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Revista Brasileira de Geografia Física 01 (2011) 161-173

Revista Brasileira de
Geografia Física
ISSN:1984-2295
Homepage: www.ufpe.br/rbgfe

A Formação de Dolinas em Áreas Urbanas: o Caso do Bairro de Cruz das


Armas em João Pessoa-PB
Max Furrier 1, Saulo Roberto de Oliveira Vital 2
1
Professor Adjunto do Departamento de Geociências da Universidade Federal da Paraíba. E-mail: mfurrier@usp.br
2
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Pernambuco. E-mail:
saulo.vital@ufpe.br

Artigo recebido em 16/11/2010 e aceito em 01/02/2011


RESUMO
Evidências de dolinas são bastante comuns na cidade de João Pessoa-PB, mas ainda pouco estudadas. As dolinas são
consideradas depressões fechadas, circulares, associadas a rebaixamento topográfico coadjuvado por fenômenos
cársticos de sub-superfície, caracterizando um carste inumado. Assim como as encostas e os vales entalhados, as dolinas
também são alvo da intensa ocupação nas cidades por parte da camada social menos favorecida, tendo em vista, serem
áreas bastante deprimidas e susceptíveis a enchentes. A partir de então, esta pesquisa tem como objetivo, identificar os
principais fatores de predisposição do terreno para criação de relevo do tipo carste, exclusivamente as dolinas e os
riscos associados. Para isso, foram levantados dados sobre o embasamento geológico a partir do mapa geológico do
Estado da Paraíba, e informações sobre a morfologia do terreno, coletadas a partir do radar SRTM (Shuttle Radar
Topography Mission), além das observações de campo. Como produto, obteve-se os Modelos Digitais do Terreno, por
meio dos quais se tornou possível realçar as evidências de subsidência do relevo local, corroborado pelas informações
sobre a geologia local, marcada por uma intensa interação dinâmica entre as Formações Barreiras e Gramame (Sub-
bacia Sedimentar Alhandra). Concluiu-se que os planos de falha existentes nos calcários da Formação Gramame
contribuem de forma conspícua para percolação da água nessa formação, perfazendo uma reação química capaz de
dissolver o calcário, rebaixando a Formação Barreiras que se encontra sobreposta, dando origem a depressões
circulares.

Palavras-Chave: Dolinas, Formação Gramame, Formação Barreiras, João Pessoa.

The Formation of Dolines in Urban Areas: The Case of Cruz das Armas in João
Pessoa-PB
ABSTRACT
Evidence of dolines are much common in João Pessoa, the capital of the state of Paraíba, but they are still poorly
studied. The dolines are considered to be closed and circled depressions, associated to a topographic smoothing assisted
by subsurface karstic phenomenons, characterizing an inhumed karst. As well as the slopes and the carved valleys, the
dolines are also intensively occupied in the city by people who are less favoured, what represents a serious problem
considering that these are depressed areas and susceptible to flooding. The research aims to verify the major factors of
the terrain susceptibility to the karst features formation, exclusively the dolines, and the associated risks. In view of this
objective, the geological basement data were gathered from the geological map of the State of Paraíba and the terrain
morphological information were collected from the SRTM radar (Shuttle Radar Topography Mission), besides the
observations of the fieldwork developed. As result, the Digital Terrain Models were achieved enabling to present the
evidences of the local subsidence features, corroborated by the information about the local geography marked by a
intense dynamic interaction between Barreiras and Gramame Formation (Alhandra Sedimentary Sub-Basin). The
analysis showed that the failed plans presented in the limestones of the Gramame Formation contribute evidently to the
percolation of water on this formation totalizing a chemical reaction able to dissolve the limestone, lowering the
superposed Barreiras Formation, what give rise to circular depressions.

Key-Words: Dolines, Gramame Formation, Barreiras Formation, João Pessoa.

* E-mail para correspondência: mfurrier@usp.br


(Furrier, M.).
Furrier, M.; Vital, S. R. O. 161
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1. Introdução bastante solúvel (Kohler, 2007).


