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Luciana Haddad Ferreira, Ana Luisa Bueno Sobral, Raquel Andrade Hofstatter.
Colégio Anglo Campinas Taquaral: Campinas - SP.
“Ainda acabo fazendo livros onde as nossas crianças possam morar”
(Monteiro Lobato, 1974).
O trabalho aqui descrito não envolve apenas o livro e seu leitor. Muito além
disso, trata-se da relação entre a Literatura e diferentes pessoas que, através das
histórias lidas, conectam-se e partilham experiências, relacionam-se e interagem,
formando uma teia que é desenhada dinamicamente. Mais do que falar sobre a
experiência de ler livros, buscaremos relatar, neste curto espaço de tempo, a
apropriação de conhecimentos que foi gerada através deste projeto. “Muitos homens
iniciaram uma nova era na sua vida a partir da leitura de um livro” (Thoreau, W.).
A importância da Literatura em nossa vida cotidiana é inquestionável, uma
vez que, por meio dela, podemos aprender, ensinar e sentir. É fundamental que a
mesma seja vista, além da leitura e da escrita, como uma experiência que possibilite
o desenvolvimento em âmbito interpretativo, ou seja, a compreensão daquilo que se
lê.
Vygotsky (1998) afirma que a leitura é um sistema particular de símbolos e
signos que, uma vez dominados pelo indivíduo, tem repercussão em todo o
desenvolvimento cultural da criança. Nessa mesma linha, Bourdieu (1996) acredita
que a língua falada e a escrita não são apenas um instrumento de comunicação ou
de conhecimento, mas um instrumento de poder. O indivíduo não busca apenas ser
compreendido, mas também acreditado, respeitado.
Assim, acredita-se que a criança apropria-se do mundo da linguagem pela
prática da escrita e da leitura, e para produzir seus próprios textos precisa ter
contato constante e prazeroso com a Literatura Infantil e reconhecê-la como forma
de manifestação cultural. No âmbito pedagógico, é papel do professor possibilitar
situações nas quais as crianças possam interagir com as obras apresentadas,
ampliando seus conhecimentos neste universo. Através desta experiência, a criança
pode perceber o texto literário como elemento constitutivo do seu patrimônio
histórico e cultural, como conquista pessoal e social, fonte de criatividade e
observação.
Desta forma, se o objetivo do professor é proporcionar uma relação prazerosa
com a leitura, é necessário que a escolha do autor seja muito cuidadosa. Optamos
pelas obras de Monteiro Lobato, uma vez que elas reúnem muitas qualidades e
representam material ideal para base do projeto literário idealizado neste caso.
Por apresentar-se como nacionalista convicto, Lobato permitiu-se explorar a
cultura do país como nenhum outro autor, criando aventuras com personagens
ligadas à cultura brasileira, recuperando costumes da roça e lendas do folclore. Todo
seu trabalho esteve dedicado à luta pela preservação dos valores culturais e das
riquezas do Brasil. Lobato dedicou mais da metade de seus livros para o público
infanto-juvenil, com intenção de ajudar na formação intelectual e moral dos jovens.
Seu estilo simples e direto, repleto de ironia, cativa os leitores, chama-os para
participar de suas discussões.
Além da experiência e do contato com um texto literário rico e criativo, um dos
principais objetivos do projeto de trabalho aqui apresentado era oferecer às crianças
meios e materiais com os quais elas pudessem, como leitoras, questionar, construir,
discutir, elaborar, pesquisar e também criar suas próprias histórias. Isso se mostra
importante uma vez que, através desse trabalho, as crianças puderam refletir e se
apropriar de diferentes conceitos e valores culturais presentes nas obras
trabalhadas.
O exercício da escrita também esteve presente durante todo o
desenvolvimento do projeto literário. Considerando a escrita como um ato íntimo e
singular, que articula os aspectos eminentemente pessoais como a representação, a
memória, a afetividade e o imaginário, acreditamos que não se pode fornecer a uma
criança essa aprendizagem, mas sim oferecer meios para que ela construa sua
bagagem pessoal e, a partir dela, desenvolva-se em diversos aspectos.
De fato, Monteiro Lobato nos deixou obras cheias de cores e de formas como
se fossem pinturas! Inspirados nessa paixão do autor, as crianças também pintaram,
criaram, conheceram melhor os recursos da fotografia e das artes plásticas. Assim,
os alunos puderam ampliar seu repertório expressivo, trabalhando com diversas
possibilidades de registrar a mesma idéia. Os contextos diversos garantiram a
possibilidade de tocar cada criança e de ajudá-la em seu desenvolvimento cognitivo,
uma vez que cada sujeito possui uma maneira singular de exprimir suas emoções e
de desenvolver seu pensamento.
Os trabalhos possibilitaram discussões que promoveram o diálogo entre as
diferentes formas de pensar e agir dos alunos que trocaram saberes e sentimentos,
sobre como cada história narrada foi capaz de tocar-lhes, pois cada leitura nos
remete, subjetivamente, a uma experiência, a leituras outras e vivências anteriores.
