
Beatrice deixou escapar um único soluço angustiado. Ele não
precisava terminar essa frase para ela saber o que ele quis dizer.
Ele estava dizendo que ela precisava deixar Connor – casar-se com
Teddy e começar o resto de sua vida.
Ela sentiu o ranger e girar de algum eixo profundamente dentro de
si enquanto sua parte humana ficava em silêncio e a parte dela que
respondia à Coroa assumia o controle.
— Vossa Alteza Real — o médico abriu a porta com um rangido
— acho que é hora de você deixar o rei descansar.
— Eu não… — Beatrice não queria ir embora enquanto seu pai
estava assim, quando ele tinha acabado de gastar tanta energia
naquele discurso. De alguma forma, parecia que ela estava
tentando o destino.
— Está tudo bem, Beatrice. Vou sentar-me com ele um pouco —
A rainha apareceu na porta. Ela lavou o rosto e refez a maquiagem,
claramente tentando esconder a evidência de suas lágrimas — Por
que você não sai um pouco? Você poderia levar Sam e Jeff. Tenho
certeza de que a multidão adoraria ver você. Muitos deles viajaram
muito para estar aqui agora.
A última coisa que Beatrice queria fazer agora era uma
caminhada, mas ela não tinha força emocional para dizer não. —
Ok. Voltaremos em breve.
Ela deu um último aperto na mão de seu pai, em seguida, saiu
para avisar seus irmãos e Connor.
Sam e Jeff concordaram imediatamente com seu plano. — É uma
boa ideia — Sam disse suavemente, passando a mão por seu rabo
de cavalo.
— Teddy, você vem comigo, certo? — a voz de Beatrice quase
falhou, mas ela estendeu a mão para ele — Seria bom para o país,
nos ver juntos agora.
Houve um momento de silêncio tenso. Beatrice sentiu as
perguntas de Teddy em um olhar intenso, sentiu o ressentimento
irradiando de Samantha quando ambos perceberam a importância
de suas palavras.
Ela não poderia terminar seu noivado com Teddy, não agora. Não
depois que a ameaça de deixá-lo literalmente mandou seu pai para
o leito de morte.
Nenhum deles falou enquanto desciam o elevador e saíam para
cumprimentar a multidão que esperava.
Era uma tarde ensolarada, o céu acima de um azul bizantino que
parecia nitidamente diferente do que estava acontecendo no quarto
do hospital no andar de cima. A luz dourada desceu sobre eles,
fazendo Beatrice desejar poder proteger os olhos ou usar óculos
escuros. Ela se forçou a piscar até que sua visão se ajustasse.
O ar estava frio e cortante. Ela respirou fundo, como se
respirando duas vezes ela pudesse respirar em nome de seu pai.
Então ela se virou para a multidão expectante.
Beatrice não conseguia se lembrar da última vez que tinha
participado de uma caminhada tão abatida. Normalmente essas
caminhadas eram eventos festivos, porque normalmente faziam
parte de desfiles e festas: crianças aplaudindo e agitando bandeiras,
pedindo-lhe que posasse para selfies ou desse um autógrafo.
Hoje ela simplesmente apertou as mãos, aceitou alguns abraços.
Muitas pessoas lhe entregaram flores, com bilhetes ou cartões para
seu pai. Ela murmurou seus agradecimentos e passou todos para
Connor. Enquanto entregava as coisas a ele, ocasionalmente
deixava seus dedos roçarem os dele, em um toque silencioso e
egoísta. Mesmo depois de se afastar, ela sentiu o peso de seus
graves olhos cinza pousando sobre ela.
Ela não tinha ideia de como ela encontraria forças para desistir
dele. Não depois de tudo que eles já haviam passado.
Beatrice se obrigou a não pensar nisso. Ela se concentrou em
acenar com a cabeça e apertar as mãos, em fazer seus lábios
recitarem uma série de frases sem parar: Obrigada por estar aqui.
Agradecemos suas orações. Sua presença significa muito para meu
pai. Pela primeira vez, ela ficou aliviada por fazer isso – voltar ao
treinamento e se tornar a versão marionete de si mesma, deixar o
ritual assumir o controle.
Ela estava vagamente ciente de Teddy fazendo a mesma coisa a
alguns passos dela. Sam, por outro lado, recuou o mais longe
possível de Beatrice. Beatrice ainda podia sentir o olhar de sua irmã,
enfadonho como punhais em suas costas. Ela sabia que Sam
estava brava com ela por aparecer com Teddy em público, quando
ela disse que estava cancelando o noivado.
Algumas vezes Beatrice pegou uma garrafa de água e tomou um
gole, esperando que isso acalmasse seu estômago, que de repente
parecia tão vazio. Ou talvez ela estivesse vazia. Talvez ela fosse tão
fria quanto sua irmã sempre pensara, movida apenas pelo dever.
Ela se sentia tão vazia e sem coração quanto a garrafa de plástico
em sua mão, totalmente vazia de tudo.
Foi só quando o cirurgião de seu pai desceu correndo para os
degraus principais do Santo Estêvão que ela soube.
O médico tropeçou para frente como um fantasma vestido de