De acordo com Oliveira (1997) o carste O constante contato entre a água e estas
é caracterizado como uma zona potencial de rochas produz diversas aberturas que podem
riscos geotécnicos, à medida que a ocupação se manifestar através de formas endocársticas
desordenada pode acelerar o processo de e exocársticas. Exemplos típicos de formas
colapso e subsidência do solo urbano. Este endocársticas são as cavernas. As formas
tipo de modelado se desenvolve sobre áreas exocársticas ocorrem por meio de um
constituídas por rochas calcárias e dolomíticas processo que envolve a concentração de água
que possuem como característica principal a e consequente dissolução do calcário,
fácil dissolução quando posta em contato com formando feições como dolinas e uvalas,
a água. sendo esta última uma espécie de coalescência
Um dos parâmetros mais importantes na das dolinas.
identificação de uma dolina é a sua própria Karmann (2009) considera que as
morfologia. Em geral, apresentam-se como dolinas são associadas a drenagens centrípetas
estruturas em semicírculo, bastante e representam feições de relevo bastante
deprimidas em relação ao nível de base local, típicas de drenagens cársticas, podendo se
podendo ser classificada como uma bacia manifestar como dolinas de colapso e dolinas
fechada. de dissolução, variando em diâmetro e
Outro fator importante para a profundidade.
identificação deste tipo de relevo diz respeito Outro fator muito importante que age
ao seu processo de formação, evidenciado determinando o grau de dissolução das rochas
pela susceptibilidade da rocha à dissolução em ambientes cársticos é o clima. Geralmente
química. Para formação deste tipo de em regiões tropicais ocorre dissolução
morfologia, incluindo também o caso das elevada, enquanto na zona temperada ocorre
dolinas, é preciso que haja três fatores de dissolução em grau menor, pois a temperatura
predisposição do terreno: rocha solúvel com da água influencia diretamente no gradiente
permeabilidade de fraturas, relevo com de dissolução.
gradientes hidráulicos moderados a altos e Outra típica manifestação de relevo
clima com disponibilidade de água, neste cárstico são os pseudocarstes. Kohler (2007)
caso, clima tropical úmido (Karmann, 2009). conceitua pseudocarste como sendo uma
A reação que contém a água como feição topográfica do tipo carste, não
agente degradante das rochas calcárias, ocorre elaborada por processos de desgaste químico
a partir da retenção do gás carbônico por meio e abatimento físico. Para Bigarella (1994), são
da água, reagindo em contato com o calcário e todas aquelas feições que apresentam formas
formando bicarbonato de cálcio, substância típicas de terrenos cársticos como: marmitas,

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uvalas etc., sem precisar necessariamente ser Este trabalho tem como objetivo
elaborada em rochas calcárias, ao contrário, levantar dados sobre a morfologia e
podem ocorrer em arenitos ou quartzitos. Isto morfometria da Lagoa Antônio Lins, e
nos leva a crer que a conceituação de carste verificar a hipótese de que essa lagoa tenha
está mais ligada à morfologia do que aos sua gênese relacionada a formação de uma
processos de origem do mesmo. Para Hart dolina de dissolução.
(2003) a definição de carste deve ser .
estabelecida somente em termos de 1.1 Localização da área de estudo
morfologia, independente, portanto, do O bairro de Cruz das Armas pertence ao
processo de formação. Esta definição não município de João Pessoa-PB que está
depende da litologia ou dos processos localizado na Mesorregião da Mata Paraibana.
formadores, mas se atém somente as formas Situa-se entre os limites dos bairros de
resultantes. Jaguaribe ao norte, Oitizeiro ao sul, ao leste
Nas áreas onde ocorrem pseudocarstes, com o Cristo Redentor e ao oeste com o
são encontradas evidências que caracterizam bairro da Ilha do Bispo, entre as coordenadas
este ambiente como sendo um ambiente de expostas abaixo (Figura 1).
natureza cárstica, a exemplo de diáclases,
marmitas e caldeirões. No caso das diaclases,
elas abrem caminho para um processo inicial
de transformação da paisagem, já que pelas
suas fraturas a ação do intemperismo químico
e biológico é facilitada. Neste sentido, a água
é um agente que possui importância
fundamental no processo de formação do
ambiente cárstico. Para Hart (2008), o carste é
um tipo de paisagem, onde o intemperismo
químico, através da dissolução da rocha
encaixante, determina as formas de relevo.
A ação do intemperismo físico também
se constitui como de bastante importância Figura 1. Mapa de localização do bairro de
para a formação de ambientes cársticos, a Cruz das Armas. Organização: Thyago
partir do momento em que abre caminho para Silveira.
ação direta dos agentes químicos e biológicos,
acelerando o processo de dissolução da rocha O bairro de Cruz das Armas é um dos
exposta (Toledo et al., 2008). mais antigos da cidade de João Pessoa e sua

