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A poetisa Sei
e
o samurai
Era uma vez, no país onde o sol nasce, um samurai que colecionava as armas das
suas vítimas:
sabres de cavalaria,
catanas e wakizashi,
espadas, punhais, lanças,
cutelos, estiletes, dardos,
arcos de todos os tamanhos
com as suas flechas.
Muitas vezes a imperatriz Sadako pedia a Sei para ler o seu caderno, delicadamente
escrito.
E, para a ouvir melhor, Tsunefusa aproximava-se do biombo dourado, do seu
leque, do seu porte sábio.
As leituras agradavam ao homem guerreiro. Apesar da cabeça rapada e das
sobrancelhas de dragão, Sei não o temia mas sempre o repudiava.
E a senhora Sei Shônagon dizia assim:
E o samurai invejava-o.
Com uma escrita segura e célere, a Senhora Sei Shônagon enchia inúmeras páginas
de um simples papel de arroz. Pediam-lhe que lesse e sorriam quando ela, gracejando,
fazia a lista das coisas que enchem de alegria:
E também:
O samurai escutava.
Toque suave de sedas, o som de páginas que se viravam e um leve pestanejar.
Quando ousaria escrever à poetisa? Quando conseguiria escrever com um bambu
talhado sobre uma folha sem a furar, sem se sujar de tinta?
A quem ousar perguntar o segredo da escrita quando se é um ilustre mestre de
armas, quando se é somente um simples mestre de armas?
Por detrás dos seus leques, as damas de honor não se ririam mais dele!
Até a Senhora Sei Shônagon sorriria para ele.
Além disso, já não colecionava sabres e lanças mas rolos de papel de arroz.
Albergariam os seus cofres o segredo da escrita?
Com um pincel novo, pôs-se de joelhos diante da página branca. Mas a mão
recusava-se a obedecer-lhe. Não lhe saía nada.
Com os instrumentos dos melhores calígrafos do Império, o grande samurai não
conseguia ser um poeta.
Nesse mesmo dia, por detrás do seu leque, talvez a Senhora Sei Shônagon se tenha
rido dele…
Humilhado, Minamoto Tsunefusa abandonou a corte numa noite sem luar.
Viajou todo o inverno por caminhos cheios de neve, pelas encostas do monte Fu
Ji. Por onde passava, pedia humildemente:
— Ensinai-me a escrever!
Questionou alguns pintores.
Pegou no pincel de um menino calígrafo a quem a sua espada assustava.
Seguiu um monge que o levou a isolar-se na montanha sagrada. Com ele, imóvel
e ao frio, fez meditação.
No branco puro da neve nas terras altas, olhando pensativo o voo dos grous
cinzentos, sentiu-se finalmente poeta.
Durante esse tempo, na ausência dos homens que foram chamados para os
exércitos, a imperatriz Sadako e as suas damas de honor fecharam-se no palácio.
Sem parar, a neve caía nos jardins. Arrepiadas de frio, matavam o tempo como
podiam, cansadas de rever os aspetos desoladores daquela dura estação do ano:
Mas que tédio! A Senhora Shônagon disfarçava mal as palpitações por detrás do
seu leque nacarado. Como apressar a chegada da primavera? Como apressar o
regresso dos homens tão amados?
Na vida, o que ela mais gostava era de escrever.
Anotava tudo e não se importava que o seu pincel se gastasse.
No palácio, escrevia para agradar à corte. Durante o dia, fazia aquelas listas
intermináveis do que gostava e do que não gostava:
Notas de sonho,
Notas íntimas,
Uma noite, não aguentando mais, bateu violentamente à porta da Senhora Sei sem
ter sido convidado. Tinha um pretexto: trazia-lhe o gato branco que saíra do seu
esconderijo para receber o samurai, o seu salvador.
Apesar dos gritos da poetisa, saiu de lá com
um estranho embrulho debaixo do braço.
Montou no seu cavalo negro e desapareceu
com o caderno roubado.
Abrindo-o, fixou o seu olhar na página das
coisas que ela detestava:
Por seu lado, por precaução e mesmo apesar
de ter ficado zangada, a senhora Sei Shônagon não
contou nada a ninguém sobre a inconveniente
visita do grande samurai. Mas guardou
segredo sobre sua majestade o gato que, numa
noite, viera à procura de um refúgio junto dos seus
pincéis, dos tinteiros e das suas delicadas folhas de
papel de arroz.
Ou ainda:
A imperatriz Sadako, que ficara triste desde que ela partira, suplicava-lhe que
voltasse para o palácio.
O imperador escrevia-lhe num tom mais ameaçador.
Numa flor de lotus, Sei respondia, delicadamente, com alguns versos:
Minamoto Tsunefusa,
que depõe a vossos pés todas as suas armas.
E ficou à espera.
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Françoise Kerisel
La poétesse Sei et le samouraï
Paris, L’Harmattan, 2011
(Tradução e adaptação)