Você está na página 1de 10

59

ELETRÔNICA DE POTÊNCIA I - PROF. ARAGÃO


UNIDADE 5
FATOR DE POTÊNCIA NOS RETIFICADORES
1. Conceito de Fator de Potência
O denominado “fator de potência” é um conceito-chave na interpretação do fluxo de cargas
no sistema elétrico, pois identifica a relação entre a potência ativa (kW) de um equipamento e a sua
potência aparente (kVA), total, efetivamente solicitada da rede elétrica.

Matematicamente o fator de potência pode ser definido como a relação entre a potência ativa
solicitada da rede e a potência aparente total:
P P
fp = = ativa
S P (1.1)
aparente
e levando em conta a forma senoidal associada a todas as grandezas elétricas envolvidas, obtém-se
o denominado triângulo de potências:

S
Q
V ef φ

φ P
Ie f

P = V e f .I e f .c o s φ
S = V e f .I e f
Q = V e f .I e f .s e n φ

Fig. 1 – Triângulo de potências.

onde: P = potência ativa (ou real); Q= potência reativa; S= potência aparente.

Este conceito de fator de potência e seu triângulo de potência aplicam-se, sem alterações,
somente às cargas ditas “lineares” (aquecedores, lâmpadas incandescentes, reatores, capacitores e
motores elétricos). Entretanto, a evolução da eletrônica de potência, nas últimas décadas, tem
permitido a fabricação e a crescente utilização de conversores estáticos a semicondutores de
potência nos sistemas de condicionamento de energia e em acionamentos de máquinas elétricas, em
CC e CA, dentre outras aplicações. Em conseqüência, tem-se hoje (1998), um elevado montante de
equipamentos desse tipo que se apresentam para a rede elétrica como cargas “não-lineares”,
opondo-se às convencionais cargas “lineares”, acima citadas.

Uma carga não-linear típica pode ser exemplificada como um simples retificador
monofásico a diodo, cuja corrente solicitada da rede ilustra bem esse comportamento dito não-
linear, comum aos conversores estáticos de potência. A Fig. 2 apresenta a forma-de-onda típica da
corrente de linha, solicitada da rede, por tal retificador.
60

ie vca
ie
+

vca
∼ Co Ro
Vo vale
-

Fig. 2 – Retificador monofásico e corrente de linha.


Considerando-se a tensão da rede como perfeitamente senoidal, e aplicando-se a
transformada de Fourier à corrente pulsada solicitada da rede, obtém-se a seguinte expressão:

I ef ( total ) = I o + I12ef + I 22ef + ...+ I nef


2
(1.2)

onde I1ef é a componente fundamental eficaz da corrente de entrada (na freqüência da rede), Io é a
componente de corrente contínua, ou componente de seqüência zero (que é nula para uma corrente
alternada periódica, com simetria de meia onda), e I2ef ... Inef são os valores eficazes das
componentes harmônicas criadas pela distorção na corrente de linha.

O fator de potência, de uma forma mais generalizada, pode, então, ser calculado como:

P I 1ef ⋅ cosφ 1
fp = = (1.3)
S I ef ( total )

onde φ1 é o ângulo de defasamento entre a tensão da rede e I1ef.

Fazendo-se, agora, uma associação entre Ief(total) e uma grandeza elétrica senoidal na
freqüência da rede, pode-se estabelecer uma relação angular (θ ) entre esta e a corrente eficaz
fundamental (I1ef). O co-seno deste ângulo resulta, portanto:

I 1ef
cosθ = (1.4)
I ef ( total )

e θ estará ligado ao conteúdo harmônico da corrente de linha; à medida em que esse conteúdo
harmônico de Ief(total) se aproxima de zero, θ se aproxima de zero e o cos (θ) se aproxima de 1.

Levando-se em conta as duas últimas expressões, o fator de potência genelizado pode ser
expresso como:

fp = cos φ1 ⋅ cosθ = K φ ⋅ Kθ (1.5)


61
onde Kφ e Kθ estarão representando o fator de deslocamento e o fator de distorção (harmônica),
respectivamente. A representação do novo “triângulo de potências” fica como na Fig. 3:

Vef I1efP P P=Vef.I1ef.cos φ1


I1ef φ1 I1efQ Q=Vef.I1ef.sen φ1
θ Q S1=Vef.I1ef
S1
Ief(total) ∞

S D D = Vef ⋅ ∑I
n=2
2
nef

S=Vef.Ief(total)
Fig. 3 – Triângulo de potências de cargas não-lineares.