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origem remonta das primeiras décadas do extraídos do Mapa Geológico do Estado da


século XX, como importante vetor de Paraíba publicado pelo CPRM (Serviço
expansão da cidade, juntamente com a Geológico do Brasil) no levantamento sobre a
Avenida Epitácio Pessoa. A partir de então, o Geologia e os Recursos Minerais do Estado
bairro passou a ser uma importante zona de da Paraíba (2002), e os dados
interligação entre o centro, onde se originou a geomorfológicos obtidos de Furrier et al,
cidade, e as BR 230 e BR 101, tornando-se (2006) e Furrier (2007). Os dados altimétricos
umas das principais portas de entrada da foram obtidos através das imagens do Radar
cidade de João Pessoa (Leandro, 2006). Interferométrico SRTM (Shuttle Radar
A ocupação mais acentuada veio a Topography Mission) contidas na folha
ocorrer de fato a partir dos anos de 1960, 07_36_ZN, disponível no Banco de Dados
coincidindo com o apogeu da expansão Geomorfométricos do Brasil
urbana, que se deu de forma bastante (TOPODATA/INPE).
acelerada na maioria das capitais brasileiras. Para obtenção das coordenadas de
Neste período, populações oriundas de localização e mapeamento da morfologia
cidades vizinhas, sobretudo do interior cárstica, foi utilizado um GPS modelo MAP
paraibano, passaram a ocupar diversos setores 76S. As informações obtidas foram
da cidade de João Pessoa, inclusive o bairro processadas em ambiente SIG.
de Cruz das Armas. Neste entremeio, foram
ocupadas áreas impróprias como as várzeas e 3. Resultados e Discussão
terraços fluviais do rio Jaguaribe e as Através das informações do SRTM foi
depressões cársticas (dolinas), a exemplo da possível construir um Modelo Digital do
área de estudo deste trabalho. Terreno (MDT), hierarquizando 16 classes de
altitude (Figura 2). Este modelo do terreno
2. Material e Métodos auxiliou na identificação e compartimentação
Através de avaliação em campo, foi geomorfológica do bairro, onde, através da
possível a primeira observação direta da qual se tornou possível, também, a construção
morfologia cárstica na área de estudo, através de um perfil topográfico da depressão em
da qual se tornou evidente o acentuado questão, que possibilitou avaliar e quantificar
desnível do centro do terreno em relação às os desníveis acentuados do terreno. As
adjacências. Para corroborar esta hipótese informações sobre o embasamento geológico
foram levadas em consideração informações e sobre a geomorfologia da área serviram para
sobre a geologia, geomorfologia e altimetria corroborar a hipótese da morfologia
do terreno. Os dados geológicos foram observada ser uma dolina.

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Figura 2. Modelo Digital do Terreno do bairro de Cruz das Armas e traçado do perfil topográfico
da depressão onde está inserida a lagoa Antônio Lins, João Pessoa-PB. Fonte de Dados: Banco de
Dados Geomorfométricos do Brasil (TOPODATA/INPE) <http://www.dsr.inpe.br/topodata/>.
Organização: Saulo Vital.