branco, a Rainha Adelaide atrás dele. Lord Robert Standish
congelou, com os braços cheios de dezenas de buquês. Ele deixou
que todos caíssem no chão em seu choque, rosas, tulipas e frésias
brancas macias cobrindo os degraus como um tapete de lágrimas.
Connor se virou para Beatrice, tristeza – e seu amor por ela –
gravados em suas feições, bem ali para todo o mundo ver.
— Eu sinto muito, Bee — ele sussurrou, chocado por esquecer o
protocolo — Me desculpe.
O mundo inteiro parecia estar girando e a gravidade estava
mudando, e Beatrice sentiu como se tivesse colidido com algo
incrivelmente duro. Talvez tudo isso tenha sido apenas um
pesadelo. Isso explicaria por que tudo parecia tingido com um leve
brilho de irrealidade – por que o mundo tinha ficado confuso e
tremeluzente nas bordas.
Ela cravou as unhas na palma da mão com tanta força que as
lágrimas brotaram de seus olhos, mas ela não acordou.
— Não — alguém continuou sussurrando — Não, não, não —
Beatrice demorou um pouco para perceber que era ela. Ela se
sentiu fragmentada pela angústia, como se tivesse alcançado algum
limite dentro de si que ela não sabia que existia, algum limite de
tristeza, fadiga e dor que ninguém deveria jamais se aventurar.
Connor foi o primeiro a recobrar o juízo e fazer uma reverência –
um arco militar profundo e cerimonial, faltando apenas um floreio
com uma espada para completá-lo. Teddy rapidamente o seguiu.
Jeff engoliu em seco e fez o mesmo.
O rosto de Beatrice estava ardendo. Ela se perguntou se eram
lágrimas, congelando em sua pele.
Por um único momento prolongado, ela se deixou ser uma jovem
que chorava.
Ela estava chorando por seu pai – seu rei, mas também por seu
pai. Ela sentia falta dele com uma ferocidade que a arranhou por
dentro.
Ela chorou por Teddy e Connor, por Samantha e por si mesma,
por este último momento de infância que estava prestes a deixar
para trás. Por todos os reis que vieram antes dela, que enfrentaram
o mesmo momento precipitado quando seu mundo inteiro parou.
Samantha cruzou um tornozelo atrás do outro e fez uma
reverência. Seu rosto estava coberto de lágrimas, seus olhos vazios
de choque.
A rainha Adelaide fez o mesmo. Ela fez uma reverência
lentamente, suas costas tão severas e inflexivelmente retas quanto
um atiçador. — Sua Majestade — ela sussurrou.
E então todos estavam se curvando. Fila por fila, todos reunidos
aqui – a multidão silenciosa que saiu em apoio a seu pai –
afundaram em reverências diante de Beatrice, causando uma onda
de reverências em dominó silenciosamente de volta à rua.
Houve um rangido acima. Todos levantaram os olhos
bruscamente quando a bandeira americana afundou a meio mastro,
seu tecido chicoteando e tremulando com o vento. O Estandarte
Real ficou onde estava. Era a única bandeira que nunca foi baixada,
nem mesmo depois da morte de um soberano – porque no momento
em que um monarca morria, outro era automaticamente investido. O
rei está morto; vida longa à rainha.
O Estandarte Real representava Beatrice agora.
Centenas de olhos pousaram nela, as lentes das câmeras prontas
e filmando.
Beatrice sabia o que se esperava dela neste momento – o que um
herdeiro ao trono deveria fazer em sua primeira aparição como rei
ou rainha. Ela e seu mestre de etiqueta haviam discutido isso uma
vez, muitos anos atrás, mas parecia tão distante e abstrato naquela
época. De repente, ela se sentiu grata por aquela conversa, por este
momento ter sido planejado para ela. Que ela tinha um script para
recorrer, já que sua mente estava totalmente entorpecida.
De frente para o povo, Beatrice fez uma profunda reverência da
corte, baixa e reverente. E ela ficou lá.
Sua cabeça estava abaixada, as lágrimas silenciosamente
descendo pelo seu rosto. Havia dignidade e elegância em cada
curva de seu corpo. Beatrice segurou o movimento perfeitamente,
como uma dançarina – honrando as pessoas que seu pai servia,
prometendo que ela também daria sua vida a serviço deles. Essa
reverência era um símbolo da aliança que ela estava fazendo, de
ser a próxima monarca.
Ela ficou assim até que ouviu o repicar dos sinos da igreja do
outro lado da rua, anunciando a morte do rei.
Os sinos começaram a ecoar por toda a cidade, tocando uma
nota profunda e sombria pela capital. Beatrice imaginou que todos
estavam congelados diante de suas TVs ou rádios, ou assistindo à
cobertura ao vivo em seus telefones – como se, por um único
momento, a agitação e o clamor de todo o mundo moderno tivessem
parado.
Quando ela finalmente se levantou, ela não era mais a Princesa
Beatrice.
Ela se tornou Sua Majestade Beatrice Regina, Rainha da
América, e que seja longo o seu reinado.
AGRADECIMENTOS

