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Análise da aplicabilidade da

colaboração premiada na Justiça


Militar da União: a inovação legislativa
promovida pela Lei n. 13.491/2017

Lara Carneiro Sampaio


Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará.

Resumo: O presente artigo tem como objetivo principal analisar a


possibilidade de aplicação do instituto da colaboração premiada aos
militares das Forças Armadas, tendo em vista a inovação legislativa
conferida pela Lei n. 13.491/2017, que ampliou consideravelmente a
competência da Justiça Militar, em especial, a da União. Para tanto,
o estudo, realizado por meio de revisão bibliográfica e documental,
está dividido em três capítulos: no primeiro, são abordados os prin-
cipais pontos relacionados à colaboração, levando em consideração,
principalmente, o disposto na Lei das Organizações Criminosas (Lei
n. 12.850/2013); no segundo, realiza-se uma explanação minuciosa
daquela Justiça Especializada, destacando suas principais caracterís-
ticas e idiossincrasias. O último capítulo apresenta, de fato, o tema
deste estudo, uma vez que se discute a viabilidade de aplicar ou não
a delação premiada na seara castrense, considerando, unicamente, o
disposto na Lei n. 13.491/2017. Por fim, considera-se a delação pre-
miada um mecanismo de defesa a ser fornecido aos militares, pois
representa um meio de obtenção de prova primordial no combate
ao crime organizado, que, nos dias atuais, é considerado uma grave
ameaça ao próprio Estado Democrático de Direito.

Palavras-chave: Colaboração premiada. Justiça Militar.


Organização criminosa. Lei n. 13.491/2017.

Abstract: The purpose of the present study is to analyze the appli-


cability of the plea bargain in the Military Justice, especially that of
the Union, in view of the legislative innovation conferred by Law
13.491/2017, which considerably expanded its competence. For
this, the study, carried out through bibliographical and documen-

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tary review, is divided into three chapters: in the first one, the
main points related to collaboration are discussed, mainly taking
into account the provisions of the Law of Criminal Organizations
(Law 12.850/2013); in the second, a detailed explanation of that
Specialized Justice is made, highlighting its main characteristics
and idiosyncrasies. The last chapter presents, in fact, the theme of
this study, since it discusses the feasibility of applying or not the
prize award in the military field, in accordance only with Law
13.491/2017. Finally, the prize award is considered as a trial defense
service to be offered to the militaries, since it represents a pri-
mordial way of obtaining evidence in the combat against orga-
nized crime, which, nowadays, is considered a high threat to the
Democratic Rule of Law itself.

Keywords: Plea bargain. Military Justice. Criminal organization.


Law 13.491/2017.

Sumário: 1 Introdução. 2 A colaboração premiada na nova Lei


das Organizações Criminosas. 2.1 Das fases da delação premiada.
2.2 Da natureza jurídica do acordo celebrado. 2.3 Dos benefícios
e resultados decorrentes do acordo. 2.4 Dos direitos e garantias
do colaborador. 3 Justiça Militar brasileira. 3.1 Aspectos gerais
da Justiça Militar: conceito e espécies 3.2 Os crimes militares em
tempo de paz. 3.3 As modificações no Código Penal Militar decor-
rentes da Lei n. 13.491/2017. 3.3.1 Da natureza jurídica da nova
Lei. 3.3.2 Da nova categoria de crimes militares: os delitos militares
por extensão. 4 Análise da aplicabilidade da colaboração premiada
na Justiça Militar: da inovação legislativa promovida pela Lei n.
13.491/2017. 5 Considerações finais.

1 Introdução
A colaboração premiada, embora já tivesse sido tratada, de
maneira esparsa, na legislação penal brasileira, somente foi abordada
com maior especificidade e profundidade, adquirindo contornos
de natureza processual penal, com a edição da Lei n. 12.850/2013,
que representou um avanço no combate ao crime organizado bra-
sileiro, pois inovou ao tipificar penalmente a formação de organi-
zações criminosas, além de inserir, no ordenamento jurídico, várias
espécies de meios de obtenção de prova.

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Destaque-se que, em virtude da Operação Lava Jato – que trata
de investigações e ações penais envolvendo a empresa Petrobrás e
diversas empreiteiras em crimes de corrupção, lavagem de dinheiro
e afins –, esse instrumento recebeu grande notoriedade e passou
a ser alvo de diversas críticas, principalmente no que diz respeito
ao seu valor ético e moral. Constata-se, no senso comum, que a
delação premiada passou a ser sinônimo da Operação Lava Jato e
praticamente se resumiu a esse caso, o que, diga-se de passagem, é
um equívoco. Explica-se.
Conforme o dicionário Houaiss, a palavra caso, entre as suas
inúmeras significações, pode ser definida como fato ou conjunto
de fatos que, em torno de pessoa ou acontecimento, compõem
situação problemática e/ou de grande repercussão. Aufere-se, com
base nisso, que tal vocábulo representa um fragmento da vida,
prestando-se tão somente como meio de demonstração.
Nesse sentido, buscando ampliar o campo de estudo dessa téc-
nica de investigação tão importante para o deslinde da persecução
penal, bem como demonstrar que seus aspectos vão muito além dos
tratados no caso suso mencionado, o presente artigo será desenvol-
vido com o intuito primordial de analisar a possibilidade de aplicar,
ou não, esse meio de obtenção de prova à Justiça Militar da União,
ou melhor, aos militares das Forças Armadas.
Não obstante seus 210 anos de história, essa Justiça Especializada
é pouco conhecida e estudada, sendo considerada por muitos estu-
diosos da área jurídica como uma despesa desnecessária, no sentido
de despesa financeira à coisa pública. Para quem não conhece o seu
funcionamento, lançar números e comentários falaciosos à opinião
pública, em um País onde as desigualdades sociais e intelectuais
são extremamente acentuadas, favorece as críticas e manifestações
negativas – muitas vezes absurdas e não condizentes com a reali-
dade – a essa instituição.
Acredita-se que este trabalho poderá vir a contribuir para pro-
duções científicas mais aprofundadas e detalhadas sobre o tema,
despertando nos estudiosos, não só do Direito mas também de
outros cursos, o interesse pelo conhecimento acerca da colaboração

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premiada, bem como da Justiça Militar, revelando, desse modo, o
seu claro potencial modificador da realidade. Assim, a fim de atin-
gir o seu real objetivo, o artigo foi desenvolvido por meio de revi-
são bibliográfica, baseada tanto em livros doutrinários, trabalhos
acadêmicos e artigos publicados na Internet quanto em legislações
e jurisprudências brasileiras pertinentes ao tema ora estudado.
Ademais, o presente trabalho está dividido em três capítulos:
no primeiro, é dado enfoque aos principais elementos acerca da
colaboração premiada, tendo como referência os aspectos norma-
tivos da Lei n. 12.850/2013. No segundo, aborda-se, de maneira
pormenorizada, os aspectos relacionados à Justiça Militar, em espe-
cial a da União, destacando suas principais características e peculia-
ridades, bem como as mudanças ocasionadas pelo novel legislativo
n. 13.491/2017. Por fim, o terceiro capítulo trata do tema ora estu-
dado, pois é analisada a possibilidade de aplicar ou não a delação
premiada na seara castrense, considerando tão somente a ampliação
da competência da Justiça Militar por aquela lei.