Segundo Vygotsky (1998), embora a atividade significativa seja individual,
dificilmente ela será solitária. Os alunos precisam interagir com os outros para
construírem seus conhecimentos, a aprendizagem ocorre através de um diálogo
entre os participantes.
Pensando na importância de partilhar experiências e de proporcionar
momentos coletivos, a escola promoveu um estudo do meio ao Sítio do Picapau
Amarelo e ao Reino das Águas Claras, em Taubaté/SP. No Sítio, as crianças
conheceram a casa onde morou o autor, local de inspiração para a criação das
obras de Lobato. Também viram as árvores que rodeavam a casa do Sítio,
conheceram o museu composto por móveis e objetos que pertenceram ao autor.
Os alunos se encontraram com artistas vestidos como as personagens das
histórias e assistiram a uma peça teatral adaptada do livro “O Saci”. Para chegar até
o Reino das Águas Claras, viajaram de trem e tiveram a possibilidade de conhecer
este antigo meio de transporte. Assim, momentos especiais de muita fantasia foram
vivenciados por todo o grupo, em que a experiência, iniciada com a leitura das obras
literárias, foi capaz de aguçar os sentidos: o toque, o andar, o cheiro, o ver e o ouvir.
Todos interagiram com o universo antes só conhecido através dos livros.
Após desenvolver muitas atividades e explorar amplamente os textos de
Monteiro Lobato, foi realizada uma semana de troca de experiências entre todas as
séries, com o objetivo de socializar o conhecimento produzido acerca de Monteiro
Lobato, bem como apresentar à comunidade o que os alunos haviam desenvolvido.
Durante essa semana, chamada pela equipe pedagógica de “Semana Literária”,
foram realizadas diversas oficinas, proporcionando mais situações de vivências
concretas e lúdicas.
Em uma das oficinas, por exemplo, alunos e professores, fizeram biscoitos de
sequilho e discutiram sobre o modo de viver das personagens do Sítio, que a partir
de deliciosas receitas faziam seus próprios alimentos. Depois, cada criança decorou
a sua lata para guardá-los. Em outra oficina, todos confeccionaram bonecos do
Visconde de Sabugosa, utilizando para isso sabugos de milho.
Ainda nessa semana, as turmas puderam assistir a antigos episódios do “Sítio
do Picapau Amarelo” e em seguida conversar sobre semelhanças e diferenças entre
a primeira temporada e a atual. Eles observaram diferenças nos atores, no cenário,
na linguagem e até mesmo nos recursos técnicos. Os alunos também receberam a
visita do professor de Literatura do Ensino Médio da escola, que lhes contou um
pouco sobre sua experiência com os livros de Lobato, suas descobertas, o
desenvolvimento do seu conhecimento e sua paixão pela leitura.
O Projeto de Literatura de Monteiro Lobato encerrou-se com uma exposição
aberta aos pais de todos os trabalhos desenvolvidos pelos alunos nesse período.
Após uma breve apresentação das músicas e coreografias compostas por cada ano,
cada grupo recebeu os visitantes em uma sala se aula, onde os trabalhos haviam
sido organizados.
De um modo geral, todas as experiências foram pensadas e elaboradas pela
equipe pedagógica da escola, considerando as necessidades manifestadas pelo
grupo de alunos atendido pela mesma. Unindo ingredientes como a sensibilidade e
criatividade às situações de leitura propostas, foi possível despertar o poder mágico
das palavras contidas nos livros, possibilitando às crianças o convívio com o
universo que os textos literários lhes desvendam.
Geraldi (2003), ao entender a língua como “portos de passagem”, como lugar
de movimento, critica o ensino que se restringe a exercícios tarefeiros, que não
ampliam e nem desenvolvam capacidades e habilidades nas crianças, em defesa da
leitura que tenha sentido, que proporcione aprendizagens múltiplas.
Sendo assim, a aprendizagem ocorreu a partir do momento em que as
crianças desenvolveram seus saberes ou suas competências, com a mediação dos
adultos e de seus pares. Isso se difere das atividades escolares que focalizam o
ensino da leitura e da escrita como transmissão de conhecimentos, pois nossa
proposta foi a de proporcionar aos alunos situações que lhes permitissem produzir
saberes a partir da leitura e da escrita. Assim o processo passa a ter significado para
os sujeitos envolvidos.
A equipe pedagógica acreditava que o trabalho com as obras do Monteiro
Lobato renderia bons frutos. Depois de todas as produções e reflexões das crianças,
é possível perceber que conseguimos atingi-los além de nossas expectativas, pois
os alunos foram tocados de formas diversas, possibilitando seu crescimento com
ralação à escrita e também em outras áreas do conhecimento, que interligadas,
construíram uma rede ampla de conceitos e conteúdos, um convite maravilhoso para
um conhecimento em movimento.
Referências Bibliográficas: