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Faculdade de Educação
Belo Horizonte
2011
Waldimir Rodrigues Viana
Belo Horizonte
2011
Waldimir RodriguesViana
BANCA EXAMINADORA
____________________________________________________________
Professora Doutora Carmem Lúcia Eiterer – FAE/UFMG
Orientadora
____________________________________________________________
Professor Doutor Leôncio José Gomes Soares - FAE/UFMG
Examinador
____________________________________________________________
Professor Doutor José Simões de Almeida Junior - FAE/UFMG
Examinador
____________________________________________________________
Professora Doutora Lúcia Helena Alvarez Leite - FAE/UFMG
Examinadora suplente
____________________________________________________________
Professor Doutor Charles Moreira Cunha - FAE/UFMG
Examinador suplente
Belo Horizonte
2011
VIANA, Waldimir Rodrigues - (Dimir Viana)
Em primeiro lugar, à profa. Dra. Carmem Lúcia Eiterer, por seu interesse e orientação.
Aos alunos da turma 365 do PROEF II, pela participação efetiva e decisiva no meu campo de
pesquisa.
Aos professores Doutores Leôncio José Gomes Soares, José Simões de Almeida Junior,
Charles Moreira Cunha e a profa. Dra. Lúcia Helena Alvarez Leite, por fazerem parte da
banca examinadora.
Ao prof. Dr. Rogério Cunha Campos, pela leitura e por conceder seu parecer ao projeto.
Aos professores do Curso de Teatro da UFMG, que possibilitaram uma formação fundamental
para o avanço de meus estudos.
Aos colegas Gustavo Cabral, Joana Ribeiro e Rosa Amaral, pela recepção e colaboração no
PROEF II, e à Clarice Rena, pelo auxílio nas montagens e apresentações de Teatro Fórum.
Ao amigo Orlando Orube e equipe do Teatro SESI HOLCIM, por oferecer o belo teatro onde
concluímos nosso percurso artístico e pedagógico.
Augusto Boal
RESUMO
This paper we are presenting results from the development and respective analysis of a
proposal of the Theater of the Oppressed with adult students from EJA (adults and young
people education). The field research lasted a school semester. The works were performed
with 27 students of the Primary Education Project (PROEF II - second segment Education of
Young People and Adults Project), which operates in the Pedagogical Center of the Federal
University of Minas Gerais. This paper is divided into six chapters. The first chapter
introduces the researcher and his motivations. We then go through a brief background
synthesis of the education of young people and adults in Brazil. Also in this initial part we
present the methodological configuration, the quests of the research and the general text
organization with the aim to guide the reader in relation to the content. In the second chapter a
historical overview of the theater development is outlined with the intention of debating the
TO (Theater of the Oppressed) under the education perspective. We take the eastern and
western drama as reference. Thus it is possible to perceive the differential of the Theater of
the Oppressed in relation to other theatrical poetics, precisely due to its political and
pedagogical function which we consider very significant and relevant to the EJA context.
Next we dedicate a chapter to the closeness between Paulo Freire’s Pedagogy of the
Oppressed and Augusto Boal’s Theatre of the Oppressed. The fourth chapter in its turn is the
general explanation about what we observed and what was constructed by the subjects in the
research field. Whereas the fifth chapter is dedicated to the final considerations. In the sixth
chapter we summarize and present our conclusions that the TO, dispensing rigid technical
development, even without refuting the organization and scenic beauty, valuing the
criticality and real life themes, it provides all EJA students with means to create and act
dramatically.
Key words: Theater of the Oppressed, methodology and adults and young people education.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Tabela 1 - Dados da realidade social dos alunos e alunas da turma 365 – PROEF II –
1º Semestre de 2010........................................................................................132
1 Introdução.......................................................................................................................16
1.1 A pesquisa e seu contexto.................................................................................................16
1.2 EJA – um campo aberto....................................................................................................19
1.3 Configuração metodológica e as indagações da pesquisa................................................26
1.4 Organização do trabalho...................................................................................................29
6. Conclusão.......................................................................................................................161
Referências.....................................................................................................................165
Sites................................................................................................................................173
Glossário.........................................................................................................................174
Anexos.............................................................................................................................184
1 INTRODUÇÃO1
1
Somente nesta parte inicial utilizamos os verbos em primeira pessoa do singular como forma de
apresentação do pesquisador. No restante do trabalho assumimos o discurso na segunda pessoa do
plural.
2
Método teatral criado por Augusto Boal.
3
O interesse desta pesquisa recai, especificamente, sobre o sujeito adulto. Assim, não trataremos com
maior amplitude os aspectos ligados à juventude, porque acreditamos que o enfoque voltado para
adultos nos permite uma maior profundidade em nível de estudo, já que tivemos, ao longo de nossa
trajetória profissional, maior proximidade com este público.
4
Somos colaboradores da ASMARE (Associação dos Catadores de Materiais Reaproveitáveis de Belo
Horizonte), do MNCR (Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis) e do MNPR
(Movimento Nacional da População de Rua). Desenvolvemos, junto a estes organismos, atividades
educativas pautadas na mobilização social, por meio da arte e ações pontuais de multiplicação de TO,
além de apresentações de Teatro-Fórum.
16
Além disso, cabe ressaltar que, com formação de Multiplicador de Teatro do
Oprimido junto ao Centro de Teatro do Oprimido (CTO) do Rio de Janeiro,5 pratico o
método desde os anos noventa acumulando, dentre outras experiências, a de professor
substituto de Teatro, no Centro Pedagógico da UFMG e de Práticas de Ensino em Teatro
e Música, na Faculdade de Educação da mesma universidade.
Em meio à soma de ações como as citadas, destaco que o maior estímulo
para esta pesquisa advém de um projeto realizado na capital mineira com uma turma de
EJA da Escola Estadual Leon Renault. Durante o ano de 2007, com o auxílio da
professora Rita Gusmão, titular do Departamento de Fotografia, Teatro e Cinema
(EBA/UFMG), na condição de professor contratado pela Rede Estadual de Ensino,
desenvolvemos nossa primeira ação educativa com o Teatro do Oprimido e alunos
adultos. Na ocasião, as atividades limitaram-se apenas aos jogos do TO, o que se
mostrou insuficiente para dimensionar os efeitos pedagógicos do método que, conforme
exporemos nesta dissertação, possui etapas com objetivos intencionalmente delineados.
Por esta razão, acima de quaisquer outras, empreendi esta investigação.
Também como impulso para o desenvolvimento deste estudo ressalta-se o
fato de que, embora a minha atuação profissional na escola regular e em EJA seja
substancialmente menor que aquela em projetos sociais, percebi que o teatro, além da
arte em si, com toda a sua complexidade estética, formal e técnica era proposto,
reiteradas vezes, de maneira “equivocada” nas escolas. Segundo meu ponto de vista,
algumas escolas observadas não estabeleciam parâmetros pedagógicos consistentes,
capazes de obter desta arte o que ela pode proporcionar em nível educacional, de
conhecimento artístico e acessibilidade cultural ao educando.
Por razões como estas passei a investigar as possíveis implicações do Teatro
do Oprimido na EJA. Para tanto houve a exigência de um estudo teórico amplo,
sustentado sobre a ruptura e avanço históricos implementados por Augusto Boal, que
buscasse verificar os efeitos dessa ruptura estética com adultos que participam da EJA.
Além disso, experimentamos algumas das técnicas sugeridas pelo autor, com a
finalidade de compreender como esse sistema teatral pode contribuir como elemento de
função pedagógica.
5
CTO (Centro de Teatro do Oprimido) situa-se no Rio de Janeiro. Dirigido por Augusto Boal até maio
de 2009, o centro conta com o trabalho de vários curingas (mediadores que estimulam a interação do
espectador dentro do teatro fórum; normalmente os curingas são multiplicadores de TO). Nestes
locais, são promovidos encontros, cursos e espetáculos para a formação de multiplicadores.
17
É importante esclarecer, ainda, que a pesquisa vislumbrou uma abordagem
sobre dois campos diversos: o teatro (abordando um método) e a educação de jovens e
adultos. No tocante ao primeiro campo, o Teatro do Oprimido, cabe mencionar que
nossos primeiros contatos ocorreram nas escolas profissionalizantes de Teatro. Estudei,
entre 1988 e 1989, no Teatro Universitário da UFMG, escola que mantém o mais antigo
curso de formação de atores de Minas Gerais e funciona, atualmente, no campus da
UFMG, dentro do complexo da Escola de Belas Artes. Concluí o curso de atores entre
os anos de 1991 e 1993, no CEFAR, da Fundação Clóvis Salgado, no Palácio das Artes
de Belo Horizonte. Nessas oportunidades percebia-se que as abordagens do teatro de
Boal eram superficiais, tanto em termos práticos quanto teóricos, levando-se em
consideração o fato de, já naquela época, o TO ser reconhecido mundialmente. As
atividades abrangiam apenas a etapa dos jogos, sem considerar as intenções política e
politizadora do método. Apesar disso, as sessões de jogos teatrais bastaram para me
despertar uma grande simpatia.
A partir de então o interesse tornou-se cada vez mais crescente, mesmo
porque desde o meu ingresso na vida artística, que ocorrera paralelamente à minha
formação em educação, mantive muito interesse por metodologias teatrais que pudessem
instrumentalizar um trabalho que agregasse o teatro ao campo da educação popular.
Assim, “os achados” nas escolas profissionalizantes representaram uma pista valiosa na
direção do que eu buscava.
Nesse percurso tomei contato com várias “escolas”. Na Europa, por
exemplo, tive contato direto com a Antropologia Teatral, com técnicas de Commedia
Dell’Arte, de Clown e Mimo Corpóreo. Além dessas variações realizei estudos sobre os
cantastorie e os giullari italianos. No entanto, foi ao aproximar-me incisivamente do
Teatro do Oprimido que descobri o potencial desse método para a educação.
Expandindo a minha hipótese, notei que não se tratava, simplesmente, de um
instrumento, mas de um sistema de teatro emancipador, capaz de promover a criação
artística crítica e participativa.
E o porque da escolha de EJA? O ponto de confluência entre o teatro de
Augusto Boal e a pedagogia de Paulo Freire é demarcado pelo conceito de oprimido que
será tratado mais adiante. Ambos defendem a libertação do oprimido histórico nas
sociedades classistas. Por este viés entendi que os educandos adultos, sendo homens e
mulheres em situação escolar na fase madura da vida, fossem os sujeitos mais apropriados
para nosso estudo, pois estamos de acordo com Oliveira (1999) quando esta assinala que
18
O adulto está inserido no mundo do trabalho e das relações interpessoais de um
modo diferente daquele da criança e do adolescente. Traz consigo uma história
mais longa (e provavelmente mais complexa) de experiências, conhecimentos
acumulados e reflexões sobre o mundo externo, sobre si mesmo e sobre as outras
pessoas. Com relação à inserção em situações de aprendizagem, essas
peculiaridades da etapa de vida em que se encontra o adulto fazem com que ele
traga consigo diferentes habilidades e dificuldades (em comparação com a
criança) e, provavelmente, maior capacidade de reflexão sobre o conhecimento e
sobre seus próprios processos de aprendizagem (OLIVEIRA, 1999, p. 60-61).
Nesse sentido, observa-se que o adulto da EJA traz consigo uma carga
biográfica marcada por aspectos de opressão, os quais são a matéria prima do Teatro do
Oprimido. Acrescenta-se, por fim, que a escolha desta proposta de pesquisa também
decorre do desejo de analisar a proximidade entre a Pedagogia do Oprimido e o Teatro do
Oprimido, tendo em vista que constituem concepções relevantes na história da educação e
do teatro inerentes, desde suas origens, à educação popular de jovens e adultos.
A partir da análise de vários autores6 levada pela preparação para este trabalho,
foi possível entrar em contato com temas ligados à história da EJA, os quais
fundamentaram nossa incursão no campo de pesquisa. Dentre esses temas destacam-se a
tensão entre a educação popular e a educação “escolarizante” e a configuração
contemporânea da EJA. Trataremos destes temas a seguir, mas sem maior profundidade
visto que este não é o momento oportuno; de fato, interessa-nos, agora, a contextualização
do campo da EJA, que é essencial para a investigação que aqui será apresentada.
Para adentrar no campo da EJA em sua concepção contemporânea verificamos
o panorama histórico desta modalidade. De acordo com Arroyo (2005), este é um território
cuja história é muito mais tensa do que a história da educação básica. Na EJA cruzaram-se
e cruzam-se, até hoje, interesses menos consensuais do que aqueles da educação da
infância e da adolescência, sobretudo quando os jovens e adultos são trabalhadores, pobres,
negros, oprimidos, excluídos.
No decorrer das pesquisas, detectamos que o tema do analfabetismo sempre
esteve em pauta e, por décadas, configurou-se como um grave problema social. Dados
revelam, inclusive, que em 1940 mais da metade da população brasileira era analfabeta, o
6
Arroyo (2005), Barreto (2005), Coelho e Eiterer (2005), Di Pierro (1999 e 2005), Fávero (2004),
Freire, (1983), Haddad e Di Pierro (2000), Oliveira (1999) e Soares (2002). Cunha, Miranda e Salgado
(2005).
19
que provocou reações de enfrentamento nos governos daquela época. No pós-guerra o
olhar sobre a questão ganhou outra dimensão e, em 1947, foi lançada, sob a tutela da
União, a primeira Campanha de Educação de Adultos (CEAA).
A partir daí surgiram outros projetos, programas e campanhas, não como
políticas de Estado mas de governos. Em sua grande maioria tratava-se de políticas
estanques e ineficazes, reguladas por uma marca compensatória e supletiva. Em razão
disso, sugere-se o entendimento de que se buscava apenas suprir defasagens educacionais
de uma massa populacional e, assim, atender a interesses de ordem política e econômica.
Entre o final dos anos cinquenta e início da década seguinte surge uma nova
visão sobre a educação de jovens e adultos (FAVERO, 2004), no contexto de um
suposto desenvolvimentismo do Brasil durante o governo de Juscelino Kubitschek.
Dentro desse panorama passa a ser exigida dessa parcela da população uma imediata
preparação para o mundo do trabalho, como mão de obra qualificada voltada ao projeto
de expansionismo industrial, comercial e agrícola em vigor.
Entretanto, mesmo em meio a esses impasses ideológicos no campo da
educação em foco e às transformações sociais e econômicas, derivam deste tempo as
ideias e práticas do educador pernambucano Paulo Freire que coloca as classes
populares e oprimidas, onde situam-se os analfabetos, no eixo dos debates educacionais.
Freire concebe a alfabetização apenas como um primeiro passo para a educação de
adultos. Com relação a isso, Fávero acrescenta que
[...] em seminários e cursos para os jovens católicos, alavanca-se a
alfabetização e a educação de adultos como um movimento de conscientização.
Coube a Paulo Freire, partindo do conceito antropológico de cultura e
recuperando a cultura popular como uma forma de vida, sintetizar genialmente
essa abordagem, nas famosas “fichas de cultura” do Sistema de Alfabetização,
forte motivação para os processos educativos realizados na época (FAVERO,
2004, p.24).
7
Em 1962 é criado o Movimento de Cultura Popular (MCP) na gestão do então prefeito do Recife
Miguel Arraes. O MCP passa a dar atendimento educacional tanto para crianças quanto para adultos.
“Estreitamente ligada às necessidades da população pobre, recuperando a cultura como elemento
fundamental de transformação da realidade. Nasce no MCP e logo é sistematizado no Serviço de
Extensão e Cultural da então Universidade do Recife, o Sistema Paulo Freire de Alfabetização de
20
idealizador e inspirador da educação popular como uma das concepções da educação do
povo. (PALUDO In: RENDIN, STRECK, ZITKOSKI, 2008).
Sempre com sua atenção voltada às classes populares, Paulo Freire inaugura
um novo paradigma para a educação de adultos. Em face dessa circunstância propõe um
processo de alfabetização calcado na criatividade e na participação ativa e dialógica
entre educadores e educandos. Nesse sentido defende uma metodologia de timbre crítico
e transformador, com base na realidade de vida do povo, o que será discutido no terceiro
capítulo desta dissertação.
Em um esforço para contextualizar e também justificar essa proposta de
pesquisa, tem-se que, com a tomada do poder pelos militares, as experiências de
organismos populares que abarcavam as ideias do educador pernambucano, como os
CPCs (Centros Populares de Cultura), o MEB (Movimento de Educação de Base) e o
próprio PNA (Programa Nacional de Alfabetização do Ministério da educação) foram
sumariamente eliminadas.
Vale dizer que, segundo o sociólogo Carlos Estevam Martins8 os Centros
Populares de Cultura (CPCs) foram idealizados no interior do grupo Teatro de Arena
por ocasião de uma temporada do espetáculo “Eles não usam black-tie” e “Chapetuba
Futebol Clube” no Rio de Janeiro. Por descontentamento e reavaliação dos trabalhos do
grupo alguns integrantes proporcionaram a montagem de um espetáculo mais
contundente: “A Mais Valia Vai Acabar, Seu Edgar” de Vianinha com música de Carlos
Lyra. Oduvaldo Vianna Filho, membro do grupo, foi, portanto um dos mentores dos
CPCs que uniram importantes artistas brasileiros de diversas áreas no início dos anos
60, com a finalidade de coletivizar o fazer artístico mantendo um caráter de
engajamento político, com o propósito de chegar ao povo e combater sua alienação. O
teatro teve grande relevância nos CPCs que Associaram-se à UNE (União Nacional de
Estudantes) sendo que os espetáculos eram levados a locais pouco convencionais, nas
cidades e em áreas rurais, em sedes de sindicatos ou mesmo nas ruas e portas de
fábricas.
O Movimento de Educação de Base (MEB), vinculado à CNBB (Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil), foi criado em 1961 e desenvolvia um programa de
21
alfabetização e educação de base por meio de transmissões radiofônicas de emissoras
católicas abrangendo, principalmente, Estados das regiões Nordeste e Norte. Segundo
Fávero (2011), o MEB foi um movimento essencialmente rural e naquela década
centrava suas ações nas lutas operárias voltadas para a reforma agrária.
Já o Programa Nacional de Alfabetização (PNA) foi instituído em janeiro de
1964, no governo de João Goulart, legitimando a adoção do método de alfabetização
criado por Paulo Freire como esforço do governo federal para a eliminação do
analfabetismo no País. O programa definia metas e recursos, ou seja, números de
analfabetos de 15 a 45 anos que seriam atendidos, número de “círculos de cultura” e os
valores em dinheiro para todas as unidades da federação.
Após as drásticas intervenções em relação a estes organismos a ditadura deu
continuidade à proposta de erradicação do analfabetismo criando o Movimento
Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL), por meio da Lei nº 5.379 de 15 de dezembro
de 1967. Segundo registros esse movimento perdurou até 1985 quando, desgastado, foi
extinto, com resultados irrisórios de redução do analfabetismo, considerando sua
duração e os recursos recebidos do governo. Assim, o MOBRAL foi substituído pela
Fundação Educar que, de 1986 a 1990, passou a gerenciar, técnica e financeiramente,
iniciativas governamentais e da sociedade civil (FÁVERO, 2004 apud PAIVA, 2006).
Com a implementação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (nº 5692 de
1971) no mesmo período em que vigorava o MOBRAL - responsável pela alfabetização
no país - a educação de adultos , foi convertida a Ensino Supletivo, com a finalidade de
suprir a escolarização regular para os adolescentes e adultos que não a tinham seguido
ou concluído na idade própria. Além disto, buscava proporcionar, mediante retorno à
escola, estudos de aperfeiçoameto ou atualização para os que tivessem seguido o ensino
regular no todo ou em parte.
Nesse cenário, no início dos anos sessenta havia uma certa aliança entre as forças
de governo e as ações emancipatórias no meio popular, em proveito da alfabetização de
adultos. Em oposição o regime militar, anos mais tarde, legitimava esta forma de
educação, porém com enfoques pedagógico, político e ideológico diversos. A partir de
1970 a educação popular acontece, esparsamente, em organizações religiosas, sindicais
e culturais, mantendo sua marca de resistência e militância.
Nos anos oitenta um novo momento da educação de adultos é configurado por
ocasião da redemocratização do país. Esse período foi responsável por uma renovada
conjuntura que trouxe para o centro do debate da educação popular questões da
22
pedagogia e da didática. Assim sendo, a educação de jovens e adultos deixa sua
condição marginal e semiclandestina adquirindo, em certa medida, prestígio como
matriz pedagógica desejável para toda forma de educação (CUNHA; MIRANDA;
SALGADO, 2005). Nessa perspectiva, observa-se que
O fim do regime militar e a retomada das eleições diretas nas capitais em
meados dos anos de 1980 criaram o ambiente político-cultural favorável para
que os sistemas de ensino público começassem a romper com o paradigma
compensatório do ensino supletivo e, recuperando o legado dos movimentos
de educação e cultura popular, desenvolvessem experiências inovadoras de
alfabetização e escolarização de jovens e adultos. De fato, algumas das
iniciativas mais bem sucedidas do período da redemocratização foram
conduzidas por governos locais, em parceria com organizações e movimentos
sociais, que emergiram na cena política e impulsionaram o reconhecimento
dos direitos sociais na Constituição Federal de 1988, dentre os quais os dos
jovens e adultos ao ensino público gratuito (DI PIERRO, 2005, p. 1118-
1119).
23
governo Fernando Henrique Cardoso (FHC), que vetou parcialmente a lei que
regulamentava esse fundo, relegando a Educação de Jovens e Adultos a uma condição de
penúria. Vale destacar, ainda, a postura deste governo que manteve seu distanciamento
mesmo após a adesão do Brasil à Declaração de Hamburgo, um marco de compromisso
internacional firmado no ano de 1997, conforme veremos a seguir. A título de contribuição
argumentativa acrescentamos que
Apesar da demanda crescente de jovens e adultos por oportunidades
educacionais em virtude das exigências de escolaridade para o acesso e a
permanência no mercado de trabalho, o Governo Federal optou por priorizar a
oferta de Ensino Fundamental às crianças e adolescentes. O expediente
utilizado para focalizar os recursos públicos nesse grupo etário foi a restrição
ao financiamento da educação para jovens e adultos por meio do Fundef
(criado em 1996 e implementado nacionalmente a partir de 1998).
Recorrendo à prerrogativa de veto do Presidente da República, o Governo
anulou um inciso da Lei 9424/96 aprovada pelo Congresso regulamentando o
Fundo, e que permitia computar as matrículas no Ensino Fundamental
presencial de jovens e adultos nos cálculos do Fundef. O veto desestimulou
Estado e Municípios a investirem na educação de jovens e adultos (DI
PIERRO, 2003, p. 13).
24
regionais, nacional e latino-americano, culminando com a indicação, pelo
MEC, de uma delegação representativa das iniciativas do País. Após a
conferência, iniciou-se um processo de articulação desses segmentos que se
dá, no âmbito dos Estados, por meio dos fóruns, e, em âmbito nacional, pela
realização anual do Eneja – Encontro Nacional de Educação de Jovens e
Adultos (SOARES, 2005. p. 281-282).
25
abrangência limitada, atingindo apenas quatorze Estados do Norte e Nordeste cujos
municípios apresentavam baixo índice de desenvolvimento humano. Novamente, o
conceito de educação de jovens e adultos reduz-se a um caráter paliativo e localizado.
Com a chegada ao poder do Partido dos Trabalhadores observa-se que, em termos de
políticas públicas, a alfabetização entra no bojo das ações compensatórias que,
inclusive, marcaram o mandato do presidente Luis Inácio Lula da Silva. Contudo, tais
mecanismos também não foram capazes de atender satisfatoriamente às demandas desta
modalidade de educação.
Não obstante os históricos enfrentamentos da EJA, continua sendo mantida
a mobilização da sociedade civil, através de fóruns organizados nos Estados e nas
regiões do país. Nesse sentido, compreendemos que o campo abordado aqui configura-
se como um longevo espaço de luta social em prol do direito à educação contínua.
Então, inseridos nesse “palco”, assumimos o desafio, o risco e a
oportunidade de discutir sobre a arte teatral como prática pedagógica. Em outros termos,
como forma de colocar em debate que a educação estética, pelo nosso olhar, é um
direito também de homens e mulheres adultos que retornam para a escola.
26
Os investigadores qualitativos freqüentam os locais de estudo porque se
preocupam com o contexto. Entendem que as ações podem ser melhor
compreendidas quando são observadas no seu ambiente habitual de
ocorrência. Os locais têm de ser entendidos no contexto da história das
instituições a que pertencem. Quando os dados em causa são produzidos por
sujeitos, [...] os investigadores querem saber como e em que circunstâncias é
que eles foram elaborados. Quais as circunstâncias históricas e movimentos
de que fazem parte? Para o investigador qualitativo, divorciar o ato, a palavra
ou o gesto do seu contexto é perder de vista o significado (BOGDAM E
BIKLEN, 1994 – p.48).
Por sua vez, Flick desperta a atenção para os aspectos essenciais da pesquisa
qualitativa.
As idéias centrais que orientam a pesquisa qualitativa diferem daquelas da
pesquisa quantitativa. Os aspectos essenciais da pesquisa qualitativa
consistem na escolha adequada de métodos e teorias convenientes; no
reconhecimento e na análise de diferentes perspectivas; nas reflexões dos
pesquisadores a respeito de suas pesquisas como parte do processo de
produção de conhecimento e na variedade de abordagens e métodos (FLICK,
2009, p. 23).
27
das técnicas de observação, entrevistas, questionários e gravações de áudio e vídeo, para
melhor conhecer os sujeitos envolvidos e os processos desencadeados.
Quanto às modalidades de entrevistas individuais tivemos em vista algumas
nuances da entrevista focalizada9 para o estudo sobre os pequenos espetáculos de Teatro
Fórum, através dos quais buscamos um levantamento de informações sobre a percepção
estética e crítica do educando. A entrevista narrativa10 foi outro recurso utilizado, a fim
de verificar o impacto que nossa prática exerceu ou não sobre os educandos.
Esclarecemos ainda que todo o processo foi registrado em um caderno
diário, com informações detalhadas que apontam, sobretudo, dados individuais e
coletivos do interesse pelo trabalho e o progresso cognitivo do grupo. Através disso foi
possível localizar os reflexos do Teatro do Oprimido como prática artística no universo
específico da educação de jovens e adultos.
Uma vez que realizamos aulas de teatro no trabalho de campo, o objetivo
prático das atividades foi, com a turma escolhida, produzir peças de Teatro Fórum,
forma teatral que detalharemos no terceiro capítulo. A propósito, neste capítulo também
serão discutidas as várias etapas da chamada abordagem triangular11, procedimento
metodológico fundamental para que as atividades do TO, além de método em si,
fizessem parte de uma experiência estética mais abrangente.
Com base nessas considerações é significativo mencionar que a investigação
teve como diretrizes as seguintes indagações: quais resultados poderiam ser obtidos na
escola utilizando uma metodologia de ensino de teatro que, através de técnicas
específicas, visa à ação estética e política? Considerando que os adultos que frequentam
a modalidade de EJA são, em sua maioria, homens e mulheres trabalhadores e
trabalhadoras, pessoas que, ao longo da vida, tiveram oportunidades reduzidas de
frequentar a escola e acessar e produzir arte, por várias razões, como o Teatro do
Oprimido poderia ampliar e promover a acessibilidade artística? Como o TO poderia
ajudar a mobilizar12 os educandos no sentido de torná-los fruidores e criadores
artísticos? Em meio a essas questões, reluzia o problema central da pesquisa:
9
Na entrevista focalizada, é apresentado um estímulo uniforme, daí estuda-se o impacto deste sobre o
entrevistado (FLICK, 2009, p. 144).
10
As narrativas permitem ao pesquisador abordar, de um modo abrangente, o mundo empírico até então
estruturado do entrevistado (FLICK, 2009, p. 144).
11
No capítulo 4, o tópico “Teatro como metodologia”.
12
Utilizamos o termo “mobilizar” no sentido de promover um deslocamento que promova opiniões,
saberes e fazeres por parte dos educandos e não no sentido de estimular, apenas.
28
poderíamos considerar o Teatro do Oprimido como uma ação educativa democrática e
de caráter emancipatório na EJA?
De certo, tal problema e outras dúvidas deram os impulsos para o nosso
trabalho. Ademais, juntos configuraram instrumentos fundamentais que foram utilizados
no campo de pesquisa, contribuindo não só para o nosso posicionamento como sujeitos
observadores, mas também como sujeitos atuantes.
13
Advertimos que a maioria das expressões grifadas nos capítulos aparecem no glossário.
29
Baraúna Teixeira. Nesse cenário vislumbra-se um recorte dos aspectos análogos da
Pedagogia do Oprimido e do Teatro do Oprimido.
O quarto capítulo será dedicado ao campo de pesquisa. Assim, tivemos como
meta a descrição de todo o processo e o lugar de atuação dos nossos trabalhos,
apresentando o método do Teatro do Oprimido, a nossa dinâmica com a “abordagem
triangular” e a importância do arsenal de jogos do TO, tendo sempre como finalidade
trazer para o texto a fala do educando e algumas problematizações. Acrescenta-se ainda
uma exposição relativa a aspectos pedagógicos do Teatro Fórum. Além disso dedicamos
um dos tópicos aos protagonistas da pesquisa, alunos e alunas adultos, revelando
informações estatísticas sobre as realidades social, cultural e artística desses envolvidos.
Sequenciamos o quinto capítulo em três tópicos com alguns assuntos ligados
ao capítulo anterior, de modo a verticalizar as análises em curso. Além disso, foram
sinalizadas reflexões estimuladas pela equipe de trabalho do estabelecimento de ensino
onde realizamos a pesquisa. Demo-lhe o título de Considerações finais emergentes do
campo de pesquisa. Nesta parte do texto salientamos questões surgidas durante nossos
trabalhos e fazemos uma exposição sobre a pergunta central de nossa investigação.
O capítulo derradeiro, Conclusões, representou o momento de registrar os
resultados obtidos ao longo da pesquisa, buscando contribuir para o campo da educação
de pessoas jovens e adultas. Nele expressamos que o nosso empenho acadêmico em
abordar uma metodologia teatral radicalmente problematizadora está ancorado no
próprio desejo do pesquisador de ver a educação estética ao alcance de todas as pessoas
e de ver o teatro do oprimido como instrumento artístico emancipador na EJA. A
dissertação ainda apresenta além das referências bibliográficas um amplo glossário e
como anexos alguns documentos e um vídeo sobre o campo de pesquisa. Feitas as
devidas apresentações e explicações, iniciemos o segundo capítulo contextualizando o
teatro historicamente.
30
2. CONTEXTUALIZANDO O TEATRO – TERRITÓRIOS E FRONTEIRAS
31
se firmou de maneira longeva na história. Posteriormente a Grécia antiga também terá
espaço nesta discussão.
Com uma cultura formada ao longo de mais de cinco mil anos, a China pode
ser classificada como um país de substantiva influência no teatro praticado em diversas
partes do mundo. No decorrer de sua história a teatralidade sempre esteve presente, e as
manifestações públicas de malabaristas, equilibristas, mimos, acrobatas, funambulistas e
prestidigitadores são apreciadas pelos chineses desde tempos muito remotos.
Nesse contexto é interessante apontar, ainda, que os chineses desenvolveram
variadas formas de representação como as danças xamânicas, o teatro de bonecos, os
shows de variedades com apresentações de música, poesias, dança e cenas de farsa.
Nessas apresentações havia funambulistas, adivinhos, malabaristas, engolidores de
espada e mágicos, tudo isso já no século XI d.C. Para dimensionar a magnitude e a
longevidade do teatro chinês podemos citar o registro histórico Shih Chi, escrito alguns
séculos antes de Cristo, que dedica um capítulo inteiro à profissão de ator, ou yu. Além
disso, no ano de 714 d.C. o imperador Ming-Huang, amante da fama, das artes e do
luxo, fundou a primeira escola de arte dramática chinesa, denominada Jardim das Peras
(BERTOLD, 2001).
Já no século XVIII d.C. surge uma forma tradicional do teatro chinês que
ganhou o mundo: a Ópera de Pequim, um estilo que lida com a perfeição uniforme do
conjunto e o desempenho individual do ator principal de uma determinada montagem.
Ademais, outros elementos que se combinam são a música, a performance vocal, a
acrobacia, a dança e a mímica. Percebe-se então que essa preciosidade da cultura
chinesa requer do seu praticante uma profunda formação; nesse sentido, para atingir o
auge o ator precisa de anos de preparação.
No Japão uma variedade de formas teatrais determina o conjunto de
tradições seculares, dentre as quais destacam-se o Kagura, o Gigaku e o Bugaku. No
período dos samurais16, que perdurou por oito séculos, surgiram o teatro nô e o Kabuki
duas conhecidas formas. Com relação ao primeiro é comparável à tragédia grega pela
presença de um protagonista (shite) e de um coadjuvante (waki), além da ação do coro
que, semelhante ao teatro grego, não interfere na trama principal. Sobre isso, Bertold
ainda afirma que
16
Os samurais eram soldados que gozavam de prestígio pelo que demonstravam de disciplina e lealdade
para com a aristocracia do país. Existiram por cerca de oito séculos no Japão feudal. Considera-se que
o feudalismo japonês inicia-se no século X d.C. perdurando até o final do século XIX d. C.
32
o firme fundamento espiritual das peças nô corresponde a seu padrão
dramatúrgico prefixado. Existem cinco categorias de peças nô, todas
representadas até hoje. O primeiro grupo trata dos deuses; o segundo, das
batalhas (mais freqüentes da glorificação de algum samurai heróico); o terceiro
grupo é conhecido como o das “peças das perucas” ou “peças de mulheres”,
porque o ator principal usa uma peruca e interpreta o papel de uma mulher; a
quarta categoria, dramaticamente mais forte, retrata o destino de uma mulher
com o coração partido, amiúde, levada à loucura pela perda de seu amante ou
filho; a quinta categoria, que encerra o programa, conta uma lenda.
(BERTOLD, 2001, p. 83).
33
eram também desejados por membros das classes elevadas da sociedade. Por essas
razões, sobretudo, entende-se que é notadamente com o gênero kabuki que a realidade
social ganha dimensão na cena, o que de fato pode ser considerado como uma evolução
daquele teatro.
Há ainda o teatro de bonecos, que desde o século VIII d.C. mantém sua
tradição. Esta modalidade teatral é chamada bunraku, e diferentemente do teatro nô e do
kabuki, caracterizados como expressões de origem aristocrática, seus bonecos e títeres,
apesar das técnicas apuradas, são mais populares.
Para finalizar a sucinta abordagem sobre o Oriente, pode-se considerar que a
Índia é uma das mais essenciais referências para o entendimento do teatro em toda a sua
complexidade. Basta observar o valor histórico e cultural do Nāṭyaśāstra, um verdadeiro
legado para artistas, estudiosos e apreciadores de teatro no qual tradição, dança e teatro
são entendidos como um único elemento.
Na tentativa de ampliar as reflexões sobre o Nāṭyaśāstra, é válido destacar
que se refere a um tratado do teatro hindu atribuído ao legendário Bharatamuni o
Bharata. Segundo especialistas, sua escritura se deu entre 200 a.C. e 200 d.C
(AZZARONI, 2006) e sabe-se ainda que sua importância está associada à
fundamentação das atividades que abrangem as funções do ator, a organização do
espetáculo, a concepção de dramaturgia, o uso da maquiagem e a cenografia.
Comprovadamente, através deste tratado é possível verificar o surgimento do teatro na
Índia, postulando-o como um elemento sagrado, de origem divina. Portanto, o contato
com Nāṭyaśāstra nos transporta para um universo místico e milenar.
17
Os Vedas são textos sagrados do hinduísmo. São em número de quatro: Ṛgveda, Sāmaveda, Yajurveda
e o Atharvaveda. Constam de cantos, tratam de rituais e do sacerdócio. Foram escritos em sânscrito
em 1.500 a.C aproximadamente.
34
todas as escrituras (śāstra) e dará informações sobre todas as artes e todos os
mestres” (BHARATA 1950, vol. I: 3-4 apud AZZARONI, 2006).
Yakṣagāna, Oḍissī, Manipuri, bem como a forma Chau de dança. O que desperta a
atenção em todas estas formas é o caráter formativo do ator dançarino: o rigor técnico, a
formação do artista e a manutenção da tradição destas manifestações. Os indicativos
para tanta rigidez encontram-se fixados no Nāṭyaśāstra, que dedica os capítulos VIII, IX
e X à orientação dos modos de utilização do corpo para a representação
(RANGACHARYA, 2003).
Ainda sobre o contexto teatral do Oriente, é correto afirmar que a dimensão
formativa configura-se através de preceitos definidores das mais variadas formas de
expressão dramática, que têm o corpo do ator e/ou atriz como instrumento de trabalho
fundamental. Para fins ilustrativos pode-se recorrer ao próprio Nāṭyaśāstra, que
determina, por exemplo, o modo pelo qual as mãos do ator ou atriz devem ser usadas
nas representações clássicas, como Bhāratanāṭyam, Kathakali, kathak e Oḍissī. Nesse
sentido os gestos e posições feitos pelas mãos constituem-se como linguagem, sendo
chamados de mudrā (sinal), cujo uso data de cerca de 1.500 a.C (BARBA; SAVARESE,
1995).
18
Barba organiza, desde 1992, a Università del Teatro Eurasiano, evento que conta com a presença dos
professores da ISTA, onde se discute aspectos ligados ao Teatro no Oriente e no Ocidente.
35
Podemos dizer que Bharata menciona que os primeiros vinte e quatro
mudrā19 são realizados, naturalmente, por uma mão. No entanto, podem ser elaborados
pelas duas quando necessário ou solicitado; eles fazem parte de um repertório
codificado e servem para exemplificar e confirmar o rigor exigido para que um
indivíduo se torne um artista.
Ainda sobre os movimentos e posições das mãos e dos braços com
significados definidos no teatro-dança, é preciso reconhecer que se fazem presentes não
somente na Índia. Esses mesmos princípios também são verificados, dentre outros, na
Ópera de Pequim, na dança balinesa e no teatro japonês.
Com relação às exigências, é oportuna a explicação de que há preocupação
com os detalhes, a precisão dos movimentos e com a utilização do corpo e da voz do
ator conjuntamente. Estes fatores estão profundamente conectados à percepção do
público diante de uma representação. A título de compreensão, imaginemos o pouso de
uma abelha em uma flor de lótus, realizado através de movimentos codificados e
estilizados. Esta ação, aparentemente simples requer do artista uma destreza que, em
certa medida, é uma oferta para que o espectador aprecie esta cena justamente como está
descrita, pois esse teatro não permite meras improvisações.
Antes de prosseguirmos nessa discussão é necessário esclarecer que não
aprofundaremos aqui a complexidade da arte teatral dos indianos. Mesmo assim, os
detalhes apontados já nos possibilitam mirar outros horizontes, os quais se apresentam
como um convite para que possam ser estabelecidas análises do problema da educação
teatral com pessoas adultas.
19
Veja as figuras de mudrā em A arte secreta do ator (BARBA; SAVARESE, p.136).
36
Além desse resgate temporal e espacial que tentamos expor, não devemos
perder de vista que as exigências técnicas para a formação do artista, as características
estéticas dos espetáculos, suas relações com o espectador, bem como o sentido de
tradição que implica o modo de aprender e ensinar são contribuições importantes para a
educação teatral. Tendo isso em vista é preciso compreender que o educando, neste caso
o adulto de EJA, não é tido necessariamente como sujeito que virá a ser um artista
profissional, mas que tem condições de expressar-se e apreender conhecimentos teóricos
e práticos.
Cabe neste momento salientar que, pela experiência no campo de pesquisa,
esta análise nos fez acreditar ser necessário rever a máxima de que o teatro enquanto
modalidade artística tem sua origem na Grécia. Não podemos concordar com os
parâmetros para esta afirmação, uma vez que o mundo é composto por Oriente e
Ocidente e entre ambos é possível observar diferenças nas formas de organização social,
visão de mundo, valores, tradições, crenças, religiosidade, criação artística, além de
tantas outras nuances.
Torna-se então fundamental confrontar a temporalidade, ou seja, o período
em que foram formalizadas as concepções de Aristóteles para a Tragédia e outros
diversos tratados teatrais. Na China e na Índia, por exemplo, verificamos que alguns
destes tratados foram elaborados em tempos diferenciados, apresentando as
características particulares de cada país.
Ainda no contexto anterior à tragédia grega, sabe-se que datam de 3.500 a.C.
as representações de danças encontradas em forma de esculturas na Índia, e como
exemplo relevante é possível apontar as 108 posições da dança clássica indiana
denominada Karana (GUZMAM, 2006). Por essa analogia já é possível entrever que
existem variadas formas de teatro, de origens diferentes, muito embora apresentem
aspectos formais parecidos em razão do contato estabelecido entre as culturas. Este
último fator fez com que as diversas manifestações teatrais sofressem influências e
agregassem elementos expressivos umas das outras, gerando inclusive tradições teatrais.
A Grécia é, portanto, o parâmetro fundamental legítimo do teatro ocidental, mas não é o
único. Basta analisar a outra metade do mundo.
Verifiquemos outro diferencial que complementa nossa reflexão: no Oriente
contamos com estilos que atravessaram os séculos mantendo suas tradições20, nos países
20
Segundo Lalande, tradição no sentido ativo e original é transmissão: “traditio lampadis.” Mas a
palavra aplica-se, quase sempre, àquilo que é transmitido isto é, àquilo que numa sociedade (pequena
37
aqui citados e em tantos outros. No Ocidente, por outro lado, observa-se poucas formas
representativas tradicionais, codificadas para o sucessivo exercício de ensino e
aprendizagem de pretensos artistas profissionais ou não. Os comentários abaixo tratam
deste tema.
A procura de uma codificação que poderia dar ao ator um corpo pré-
expressivo foi feita tanto no Oriente quanto no Ocidente. No ocidente,
entretanto, por causa da categorização tradicional dos atores exclusivamente
como atores, dançarinos, mímicos ou cantores, essa procura conduziu
somente a uns poucos resultados [...] tais como o balé clássico e a mímica.
[...] No ocidente a descontinuidade na tradição, a procura do realismo,
ou melhor, naturalismo, e bases psicológicas em vez de físicas para a ação
destruíram gradualmente a herança de regras que fixam o comportamento do
ator. Tais regras certamente existiam no teatro europeu durante o período da
Commedia dell’Arte, mas a herança foi perdida porque a pedagogia teatral,
tanto no Ocidente quanto no Oriente, nunca é escrita (BARBA; SAVARESE,
1995, p. 192).
ou grande) e particularmente numa religião, transmite-se de maneira viva, quer pela palavra, quer pela
escrita ou pelas maneiras de agir. Nesse sentido a palavra é considerada, em geral, com uma intenção
laudativa e respeitosa. “Uma raça só encontra as instituições convenientes na ação secular da vida
inconsciente, pelas tradições e pelos costumes” (BOURGET Apud LALANDE, 1999, p. 1147-1148).
38
Vasculhando o interior destes dois diferentes universos (oriental e ocidental)
desponta a condição do espectador ou fruidor, elemento fundamental para todas as artes,
desde os cânones do Nāṭyaśāstra datados de antes de Cristo até os dias de hoje,
passando pelos proskenions a céu aberto da Grécia antiga. Nessa direção ocorre a
legitimação do teatro, que passa a ser apreciado por todas as pessoas, independente de
castas, níveis cultural e econômico, credo, gênero e etnia. Justifica-se assim a afirmação
de que se trata de uma modalidade inerente e relevante nas mais diversas culturas.
Em resumo, entendemos que no contraste entre o Oriente e o Ocidente os
elementos formais e educativos neles verificáveis contribuem para a compreensão do
teatro na educação. Ambos tratam de questões técnicas e de concepções estéticas com
finalidades diversificadas, seja para o entretenimento ou para manifestações de
conotação religiosa, política e libertária. O teatro faz parte, portanto, de um território
sem fronteiras; é às vezes pautado pela necessidade de manutenção de tradições que
favoreçam a transmissão de saberes constituídos sem, no entanto, perder-se da dinâmica
de autotransformação. A este propósito as referências ajudam a avaliar como o método
criado por Boal (Teatro do Oprimido – TO), gerado e mantido em sólidas bases
conceituais, constitui-se em um mecanismo que pode contribuir para a educação de
adultos da EJA - pessoas que não contam com as mesmas habilidades físicas de uma
criança ou jovem, detentoras de condições cognitivas próprias dentro de um espaço
educacional que lida, cotidianamente, com desafios diversos.
Na tentativa de ampliar a reflexão em curso vale examinar que o Teatro do
Oprimido surge como uma poética, cujos elementos fundamentam-se na ideia de que
todas as pessoas, indistintamente, podem ser criativas no teatro. O referido método
nasce do panorama universal desta arte representativa. Seu criador exprime algo
significativo ao enfatizar que “esta é uma forma de teatro entre todas as outras” (BOAL,
2004), pois, em certa medida, se esta forma não inaugura uma tradição como as que
vimos no Oriente funda, pelo menos, um novo sistema - um teatro democrático,
marcadamente popular e por isso praticamente sem pátria e fronteiras. Considerando
isto como um avanço, acreditamos que na EJA, mesmo não se tratando de um espaço de
formação de artistas profissionais, é possível e necessário trabalhar para a amplitude e a
qualidade do ensino de teatro onde e quando este for porventura oferecido.
Dando continuidade a esta linha de estudo passaremos, em seguida, a uma
abordagem mais específica sobre o teatro no Brasil.
39
2.2 Teatro brasileiro em contexto - em busca de identidade
40
Reunindo anseios latentes nos mais diversos setores da nacionalidade,
realizou-se em São Paulo, em 1922, a Semana de Arte Moderna, cujo
objetivo era sacudir todos os campos da expressão estética, esclerosados no
academicismo e na acomodação. Mário de Andrade, Oswald de Andrade,
Villa Lobos, Anita Malfatti e tantos outros renovaram a poesia, o romance, a
música a pintura e as demais artes, atualizando-as simultaneamente pelos
padrões internacionais provenientes do futurismo, do cubismo e dos demais
ismos europeus e pelo mergulho de uma linguagem que se aproximava da fala
popular, rompida com a rígida sintaxe lusitana. Não houve uma manifestação
artística que deixasse de respirar o ar de liberdade trazido pelo movimento
modernista. Infelizmente só o teatro desconheceu o fluxo renovador, e foi a
única arte ausente das comemorações da Semana (MAGALDI, 1996, p. 195).
41
repertório voltado para as discussões da realidade do país e por jamais
esconder, muito particularmente a partir do final dos anos 1950 e início dos
1960, sua opção por uma estética, esquerdista, marxista (ALMADA, 2004, p.
22).
21
O Sistema Curinga será apresentado adequadamente mais adiante neste trabalho. Lembramos que na
obra de Augusto Boal algumas vezes aparece a expressão “coringa” e em outras “curinga”, nesta
dissertação optamos pela segunda. Quando nos referimos à prática do método do Teatro do Oprimido, o
Curinga é o especialista e pesquisador do Teatro do Oprimido, facilitador do método, um artista com
função pedagógica, que atua como mestre de cerimônia nas seções de Teatro Fórum, coordenando o
diálogo entre palco e platéia, estimulando a participação e orientando a análise das intervenções feitas
pelos espectadores.
42
No Brasil dos anos de 1950, envolto neste contexto, ocorreu, por exemplo,
uma onda crescente de industrialização que culminou em uma desenfreada urbanização.
Tal fenômeno aumentou ainda mais os problemas sociais, sobretudo nas periferias dos
grandes centros, devido ao maciço deslocamento de imigrantes das áreas rurais na busca
por melhores condições de vida, o que gerou um expressivo desequilíbrio populacional
nas cidades. Neste sentido e com uma análise global, Hobsbawm esclarece que
A mudança social mais impressionante e de mais longo alcance da segunda
metade deste século, e que nos isola para sempre do mundo do passado, é a
morte do campesinato. Pois desde a era neolítica a maioria dos seres humanos
vivia da terra e seu gado ou recorria ao mar para a pesca (HOBSBAWN,
1995, p. 284).
Deve ser frisado aqui que esta é apenas uma face de um tempo de embates e
mudanças. Ainda sobre o Arena, é preciso lembrar que sua existência atravessou
praticamente toda a primeira metade do regime militar, o que o contextualiza dentro de
uma temporalidade que gerou uma miríade de conflitos, mas que também engendrou
relevantes movimentos culturais no país, como a Bossa Nova, o Cinema Novo, a
Tropicália, e o desenvolvimento dos Centros Populares de Cultura coincidindo,
inclusive, com as ideias progressistas de Paulo Freire no campo da educação de jovens e
adultos no início dos anos sessenta. Percebe-se um tempo de efervescência política e
artística; anos de mobilização global da juventude; tempo dos movimentos
revolucionários, como os que culminaram na Revolução Cubana, o movimento
feminista, a luta contra o racismo, o movimento estudantil e a Contracultura. Época
ainda da guerra do Vietnã e do incômodo da Guerra Fria, além da própria reviravolta
dentro do movimento teatral, pautada pelo chamado teatro engajado e pelo conceito de
teatro de grupo.
43
Os anos de 1960 vão se caracterizar como, talvez, o período mais criativo e
combatente do Teatro de Arena, ajudado que foi pelas arbitrariedades contra a
cultura e particularmente contra o teatro nacional, cometidas pelos golpistas
de 1964. Mas foi também um período de dificuldades, consequência em parte
destas mesmas arbitrariedades, por um lado, pela censura e também por um
incipiente processo de radicalização das atividades de alguns de seus
integrantes, levando à prisão e ao exílio – já no início dos anos de 1970 – o
seu nome mais sonante à época: Augusto Boal (ALMADA, 2004, p. 74).
44
segunda técnica diz respeito à “interpretação coletiva”, em que todos os atores podiam
representar todos os papéis e narrar a história. Pensada como possibilidade de criação do
caos, a terceira técnica trata do ecletismo de gênero e estilo - dentro do mesmo
espetáculo percorria-se o caminho que vai do melodrama mais simplista e
“telenovelesco” à chanchada mais circense e vodevilesca (BOAL, 1967). Por fim, a
utilização da música aparece como a quarta técnica, dentro da chamada experiência
simultânea razão-música. Este sistema mantinha, portanto, vinculação com todo o
movimento cultural, social, político e econômico próprio daquele tempo histórico. Nesse
cenário, Boal afirma que
foi todo um período em que a preocupação máxima consistia na busca de
singularidades, na descrição mais minuciosa e veraz da vida brasileira. Em
todos os seus aspectos exteriores, visíveis e acidentais. A reprodução exata da
vida como ela é – esta é a principal meta de toda uma fase (BOAL, 2009, p.
261).
Boal ainda acredita que a obra Zumbi, espetáculo que praticamente inaugura
o sistema curinga, preencheu sua função e representou o fim de uma etapa de
investigação. Promulga, então, a “destruição” do teatro, propondo novas formas como
resposta a novos estímulos e necessidades estéticas e sociais (BOAL, 1967).
Não obstante, cabe o registro de que nesta forma teatral a sistemática
permanente era regulada pela estrutura de texto e de elenco, podendo ser utilizados
elementos formais de qualquer gênero ou estilo teatral. Ademais, cada cena deveria ser
resolvida, esteticamente, segundo os problemas que isoladamente apresentasse. De
acordo com a estruturação do texto, os atores não se fixam nos personagens singulares.
Em vez disso recebem funções dentro dos conflitos apresentados, o que discutiremos a
seguir.
A primeira função é a “protagônica” que, diferente das outras, cria um
vínculo permanente entre ator e personagem, devendo ser realizada por um único ator. A
função curinga, inversamente, caracteriza-se pelo fantástico, pela magia e versatilidade
de quem tudo cria e pode em cena. Esta função permite que um ator desempenhe
qualquer papel, inclusive a substituição do protagonista. O curinga personifica as
múltiplas possibilidades teatrais:
45
quando necessário pode ser ajudado pelos corifeus ou pela Orquestra Coral
(BOAL, 2009, p. 277).
46
esportivas, futebol, boxe, etc., nos intervalos entre um tempo e outro, ou
durante as paralisações temporárias e acidentais das partidas, os cronistas
atletas e técnicos que diretamente informam a platéia sobre o sucedido em
campo. Assim todas as vezes que for necessário mostrar o lado de dentro do
personagem, o Curinga paralisará a ação, momentaneamente, a fim de que ele
declare suas razões. Nestes casos, o personagem entrevistado deverá manter a
consciência de personagem, não devendo o ator assumir sua própria
consciência de hoje e aqui.
G. Exortação – A última “porção” da estrutura do espetáculo consiste na
Exortação final, em que o Coringa estimula a platéia segundo o tema tratado
em cada peça. Pode ser em forma de prosa declamada ou em canção coletiva,
ou uma combinação de ambas (BOAL, 2009, p. 279-283).
47
atravessando os séculos até chegar aos nossos dias, conforme a seguinte explanação de
Brandão (1984) sobre o mito de Dioniso, patrono do teatro:
[...] Zeus mais uma vez apaixonou-se por uma simples mortal; a princesa
tebana Sêmele, que se tornou mãe do segundo Dioniso. Para proteger o filho
dos ciúmes de sua esposa Hera, Zeus o confiou aos cuidados de Apolo e dos
Curetes, que o criaram nas florestas do monte Parnaso. Hera, mesmo assim,
descobriu o paradeiro do jovem deus e encarregou os Titãs de raptá-lo.
Apesar das várias metamorfoses tentadas por Dioniso, os Titãs
surpreenderam-no sob a forma de touro e o devoraram. Palas Atená
conseguiu salvar-lhe o coração, que ainda palpitava. Foi esse coração que
Sêmele engoliu, tornando-se grávida do segundo Dioniso.
O segundo Dioniso, no entanto, não teve um nascimento normal.
Hera, ao saber dos amores de Zeus e Sêmele, resolveu eliminá-la.
Transformando-se na ama da princesa tebana, aconselhou-a a pedir ao amante
que se apresentasse em todo o seu esplendor. O deus advertiu a Sêmele que
semelhante pedido lhe seria funesto, mas, como havia jurado pelo rio Estige
jamais contrariar-lhe os desejos, apresentou-se-lhe com seus raios e trovões.
O palácio da princesa incendiou-se e esta morreu carbonizada. Zeus recolheu
do ventre da amante o fruto inacabado de seus amores e colocou-o em sua
coxa, até que se completasse a gestação normal.
Nascido o filho, Zeus confiou-o aos cuidados das Ninfas e dos Sátiros
do monte Nisa. Lá, em sombria gruta, cercada de frondosa vegetação, e em
cujas paredes se entrelaçavam galhos de viçosas vides, donde pendiam
maduros cachos de uva, vivia feliz o filho de Sêmele. (BRANDÃO, 1984,
p.9-10)
48
a história do teatro europeu começa aos pés da Acrópole, em Atenas, sob o
luminoso céu azul-violeta da Grécia. A Ática é o berço de uma forma de arte
dramática cujos valores estéticos e criativos não perderam nada da sua
eficácia depois de um período de 2.500 anos. Suas origens encontram-se nas
ações recíprocas de dar e receber que, em todos os tempos e lugares, prendem
os homens aos deuses e os deuses ao homem: elas estão nos rituais de
sacrifício, dança e culto (BERTOLD, 2001, p. 103)
49
tragédia grega é francamente tendenciosa. O Estado e os homens ricos
pagavam as produções e naturalmente não permitiam encenação de peças e
conteúdo contrário ao regime vigente (HAUSER apud BOAL, 2009, p. 33).
Por este viés Boal preocupa-se não apenas com o aspecto formal proposto
no sistema Aristotélico, pois também entende que com a formalização da tragédia na
Grécia
as classes dominantes apropriaram do teatro e construíram muros divisórios.
Primeiro dividiram o povo, separando atores de espectadores: gente que faz e
gente que observa. Terminou-se a festa! Segundo, entre os atores, separou os
protagonistas das massas: começou o doutrinamento coercitivo! (BOAL, 2009,
p. 177).
50
Na juventude, em dúvida se era ou não filho do rei de Corinto, Édipo vai a
Delfos encontrar-se com o oráculo, que acaba não esclarecendo quem são os seus pais
verdadeiros. Entretanto, revela categoricamente que Édipo mataria o pai e se casaria
com a mãe. Na tentativa de fugir do anunciado, o jovem abandona os pais adotivos e sua
cidade.
Um incidente muda o rumo da trama; em um trívio, após sofrer uma
agressão, Édipo desfere um golpe mortal em um homem que, acompanhado por uma
comitiva, viajava em uma carruagem.
Tempos depois, Édipo chega a Tebas, justamente no período em que a
Esfinge lançava seu terror sobre a cidade, cuja rainha, viúva, encontrava-se em apuros
junto a seu povo. Para salvarem-se precisariam encontrar um homem que desvendasse o
enigma da Esfinge. Do contrário encontrariam, como tantos outros antes deles, morte
certeira no fundo de um precipício.
“Que criatura pela manhã tem quatro pés, no meio dia tem dois e a tarde tem
três?” Esta era a pergunta do monstro que Édipo decifrou ao dizer: - o homem, pois em
tenra idade engatinha, quando adulto caminha ereto com os dois pés e, na velhice,
caminha apoiando-se em uma bengala. Sua resposta deu fim à Esfinge e fê-lo rei
querido e honrado de Tebas, casado com Jocasta e tendo com ela quatro filhos:
Antígona, Ismênia, Etéocles e Polinice.
Mais tarde Tebas é fatidicamente acometida por uma praga que atinge todos
os seres vivos. Na tentativa de acabar com esta nova maldição Creonte, cunhado de
Édipo, irmão de sua esposa, consulta o oráculo de Delfos e descobre que tal desgraça
somente findará quando descobrirem o responsável pela morte de Laio.
Por sua vez Édipo sente-se perseguido após ter consultado o profeta cego
Tirésias, e aos poucos, mesmo tentando fugir do que lhe fora destinado, descobre o
inevitável: o homem que ele abatera até a morte era Laio, seu pai, e a mulher com quem
dividira o leito era sua mãe, Jocasta.
Neste drama Édipo é o herói trágico, conceito presente na Poética e nascido
quando o Estado começava a utilizar o teatro para fins políticos (BOAL, 2005). Esse
personagem apresenta-se com dois aspectos amalgamados: o ethos e a dianóia,
significando respectivamente a ação e o pensamento do personagem. O espectador, por
sua vez, estabelece uma identificação, chamada empatia.
É necessário observar que na tragédia há ainda a harmatia, ou falha trágica,
a desencadeadora do conflito. A título de contextualização, Édipo torna-se um homem
51
de poder, um rei estimado, mas a falha é demonstrada por seu orgulho e soberba, como
pode-se observar no áspero diálogo com Tirésias, quando o primeiro tenta negar a
própria hybris - seus excessos, seus pecados:
TIRÉSIAS - Pois eu asseguro que te uniste, criminosamente, sem o saber
àqueles que te são mais caros; e que não sabes ainda a que desgraça te
lançou!
ÉDIPO – Sim! Ela tem; mas não em teu proveito! Em tua boca, ela já se
mostra fraca... Teus ouvidos e tua consciência estão fechados, como teus
olhos.
TIRÉSIAS - E és tu, ó rei infeliz! – que me fazes agora esta censura... Mas
um dia virá, muito breve, em que todos, sem exceção, pior vitupério hão de
formular contra ti!
ÉDIPO – Tu vives na treva... Não poderias nunca ferir a mim, ou a quem quer
que viva em plena luz.
TIRÉSIAS - Não é destino teu cair vítima de meus golpes. Apolo para isso
bastará, pois tais coisas lhe competem.
52
TIRÉSIAS – Vou-me embora, sim; mas antes quero dizer o que me trouxe
aqui, sem temer tua cólera, porque não me podes fazer mal. Afirmo-te, pois: o
homem que procuras há tanto tempo, por meio de ameaçadoras proclamações,
sobre a morte de Laio, está aqui! Passa por estrangeiro domiciliado, mas logo
verá que é tebano de nascimento, e ele não se alegrará com essa descoberta.
Ele vê, mas tornar-se-á cego; é rico e acabará mendigando; seus passos o
levarão à terra do exílio onde tateará o solo com seu bordão. Ver-se-á,
também, que ele é, ao mesmo tempo, irmão e pai de seus filhos, e filho e
esposo da mulher que lhe deu a vida; e que profanou o leito de seu pai, a
quem matara. Vai, Édipo! Pensa sobre tudo isso em teu palácio; se me
convenceres de que minto, podes, então declarar que não tenho nenhuma
inspiração profética (SÓFOCLES, 1985 p. 33).
53
transforma a trajetória do drama. Havendo a falha do personagem e seu reconhecimento
posterior, ocorre uma ação catastrófica para a purificação de ambos, espectador e
personagem. No entanto, em todo este percurso o espectador, acometido pelo efeito
catártico, em nada interfere e, portanto nada transforma. Não há influência deste nem na
narrativa nem na ação dramática.
Boal também refere-se a Maquiavel como o iniciador da poética da virtù.
Maquiavel surge no período de transição entre o teatro feudal e o teatro burguês, o teatro
do final da idade média. O primeiro, com toda a carga medieval, caracterizava-se pela
formalidade abstracionista; os personagens feudais eram seres tipificados, recebiam
nomes como Luxuria, Pecado, Virtude, Anjo e Diabo. As peças teatrais possuíam
intenção moralizadora e podiam esquematicamente ser divididas em dois grupos: as
peças de pecado e as peças de virtude (BOAL, 2009). O teatro medieval é tido também
como aristotélico e coercitivo, devido a sua função doutrinária por força dos desígnios
da igreja católica. Com Maquiavel, porém, os personagens se humanizam,
acompanhando a evolução e o estabelecimento da burguesia.
A nova classe não poderia jamais utilizar as abstrações artísticas existentes,
mas ao contrário devia voltar-se para a realidade concreta e nela procurar suas
formas de arte. Não podia tolerar que os personagens continuassem sendo os
mesmos valores oriundos do Feudalismo. Precisava criar, no palco e nos
quadros, homens vivos de carne e osso, especialmente o homem virtuoso.
(BOAL, 2009, p. 111)
54
ele, para Hegel, que viveu entre os séculos XVIII e XIX, a natureza de sujeito do
personagem, caracterizado por todas as suas ações exteriores, tem origem no seu espírito
livre, como se este fosse sujeito absoluto no drama. Em Brecht o personagem é objeto
de forças econômicas ou sociais, às quais responde e em virtude das quais atua. (BOAL,
2009)
O teatro que compõe o gênero dramático é, para Hegel, a combinação de
dois princípios: o primeiro é o da objetividade, que caracteriza o gênero épico com o
princípio da subjetividade relativo ao gênero lírico - no drama, as ações dos personagens
são mostradas de forma viva, ao alcance dos olhos do espectador, e nisto consiste o
caráter objetivo da ação; o caráter subjetivo dos motivos interiores que movem o
personagem e seu destino só pode, segundo o filósofo alemão, ser resultado de suas
paixões e ações. (BOAL, 2009). Com esta análise o teatrólogo lança olhar crítico sobre a
poética hegeliana e introduz sua visão acerca da poética brechtiana, que está em
contraposição a outras poéticas políticas, conforme o trecho abaixo.
Vemos assim que na poesia dramática coexistem a objetividade e a
subjetividade, mas é importante notar que, para Hegel, esta precede aquela: a
“alma” é o sujeito que determina toda a ação exterior e interior. Como em
Aristóteles, eram igualmente as paixões convertidas em atos as que moviam a
ação. Nestes dois filósofos, o drama mostra a colisão exterior de forças
originadas no interior, isto é, o conflito objetivo de forças subjetivas. Para
Brecht [...] tudo acontece à inversa. (BOAL, 2009, p.144)
22
Parede imaginária que separa o palco da platéia. No teatro ilusionista (ou naturalista), o espectador
assiste a uma ação que se supõe rolar independentemente dele, atrás de uma divisória translúcida. Na
qualidade de voyeur, o público é instado a observar as personagens, que agem sem levar em conta a platéia,
como que protegidas por uma quarta parede. Molière, no “Improviso de Versalhes”, já se perguntava "se a
55
ruptura em relação à forma ao propor a retirada do véu da ilusão que separa o
espectador do espetáculo representado. Não obstante, rompe a fronteira histórica do
teatro e faz com que a obra se preste a este espectador que, por sua vez, passa a se valer
do drama como partícipe e não como um mero fruidor entorpecido, deslocado da
essência da representação ofertada. O teatro então modifica-se, sendo o espectador o
alvo determinante deste novo pensamento. Surge o que chamaríamos de “novo
espectador”. Vejamos o quadro comparativo.
QUADRO 1
Comparação entre Forma Dramática e Forma Épica
quarta parede invisível não dissimula uma multidão que nos observa" e Diderot reconhecia sua realidade:
"seja compondo, seja interpretando, pensem também no espectador como se ele não existisse. Imaginem, na
beira do palco, uma grande parede que os separa da platéia; atuem como se o pano não se levantasse" (Sobre
a Poesia Dramática, 1758, XI: 66). O realismo e o naturalismo levam ao extremo essa exigência de
separação entre palco e platéia, ao passo que o teatro contemporâneo quebra deliberadamente a ilusão,
(re)teatraliza a cena, ou força a participação do público. Uma postura dialética parece ser mais apropriada:
existe separação entre palco e platéia e isso pode sofrer várias transformações, e ora eles estão apartados,
ora juntos, sem que uma coisa elimine a outra, e o teatro vai vivendo dessa constante denegação (PAVIS,
1999, p.315-316).
56
preocupação com as causas sociais ao utilizar o teatro como um instrumento de luta,
munido de grande força ideológica.
Ainda em forma de esquema, Brecht apresenta uma insigne analogia
referente à mobilização do espectador.
O espectador do teatro dramático diz: Sim, eu também senti isso. – É assim
que eu sou. – Sempre será assim. – O sofrimento desta pessoa me compunge
porque não há saída para ela. – isto é a verdadeira arte: tudo é evidente por
si com aqueles que estão rindo (Pensamento aristotélico).
O espectador épico diz: Eu não teria pensado nisso. – Não se deve agir
assim. – Isto não pode continuar. – O sofrimento desta pessoa me compunge
porque sem dúvida haveria uma saída pra ela. – Isto é a verdadeira arte:
nada aí é evidente por si mesmo. – Eu rio dos que estão chorando e choro
dos que estão rindo (Pensamento brechtiano) (BRECHT, 1967, p.96-97).
57
ação dramática esclarece a ação real. O espetáculo é uma preparação para a
ação.
A poética do oprimido é essencialmente uma Poética da Liberação: o
espectador já não delega poderes aos personagens nem para que pensem nem
para que atuem em seu lugar. O espectador se libera: pensa e age por si
mesmo! Teatro é Ação! (BOAL, 2006, p. 236-237)
58
a educação teatral é baseada no virtuosismo e em processos pedagógicos rigorosamente
pautados na técnica o que exige, além de disciplina por parte do praticante, alguns
requisitos relativamente seletivos. Por exemplo, aqueles relacionados à idade e à
corporeidade “adequadas”, aspectos altamente questionáveis se associados à EJA, que é
nosso foco neste trabalho.
Além disso, este capítulo pretendeu demonstrar que o surgimento do teatro
como manifestação artística formalizada, mesmo tendo a Grécia como referência para o
Ocidente, possibilita-nos outro campo de análise, incitado pela seguinte questão: como
podemos considerar que o teatro surge com os gregos se temos um tratado específico
para o teatro originado na Índia, o Nāṭyaśāstra? Segundo pensamos, esta constatação já
serviria como um elemento importante para uma abordagem histórica que servisse ao
ensino de teatro.
Sobre o Brasil, o nosso objetivo foi inserir o teatro de Augusto Boal no
espaço e no tempo, de modo a contextualizá-lo junto às grandes mudanças no país e no
mundo. Sejam de ordem política, social, econômica ou cultural tais transformações
causaram impacto e originaram uma nova visão e um modelo brasileiro de criação
teatral no interior do Teatro de Arena de São Paulo, onde foi desenvolvido o sistema
curinga.
O conteúdo apresentado é também um esforço para destacar que o sistema
curinga, assim como o posterior advento do Teatro do Oprimido, é resultante de uma
ruptura com os preceitos formais e políticos presentes nas poéticas de Aristóteles,
Maquiavel, Hegel e Brecht. Demos ênfase ao teatro épico ou dialético, pois, mesmo que
o poeta alemão tenha lançado uma nova proposta no início do século passado, a figura
do espectador ainda se limitava a apreciar e refletir sobre o drama. Nessa direção, Boal
inova e cria um teatro no qual o público pode interferir e participar integralmente. Como
prova de que essa investida foi bem recebida, o consagrado diretor americano Richard
Scherchner23 declarou publicamente que “Boal conseguiu fazer aquilo que Brecht
apenas sonhou e escreveu: um teatro alegre e instrutivo. Uma forma de terapia social
[...]”24. Como justificativa para esse reconhecimento, podemos apontar a sua capacidade
de ler, refletir e reinventar o teatro.
23
Richard Schechner é diretor teatral, norte americano, teórico e professor de Performance, editor do
The Drama Review e diretor artístico do East Coast Artists. É um dos fundadores dos Estudos da
Performance, departamento da Tisch School of the Arts, New York University (NYU).
24
Esta declaração encontra-se na quarta capa do livro “Teatro do Oprimido e outras poéticas políticas”
de Augusto Boal, 9ª edição.
59
Boal vasculhou com profundidade o teatro ocidental, adentrou suas
partículas mais teóricas e conseguiu uma transposição temporal. Em outras palavras,
promoveu avanços formais num percurso milenar que vai de Aristóteles a Brecht,
adequando o teatro ao seu tempo ad corpus e, assim, configurando sua percepção da
historicidade. É relevante mencionar que sua proposta supera, inclusive, alguns
preceitos notados no teatro Oriental, embora sua obra não trate desta questão. Aliás, esta
é uma descoberta que apresentamos e que de fato mostrou-se útil para nossa
investigação no campo educacional: em Boal, o que se destaca não é a destreza técnica
do praticante, mas sua capacidade de expressão, de acordo com suas possibilidades
gerais.
Ademais, mostramos, neste capítulo, como se dão as rupturas e os avanços
que mencionamos, chegando ao entendimento de que os esforços de Augusto Boal, além
de oferecerem uma nova postura para o teatro contemporâneo conseguiram instaurar
uma metodologia de natureza educativa e pedagógica, o que pode ser verificado nos
comentários abaixo.
A Cultura, a Educação e a Pedagogia, através do diálogo e o escambo, ativam
nossos neurônios estéticos – aqueles que são capazes de processar idéias
abstratas e emoções concretas, como faz a Arte – e promovem a mais ampla
percepção do mundo e a abertura de veredas e caminhos, pois, como disse o
poeta espanhol Antônio Machado, o caminho não existe, o caminho quem o
faz é o caminhante ao caminhar (BOAL, 2009 p. 248).
60
3. UMA ABORDAGEM SOBRE PAULO FREIRE E AUGUSTO BOAL -
PROXIMIDADES ENTRE A PEDAGOGIA DO OPRIMIDO E O TEATRO DO
OPRIMIDO
61
anos de estudante. Mais tarde freqüentou, através de uma bolsa de estudos, o
conceituado Colégio Oswaldo Cruz, em Recife, onde também lecionou Português. Em
1944 casou-se com a professora primária e colega de trabalho Elsa Maria Costa
Oliveira, com quem teve cinco filhos. Formou-se na Faculdade de Direito do Recife em
1947, mas nunca exerceu, na prática, a profissão de advogado.
Ainda neste ano o futuro educador passou a trabalhar no SESI, dando início
a um período que posteriormente chamou de “fundante”. Foi promovido ao cargo de
diretor da Divisão de Divulgação, Educação e Cultura, o que permitiu que inovasse as
práticas educativas em curso (FREIRE, 2005). Em 1963, junto ao MCP - Movimento de
Cultura Popular do Recife- Freire desenvolveu o método de alfabetização de adultos
(BEISIEGEL, 2010). A propósito sabe-se que foi precisamente a partir das experiências
no pequeno município de Angicos, no Rio Grande do Norte, que o trabalho do educador
pernambucano despertou a atenção do restante do país, atraindo inclusive o interesse do
presidente João Goulart; tratava-se de um método que possibilitara a alfabetização,
naquela cidade, de trezentos trabalhadores rurais em apenas 40 horas. A partir daí surge
o PNA – Programa Nacional de Alfabetização, que tencionava, através do “Método
Paulo Freire”, alfabetizar e politizar cinco milhões de adultos (FREIRE, 2005).
Para uma melhor compreensão do tema, convém destacar o seguinte trecho
acerca do autor e de sua proposta:
ele criou uma proposta de educação tão transformadora e um método tão
importante para a construção de uma educação voltada para a cidadania, que
aquilo se espalhou muito rapidamente e passou a influenciar movimentos
muito importantes, como o Movimento de Cultura Popular, Movimento de
Educação de Base, setores estudantis, setores da igreja. E isso acabou sendo
coroado com a chegada de Paulo Freire ao Ministério da Educação e o fato
dele dirigir uma das mais importantes campanhas nacionais de alfabetização
(BARRETO, 2010, p. 13).
62
educacionais, seja na América Latina ou na África. No Chile permaneceu do final do
ano do golpe até 1969, onde trabalhou no INDAP – Instituto de Dessarollo
Agropecuário com educação popular; junto ao Ministério de Educação e atuou em
processos de alfabetização e pós-alfabetização de adultos do meio rural. Contratado pela
UNESCO também atuou como consultor do ICRA – Instituto de Capacitación y
Investigación en Reforma Agrária. Nesta fase fecunda o pensador escreveu “Pedagogia
do oprimido”, “Extensão ou comunicação” e publicou “Educação como prática da
liberdade”.
Do Chile Freire partiu para os Estados Unidos onde atuou como professor
visitante na Universidade de Havard. Posteriormente mudou-se para a Suíça, onde fez
parte do CMI – Conselho Mundial de Igrejas.25 Ainda neste país o educador criou, com
um grupo de brasileiros, o IDAC – Instituto de Ação Cultural - que tinha o objetivo de
aprofundar o estudo das práticas de Paulo Freire antes do golpe de 1964. Com este
instituto participou, a partir de 1973, de projetos importantes para a educação de adultos
operários na Itália, envolvendo-se ainda no movimento feminista articulado na Suíça.
Em 1975 Freire começou a desenvolver trabalhos relevantes na África, especialmente
em Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe.
Em agosto de 1979, aos 58 anos, Paulo Freire retornou ao Brasil. Seu exílio,
assim como o de Boal, durou 15 anos. Na ocasião do retorno o educador pernambucano
filiou-se ao Partido dos Trabalhadores, tornando-se Secretário de Educação da cidade de
São Paulo na gestão da prefeita Luiza Erundina, em 1989, cargo que ocupou até maio de
1991. Além disso, foi professor da PUC de São Paulo e da UNICAMP. No ano de 1988
casou-se pela segunda vez, com Ana Maria Araújo Freire, com quem viveu até seus
últimos dias.
Suas atividades acadêmicas em instituições brasileiras e estrangeiras
continuaram durante os anos noventa, assim como a produção de livros, que difundiam a
contínua maturação de seus pensamentos educacionais. Sua produção bibliográfica é
composta por mais de setenta publicações em diversos idiomas.
Em 1993 seu nome foi apontado como concorrente ao Prêmio Nobel da Paz.
A candidatura, porém, não se confirmou, mesmo tendo sido pleiteada junto ao comitê do
prêmio. Apesar disso recebeu prêmios e homenagens em vários países e foi convidado
para lecionar em importantes universidades americanas e europeias.
25
O CMI é uma organização ecumênica com sede na Suíça.
63
Paulo Freire faleceu no dia 2 de maio de 1997, aos 75 anos, na capital
paulista. Coincidentemente, na mesma data, doze anos depois faleceria Augusto Boal.
Acerca da última obra de Freire publicada em vida, “Pedagogia da Autonomia – saberes
necessários à prática educativa”, Ana Maria Araújo Freire (2008) atesta, na biografia
escrita por ela, que não é um livro a mais da extensa obra de Paulo. É o livro que
sintetiza a sua pedagogia do oprimido e o engrandece como gente. Das suas últimas
páginas extraímos uma das tantas sínteses que compõem o livro. Consideramo-la de
grande importância para a reflexão sobre a figura dos educadores, tanto em sua relação
com os educandos como no compromisso com as circunstâncias presentes no mundo,
onde o ser humano constrói e vive sua historicidade.
O Educador progressista precisa estar convencido como de suas
conseqüências é o de ser o seu trabalho uma especificidade humana. Já vimos
que a condição humana fundante da educação é precisamente a inconclusão
de nosso ser histórico de que nos tornamos conscientes. Nada que diga
respeito ao ser humano, à possibilidade de seu aperfeiçoamento físico e
moral, de sua inteligência sendo produzida e desafiada, os obstáculos a seu
crescimento, o que possa fazer em favor da boniteza do mundo como de seu
enfeamento, a dominação a que esteja sujeito, a liberdade porque deve lutar,
nada que diga respeito aos homens e às mulheres pode passar despercebido
pelo educador progressista. Não importa com que faixa etária trabalhe o
educador ou a educadora. O nosso é um trabalho realizado com gente miúda,
jovem ou adulta, mas gente em permanente processo de busca (FREIRE,
2008, p.143-144).
Paulo Freire conheceu Augusto Boal ainda muito jovem, nos anos sessenta.
O educador disse que já naquela época tinha uma grande admiração pela genialidade
que este anunciava no teatro, pela seriedade que já vivia, pela coerência com que
diminuía a distância entre o que dizia e o que fazia. (FREIRE, Apud TEIXEIRA, 2007, p
118). Após este breve estudo biográfico sobre Paulo Freire passamos, portanto, para o
tópico sobre Augusto Boal.
64
como Arthur Miller e Tenesse Willians.26 A incursão de Boal no ambiente teatral dos
Estados Unidos foi determinante para as ulteriores experiências junto ao Teatro de
Arena27.
Com o golpe militar de 1964 o Centro Popular de Cultura (CPC) da União
Nacional dos Estudantes (UNE) decidiu, por meio dos autores Armando Costa, Paulo
Pontes e Oduvaldo Vianna Filho produzir, no Rio de Janeiro, o Show Opinião28, como
forma de resistência política ao regime. Boal foi o diretor deste espetáculo histórico.
Além desta e de outras direções importantes, Boal ainda produziu a “1ª Feira
Paulista de Opinião”29, um espetáculo sobre o Brasil da época. O evento teve a presença
de artistas de São Paulo e do Rio de Janeiro e tinha como objetivo combater o
autoritarismo e a censura que vigoravam no Brasil.
No final de 1968 o governo militar decretou o “Ato Institucional nº 5”30 - o
AI-5 - decreto que culminou no fechamento do Congresso Nacional provocando o
endurecimento absoluto do regime durante os mandatos dos generais Costa e Silva,
Médici e Geisel. Esta situação perdurou até outubro de 1978.
Entre os anos de 1969 e 1970 Boal excursionou com o Teatro de Arena para
os Estados Unidos e alguns países latino-americanos, período em que escreveu e dirigiu
a peça “Arena conta Bolívar”. Em 1970 fez com seu grupo a última experiência com o
26
Arthur Miller e Tenesse Willians foram importantes dramaturgos americanos do século passado. O
primeiro adquiriu renome por ter se casado com a atriz Marilyn Monroe, e seu texto mais conhecido
no Brasil foi “A morte de um caixeiro viajante”, de 1949. O outro é autor da peça que originou o filme
"Gata em teto de zinco quente", de 1955.
27
Dentre os espetáculos que Boal dirigiu após o retorno dos Estados Unidos, no Teatro de Arena,
estão “Ratos e homens”, de John Steinbeck (1956), “Chapetuba futebol clube”, de Oduvaldo Vianna
Filho (1959), “Gente como a gente”, de Roberto Freire (1959), “Fogo frio”, de Benedito Ruy Barbosa
(1960), “O testamento do cangaceiro”, de Francisco de Assis (1961), “A mandrágora”, de Maquiavel
(1962). Boal dirigiu ainda produções conjuntas entre o Teatro de Arena e o Teatro Oficina como “A
farsa da esposa perfeita”, de Edy Lima (1959), “A engrenagem”, adaptação de Boal e José Celso do
texto de Jean-Paul Sartre (1960), “O noviço”, de Martins Pena (1963) e “Um bonde chamado desejo”,
de Tennessee Williams (1963).
28
A data de estreia do “Show Opinião” foi 11 de dezembro de 1964 no teatro do Shopping Center
Copacabana, pouco mais de oito meses após o golpe dos militares. O elenco era composto pela cantora
Nara Leão, posteriormente substituída por Maria Bethânia. Ainda, havia o cantor e compositor
maranhense João do Vale e o sambista carioca Zé Kéti. O texto era assinado por Armando Costa,
Paulo Pontes e Oduvaldo Vianna Filho. Boal dirigiu, também, outros espetáculos musicais com
artistas importantes do teatro e da música brasileira, quais sejam: “Arena conta Bahia” (1965), com
Maria Bethânia e Tom Zé no elenco e direção musical dos emergentes Gilberto Gil e Caetano Veloso
e “Tempo de guerra” (1965), no Teatro Oficina, com texto do próprio Boal e de Guarnieri e poemas
de Brecht.
29
Esta montagem foi produzida pelo Teatro de Arena em junho de 1968. (FONTE: Enciclopédia Itaú
Cultural – Teatro – acesso 30/12/2010)
30
Por meio do AI-5 o presidente da República tinha plenos poderes para decretar recesso das casas
legislativas do país, assim como cassar mandatos, cessar privilégio de foro, vetar eleições sindicais,
proibir manifestações políticas, suspender habeas corpus para crimes políticos. Durante a vigência
deste Ato Institucional agravou-se a censura à imprensa e às manifestações artísticas.
65
sistema curinga, ao levar à cena o texto de Brecht “A resistível ascensão de Arturo Ui”.
Nesta época realizou as primeiras experimentações com o Teatro Jornal. No ano de
1971 foi preso e torturado, trocando o país pela Argentina, país da psicanalista Cecília
Thumim, com quem foi casado e teve dois filhos. O exílio ali iniciado estendeu-se até a
abertura política do país.
À luz dessa contextualização é possível avançar nas reflexões e
compreender que a história do Teatro do Oprimido, especialmente no início da sua
sistematização, está estreitamente ligada à educação de jovens e adultos na América
Latina. Sabe-se que suas primeiras experiências ocorreram no âmbito do governo
revolucionário, no Peru, dentro do Programa de Alfabetização Integral (ALFIN), que
utilizava o método Paulo Freire e vale ressaltar que os que primeiro participaram deste
projeto foram pessoas adultas em processo de educação popular.
Em sua autobiografia Boal revela: “no Peru nasceu o Teatro Fórum e
sistematizei o Teatro Imagem. O Teatro do Oprimido virou livro” (BOAL, 2000, p.298).
Seu método ampliou-se na Europa, onde viveu primeiro em Portugal, fixando-se depois
em Paris, tendo escolhido a França para a fundação do Centre du Théatre de l´Opprimé-
Augusto Boal (Centro de Teatro do Oprimido de Paris), em 1979.
Em 1986 Boal retornou definitivamente ao Brasil, ocasião em que foi
convidado por Darcy Ribeiro, então Secretário da Educação do Estado do Rio de
Janeiro, a assumir a direção da Fábrica de Teatro Popular31. A finalidade desta escolha
era tornar a linguagem teatral acessível a todos, como estímulo ao diálogo e à
transformação da realidade social. Naquele mesmo ano, já na nova função, Boal fundou
o Centro de Teatro do Oprimido, o CTO-RIO, que ainda hoje difunde o seu método nos
âmbitos nacional e internacional.
No retorno ao Brasil, Boal continuou a dirigir espetáculos e a aprimorar seu
método. Elegeu-se vereador na capital fluminense e criou o Teatro Legislativo, técnica
que detalharemos no próximo capítulo. .
Com relação à produção de Boal os registros apontam que é composta por
mais de vinte títulos, incluindo teorias teatrais, ensaios, romances, peças de teatros e
autobiografia. É válido lembrar, ainda, que o teatrólogo dirigiu espetáculos em diversos
31
A Fábrica Popular de Teatro foi uma iniciativa de Augusto Boal. Teve início em 1986 dentro dos
CIEPs, no Rio de Janeiro, durante o governo de Leonel Brizola. Utilizando as técnicas do Teatro
Fórum para discutir questões comunitárias, configurou-se ali “o primeiro curso de formação de
curingas e o início da propagação de técnicas do Teatro do Oprimido no nosso país” (Revista Metaxis,
2010, p.30).
66
países, lecionou na Université de la Sorbonne-Nouvelle e recebeu diversos prêmios e
homenagens em instituições estrangeiras, dentre as quais destaca-se o título de Doutor
Honoris Causa, recebido também por Paulo Freire na mesma ocasião, em 1996, na
Nebraska University, em Omaha, Estados Unidos. Augusto Boal revelou, em entrevista
a Tânia Márcia Baraúna Teixeira,
que conheceu a Freire em 1959/60, tendo oportunidade de estar com ele apenas,
por duas vezes, no Brasil, embora tenha estado várias vezes no exílio. Declarou
que acompanharam reciprocamente as atividades e as vidas um do outro, porém
nunca realizaram uma atividade comum. Que [...] “O Teatro do Oprimido
incorpora da metodologia de Freire a proposta que cada pessoa construa o seu
conhecimento, com liberdade, com autonomia, com um método aberto para que
cada pessoa possa construir o seu caminho [...]” Porém que o TO sofre
influência de Freire, como sofre influência de outros métodos. (Fragmentos de
Narrativa) (TEIXEIRA, 2007, p. 119)
67
semelhantes que indicam proximidades de Boal em relação ao pensamento do educador,
as quais serão analisadas neste tópico.
Inicialmente, a Pedagogia do Oprimido e o Teatro do Oprimido, assim como
seus respectivos criadores, possuem singularidades, mas escolhemos investigar as
semelhanças nos dois autores porque acreditamos que elas reforçam o entendimento
sobre a relevância histórica e o caráter “ideológico” presente nos métodos em análise,
sem perder de vista nossos estudos sobre a educação de jovens e adultos.
Sobre a proximidade entre Freire e Boal é perceptível que o caráter popular
está presente tanto na forma de educação como no teatro. Nesse contexto Teixeira
(2007) afirma que ambos assumem uma postura engajada frente ao golpe militar da
primeira metade dos anos 60. Os dois foram, inclusive, influenciados por três correntes
filosóficas: o existencialismo, a fenomenologia e o marxismo.
Dentre os tantos autores que influenciaram o trabalho dos brasileiros é
possível apontar, segundo Teixeira e com relação a Freire, os seguintes: Hegel, Teilhard
de Chardin, Antonio Gramsci, Amilcar Cabral, Lênin, Erich Fromm e Sartre. Já Boal foi
influenciado, dentre outros, por pensadores do teatro como Stanislavski, Brecht, Jonh
Gassner e Jacob Levi Moreno. Karl Marx e Friedrich Engels destacam-se como autores
citados tanto pelo educador pernambucano como pelo teatrólogo carioca em suas
respectivas obras.
Enxergando Freire pelo viés da educação de adultos e Boal no contexto da
arte, notamos que o primeiro, desde os anos cinquenta, articulava pensamentos e
práticas educativas de grande efeito na sociedade brasileira.
O segundo contribuiu, como já mencionamos, para uma nova visão do teatro
brasileiro, influenciando grupos e artistas do cenário nacional através de intensa
atividade com o Teatro de Arena.
