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Boletim Científico ESMPU, Brasília, a. 18 – n. 53, p. 387-415 – jan./jun. 2019 387
tary review, is divided into three chapters: in the first one, the
main points related to collaboration are discussed, mainly taking
into account the provisions of the Law of Criminal Organizations
(Law 12.850/2013); in the second, a detailed explanation of that
Specialized Justice is made, highlighting its main characteristics
and idiosyncrasies. The last chapter presents, in fact, the theme of
this study, since it discusses the feasibility of applying or not the
prize award in the military field, in accordance only with Law
13.491/2017. Finally, the prize award is considered as a trial defense
service to be offered to the militaries, since it represents a pri-
mordial way of obtaining evidence in the combat against orga-
nized crime, which, nowadays, is considered a high threat to the
Democratic Rule of Law itself.
1 Introdução
A colaboração premiada, embora já tivesse sido tratada, de
maneira esparsa, na legislação penal brasileira, somente foi abordada
com maior especificidade e profundidade, adquirindo contornos
de natureza processual penal, com a edição da Lei n. 12.850/2013,
que representou um avanço no combate ao crime organizado bra-
sileiro, pois inovou ao tipificar penalmente a formação de organi-
zações criminosas, além de inserir, no ordenamento jurídico, várias
espécies de meios de obtenção de prova.
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Destaque-se que, em virtude da Operação Lava Jato – que trata
de investigações e ações penais envolvendo a empresa Petrobrás e
diversas empreiteiras em crimes de corrupção, lavagem de dinheiro
e afins –, esse instrumento recebeu grande notoriedade e passou
a ser alvo de diversas críticas, principalmente no que diz respeito
ao seu valor ético e moral. Constata-se, no senso comum, que a
delação premiada passou a ser sinônimo da Operação Lava Jato e
praticamente se resumiu a esse caso, o que, diga-se de passagem, é
um equívoco. Explica-se.
Conforme o dicionário Houaiss, a palavra caso, entre as suas
inúmeras significações, pode ser definida como fato ou conjunto
de fatos que, em torno de pessoa ou acontecimento, compõem
situação problemática e/ou de grande repercussão. Aufere-se, com
base nisso, que tal vocábulo representa um fragmento da vida,
prestando-se tão somente como meio de demonstração.
Nesse sentido, buscando ampliar o campo de estudo dessa téc-
nica de investigação tão importante para o deslinde da persecução
penal, bem como demonstrar que seus aspectos vão muito além dos
tratados no caso suso mencionado, o presente artigo será desenvol-
vido com o intuito primordial de analisar a possibilidade de aplicar,
ou não, esse meio de obtenção de prova à Justiça Militar da União,
ou melhor, aos militares das Forças Armadas.
Não obstante seus 210 anos de história, essa Justiça Especializada
é pouco conhecida e estudada, sendo considerada por muitos estu-
diosos da área jurídica como uma despesa desnecessária, no sentido
de despesa financeira à coisa pública. Para quem não conhece o seu
funcionamento, lançar números e comentários falaciosos à opinião
pública, em um País onde as desigualdades sociais e intelectuais
são extremamente acentuadas, favorece as críticas e manifestações
negativas – muitas vezes absurdas e não condizentes com a reali-
dade – a essa instituição.
Acredita-se que este trabalho poderá vir a contribuir para pro-
duções científicas mais aprofundadas e detalhadas sobre o tema,
despertando nos estudiosos, não só do Direito mas também de
outros cursos, o interesse pelo conhecimento acerca da colaboração
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premiada, bem como da Justiça Militar, revelando, desse modo, o
seu claro potencial modificador da realidade. Assim, a fim de atin-
gir o seu real objetivo, o artigo foi desenvolvido por meio de revi-
são bibliográfica, baseada tanto em livros doutrinários, trabalhos
acadêmicos e artigos publicados na Internet quanto em legislações
e jurisprudências brasileiras pertinentes ao tema ora estudado.
Ademais, o presente trabalho está dividido em três capítulos:
no primeiro, é dado enfoque aos principais elementos acerca da
colaboração premiada, tendo como referência os aspectos norma-
tivos da Lei n. 12.850/2013. No segundo, aborda-se, de maneira
pormenorizada, os aspectos relacionados à Justiça Militar, em espe-
cial a da União, destacando suas principais características e peculia-
ridades, bem como as mudanças ocasionadas pelo novel legislativo
n. 13.491/2017. Por fim, o terceiro capítulo trata do tema ora estu-
dado, pois é analisada a possibilidade de aplicar ou não a delação
premiada na seara castrense, considerando tão somente a ampliação
da competência da Justiça Militar por aquela lei.
2 A colaboração premiada
na nova Lei das Organizações Criminosas
A Lei n. 12.850, também conhecida como a nova Lei das
Organizações Criminosas (LOC), foi promulgada no dia 2 de agosto
de 2013 e, para além de conceituar organização criminosa1, dedicou-
-se também às disposições referentes a investigação e procedimento
criminais, infrações penais correlatas e meios de obtenção da prova,
destacando-se a colaboração premiada, prevista em seu art. 3º, que,
embora já estivesse expressa em outras legislações, somente com ela
foi elevada à categoria de negócio jurídico processual.
Ademais, apesar de esse novo mecanismo de defesa ser con-
siderado uma ferramenta eficaz no combate ao crime organizado,
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que, nos dias atuais, representa uma grave ameaça ao próprio Estado
Democrático de Direito, ele é bastante criticado, especialmente em
relação a seu suposto caráter antiético, sob o fundamento de que o
Estado, ao mesmo tempo em que penaliza a deslealdade e a traição2,
dissemina tais práticas na sociedade, que as reprova extremamente.
Conforme Carvalho (2009, p. 146), “muito além de um ins-
trumento de desintegração social, a delação, na perspectiva ética, é
um desvalor, que se choca com a concepção de Estado fundado na
dignidade da pessoa humana”. Assim, para os críticos desse instru-
mento de investigação, não há coerência na postura do Estado ao
premiar um indivíduo que age de forma contrária aos valores de
ordem social, como a lealdade, a solidariedade e o respeito.
2 Art. 61, CP/1940: “São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não
constituem ou qualificam o crime: [...]; II - ter o agente cometido o crime: [...]; c) à
traição, de emboscada, ou mediante dissimulação, ou outro recurso que dificultou
ou tornou impossível a defesa do ofendido”.
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vimento no fato criminoso, fornecer subsídios importantes para a
investigação. Note-se que o magistrado não participará dessa fase,
objetivando resguardar sua imparcialidade, e que o investigado/
acusado não deverá fornecer detalhadamente todas as informações
que tem sob o seu poder3. Essas declarações, uma vez que são for-
necidas sem qualquer respaldo no contraditório e na ampla defesa,
em hipótese alguma poderão ser utilizadas como meio probatório.
Além disso, a primeira parte do art. 4º, § 14, da LOC estabelece
que, nos depoimentos prestados pelo colaborador, haverá renúncia,
na presença de seu defensor, ao direito ao silêncio. Quanto a essa
previsão legislativa, é importante esclarecer que há uma atecnia em
seu texto, pois o indivíduo, ao colaborar com a autoridade com-
petente, não renuncia ao seu direito ao silêncio, mas sim abdica do
seu direito de exercê-lo. Tanto é verdade que, caso ele decida se
retratar da proposta (retirar as declarações apresentadas), as provas
autoincriminatórias não poderão ser utilizadas exclusivamente em
seu desfavor, mas apenas contra terceiros.
Superado esse momento inicial e ajustadas as cláusulas que
cada parte se comprometerá a cumprir, passa-se para a fase de for-
malização, em que será elaborado, por escrito, e assinado pelos
interessados, um termo, no qual deverá constar basicamente um
resumo de tudo o que fora discutido e firmado na primeira etapa,
nos limites pré-estabelecidos pelo art. 6º da LOC4.
Ato contínuo, o respectivo termo, acompanhado das declara-
ções do colaborador e de cópia da investigação, será remetido ao
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magistrado, que ficará responsável por realizar um juízo de delibação
daquele, verificando se foram respeitados a legalidade do acordo e os
requisitos formais previstos em lei, sem exercer qualquer julgamento
quanto ao mérito da pretensão acusatória. Caso entenda necessá-
rio, poderá, sigilosamente, convocar o colaborador para que forneça
maiores informações de como se deu o procedimento de negociação.