2 A colaboração premiada
na nova Lei das Organizações Criminosas
A Lei n. 12.850, também conhecida como a nova Lei das
Organizações Criminosas (LOC), foi promulgada no dia 2 de agosto
de 2013 e, para além de conceituar organização criminosa1, dedicou-
-se também às disposições referentes a investigação e procedimento
criminais, infrações penais correlatas e meios de obtenção da prova,
destacando-se a colaboração premiada, prevista em seu art. 3º, que,
embora já estivesse expressa em outras legislações, somente com ela
foi elevada à categoria de negócio jurídico processual.
Ademais, apesar de esse novo mecanismo de defesa ser con-
siderado uma ferramenta eficaz no combate ao crime organizado,

1 Art. 1º, § 1º, LOC: “Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro)


ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas,
ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, van-
tagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas
máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional”.

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que, nos dias atuais, representa uma grave ameaça ao próprio Estado
Democrático de Direito, ele é bastante criticado, especialmente em
relação a seu suposto caráter antiético, sob o fundamento de que o
Estado, ao mesmo tempo em que penaliza a deslealdade e a traição2,
dissemina tais práticas na sociedade, que as reprova extremamente.
Conforme Carvalho (2009, p. 146), “muito além de um ins-
trumento de desintegração social, a delação, na perspectiva ética, é
um desvalor, que se choca com a concepção de Estado fundado na
dignidade da pessoa humana”. Assim, para os críticos desse instru-
mento de investigação, não há coerência na postura do Estado ao
premiar um indivíduo que age de forma contrária aos valores de
ordem social, como a lealdade, a solidariedade e o respeito.

2.1 Das fases da delação premiada

Não obstante o acordo possa ser firmado em qualquer fase da


persecução penal, desde a investigação criminal até a execução da
pena, o presente estudo analisará apenas, de forma detalhada, o
procedimento que ocorre durante a etapa pré-processual, tendo em
vista ser o mais utilizado.
Antes de tratar, minuciosamente, de cada etapa, frise-se que
é imprescindível, em qualquer uma delas, a presença do advogado
constituído ou do defensor público, pois ele será responsável por
fiscalizar a atuação do membro do Ministério Público (MP) ou da
autoridade policial, devendo assegurar o cumprimento e o respeito
dos direitos reservados ao indivíduo colaborador. Também, sempre
que for possível, devem os atos de colaboração ser registrados por
meios ou recursos de gravação.
Nesse diapasão, o primeiro momento do acordo de colabora-
ção premiada é marcado pelas tentativas de negociação realizadas
entre o Ministério Público ou o delegado de polícia e o integrante
da organização criminosa que deseja, além de confessar o seu envol-

2 Art. 61, CP/1940: “São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não
constituem ou qualificam o crime: [...]; II - ter o agente cometido o crime: [...]; c) à
traição, de emboscada, ou mediante dissimulação, ou outro recurso que dificultou
ou tornou impossível a defesa do ofendido”.
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vimento no fato criminoso, fornecer subsídios importantes para a
investigação. Note-se que o magistrado não participará dessa fase,
objetivando resguardar sua imparcialidade, e que o investigado/
acusado não deverá fornecer detalhadamente todas as informações
que tem sob o seu poder3. Essas declarações, uma vez que são for-
necidas sem qualquer respaldo no contraditório e na ampla defesa,
em hipótese alguma poderão ser utilizadas como meio probatório.
Além disso, a primeira parte do art. 4º, § 14, da LOC estabelece
que, nos depoimentos prestados pelo colaborador, haverá renúncia,
na presença de seu defensor, ao direito ao silêncio. Quanto a essa
previsão legislativa, é importante esclarecer que há uma atecnia em
seu texto, pois o indivíduo, ao colaborar com a autoridade com-
petente, não renuncia ao seu direito ao silêncio, mas sim abdica do
seu direito de exercê-lo. Tanto é verdade que, caso ele decida se
retratar da proposta (retirar as declarações apresentadas), as provas
autoincriminatórias não poderão ser utilizadas exclusivamente em
seu desfavor, mas apenas contra terceiros.
Superado esse momento inicial e ajustadas as cláusulas que
cada parte se comprometerá a cumprir, passa-se para a fase de for-
malização, em que será elaborado, por escrito, e assinado pelos
interessados, um termo, no qual deverá constar basicamente um
resumo de tudo o que fora discutido e firmado na primeira etapa,
nos limites pré-estabelecidos pelo art. 6º da LOC4.
Ato contínuo, o respectivo termo, acompanhado das declara-
ções do colaborador e de cópia da investigação, será remetido ao

3 Segundo Vasconcellos (2017, p. 178), deve-se propor, inicialmente, a formalização


de um pré-acordo entre o agente da acusação e o delator, de modo que aquele, se
comprometendo a não utilizá-los em prejuízo deste, pedirá amostras das informa-
ções incriminatórias que serão a posteriori fornecidas. Tal procedimento teria como
objetivo conferir maior segurança jurídica às partes.
4 Art. 6º, LOC:“O termo de acordo da colaboração premiada deverá ser feito por escrito
e conter: I - o relato da colaboração e seus possíveis resultados; II - as condições da pro-
posta do Ministério Público ou do delegado de polícia; III - a declaração de aceitação
do colaborador e de seu defensor; IV - as assinaturas do representante do Ministério
Público ou do delegado de polícia, do colaborador e de seu defensor;V - a especifica-
ção das medidas de proteção ao colaborador e à sua família, quando necessário”.

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magistrado, que ficará responsável por realizar um juízo de delibação
daquele, verificando se foram respeitados a legalidade do acordo e os
requisitos formais previstos em lei, sem exercer qualquer julgamento
quanto ao mérito da pretensão acusatória. Caso entenda necessá-
rio, poderá, sigilosamente, convocar o colaborador para que forneça
maiores informações de como se deu o procedimento de negociação.
Como destacado pelo ministro Dias Toffoli, relator do HC
127.483/PR5, “o juiz, ao homologar o acordo de colaboração, não
emite nenhum juízo de valor a respeito das declarações [...], tam-
pouco confere o signo da idoneidade a seus depoimentos posterio-
res”, sendo essa fase homologatória importante apenas para que o
acordo produza os efeitos jurídicos pretendidos pelas partes.
Outrossim, como previsto no art. 7º da LOC, o pedido de homo-
logação deverá ser distribuído de forma sigilosa e nele haverá apenas
informações genéricas, de modo a evitar a identificação do colabora-
dor e da matéria tratada no acordo. Demais disso, até o recebimento
da denúncia pelo juízo competente, serão os autos disponibilizados
somente para as partes que participaram da tratativa e para o juiz.
Caso a proposta esteja em consonância com os requisitos legais, o
juiz deverá homologá-la. Em caso contrário, terá duas opções: rejeitá-
-la ou enviá-la novamente para os interessados, para que façam as alte-
rações pertinentes. Assim, uma vez homologado, o órgão de acusação
oferecerá denúncia, e, tão logo seja recebida, inicia-se a fase processual.
Com a abertura formal do processo, começa-se, de fato, a
execução da colaboração premiada, pois é nessa etapa que o colabo-
rador prestará, de forma minudente, todas as informações, conforme
se comprometeu. Ainda nesse momento, segundo o art. 4º, § 9º, da
LOC, poderá o delegado de polícia, bem como o membro do MP,
ouvir as declarações prestadas pelo agente colaborador.