Nesta figura, φ1 é o ângulo de deslocamento entre a tensão e a componente fundamental da


corrente de linha, o que leva a denominar-se o cos φ 1 de “fator de deslocamento” (Kφ). Já o ângulo θ
é o ângulo de distorção causado pelo conteúdo harmônico da corrente e o cosθ pode ser
denominado de “fator de distorção” (Kθ). Aumentar o fator de potência significa reduzir tanto a
potência reativa (atraso ou avanço da corrente em relação à tensão de linha), pela redução do ângulo
φ1, quanto a potência de distorção (conteúdo harmônico), pela redução do ângulo θ.

Tanto o sistema elétrico de potência quanto os consumidores podem se beneficiar do


aumento do fator de potência. Supondo que sejam utilizados sistemas corretores de fator de
potência (CFP) nos conversores estáticos instalados, têm-se os seguintes benefícios [1]:

1. As tomadas comuns em residências e no comércio são projetadas para fornecerem 15A de


corrente eficaz nominal. Contudo, uma fonte de alimentação chaveada para
microcomputadores, por exemplo, sem um CFP apresentará um fator de potência em
torno de 0,6, reduzindo a corrente ativa disponível para 9A. Ilustrando, verifica-se que
uma dessas tomadas poderia suprir até quatro microcomputadores de 280W, equipados
com CFP, e apenas dois sem tal sistema de correção do fator de potência.

2. As companhias de eletricidade se beneficiam de um maior fator de potência, na medida


em que a menor corrente eficaz total drenada da rede significa aumento do rendimento do
sistema de transmissão/distribuição de energia elétrica. Os fios podem ter menor diâmetro
para situação de elevado fator de potência. As freqüências (harmônicas) maiores que a
freqüência nominal presentes na rede também causariam problemas ligados a sistemas de
detecção do cruzamento por zero da tensão. Além disso gerariam sobrecorrentes no
neutro e sobretensões ressonantes.

3. O uso específico de CFPs baseados em conversores pré-reguladores de fator de potência


ainda oferece a vantagem da redução dos custos de componentes nos conversores
alimentados a partir de tais CFPs. Para mesma potência de saída um conversor com CFP
terá economia no dimensionamento de transistores, transformador de isolamento e no
capacitor de saída da fonte.
62
2. Conceito de Distorção Harmônica
Para caracterizar o conteúdo harmônico de correntes de linha associadas a cargas não-
lineares, tem sido utilizado, nas pesquisas e na literatura técnica, o termo Total Harmonic Distortion
(THD), ou “taxa de distorção harmônica” (TDH), em português. Este fator aparece a partir do
desenvolvimento da expressão (1.3), resultando:

∑I
n=2
2
nef

TDH = (1.6)
I1ef

onde o numerador representa a corrente harmônica eficaz total, a menos da fundamental. Ou, dentro
da expressão geral para o fator de potência:

cosφ 1
fp = (1.7)
1 + TDH 2

O valor ideal da TDH tenderá a ser o mais próximo de zero possível. Quanto menor o seu
valor numérico menor o conteúdo harmônico da forma-de-onda considerada. Através desta TDH
pode-se, portanto, expressar numericamente o conteúdo harmônico de formas-de-onda com vistas a
normalização, quantificação e comparação. Quanto mais distante da forma-de-onda senoidal for a
forma-de-onda da corrente de linha, maior será o seu conteúdo harmônico, pior sua distorção
harmônica e, conseqüentemente, sua TDH.

As causas do aparecimento das harmônicas na corrente de linha drenada da rede elétrica


estão associadas à presença de cargas não-lineares, tais como:
• circuitos retificadores em: fontes de alimentação chaveadas, carregadores de bateria, reatores
eletrônicos de lâmpadas fluorescentes, conversores para acionamento de máquinas elétricas;
• controladores de potência por ângulo de fase;
• lâmpadas de descarga de gás.

Os efeitos da presença da distorção harmônica na corrente de linha solicitada da rede elétrica


podem ser citados como sendo:

• distorção da tensão de linha (geralmente achatada no seu valor de pico);


• redução do fator de potência (com conseqüente redução da potência disponível e crescentes
perdas na fiação);
• grande corrente de terceira harmônica circulando no fio neutro da instalação;
• ressonâncias LC acarretando sobrecorrentes e sobretensões.

As razões pelas quais as harmônicas devem ser reduzidas são as seguintes.

• Principais:
♦ regulamentação imposta por instituições regulamentadoras (como, por exemplo: IEC,
IEEE, CENELEC, ANSI, dentre outras);
♦ especificações e expectativas do mercado.
63

• Secundárias:
♦ aumento do fator de potência, com conseqüente aumento da potência disponível;
♦ redução da corrente no neutro;
♦ redução da capacidade nominal necessária para sistemas ininterruptos de energia (UPS/no
breaks).

Referência:
[1] Richard Redl. “Low-Cost Line-Harmonic Reduction”, Seminário 7 do APEC’95.