Como destacado pelo ministro Dias Toffoli, relator do HC
127.483/PR5, “o juiz, ao homologar o acordo de colaboração, não
emite nenhum juízo de valor a respeito das declarações [...], tam-
pouco confere o signo da idoneidade a seus depoimentos posterio-
res”, sendo essa fase homologatória importante apenas para que o
acordo produza os efeitos jurídicos pretendidos pelas partes.
Outrossim, como previsto no art. 7º da LOC, o pedido de homo-
logação deverá ser distribuído de forma sigilosa e nele haverá apenas
informações genéricas, de modo a evitar a identificação do colabora-
dor e da matéria tratada no acordo. Demais disso, até o recebimento
da denúncia pelo juízo competente, serão os autos disponibilizados
somente para as partes que participaram da tratativa e para o juiz.
Caso a proposta esteja em consonância com os requisitos legais, o
juiz deverá homologá-la. Em caso contrário, terá duas opções: rejeitá-
-la ou enviá-la novamente para os interessados, para que façam as alte-
rações pertinentes. Assim, uma vez homologado, o órgão de acusação
oferecerá denúncia, e, tão logo seja recebida, inicia-se a fase processual.
Com a abertura formal do processo, começa-se, de fato, a
execução da colaboração premiada, pois é nessa etapa que o colabo-
rador prestará, de forma minudente, todas as informações, conforme
se comprometeu. Ainda nesse momento, segundo o art. 4º, § 9º, da
LOC, poderá o delegado de polícia, bem como o membro do MP,
ouvir as declarações prestadas pelo agente colaborador.
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Por fim, mas não menos importante, chega-se à fase de senten-
ciamento, em que será exercido, pelo magistrado, o juízo de valo-
ração do acordo, ou seja, será analisado se realmente a cooperação
prestada pelo delator foi eficaz e se ele faz jus ao benefício previsto.
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Com base nisso, podem ser elencadas as seguintes distinções:
enquanto o meio de prova se presta a fornecer diretamente o ele-
mento probatório necessário ao processo, o meio de obtenção de
prova é o instrumento por meio do qual serão obtidos os elementos
de prova. Como exemplo daquele tem-se o depoimento de uma tes-
temunha, e deste tem-se a busca e apreensão. Ademais, ao passo que o
primeiro envolve apenas às partes do processo, o segundo conta com
a ajuda de terceiros alheios ao processo, como a autoridade policial.
Dessa forma, tanto a Lei n. 12.850/2013 quanto o Manual
da Enccla7 dispõem sobre a colaboração premiada como meio de
obtenção de prova, fundamentado na cooperação da pessoa supos-
tamente envolvida nos fatos investigados. Nesse mesmo sentido,
o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 127.483/
PR, confirmou que, de fato, a delação corresponde a um meio de
obtenção de prova destinado à obtenção de elementos probatórios.
Outrossim, é possível acreditar que o acordo de colabora-
ção e os depoimentos prestados pelo interessado são sinônimos,
possuindo a mesma natureza jurídica. Todavia, embora tênue, há
diferença entre eles: aquele, como já exposto à mancheia, é uma
técnica especial de investigação (meio de obtenção de prova), ao
passo que este é o próprio meio de prova. Pode-se dizer que os
depoimentos prestados pelo colaborador são apenas um dos diver-
sos atos praticados durante a negociação da colaboração premiada.
Reforçando essa distinção, o art. 4º, § 16º, da LOC dispõe que
nenhuma condenação poderá ser motivada única e exclusivamente
pelas informações prestadas pelo agente colaborador, devendo este
oferecer, além de suas declarações, elementos mais robustos de
informação e de prova que sejam capazes de confirmar o que por
ele fora dito. A isso, dá-se o nome de regra de corroboração.
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Sobre esse tema, restou asseverado pelo STF, ainda no HC
127.483/PR, que, enquanto o acordo de colaboração é meio de
obtenção de prova, os depoimentos propriamente ditos do cola-
borador constituem meio de prova, os quais somente se mostrarão
hábeis à formação do convencimento judicial se vierem a ser cor-
roborados por outros meios idôneos de prova.
Outro ponto importante a ser destacado é que o acordo de
delação não é um direito subjetivo do colaborador, podendo tanto
o delegado de polícia quanto o Órgão Ministerial se recusarem
a firmá-lo. Isso porque a autoridade responsável pela negociação
deverá, antes de propô-la, analisar as circunstâncias pessoais e objeti-
vas do caso concreto, levando em consideração, por exemplo, a per-
sonalidade do colaborador, a natureza, as circunstâncias, a gravidade,
a repercussão social do fato criminoso e a eficácia da colaboração.
Ressalte-se, por outro lado, que nada impede que o inte-
ressado se disponha a colaborar com a Justiça, independente de
qualquer negociação. A isso, dá-se o nome apenas de colabora-
ção, que não deve ser confundida com o acordo previsto na Lei n.
12.850/2013. Aquela, diferentemente desta, é um direito subjetivo
do réu, que terá direito aos benefícios da colaboração, ainda que
não haja homologação judicial ou acordo firmado com a autori-
dade competente, desde que preenchidos os requisitos legais.
Assim, em linhas gerais, a delação premiada corresponde a um
recurso processual apto a produzir elementos que serão utilizados
em juízo, tendo, com isso, a natureza jurídica de meio de obtenção
de prova. Destaca-se, todavia, que, por se tratar de um fenômeno
que envolve diversos atos processuais, é necessário, ao estudar a sua
natureza, definir qual elemento será objeto de análise8.
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2.3 Dos benefícios e resultados decorrentes do acordo
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modo, que a colaboração seja prestada de forma voluntária e não
espontânea. Isso quer dizer que não importa o motivo pelo qual o
agente foi compelido a colaborar: se a pedido do seu advogado ou
por influência de algum familiar, por exemplo; o importante é que
não tenha sofrido qualquer tipo de coação.
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de qualquer forma saberão os dados do colaborador quando tive-
rem acesso ao acordo de delação.
São incluídas, ainda, como direitos a condução, em juízo, em
separado, e a participação nas audiências sem que haja qualquer tipo de
contato visual com os outros coautores e partícipes. Ademais, proíbe o
cumprimento de pena do delator no mesmo estabelecimento prisio-
nal destes, bem como garante que o indivíduo tenha a sua identidade
preservada frente aos meios de comunicação, não podendo ser foto-
grafado ou filmado sem prévia autorização por escrito.
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basilares de sua estrutura organizacional a hierarquia e a disciplina12, que
garantem a máxima eficácia, poder e controle das Forças Armadas sobre
os seus integrantes. Tais valores manifestam-se também por meio da
camaradagem, do espírito de corpo, do patriotismo, do civismo, da leal-
dade, entre outros preceitos fundamentais inerentes à carreira d’Armas.
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No tocante à distinção entre as categorias de delitos milita-
res, a teoria clássica define crime puro ou propriamente militar
como aquele que só pode ser cometido por militares, pois são vio-
lados deveres próprios da vida na caserna. Segundo Bandeira (1925,
p. 117), pressupõe-se, neste tipo de crime, a “qualidade militar no ato
e caráter militar no agente”, constituindo “um resíduo de infrações
irredutíveis ao direito comum”. Assim, esta espécie de crime refere-
-se apenas aos delitos que estão previstos no Código Penal Militar
(CPM) e que são praticados pelos agentes das Forças Armadas.
Por outro lado, o delito impropriamente militar corresponde
às infrações comuns que foram praticadas por militares ou em local
sob a administração militar e às infrações militares cometidas por
civis. Procura-se resguardar, com essa classificação, os bens e os
interesses inerentes às instituições castrenses, que se fundamentam
basicamente nos princípios da hierarquia e da disciplina.
Não obstante a excelente classificação e definição elaboradas
pela teoria clássica, atualmente essa teoria não é mais considerada
apropriada, pois não resolve a problemática do crime de insubmis-
são13: sua previsão consta apenas no Código castrense, mas o sujeito
ativo é civil. Com isso, tem-se o seguinte questionamento: em qual
categoria deverá ser enquadrado?
Buscando responder esta pergunta, foi criada a nova teoria, apli-
cada na atualidade, que define crime propriamente militar como
todo aquele cuja ação penal somente pode ser proposta contra
militar. Ou seja, é imprescindível, nessa espécie delitiva, o status
de militar para que seja oferecida a denúncia, tornando-se, assim,
condição de procedibilidade da persecução penal. Além disso, os
delitos impropriamente militares correspondem aos tipos legais
previstos tanto no CPM quanto no Código Penal Comum.
Outrossim, apesar de o diploma castrense não apresentar
expressamente a definição de crime militar, o critério predominante
adotado por ele para enquadrar determinada conduta em suas tena-
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zes foi o ratione legis, que permite caracterizar o delito militar como
aquele definido como tal pela norma especial. Além deste, foram
aplicados também mais quatros critérios: ratione materiae, em que
tanto o ato praticado quanto o indivíduo envolvido precisam ter
a qualidade de militar, como no caso da deserção (art. 187, CPM);
ratione personae, no qual somente o sujeito ativo necessita ter o status
de militar, como ocorre no crime de motim (art. 149, CPM); ratione
loci, que exige apenas que o delito seja praticado em local sujeito à
administração militar, como o disposto no art. 9º, II, b, do CPM; e
ratione temporis, que leva em consideração a época em que a infração
foi praticada, como no tempo de guerra (art. 10, CPM).
14 Em 2012, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) criou uma comissão para estudar a
extinção da Justiça Militar (tanto a Federal quanto a Estadual) sob o pretexto de que
há quantidade irrisória de processos, não justificando, assim, as despesas realizadas.
15 Disponível em: https://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?id
Proposicao=2090691. Acesso em: 10 nov. 2018.
16 Art. 2º, Lei n. 13.491/2017: “Esta Lei terá vigência até o dia 31 de dezembro de 2016 e, ao
final da vigência desta Lei, retornará a ter eficácia a legislação anterior por ela modificada”.
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não deveriam ter caráter transitório em razão da segurança jurídica e
de que o emprego recorrente das Forças Armadas exigia uma norma
permanente para regular a questão, evitando-se, também, que a com-
petência de Tribunal com limitação temporal estabelecesse a ideia de
um Tribunal de Exceção. Os arts. 1º e 3º, por sua vez, permaneceram
intactos, sendo responsáveis, respectivamente, por estender a compe-
tência da Justiça Militar e prever a imediata vigência da Lei.
17 Nesse mesmo sentido, Coimbra Neves (2017, p. 6) assevera que “os aspectos pro-
cessuais, que teriam aplicação imediata, necessariamente seguirão a aplicação do
direito material, posto que somente serão avaliados se a nova lei for aplicada, o que
ocorrerá apenas nos casos praticados após a sua publicação, salvo em alguma hipó-
tese de lei mais benéfica ou mesmo em que se conclua ocorrer a abolitio criminis”.
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da CF/198818. Por outro lado, Roth (2018) defende que somente
haverá aplicação do princípio da irretroatividade da lei penal mais
gravosa em relação ao aspecto penal da norma, e será aplicado o prin-
cípio do tempus regit actum – aplicação imediata da lei –, sendo ou não
mais benéfico ao réu, quando se tratar da natureza processual da Lei.
Note-se, diante dos fatos expostos, que, em virtude de ser um
tema novo e ainda pouco discutido, não há consenso quanto à natu-
reza jurídica da Lei n. 13.491/2017. Acredita-se, todavia, que ela
deve ser classificada como norma híbrida, com dupla personalidade,
ora se portando como diploma de natureza processual, ora como de
aspecto material, razão pela qual deverá ser aplicado, independente-
mente da sua natureza, o princípio da irretroatividade da lei penal.
18 Art. 5º, XL, CF/1988: “A lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”.
19 Apenas a título de lembrança, os crimes militares, até a edição da Lei n. 13.491/2017,
dividiam-se em próprios e impróprios.
20 Para tornar mais claro o exposto, o art. 9º, II, do CPM estava, anteriormente,
redigido da seguinte forma: “os crimes previstos neste Código, embora também o
sejam com igual definição na lei penal comum [...]”. Agora, dispõe-se da seguinte
maneira: “os crimes previstos neste Código e os previstos na legislação penal [...]”.
21 Os crimes eleitorais – praticados por candidatos e eleitores – continuam sendo pro-
cessados e julgados na Justiça Eleitoral.
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dramento de qualquer delito existente no ordenamento jurídico
brasileiro na competência da Justiça Militar, desde que, por óbvio,
seja preenchida pelo menos uma das condições previstas naquele
mesmo dispositivo22.
Além disso, alterou-se também o seu antigo parágrafo único,
que foi transformado em § 1º, mantendo-se a competência do
Tribunal do Júri para processar e julgar os crimes dolosos pratica-
dos por militares contra a vida de civis. Ressalte-se, todavia, que,
em relação aos militares das Forças Armadas, estes somente serão
julgados pelo júri federal quando não estiverem agindo em razão
das suas atribuições conferidas constitucional e legalmente. Assim,
com a inserção do § 2º, estabeleceu-se expressamente a competên-
cia da Justiça Militar da União para processar e julgar os crimes
dolosos contra a vida de civil praticados por militares federais no
cumprimento de suas missões23.
No que diz respeito aos novos tipos penais aplicáveis aos mili-
tares, é importante frisar que não foi possível enquadrá-los nas
categorias já existentes (crimes militares próprios ou impróprios),
22 Hipóteses previstas no art. 9º, II, alíneas a a e do CPM: “a) por militar em situação
de atividade ou assemelhado, contra militar na mesma situação ou assemelhado;
b) por militar em situação de atividade ou assemelhado, em lugar sujeito à adminis-
tração militar, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil;
c) por militar em serviço ou atuando em razão da função, em comissão de natureza
militar, ou em formatura, ainda que fora do lugar sujeito à administração militar
contra militar da reserva, ou reformado, ou civil; d) por militar durante o período
de manobras ou exercício, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado,
ou civil; e) por militar em situação de atividade, ou assemelhado, contra o patrimô-
nio sob a administração militar, ou a ordem administrativa militar; [...]”.
23 Hipóteses em que a JMU terá competência para atuar: “I – do cumprimento de atri-
buições que lhes forem estabelecidas pelo Presidente da República ou pelo Ministro
de Estado da Defesa; II – de ação que envolva a segurança de instituição militar ou de
missão militar, mesmo que não beligerante; ou III – de atividade de natureza militar, de
operação de paz, de garantia da lei e da ordem ou de atribuição subsidiária, realizadas
em conformidade com o disposto no art. 142 da Constituição Federal e na forma dos
seguintes diplomas legais: a) Lei nº 7.565, de 19 de dezembro de 1986 - Código Brasi-
leiro de Aeronáutica; b) Lei Complementar nº 97, de 9 de junho de 1999; c) Decreto-
-Lei nº 1.002, de 21 de outubro de 1969 - Código de Processo Penal Militar; e d) Lei
nº 4.737, de 15 de julho de 1965 - Código Eleitoral”.
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o que impulsionou a criação de uma nova classificação: os crimes
militares por extensão. Destaque-se, todavia, que essa ideia não se
encontra pacificada na doutrina, conforme será exposto.
Nesse diapasão, no entendimento de Coimbra Neves (2017, p.
3), essa nova categoria pode ser conceituada como crimes militares
extravagantes, já que estes se encontram previstos fora do Código
Penal Militar24. Por outro lado, Assis (2018, p. 2) garante que não
se pode considerá-los extravagantes, porque este termo se relaciona
àquilo “que está fora do uso geral, habitual ou comum; estranho,
excêntrico”25. Roth (2018), por sua vez, conceitua essa nova classe
como crimes militares por extensão, destacando que somente seria
aplicada quando o crime fosse cometido por militar e estivesse em
consonância com uma das hipóteses previstas nas alíneas a, b, c, d
ou e do inciso II do art. 9º do Código Penal Castrense. Caso con-
trário, continuariam sendo considerados como crimes comuns. O
autor exemplifica tal entendimento com a seguinte situação:
24 Coimbra Neves (2017, p. 3) destaca que se trata de novos crimes militares, aos quais
se dará a designação, doravante, de crimes militares extravagantes, por estarem
tipificados fora do Código Penal Militar, e que devem, segundo a teoria clássica,
conhecer a classificação de crimes impropriamente militares, para, por exemplo,
diante de uma condenação com trânsito em julgado, possibilitar a indução à rein-
cidência em outro crime comum que seja cometido pelo autor, antes do curso do
período depurador, nos termos do inciso II do art. 64 do Código Penal Comum.
25 Definição conferida pelo Dicionário Houaiss (2009).
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4 Análise da aplicabilidade da colaboração
premiada na Justiça Militar: da inovação
legislativa promovida pela Lei n. 13.491/2017
Como demonstrado a mancheias, as alterações promovidas pela
Lei n. 13.491/2017 consistiram basicamente na ampliação dos tipos
penais militares e, consequentemente, da competência da Justiça
Militar, dando origem aos crimes militares por extensão, previstos
exclusivamente na legislação penal comum.
Além disso, a Lei n. 13.491/2017 alterou também o antigo pará-
grafo único do art. 9º do CPM, que foi transformado em § 1º, man-
tendo-se a competência do Tribunal do Júri para processar e julgar os
crimes dolosos praticados por militares contra a vida de civis. Ressalte-se,
todavia, que, em relação aos militares das Forças Armadas, estes somente
serão julgados pelo júri federal quando não estiverem agindo em razão
das suas atribuições conferidas constitucional e legalmente.Assim, com a
inserção do § 2º, estabeleceu-se expressamente a competência da Justiça
Militar da União para processar e julgar os crimes dolosos contra a vida
de civil praticados por militares federais no cumprimento de suas missões.
Baseado nessa inovação legislativa, para que um delito seja con-
siderado crime militar, deverá ser levado em consideração o critério
ratione personae, e não mais o ratione legis. Isto porque não foram alterados,
muito menos revogados, os dispositivos que encerram os crimes militares
em espécie previstos apenas no Código Penal Castrense ou tipificados
também no Código Penal Comum, ainda que de maneira diversa.
Nessa perspectiva, com a mudança da redação do art. 9, II, do
Código Penal Militar – que passou a englobar tanto os crimes pre-
vistos no Código Castrense quanto os da legislação extravagante
–, qualquer delito existente no ordenamento jurídico brasileiro
poderá ser enquadrado como de competência da JM, dependendo,
todavia, do preenchimento de uma das condições previstas nesse
mesmo dispositivo26. Assim, é inegável a possibilidade de aplicação
da Lei n. 12.850/2013 no âmbito da persecução penal militar.
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Nas palavras assentadas por Andreucci e Roth (2015, p. 10):
Indiscutivelmente, o instituto da delação premiada se aplica aos
procedimentos de Polícia Judiciária Militar (inquérito policial mili-
tar – IPM e auto de prisão em flagrante delito – APFD), seja com
base na Lei nº 9.807/1999, envolvendo qualquer crime militar, seja
com base na Lei nº 12.850/2013, seja nos crimes conexos ao crime
organizado, matéria esta que recebeu tratamento na doutrina inau-
gurada por Ronaldo João Roth e também na jurisprudência.
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tanto na Lei das Organizações Criminosas (art. 4º, § 1º)27 quanto
na Lei n. 13.491/2017 (art. 9º, II) sejam respeitados.
Quanto aos requisitos objetivos, é essencial que o colaborador
militar, ao participar das negociações, esteja ali por vontade própria,
ou seja, voluntariamente. Ainda, é preciso que as informações for-
necidas por ele sejam eficazes a ponto de alcançarem um dos resul-
tados previstos em lei, como a identificação dos demais integrantes
da organização criminosa, a sua estrutura hierárquica, entre outros.
Cumpridas todas essas condições, nada impede que a colabo-
ração seja aplicada à persecução penal castrense; ao contrário, acre-
dita-se que é imprescindível para o bom deslinde da investigação
penal militar, tendo em vista o seu propósito de tornar mais rápidas
as apurações criminais e a aplicação das penas correspondentes,
representando, assim, um importante instrumento na luta contra
as organizações criminosas formadas no seio das Forças Armadas.