Quando comecei a trabalhar no conceito para American Royals em


2012, eu nem ousava ter esperança de que ele pudesse se tornar
um livro publicado. Tudo isso ainda parece um sonho que se tornou
realidade! Sou muito grata pelo apoio e orientação de todos que
tornaram este livro possível.
À minha editora, Caroline Abbey: obrigada por arriscar por mim.
Não sei o que faria sem sua sabedoria, seu feroz senso de humor e
sua disposição de passar horas discutindo todas as coisas da
realeza.
Eu não poderia pedir uma equipe editorial melhor do que a da
Random House. Michelle Nagler, Mallory Loehr, Noreen Herits,
Emily Bamford, Kelly McGauley, Jenna Lisanti, Kate Keating,
Elizabeth Ward, Adrienne Waintraub e Emily DuVal: obrigada por
tudo o que vocês fizeram para dar vida ao American Royals. O
entusiasmo e o talento coletivo de vocês nunca deixam de me
surpreender. Também devo um agradecimento especial a Alison
Impey, o gênio criativo por trás desta capa absolutamente marcante.
Joelle Hobeika: obrigada por seus apurados conhecimentos
editoriais, por sua compreensão e, acima de tudo, por acreditar
neste projeto durante todos estes anos. E obrigada a todos da Alloy
Entertainment: Josh Bank, Sara Shandler, Les Morgenstein, Gina
Girolamo, Romy Golan, Matt Bloomgarden, Josephine McKenna, e
Laura Barbiea.
Estou constantemente admirada com a minha equipe de vendas
no exterior, pessoas dos Direitos Autorais: Alexandra Devlin, Allison
Hellegers, Harim Yim, Claudia Galluzzi, e Charles Nettleton:
obrigado por estarem levando American Royals a tantos idiomas ao
redor do mundo.
Sou grata pelo apoio inabalável de meus amigos, que
conversaram comigo sobre pontos de enredo e linhas de tempo
alternadas com muito mais paciência do que eu mereço. Sarah
Mlynowski, agradeço toda a sua ajuda criativa. Margaret Walker,
você merece uma menção especial por ser minha acadêmica de
plantão e entusiasta da história americana.
Nada disso seria possível sem meus pais, que me ensinaram a
acreditar que eu posso realizar qualquer coisa a que me dedico. Eu
te amo mais do que tudo. Lizzy e John Ed, vocês sempre foram
meus maiores campeões e também meus melhores amigos. E
finalmente, Alex - como vocês bem sabem, às vezes até mesmo os
autores ficam sem palavras. Tudo o que posso dizer é obrigada por
estarem comigo em cada passo dessa jornada.
Sobre a Autora

Katharine McGee é a autora da série Thousandth Floor, o bestseller


do New York Times Ela estudou literatura inglesa e francesa em
Princeton e tem um MBA de Stanford. O trabalho dos sonhos de
Katharine sempre foi trabalhar como uma princesa da Disney, mas
quando soube que não tinha altura suficiente, ela acabou se
tornando escritora. Ela tem imaginado sobre a realeza americana
desde a universidade, quando escreveu uma tese sobre "A inveja à
realeza" - a ideia de que os americanos estão perdendo algo,
porque eles não têm uma família real própria. Após morar vários
anos em Nova York e depois na Califórnia, Katharine agora vive com
seu marido em sua cidade natal: Houston no Texas.
Esperamos que tenha gostado do livro. Por favor, deixe uma
avaliação positiva no perfil do autor em redes como Amazon,
Goodreads, Skoob etc. Tudo bem se a resenha/avaliação for escrita
em português, contanto que você não diga que leu em PT em
momento algum, evitando também prints do livro. Se tiver
condições, por favor, adquira a obra, é o mínimo que podemos
fazer!

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