5 Brasil. Supremo Tribunal Federal (Tribunal Pleno). Habeas Corpus 127.483/PR.


Paciente: Erton Medeiros Fonseca. Impetrante: José Luiz Oliveira Lima e outro(a/s).
Coator: Relator da PET 5244 do Supremo Tribunal Federal. Relator: Min. Dias
Toffoli, 27 de agosto de 2015. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/
paginador.jsp?docTP=TP&docID=10199666.

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Por fim, mas não menos importante, chega-se à fase de senten-
ciamento, em que será exercido, pelo magistrado, o juízo de valo-
ração do acordo, ou seja, será analisado se realmente a cooperação
prestada pelo delator foi eficaz e se ele faz jus ao benefício previsto.

2.2 Da natureza jurídica do acordo celebrado

Inicialmente, a colaboração premiada era considerada um insti-


tuto de direito material, visto que se vinculava a determinados tipos
penais.A lei que trata da proteção às testemunhas e aos colaboradores,
por exemplo, conferiu à delação a natureza jurídica de causa extin-
tiva de punibilidade ao prever, em seu art. 13 da Lei n. 9.807/2013,
o perdão judicial para aquele que colaborasse de maneira efetiva e
voluntária com a investigação policial. Do mesmo modo, a legisla-
ção que dispõe sobre os crimes de lavagem de dinheiro, em seu art.
1º, § 5º, da Lei n. 9.613, previu, além daquela, a natureza jurídica de
causa de fixação de regime inicial aberto ou semiaberto.
Entretanto, com a edição da Lei n. 12.850/2013, o instituto
passou a ser considerado uma norma bifuncional de conteúdo misto
ou variado, pois adquiriu o status de negócio jurídico processual6, que
pode ser definido como a declaração de vontade unilateral ou bilateral,
cujo objetivo precípuo é a produção de efeitos na seara processual penal.
Para caracterizar a colaboração premiada, é necessário, antes de
tudo, expor a diferença entre meios de prova e meios de obtenção
de prova. Estes estão relacionados aos procedimentos previstos em
lei adotados pelos agentes investigativos com o objetivo de obter
elementos probatórios que auxiliarão em toda a persecução penal.
Aqueles, por sua vez, dizem respeito a uma atividade endoproces-
sual, que envolve tanto o órgão julgador quanto as partes interes-
sadas, cuja finalidade é introduzir elementos de prova ao processo.

6 No julgamento do HC 127.483/PR, pelo Supremo Tribunal Federal, foi exposto que


“[...] a colaboração premiada é um negócio jurídico processual, uma vez que, além de
ser qualificada expressamente pela lei como ‘meio de obtenção de prova’, seu objeto é
a cooperação do imputado para a investigação e para o processo criminal, atividade de
natureza processual, ainda que se agregue a esse negócio jurídico o efeito substancial
(de direito material) concernente à sanção premial a ser atribuída a essa colaboração”.

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Com base nisso, podem ser elencadas as seguintes distinções:
enquanto o meio de prova se presta a fornecer diretamente o ele-
mento probatório necessário ao processo, o meio de obtenção de
prova é o instrumento por meio do qual serão obtidos os elementos
de prova. Como exemplo daquele tem-se o depoimento de uma tes-
temunha, e deste tem-se a busca e apreensão. Ademais, ao passo que o
primeiro envolve apenas às partes do processo, o segundo conta com
a ajuda de terceiros alheios ao processo, como a autoridade policial.
Dessa forma, tanto a Lei n. 12.850/2013 quanto o Manual
da Enccla7 dispõem sobre a colaboração premiada como meio de
obtenção de prova, fundamentado na cooperação da pessoa supos-
tamente envolvida nos fatos investigados. Nesse mesmo sentido,
o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 127.483/
PR, confirmou que, de fato, a delação corresponde a um meio de
obtenção de prova destinado à obtenção de elementos probatórios.
Outrossim, é possível acreditar que o acordo de colabora-
ção e os depoimentos prestados pelo interessado são sinônimos,
possuindo a mesma natureza jurídica. Todavia, embora tênue, há
diferença entre eles: aquele, como já exposto à mancheia, é uma
técnica especial de investigação (meio de obtenção de prova), ao
passo que este é o próprio meio de prova. Pode-se dizer que os
depoimentos prestados pelo colaborador são apenas um dos diver-
sos atos praticados durante a negociação da colaboração premiada.
Reforçando essa distinção, o art. 4º, § 16º, da LOC dispõe que
nenhuma condenação poderá ser motivada única e exclusivamente
pelas informações prestadas pelo agente colaborador, devendo este
oferecer, além de suas declarações, elementos mais robustos de
informação e de prova que sejam capazes de confirmar o que por
ele fora dito. A isso, dá-se o nome de regra de corroboração.

7 O manual da rede de articulação Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e


à Lavagem de Dinheiro (Enccla) foi elaborado com o objetivo de orientar e unir
órgãos, entidades, instituições e associações no enfrentamento da criminalidade.
Disponível em: http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/sci/dados-da-atuacao/
eventos-2/eventos-internacionais/conteudo-banners-1/enccla/restrito/manual-
colaboracao-premiada-jan14.pdf/view.

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Sobre esse tema, restou asseverado pelo STF, ainda no HC
127.483/PR, que, enquanto o acordo de colaboração é meio de
obtenção de prova, os depoimentos propriamente ditos do cola-
borador constituem meio de prova, os quais somente se mostrarão
hábeis à formação do convencimento judicial se vierem a ser cor-
roborados por outros meios idôneos de prova.
Outro ponto importante a ser destacado é que o acordo de
delação não é um direito subjetivo do colaborador, podendo tanto
o delegado de polícia quanto o Órgão Ministerial se recusarem
a firmá-lo. Isso porque a autoridade responsável pela negociação
deverá, antes de propô-la, analisar as circunstâncias pessoais e objeti-
vas do caso concreto, levando em consideração, por exemplo, a per-
sonalidade do colaborador, a natureza, as circunstâncias, a gravidade,
a repercussão social do fato criminoso e a eficácia da colaboração.
Ressalte-se, por outro lado, que nada impede que o inte-
ressado se disponha a colaborar com a Justiça, independente de
qualquer negociação. A isso, dá-se o nome apenas de colabora-
ção, que não deve ser confundida com o acordo previsto na Lei n.
12.850/2013. Aquela, diferentemente desta, é um direito subjetivo
do réu, que terá direito aos benefícios da colaboração, ainda que
não haja homologação judicial ou acordo firmado com a autori-
dade competente, desde que preenchidos os requisitos legais.
Assim, em linhas gerais, a delação premiada corresponde a um
recurso processual apto a produzir elementos que serão utilizados
em juízo, tendo, com isso, a natureza jurídica de meio de obtenção
de prova. Destaca-se, todavia, que, por se tratar de um fenômeno
que envolve diversos atos processuais, é necessário, ao estudar a sua
natureza, definir qual elemento será objeto de análise8.