Ademais, é imperioso destacar que, muito embora a Lei n.
12.850/2013 utilize os termos delegado de polícia para se referir à
autoridade policial responsável por conduzir o acordo de colabo-
ração premiada, nada obsta que o encarregado de polícia judiciária
militar também fique incumbido de exercer tal função, visto que
ambas as figuras têm poderes equivalentes e análogos, sendo res-
ponsáveis por exercerem as mesmas atribuições, consoante o dis-
posto no art. 144, § 4º da Constituição Federal28 e no art. 8º do
Código de Processo Penal Militar (CPPM)29.
27 Art. 4º, § 1º, LOC: “Em qualquer caso, a concessão do benefício levará em conta
a personalidade do colaborador, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a re-
percussão social do fato criminoso e a eficácia da colaboração”.
28 Art. 144, § 4º, CF/1988: “Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de
carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judi-
ciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares”.
29 Art. 8º, CPPM: “Compete à Polícia judiciária militar: a) apurar os crimes militares,
bem como os que, por lei especial, estão sujeitos à jurisdição militar, e sua autoria;
b) prestar aos órgãos e juízes da Justiça Militar e aos membros do Ministério Público
as informações necessárias à instrução e julgamento dos processos, bem como rea-
lizar as diligências que por eles lhe forem requisitadas; c) cumprir os mandados de
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5 Considerações finais
Uma breve análise do que dispõe a Lei n. 12.850/2013 acerca da
colaboração premiada permite concluir que, muito embora o insti-
tuto já estivesse previsto em diversas outras legislações, como a Lei de
Crimes Hediondos e a de Drogas, foi somente com a LOC que o ins-
tituto obteve um tratamento mais específico e aprofundado, diante do
surgimento e do fortalecimento repentino das organizações crimino-
sas, tendo, inclusive, adquirido o status de negócio jurídico processual.
Conforme mencionado alhures, esse instrumento recebeu
maior notoriedade com a Operação Lava Jato, o que, de certa forma,
maculou a sua imagem, pois o modo como foi aplicado nessas inves-
tigações não correspondia muitas vezes ao disposto na legislação
pertinente. E, justamente por isso, buscando expandir o campo de
pesquisa para além das questões tratadas naquele caso, o presente
artigo propôs-se a analisar a viabilidade da aplicação do instituto da
colaboração premiada aos militares das Forças Armadas.
Nesse contexto, apontou-se que a delação, de natureza tanto
material quanto processual penal, pode ser classificada como um meio
de obtenção de prova por meio do qual uma benesse legal, como a
redução da pena em até dois terços, é oferecida ao investigado/acusado,
que, em troca, deverá fornecer elementos de prova ou informações
capazes de elucidar questões atinentes à persecução penal, contribuindo,
inclusive, para derruir a organização criminosa a que pertencia.
Desse modo, considera-se a colaboração premiada um meio de
obtenção de prova primordial no combate ao crime organizado, o
qual, nos dias atuais, representa uma grave ameaça ao próprio Estado
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Democrático de Direito. E nada mais óbvio do que fornecer esse meca-
nismo de defesa aos militares, pois são eles os responsáveis por defender
a Pátria, garantir os poderes constitucionais e manter a lei e a ordem.
Outrossim, acredita-se que a aplicação da Lei n. 12.850/2013
na seara castrense contribuirá de forma significativa para o desen-
volvimento das técnicas de investigação utilizadas pela Polícia
Judiciária Militar, proporcionando soluções mais ágeis e eficazes
aos casos investigados e reforçando a presteza com que a Justiça
Militar atua nos processos.
Por fim, mas não menos importante, propõe-se uma reforma
na classificação dos crimes militares – buscando tornar mais claro
e didático o estudo deste novel legislativo –, no sentido de que
sejam tratados como espécies do gênero crimes militares os delitos
propriamente militares e os delitos militares por extensão. Dentro
destes, ficariam as subespécies dos crimes previstos na legislação
extravagante e aqueles previstos tanto nesta quanto na norma penal
comum (crimes impropriamente militares).
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