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A festa do Ano Novo

Ler este conto infantil fez-me reviver experiências da minha infância, repletas de brincadeiras ao ar livre com
amigos e primos. Também me recordou de que é, por vezes, em circunstâncias de maior necessidade que o
afeto, a solidariedade e a amizade mais se fazem sentir.
Todos os anos agradeço as celebrações em que menos coisas materiais recebi,
porque me fizeram sentir o amor de uma forma mais profunda.

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Se havia um objeto famoso no bairro, era a panela da Avó.


A Avó vivia na orla da floresta e as crianças metiam-se dentro da panela, tomavam
banho nela, e faziam viagens misteriosas balançando-se nos ramos de onde ela pendia.
Naquele tempo, as pessoas passavam por muitas dificuldades. O dinheiro valia tão
pouco que, se caísse uma moeda ao chão, ninguém se dava ao trabalho de a apanhar.
Claro que isto só acontecia com as pessoas que tinham trabalho. Os desempregados nem
sequer sabiam o que era ter dinheiro.
O Natal passara, crispado e tristonho, com poucos motivos para festejar.
Chabela e os irmãos não tinham tido presentes.
Já Laurita e Gusti tinham tido mais sorte, pois os pais tinham emprego. Fizeram
bolos, convidaram alguns vizinhos e os filhos receberam umas sapatilhas fantásticas. Gusti
conseguira até um pequeno carrinho extra à custa de tanto reclamar…e Laurita não
deixava de achar a festa divertida: as noites tornavam-se douradas com o lançar dos
foguetes e havia doces a flutuar…

Porém, nas vésperas do Ano Novo, os adultos ficavam geralmente tristes a relembrar
o passado ou a criar esperanças em relação ao futuro. Só que, desta vez, nesse ano, nem
valia a pena sonhar: para os pais de Chabela e muitas outras famílias não havia que comer
em casa.
Entretanto, inconformados com a situação, Chabela, Laurita e Gusti tinham querido
ajudar…e tinham feito grandes descobertas: a Dona Célia tinha muito macarrão, a Avó
tinha bastantes repolhos e os Gutiérrez, cebolas e cenouras. Descobriram ainda que os
sete irmãos Pérez podiam dispensar alguma carne e muitos pães...

Aquela tarde foi muito movimentada para as crianças.


Enquanto alguns adultos faziam os preparativos para a passagem de ano (eram
raros…), elas saíam e entravam, revirando os olhos sempre que alguém lhes perguntava o
que andavam a fazer e desaparecendo por muito tempo.
Tinham decidido preparar o jantar, como se este fosse um grande desafio.

Ao fim da tarde gerou-se uma grande confusão no bairro: não havia macarrão nem
repolho nem cebolas em nenhum das casas! A própria dona da mercearia descobriu que
lhe faltavam algumas latas de conservas… De repente, alguém gritou:
— Há fogo no baldio! Olhem o fumo!
Todos acorreram e viram, na semiobscuridade da última noite do ano, uma enorme
fogueira sobre a qual a panela da Avó, qual joia raríssima, faiscava e cantava com o bojo
cheio de pequenas coisas que exalavam um cheiro delicioso. Tudo se dourava alegremente
no crepitar do azeite, e as crianças, diligentes, agitavam, cortavam e repartiam, em
movimentos que muito se assemelhavam a uma estranha dança do fogo.
Todos as fitaram, boquiabertos.
Mas não se detiveram por muito tempo, pois havia que tratar da mesa.
Uma mesa feita de muitas mesas.
Uma mesa muito comprida, para a passagem de um Ano Novo de partilha.

Laura Devetach

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