8 Conforme Vinícius de Vasconcellos (2017, p. 38-39), “a colaboração premiada,


como método de investigação, que se caracteriza como um acordo para cooperação
do acusado na produção probatória, é um meio de obtenção de provas. Sob outra
perspectiva, seu interrogatório/oitiva será o meio de prova, juntamente com eventuais
produções de provas documentais, por exemplo. Por fim, a confissão do delator e as
declarações incriminatórias a terceiros serão elementos de prova, como resultados da
oitiva do colaborador. Tal mecanismo negocial é, portanto, um fenômeno complexo,

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2.3 Dos benefícios e resultados decorrentes do acordo

Conforme o art. 4º, caput, da LOC, o agente colaborador terá


a possibilidade de ter a sua pena privativa de liberdade reduzida em
até 2/3 ou convertida em restritiva de direitos, bem como de ser
aclamado com o perdão judicial. Todavia, para ser contemplado
com qualquer um desses benefícios, é preciso, antes de tudo, que
sejam analisadas algumas circunstâncias subjetivas e objetivas9, tais
como a personalidade do indivíduo, a gravidade e natureza do fato
criminoso, entre outras.
Ressalte-se ainda que, para a concessão de qualquer um daque-
les prêmios, além dos requisitos citados, é necessário também que o
colaborador integre a organização criminosa que está sendo delatada
e que as investigações sejam bem-sucedidas. Quer dizer, uma vez
fornecidos os elementos de prova pelo delator à autoridade inves-
tigativa, deverão aqueles ser eficazes a ponto de alcançar um dos
resultados previstos em lei, quais sejam: a identificação dos demais
integrantes da organização criminosa; a sua estrutura hierárquica;
a prevenção de infrações penais; a recuperação total ou parcial do
produto ou proveito do crime; ou a localização da vítima com vida.
Ademais, além da suspensão do oferecimento da denúncia
ou do processo por até seis meses, prorrogáveis por igual período,
pode o Órgão Ministerial deixar de oferecer denúncia – miti-
gando, assim, o princípio da obrigatoriedade que rege a ação penal
pública – quando o sujeito que está disposto a colaborar não for
o líder da organização criminosa e for o primeiro a contribuir de
modo eficaz para o deslinde da persecução penal.
Saliente-se, além do mais, que o indivíduo, ao participar das
negociações, deve estar ali por vontade própria, exigindo-se, desse

que envolve diversos atos e situações processuais, o que ressalta a necessidade de


especificação do elemento de que se está a tratar quando da análise de sua natureza”.
9 Art. 4º, § 1º, LOC: “Em qualquer caso, a concessão do benefício levará em conta a
personalidade do colaborador, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a reper-
cussão social do fato criminoso e a eficácia da colaboração”.

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modo, que a colaboração seja prestada de forma voluntária e não
espontânea. Isso quer dizer que não importa o motivo pelo qual o
agente foi compelido a colaborar: se a pedido do seu advogado ou
por influência de algum familiar, por exemplo; o importante é que
não tenha sofrido qualquer tipo de coação.

2.4 Dos direitos e garantias do colaborador

Buscando resguardar a integridade física e psicológica do


agente colaborador – que poderá eventualmente sofrer ameaça ou
coação, colocando sua segurança em risco, ao prestar informações
sobre a organização criminosa que integrava –, o legislador bra-
sileiro conferiu-lhe alguns direitos, previstos no art. 5º da LOC,
que, segundo o Manual da Enccla, são renunciáveis a qualquer
tempo, tanto por ele quanto por seu advogado.
O primeiro deles é a utilização de medidas de proteção, previs-
tas, especificamente, no art. 15 da Lei n. 9.807/199910, que podem
ser aplicadas de forma isolada ou cumulativa. Ademais, o art. 9º
possibilita a mudança do nome completo tanto do colaborador
quanto dos seus familiares, e o art. 19-A dispõe sobre a prioridade
na tramitação da persecução penal que envolva o agente.
O segundo, por sua vez, refere-se à preservação da qualifica-
ção e dos demais dados pessoais do agente. Como bem destacou
Mendonça (2013, p. 34, grifo no original), “o que a lei visa pro-
teger é a intimidade do colaborador contra o público em geral,
sobretudo para resguardá-lo da ‘pecha’ de delator ou dedo duro”.
Desse modo, o sigilo tratado neste dispositivo não se estende às
demais partes do processo, principalmente aos outros acusados, que

10 Art. 15, Lei n. 9.807/1999: “Serão aplicadas em benefício do colaborador, na prisão


ou fora dela, medidas especiais de segurança e proteção a sua integridade física, con-
siderando ameaça ou coação eventual ou efetiva. § 1o Estando sob prisão temporária,
preventiva ou em decorrência de flagrante delito, o colaborador será custodiado em
dependência separada dos demais presos. § 2o Durante a instrução criminal, poderá
o juiz competente determinar em favor do colaborador qualquer das medidas pre-
vistas no art. 8o desta Lei. § 3o No caso de cumprimento da pena em regime fechado,
poderá o juiz criminal determinar medidas especiais que proporcionem a segurança
do colaborador em relação aos demais apenados”.

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de qualquer forma saberão os dados do colaborador quando tive-
rem acesso ao acordo de delação.
São incluídas, ainda, como direitos a condução, em juízo, em
separado, e a participação nas audiências sem que haja qualquer tipo de
contato visual com os outros coautores e partícipes. Ademais, proíbe o
cumprimento de pena do delator no mesmo estabelecimento prisio-
nal destes, bem como garante que o indivíduo tenha a sua identidade
preservada frente aos meios de comunicação, não podendo ser foto-
grafado ou filmado sem prévia autorização por escrito.

3 Justiça Militar brasileira


3.1 Aspectos gerais da Justiça Militar: conceito e espécies

Ramo especializado do Poder Judiciário, a Justiça Militar é conhe-


cida pela presteza com que atua nos processos, uma vez que a celeri-
dade processual é fundamental para a manutenção da ordem e da disci-
plina na seara militar, impedindo, segundo Magalhães (2007, p. 19), que
seja criado um ar de impunidade no âmbito das instituições castrenses.
Sustenta-se a ideia de que essa Justiça seria, na verdade, um
Tribunal de Exceção – fruto de um regime autoritário –, não sendo
compatível com o caráter democrático e liberal do Estado brasileiro.
Todavia, tal argumento não é válido, pois o próprio art. 5º, XXXVII,
da Carta Magna consagra o princípio do juízo natural, que pode ser
interpretado sob duas vertentes: a primeira delas diz respeito à veda-
ção de se criarem tribunais de exceção, buscando proibir a instituição
exclusiva ou casuística de órgão do Poder Judiciário; a segunda, por
sua vez, está relacionada à exigência de se terem previamente defi-
nidas em lei as competências do órgão julgador.
Ademais, saliente-se que essa Justiça Especializada é dividida em
Justiça Militar da União (JMU), prevista nos arts. 122 a 124 da Carta
Magna de 1988, e Justiça Militar Estadual (JME), insculpida nos § 3º
ao 5º do art. 125 da CF/198811, bem como possui como princípios

11 O seu atual embasamento constitucional, delimitado no art. 125, § 3º ao § 5º,


estabelece a composição da JME da seguinte maneira: a primeira instância é cons-

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basilares de sua estrutura organizacional a hierarquia e a disciplina12, que
garantem a máxima eficácia, poder e controle das Forças Armadas sobre
os seus integrantes. Tais valores manifestam-se também por meio da
camaradagem, do espírito de corpo, do patriotismo, do civismo, da leal-
dade, entre outros preceitos fundamentais inerentes à carreira d’Armas.