3. Exemplo de cálculo de fator de potência


Para demonstrar-se que um simples retificador monofásico de meia-onda, a diodo (não-
controlado|), e com carga puramente resistiva (R) ainda assim não apresenta fator de potência
unitário, considere-se o seguinte circuito (Fig. 4).

ir if D ic iL

~ R
Vo
Ve
1:1

Fig. 4 – Circuito retificador monofásico de meia-onda, a diodo, e carga R.

O transformador, normalmente utilizado na prática, tem a função de eliminar o valor médio


da corrente de carga (ic), a chamada “componente CC”, na corrente refletida na rede elétrica. Isto se
faz porque não há qualquer interesse em se introduzir na rede elétrica componentes de corrente
contínua, já que a rede elétrica é essencialmente constituída de correntes alternadas, e em cujo
domínio uma componente CC não tem qualquer utilidade.

A forma-de-onda da corrente na carga (ic) bem como seus valores eficaz (Ice) e médio (Icm)
estão apresentados na Fig. 5. Já a forma-de-onda da corrente na rede elétrica (ir) pode ser vista na
Fig. 6, juntamente com o seu valor eficaz (Ire).

O cálculo do fator de potência (generalizado) faz-se como segue.

P Vce ⋅ I ce
fp = = (1. 8)
S Ve ⋅ I re

O valor eficaz da corrente na rede elétrica pode ser calculado como:

I re = I ce2 − I cm
2
(1. 9)
64
2
(Isto porquê: I ce = I cm + I re2 , já que a corrente na carga é formada por duas componentes
distintas: a componente CC e a componente CA, cujos valores eficazes somam-se quadraticamente
para constituir o seu valor eficaz quadrático.)

iL 1
ic
0.5 IIefce
IILmed
cm

0
ωt

0.5
0 2 4 6 8

Fig. 5 – Corrente na carga R e seus valores eficaz e médio.

if 1
ir

0.5
Ire Ifef

0
ωt

0.5
0 2 4 6 8

Fig. 6 – Corrente na rede elétrica e seu valor eficaz.

Da relação entre os valores eficaz e média da meia-onda senoidal retificada tem-se:

I ce π 2
=  I cm = ⋅ I ce (1. 10)
I cm 2 π

Substituindo-se tal expressão na relação (1.9) tem-se:

  2 
I re = 1 −   I ce2 = 0,771 ⋅ I ce (1. 11)
  π 

Sabe-se, ainda, que:


2 ⋅ Ve 2
Vce =  Ve = ⋅Vce (1. 12)
2 2
65
P Vce ⋅ I ce P Vce ⋅ I ce fp = 0,917
fp = =  fp = =  (1. 13)
S Ve ⋅ I re S 2
⋅ Vce ⋅ 0,771 ⋅ I ce
2

Portanto: fp ≅ 0,92

Conclui-se que apesar de a carga ser apenas resistiva, o diodo torna o circuito retificador
não-linear, fazendo com que haja distorção harmônica na corrente drenada da rede elétrica. Esta
distorção é a causa de o fator de potência tornar-se não-unitário, apesar de não haver defasamento
entre a fundamental da corrente de rede e sua tensão.

Levando-se em conta a equação (1.7) pode-se calcular o valor da THD (distorção


harmônica total), sabendo-se que o cosφ1 = 1 já que não há qualquer deslocamento entre a
fundamental da corrente da rede e a sua tensão:
cosφ 1
fp =  TDH = 0,4256  TDH = 42,6% (1. 14)
1 + TDH 2

Verifica-se, ainda, que tal resultado independe do valor da resistência do resistor de carga, já
que é a forma-de-onda que importa na análise: qualquer que seja o valor numérico de R, as formas-
de-onda permanecem inalteradas!

Nos próximos itens, serão analisados alguns retificadores monofásicos e trifásicos do ponto-
de-vista do fator de potência da estrutura.

4. Retificadores Não-Controlados
Como se concluirá mais à frente, os retificadores não-controlados, isto é, aqueles que utilizam
o diodo como dispositivo de potência, não são capazes de provocar defasamento entre a tensão da
rede e a sua correspondente corrente distorcida. O fator de deslocamento será sempre unitário,
ficando por conta do fator de distorção toda a responsabilidade pelo fato de o fator de potência do
retificador resultar menor que a unidade.

4.1. FP no Retif. Monofásico de Meia-Onda com Diodo de Roda-Livre


Seja o retificador monofásico de meia-onda, a diodo, com diodo de roda-livre e carga RL,
conforme a Fig. 7. O transformador (1:1) visa a impedir que a corrente média não-nula circulante no
diodo principal circule, também, no primário e na rede elétrica.