Naquele período, marcado por transformações especialmente na política e na
cultura, o educador e o teatrólogo ganharam destaque em suas respectivas áreas de
atuação, mas foi também neste momento que a prisão e o exílio interromperam as
atividades de ambos dentro do país. Durante este tempo de hostilidade imposto pelo
regime ditatorial, Boal dedicou-se de forma radical ao desenvolvimento de um teatro
com função política. Vale lembrar que o teatrólogo utilizou como referência teórica a
libertadora e conscientizadora32 pedagogia de Paulo Freire. A partir disso, “a pedagogia
32
Referimo-nos aos termos libertação e conscientização, os quais constituem alguns dos pilares do
pensamento de Paulo Freire. Aliás, sobre libertação, (JONES In: STRECK; REDIN; ZITKOSKI,
68
teatral de Boal foi denominada por ele mesmo de Teatro do Oprimido, tomando
emprestada a expressão utilizada por Paulo Freire para designar sua radical proposta
educativa Pedagogia do Oprimido” (JAPIASSU, 2005).
Além do aspecto histórico que envolve os dois pensadores, outros se
tornaram importantes nesta pesquisa. Nessa linha de pensamento destacamos,
primeiramente os termos “oprimido” e “opressor” presentes em ambos os autores. Para
Boal, oprimidos seríamos todos nós, componentes da sociedade, possuidores de algum
tipo de barreira, seja social ou psíquica, que pretendemos de alguma forma combater:
“cidadãos aos quais se subtraiu o direito à palavra, ao diálogo, ao seu território, à sua
livre expressão, à sua liberdade de escolha” (BOAL, apud TEIXEIRA 2007, p. 80). Ao
contrário, o deprimido é aquele que não tem disposição para a luta. Nesse âmbito a
figura do oprimido só se constitui devido à figura do opressor, e toda sorte de opressão
que venha deste é a força motriz do Teatro do Oprimido, que tenta buscar alternativas
ou tentativas para superar tais opressões por meio do enfrentamento do oprimido em
relação ao opressor.
Por sua vez, Freire trata opressor e oprimido à luz da teoria de Marx e
Engels, os quais resumem a luta de classes como sendo, em geral, uma oposição entre
opressores e oprimidos.
A história de todas as sociedades existentes até hoje é a história das lutas de
classes. Homem livre e escravo, patrício e plebeu, barão e servo, mestre de
corporação e companheiro, enfim, opressores e oprimidos, têm permanecido
em constante oposição uns aos outros, envolvidos numa guerra ininterrupta,
ora disfarçada, ora aberta, que terminou sempre, ou por uma transformação
revolucionária de toda a sociedade, ou pela destruição das duas classes em
luta (MARX; ENGELS, 2006, p. 51).
69
empregado, analfabetos e letrados, latifundiários e sem-terra, adultos escolarizados e
não escolarizados, por exemplo.
Numa análise dos sujeitos alvos desta pesquisa através da perspectiva da
EJA, constata-se que os atores nela envolvidos são, em grande parte, pessoas oprimidas,
homens e mulheres que ainda estão em busca de formação escolar. Trata-se de
indivíduos que procuram por algo a que ainda não tiveram acesso e que, em diversos
casos, lhes foi negado no período anterior à escolarização (infância e adolescência).
Além disso, percebemos que, na maioria dos casos, trata-se de trabalhadores
assalariados que almejam melhores posições no mundo do trabalho. No meio desses há,
ainda, os que atribuem sentidos variados à escola, como lugar de socialização33, por
exemplo. Enfim, são pessoas que enfrentam as mais variadas dificuldades, sacrificando-
se, em muitos casos, para frequentar a escola. A EJA emoldura, portanto, um quadro
onde também figuram classes oprimidas.
Com base neste contexto entende-se que o pensamento freireano e o teatro
de Boal, expressos na Pedagogia do Oprimido e no Teatro do Oprimido demonstram,
através de seus métodos, um propósito comum: libertar os oprimidos e os opressores.
Neste ambiente de tensões de classes é possível desejar não a superação de uma classe
por outra, mas a humanização no interior de todas elas. Neste sentido Freire salienta que
a violência dos opressores que os faz também desumanizados, não instaura
uma outra vocação – a do ser menos. Como distorção do ser mais, o ser
menos leva os oprimidos, cedo ou tarde, a lutar contra quem os fez menos. E
esta luta somente tem sentido quando os oprimidos, ao buscar recuperar sua
humanidade, que é uma forma de criá-la, não se sentem idealistamente
opressores, nem se tornam, de fato, opressores, mas restauradores da
humanidade em ambos. E aí esta a grande tarefa humanista e histórica dos
oprimidos – libertar-se a si e aos opressores. Estes, que oprimem, exploram e
violentam, em razão de seu poder, não podem ter, neste poder, a força de
libertação dos oprimidos – libertar-se a si e aos opressores (FREIRE, 1983, p.
30-31).
33
Socialização é, aqui, entendida como o ato de vários estudantes de EJA frequentarem a escola a fim de
se relacionarem com outras pessoas; como modo, inclusive, de evitar a solidão, o que em certos casos
é mais importante do que os conteúdos das disciplinas.
34
Este trabalho de doutorado refere-se a uma investigação por meio de observação do trabalho
desenvolvido no CTO do Rio de Janeiro. Tese defendida em 2007, na Universidad Autonoma de
Barcelona.
70
trata-se de um dos raros trabalhos que de fato analisam a relação entre as obras dos dois
autores. A autora distancia-se de nossa abordagem escolar, retratando a chamada
intervenção sócio-educativa como apenas uma das diversas áreas de ações educativas,
normalmente em contextos não formais (TEIXEIRA, 2007). Segundo suas próprias
palavras, uma intervenção sócio-educativa deve ser
compreendida como uma ação em que compartilham: educador, indivíduo ou
um grupo, independente de idade, gênero ou raça, inseridos em um contexto
sócio histórico. Sendo considerado um processo com um espaço social
comum, com relações estabelecidas entre: a instituição onde ocorre a
intervenção, seus propósitos finais e o contexto ideológico dos discursos
(TEIXEIRA, 2007. p. 26).
QUADRO 2
Pontos de ligação das ações sócio educativas da Pedagogia do Oprimido e do Teatro do
Oprimido
Diálogo, ética e estética como princípios Diálogo, ética e estética como pressupostos teóricos
71
sobre os pontos de ligação entre os pensadores brasileiros, criando um diálogo entre
Teixeira e outros autores. Embora não se trate da educação de jovens e adultos
especificamente, estes pontos de ligação corroboram a estreita ligação entre arte e
educação libertadoras e transformadoras.
Os nove pontos destacados representam valioso instrumento de investigação,
pois revelam conceitos e funções metodológicas que julgamos muito pertinentes para o
estudo voltado para a EJA.
Com o propósito de enriquecer nossas reflexões, é conveniente reforçar que
Freire e Boal criaram, respectivamente, os métodos de alfabetização e de teatro, ambos
com conotação popular. É correto afirmar que estes consolidaram-se como mecanismos
de grande impacto na educação e nas artes, projetando-se em favor da classe dos
oprimidos da sociedade como o fruto dos brados e da hostilidade de um tempo marcado
pelo autoritarismo e pelo silêncio. Entretanto, Brandão (2008) é taxativo ao afirmar que
Paulo Freire não criou um "método de alfabetização.” Ele estabeleceu em um
artigo publicado originalmente em Estudos Universitários, da Universidade do
Recife, “Conscientização e Alfabetização: uma nova visão do processo”, todo
um projeto integrado de educação, que começa com um método de
alfabetização e concluía com a proposta de uma universidade popular, o
método e alfabetização era apenas o primeiro andar (BRANDÃO In: STRECK;
REDIN; ZITKOSKI, 2008, p. 263).
72
Boal, que tivemos, inclusive, condições de desenvolver durante nossa prática no campo
de pesquisa. En passant, já que o detalharemos melhor posteriormente, refere-se a um
processo simultâneo de ensino e aprendizagem entre professor e aluno em sala de aula;
entre curinga, atores e espectadores, durante pequenos espetáculos baseados na
realidade dos educandos.
Acerca disso Boal afirma que o seu método é teatro na acepção mais arcaica
da palavra: todos os seres humanos são atores, porque agem, e espectadores, porque
observam (BOAL, 2005). O que devemos considerar, portanto, é que tal método, ao se
voltar para os sujeitos, em nosso caso os adultos de EJA, prima pela interação entre
educador e educando, como numa via de mão dupla, sem vantagens de um sobre o
outro, construindo uma dinâmica problematizadora e emancipatória na busca da
conscientização dos oprimidos.
Teixeira mostra, no segundo e no terceiro ponto do quadro apresentado,
outro aspecto central na pedagogia freireana que se faz determinante no teatro de Boal: a
dialogicidade. Para Freire (2005), em sentido oposto à “palavra inautêntica”, a “palavra
verdadeira” tem um sentido de práxis social, devendo ser entendida como
transformadora do mundo quando posta na condição de diálogo, visto que
“precisamente ninguém pode dizer a palavra verdadeira sozinho, ou dizê-la para os
outros num ato de prescrição, com o qual rouba a palavra aos demais”. Freire continua
sua reflexão concentrando-se no “diálogo”:
se é dizendo a palavra com que, “pronunciando” o mundo, os homens se
transformam, o diálogo se impõe como caminho pelo qual os homens ganham
significação enquanto homens.
Por isto, o diálogo é uma exigência existencial. E, se ele é o encontro em que
se solidarizam o refletir e o agir de seus sujeitos endereçados ao mundo a ser
transformado e humanizado, não pode reduzir-se a um ato de depositar idéias
de um sujeito no outro, nem tampouco tornar-se simples troca de idéias a
serem consumidas pelos permutantes.
Não é também discussão guerreira, polêmica, entre sujeitos que não aspiram a
comprometer-se com a pronúncia do mundo, nem a buscar a verdade, mas a
impor a sua.
Porque é encontro de homens que pronunciam o mundo, não deve ser doação
do pronunciar de uns a outros. É um ato de criação. Daí que não possa ser
manhoso instrumento de que lance mão um sujeito para a conquista do outro.
A conquista implícita no diálogo é a do mundo pelos sujeitos dialógicos, não
a de um pelo outro. Conquista do mundo para a libertação dos homens
(FREIRE, 2005, p. 91).
O “espírito” destas colocações está presente como intencionalidade na
proposta de Boal. Empiricamente percebemos que o diferencial do TO está, exatamente,
em promover o diálogo dentro de uma ação prática, a manifestação teatral. Nessa ação
haverá a presença de atores e espectadores motivados pelo curinga. Embora cada um
73
desses possua funções específicas, não implica sobre eles qualquer posição hierárquica.
Conforme aprofundaremos adiante, todos têm voz e vez de manifestarem-se de forma
dialógica em função da transformação de um problema social sugerido na arena teatral.
Dentro do “espetáculo-jogo” que é o próprio Teatro Fórum toda pessoa, na
prática, tem o direito de escutar ao ver, de interagir oportunamente, porque sua palavra é
ouvida, de atuar, porque neste teatro o diálogo se dá com a atuação, que é uma atitude
concreta. Podemos constatar que a conversão do espectador comum em “espect-ator” só
se dá pela configuração dialógica do TO, que legitima a fala de quem apenas assistia,
proporcionando-lhe certo papel de protagonista por meio de uma ação crítica.
Ao refletirmos sobre essas colocações surge-nos a seguinte questão: de que
maneira poderíamos verificar a manifestação dialógica no TO? Os comentários abaixo
podem auxiliar no esclarecimento disso.
Se o espect-ator renuncia, ou esgota as ações que tinha planejado sai do jogo;
o ator-protagonista retoma seu papel, e o espetáculo caminhará naturalmente
para o final conhecido. Um outro espect-ator poderá se aproximar da cena e
dizer “pára!”, indicando de onde deseja que a peça seja retomada – como num
videotape, em que podemos ir para a frente ou para trás -, e uma nova solução
pode ser tentada, e tantas quantas forem as intervenções dos espect-atores. A
peça recomeçará sempre a partir do ponto que o espect-ator desejar examinar.
Após cada intervenção, o curinga (que é o mestre-de-cerimônias do
espetáculo) deverá fazer um claro resumo do significado de cada alternativa
proposta, devendo igualmente indagar da plateia se algo lhe escapa ou se
alguém discorda: não se trata de vencer a discussão, mas de esclarecer
pensamentos, opiniões e propostas (BOAL, 2005, p. 32).
74
[...] se caracteriza, entre outros aspectos, pela simplicidade na interpretação
dos problemas. Pela tendência a julgar que o tempo melhor foi o tempo
passado. Pela subestimação do homem comum. Por uma forte inclinação ao
gregarismo, característico da massificação. Pela impermeabilidade à
investigação, a que corresponde um gosto acentuado pelas explicações
fabulosas. Pela fragilidade na argumentação. Por forte teor de
emocionalidade. Pela prática não propriamente do diálogo, mas da polêmica.
Pelas explicações mágicas. Esta nota mágica, típica da intransitividade,
perdura, em parte, na transitividade. Ampliam-se os horizontes. Responde-se
mais abertamente aos estímulos. Mas se envolvem às respostas de teor ainda
mágico. É consciência do quase homem massa, em que a dialogação mais
amplamente iniciada do que na fase anterior se deturpa e se destorce
(FREIRE, 2008, p. 68-69).
75
cultural é uma forma sistematizada e deliberada de ação, que incide sobre a estrutura
social ora no sentido de mantê-la total ou parcialmente, ora no de transformá-la
(FREIRE, 2009).
Ainda sobre a ação cultural, Freire problematiza-a como sendo verificável
nos pólos opostos: oriunda das classes dominantes e dominadas. Isso implica o
reconhecimento do ser humano como um sujeito pleno de historicidade, o que o
distingue dos animais, cuja presença no mundo é determinada somente por funções
biológicas. Neste sentido a concepção e o empenho por uma pedagogia utópica surgem
como forma de evitar a reificação dos indivíduos, buscando com isso a libertação e a
efetivação do ser humano como ser do mundo, com o mundo e em relação com aqueles
de sua própria espécie.
A ideia de ação cultural na pedagogia freireana - que por sua vez permeia o
Teatro do Oprimido - é pautada pela conscientização, outro termo que, consiste em
conceito estruturante do pensamento do educador brasileiro. O processo de alfabetização
sugerido por Freire, assim como aquele do TO - preservandas as devidas especificidades
- traz a conscientização como elemento central, cujo significado recai sobre a percepção
crítica dos seres humanos frente ao mundo e com o mundo. Contudo, para que isto seja
efetivo na relação entre educador e educando é necessário problematizar a realidade
concreta, seja de um analfabeto ou dos cidadãos oprimidos do campo e da cidade, que
aqui se referem a alunos e alunas de EJA que levam à cena as suas situações reais de
opressão.
Nesta relação, que não deve hierarquizar posições de maior ou menor saber
entre educador e educando, procura-se estabelecer o empenho e a atitude de
transformação por meio da denúncia de exploração de uma classe sobre outra e do
anúncio da possibilidade e da necessidade de uma nova sociedade, mais solidária e mais
fraterna. Essas iniciativas exigem um maior conhecimento científico de tal sociedade o
que, por sua vez, demanda uma teoria de ação que a transforme. Assim, denúncia e
anúncio passam a ser compromissos históricos (FREIRE, 2009).
Quanto à afirmativa de Teixeira (2007) de que há, no Teatro do Oprimido, a
adaptação do grupo a diferentes culturas, entendemos que, pelo contrário, esta
metodologia não necessariamente se “adapta”. De fato, define-se como pedagogia
teatral porque focaliza situações de opressão presentes nos mais diversos grupos
culturais. Isto pode ser visto, por exemplo, na luta contra a atitude ignorante de homens
e mulheres vitimados pela AIDS em Moçambique, na batalha das mulheres contra a
76
desigualdade salarial em relação aos homens na Europa ou no combate às tradições do
regime de castas que penalizam as mulheres na Índia. Além disso, podemos citar as
ações do Movimento dos Trabalhadores sem terra (MST) no Brasil, a realidade de
tráfico de drogas no complexo da Maré, no Rio de Janeiro, as prisões, o movimento de
catadores de recicláveis e as próprias escolas com educandos de EJA.
É importante ressaltar que, além de enfocar as situações de opressão, o TO –
por intermédio de várias de suas técnicas – pode ser considerado uma ação concreta de
denúncia e combate a elas. Na perspectiva de ação cultural, o método de Boal aparece
como uma forma artística que enfatiza a ação crítica de atores, público e curingas com
vistas a contribuir para a transformação e humanização da sociedade por meio da
politização e conscientização dos participantes.
Ademais devemos destacar que Boal considerava que seu teatro não era ação
revolucionária em si, mas um ensaio para a revolução. Seu método leva em
consideração o mundo real e promove, teatralmente, ação e reflexão críticas dos
sujeitos, o que reforça sua semelhança com a Pedagogia do Oprimido.
Passamos agora à discussão do sexto ponto explicitado no quadro: a
formação de uma consciência crítica através da teoria da problematização. Em Freire e
Boal isso diz respeito ao reconhecimento dos conflitos pessoais e sociais através do
método de problematização e transformação crítica e reflexiva35 das representações
sociais36. Teixeira refere-se à problematização como teoria e como método. Porém
devemos analisar, mais amiúde, as concepções antagônicas de educação que Freire
apresenta: a concepção bancária e a concepção problematizadora.
Se de um lado temos a educação problematizadora como instrumento de
libertação e emancipação do homem, de outro presenciamos a educação bancária, que,
em oposição, confirma-se como meio para a opressão. Para a análise de ambas não
35
A autora não apresenta explicações sobre transformação crítica e reflexiva, mas compreendemos que
se trata de uma referência conceitual presente em Freire, visto que sua pedagogia é pautada pela
transformação dos oprimidos por meio da criticidade e reflexões sobre as opressões, o que é
praticamente visível no Teatro do Oprimido.
36
Segundo Franco (2004) representações sociais são elementos simbólicos que os homens expressam
mediante o uso de palavras e de gestos. No caso do uso de palavras, utilizando-se da linguagem oral
ou escrita os homens explicitam o que pensam, como percebem esta ou aquela situação, que opinião
formulam acerca de determinado fato ou objeto, que expectativas desenvolvem a respeito disto ou
daquilo, etc. Essas mensagens, mediadas pela linguagem, são construídas socialmente e estão
necessariamente ancoradas no âmbito da situação real e concreta dos indivíduos que as emitem
(FRANCO, 2004, p. 170).
77
podemos perder de vista que ao tratarmos de educação e destas concepções que nela se
conformam, estaremos refletindo objetivamente sobre a relação entre educador e
educando, sujeitos inerentes à ação educativa na escola, e sobre o tratamento dos
conteúdos nesta relação.
Certamente, uma educação problematizadora é aquela que se interessa pelo
educando no sentido de favorecer o desenvolvimento de sua consciência crítica,
possibilitando a este perceber-se como sujeito e não como objeto do processo
educacional. Seu efeito pode e deve ser o de reverter as imposições alienantes das
classes dominantes.
Mostra-se pertinente esclarecer o que observamos com esta pesquisa: o
educador, ao contrário da educação “bancária”, deve ser parceiro fundamental para a
construção de uma formação que não subordina o educando às práticas impositivas,
castradoras do seu potencial criador. Defendemos aqui a tese de que o educando é
também protagonista, sobretudo quando, no tratamento dos conteúdos, sua realidade de
vida torna-se matéria a ser problematizada. Finalmente, educador e educando criam o
espaço para a fala como ação emancipatória. Também de acordo com esse
posicionamento Freire é imperativo:
o que nos parece indiscutível é que, se pretendemos a libertação dos homens
não podemos começar por aliená-los ou mantê-los alienados. A libertação
autêntica, que é a humanização em processo, não é uma coisa que se deposita
nos homens. Não é uma palavra a mais, oca, mitificante. É práxis, que
implica a ação e a reflexão dos homens sobre o mundo para transformá-lo
(FREIRE, 2009, p.77).
78
A partir dessas pontuações compreendemos que toda a intencionalidade do
método de Boal atém-se a questões ligadas a problemas vivenciados. No nosso caso
estes foram colocados à mostra de forma que o público, composto por educandos,
pudesse desvelar uma gama de situações de opressão reconhecida por ele.
Disto concluímos que o Teatro do Oprimido se apóia no espírito da
pedagogia freireana. Quando o professor-curinga procede maieuticamente torna-se
oportuna a interferência criativa dos educandos, como resultante de uma motivação
problematizadora na qual educador e educando têm importância indistinta. Isso nos
mostra que o verdadeiro diferencial entre esta e outras formas teatrais está exatamente
no empenho em amalgamar, nesta manifestação, o sentido político e pedagógico para
fins de transformação social. No âmbito dessa discussão, Freire considera que
[...] a educação libertadora, problematizadora, já não pode ser ato de
depositar, ou de narrar, ou de transferir, ou de transmitir “conhecimentos” e
valores aos educandos, meros pacientes, à maneira da educação “bancária”,
mas um ato cognoscente, como situação gnosiológica em que o objeto
cognoscível, em lugar de ser o término do ato congnoscente de um sujeito, é
mediatizador de sujeitos congnoscentes, educador, de um lado, educandos, de
outro, a educação problemantizadora coloca, desde logo, a exigência da
superação da contradição educador-educandos. Sem esta, não é possível a
relação dialógica, indispensável à cognoscibilidade dos sujeitos
congnoscentes, em torno do mesmo objeto cognoscível (FREIRE, 2009,
p.78).
79
e ajustamento dos sujeitos à concepção bancária. Enfim, métodos que buscam a
conscientização.
Com relação ao sétimo ponto, Teixeira considera que a Pedagogia do
Oprimido baseia-se no princípio da esperança, do diálogo e da ética, enquanto o Teatro
do Oprimido é idealizado para o diálogo baseado em princípios éticos. Visto que já
tratamos de dialogicidade nos itens 2 e 3, analisaremos na sequência a esperança e a
ética, categorias que também consideramos fundamentais e que estão presentes nas
obras dos dois autores. Sobre a esperança, Freire considera que
O desespero é uma espécie de silêncio de recusa do mundo, de fuga. No
entanto, a desumanização que resulta da “ordem” injusta não deveria ser uma
razão da perda da esperança, mas, ao contrário, uma razão de desejar ainda
mais, e de procurar sem descanso, restaurar a humanidade esmagada pela
injustiça.
Não é, porém, a esperança um cruzar de braços e esperar. Movo-me na
esperança enquanto luto e, se luto com esperança espero (FREIRE, 2009, p.
95).
80
caracteriza-se como um movimento transformador que, no pensamento de Freire e Boal,
é possível com a esperança.
No que tange ao princípio da ética, é evidente que a Pedagogia do Oprimido
e o Teatro do Oprimido fundam-se nele: o espírito ético perpassa as obras de ambos os
autores. Vejamos, primeiramente, o que explica Freire:
não é possível pensar os seres humanos longe, sequer da ética, quanto mais
fora dela. Estar longe ou pior, fora da ética, entre nós mulheres e homens, é
uma transgressão. É por isso que transformar a experiência educativa em
puro treinamento é amesquinhar o que há de fundamentalmente humano no
exercício educativo: o caráter formador. Se se respeita a natureza do ser
humano, o ensino dos conteúdos não pode dar-se alheio à formação moral do
educando. [...] (FREIRE, 1997, p. 37)
81
No oitavo ponto Teixeira destaca o estímulo à emancipação na Pedagogia do
Oprimido, enquanto sobre o Teatro do Oprimido a autora se refere à ocorrência
da construção do conhecimento com liberdade e com autonomia. Neste momento
observamos outras categorias marcantes presentes em ambas as obras. Referimo-nos à
emancipação, à liberdade e à autonomia cujos significados, em Freire, complementam a
concepção problematizadora de educação.
Libertação é um conceito central no pensamento freireano, intrinsecamente
vinculado à liberdade, conscientização e revolução. A centralidade da
libertação na educação aparece primeiramente em Pedagogia do Oprimido
(1970), onde Freire descreve a libertação como uma práxis, “a ação e a
reflexão dos homens sobre o mundo para transformá-lo” (FREIRE, 1970,
p.79). Esta conscientização exerce um papel no processo libertador. Para
Freire, a educação libertária tem sua razão de ser “no seu impulso inicial
conciliador. Daí que tal forma de educação implique a superação da
contradição educador-educandos, de tal maneira que se façam ambos,
simultaneamente, educadores e educandos” (JONES, In: STRECK; REDINE;
ZITKOSKI, 2008, p.247).
82
Além disso, observamos a busca pela construção de um conhecimento que
revele ao espectador o direito de usar sua própria voz e contar sua história sem
intermediações ou qualquer mistificação da realidade. Pretende-se alcançar esse
conhecimento através do estímulo à consciência crítica, já que o Teatro do Oprimido
refere- se a uma prática pedagógica naturalmente problematizadora – concepção que
atrela o caminho para a libertação à criatividade e ao estimulo à reflexão e à ação
verdadeira dos homens e mulheres sobre a realidade. Os espectadores, portanto,
respondem à sua vocação, pois são seres que não podem se fazerem autênticos fora da
busca e da transformação criadora (FREIRE, 2009).
Finalmente Teixeira esclarece, no último ponto, que a Pedagogia do
Oprimido é um processo de humanização como forma de inclusão social e luta contra
todas as formas de opressão. Nesta oportunidade, também enxerga o Teatro do
Oprimido como uma forma de educação para a cidadania, para reconhecer e atuar contra
as opressões.
Com relação a este ponto fazemos uma ressalva: entendemos que nos dois
pensadores, mais especificamente em Freire, os processos focalizados não buscam
promover inclusão social. Naturalmente, inclusão pressupõe a existência de excluídos,
termo que podemos associar à categoria de oprimidos – o que é feito mais claramente no
trabalho do educador. No entanto, na Pedagogia do Oprimido e na extensa obra
freireana, o autor salienta a necessidade de elevação do oprimido a uma condição de
“ser mais”. Mesmo porque o “ser menos”, imposto ao oprimido não determina a sua
exclusão social, mas um estado que pode ser transformado por um processo de
conscientização de caráter crítico do indivíduo. E é neste estado que uma pedagogia
transformadora deve atuar.
Se há marginalizados, não é por opção. Assim os marginalizados seriam
vítimas de uma violência que os expulsa do sistema. Na verdade, são
violentados, porém estão sempre “dentro da realidade social, como grupos ou
classes dominadas, em relação de dependência com a classe dominante”
(OLIVEIRA In: STRECK; REDINE; ZITKOSKI, 2008. p.182).
83
O termo “humanizadora” é utilizado por serem considerados no palco e na
plateia, dentro da concepção de cidadania, os direitos e os deveres dos participantes. A
assimilação destes conceitos por parte dos educandos e educadores leva-os,
naturalmente, à luta contra as forças opressoras. Além disso, o termo justifica-se por
admitir que homens e mulheres são seres inconclusos e possuidores de historicidade;
pertencentes a uma história também inacabada, na qual a teatralização de situações
opressivas e a alfabetização constituem-se como elementos de uma educação que
problematiza, que não é “fixismo reacionário, é futuridade revolucionária” (FREIRE,
2009), empenhada em um projeto de valorização do humano nos indivíduos. Zitkoski
(2008) reforça esta tese afirmando que
a vocação para a humanização, segundo a pedagogia freireana, é uma marca
da natureza humana que se expressa na própria busca do ser mais, através da
qual o ser humano está em permanentemente procura, aventurando-se
curiosamente no conhecimento de si mesmo e do mundo, além de lutar para ir
além de suas próprias conquistas. Essa busca do ser mais, segundo Freire,
revela que a natureza humana é programada, jamais determinada, segundo
sua dinâmica do inacabamento e do vir a ser (ZITKOSKI In: STRECK;
REDINE; ZITKOSKI, 2008, p.214).
84
No entanto, com a mediação do curinga – um mestre de cerimônias que não possui
papel de detentor de saber cênico – constitui-se um fórum para que o expectador possa
posicionar-se cenicamente. Assim como no círculo de cultura, neste fórum todos têm o
direito de se manifestar, o que possibilita que ensinem e aprendam numa relação
dialógica.
No excerto abaixo Brandão (2008) expõe uma síntese sobre o Círculo de
Cultura, apontando semelhanças com a concepção do Teatro Fórum, cujas técnicas são
as mais praticadas e possivelmente as mais significativas no Teatro do Oprimido,
Era ponto de partida a idéia de que apenas através de uma pedagogia centrada
na igualdade de participações livres e autônomas seria possível formar
sujeitos igualmente autônomos, críticos, criativos e conscientes e
solidariamente dispostos a três eixos de transformações: a de si mesmo como
uma pessoa entre outras; a das relações interativas em e entre grupos de
pessoas empenhadas em uma ação social de cunho emancipatoriamente
político; a das estruturas da vida social (BRANDÃO, 2008, p.77 – Grifo
nosso).
85
são um conjunto de técnicas que findam em si mesmos, mas formas complexas de
educação e arte com finalidade humanizadora.
A abordagem de Teixeira certamente serviu-nos como parâmetro para uma
parcela dessa investigação. No entanto foi também valorizada por nós a expansão do
olhar para questões como a presença do teatro na educação estética e o reconhecimento,
por parte dos educandos de EJA, da sua importância como arte que traz, em sua
essência, elementos de ordem formal, além da relevância do acesso que esses podem e
devem ter aos meios de produção estética.