3.2 Os crimes militares em tempo de paz

Antes da edição da Lei n. 13.491/2017, o art. 9º do Código


Penal Militar estabelecia os critérios definidores dos crimes militares
em tempos de paz, classificando-os em próprios ou impróprios. Tal
divisão tinha como embasamento o art. 5º, LXI, da Carta Magna,
referente ao princípio da presunção de inocência, que excepciona
a transgressão e o crime propriamente militar da necessidade do
estado de flagrância ou da ordem da autoridade judiciária compe-
tente para ser decretada a prisão de determinado indivíduo.
A respeito das ressalvas previstas no texto constitucional, cabe
destacar a diferença entre transgressão e crime militar, que consiste
basicamente na natureza quantitativa de cada um deles: enquanto
aquela se restringe ao ambiente administrativo da corporação
e à aplicação de medidas disciplinares pelo próprio militar,
hierarquicamente superior, este se relaciona a comportamentos
mais gravosos, que colocam em risco os princípios institucionais
das organizações militares, sendo, por isso, resolvido em âmbito
judicial, com a aplicação de sanções mais graves.

tituída pelo Conselho Permanente de Justiça e pelo Conselho Especial de Justiça,


responsáveis, respectivamente, por processar e julgar os praças, bem como os ofi-
ciais subalternos, intermediários e superiores das Polícias Militares e dos Corpos
de Bombeiros, sendo compostos por quatro juízes militares e um juiz de direito.
Diferentemente da JMU, esta Justiça é competente apenas para processar e julgar
militares, não sendo destinada a civis que cometam delitos militares. Assim, no caso
de coautoria, faz-se necessária a separação dos processos.
12 Art. 142, CF/1988: “As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército
e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas
com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da
República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais
e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.

400 Boletim Científico ESMPU, Brasília, a. 18 – n. 53, p. 387-415 – jan./jun. 2019
No tocante à distinção entre as categorias de delitos milita-
res, a teoria clássica define crime puro ou propriamente militar
como aquele que só pode ser cometido por militares, pois são vio-
lados deveres próprios da vida na caserna. Segundo Bandeira (1925,
p. 117), pressupõe-se, neste tipo de crime, a “qualidade militar no ato
e caráter militar no agente”, constituindo “um resíduo de infrações
irredutíveis ao direito comum”. Assim, esta espécie de crime refere-
-se apenas aos delitos que estão previstos no Código Penal Militar
(CPM) e que são praticados pelos agentes das Forças Armadas.
Por outro lado, o delito impropriamente militar corresponde
às infrações comuns que foram praticadas por militares ou em local
sob a administração militar e às infrações militares cometidas por
civis. Procura-se resguardar, com essa classificação, os bens e os
interesses inerentes às instituições castrenses, que se fundamentam
basicamente nos princípios da hierarquia e da disciplina.
Não obstante a excelente classificação e definição elaboradas
pela teoria clássica, atualmente essa teoria não é mais considerada
apropriada, pois não resolve a problemática do crime de insubmis-
são13: sua previsão consta apenas no Código castrense, mas o sujeito
ativo é civil. Com isso, tem-se o seguinte questionamento: em qual
categoria deverá ser enquadrado?
Buscando responder esta pergunta, foi criada a nova teoria, apli-
cada na atualidade, que define crime propriamente militar como
todo aquele cuja ação penal somente pode ser proposta contra
militar. Ou seja, é imprescindível, nessa espécie delitiva, o status
de militar para que seja oferecida a denúncia, tornando-se, assim,
condição de procedibilidade da persecução penal. Além disso, os
delitos impropriamente militares correspondem aos tipos legais
previstos tanto no CPM quanto no Código Penal Comum.
Outrossim, apesar de o diploma castrense não apresentar
expressamente a definição de crime militar, o critério predominante
adotado por ele para enquadrar determinada conduta em suas tena-

13 Art. 183, CPM: “Deixar de apresentar-se o convocado à incorporação, dentro do prazo


que lhe foi marcado, ou, apresentando-se, ausentar-se antes do ato oficial de incorporação”.

Boletim Científico ESMPU, Brasília, a. 18 – n. 53, p. 387-415 – jan./jun. 2019 401
zes foi o ratione legis, que permite caracterizar o delito militar como
aquele definido como tal pela norma especial. Além deste, foram
aplicados também mais quatros critérios: ratione materiae, em que
tanto o ato praticado quanto o indivíduo envolvido precisam ter
a qualidade de militar, como no caso da deserção (art. 187, CPM);
ratione personae, no qual somente o sujeito ativo necessita ter o status
de militar, como ocorre no crime de motim (art. 149, CPM); ratione
loci, que exige apenas que o delito seja praticado em local sujeito à
administração militar, como o disposto no art. 9º, II, b, do CPM; e
ratione temporis, que leva em consideração a época em que a infração
foi praticada, como no tempo de guerra (art. 10, CPM).

3.3 As modificações no Código Penal Militar


decorrentes da Lei n. 13.491/2017

Na contramão do entendimento sustentado pelo Conselho


Nacional de Justiça14, que defende a extinção da Justiça Militar
( JM), a Lei n. 13.491/2017, ao alterar o art. 9º, II e §§ 1º e 2º,
do Código Penal Militar, conferiu mais poderes a essa Justiça
Especializada, ampliando o seu âmbito de atuação e redefinindo
alguns crimes militares. Conforme a justificativa do seu Projeto
de Lei (PL n. 5.768/2016)15, o objetivo inicial dessa mudança era
resguardar os militares nas ações de garantia da lei e da ordem,
assegurando o devido amparo legislativo quando se envolvessem
na prática de condutas delituosas, como, por exemplo, no crime
doloso contra a vida de civil.
O texto original do PL n. 5.768/2016 estruturava-se em três
artigos, mas posteriormente foi vetado o art. 2º – que previa sua
vigência temporária16 – sob o fundamento de que as suas normas

14 Em 2012, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) criou uma comissão para estudar a
extinção da Justiça Militar (tanto a Federal quanto a Estadual) sob o pretexto de que
há quantidade irrisória de processos, não justificando, assim, as despesas realizadas.
15 Disponível em: https://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?id
Proposicao=2090691. Acesso em: 10 nov. 2018.
16 Art. 2º, Lei n. 13.491/2017: “Esta Lei terá vigência até o dia 31 de dezembro de 2016 e, ao
final da vigência desta Lei, retornará a ter eficácia a legislação anterior por ela modificada”.