Após o trabalho de campo e o as cotas altimétricas tenderiam a se apresentar


processamento em ambiente SIG dos dados semelhantes, pois a morfologia predominante
levantados a partir do SRTM, foi possível na área é a de baixos tabuleiros com topos
identificar e quantificar a existência de um planos, deixando claros indícios de uma
forte desnível existente no setor centro-sul do considerável subsidência.
bairro de Cruz das Armas, numa área O bairro se encontra totalmente
popularmente denominada como lagoa assentado sobre um considerável tabuleiro,
Antônio Lins. Este forte desnível do terreno fortemente dissecado em suas bordas leste e
se encontra num ponto onde, provavelmente, oeste, onde são encontradas diversas zonas de

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ressurgência formando “bicas” e “fontes”. No das informações contidas na imagem SRTM,


bairro de Oitizeiro, que também se encontra tornou-se possível estimar o valor aproximado
assentado sobre um tabuleiro, e é vizinho ao de altura e largura de toda depressão, onde
bairro de Cruz das Armas, encontra-se a lagoa está contida a lagoa Antônio Lins, chegando
do Buracão, que foi caracterizada por Santos aos valores de aproximadamente 14 metros de
(2005) como uma bacia fechada, mostrando profundidade e 350 metros de diâmetro
características similares à lagoa Antônio Lins. (Figura 3).
Através da análise em SIG, valendo-se

Figura 3. Perfil topográfico da depressão onde está inserida a lagoa Antônio Lins. Organização:
Saulo Vital.

De acordo com White (1988), para 0,04, caracterizando um perfil suave.


medir a forma em perfil de dolinas (suave ou De acordo com Sallun Filho e Karmann
íngreme), utiliza-se a razão P/D (2007), a definição da forma em perfil de
(profundidade/diâmetro), sendo consideradas dolinas são bons indicadores quanto a sua
dolinas, poljes, corredores e canyons (quando gênese. Em geral, dolinas pouco íngremes
menor ou a igual a 1), indicando um perfil devem sua origem aos processos de
mais largo que fundo, portanto suave. Por dissolução, enquanto as dolinas bastante
outro lado, pode-se considerar outros tipos de íngremes foram originadas a partir do
formas a exemplo de chaminés, poços, fenômeno de abatimento e colapso.
abismos e fendas (quando maior que 1), sendo A determinação deste índice
então um perfil íngreme. morfométrico, indica que a dolina Antônio
Ao aplicar este índice, utilizando-se dos Lins apresenta amplas feições de uma dolina
dados gerados pelo perfil no software ArcGis de dissolução. Vale ressaltar que, devido ao
9.2 disponível no Departamento de Ciências processo de assoreamento que esta área vem
Geográficas da UFPE (Universidade Federal sofrendo, toda a depressão encontra-se
de Pernambuco), tem-se que: P/D = 14/350 = densamente ocupada, restando apenas uma

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pequena parcela da lagoa. Desta forma, o nível do mar no Cretáceo Superior, há


perfil representa toda a área rebaixada e não aproximadamente 65 M.a.
apenas a lagoa. A Formação Maria Farinha representa a
continuação da sequência calcária da
3.1 Caracterização geológica e Formação Gramame, sendo diferenciada
geomorfológica apenas pelo seu conteúdo fossilífero, que é
O bairro de Cruz das Armas se encontra considerada de idade paleocênica-eocênica
totalmente inserido sobre os tabuleiros inferior (Mabesoone, 1994). Apresenta
dissecados da Formação Barreiras na Bacia espessura máxima de 35 m, provavelmente
Sedimentar Pernambuco-Paraíba que é erodida em parte pela exposição subaérea
subdividida em várias sub-bacias onde estão anterior à deposição dos sedimentos
inseridas as respectivas unidades continentais da Formação Barreiras (Leal e
litoestratigráficas Beberibe, Gramame e Maria Sá, 1998).
Farinha. É importante ressaltar que, o Os sedimentos da Formação Barreiras
entendimento da interação dinâmica entre provêm basicamente dos produtos resultantes
ambas as camadas é de substancial da ação do intemperismo sobre o
importância para a compreensão da gênese de embasamento cristalino, localizado mais para
dolinas, exclusivamente no tocante às o interior do continente. No estado da Paraíba,
Formações Gramame e Barreiras. este embasamento é composto pelas rochas
A unidade litoestratigráfica basal da cristalinas do Planalto da Borborema.
Bacia Sedimentar Pernambuco-Paraíba é Gopinath, Costa e Júnior (1993) em análises
denominada de Formação Beberibe. Essa sedimentológicas realizadas na Formação
unidade é representada por um espesso pacote Barreiras, no estado da Paraíba, constataram
de arenitos com granulação variável e com que as fontes dos sedimentos seriam granitos,
espessuras médias de 230 a 280 m, e máxima gnaisses e xistos, que são litologias
de 360 m (Leal e Sá, 1998). predominantemente do Planalto da
Superposta à Formação Beberibe, Borborema.
repousa, de forma concordante, a Formação De acordo com Brito Neves et al.,
Gramame. Essa unidade carbonática de (2009), em diversos pontos da seção
ambiente marinho raso possui espessura geológica W-E entre Alto da Boa Vista e
média inferior a 55 m, dos quais mais de dois Tambaú, existem porções onde a Formação
terços são representados por calcários Gramame não é encontrada, como é o caso da
argilosos cinzentos (Leal e Sá, 1998). Esta área que compreende o bairro Alto do Mateus
camada foi depositada a partir da subsidência em João Pessoa. No entanto, nas zonas onde
lenta do continente e consequente elevação do esta formação é encontrada, ela se apresenta