Em resumo, estas análises nos permitem concluir que foi essencial, em um
primeiro momento, compreender os fundamentos da Pedagogia do Oprimido e do
Teatro do Oprimido para depois verificarmos, na prática, como se dá o trabalho com
adultos no espaço escolar. A pesquisa de campo a cuja descrição dedicar-nos-emos no
próximo capítulo foi realizada segundo esta linha de raciocínio.
86
4. TEATRO DO OPRIMIDO NA EJA - LUGAR, AÇÕES E SUJEITOS
87
começam às 18h10min e terminam às 21h, além de turmas com atividades que se
iniciam às 19h10min e se encerram às 22h totalizando, três aulas diárias de 50 e 60
minutos para cada turma.
A escola é dotada de estrutura que nos ofereceu condições adequadas às
exigências de nossas aulas. Contamos com um razoável espaço destinado ao teatro: uma
sala ampla equipada com espelhos, tablados praticáveis e aparelhagem de som,
imprescindíveis para as nossas atividades. No entanto, o maior problema quanto ao
espaço físico diz respeito às instalações que não são apropriadas para alguns alunos com
limitações físicas.
Não podemos deixar de registrar que esse projeto possui, em sua
organização curricular, a chamada área de Expressão Corporal, que abrange a Educação
Física e o Teatro e é coordenada por um professor titular da Escola de Teatro da UFMG.
Este docente acompanha as atividades dos monitores (professores) destas disciplinas
através de reuniões semanais. Trata-se de monitores graduandos com bolsa de extensão.
Com essa organização pudemos discutir, propor e avaliar sistematicamente questões
inerentes à área, tendo sempre como foco principal os educandos de EJA. Além disso,
cabe mencionar que no PROEF II as disciplinas são dividas por áreas: português,
matemática, história, geografia, ciências da natureza, inglês e expressão corporal.
Os principais sujeitos da pesquisa formavam a turma 36537, que foi
escolhida entre oito turmas frequentes após sugestão de nossa orientadora e da
coordenadora do PROEF II. Constituía uma turma em fase intermediária, que conhecia a
dinâmica e que ainda tinha um percurso no projeto. As aulas de teatro aconteceram de
março a junho de 2010, às terças-feiras, de 19 às 20 horas. Realizamos dezesseis
encontros no horário regular das aulas, cinco ensaios em horário alternativo e dois dias
de apresentação de peças de Teatro Fórum.
37
Todos integrantes da turma 365 autorizaram o uso de seus nomes reais nesta dissertação. São eles:
Alexandre Lunardi Ribas, Ana Cristina Ramos, Antônio Quirino da Silva, Dayse Helena Tadeu Coelho
Silva, Eliane dos Santos Silva, Erondina da Rosa Lima, Geralda Conceição da Silva, Geraldo Pereira
do Sacramento, Heli Oliveira Alves, João Batista Neves, José Luiz Santos, Jovelina de Jesus Dias,
Leda de Oliveira Lino, Luciano de Oliveira, Luiz Carlos de França Pinho Teixeira, Marcus Cordeiro de
Andrade, Margarida dos Santos, Maria Angélica Coutinho da Silva, Maria da Glória Pego Moutinho,
Maria das Graças de Sousa Ramos, Maria Geralda da Cruz, Maria Lina Santos Bernardino, Nanci
Maria Afonso, Neusa de Souza Santos, Ray Maia Quintão, Rita Maria Augusto Teodoro, Rosaly Serra
Moreira Alves, Salvadora dos Anjos Espírito Santo, Vilma Dantas Rainer.
88
Iniciamos neste capítulo a discussão sobre o nosso processo de trabalho no
campo de pesquisa. O texto a seguir introduz a metodologia do Teatro do Oprimido com
a finalidade de discutir e analisar sua função na EJA. Alguns pesquisadores nos
apoiaram nesta reflexão, que tem como objetivo apresentar os aspectos pedagógicos do
método de Augusto Boal.
89
Já vimos nos capítulos anteriores que Boal iniciou a sistematização de seu
método durante seu exílio no Peru, no início dos anos setenta, assumindo franco diálogo
com a “Pedagogia do Oprimido” de Paulo Freire. Tendo isso em vista observamos que
trata-se de uma poética política, de uma forma de teatro com característica popular e
participativa. A fim de elucidar sua proposta, Boal define que o Teatro do Oprimido
é um método estético que reúne exercícios, jogos e técnicas teatrais que
objetivam a desmecanização física e intelectual de seus praticantes e a
democratização do teatro, estabelecendo condições práticas para que o
oprimido se aproprie dos meios de produzir teatro e amplie suas
possibilidades de expressão, estabelecendo uma comunicação direta, ativa e
propositiva entre espectador e atores. [...] É o primeiro método teatral
elaborado no hemisfério sul (Brasil e América Latina) que é utilizado em
mais de setenta países dos cinco continentes. (BOAL. 2008, p. 3-4)
Nesta árvore visualizamos as mais variadas técnicas, a interlocução entre diversas áreas
do conhecimento, o objetivo da multiplicação do método, os elementos estéticos com os
38
A figura acima é a mesma do livro Teatro do Oprimido e outras poéticas políticas. Modificamos o
formato das letras para torná-la mais legível bem como outros elementos baseados em ilustrações
utilizadas em cursos e oficinas do CTO.
90
quais trabalha e o terreno onde suas raízes estão sustentadas: é o solo da “estética do
oprimido, da solidariedade e da ética.”
É necessário apontar que as técnicas do teatro do oprimido foram criadas
paulatinamente por Boal em meio a um ininterrupto processo de pesquisa. As técnicas
do “Teatro Jornal”, o “Teatro Invisível”, “Imagem” e “Fórum”, por ordem de criação,
tiveram origem no Peru, em 1973 (BOAL. 2000). Durante o período que o teatrólogo
viveu na Europa (1976-1986), foi desenvolvida a técnica do “Arco-Íris do Desejo.”
Após seu retorno ao Brasil, entre os anos de 1993 e 1996, criou o “Teatro Legislativo”
(TEIXEIRA, 2007). A seguir, descrevemos de modo detalhado as técnicas que
atualmente compõem o método:
a) teatro jornal – constitui-se por doze técnicas que servem para montagem
de cenas teatrais baseadas em notícias de jornais, as quais podem ter como função
desmistificar a pretensa imparcialidade dos meios de comunicação;
b) teatro invisível – seu objetivo é abordar um drama com ações que o ator
principal gostaria de experimentar na vida real, numa transposição do que seria uma
ficção para a realidade. Com esta técnica o espaço de representação pode ser qualquer
lugar público: praça, rodoviária, restaurante, repartição pública. Na trama, público e
atores não se distinguem no lugar, o que não deixa explícita a ação teatral;
c) teatro imagem – neste teatro é dispensável o uso da palavra. Os corpos
dos participantes representam situações em forma de imagens estáticas, com a
finalidade de desenvolver a sensorialidade sem a pujança de um texto teatral, por
exemplo. No entanto deve ocorrer, no espaço, a representação de uma situação social
problemática, passível de ser transformada por meio de sugestões de outras imagens;
d) teatro fórum – consiste em uma montagem teatral de um problema social
baseado em um fato real, vivido ou presenciado por alguém do grupo. A escolha do
tema deve, por princípio, voltar-se para manifestações opressivas de abrangência mais
coletiva: entre grupos sociais e menos entre indivíduos. Nesta peça observamos
claramente a presença do opressor e do oprimido com os seus possíveis aliados. O
espetáculo é mediado pelo curinga e culmina na vitória do opressor sobre o oprimido.
Abre-se, então, o fórum: o espectador é convidado a intervir na cena de maneira a
opinar e tentar transformar a situação de opressão. A partir desse momento os
espectadores passam a ser espect-atores, visto que a intervenção se dá pelas vias da
atuação cênica. É importante saber que esta é a forma do Teatro do Oprimido mais
praticada em todo o mundo;
91
e) arco-íris do desejo – conjunto de técnicas introspectivas, terapêuticas sem
constituírem terapia, cujo objetivo é mostrar que as opressões internalizadas têm origem
e guardam, segundo Boal, íntima relação com a vida social;
f) teatro legislativo39 – trata-se de uma montagem de Teatro Fórum com a
presença de uma célula metabolizadora: profissionais do direito, especialistas em
legislação com amplo conhecimento do tema abordado. Na seção os participantes
podem propor leis, usando súmulas que são recolhidas pelo curinga. As propostas são
analisadas pela célula metabolizadora e podem ser encaminhadas para as casas
legisladoras dos âmbitos Municipal, Estadual e Federal com a possibilidade de
converterem-se em projetos de lei. Uma variante desta técnica é o “Teatro Legislativo
Relâmpago”, que consiste no mesmo processo de produzir alternativas aos problemas
apresentados em uma sessão de Teatro Fórum, sugerindo leis que são imediatamente
votadas. Tudo isso ocorre em um único evento de três horas de duração (TEIXEIRA,
2007);
g) ações diretas - são formas de teatralização de manifestações
convencionais, como protestos, marchas de camponeses e de outros segmentos sociais,
procissões laicas, desfiles, cortejos e comícios, dentre outras. Pode-se usar elementos do
teatro, como danças, músicas, máscaras e outros que forem convenientes.
No contexto dessas técnicas, Boal enfatiza que
o Teatro do Oprimido, em todas as suas formas, busca sempre a
transformação da sociedade no sentido da libertação dos oprimidos. É ação
em si mesmo, e é preparação para ações futuras. [...]
O objetivo de toda árvore é dar frutos, sementes e flores: é o que desejamos
para o Teatro do Oprimido que busca não apenas conhecer a realidade, mas a
transformá-la ao nosso feitio (BOAL, 2005, p. 19 e 21).
39
Augusto Boal foi eleito vereador na cidade do Rio de Janeiro em 1992. Criou o Teatro Legislativo no
período do seu mandato e conseguiu, através desta forma teatral, aprovar 13 projetos de Lei na Capital
fluminense. Também foi originada a proposta que resultou, em 1997, após o final do mandato, na
primeira Lei brasileira de Proteção às Testemunhas de Crimes, que veio a inspirar a Lei Federal de
Proteção às Testemunhas; segundo Olivar Bendelak, Curinga do CTO RIO. (Depoimento recolhido no
dia 15/11/2010 no site: www.ctorio.org.br)
92
apropriação, ao escrever uma poesia o individuo se torna poeta; ao criar uma canção,
será compositor; ao pintar um quadro, um pintor. Desse modo, o autor (BOAL, 2009)
reforça a importância da promoção do acesso aos meios de produção artística e não
somente aos bens de consumo artístico-culturais40.
Constatamos, portanto, que o “Teatro do Oprimido” e a “Estética do
Oprimido” possuem natureza educativa e pedagógica (BOAL, 2009). Sobre isto
recorremos a Boal:
educação significa a transmissão do saber existente. Pedagogia, a busca de
novos saberes. Essas duas palavras não podem ser dissociadas, porque não
podemos aceitar um saber paralítico, imóvel, não investigativo, nem
descobriremos jamais novos saberes sem conhecer os antigos.
[...] A verdadeira e prazerosa educação, porém, é pedagógica: estímulo ao
aprendizado, às alegrias das descobertas e do saber.
Educação e pedagogia são duas irmãs que são, ao mesmo tempo, mães e filhas
da cultura. Filhas porque a cultura existe em cada sociedade em que vivemos e
se manifesta através do saber que ensina e do saber que busca. Mães, porque
através delas nasce uma nova cultura, sempre em trânsito. (BOAL, 2007, p. 7)
40
Coli afirma: “[...] para decidir o que é ou não arte, nossa cultura possui instrumentos específicos. Um
deles, essencial, é o discurso sobre o objeto artístico, ao qual reconhecemos competência e autoridade.
Esse discurso é o que proferem o crítico, o historiador da arte, o perito, o conservador de museu. São
eles que conferem o estatuto de arte a um objeto (COLI, 2007, p. 10). Acreditamos que esta concepção
inclui o Teatro e, conforme vimos acima, este raciocínio choca-se com as proposições de Boal.
93
explanação sobre a origem do teatro, desde as formas praticadas no Oriente, passando
pelo teatro grego, até o aprofundamento do teatro político e popular de Augusto Boal.
Esta aula teórica configurou a etapa inicial do processo, mostrando-se determinante para
lograr resultados que, partindo de uma ordem subjetiva, culminaram na criação que
entendemos como concreção ou materialidade artística.
Reconhecida a matéria de trabalho, ou seja, o teatro em um contexto
histórico passamos para a parte prática, fazendo uso do arsenal de jogos propostos no
método. Mesmo porque
o processo prático estético se inicia no tronco da Árvore com os jogos
lúdicos, que ao contrário dos jogos de azar, tem regras fixas, mas exige
criatividade, tal como a sociedade tem leis, mas necessita de liberdade. Sem
leis não existe vida social – sem liberdade não existe vida (BOAL, 2009, p.
188).
94
palco, duas vezes assim de seguida”. O aspecto da politização pode ser apreciado
justamente na coragem deste espectador de entrar em cena, numa ação motivada pelo
problema apresentado no palco. Além disso, deve ser salientado que este “espect-ator”
concedeu sua opinião em um fórum problematizador, de modo a gerar, na plateia, outras
reações. Em outros termos, provoca-se o desencadeamento de ideias com a intenção de
modificar um dado problema. Gilberto finaliza reconhecendo que “houve
desenvolvimento da minha parte”. Com esta frase identificamos algum nível de
percepção relacionando o espectador ao jogo do teatro e ao desenvolvimento de uma
temática. Entendemos que nisso incide parte do caráter pedagógico presente no Teatro
do Oprimido. Aprofundaremos essa compreensão adiante, quando apresentarmos outros
resultados do trabalho.
É preciso ressaltar, finalmente, que pesquisadores como Santana (2009) e
Japiassu (2005) reconhecem que o método de Augusto Boal, pela sua significância, faz
parte da história do teatro-educação no Brasil e alhures. Apesar disso ainda acreditamos
que o método em questão não é suficientemente difundido, e no âmbito da educação de
adultos pode mostrar-se um mais que relevante referencial teórico e, sobretudo prático.
No próximo tópico, aproveitando as análises realizadas até o momento,
pretendemos problematizar os jogos, tendo como base aqueles verificados no Teatro do
Oprimido.
Sabe-se que no mundo ocidental os jogos sempre foram cultivados nas mais
distintas sociedades. Seja em forma de competições, como nas olimpíadas da Grécia
Antiga, nos jogos atléticos em Roma ou mesmo nas civilizações antigas do continente
americano, a exemplo dos jogos sacrificais entre os Astecas (NEVES; SANTIAGO,
2009). Tem-se conhecimento da prática de jogos em tribos indígenas dispersas pela
América do Sul, em recantos da África e em todo o Oriente, além de jogos ritualísticos
associados a aspectos religiosos. No decorrer dos séculos e até hoje os jogos despertam
muito interesse, seja pela participação ativa ou por assisti-los.
Atualmente os jogos esportivos movimentam cifras incalculáveis de
dinheiro, devido ao imenso gosto popular por modalidades como o futebol, na América
do Sul e na Europa, o futebol americano nos Estados Unidos, o rugby no Reino Unido,
95
Austrália e África do Sul ou mesmo as competições automobilísticas que acontecem em
circuitos de todo o planeta.
Entretanto, deve-se reconhecer que nem todos os jogos são competitivos. Há
aqueles desprovidos de qualquer forma de compensação, prêmios ou condecorações.
Estes podem ser utilizados como recurso didático, inclusive na educação artística. No
tocante ao emprego dos jogos ligados ao teatro, utilizamos como aporte autoras
brasileiras como Joana Lopes (1989), Ingrid Koudela (2009), Maria C. Novelly (1994) e
Libéria Rodrigues Neves & Ana Lydia B. Santiago (2009). Nesses estudos notamos que,
em meio às mais variadas formas e intencionalidades da linguagem teatral produzidas
no último século, conformam-se um grande número de tipos de jogos com suas
peculiaridades, envoltos de elementos lúdicos, articulando a expressão do corpo e a
inteligência dos jogadores.41
Os jogos, em geral, sempre ofereceram certo encantamento para a
humanidade, pois lançam sobre nós um feitiço: é “fascinante”, “cativante”.
(HUIZINGA, 2007). No teatro, igualmente, o encantamento é mantido, mas
essencialmente com alguma finalidade: no que se refere ao TO, a desmecanização
corporal e mental do jogador.
Em referência ao teatro na educação, dois conceitos são notadamente
importantes: um deles é o do “Jogo Dramático” e o outro é o “Jogo Teatral”. Com
relação ao primeiro, Slade (1978) mostra que se trata da situação de “faz de conta”
vivida pelas crianças, momento em que, mesmo em estado de representação, os
envolvidos não necessitam de um ouvinte ou de um espectador. Assim, todos atuam e
interagem em uma integração completa. Por outro lado, o jogo teatral é caracterizado
pela relação entre quem representa - o ator ou o jogador - e quem observa, o espectador.
Entende-se, então, que os jogos do Teatro do Oprimido transitam por estas
duas nuances conceituais sem necessariamente estarem ligados a elas, ou seja, alguns
jogos podem ser observados por participantes externos, outros são praticados com o
envolvimento de todos os jogadores. Além disso, a operação desses jogos com adultos
também exige logística apropriada e o cumprimento de regras estabelecidas.
Em todo caso, o jogo é um fenômeno bastante complexo, como salienta
Huizinga:
41
Destacamos Viola Spolin e Augusto Boal como dois grandes pensadores teatrais que lidam com os
jogos de modo sistemático no teatro, de acordo com a perspectiva acima.
96
o jogo é mais do que um fenômeno fisiológico ou um reflexo psicológico.
Ultrapassa os limites da atividade puramente física ou biológica. É uma
função significante, isto é, encerra um determinado sentido. No jogo existe
alguma coisa “em jogo” que transcende as necessidades imediatas da vida e
confere um sentido à ação. Todo jogo significa alguma coisa. Não se explica
nada chamando “instinto” ao princípio ativo que constitui a essência do jogo;
charmar-lhe “espírito” ou “vontade” seria dizer demasiado. Seja qual for a
maneira como o considerem, o simples fato de o jogo encerrar um sentido
implica a presença de um elemento não material em sua própria essência
(HUIZINGA, 2001, p. 3-4).
97
suposto espetáculo e, desse modo, atribuíram valor duvidoso para a atividade com jogos.
Como explicação para situações como esta, Huizinga esclarece que
seja como for, para o indivíduo adulto e responsável o jogo é uma função que
facilmente poderia ser dispensada, é algo supérfluo. Só se torna uma
necessidade urgente na medida em que o prazer por ele provocado o
transforma numa necessidade (HUIZINGA, 2001, p. 10).
Isto nos obrigou a mobilizar habilidade e esforço para a condução das aulas
visando possibilitar que o grupo entendesse a necessidade dos jogos. Como
consequência, conseguimos fazer com que a maioria dos alunos aderisse à proposta.
Para tanto foram estabelecidas as seguintes etapas de trabalho:
a) realizar uma breve explanação sobre as categorias de jogos do TO, a fim de
que o grupo entendesse a função do desbloqueio físico e mental que eles
proporcionam;
b) conscientizar sobre a necessidade de vestuário adequado, (confortável e que
não iniba os movimentos) para as atividades com jogos;
c) organizar sessões de jogos coletivamente e com divisão de turma, com o
intuito de fazer com que parte do grupo jogasse e a outra observasse para
avaliar os jogos e o envolvimento dos colegas.
No final, a maioria apresentou sinais de que percebeu o significado de jogar
como etapa de uma aprendizagem artística que também se processa gradativamente.
Depoimentos42 de alguns participantes comprovam isto:
Dimir - Nós começamos o processo fazendo jogos do Teatro do Oprimido. O
que vocês podem falar sobre eles?
José Luiz – Principalmente essa parte do corpo e da mente, a liberação do
corpo e da mente, que nos jogos você tem uma condição, você se liberta dos
problemas, você fica assim mais livre, principalmente nesses jogos que a
gente nunca tinha visto e nunca tinha visto uma situação igual e parece que a
gente captou essa idéia [...]. A gente captou isso com toda, com toda
voracidade que precisava tá?
João Batista – Eu achei que aqueles jogos, no momento, eu achei não [...] que
era coisa assim pra gente passar o tempo. Depois eu fui ver que dentro dos
jogos a gente estava, na verdade, aprendendo alguma dinâmica do processo,
não sei se [...] Eu achei muito bacana, achei interessante que tirou a inibição
da gente de ter contato com o companheiro não é? Que a gente ficava meio
sem jeito. Então, mudou muita coisa, eu achei muito interessante os jogos.
Rosaly – Eu acho que libera porque eu nunca pensava [...] Posso falar?
Dimir – pode falar o que der vontade...
Rosaly – Porque eu trato de depressão há bem tempo e meu médico falou,
assim, que está fantástica a minha ficha, que eu melhorei demais. Então, ele,
ele falou assim – nossa senhora, eu que sou médico jamais teria coragem de
dar a cara num teatro, esse professor seu deve ser nota dez – e eu falei – é
42
Todos os depoimentos que aparecem nesta dissertação foram gravados pelo pesquisador e
posteriormente transcritos. Foram entrevistados dez alunos do PROEF II. Como critério escolhemos
oito alunos da turma 365 que participaram efetivamente das montagens de Teatro Fórum e dois alunos
que assistiram e fizeram intervenções nas peças.
98
mesmo, porque, se não fosse ele, eu num [...] Se não tiver incentivo, eu num
estaria não, eu sou muito tímida mesmo.
Dimir – Então os jogos ajudaram muito...
Rosaly – Ajudaram! Ajudaram!
99
relaxar; para isso, devem-se evitar movimentos bruscos ou cócegas, por
exemplo);
4- Jogos de integração (como o próprio nome sugere, esta série é indicada
para criar integração entre duplas, grupos variados, ou mesmo um grande
grupo por inteiro);
5- A gravidade (possibilita entender e trabalhar sobre as mecanizações
cotidianas).
100
Esta categoria trabalha a capacidade de diálogo visual entre duas ou mais
pessoas. É subdividida em três sequências principais:
1- Sequência dos espelhos (reprodução mimética das imagens em diálogo);
2- Sequência escultura ou modelagem (aqui, os diálogos não são
reproduzidos mimeticamente e, sim, interpretados, traduzidos);
3- Sequência das marionetes (os diálogos visuais pressupõem marionete e
marionetista, usando fios e hastes);
4- Jogos de imagem (Série de jogos variados).
Para essa etapa, são utilizados, ainda, jogos de imagem, jogos de máscaras e
rituais. Além desses, faz-se uso da imagem do objeto polissêmico, ou seja, aquele que
apresenta sentidos diferentes: um objeto bola imaginária pode servir para um jogo, ou
uma espada, para uma luta, sendo que, mesmo que esses objetos não existam
concretamente, podem proporcionar movimentos, ações e reações entre os participantes.
Há, também, os jogos introvertidos, que exigem do jogador maior observação e
concentração nas suas próprias ações.
101
Hipnotismo colombiano - Um ator põe a mão a poucos centímetros do rosto
de outro; este, como hipnotizado, deve manter o rosto sempre à mesma
distância da mão do hipnotizador, os dedos e os cabelos, o queixo e o pulso.
O líder inicia com uma série de movimentos com as mãos, retos e circulares,
para cima e para baixo, para os lados, fazendo com que o companheiro
execute com o corpo todas as estruturas musculares possíveis, a fim de se
equilibrar e manter a mesma distância entre o rosto e a mão. A mão
hipnotizadora pode mudar, para fazer, por exemplo, com que o ator
hipnotizado passe por entre as pernas do hipnotizador. As mãos do
hipnotizador não devem jamais fazer movimentos muito rápidos, que não
possam ser seguidos. O hipnotizador deve ajudar seu parceiro a assumir todas
as posições ridículas, grotescas e não usuais: são precisamente estas que
ajudam o ator a ativar estruturas musculares pouco usadas e a melhor sentir as
mais usuais. O ator vai utilizar certos músculos esquecidos do seu corpo.
Depois de uns minutos, trocam-se o hipnotizador e o hipnotizado. Alguns
minutos mais, os dois atores hipnotizam um ao outro: ambos estendem sua
mão direita e ambos obedecem à mão um do outro.
Variante - Hipnose com as duas mãos. Mesmo exercício. Desta vez, o ator
dirige dois de seus companheiros, um com cada mão. O líder não deve parar o
movimento nem de uma mão nem de outra. Esse exercício é para ele também.
Pode cruzar as mãos, obrigar um parceiro a passar por debaixo do outro (sem
se tocarem). Cada corpo deve procurar seu próprio equilíbrio, sem se apoiar
sobre o outro. O líder não pode fazer movimentos muito violentos; ele não é
um inimigo, mas um aliado, mesmo se está tentando sempre desequilibrar
seus parceiros. Depois, troca-se de líder, de maneira que os três atores possam
experimentar ser o hipnotizador. Após uns minutos, os três atores, em
triângulo, hipnotizam-se uns aos outro, estendendo, à sua direita, sua mão
direita e obedecendo à mão direita do outro, que lhe vem pela esquerda
(BOAL, 2004, p. 91).
102
Se você disser que sim - Uma música que permita que o ator que conduz o
exercício cante uma frase assim: “Se eu disser que sim, você dirá que não:
sim, sim, não", ao que todos devem responder "não, não, sim". Se eu disser
João, Luís, João, vocês dirão (e os outros dizem) Luís, João, Luís”; e depois
utilizará as palavras "pão" e "mel". Em seguida, combinações diversas das
três palavras e das outras três: "João, mel, não" contra” Luís, pão, sim...”
(BOAL, 2004, p. 144).
103
acrescentar mais mosquitos ao jogo e também alterar a forma de matar o
mosquito. Modificando o tipo de palma (CTO – 2008, apostila, p. 16).
104
trata-se, pelo contrário, de buscar a perfeita sincronização de movimentos e a
maior exatidão na reprodução dos gestos do sujeito por parte da imagem. A
exatidão e a sincronização devem ser de tal ordem que um observador
exterior não seja capaz de distinguir quem origina os movimentos e quem os
reproduz. É importante que os movimentos sejam lentos (para que possam ser
reproduzidos, e mesmo previstos pela imagem) e também contínuos. É
igualmente importante que se preste atenção aos mínimos detalhes, seja de
todo o corpo, seja da fisionomia (BOAL, 2004, p. 173).
Homenagem a Magritte – Esta garrafa não é uma garrafa - Este jogo tem
dois pontos de partida. O primeiro são as palavras de Bertolt Brecht: "Há
muitos objetos num só objeto se a meta final for a revolução, mas não haverá
nenhum objeto em nenhum objeto se não for essa a meta final. O outro ponto
de partida é o trabalho de Renè Magritte. Algumas de suas pinturas levam
títulos que dificultam a identificação dos objetos que representam: Esta maçã
não é uma maçã, Este cachimbo não é um cachimbo – e nós vemos um
cachimbo pintado neste quadro. O que Magritte quis dizer realmente foi que
um cachimbo ou uma maçã pintados em um quadro não são nem maçã nem
cachimbo, são obras de arte, são pintura, artes plásticas. Esta maçã não é uma
maçã, e não é mesmo: basta tentar comê-la para se certificar da verdade do
título, aparentemente mentiroso.
Este jogo é uma homenagem ao pintor surrealista belga. Começa-se com uma
garrafa de plástico vazia, dizendo-se que "Esta garrafa não é uma garrafa,
então o que será?", e cada participante terá o direito de usar a garrafa em
relação ao seu próprio corpo, fazendo a imagem que quiser, estática ou
dinâmica, dando ao objeto garrafa o sentido que quiser: um bebê ou uma
bomba, uma bola ou um violão, um telescópio ou um sabonete. Depois da
garrafa, pode-se usar uma cadeira. Ou uma mesa etc. Um pedaço de pau pode
ser uma arma, um bastão, uma estaca, uma pá, um mastro, uma vara, um
remo, um apito, uma flecha, uma lança, um violino, uma agulha, muitas
outras coisas, só não pode mesmo ser um pedaço de pau... (BOAL, 2004, p.
216).
105
os dois ser pais ou alunos etc.; cada um deve ser um dos pólos do binômio; b)
onde vai ser a cena em que vão se encontrar; c) que idade tem cada um: são
diferentes uma mãe de 30 e outra de 60. Depois disso, os parceiros saem de
perto um do outro, e cada um pensa, sozinho, em uma revelação, alguma
coisa – boa ou má, tabu – que se fosse dita provocaria o maior choque na
relação, que nunca mais voltaria a ser a mesma.
A improvisação começa quando os dois se encontram. Eles começam
conversando um com o outro sobre assuntos que esses personagens
geralmente conversam, e a fazer o que acreditam que estes personagens
habitualmente façam, incluindo todo tipo de lugar – comum e clichê.
Depois de alguns minutos, o diretor dará: "Um dos dois pode fazer a
primeira revelação". Então, um dos parceiros deverá revelar ao outro alguma
coisa, de grande importância, que tenha potencial de mudar a relação, para
melhor ou para pior. O outro parceiro deverá mostrar o que imagina ser a
reação mais provável. Improvisa-se a reação a esta revelação.