402 Boletim Científico ESMPU, Brasília, a. 18 – n. 53, p. 387-415 – jan./jun. 2019
não deveriam ter caráter transitório em razão da segurança jurídica e
de que o emprego recorrente das Forças Armadas exigia uma norma
permanente para regular a questão, evitando-se, também, que a com-
petência de Tribunal com limitação temporal estabelecesse a ideia de
um Tribunal de Exceção. Os arts. 1º e 3º, por sua vez, permaneceram
intactos, sendo responsáveis, respectivamente, por estender a compe-
tência da Justiça Militar e prever a imediata vigência da Lei.

3.3.1 Da natureza jurídica da nova Lei

Quanto à natureza jurídica desse novel legislativo, Foureaux (2017,


p. 2) dispõe que, não obstante a alteração tenha ocorrido em diploma
de caráter material (Código Penal Militar), a Lei n. 13.491/2017 teria
conteúdo essencialmente processual, uma vez que foi responsável por
ampliar a competência da Justiça Castrense, regulamentando os aspec-
tos procedimentais ou a forma dos atos processuais. Desse modo, seria
possível defini-la como uma norma processual heterotópica.
Em parecer contrário, Galvão (2017, p. 1) defende que essa
nova lei seria uma norma material com produção de efeitos secun-
dários de natureza processual: para aplicar o caráter processual, res-
ponsável por ampliar a competência da JM, é necessário que haja a
caracterização do crime militar, que é o aspecto material da norma.
Desse modo, tal aspecto e tal caráter não deveriam ser considerados
em separado, pois o efeito processual dependeria da concretização
do aspecto material, o que classificaria essa nova disposição legis-
lativa como norma híbrida, ou seja, de duplicidade de conteúdos.
Corroborando com este pensamento, Cabette (2017, p. 2) acres-
centa que o deslocamento da competência para a Justiça Militar –
aspecto processual – somente deveria ocorrer quando não implicasse
agravamento da situação do réu17, sob o risco de ferir o art. 5º, XL,

17 Nesse mesmo sentido, Coimbra Neves (2017, p. 6) assevera que “os aspectos pro-
cessuais, que teriam aplicação imediata, necessariamente seguirão a aplicação do
direito material, posto que somente serão avaliados se a nova lei for aplicada, o que
ocorrerá apenas nos casos praticados após a sua publicação, salvo em alguma hipó-
tese de lei mais benéfica ou mesmo em que se conclua ocorrer a abolitio criminis”.

Boletim Científico ESMPU, Brasília, a. 18 – n. 53, p. 387-415 – jan./jun. 2019 403
da CF/198818. Por outro lado, Roth (2018) defende que somente
haverá aplicação do princípio da irretroatividade da lei penal mais
gravosa em relação ao aspecto penal da norma, e será aplicado o prin-
cípio do tempus regit actum – aplicação imediata da lei –, sendo ou não
mais benéfico ao réu, quando se tratar da natureza processual da Lei.
Note-se, diante dos fatos expostos, que, em virtude de ser um
tema novo e ainda pouco discutido, não há consenso quanto à natu-
reza jurídica da Lei n. 13.491/2017. Acredita-se, todavia, que ela
deve ser classificada como norma híbrida, com dupla personalidade,
ora se portando como diploma de natureza processual, ora como de
aspecto material, razão pela qual deverá ser aplicado, independente-
mente da sua natureza, o princípio da irretroatividade da lei penal.

3.3.2 Da nova categoria de crimes militares:


os delitos militares por extensão
Como já discutido, a Lei n. 13.491/2017 ampliou considera-
velmente o rol de tipos penais aplicados à seara militar, pois trans-
feriu para a Justiça Especializada a competência, até então da Justiça
Comum, dos delitos previstos nos vários dispositivos penais.
Anteriormente, a redação do inciso II do art. 9º do CPM
definia crimes militares em tempo de paz como aqueles previstos
tanto nesse diploma quanto na legislação penal comum, ambas com
igual definição, correspondendo aos crimes militares impróprios19.
Com o seu novo texto normativo20, foram incluídas também as
infrações penais previstas apenas nas leis criminais (Código Penal
e legislação extravagante específica)21, o que resultou no enqua-

18 Art. 5º, XL, CF/1988: “A lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”.
19 Apenas a título de lembrança, os crimes militares, até a edição da Lei n. 13.491/2017,
dividiam-se em próprios e impróprios.
20 Para tornar mais claro o exposto, o art. 9º, II, do CPM estava, anteriormente,
redigido da seguinte forma: “os crimes previstos neste Código, embora também o
sejam com igual definição na lei penal comum [...]”. Agora, dispõe-se da seguinte
maneira: “os crimes previstos neste Código e os previstos na legislação penal [...]”.
21 Os crimes eleitorais – praticados por candidatos e eleitores – continuam sendo pro-
cessados e julgados na Justiça Eleitoral.

404 Boletim Científico ESMPU, Brasília, a. 18 – n. 53, p. 387-415 – jan./jun. 2019
dramento de qualquer delito existente no ordenamento jurídico
brasileiro na competência da Justiça Militar, desde que, por óbvio,
seja preenchida pelo menos uma das condições previstas naquele
mesmo dispositivo22.
Além disso, alterou-se também o seu antigo parágrafo único,
que foi transformado em § 1º, mantendo-se a competência do
Tribunal do Júri para processar e julgar os crimes dolosos pratica-
dos por militares contra a vida de civis. Ressalte-se, todavia, que,
em relação aos militares das Forças Armadas, estes somente serão
julgados pelo júri federal quando não estiverem agindo em razão
das suas atribuições conferidas constitucional e legalmente. Assim,
com a inserção do § 2º, estabeleceu-se expressamente a competên-
cia da Justiça Militar da União para processar e julgar os crimes
dolosos contra a vida de civil praticados por militares federais no
cumprimento de suas missões23.
No que diz respeito aos novos tipos penais aplicáveis aos mili-
tares, é importante frisar que não foi possível enquadrá-los nas
categorias já existentes (crimes militares próprios ou impróprios),

22 Hipóteses previstas no art. 9º, II, alíneas a a e do CPM: “a) por militar em situação
de atividade ou assemelhado, contra militar na mesma situação ou assemelhado;
b) por militar em situação de atividade ou assemelhado, em lugar sujeito à adminis-
tração militar, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil;
c) por militar em serviço ou atuando em razão da função, em comissão de natureza
militar, ou em formatura, ainda que fora do lugar sujeito à administração militar
contra militar da reserva, ou reformado, ou civil; d) por militar durante o período
de manobras ou exercício, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado,
ou civil; e) por militar em situação de atividade, ou assemelhado, contra o patrimô-
nio sob a administração militar, ou a ordem administrativa militar; [...]”.
23 Hipóteses em que a JMU terá competência para atuar: “I – do cumprimento de atri-
buições que lhes forem estabelecidas pelo Presidente da República ou pelo Ministro
de Estado da Defesa; II – de ação que envolva a segurança de instituição militar ou de
missão militar, mesmo que não beligerante; ou III – de atividade de natureza militar, de
operação de paz, de garantia da lei e da ordem ou de atribuição subsidiária, realizadas
em conformidade com o disposto no art. 142 da Constituição Federal e na forma dos
seguintes diplomas legais: a) Lei nº 7.565, de 19 de dezembro de 1986 - Código Brasi-
leiro de Aeronáutica; b) Lei Complementar nº 97, de 9 de junho de 1999; c) Decreto-
-Lei nº 1.002, de 21 de outubro de 1969 - Código de Processo Penal Militar; e d) Lei
nº 4.737, de 15 de julho de 1965 - Código Eleitoral”.