Neste estudo, a corrente na carga será considerada lisa, isto é, constante, sem qualquer
ondulação (ripple). Isto se faz, porque, na prática, todo retificador deve entregar à carga corrente
elétrica da melhor qualidade, ou seja, uma corrente lisa. Sendo assim, as principais formas-de-onda
para o circuito da Fig. 7 estão apresentadas na Fig. 8.
66

ic
ir is
iDRL

Fig. 7 – Retif. monofásico de meia-onda, a diodo, com diodo de roda-livre e carga RL.

ic=I

is
– (I)

iDRL

ir
– (I/2)
t

Fig. 8 – Correntes no retificador da Fig. 7.

Verifica-se, nessa figura, que a corrente na rede (ir) é uma onda alternada, visto que a
componente CC, que circula no secundário do transformador (is) não passa para o seu circuito
primário. Observe-se, aqui, que a corrente no secundário, por possuir um valor médio não-nulo,
acaba por estressar o enrolamento secundário do transformador (podendo leva-lo à saturação). Isto
exigirá que tanto o dimensionamento da bitola do condutor secundário quanto o do pacote
magnético sejam maiores do que o que seria necessário num transformador que não tivesse tal valor
médio circulante, como é o caso do retificador de onda completa, a diodo, a ser analisado.

Para a análise do fator de potência do retificador, visto pela rede elétrica, deve-se calcular
tanto a potência consumida pela carga quanto a potência aparente total fornecida pela rede. Para a
potência consumida na carga, sendo a corrente considerada lisa, tem-se:

Pc = Vcm ⋅ I cm = Vcm ⋅ I (1. 15)

Ora, o valor da tensão média (Vcm) de tal retificador é conhecido e dado por: Vcm = 0,45 ⋅ Ve , onde Ve
é o valor eficaz da tensão na rede elétrica.
67
Para a potência aparente, no primário do transformador, tem-se:

S p = Ve ⋅ I re (1. 16)

Mas a corrente eficaz na rede elétrica (ou no primário do transformador) é facilmente calculada
como sendo: I re = I 2 . Tem-se, portanto, para o valor do fator de potência:

Pc 0,45 ⋅ Ve ⋅ I
fp = = = 0,90 (1. 17)
Sp Ve ⋅ ( I 2)

Conclui-se, então, que o fator de potência do retificador de meia-onda, a diodo, em modo de


condução contínuo da corrente de carga (corrente lisa) é 90%. Observe-se que a corrente elétrica
circulante na rede apresenta uma componente alternada em fase com a tensão da rede, significando
isto que o retificador não exige da rede potência reativa. No entanto, devido à forma-de-onda
quadrada circulante na rede elétrica, pode-se dizer que esta fornece à carga uma espécie de potência
reativa harmônica (D, na Fig. 3, p. 61), além da potência ativa Pc, que pode ser entendida como
potência consumida ou potência média.

4.2. FP no Retificador Monofásico de Ponto-Médio


O retificador monofásico de onda-completa, de ponto-médio, ou de tap-central, alimentando
carga RL, está apresentado na Fig. 9. A corrente na carga será considerada uma corrente lisa (sem
ondulação).

As formas-de-onda das correntes no retificador encontram-se na Fig. 10. O cálculo do fator


de potência resulta:

Pc = Vcm ⋅ I cm = 0,9 ⋅ Ve ⋅ I ; S p = Ve ⋅ I re = Ve ⋅ I  fp = 0,90 (1. 18)

ir iD1
ic

iD2

Fig. 9 – Retificador monofásico de onda-completa com tap-central (ou ponto-médio).


68

ic=I

iD1
– (I)

iD2

ir
– (I)
– (-I) t

Fig. 10 – Correntes para o retificador da Fig. 9.

Verifica-se que o fator de potência desta estrutura é igual ao daquele da estrutura anterior
(retificador monofásico de meia-onda, a diodo, com diodo de roda-livre e MCC). Isto acontece em
virtude do fato de que as formas-de-onda das correntes na rede (ir) de ambos os retificadores são
iguais.

4.3. FP no Retificador Monofásico em Ponte


Para o caso do retificador monofásico de onda-completa, em ponte, isto é, constituído por
quatro (4) diodos em ponte (também chamada de “ponte H”), constata-se que o fator de potência é
igual ao da estrutura do item 4.2, visto que as formas-de-onda das correntes na rede (ir) de ambos os
retificadores são, também, iguais. Deve ser lembrado, aqui, que a corrente na carga tem sido
considerada como uma corrente perfeitamente constante (lisa), sem componentes harmônicas.

O fator de potência para esta estrutura vale, portanto: fp = 0,90 .

4.4. FP no Retificador Trifásico de Meia-Onda

Para o retificador trifásico de meia-onda, a diodo, com carga RL (Fig. 11), em modo de
condução contínuo e corrente de carga lisa, têm-se as formas-de-onda de corrente conforme a Fig.
12.

Fig. 11 – Retificador trifásico de meia-onda, a diodo, com carga RL em MCC.

Você também pode gostar