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bastante falhada, influenciando formações sotopostas.


conspicuamente a espessura e o relevo da A disposição dos calcários na área
Formação Barreiras. metropolitana de João Pessoa apresenta
Segundo Brito Neves (2004) apud estratificação sub-horizontal, não muito
Furrier et al., (2007), o relevo da borda pronunciada, grosseira, em bancos ou então
oriental do estado da Paraíba está sendo formando massas compactas, apresentando
explicado recentemente por estudos de fraturamentos e dissolução subterrânea
tectônica regional cenozoica, originadas por (Lummertz, 1977). Estes planos de falha
reativações de antigas falhas no embasamento contribuem para percolação da água
cristalino do Proterozoico. Furrier et al, desencadeando uma reação química capaz de
(2006) e Furrier (2007), constataram que o dissolver lentamente o calcário, dando origem
relevo esculpido sobre a Formação Barreiras a dolinas de dissolução (Figura 4).
está fortemente atrelado aos falhamentos das

Figura 4. Seção geológica W-E na porção Alto da Boa Vista para a praia de Tambaú, baseada em
dados de vários poços tubulares profundos. Notar o intenso falhamento na Formação Gramame.
Fonte: modificada de Brito Neves et al., 2009.

Lehmann (1932) apud Bigarella (1994) fraturas da rocha calcária, relacionando as


destaca a importância do papel da estruturas com as feições superficiais do
circulaçãoda água subterrânea nas juntas e relevo cárstico.

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Em diversas regiões da cidade de João decorrência de suas características


Pessoa foram descritas outras superfícies morfológicas, sendo consideradas, portanto,
rebaixadas, mas sem estudos pormenorizados áreas de risco à ocupação humana.
e quantitativos. De acordo com dados disponíveis em
Estas feições podem ser denominadas Melo et al., (2001) através de poços
como bacias fechadas, pelo fato de que, o perfurados pelo DNOCS-PB (Departamento
escoamento superficial que se acumula em Nacional de Obras Contra as Secas), na região
seu interior, não se comunica por meio de do 15º Batalhão de Infantaria em Cruz das
uma rede superficial com outros cursos Armas, o calcário da Formação Gramame se
d’água. No entanto, tipicamente, possuem a encontra recoberto por uma camada
competência de criar ressurgências nas sedimentar de 30 metros de espessura
adjacências, formando pequenos fluxos de composta pela Formação Barreiras,
água conectando-se aos rios e riachos mais evidenciando uma espessura mais delgada, já
próximos. que esta formação tem em média 50 metros de
As bacias fechadas são unidades espessura (Tabela 1).
bastante susceptíveis a enchentes, em

Tabela 1. Poços perfurados pelo DNOCS-PB (vários anos), destacando a profundidade da


Formação Barreiras e Gramame na região do 15º Batalhão de Infantaria. Notar que nessa localidade
a espessura da Formação Barreiras é inferior.
LITOLOGIA
LOCALIZAÇÃO PROF. TOTAL (m)
(ESPESSURA)
Parque de Exposição de Formação Barreiras (37m)
animais (Bairro Cristo 110 Formação Gramame (48m)
Redentor) Formação Beberibe (25m)
Formação Barreiras (30m)
15 Batalhão de Infantaria
81,5 Formação Gramame (45m)
(Bairro Cruz das Armas)
Formação Beberibe (?)
Formação Barreiras (40m)
CEASA (BR-230) 67 Formação Gramame (18m)
Formação Beberibe (5m)
Formação Barreiras (48m)
CAMPUS DO UNIPÊ 120 Formação Gramame (53m)
Formação Beberibe (19m)
Fonte: modificado de Melo et al., (2001)

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Figura 5. Distribuição das localidades perfuradas. Organização: Saulo Vital.