Boletim Científico ESMPU, Brasília, a. 18 – n. 53, p. 387-415 – jan./jun. 2019 405
o que impulsionou a criação de uma nova classificação: os crimes
militares por extensão. Destaque-se, todavia, que essa ideia não se
encontra pacificada na doutrina, conforme será exposto.
Nesse diapasão, no entendimento de Coimbra Neves (2017, p.
3), essa nova categoria pode ser conceituada como crimes militares
extravagantes, já que estes se encontram previstos fora do Código
Penal Militar24. Por outro lado, Assis (2018, p. 2) garante que não
se pode considerá-los extravagantes, porque este termo se relaciona
àquilo “que está fora do uso geral, habitual ou comum; estranho,
excêntrico”25. Roth (2018), por sua vez, conceitua essa nova classe
como crimes militares por extensão, destacando que somente seria
aplicada quando o crime fosse cometido por militar e estivesse em
consonância com uma das hipóteses previstas nas alíneas a, b, c, d
ou e do inciso II do art. 9º do Código Penal Castrense. Caso con-
trário, continuariam sendo considerados como crimes comuns. O
autor exemplifica tal entendimento com a seguinte situação:

Se um menor de 14 anos for obrigado a praticar conjunção carnal


ou outro ato libidinoso (art. 217-A, CP), por ação de um militar,
em hora de folga e fora do quartel, tratar-se-á de crime comum; se
houver uma pesca, em período de defeso, por um militar de folga e
fora de local sob administração militar (art. 34 da Lei n. 9.605/98),
será um crime comum.

Assim, com a devida vênia às demais classificações, considera-


-se mais coerente a utilização da expressão crimes militares por exten-
são, tendo em vista que os delitos previstos na legislação comum se
relacionam por extensão ao Código Penal Militar, desde que, por
óbvio, sejam preenchidos os requisitos previstos neste.

24 Coimbra Neves (2017, p. 3) destaca que se trata de novos crimes militares, aos quais
se dará a designação, doravante, de crimes militares extravagantes, por estarem
tipificados fora do Código Penal Militar, e que devem, segundo a teoria clássica,
conhecer a classificação de crimes impropriamente militares, para, por exemplo,
diante de uma condenação com trânsito em julgado, possibilitar a indução à rein-
cidência em outro crime comum que seja cometido pelo autor, antes do curso do
período depurador, nos termos do inciso II do art. 64 do Código Penal Comum.
25 Definição conferida pelo Dicionário Houaiss (2009).

406 Boletim Científico ESMPU, Brasília, a. 18 – n. 53, p. 387-415 – jan./jun. 2019
4 Análise da aplicabilidade da colaboração
premiada na Justiça Militar: da inovação
legislativa promovida pela Lei n. 13.491/2017
Como demonstrado a mancheias, as alterações promovidas pela
Lei n. 13.491/2017 consistiram basicamente na ampliação dos tipos
penais militares e, consequentemente, da competência da Justiça
Militar, dando origem aos crimes militares por extensão, previstos
exclusivamente na legislação penal comum.
Além disso, a Lei n. 13.491/2017 alterou também o antigo pará-
grafo único do art. 9º do CPM, que foi transformado em § 1º, man-
tendo-se a competência do Tribunal do Júri para processar e julgar os
crimes dolosos praticados por militares contra a vida de civis. Ressalte-se,
todavia, que, em relação aos militares das Forças Armadas, estes somente
serão julgados pelo júri federal quando não estiverem agindo em razão
das suas atribuições conferidas constitucional e legalmente.Assim, com a
inserção do § 2º, estabeleceu-se expressamente a competência da Justiça
Militar da União para processar e julgar os crimes dolosos contra a vida
de civil praticados por militares federais no cumprimento de suas missões.
Baseado nessa inovação legislativa, para que um delito seja con-
siderado crime militar, deverá ser levado em consideração o critério
ratione personae, e não mais o ratione legis. Isto porque não foram alterados,
muito menos revogados, os dispositivos que encerram os crimes militares
em espécie previstos apenas no Código Penal Castrense ou tipificados
também no Código Penal Comum, ainda que de maneira diversa.
Nessa perspectiva, com a mudança da redação do art. 9, II, do
Código Penal Militar – que passou a englobar tanto os crimes pre-
vistos no Código Castrense quanto os da legislação extravagante
–, qualquer delito existente no ordenamento jurídico brasileiro
poderá ser enquadrado como de competência da JM, dependendo,
todavia, do preenchimento de uma das condições previstas nesse
mesmo dispositivo26. Assim, é inegável a possibilidade de aplicação
da Lei n. 12.850/2013 no âmbito da persecução penal militar.

26 Art. 9º, CPM: “ II – Os crimes previstos neste Código e os previstos na legislação


penal, quando praticados: a) por militar em situação de atividade ou assemelhado,

Boletim Científico ESMPU, Brasília, a. 18 – n. 53, p. 387-415 – jan./jun. 2019 407
Nas palavras assentadas por Andreucci e Roth (2015, p. 10):
Indiscutivelmente, o instituto da delação premiada se aplica aos
procedimentos de Polícia Judiciária Militar (inquérito policial mili-
tar – IPM e auto de prisão em flagrante delito – APFD), seja com
base na Lei nº 9.807/1999, envolvendo qualquer crime militar, seja
com base na Lei nº 12.850/2013, seja nos crimes conexos ao crime
organizado, matéria esta que recebeu tratamento na doutrina inau-
gurada por Ronaldo João Roth e também na jurisprudência.