Depois de alguns minutos, o diretor pedirá ao segundo parceiro que faça
sua revelação, que deve ser tão importante quanto à anterior, e a primeira
pessoa reagirá de acordo com o que imagina que seria a verdadeira reação do
outro. Outro intervalo e o diretor dirá que um dos dois deve partir: eles
improvisam a separação - um "vejo você depois, um boa-noite, um adeus para
sempre”. Parte para comprar uma garrafa de champanhe ou para nunca mais
voltar.
Esse jogo é particularmente útil para revelar a estratificação numa
determinada cultura. Primeiro, onde maridos e mulheres, por exemplo,
usualmente se encontram e falam – na cozinha ou na cama - que revelações as
moças fazem para suas mães – estão grávidas de um homem casado e querem
abortar? Querem abandonar a casa? Parar de estudar, deixar o país?
Comparações que se podem fazer entre as diferentes duplas – por
exemplo, onde se encontram, o que se revelam etc. – são muito eficazes como
maneira de se revelarem os mecanismos de uma determinada sociedade
(BOAL, 2004, p. 225).
106
e mão, a fim de se apropriar da matéria natural útil para a própria vida [...]” (MARX
apud GONÇALVES, 2009).
Nas aulas, os bloqueios eram visíveis, e para essas situações os jogos do
Teatro do Oprimido cumpriram sua função, no geral confirmando seus pressupostos:
desbloqueio físico e mental para a criação cênica.
A título de comprovação, alguns depoimentos revelam a função
metodológica dos jogos. Assim avaliamos, na prática, que corpo e mente são ativados,
gerando prazer e alegria.
Maria Angélica – É divertido, é ótimo, você se libera, se solta, fica mais leve.
[...] A gente pode se soltar, rir mais, porque na nossa idade a gente precisa rir
mais, o pessoal é meio carrancudo. Foi muito bom também a parte de soltar o
corpo. É isso que eu estou te falando, a gente fica mais leve, parece que a
gente está carregando um peso né? Quando fazemos esses exercícios a gente
se libera, fica mais solta.
Erondina – Foi muito bom mesmo! Ajuda! É a verdadeira expressão corporal
porque aí você está expressando tanto com o corpo quanto com a mente.
Porque [...] é [...] você fica descontraído totalmente [...] e nem fica tímida
nem um pouquinho porque eu mesma eu não me senti tímida na hora que eu
fiz, porque eu fiz este tipo de jogos.
43
Sobre a especificidade da Educação em Artes Visuais, Ana Mae Barbosa esclarece que a metodologia
de ensino da arte usada no Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo integra a
História da Arte, o fazer artístico e a leitura da obra de arte (BARBOSA, 1991, p. 36). Nossa pesquisa
107
de espectadores, com a finalidade de analisar alguns aspectos formais de um
espetáculo44.
Através dessas ações reconhecemos a importância de proporcionar ao
educando o seu momento de espectador, de fruidor teatral. Essa atitude contribuiu para
aguçar mais ainda nosso instinto de investigação. De maneira a sedimentar esta análise
foi utilizada como suporte a obra “Pedagogia do espectador”, de Flávio Desgranges,
sobretudo quando este afirma que uma possível especialização do espectador
se efetiva na aquisição de conhecimentos de teatro, o prazer que ele
experimenta em uma encenação intensifica-se com a apreensão da linguagem
teatral. O prazer estético, portanto, solicita aprendizado. A arte do espectador
é um saber que se conquista com trabalho (DESGRANGES, 2010, p. 32).
de campo pautou-se nestes três parâmetros que chamamos, nesta dissertação, de triangulação. Assim,
estes elementos foram transpostos para o Teatro que é, também, modalidade de arte, cujo produto
teatral é, outrossim, obra de arte.
44
Ainda que sem muito aprofundamento, consideramos como aspectos formais do teatro os elementos
que compõe e “complexificam” esta arte: a escrita dramatúrgica, o trabalho do ator, do encenador e
tudo aquilo que envolve a encenação nos lugares onde ocorre. As obras “A análise dos espetáculos”
(PAVIS, 2003) e “Semiologia do teatro” (GUINSBURG; NETTO E CARDOSO, 2006) foram nossas
referências, juntas à “Pedagogia do espectador” (DESGRANGES, 2010).
45
“Quando as máquinas param” é um drama que conta a história do casal Zé e Nina. Zé gosta muito de
futebol: é torcedor fanático e joga pelada com a garotada da rua. Nina adora novelas. Ele é operário.
Ela costura para fora. Eles se amam e juntos já conseguiram algumas vitórias: casaram, alugaram uma
casa, pensam em ter filhos. Formavam um casal feliz até Zé perder o emprego. Eles lutam diariamente
contra todas as limitações sociais que colocam em risco a continuidade e o objetivo do seu amor. A
peça retrata um período de grande recessão econômica. Ao final, após desespero do protagonista Zé,
Nina é golpeada no ventre, com um pontapé, justo ela que anunciara estar grávida do marido que não
se via em condições materiais de ter um filho. Este espetáculo estreou em 1967. Os alunos assistiriam
à montagem de 2010 da “Cia. Escaramucha de Teatro”, do Rio de Janeiro, com interpretação de
Rômulo Rodrigues e Ana Berttines e direção de Márcio Vieira, no Teatro Alterosa em Belo Horizonte.
46
Plínio Marcos nasceu em Santos (SP), em 1935, e faleceu em novembro de 1999. Foi escritor, autor
de inúmeras peças de teatro. Foi também ator, diretor e jornalista.
108
Com esta atividade, a turma 365 assistiu a um espetáculo que serviu para a
apreciação de um importante texto da dramaturgia brasileira e, ao mesmo tempo,
permitiu verificar a ligação da peça com o Teatro do Oprimido, bem como o tema geral
de estudos no PROEF II: Sociedade de Consumo.47
Sobre as atividades de leitura da obra artística o grupo foi orientado a
observar os seguintes pontos: a interpretação dos atores, a criação e função do cenário, o
conteúdo tratado na dramaturgia, a iluminação e todos os elementos visuais e sonoros.
Todos esses elementos contribuíram para identificar alguma situação de opressão na
peça que provocasse uma reflexão social e política.
Em certa medida tal proposta buscou, essencialmente, uma abordagem sobre
os componentes cênicos e a percepção destes espectadores (PAVIS, 2003). É importante
saber que as chaves da mecânica semiológica estão na leitura de signos teatrais
(KOWZAN, 2006). Entendemos, portanto, que a ação de ensinar e aprender a ler uma
obra de arte teatral com seus signos intrínsecos, embora não seja uma premissa do
Teatro do Oprimido, deveria ser encarada não apenas como uma função metodológica,
mas como necessidade premente na EJA e, como tal, poderia ser revitalizada.
Para finalizar esta etapa foi organizado um debate em sala de aula,
utilizando a técnica GVGO - grupo de verbalização e de observação.48 Nessa
oportunidade os alunos puderam expor com criticidade as suas opiniões a respeito do
que fora solicitado anteriormente. Para iniciar a atividade realizamos um esclarecimento
sobre o enredo da peça, que se configura como um drama doméstico.
A fim de provocar uma análise sociológica da montagem, baseando-nos em
estudos de Mauro Kano (2009) destacamos junto aos alunos que a palavra “doméstico”
é originária do latim dominus, que significa domingo ou o “dia do senhor”, lembrando
que o “senhor é dono”. Além disso, deve ser salientado que “doméstico” possui relação
com casa, que por sua vez é o lugar que abriga a “família”. Quanto à palavra “família”,
é também de origem latina: de famulus, cujo sufixo, mulo, significa animal que
transporta carga. De “doméstico” levantamos o verbo “domesticar”, que se refere a
amansar ou adestrar um animal, pois entendemos, conjuntamente, que os personagens
47
No PROEF II, as disciplinas regulam seus procedimentos, os quais se baseiam em um tema geral
durante o ano letivo. “Sociedade de Consumo” foi o tema escolhido em 2010.
48
O GVGO consiste em dividir os alunos em dois grupos, dispostos em círculos concêntricos.
Inicialmente, o circulo interno verbaliza, enquanto o externo observa. Posteriormente, as funções são
invertidas, discutindo, conjuntamente, um tema relevante.
109
da peça estavam domesticados por um sistema social perverso, que não lhes garantia
condições dignas de sobrevivência nem perspectivas promissoras para o futuro.
Com relação ao drama doméstico abordado por Plínio Marcos,
compreendemos que emoldura a função de um suposto “dono” ou do “senhor”,
caracterizado pela conotação “capitalista” da peça, que evidencia a “domesticação” dos
mulos, os personagens que representam a classe trabalhadora no período da ditadura
militar brasileira. Dessa maneira esse drama levanta denúncias de um tempo também
marcado pela dominação do capital sobre o trabalho, expondo sua natureza:
as mais importantes operações do trabalho são reguladas e dirigidas segundo
os planos e as especulações daqueles que aplicam os capitais, e o objetivo que
eles pressupõem em todos estes planos e operações é o lucro (MARX, 2004,
p. 46).
110
Maria Angélica – Ainda hoje. E eu vivi com ele vinte e cinco anos, porque a
gente, quando casa nova, na nossa época, a mulher que separa ela não presta.
Se vai pra casa do pai, se você sai, igual o meu caso, eu saí sozinha, voltar
com três filhos, eu vou tirar a liberdade de meu pai e a liberdade dos meus
filhos e eu vou viver às custas dele. Nas costas dele. Mesmo eu costurando,
eu [vou] depender dele pra alguma coisa. E o medo de você; você tendo o
estritamente necessário... E o medo de você separar e não dar conta e ter que
voltar. Aí, é pior.
É possível entender que a posição de José Luiz revela certa indignação para
com o protagonista, pelo seu modo rude e por suas atitudes em relação à esposa.
Restringe sua crítica a estes elementos e não demonstra reconhecer que Zé também é
oprimido. Assim, aponta as falhas do protagonista sem fazer uma leitura da realidade
social. O mesmo não acontece nas seguintes opiniões:
Maria das Graças – Ele também sofria pressão por estar desempregado. E
aquele momento que ele também foi procurar emprego; ele chegou lá na fila
do emprego, o empregador estava pedindo dinheiro pra poder empregar as
pessoas. Ali, pra ele, também foi o fim da picada. Ele voltou zangado. E eu já
111
li isto muitas vezes em jornal: empresa que oferece emprego; chega lá você
tem que dar uma quantidade de dinheiro. Já vi isto muito em jornal.
Maria Geralda – Eu achei assim que ele passou a ideia, pelo menos eu achei
assim ele oprimido pela sociedade por não ter tido oportunidade de ter um
melhor emprego. Tanto é que ele, por algumas vezes, falou que estava
preocupado com as crianças na rua, não é? Porque elas estavam ali. Ele
estava preocupado com elas que podiam se envolver com roubo, com droga e
não conseguir arrumar um emprego assim como ele. Achei que ele foi
oprimido sim pela sociedade, porque não tinha uma oportunidade.
112
Não se pode perder de vista que os vários elementos cênicos, somados à
interpretação dos atores e à memória, conectaram o espectador à obra de tal modo que
alguns deles se emocionaram sensivelmente. Como prova disso basta verificar o trecho
do GVGO em que a manifestação dos alunos deu-se com brilho nos olhos e cores nas
palavras, repletas de sentimentos.
Dimir – O que vocês acharam daquele cenário e da luz do espetáculo?
Geraldo – Me lembrou muita coisa da minha infância: aquele rádio velho;
meu avô tinha um rádio daquele tipo. De 1958. Não de 1955. No ano em que
minha mãe morreu eu fui morar com meu avô. Ele tinha um rádio um pouco
mais comprido, com uma bateria quase do tamanho do rádio. Pra ele ouvir a
rádio Nacional do Rio de Janeiro. O programa chamava Júlio Lousada, às seis
horas da tarde, todos os dias. E ele ligava para ouvir a Ave Maria. Eu sou
católico, mas não sou praticante... E depois, ele continuava nesta mesma rádio
e ficava até às oito horas na mesma rádio, ouvindo como tem até hoje: a Hora
do Brasil. E tem uma outra coisa: um ferro de brasa...
Maria das Graças – Parecia que a gente estava na varanda da casa do Zé da
Nina de verdade. Foi muito bacana o cenário. Muito real!
113
comédia ou uma performance nos moldes do chamado “teatro experimental”49, por
exemplo.
Além dos elementos já mencionados, frisamos que os alunos tiveram
contato, através da montagem assistida, com um teatro realista cujo estilo parece cada
vez mais “fora de moda”, mas constitui parâmetro para outros estilos. Na peça ainda
verificamos uma escrita política, que assume a crítica social com interpretações realistas
e psicologizadas, em concordância com os ensinamentos de Stanislaviski (2003).50
Evitamos o “riso fácil” e assistimos a um “drama”, um espetáculo “pesado”,
inquietante. Apesar disso a resposta da turma 365 para a proposta didática foi
significativa, o que pode ser constatado pela revelação de Geraldo e Maria da Glória:
Geraldo – Posso te falar uma coisa? Eu vou falar aqui vocês vão me gozar.
Aquela foi a segunda vez que eu fui ao teatro. Eu gostei muito. Em breve eu
vou voltar.
Maria da Glória – Eu sou acostumada a ir a teatro como eu já te falei. Ali, eu
achei o seguinte, ali, eu fiquei mais íntima. Estava todo mundo lá e a gente
fica mais íntima da peça. Eu aproveitei para perceber as emoções da atriz e do
ator, porque vai ajudar a gente na nossa peça. Eu a achei uma excelente atriz.
Principalmente na parte emocional. Parece que ela consegue chorar. Ela vai
muito fundo que comove a gente, eu gostei. Achei muito bacana!
49
Referimo-nos a espetáculos teatrais de cunho “experimental” que, em muitos casos, conseguem a
adesão de um público “mais especializado”, acostumado a linguagens investigativas, “menos
populares”. Para Pavis, o termo “Teatro Experimental” está em concorrência com “Teatro de
Vanguarda”, “Teatro Laboratório”, “Performance”, “Teatro de Pesquisa” ou, simplesmente “Teatro
Moderno”; ele se opõe ao teatro tradicional, comercial e burguês que visa à rentabilidade financeira e
se baseia em receitas artísticas comprovadas, ou mesmo ao teatro de repertório clássico, que só mostra
peças ou autores já consagrados. Mais que um gênero ou um movimento histórico, é uma atitude dos
artistas perante a tradição, a instituição e a exploração comercial (PAVIS, 1999. p388).
50
O russo Konstantin Stanislavski é referência obrigatória do teatro no século XX. Foi o criador de um
sistema teatral que visava a atuação realística dos atores. Buscava uma interpretação que se
aproximasse da vida real, pois quando o papel e o ator estão conectados, o papel ganha vida - e o que
se fez necessário foi constituir uma técnica capaz de possibilitar que isto sempre ocorra. Stanislavski
viveu entre 1863 e 1938.
114
efeitos que produzem, o espectador ganha distância para melhor apreciar
como tais elementos estão sendo apresentados em um determinado
espetáculo. A aquisição desses conhecimentos permite que o observador
esteja em melhores condições para traçar linhas de reflexão acerca da obra e
elaborar um juízo de valor sobre ela (DESGRANGES, 2010, p. 33).
51
Aqui, o termo conservadora é empregado para designar espetáculos convencionais, apresentados em
palco italiano que separa o espectador da plateia, como ao que assistimos.
115
proporcionar ao educando da EJA a construção e a participação em pequenos
espetáculos. Por essa razão as montagens de peças de Teatro Fórum foram o alvo de
nossa pesquisa e os jogos serviram de intróito, seguidos da fase de leitura de uma obra
teatral. Durante os preparativos para as encenações, que foram a parte conclusiva de
nosso projeto, centramos nossa atenção nas seguintes orientações de Boal:
1. Os atores devem ter uma expressão corporal que exprima com clareza as
ideologias, o trabalho, a função social, a profissão etc. dos seus personagens,
através dos seus movimentos e gestos. É importante que os personagens
realizem ações e façam coisas significativas, sem as quais os espectadores, ao
substituírem os personagens, serão levados a sentar em suas cadeiras e a fazer
fórum sem teatro – apenas falando (sem ação como um rádio fórum). É
importante que todos os movimentos e gestos sejam significantes com
significados, sejam verdadeiramente ação dramática e não pura atividade
física sem significados.
2. Cada cena deve encontrar a expressão exata do tema que esteja
abordando. Essa expressão deve ser encontrada, de preferência em comum
acordo com os participantes.
3. Cada personagem deve ser representado visualmente, de maneira a ser
reconhecido independentemente do seu discurso falado, e o figurino deve
conter elementos essenciais ao personagem, pra que os espec-atores possam
também utilizá-los quando substituem os atores, e ser de fácil compreensão
(BOAL, 2004, p. 29-30).
116
masculino. Ao ser revelado o autor do crime, a comunidade descobriu tratar-se de uma
figura influente, de reconhecido prestígio, e que por isso não havia sofrido, até aquele
momento, qualquer sanção penal.
Grupo B – mulher causa sérios problemas na família por causa de consumo
compulsivo.
Síntese - A figura central da história quer possuir tudo que é novidade,
mesmo que não necessite. Seja um sapato, uma bolsa, um brinco, um perfume ou um
eletrodoméstico. Porém, não se trata de alguém que tenha condições de “esbanjar”. É
uma trabalhadora comum (não foi revelada a profissão), não é uma pessoa rica. Neste
caso, seu hábito de consumo excessivo resulta em dívidas contínuas e dificuldades para
a família.
Grupo C – usuário de droga: vítima de traficante faz da família sua vítima.
Síntese - a narradora contou um fato de opressão vivido por ela própria52.
Relatou que seu filho, jovem com pouco mais de vinte anos de idade, tornou-se
dependente químico. Para manter o seu vício o rapaz, que é personagem do clássico
drama entre dependentes químicos e suas famílias, pratica pequenos furtos dentro de
casa, maltrata com insultos e outros atos ofensivos a própria mãe. Muito emocionada, a
narradora revelou que seu filho, muito inteligente, consegue, inclusive, “arranjar
emprego” com facilidade. No entanto, por causa da dependência, não permanece muito
tempo no trabalho. O filho se vê às voltas com problemas com traficantes.
Grupo D – homem negro sofre preconceito ao tentar comprar um veículo em
uma concessionária.
Síntese - a escolha deste fato deu-se após a curiosa abordagem do aluno João
Batista que, após a aula, chamou-nos no corredor da escola e narrou o acontecido:
Durante um tempo, juntei dinheiro para comprar um carro novo. Fui a uma
concessionária. Cheguei, fiquei sentado esperando que alguém me atendesse
e nada. O tempo foi passando e nada. Ninguém me atendia. Senti-me
rejeitado. Acho que pelo meu tipo, ninguém deu a mínima pra mim. Me senti
humilhado. Aí, eu apelei e disse para que ouvissem: se ninguém me atender
aqui eu vou embora. Depois que eu falei isso, veio um danado de um
atendente e colocou as moças mais bonitas para me atender (DIÁRIO DE
CAMPO, 2010).
52
A aluna que narrou o fato também interpretou o papel principal da peça: “Frágil como bolhas de
sabão.”
117
A escolha das histórias foi marcada pelo grande envolvimento dos alunos,
de sorte que podíamos observar, no semblante dos ouvintes, sentimentos de
perplexidade e de indignação que traziam à tona reflexos de postura crítica e algumas
manifestações de desconforto em relação a cada narrativa; eram relatos reais da ordem
do dia. A disposição para esse debate foi tanta que a sala se transformou num plenário e
os alunos participaram com grande interesse, compartilhando sem pudor as suas tantas
experiências de vida.
Embora algumas situações não abarcassem completamente o conteúdo do
tema norteador, resolvemos mantê-las, abrindo espaço para adaptações nos textos que
viriam a ser elaborados ou na mise-en-scène. No entanto buscamos, durante todo o
semestre, manter a unidade com as outras disciplinas para não desvincular o teatro da
proposta coletiva. O tema “sociedade de consumo” serviu de estímulo, como facilitador
para a turma que ao mesmo tempo se inteirava das propostas de outros professores.
Após a escolha dos temas e a organização dos grupos reforçamos junto aos
alunos os aspectos específicos da dramaturgia do Teatro Fórum. Como o nome sugere,
trata-se de uma manifestação interativa que se aplica ao estudo de situações sociais bem
claras e definidas (BOAL, 2005, p. 28-29). A propósito, Boal afirma que esta peça é um
modelo que promove o debate e para tanto deve apresentar um erro, uma falha do
protagonista para que os “espect-atores” possam ser estimulados a encontrar novas
soluções e novos modos de confrontar a opressão (BOAL, 2005). Praticamente no final
da história o oprimido deve ser “vencido” pelo opressor, para que o público se mobilize
e entre em cena, convidado pelo curinga. É esperado que com isso os “espect-atores”
intervenham e mostrem aquilo que julgam ser a boa solução, a melhor saída, o caminho
justo (BOAL, 2005). Este é uma forma pela qual as pessoas são levadas a reagirem a
sairem do imobilismo.
Seguimos estas orientações e adentramos na parte prática da criação,
explicando alguns princípios que facilitam a montagem de uma cena ou de um
espetáculo inteiro. Para o desenvolvimento dos temas levantados os grupos deveriam
estabelecer o início, o desenvolvimento e a conclusão das histórias. Nesta fase era
possível engendrar elementos novos como maneira de criar mais estímulos e mais
tempero em uma narrativa que viraria representação.
Posteriormente demonstramos os princípios da improvisação teatral
propostos por Viola Spolin (2000). Em vista disso os alunos foram levados a
improvisar, determinando o “onde”, o “quem” e o “que” de situações inusitadas. O
118
“onde” refere-se a um lugar preciso em que acontece um fato, é o lócus da ação cênica;
o “quem”, à definição dos personagens com as suas particularidades físicas, sociais e
psicológicas; o “que” é, na prática, o desenvolvimento da improvisação que, via de
regra, exige o início, o meio e o encerramento.
Para compreender melhor estes princípios utilizamos o jogo “as duas
revelações de Santa Tereza”. Várias duplas apresentaram suas improvisações,
confirmando o que tinham apreendido sobre improvisação teatral. Destacamos as
participações das alunas Maria Angélica e Maria Geralda. Ambas representaram, em
uma cena, os personagens “A” e “B”, respectivamente, com a seguinte
microdramaturgia:
Um armário tipo arquivo foi posto no espaço, o que ajudou a determinar o
“onde”. Uma atriz saiu da sala e outra ficou. Ficou vetado que as atrizes
usassem os seus nomes verdadeiros. A atriz que saiu da sala foi “A”, que
entrou dizendo:
A- Nossa Antônia, eu tenho uma coisa pra te dizer, mas, por favor, não fale
pra ninguém. (“A” foi entrando e mexendo no armário como quem
procura algo.)
B- Como é que você entra na minha casa e vai mexendo nas minhas coisas?
A- (Eufórica) Sabe Antônia, é uma historia complicada. A polícia está
procurando o meu irmão.
B- E eu com isso? (“A” continua a procurar algo no armário) e o que é que
você está caçando no meu armário?
A- Sabe, o meu irmão roubou umas joias e eu escondi dentro daquele copo
que estava aqui com fubá.
B- Ah é isso que você tá procurando?
A- É! Você viu?
B- Ih! Então vamos ter que ir pro quintal e ficar esperando.
A- Mas porque Antônia?
B- Por que com o fubá eu fiz um angu e o cachorro comeu!
119
diálogos sobrepostos e em paralelo, pessoas falando simultaneamente, postura física e
vocal cotidiana, etc. Ou seja, os atores e atrizes em cena, nas primeiras improvisações,
comportavam-se como eles mesmos, sem assumir as propriedades de uma personagem53
e modificando somente algumas inflexões relativas aos “textos”.
Por estes motivos nossa intervenção fez-se necessária. Para dirimir
problemas primários nas improvisações, recorríamos às etapas vivenciadas pelos
próprios alunos. Além disso, buscávamos constantemente um resgate dos jogos e da
memória do espetáculo a que assistimos a fim de corrigir fragilidades técnicas.
Conseqüentemente, fizemos com os ensaios ajustes cênicos ao mesmo tempo em que
aprofundávamos a “poética do oprimido”.
Ainda sobre dramaturgia no TO, Boal esclarece que
a peça pode ser realista, simbolista, expressionista, de qualquer gênero, estilo
ou forma, ou formato, exceto surrealista ou irracional – porque o objetivo é
discutir sobre situações concretas, usando-se para isso a linguagem teatral
(BOAL, 2005, p. 29),
53
As propriedades da personagem podem estar ligadas à corporeidade e às variantes psicológicas,
principalmente, quando se trata de linguagem realista. Voz adequada à idade da personagem, postura
do corpo, características de personalidades e de comportamento são, apenas, alguns exemplos
importantes de apropriação do personagem por parte do ator.
54
Entende-se por “criação coletiva” o espetáculo que não é assinado por uma só pessoa (dramaturgo ou
encenador), mas elaborado pelo grupo envolvido na atividade teatral. Com frequência, o texto foi
fixado após as improvisações durante os ensaios, com os participantes propondo modificações
(PAVIS, 2003, p.78).
120
Levando em consideração também estes elementos, concluímos que a
criação de Teatro Fórum com educandos de EJA traz em si a virtude de ser um processo
realmente democrático, por dar a todos os participantes a oportunidade de
manifestarem-se sem qualquer restrição. Sendo uma tarefa coletiva, os resultados são
conquistados no momento em que o professor atenta para as diferenças dentro do grupo
e quando, da parte de todos os envolvidos, há o exercício deliberado da fala e da escuta,
da observação e do oferecimento de algo.
À luz dessas observações podemos afirmar que o teatro é uma arte do
coletivo. No caso do Teatro Fórum, coletivizar foi uma exigência, pois do contrário não
seria possível articular o que vislumbrávamos com esta forma teatral na EJA: debater
sobre possíveis formas de transformar a realidade opressiva de acordo, sobretudo, com a
capacidade singular de corpos e mentes de homens e mulheres que, na vida adulta,
retornaram aos bancos escolares trazendo consigo potencialidades individuais para
expressarem-se como artistas.
De modo a reforçar esta análise e, assim, contribuir para o avanço em torno
do assunto proposto, seguiremos com uma discussão sobre o que chamamos de
pedagogia do Teatro Fórum na EJA.
55
Estes elementos referem-se à nossa descoberta durante a pesquisa, embora não estejamos respaldados
em outros autores.
121
a) a técnica: o Teatro Fórum com os seus pressupostos que consistem no
mecanismo pedagógico;
b) o educando-artista: aquele que se dispõe a atuar, elemento criador atuante;
c) o público: “espect-ator”, fruidor e interveniente;
d) o professor-curinga: responsável por articular o ‘mecanismo pedagógico” com
o “criador-atuante”, na busca da reflexão e opinião do público.
É provável que estes elementos estejam presentes em outras formas de teatro
na educação, assim como os percebemos, de modo vigoroso, nas várias etapas da
montagem. Notamos três momentos confluentes nesta proposta: em primeiro lugar, a
ação do educador e suas interfaces com o educando; concomitantemente houve o
momento de compreensão, por parte do educando, de como construir o Teatro Fórum;
finalmente, a apresentação para e com o público: momento culminante que ofereceu o
resultado artístico e motivou a aprendizagem coletiva.
Ao referirmo-nos à atuação de um professor com uma turma de adultos de
EJA, articulando ensino de teatro por meio do método de Augusto Boal, alguns fatores
devem ser levados em conta, especialmente os elementos do Teatro Fórum. Sendo
assim, observamos que a tarefa de articulação educativa com esta técnica exige do
professor o conhecimento das demais técnicas do TO, além do desenvolvimento de sua
capacidade didática, entendimento sobre os sujeitos envolvidos e postura política, com
atenção aos problemas sociais à sua volta.
A partir disso pode-se determinar que, sem o desejo de abordar questões de
opressão dos atuais tempo e espaço históricos, um professor de teatro enfrentaria sérias
dificuldades para desenvolver ações reflexivas, politizadoras, de cunho transformador.
Vale ressaltar, no entanto, que o Teatro do Oprimido é um método acessível a qualquer
pessoa por ser de simples apreensão, embora o professor precise se capacitar para
compreender o que Boal denominava as “leis pétreas” deste teatro: a Ética, a
Solidariedade e a Estética do Oprimido, as quais possibilitam substancialmente o
combate e a transformação de situações reais de opressão. Não se trata, portanto, de um
método de teatro a mais; seus propósitos assumem uma abrangente função social56.
Neste sentido Boal salienta que
56
Julian Boal (2009), em conferência proferida no 11º Festival Internacional ZEMOS98, na Espanha,
salientou a utilização de técnicas do Teatro do Oprimido para disciplinar operários, fazê-los serem
mais produtivos e como meio para selecionar novos funcionários: são consideradas perversões em
relação ao TO. Há um relato sobre uma mulher na Suíça que sugeriu que se fizesse uma peça de
Teatro Fórum questionando a presença de mendigos próximos de sua casa. A proponente sentia-se
122
queremos um Brasil em que todos os brasileiros sejam plenos cidadãos, e não
se pode ser pleno sem os fundamentos da educação, sem as audácias criativas
da pedagogia, sem uma cultura plural que tenha a cara do nosso país, mestiço
e cafuzo, mameluco, zambo e cariboca. Sem uma ética de combate a todas as
formas de opressão, por mais enraizadas que estejam na Moral vigente
(BOAL, 2007. p.8).
oprimida pelos mendigos. Casos particulares como estes devem ser evitados. Neste sentido, é de
fundamental importância evitar o olhar limitado sobre o que é opressão. Para isso, deve-se levar em
conta situações opressivas de relevância para a coletividade.