A Formação Gramame alcança 20 km rebaixamento topográfico coadjuvado por


de extensão no sentido leste-oeste da Bacia fenômenos cársticos de sub-superfície,
Sedimentar Pernambuco-Paraíba. Sua caracterizando uma dolina, é um fenômeno
abrangência contempla amplamente a área de que merece maior atenção e aprofundamento
estudo, sendo base para um dos maiores por parte dos estudos geomorfológicos,
pontos de extração de calcário da Paraíba, sobretudo em áreas urbanas densamente
localizado nas dependências da Empresa ocupadas.
CIMPOR (Grupo Cimento Português). As informações sobre a geologia e
tectônica do terreno serviram como base
4. Conclusão inicial para levantamento desta hipótese,
A formação de depressões fechadas, tendo em vista as características litológicas e
circulares, provavelmente associadas ao geotectônicas da Bacia Sedimentar

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Pernambuco-Paraíba, onde se encontra a lixo não coletado, ampliando as implicações


Formação Gramame, e sobreposta a ela, a de risco sobre a população residente na área e
Formação Barreiras, capeadora desta bacia. em seu entorno.
Posteriormente, as imagens orbitais
5. Agradecimentos
coletadas a partir do SRTM se tornaram um
Agradeço ao apoio técnico do
forte instrumento de apoio para identificação
Laboratório de Estudos Geológicos e
das características deste tipo de morfologia,
Ambientais da Universidade Federal da
possibilitando a aquisição de valores
Paraíba (LEGAM/UFPB).
numéricos de profundidade (P) e diâmetro (D)
empregados na obtenção do índice
6. Referências
morfométrico proposto por White (1988),
Bigarella, J. J.; Becker, R. D.; Santos, G. F.
próprio para a identificação de tipos de
(1994). Estrutura e Origem das Paisagens
dolinas. O valor originário deste cálculo que
Tropicais e Subtropicais: fundamentos
foi de 0,04 caracterizou a feição em estudo
geológicos-geográficos, alteração química e
como uma dolina de perfil suave, portanto,
física das rochas e relevo cárstico e dômico.
originada a partir de fenômenos de
Florianópolis, Editora da UFSC, 425p.
dissolução.
Estas informações apontam para um BRASIL. Ministério de Minas e Energia.
caminho que nutre a possibilidade de outros CPRM. Geologia e recursos minerais do
estudos ainda mais aprofundados, destacando Estado da Paraíba. (2002). Recife: CPRM.
a importância deste fato para o planejamento 142p. il. 2 mapas. Escala 1:500.000.
territorial e urbano da cidade de João Pessoa,
BRASIL. Ministério da Ciência e Tecnologia.
que tem grande parte de sua área assentada
INPE. Banco de Dados Geomorfométricos do
sobre a Formação Barreiras sobreposta aos
Brasil. (2008). São José dos Campos: INPE.
calcários intensamente falhados da Formação
Disponível em: http://www.dsr.inpe.br/topoda
Gramame.
ta/. Acesso em: 29 out. 2010.
É importante ressaltar que a expansão
urbana sobre essa área representa um risco à Brito Neves, B. B.; Albuquerque, J. P. T.;
população, devido às características Coutinho, J. M. V.; Bezerra. F. H. R. (2009).
geomorfológicas e geotécnicas associadas às Novos Dados Geológicos e Geofísicos para a
áreas de dolina. Os riscos mais frequentes são Caracterização Geométrica e Estratigráfica da
as enchentes, já que a morfologia da área se Sub-bacia de Alhandra (Sudeste da Paraíba).
apresenta como uma bacia fechada que Revista do Instituto de Geociências – USP,
converge todo o escoamento superficial para o Série Científica, São Paulo, v. 9, n. 2, p.63-
seu centro, além de carrear, também, todo o 87.

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