Ressalte-se que, para que o instituto da colaboração premiada


seja aplicado no âmbito da Justiça Militar, não é necessário apenas
o preenchimento dos requisitos presentes no art. 9º, II e III, mas
também dos tipificados na Lei n. 12.850/2013, que consistem basi-
camente na presença da voluntariedade, na eficácia do acordo e nas
circunstâncias subjetivas e objetivas favoráveis.
Desse modo, para que o acordo de colaboração conduzido
pela autoridade judiciária militar seja válido e produza os seus devi-
dos efeitos, é imprescindível que os elementos subjetivos previstos

contra militar na mesma situação ou assemelhado; b) por militar em situação de


atividade ou assemelhado, em lugar sujeito à administração militar, contra militar
da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil; c) por militar em serviço ou
atuando em razão da função, em comissão de natureza militar, ou em formatura,
ainda que fora do lugar sujeito à administração militar contra militar da reserva, ou
reformado, ou civil; d) por militar durante o período de manobras ou exercício,
contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil; e) por militar
em situação de atividade, ou assemelhado, contra o patrimônio sob a administração
militar, ou a ordem administrativa militar; f ) revogada.
III – Os crimes praticados por militar da reserva, ou reformado, ou por civil, contra as
instituições militares, considerando-se como tais não só os compreendidos no inciso I,
como os do inciso II, nos seguintes casos: a) contra o patrimônio sob a administração
militar, ou contra a ordem administrativa militar; b) em lugar sujeito à administração
militar contra militar em situação de atividade ou assemelhado, ou contra funcionário
de Ministério militar ou da Justiça Militar, no exercício de função inerente ao seu
cargo; c) contra militar em formatura, ou durante o período de prontidão, vigilância,
observação, exploração, exercício, acampamento, acantonamento ou manobras; d) ainda
que fora do lugar sujeito à administração militar, contra militar em função de natureza
militar, ou no desempenho de serviço de vigilância, garantia e preservação da ordem
pública, administrativa ou judiciária, quando legalmente requisitado para aquele fim,
ou em obediência a determinação legal superior”.

408 Boletim Científico ESMPU, Brasília, a. 18 – n. 53, p. 387-415 – jan./jun. 2019
tanto na Lei das Organizações Criminosas (art. 4º, § 1º)27 quanto
na Lei n. 13.491/2017 (art. 9º, II) sejam respeitados.
Quanto aos requisitos objetivos, é essencial que o colaborador
militar, ao participar das negociações, esteja ali por vontade própria,
ou seja, voluntariamente. Ainda, é preciso que as informações for-
necidas por ele sejam eficazes a ponto de alcançarem um dos resul-
tados previstos em lei, como a identificação dos demais integrantes
da organização criminosa, a sua estrutura hierárquica, entre outros.
Cumpridas todas essas condições, nada impede que a colabo-
ração seja aplicada à persecução penal castrense; ao contrário, acre-
dita-se que é imprescindível para o bom deslinde da investigação
penal militar, tendo em vista o seu propósito de tornar mais rápidas
as apurações criminais e a aplicação das penas correspondentes,
representando, assim, um importante instrumento na luta contra
as organizações criminosas formadas no seio das Forças Armadas.
Ademais, é imperioso destacar que, muito embora a Lei n.
12.850/2013 utilize os termos delegado de polícia para se referir à
autoridade policial responsável por conduzir o acordo de colabo-
ração premiada, nada obsta que o encarregado de polícia judiciária
militar também fique incumbido de exercer tal função, visto que
ambas as figuras têm poderes equivalentes e análogos, sendo res-
ponsáveis por exercerem as mesmas atribuições, consoante o dis-
posto no art. 144, § 4º da Constituição Federal28 e no art. 8º do
Código de Processo Penal Militar (CPPM)29.

27 Art. 4º, § 1º, LOC: “Em qualquer caso, a concessão do benefício levará em conta
a personalidade do colaborador, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a re-
percussão social do fato criminoso e a eficácia da colaboração”.
28 Art. 144, § 4º, CF/1988: “Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de
carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judi-
ciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares”.
29 Art. 8º, CPPM: “Compete à Polícia judiciária militar: a) apurar os crimes militares,
bem como os que, por lei especial, estão sujeitos à jurisdição militar, e sua autoria;
b) prestar aos órgãos e juízes da Justiça Militar e aos membros do Ministério Público
as informações necessárias à instrução e julgamento dos processos, bem como rea-
lizar as diligências que por eles lhe forem requisitadas; c) cumprir os mandados de

Boletim Científico ESMPU, Brasília, a. 18 – n. 53, p. 387-415 – jan./jun. 2019 409
5 Considerações finais
Uma breve análise do que dispõe a Lei n. 12.850/2013 acerca da
colaboração premiada permite concluir que, muito embora o insti-
tuto já estivesse previsto em diversas outras legislações, como a Lei de
Crimes Hediondos e a de Drogas, foi somente com a LOC que o ins-
tituto obteve um tratamento mais específico e aprofundado, diante do
surgimento e do fortalecimento repentino das organizações crimino-
sas, tendo, inclusive, adquirido o status de negócio jurídico processual.
Conforme mencionado alhures, esse instrumento recebeu
maior notoriedade com a Operação Lava Jato, o que, de certa forma,
maculou a sua imagem, pois o modo como foi aplicado nessas inves-
tigações não correspondia muitas vezes ao disposto na legislação
pertinente. E, justamente por isso, buscando expandir o campo de
pesquisa para além das questões tratadas naquele caso, o presente
artigo propôs-se a analisar a viabilidade da aplicação do instituto da
colaboração premiada aos militares das Forças Armadas.
Nesse contexto, apontou-se que a delação, de natureza tanto
material quanto processual penal, pode ser classificada como um meio
de obtenção de prova por meio do qual uma benesse legal, como a
redução da pena em até dois terços, é oferecida ao investigado/acusado,
que, em troca, deverá fornecer elementos de prova ou informações
capazes de elucidar questões atinentes à persecução penal, contribuindo,
inclusive, para derruir a organização criminosa a que pertencia.
Desse modo, considera-se a colaboração premiada um meio de
obtenção de prova primordial no combate ao crime organizado, o
qual, nos dias atuais, representa uma grave ameaça ao próprio Estado

prisão expedidos pela Justiça Militar; d) representar a autoridades judiciárias mili-


tares acerca da prisão preventiva e da insanidade mental do indiciado; e) cumprir
as determinações da Justiça Militar relativas aos presos sob sua guarda e responsa-
bilidade, bem como as demais prescrições deste Código, nesse sentido; f ) solicitar
das autoridades civis as informações e medidas que julgar úteis à elucidação das
infrações penais, que esteja a seu cargo; g) requisitar da polícia civil e das reparti-
ções técnicas civis as pesquisas e exames necessários ao complemento e subsídio de
inquérito policial militar; h) atender, com observância dos regulamentos militares,
a pedido de apresentação de militar ou funcionário de repartição militar à autori-
dade civil competente, desde que legal e fundamentado o pedido”.

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Democrático de Direito. E nada mais óbvio do que fornecer esse meca-
nismo de defesa aos militares, pois são eles os responsáveis por defender
a Pátria, garantir os poderes constitucionais e manter a lei e a ordem.
Outrossim, acredita-se que a aplicação da Lei n. 12.850/2013
na seara castrense contribuirá de forma significativa para o desen-
volvimento das técnicas de investigação utilizadas pela Polícia
Judiciária Militar, proporcionando soluções mais ágeis e eficazes
aos casos investigados e reforçando a presteza com que a Justiça
Militar atua nos processos.
Por fim, mas não menos importante, propõe-se uma reforma
na classificação dos crimes militares – buscando tornar mais claro
e didático o estudo deste novel legislativo –, no sentido de que
sejam tratados como espécies do gênero crimes militares os delitos
propriamente militares e os delitos militares por extensão. Dentro
destes, ficariam as subespécies dos crimes previstos na legislação
extravagante e aqueles previstos tanto nesta quanto na norma penal
comum (crimes impropriamente militares).

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