123
A fim de obter as avaliações dos próprios participantes (atores, atrizes,
espectadores e espectadoras) sobre a aprendizagem57 através do TO, entrevistamos
Maria Lina, aluna que atuou em uma peça, e Fabiana, que fez uma intervenção.
Dimir - Vocês consideram o Teatro Fórum, um teatro instrutivo? Ele ensina
alguma coisa às pessoas?
Maria Lina58 – Com certeza. Ensina, passa muita coisa... sentimento, emoção,
passa muita coisa. E ali você está atuando, de perto, você está fazendo... igual
aconteceu conosco, a nossa peça, ela não foi escrita, nós mesmos montamos
ela. Você deu liberdade pra gente montar a peça da forma que a gente quis e
se você tivesse escrito a peça a gente, talvez, nem teria conseguido, mas como
você deixou correr solto, cada um foi fazendo aquilo que sentiu e naquele
momento, às vezes, aquilo não saiu tão bem, a gente improvisou. Às vezes
aquela fala não ia ser daquela forma, a gente improvisou e talvez, a
improvisação até ficou melhor porque aconteceu... Foi um acontecimento, a
gente simplesmente foi fazendo, não houve uma coisa escrita pra gente ler e
decorar, não é isso? Eu senti assim... Foi assim que eu consegui decifrar
aquilo ali, não é? [...]
Fabiana59 – Sim! Com certeza! Porque ali tinha o teatro com pessoas
apresentando o que é o consumismo e havia as pessoas da plateia que podia ir
lá e intervir dando uma resposta para as pessoas que estavam ali assistindo e
eu fui uma. Eu entrei e dei uma resposta que o pessoal gostou do que eu falei,
que a gente precisa pensar na necessidade da família. O que é necessidade, o
que não é. A necessidade e também aquelas coisas; ter um mínimo de... De
valor. [...] De saber como comprar. Não comprar acima de seis vezes. Sabe
como? Sei lá veio na hora lá na mente as palavras que eu falei para o público
e eles gostaram. Então foi dado um recado, assim que vai ajudar muitas
pessoas.
57
Refere-se à aprendizagem relacionada às questões sociais próximas aos alunos de EJA que
participaram do processo no PROEF II.
58
Maria Lina foi atriz da peça Consumir! Consumir!
59
Fabiana de Araújo Silva foi “espect-atriz” e fez intervenção na peça Consumir! Consumir!
124
e o educando-artista cria baseando-se em si mesmo: “[...] cada um foi fazendo aquilo
que sentiu e naquele momento, [...] a gente simplesmente foi fazendo, não houve uma
coisa escrita pra gente ler e decorar, não é isso? Eu senti assim... Foi assim que eu
consegui decifrar aquilo ali, não é?” [...]
Estas palavras de Maria Lina, embora aparentemente revelem certa
liberdade nos procedimentos em aula, não podem ser confundidas com licenciosidade.
Cabe compreender que a educanda nos mostra outros modos de fazer e de aprender algo
com o teatro.
Já Fabiana foi uma espect-atriz e argumenta que, como espectadora, também
foi possível aprender. Com respeito ao objetivo do Teatro Fórum (aprender e apreender
como espectador e, mais do que isso, interagir para transformar), relata o seguinte: “[...]
eu entrei e dei uma resposta que o pessoal gostou do que eu falei, que a gente precisa
pensar na necessidade da família. O que é necessidade, o que não é. A necessidade e
também aquelas coisas; ter um mínimo de... De valor.”
Utilizando a técnica do Teatro Fórum e com a participação de 23 alunos,
montamos as peças60 Consumir! Consumir!61, Frágil como bolhas de sabão62, Ramos &
Ramos63 e Minha casa meus amores64.
Neste método, diferentemente das formas convencionais de teatro, o
espectador entra em cena para dar sua opinião. Fabiana o fez demonstrando o seu nível
de conhecimento em relação ao tema encenado, o que confirma a tese de Freire de que a
aprendizagem se dá como em uma via de mão dupla, com a mediação do mundo. Então
é compreensível que a espectadora entre em cena, porque fora provocada por uma
argumentação de formato estético, fundamentada por uma questão do cotidiano, de
interesse coletivo65. Isso explica o fato de a sua opinião basear-se em valores que
prezam o bem estar da família. Fabiana demonstra compreender que sua manifestação
60
Os títulos foram criados pelo professor, em comum acordo com os grupos.
61
“Consumir! Consumir” teve elenco formado por Ana Cristina Ramos, Dayse Helena, Heli Oliveira,
Maria da Glória Pego, Maria Lina dos Santos e Marcus Cordeiro.
62
“Frágil como bolhas de sabão” teve a participação de Erondina da Rosa, Geraldo Pereira, Jovelina de
Jesus, Leda de Oliveira Lino, Luiz Carlos de França, Nanci Maria Afonso, Neusa de Souza Santos,
Maria das Graças.
63
“Ramos e Ramos” teve a participação de Eliane dos Santos, Geralda Conceição, João Batista Neves,
José Luiz Santos, Ray Quintão, Rosaly Serra.
64
“Minha casa meus amores” teve a participação de Maria Angélica Coutinho, Maria Geralda da Cruz e
Salvadora dos Anjos. No entanto, esta peça não foi apresentada, porque uma das atrizes ausentou-se
das aulas devido a problemas de saúde na família, fato que ocorreu muito próximo da apresentação,
impossibilitando uma substituição.
65
Refere-se à peça “Consumir! Consumir!” que discute os malefícios do consumismo doentio.
125
em cena aberta seria uma maneira de colaborar na abordagem do problema quando
afirma que “então foi dado um recado assim que vai ajudar muitas pessoas.”
Com essas observações verifica-se que o Teatro Fórum, na EJA, estabelece
uma ligação necessária entre o educando-artista e o público através do “professor
curinga” que, por meio de uma situação de opressão teatralizada, passa a exercer uma
função educativa dentro de um jogo constituído de elementos amalgamados em uma
arquitetura dramatúrgica precisa, como se observa no esquema abaixo.
66
Boal pontua um aspecto determinante na relação entre opressor e oprimido por ele denominada
crise chinesa. Entende-se que o conceito de crise para os ocidentais tem proximidade com dois
ideogramas chineses que de modo complementar tem o sentido de perigo mais oportunidade:
126
história. Para a interação do espectador o próprio Teatro Fórum estrutura-se como um
meio de provocar questionamentos e atitudes, dirigindo à platéia a seguinte pergunta:
“quais são as alternativas para que o protagonista seja bem sucedido na realização de
sua vontade?” (BOAL, 2007). Então, com a mediação do curinga, os espectadores são
chamados a explicitarem suas opiniões.
Desta forma percebemos que nessa modalidade teatral não basta, apenas,
que o espetáculo seja montado. A compreensão do mecanismo caracterizou-se como a
base para a justa atuação dos atores e atrizes, pois, por tratar-se de fórum teatral, foi e é
necessário atrair os espectadores, desafiá-los e chamá-los a agir cenicamente. Dessa
maneira, o Teatro Fórum surpreende a quem faz e a quem vê: artistas e plateia.
Fizemos, portanto, a seguinte pergunta a Maria Lina, atriz da peça
Consumir! Consumir!:
Dimir - O que você acha dessa possibilidade do público entrar em cena?
Maria Lina – Ah, isso é maravilhoso, isso é muito bom. O público participar
ali e debater, debater com o opressor e, até também, com o oprimido, ele
participa de perto, ele vira o ator, ele vai pro palco e ele vira o artista. E
aquele artista que, por exemplo, no caso, o opressor, ele não vai ceder,
porque, se fosse eu que tivesse fazendo a opressora, eu não ia ceder pr’aquele
que saiu lá da plateia pra vir contracenar comigo. Eu ia ser muito dura. Eu ia
até ser a opressora nessa cena, não foi?
Dimir – Exatamente.
Maria Lina – Eu, eu deixei pra outra porque eu achei... Sabe o quê que eu
pensei Dimir? Que você daria a peça por escrito e eu teria que decorar. E eu
falei assim – se eu for decorar esse trem, esse trem não vai ficar bom – aí, eu
passei pra Dayse. Mas tudo foi bem, foi maravilhoso, foi bom demais. Mas
assim, no caso que você está falando, é muito bom o público participar, é
muito construtivo, é gostoso, é agradável. Você entendeu? É construtivo...
127
Em outro trecho da entrevista Maria Lina demonstra uma pré-concepção
sobre os mecanismos da montagem teatral, manifestada quando lhe foi permitida a
condição de interpretar a opressora da história: desistiu do papel por receio de não
conseguir decorar um texto. Entretanto surpreendeu-se ao perceber que não
trabalharíamos com textos prontos. Neste momento disse: “sabe o quê que eu pensei
Dimir? Que você daria a peça por escrito e eu teria que decorar. E eu falei assim – se eu
for decorar esse trem, esse trem não vai ficar bom – aí, eu passei pra Dayse.” Fato é que,
interpretando a opressora ou não, Maria Lina teve falas, participou de coreografia e teve
momentos de entrada e saída de cena. Tudo isso reforça que este método potencializa a
capacidade expressiva do educando por exigir dele a coragem de atuar.
Na experiência com adultos de EJA o frescor verificado em todo o processo
com o TO traz muitas surpresas positivas para o educando, que podem ser traduzidas
através da seguinte fala de Maria Lina: “mas tudo foi bem, foi maravilhoso, foi bom
demais. Mas assim, no caso que você está falando, é muito bom o público participar, é
muito construtivo, é gostoso, é agradável. Você entendeu? É construtivo...”
E continuamos a entrevista:
Dimir - Você acha que este teatro ajuda a gente a ser mais politizado...
Maria Lina – Também...
Dimir - A prestar mais atenção nas questões sociais assim?
Maria Lina – Eu acho. Eu acho porque essas peças que vocês fazem do
Teatro Oprimido, [referindo-se a outros praticantes do TO e não aos alunos
da turma 365] esse sistema do público estar participando isso ajuda muito,
isso aborda muita coisa. Porque dá para fazer várias cenas, entendeu? A gente
pode ter ali várias cenas com o público participando, podem ser montadas
várias cenas ao mesmo tempo com o público mesmo ali. O público pode ser o
artista. Então, podemos ter um número muito pequeno de atores ali na peça,
só pra iniciar, você pode ter uns poucos atores ali pra iniciar uma peça, mas o
desenvolver, o desenrolar pode ficar por conta do público... que ele vai
abordar muito assunto, muita questão... e mexe com o sentimento do ser
humano não é? Mexe com o coração, com o caráter, entendeu? O teatro, ele
mexe com o caráter do ser humano, o sentimento, a posição, a postura, ele
abrange toda uma situação do ser humano, sem contar o corpo, a mente não
é? Então é muito bom.
128
humano, o sentimento, a posição, a postura, ele abrange toda uma situação do ser
humano, sem contar o corpo, a mente não é? Então, é muito bom”.
Dando continuidade aos nossos estudos, vejamos os comentários de
Fabiana, que interveio na peça “Consumir! Consumir!”. Na oportunidade, a aluna foi
indagada sobre as possíveis motivações para o espectador interferir no espetáculo.
Dimir - O que te moveu? O que te estimulou a sair da cadeira que você estava
sentada confortavelmente para ir pro palco e entrar em cena?
Fabiana – Pensar nas pessoas que estavam lá no mesmo nível que eu. O nível
que estava lá era de pessoas pobres. E, hoje, o mercado está muito livre pra
nós. Oferecem cartões, cheque e, de tantas vezes, a gente pode comprar.
Então, a facilidade está muito grande. Então, a pessoa vai e ah!, vou pagar de
dez vezes, dez vezes. Não importa. Vinte e quatro vezes. “vou pagando aí até
ver.” Então, o que me moveu foi pensar em mim mesma e no meu semelhante
que estava ali do meu lado, atrás de mim, na minha frente e eu fui falar isso
para as pessoas, pra que elas possam ter esse controle. Porque está tudo muito
livre, muito fácil da gente comprar aí fora. Mas peraí. Vamos ver o que é
necessário pra nós e saber comprar. O mínimo que eu faço com minhas
compras são seis vezes. Eu não passo disso. Passou disso eu não; preciso
esperar. Eu não vou comprar agora.
129
problema que tem que ser resolvido. Chega! Está é a sua última compra. Nós
vamos viver de metas. A partir de hoje, vamos comprar só o necessário e
compras só vamos fazer com, no máximo, três vezes. Se a gente for às Casas
Bahia comprar um eletro que está precisando, vamos comprar com, no
máximo, três prestações e pronto! Chega! (A conversa foi encerrada com o
pulso firme da oprimida, cuja opinião agradou à plateia em função da
qualidade da interpretação).
67
Maria da Glória foi atriz da peça Consumir! Consumir! O fato narrado por ela proporcionou a montagem
da peça.
130
Na tentativa de perceber os efeitos após uma seção de Teatro Fórum,
indagamos Fabiana novamente.
Dimir - Depois do espetáculo, depois da apresentação, ainda ressoava
algumas falas no ônibus68 sobre o espetáculo?
Fabiana – Sim. Eu vim até conversando com um rapaz que trabalhou na peça.
[...] E eu pensei duas vezes em estar lá. Se eu não tivesse ido, eu teria
perdido. Porque até hoje foi uma lição de vida pro resto de minha vida e eu
vou lembrar muito daquele espetáculo. E o que marcou muito a minha vida
foi o oprimido e o opressor. Eu não sabia muito definir estas duas palavras. O
que é oprimido o que é opressor? Hoje em dia eu sei. Eu sei quando eu estou
vivendo uma situação de emprego, de escola, ou qualquer outro lugar que eu
estou na minha classe de vida social, família também. Qual parte que eu sou
oprimido ou opressor. Então a gente tem que tomar cuidado também com
esse lado. Ou de estar oprimindo alguém ou de estar deixando alguém oprimir
a gente, não é? E depois como eu aprendi, no teatro, o que significa essas
duas palavras, que é uma muito diferente da outra. Hoje eu tenho me
comportado melhor como pessoa. Eu sei que tem muita coisa ainda que
melhorar. Mas eu lembro muito do teatro e me coloco no lugar das pessoas;
pô, será que eu vou oprimir? E se eu tivesse no lugar dela, eu seria oprimida?
Eu penso e não faço. Eu tenho tido sucesso com isso. Eu tenho crescido como
pessoa.
Dimir – Então, você acredita que o Teatro Fórum, que é uma parte do Teatro
do Oprimido, é um teatro instrutivo?
Fabiana – Nossa, muito, muito mesmo! Eu não tenho palavras pra expressar.
Esse teatro entrou na minha mente que marcou e vai poder me ajudar muito,
muito pela frente. E até mesmo pensar que a nossa vida é um teatro sem
ensaios, não é?
Além disso, reiteramos que este teatro exige dos que nele atuam e dos
“espect-atores” a coragem de se inserirem na situação apresentada no palco. Assim,
68
A coordenação do PROEF II disponibilizou dois ônibus que transportaram todos os alunos para a ida ao
teatro e para a volta à escola.
131
essas duas instâncias precisam reconhecer o opressor da história para que este seja
enfrentado, combatido. Por consequência, esse esforço e disponibilidade são capazes de
extrapolar o espaço de reflexão, que pode se estender para o exterior do fórum
estabelecido. Com fins argumentativos, destacamos outras palavras de Boal acerca de
uma sessão de Teatro Fórum.
Não deve terminar nunca. Como o objetivo do Teatro do Oprimido não é o de
determinar um ciclo, provocar uma catarse, encerrar um processo, mas, ao
contrário, promover a auto-atividade, iniciar um processo, estimular a
criatividade transformadora dos espectadores, convertidos em protagonistas,
cumpre-lhe justamente por isso, criar transformações que não se devem
determinar no âmbito do fenômeno estético, mas sim transferir-se para a vida
real (BOAL, 2005, p. 345).
TABELA 1
Dados da realidade social dos alunos e alunas da turma 365 – PROEF II – 1º Semestre de 2010
132
Primeiramente aplicamos um questionário na turma 365, cujas respostas
estão resumidas nas tabelas 1 e 2. Nessa turma, com a qual realizamos as aulas,
obtivemos a participação de 29 alunos69, sendo que 27 destes responderam ao
questionário, gerando os dados acima.
A maioria desses alunos e alunas nasceu no interior de Minas Gerais, mas
há muitos anos são residentes na capital mineira, onde encontraram seus espaços de
trabalho e constituíram suas famílias. Sabe-se ainda que parte considerável deles é belo-
horizontina, havendo também pessoas naturais de outros Estados. Complementando
essas informações descritivas, a turma é formada por pessoas acima dos 20 anos de
idade, possuindo alunos de 70 anos idade; a maior parte deles, no entanto, concentra-se
na faixa entre 50 e 60 anos: cerca de 30% do total. Informamos, por fim, que nesta faixa
predomina o gênero feminino. Não obstante esses dados esclarecemos que,
independente de idade e de sexo, todos os membros da turma envolveram-se nas aulas
com interesse. Aliás, os mais jovens e os mais velhos estiveram em sintonia nas
atividades teóricas e práticas.
Nesta oportunidade pedimos que fosse assinalada a relação de cada pessoa com
as seguintes modalidades previamente apresentadas:70 teatro, dança, show de música
popular, concerto de música clássica, festas populares, cinema, museu, exposição de
artes visuais e gastronomia.71 Para dar maior dimensão à pesquisa fizemos o mesmo
com todos os outros alunos e alunas do PROEF II, o que resultou em vários gráficos e
tabelas, os quais analisaremos a seguir.
Passamos agora a uma análise sobre a relação dos educandos da turma 365
com atividades artísticas. Para tanto será dispensada atenção exclusiva aos aspectos de
natureza estética. Nesse sentido, mesmo que um número expressivo de adultos de EJA
frequente igrejas, escola e bibliotecas escolares, não consideramos estes espaços como
relevantes, já que o objetivo, nesta etapa, é discutir informações que apontem apenas os
níveis de significância das artes para os envolvidos na investigação.
De imediato, detectamos que o teatro aparece como a modalidade mais
frequentada pelos alunos. É também declarada como sendo aquela que desperta maior
69
Os nomes dos alunos estão relacionados na página 87.
70
As modalidades foram determinadas pelo professor após levantamento das atividades mais comuns em
Belo Horizonte.
71
As respostas ligadas à modalidade de gastronomia referem-se à participação dos entrevistados em um
importante festival gastronômico de Belo Horizonte, também popular, denominado “Comida di
Buteco”.
133
interesse, seja para aprender ou para assistir, como atividade escolar. A constatação
desta importância será enfatizada na análise de todo o projeto.
TABELA 2
Dados sobre atividades artístico-culturais da turma 365 – PROEF II – 2010
Teatro – 15 Teatro – 08
Dança – 08 Dança – 04
Show de música popular - 11 Show de música popular - 04
Concerto de música clássica – 10 Concerto de música clássica – 01
Festas populares – 11 Festas populares – 01
Cinema – 08 Cinema – 02
Museu – 06 Museu - 00
Exposição de artes visuais – 10 Exposição de artes visuais – 02
Gastronomia – 08 Gastronomia – 02
Sem resposta - 03
Fonte: Diário de Campo (resultado de um questionário aplicado na segunda aula do semestre como
diagnóstico da turma)
Quanto aos dados gerais do PROEF II, percebemos que se aproximam dos
levantamentos do IBGE em nível nacional, datados de 2007. Agrupando essas
informações nos gráficos 2, 6 e 7 destacamos os itens sexo, faixa etária e declaração
racial, que julgamos mais importantes para uma comparação.
No que se refere à análise por sexo, do total daqueles que frequentavam ou
frequentaram anteriormente a EJA, 53% eram mulheres e 47%, homens. [...] A
maioria dos que cursavam EJA era formada por pessoas que se declaravam
pardas (47,2%), seguidas por brancas (41,2%), pretas (10,5%) e de outra cor ou
raça (1,1%).
A participação das pessoas que frequentavam ou frequentaram anteriormente
algum curso de Educação de Jovens e Adultos foi crescente nos grupos de 18 a
39 anos de idade, declinando nos seguintes. O grupo etário de 30 a 39 anos
(10,7%) foi o que mais procurou cursos de EJA, seguido pelos grupos de 40 a
49 anos (8,6%), de 18 ou 19 anos (7,5%) e de 50 anos ou mais (4,6%).
(www.ibge.gov.br) 73
72
Sobre estes dados, os alunos puderam assinalar mais de uma atividade.
73
Esta informação foi veiculada no site do IBGE no dia 22 de maio de 2009 com o título: Suplemento -
Aspectos Complementares da Educação de Jovens e Adultos e Educação Profissional – 2007.
134
78% dos alunos, não obtendo resposta de 22%, (31 alunos), seja por ausência nas
atividades ou devido a eventos que coincidiam com a presença do pesquisador.
Comecemos por desvendar o lugar de nascimento desses indivíduos. Os
dados também podem ser vistos no gráfico abaixo:
Capital
28%
Não declarou
1%
41 a 50 anos
27%
31 a 40 anos
51 a 60 anos
22%
29%
61 a 70 anos
8%
20 a 30 anos
6%
135
metodológicas em relação ao educando devem ser atentamente avaliadas por parte dos
professores de Teatro na EJA. Mesmo porque o conjunto etário dos educandos
estabelece uma especificidade corporal que exige procedimentos apropriados às
condições fisiológicas dos indivíduos. Ou seja, jogos e exercícios menos impactantes,
mas ainda desafiadores. Tal adequação relaciona-se diretamente com a idade dos
sujeitos, a qual varia muito, conforme aponta o gráfico acima
No momento de análise dessas estatísticas surgiram algumas perguntas: o
que se pode propor para educandos em fases tão distintas da vida? O que convém e o
que não é cabível? Quais seriam as outras abordagens qualitativamente relevantes do
ensino do teatro? Como atingir, em sala de aula, os alunos e alunas que apresentam
dificuldades físicas, já que é comum encontrar aqueles e aquelas com problemas sérios
de saúde (dores na coluna vertebral e doenças cardíacas, dentre outras)? Em face disso
pode-se estabelecer, por exemplo, atividades teóricas que articulem práticas criativas?
Antes que sejam apresentadas as conclusões desta pesquisa sobre estas
questões, é interessante estender um pouco mais a reflexão sobre os dados estatísticos
obtidos, haja vista que a questão etária requer cuidados específicos. Portanto, essa
iniciativa configura-se como zelo, e em tempo algum deve ser enxergada como
melindre.
Observemos o gráfico seguinte, que aponta o local de residência dos alunos
do PROEF II:
Belo Horizonte
71%
Municípios da
Grande BH
25%
Não declararam
4%
136
produção artística neste lugar? Em busca dessa resposta consideramos alguns fatores
que se interligam e interferem uns nos outros: o local de residência, de trabalho e da
escola que o educando frequenta e, evidentemente, o ambiente onde encontram-se os
equipamentos culturais da cidade: teatros, museus, galerias, centros culturais, cinemas.
Então, em resumo, onde vivem estes alunos e alunas?
O mapa abaixo refere-se à região metropolitana de Belo Horizonte. Ele
indica as regiões da capital e as cidades limítrofes74. Para um melhor entendimento é
preciso explicar que o campus da UFMG, onde funciona o PROEF II, está localizado na
Regional Pampulha. Prosseguindo com nossas análises chegamos à surpreendente
constatação de que apenas 22% dos 109 entrevistados residem nesta região - lembrando
que 4% deles não responderam. É significativo o dado de que os alunos do PROEF II
residem nas nove regionais, ou seja, suas casas são distantes da escola. 25% moram nos
municípios de Betim, Contagem, Ribeirão das Neves, Sabará, Santa Luzia e Vespasiano.
74
A cidade de Betim não aparece no mapa por não ter limite com Belo Horizonte.
137
Após estes levantamentos, concluímos que a escola encontra-se distante dos
alunos, o mesmo acontecendo com os espaços culturais. Aliás, a maioria dos teatros
localiza-se na parte central de uma metrópole que tem por característica a concentração
dos espaços e eventos artísticos, o que dificulta em demasia o acesso dos educandos a
espetáculos. Além disso, o custo dos ingressos, os meios de transporte e a insegurança
também constituem fatores desestimulantes.
Em contraposição, a escola frequentada por esses estudantes difere de
grande parte das instituições de ensino público de Belo Horizonte. Nesse sentido, pode
ser vista como um valoroso espaço sócio-cultural, bem como uma via de acesso para os
espaços em discussão (DAYRELL, 2001). Ademais o campus universitário, por si, já é
um ambiente gerador de cultura e arte, propiciando para sua comunidade o contato com
diversas manifestações artísticas, as quais o PROEF II também estimula.
A fim de conhecer e reconhecer melhor os educandos é importante analisar
os resultados obtidos através da seguinte pergunta, feita a 106 alunos: quais são as
atividades de trabalho destes alunos e alunas? Como resultado é apresentada uma
relação de 56 profissões.
TABELA 3
Profissão dos Alunos do PROEF II – 2010
138
Estas são as profissões que contam com quantidade maior de trabalhadores
em relação às outras discriminadas acima. Agora vejamos os demais gráficos.
No GRAF. 4 é possível relacionar informações interessantes quanto ao
número de horas trabalhadas pelos alunos: a maior parte trabalha em jornadas de 8
horas. Os que não declararam são aposentados e as mulheres que se afirmam “do lar”.
Os demais trabalham até seis horas por dia. Com estes dados e a partir das análises
anteriores, percebe-se que esse grupo, no retorno à escola, enfrenta problemas antigos,
como o complicado deslocamento de casa para o trabalho, do trabalho para a escola e da
escola para casa já em horas tardias, passando, portanto, grande parte de seu tempo no
trânsito.
Até
06 horas diárias
10%
Viúvo (a)
Outra situação 8%
12%
Não
declararam
2%
139
Com vistas a continuar buscando sustentação às reflexões em curso, vale
observar que o GRAF. 6 mostra uma frequência maior de mulheres, enquanto no GRAF.
7 os que se declaram pardos e negros ultrapassam a marca de 70% dos entrevistados.
Além disso, três pessoas se declaram indígenas formando, com os brancos, a minoria
dos alunos no PROEF II.
Não declarou
1%
Mulheres
58%
Homens
41%
Pardo
Negro
44%
28%
Branco
23%
140
atividades domésticas. Adicionando o tempo que perdem no deslocamento entre casa,
trabalho e escola, além de fatores econômicos, o momento para o lazer e para o
envolvimento com as artes fica reduzido, o que não significa que essas pessoas não
participem de manifestações artísticas e culturais.
Quando perguntados sobre as atividades que frequentam normalmente (o
que poderia gerar mais de um tipo de resposta) estes alunos e alunas revelaram que o
teatro e o cinema estão em primeiro lugar. Em função desse resultado realizamos um
levantamento, através do qual certificamos que em Belo Horizonte há pelo menos dois
acontecimentos teatrais de grande abrangência: a “Campanha de Popularização de
Teatro”, que é a maior do país, tendo grande repercussão na mídia, com ingressos a
custo módico; e o FIT-BH, Festival Internacional de Teatro Palco e Rua, que é
descentralizado e leva espetáculos para todas as regionais da capital. No tocante ao
cinema, o que há de facilitador para as pessoas, de modo geral, além do acesso a filmes
que podem ser assistidos em aparelhos de DVD, é a variedade de horários de exibição
de filmes em salas localizadas nos vários shopping centers, espalhados por toda a
cidade. Seriam estes, então, fatores responsáveis pela maior frequência de educandos de
EJA a estes espaços? Não podemos ter certeza quanto a isso, mas certamente esses
fatores indicam que estas artes, por serem as mais difundidas na cidade, têm mais
impacto sobre estas pessoas. Vale observar a figura abaixo.
18%
16% 16%
16%
14%
14%
12%
10% 9% 9% 9%
8% 7% 7% 7%
6%
6%
4%
2%
0%
ro
am
a
es
ia
s
is
nç
i ca
eu
ai
m
om
at
ar
ic a
su
r
da
ne
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Te
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vi
Ci
M
clá
op
cla
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tr
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sp
de
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G
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ús
o
cu
de
Nã
Sh
em
tá
Fe
ão
pe
sd
si ç
Es
to
po
er
Ex
nc
Co
Com este gráfico apresentamos uma estatística sobre a frequência da ida dos
educandos do PROEF II a atividades artísticas. Evitamos, contudo, detalhar quais
141
teatros, galerias, museus e cinemas os alunos conhecem ou mesmo a quais peças, filmes
e espetáculos assistiram. Preocupamo-nos exclusivamente com as modalidades de arte,
por tratarem do aspecto mais significativo em nossa análise.
Visto que estamos em um campo pouco explorado, ainda na análise dos
sujeitos resolvemos levantar dados que ajudassem a refletir sobre a relevância que pode
ou não ser atribuída à atividade teatral com adultos na escola. Nesse sentido,
constatamos que uma expressiva parte dos alunos do PROEF II só passou a ter contato
com a arte cênica depois de ingressar no projeto.
De modo mais exato, significativos 31% dos alunos que responderam aos
questionários nunca haviam assistido a um espetáculo profissional de teatro. Outros
89% jamais tiveram aula de teatro em suas vidas e, destes, 86% consideram a
necessidade de haver aulas de teatro na escola. Esses dados estão indicados nas
próximas figuras.
Não declararam - 7% 8
0 10 20 30 40 50
Não declararam
Não 2%
89%
Sim
9%
75
Os números que aparecem dentro das barras referem-se à quantidade de alunos.
142
Sim
86% Não
12%
Não declararam
2%
143
Maria Angélica – Não, eu não acho que tenha nada de negativo. De positivo...
É tudo muito bom, porque todo mundo interage. Isso de ficar mudando de
local, de sala, eu acho que não tem nada a ver, porque a sala realmente não
comporta, tem que ser um local mais adequado, não é? Mas não tem nada de
negativo, é só positivo mesmo. É só... É pra ajudar a gente mesmo a se soltar.
144
Dimir – Você nasceu onde?
Maria Angélica – Eu nasci em Ibiá, Minas Gerais, no Triângulo... Não, no
Alto Paranaíba
Dimir – Atualmente, você trabalha?
Maria Angélica – Não, eu estou aposentada por invalidez.
Dimir – Isso me interessa! Me responda só se você quiser... Você teve o quê?
Um acidente, alguma coisa assim?
Maria Angélica – Não, não... Eu tive um desgaste de... de... de fêmur.
Dimir – Um desgaste ósseo?
Maria Angélica – Ósseo. Então eu fiz uma cirurgia. Fiz a esquerda, depois eu
fiz a direita não é? Coloquei prótese e agora eu estou caminhando pelos
joelhos. Então ela vai evoluindo...
Dimir – É... Quantos filhos você tem?
Maria Angélica – eu tenho três.
Dimir – Três filhos. E você trabalhava de quê antes de se aposentar?
Maria Angélica – Antes eu trabalhava como costureira em casa, depois eu fui
para uma fábrica de pão de queijo, isso com o marido... é... Depois, eu passei
por uma loja de máquina de costura da Singer, ali na Rua Curitiba e, ali, eu
aposentei.
145
Com foco nessas questões verifica-se, em certa medida, um dos objetivos do
método Teatro do Oprimido apontados por Boal – a desmecanização física e intelectual
de seus praticantes:
[...] a gente libera tudo isso que tá ali oprimindo, a gente põe pra fora. Sabe...
Igual várias vezes eu participei falando da minha vida e isso pra mim, há
tempos atrás, era muito difícil de falar, como ainda tem muita coisa que é
difícil pra falar, mas hoje eu já vejo a coisa com outros olhos. Porque eu sinto
assim: quanto mais eu falar, melhor pro corpo... mais libera, mais a coisa vai
ficando assim... é, não vai me machucar tanto. (Maria Angélica-Depoimento)
146
Num esforço de reflexão sobre questões que ainda consideramos
fundamentais apresentaremos, no próximo capítulo, algumas considerações realizadas a
partir da pesquisa de campo.
147
5. Considerações finais emergentes do campo de pesquisa
76
Coordenador da área de expressão corporal, Ricardo Carvalho de Figueiredo, professor assistente do
Departamento de Fotografia, Teatro e Cinema da Escola de Belas Artes da UFMG.
Monitores/Professores de Teatro, Gustavo Machado Cabral e Joana Ribeiro; de Educação Física, Rosa
Amaral e a estagiária em Licenciatura de Teatro, Clarice Rena.
148
de socialização. A maior parcela, porém, pretende melhorar a condição profissional e
avançar com vistas ao término do curso superior. Há ainda aqueles que almejam
ingressar em um curso profissionalizante ou mesmo cursar mestrado e doutorado.
Finalmente detectamos até pessoas que buscam na escola uma preparação para concurso
público.
No que se refere à resistência, emergiram algumas dúvidas: se o adulto
busca apenas evoluir profissionalmente para melhorar sua qualidade de vida e a de sua
família, a aula de teatro não seria mesmo uma atividade dispensável na EJA? Em
contraposição, a que se deve a maciça adesão à proposta do Teatro do Oprimido? Seria
pela proposição “atraente” do método teatral? Ou esta adesão justifica-se pelo fato de os
alunos serem “obrigados” a participar de todas as aulas dentro de uma estrutura escolar?
Na direção desses provocadores argumentos o foco de resistência revela, por
parte dos alunos, um determinado pragmatismo: o desejo de conseguir resultados
práticos. O adulto que procura a escola acredita que ela deverá ajudá-lo a obter os
conhecimentos necessários a uma vida melhor, socialmente mais valorizada
(BARRETO, 2005). Nesse sentido notamos, por vezes, certa rejeição pelo trabalho
realizado, explicitada em frases sussurradas como - faz muito mais falta uma aula de
matemática ou de português do que de teatro. Pra que serve isto?
Esses “resistentes” não entendem a educação artística como um direito que
possuem. Ao contrário, poderiam compreender que, se esta disciplina da educação
escolar não foi oferecida no tempo convencional, foi devido a uma falha, seja de qual
instância for, que os privou do acesso à aprendizagem artística. Como motivo alguns
revelam uma dose de fatalismo frente ao universo das artes, afirmando que estas “dão
conta” de certas coisas que lhes parecem “estranhas”. Desconsideram a importância da
arte na escola porque possuem outras aspirações. Observamos ainda que esses
resistentes revelam um traço individualista na relação com o grupo em sala de aula,
negando a afirmativa de que o trabalho com a arte pode ser uma oportunidade
libertadora, uma oportunidade de explorar o universo da criatividade e da
expressividade.
Em resumo, os “resistentes” são aqueles que entram em conflito com o
fundamento da atividade teatral: a ação. Sob esse olhar, trata-se dos que normalmente
querem receber, mas não buscam oferecer algo em forma de ação. No âmbito dessas
considerações, Barreto (2005) reflete que
149
assim, é possível perceber o equívoco dos alunos quando esperam por um
professor que coloque o conhecimento dentro deles. Professor algum tem tal
poder, pelo simples fato de que conhecimento (como produto de relações) não
se transmite. O professor pode e deve transmitir informações. Mas a produção
do conhecimento é exclusiva dos que realizam este trabalho. E esse exercício
de pensar, isto é, de estabelecer relações não se restringe ao que é dito pelo
professor. Pode acontecer e acontece a todo momento, inclusive a partir do
que é dito pelos colegas. Assim ao imaginar como perda de tempo a fala de
seus colegas, o aluno está, na verdade, desperdiçando valiosas oportunidades
de conhecer (BARRETO, 2005, p. 66).
Portanto nota-se que a resistência por parte de alguns alunos ocorre devido a
uma postura individualista. Em certos casos, o aluno não consegue colocar-se em ações
coletivas que exigem a sua participação efetiva, como no caso do Teatro do Oprimido.
São alunos que demonstram um caráter depositário, ou seja, esperam da escola e do
professor algo que possa suprir seus anseios, abastecê-los de algo que possa mudar sua
condição social.
Ainda neste tópico, fomos também indagados sobre as maiores dificuldades
enfrentadas para o desenvolvimento do nosso trabalho. Por falta de tempo decorrente
das demandas do nosso projeto, nos ausentamos várias vezes das reuniões de equipe77, e
fomos questionados se tais ausências prejudicaram de alguma forma a nossa prática.
Podemos afirmar que nossas maiores dificuldades estiveram sempre
estritamente ligadas ao tempo e o fato de não termos participado das reuniões de equipe,
que acontecem semanalmente com os monitores e os coordenadores do PROEF II,
deveu-se ao pequeno número de aulas destinadas às nossas atividades: uma hora por
semana. Vimo-nos então obrigados a utilizar o horário de reuniões pedagógicas para
ampliar os encontros com os alunos e conseguir, assim, o cumprimento do cronograma.
Aliás, o tempo é um tema que requer análise mais aprofundada. Faz-se aqui
referência a dois aspectos: o tempo tradicionalmente destinado às aulas de artes na
escola e a discussão sobre o tempo na EJA.
Quanto ao primeiro aspecto, podemos considerar que presenciamos desafios
historicamente enfrentados pelos professores de artes: a duração das aulas. No PROEF
II pudemos testemunhar que há um conflito entre as propostas curriculares para o ensino
de artes na EJA, cujos eixos de aprendizagem conduzem o educando a produzir, apreciar
e contextualizar, e o tempo destinado à sua realização, (BRASIL, 2000).
77
As reuniões de equipe acontecem no PROEF II às sextas feiras, dia que os alunos não frequentam o
projeto. Por várias vezes, os ensaios das peças de Teatro Fórum ocorreram, também, neste dia da
semana.
150
Esse desajuste provoca as seguintes indagações: a manutenção deste modelo
de distribuição de aulas não significa transferir para a EJA os mesmos problemas
referentes à educação artística no ensino fundamental? E por esta razão não haveria o
risco de as artes serem alocadas como um arremedo de proposta pedagógica na EJA? As
experiências exitosas da educação popular não poderiam ser revistas e absorvidas pela
EJA também com o propósito de rever o tempo destinado às atividades artísticas?
A professora e pesquisadora Paola Zordan (2007), em seu artigo “Aulas de
Artes, Espaços Problemáticos”, dispara sua indignação com o tempo muito curto das
aulas de arte, comparado àqueles destinados às demais disciplinas. Salienta que não se
trata de uma reivindicação simplista, com o mero intuito de fazer com que uma área do
conhecimento ocupe seu espaço. Na realidade o discurso de Zordan, em sua essência,
defende a tese de que se crie um consenso sobre a importância de passarmos a enxergar
o campo das artes como por demais abrangente e complexo para ser tratado em tempo
tão reduzido na escola. Apesar de a autora tratar especialmente das artes visuais, sua
reflexão mostra-se pertinente também às outras modalidades de arte, incluindo o teatro.
O que é possível fazer, de fato, em cinquenta ou sessenta minutos de aula,
incluindo aí o tempo necessário para a mudança de salas necessária às aulas práticas? O
que fazer se os alunos adultos insistem em carregar as bolsas porque não se sentem
seguros para mantê-las longe? Cabe ainda ressaltar que a cada encontro precisávamos
organizar as atividades, situar os alunos nas tarefas, aquecer o corpo e desenvolver
jogos. Tudo isso com extremo cuidado, de forma a envolver a todos os alunos, que em
grande maioria chegavam do trabalho direto para a aula. Não seria, portanto, o caso de
avaliar e rever as necessidades e exigências do ensino das artes, incluindo o Teatro?
Como efeito dessas indagações e das análises realizadas a partir delas
concluímos que a qualidade do trabalho é seriamente comprometida quando não
possuímos o tempo mínimo necessário para lidar com as tarefas específicas da área.
Ainda sobre a questão do tempo, compreendemos que os seus problemas são
reflexos da tensão existente entre a educação escolarizada e as propostas pedagógicas
emancipatórias, como no caso do Teatro do Oprimido, de matriz claramente popular.
Nesse cenário, os autores abaixo apontam que
uma das razões pelas quais cremos que é possível enxergar, na EJA, uma
tensão latente diz respeito à sua origem. A EJA é herdeira dessa tradição de
educação popular cuja matriz orientadora traz consigo elementos libertários e
pouco expostos a normas e regulamentações, enquanto a proposição de
escolarização é necessariamente reguladora. Identificamos, então que, “[...]
quando se focalizam os processos de escolarização de jovens e adultos, o
151
cânone da escola regular, com seus tempos e espaços rigidamente
delimitados, imediatamente se apresenta como problemático” (DI PIERRO;
JÓIA; RIBEIRO, 2001, p. 58 apud EITERER; REIS, 2009, p.186).
152
fato de a EJA apresentar alunos com distintas trajetórias escolares e, sobretudo,
humanas? Atento a essas observações, Arroyo comenta que
a EJA continua sendo vista como uma política de continuidade na
escolarização. Nessa perspectiva, os jovens e adultos continuam vistos na
ótica das carências escolares: não tiveram acesso, na infância e na
adolescência, ao ensino fundamental, ou dele foram excluídos ou dele se
evadiram; logo propiciemos uma segunda oportunidade (ARROYO, 2005, p.
23).
No entanto, apesar das dificuldades impostas pelo limitado tempo para as aulas,
estas não foram capazes de impedir o avanço da proposta, principalmente porque
conseguimos buscar outros momentos para a realização das atividades propostas.
153
enquanto pessoas comuns e desfeitas dos personagens. Entretanto, não é possível
afirmar que esta seja uma característica de educandos de EJA, em primeiro lugar porque
não tivemos contato com outras experiências de TO com este público, o que nos impede
de fazer comparações. Além disso, nossa experiência como pesquisador permite-nos
afirmar que esta dificuldade também é encontrada em outro tipo de praticante.
Portanto, apesar de ter sido fator constante neste processo, esta não é uma
característica específica de alunos de EJA. Despertou nossa atenção o fato de que, à
medida que fomos avançando foi possível perceber alguns efeitos do método que nos
ajudaram a resolver o problema por apontarem que, além de técnico, este possuía um
viés conceitual. Ou seja, foi preciso esclarecer que o “opressor” é o desencadeador do
conflito, fundamental para o desenvolvimento de qualquer trama no teatro, e que esse é,
na verdade, o impulso de que o Teatro do Oprimido necessita para provocar os
espectadores.
A dificuldade em “oprimir” também nos pareceu, em vários casos, a
revelação de certo comodismo do aluno na condição de improvisador. Não seria,
portanto, o reflexo de uma ação política fragilizada? A dificuldade em oprimir na fase
preliminar da construção do Teatro Fórum não revela, em certa medida, a condição de
acuamento e distanciamento frente a opressões reais? Nessa circunstância, Freire (2009)
destaca que somente quando os oprimidos descobrem nitidamente o opressor e se
engajam na luta organizada por sua libertação é que começam a crer em si mesmos,
superando, assim, sua “conivência” com esta forma de regime. À luz dessas idéias, nos
perguntamos: a dificuldade de oprimir não seria, então, o sintoma de que alguns
enfrentamentos sociais podem e devam ser vitalizados? Ainda não seria indicativo de
que vasculhar as facetas de um opressor representa o primeiro passo para a
transformação do próprio opressor e a libertação do oprimido?
Em suma, os alunos improvisadores, com suas dificuldades de “oprimir”,
demonstraram cenicamente que não queriam ferir, destratar, magoar, entristecer,
provocar, inferiorizar, julgar, desprezar e cometer injustiças contra seu opositor. Isso se
deveu ao fato de que no início do processo esses não entendiam que se tratava de uma
encenação teatral e que aquelas ações eram constantes no universo de personagens
opressores, tanto na cena como no cotidiano: o patrão despótico, o marido violento, o
filho viciado, o comerciante racista, o professor incompreensível, a esposa consumista, o
político corrupto.
154
Contudo, ao passo que as etapas avançavam, a turma 365 também progredia.
Mediados pela dinamização do TO, aos poucos os participantes passaram a ser mais
atuantes, envolvidos e propositivos. Evoluíram as ações corporais e, no âmbito da
dramaturgia, fortaleceu-se a figura do opressor, tornando os conflitos mais vigorosos. O
progresso foi tanto que quando os grupos montaram as peças de Teatro Fórum oprimir
ou ser oprimido já não representava um problema.
Por outro ângulo percebeu-se que alguns alunos da EJA reproduzem, em
sala, o comportamento e a postura típicos da infância da adolescência. Foi-nos
perguntado se isto era um entrave ou poderia ser uma pista para desenvolver uma
dramaturgia do TO, de Teatro Fórum. Consequentemente lançamos outras questões: o
que seriam comportamentos e postura da infância e da adolescência? Poderiam ser os
cacoetes dos estudantes característicos destas etapas da vida ou ainda a indisposição no
início das aulas, as críticas às propostas dos professores, a preguiça, os comentários
pelos cantos da sala? Sendo ou não hábitos não conseguimos identificar qualquer
relação com as propostas dramatúrgicas do TO (Teatro Fórum). Entretanto, essa
percepção não seria um sintoma de que certos comportamentos são típicos na escola?
Não seriam as formalidades escolares a evocar tais comportamentos e posturas em
adultos de EJA?
Essas pontuações sugerem uma reflexão sobre os comentários de Arroyo
(2005) quanto à institucionalização da EJA. O autor denomina “estreitos horizontes” o
que se vê na educação escolar tradicional: a redução das questões educativas a
conteúdos e cargas horárias mínimas (níveis, etapas, exames, avanços progressivos,
avaliações de competência) Ao tratar de currículo e ambiente escolar, expõe que o
mérito da EJA tem sido justamente não confundir os processos formadores com estas
formalidades.
Esse conjunto de elementos dá sinais de que há interferências do modo
como a escola se organiza nas ações implementadas por nós? As atitudes referidas na
pergunta poderiam ocorrer em um ambiente não escolar?
É importante explicar que as mesmas atividades realizadas no PROEF II
com o Teatro do Oprimido foram desenvolvidas junto a uma associação de catadores de
materiais reaproveitáveis78. O que verificamos nesta ocasião foram aspectos
78
Constava na proposta inicial do projeto desta pesquisa um estudo comparativo sobre o
desenvolvimento do TO em um espaço com características escolares e outro não escolar, ligado a
movimentos sociais. Entretanto isso não ocorreu, e optamos apenas pelo primeiro. Apesar disso
155
semelhantes aos da turma 365, como o envolvimento e comprometimento com o
processo. No entanto, percebia-se uma maior liberdade criativa, provavelmente atrelada
ao fato de não haver preocupação com aprovação ou desaprovação de qualquer natureza.
Além disso, o comportamento do grupo, também formado por adultos com pouca
vivência em alguma escola, em nenhum momento deixou transparecer trejeitos
relacionados à infância ou adolescência em situação escolar. Podemos admitir, então, a
existência de diferenças entre um tipo de espaço e outro, diferenças que influenciem o
modo de agir dos educados nas aulas com o Teatro do Oprimido?
Com base nessas observações compreendemos que não são os
comportamentos e postura mencionados acima os elementos que dificultam ou
impulsionam o desenvolvimento dramatúrgico de Teatro Fórum com educandos da EJA.
Vontade, compreensão das sugestões do método e coragem para se expressar são fatores
mais determinantes, sem os quais os obstáculos tornam-se bem maiores.
realizamos, nos moldes do PROEF II, aulas de teatro na ASMAC (Associação de Catadores de
Contagem) entre os meses de março e maio de 2010, perfazendo o total de 28 horas aula, o que
resultou na montagem de uma peça de Teatro Fórum apresentada publicamente por 12 adultos. A
peça, intitulada “No meio da rua” abordava a relação das pessoas de uma determinada comunidade
com catadores e varredores de rua. Foi apresentada para um público de aproximadamente 60 pessoas,
cuja idade variava de 50 a 87 anos, integrantes do Grupo de Convivência Estrela Dalva, em sua sede
no Parque Fernão Dias, no município de Contagem.
156
mostra-se adequado exatamente por conseguir oferecer espaço de ação criativa para
qualquer educando.
Por tratar-se de uma poética política, crítica e questionadora dos problemas
contemporâneos da sociedade, o Teatro do Oprimido acaba se identificando com a EJA,
uma vez que reconhece e estimula o potencial criador dos sujeitos jovens e adultos.
Quanto às implicações metodológicas do Teatro do Oprimido, é possível
observá-las no trabalho corporal dos adultos da EJA. Estas devem, portanto, adaptar-se
às possibilidades físicas dos educandos, as quais manifestam-se em ampla variação
etária. Além disso, é importante ressaltar que os efeitos provocados pela metodologia do
TO podem ser vistos também na relação com outras áreas do conhecimento, no debate
sobre questões políticas e sociais e na capacidade de promover o acesso aos meios de
produção teatral. Em virtude disso, essas implicações ligam-se à EJA por incentivarem a
mobilização dos educandos para a criação e participação no acontecimento teatral, não
como cumpridor de demandas curriculares, como meros artistas ou meros espectadores,
mas como artistas e como “espect-atores” inseridos numa relação de cunho pedagógico
e participativo. O TO também pode ser um importante instrumento na educação de
jovens e adultos porque traz consigo toda a carga das experiências populares. É,
portanto, um mecanismo de educação popular que, ao adentrar na realidade escolar,
defronta-se com sujeitos populares levando consigo o frescor de um fazer artístico
inclusivo com a nítida função de tocar na realidade do educando, na tentativa de
transformar suas nuances opressivas, mas sem perder a característica artística.
Nesse cenário colocamos a seguinte indagação: de qual ou de quais temas
prementes da EJA esta investigação mais se aproximou? Na busca por resposta para esta
questão notamos interfaces com o tema ligado aos sujeitos, assim como aquele voltado
para o currículo e as práticas pedagógicas na EJA.
No que diz respeito às especificidades dos sujeitos da EJA, Silva (2010)
observa que
diante da proposição de se trabalhar com a Educação de Jovens e Adultos -
EJA depara-se, de pronto, com uma necessidade real de olhar para esses
sujeitos de maneira diferenciada da comumente associada aos estudantes que
seguem uma trajetória escolar quando crianças e adolescentes. As pessoas
jovens e adultas, ao retornarem aos espaços escolares da educação formal,
carregam consigo marcas profundas de vivências constitutivas de suas
dificuldades, mas também de esperanças e possibilidades, algo que não
deveria ficar fora do processo de construção do saber vivenciado na escola
(SILVA, 2010, p. 66).
157
Neste trecho há uma síntese que confirma o que propusemos no trabalho
com o Teatro do Oprimido: perceber os educandos de EJA guiando-nos pelo que nos foi
possível alcançar junto com eles.
Para finalizar, mantivemos a pergunta central de nossa investigação:
podemos considerar o Teatro do Oprimido como uma ação educativa democrática de
caráter emancipatório na EJA? Acreditamos que tal consideração é possível desde que
os seguintes pressupostos sejam atendidos: a metodologia do Teatro do Oprimido deve
promover a autonomia criativa do educando; o educador deve ser capacitado a
desenvolver o método; através do educador, é preciso que se valorizem as possibilidades
físicas e cognitivas dos envolvidos para que estes, por vontade própria, atuem
coletivamente; são necessárias melhores condições de trabalho, como quantidade de
aulas suficientes para a proposta e sala de aula adequada; finalmente, deve haver apoio e
envolvimento geral da escola. É fundamental registrar que em nosso campo de pesquisa
todas essas condições mostraram-se satisfatoriamente cumpridas.
Para uma melhor compreensão da questão colocada cabe recorrer ao
conceito de emancipação visto em Paulo Freire.
A emancipação humana aparece na obra de Paulo Freire como uma grande
conquista política a ser efetivada pela práxis humana, na luta ininterrupta a
favor da libertação das pessoas de suas vidas desumanizadas pela opressão e
dominação social. As diferentes formas de opressão e de dominação
existentes em um mundo apartado por políticas neoliberais e excludentes não
retiram o direito e o dever de homens e mulheres mudarem o mundo, através
da rigorosidade da análise da sociedade, com vivências de necessidades
materiais e subjetivas que contemplem a festa, a celebração e a alegria de
viver (MOREIRA, In: STRECK; RENDIN; ZITKOSKI, 2008, p.163).
158
os problemas pontuais em uma região da cidade ou nos grandes problemas
econômicos do país inteiro – não se afastaram nunca, um milímetro sequer,
de sua proposta inicial, que é o apoio decidido do teatro às lutas dos
oprimidos (BOAL, 2009, p. 15).
159
pedagógicos, políticos e estéticos, munida de espírito libertário sem, no entanto,
prescindir de uma característica vital: o prazer. Percebemos, portanto, que sua
contribuição é identificada quando o adulto de EJA desnuda a sua própria condição de
oprimido e no momento em que aceita ser agente de uma criação teatral, colocando-se
em jogo. Por fim, o método consolida sua colaboração ao permitir que o educando de
EJA aceite a proposta de sua própria desmecanização física e intelectual, e quando este
apropria-se dos meios de criação teatral e se lança em uma ação comunicativa
constituída pela relação entre espectadores e atores.
160
6. CONCLUSÃO
161
transformação e emancipação, radicalizado na vontade de ver homens e mulheres no
mundo e como seres do mundo.
Com base nessas considerações confirma-se que os pontos convergentes
entre os dois pensadores indicam que, na proposta pedagógica de ambos, educando e
educador, curinga e atores, personagens e “espect-atores” assumem papel de
protagonistas. Em outros termos, tornam-se atores principais nas histórias da vida,
reconstruídas por eles mesmos com ideias concebidas do mundo real. Portanto, em Boal
e Freire o que nasce do meio popular retorna a ele, consubstancia-se como coisa das
gentes, de gente e para gente. Portanto, a Pedagogia do Oprimido e o Teatro do
Oprimido são substancialmente próximos porque defendem a libertação e a liberação do
oprimido.
No que se refere à escola como o lugar escolhido para o desenvolvimento de
nossa pesquisa, podemos salientar que se trata de um espaço com conotação
contemporânea da educação de jovens e adultos. Nele reconhecemos uma realidade
repleta de possibilidades e desafios para o trabalho com a arte e, em função disso,
perguntávamos: como medir a relevância do Teatro do Oprimido na escola com adultos
da EJA? Para responder a esta questão foram analisados três parâmetros considerados
fundamentais: o educador, o educando e a escola.
Com relação ao primeiro, professor de teatro, detecta-se a necessidade
prioritária de que se considere a especificidade do educando e da EJA, buscando
habilidade para trabalhar com o método, principalmente porque o Teatro do Oprimido
lida com pressupostos voltados para a transformação dos problemas sociais. Ainda que o
TO não se apresente como um receituário, como um fichário feito uma prescrição,
constitui-se como um método com etapas a serem cumpridas e, nessa perspectiva, o
professor deve ser também um curinga, cabendo-lhe um posicionamento e
esclarecimento sobre questões sociais do seu meio e do mundo, pois não se afina com
este processo a alienação política. No que tange à produção estética, reafirmamos que
deve-se entender que o Teatro do Oprimido não se ocupa de propor a forma artística
pela forma. Extrapolando essa visão, atribui à arte uma função problematizadora e
combativa.
Quanto aos educandos, é essencial que se envolvam com a proposta e
sintam-se protagonistas e aliados do educador79 em todas as atividades. Sobre isso nota-
79
Entenda-se como protagonismo o mecanismo de valorização, por parte do professor, do que o
educando pode oferecer em um processo educativo.
162
se que, como em uma via de mão dupla, o educador deve, do seu lado e através dos
elementos do método, ser capaz de aguçar e - se possível - encantar aqueles que estão na
outra ponta para que num segundo momento todos estejam juntos na mesma plataforma.
Por conseguinte, concordamos que não há docência sem discência, conforme adverte
Freire, que ainda nos deixou a seguinte contribuição:
163
decorrência de tantas outras descobertas que não se esgotam em uma dissertação,
acreditamos que o método do Teatro do Oprimido pode contribuir substancialmente para
a Educação de Jovens e Adultos e esperamos que este trabalho motive reflexões e ações
em torno desse contexto.
Verificamos ainda, através desta pesquisa, que o Teatro do Oprimido
relaciona-se com a EJA por tratar-se de uma prática pedagógica radical, a qual lança um
olhar humano sobre o educando das classes populares, seja ele pobre, trabalhador, sem
terra, sem teto. O método em questão é inclusive capaz de proporcionar certo frescor ao
ambiente educativo: traz em sua concepção traços hereditários da educação popular dos
anos sessenta, como o caráter libertário, participativo e politizador que, presentes neste
novo século, não nos parecem tornar-se ideias anacrônicas haja vista que com o
dinamismo dos tempos e dos espaços sociais, velhas e novas opressões manifestam-se e
ainda vigoram.
164
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SITES
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GLOSSÁRIO
Anapesto: Unidade ritmica de algumas formas de poema. Seu formato possui duas
sílabas átonas (breves) e uma sílaba tônica (longa).
Antagonista: São personagens que, na peça, apresentam-se em oposição ou em conflito.
Ática: Região periférica da Grécia onde se encontra a sua capital, Atenas; é, igualmente,
o nome da península limitada pelo Golfo de Pétalion e o Golfo Sarónico, ao sul.
Baco: É o equivalente romano do deus grego Dioniso: deus do vinho, da ebriedade, dos
excessos, especialmente sexuais, e da natureza.
174
É um estilo em que prevalece a dança feminina, embora os homens também
dancem. Um dado relevante é a relação que há entre a dança e a esculturas. Para
tanto, basta observar, mais precisamente, os 108 karaṇa que representam os
movimentos fundamentais da dança, esculpidos sobre a parede interna de quatro
torres na entrada do templo de Shiva (Śiva) em Chidambaram (...), sendo este,
até os dias atuais, um dos maiores templos shivaitas da Índia meridional.
Brahmā: Deus supremo do hinduísmo, que se identifica, também, com Vshnu e Shiva.
Bugaku: Dança realizada, oficialmente, na corte do Império, cuja tradição era repassada
dentro das famílias, de geração em geração.
Cantastorie: É o contador de história da cultura popular italiana que faz uso da tradição
oral e utiliza a música em suas narrativas.
Canto Coral: Parte cantada pelo coro da tragédia grega. Alguns teóricos afirmam que a
presença do coro se dá pelos textos cantados e evoluções de dança.
Chau: Seraikella chau, mayurbhanj chau e o purilla chau são as três variantes da forma
chau de dança, praticada nas regiões de Bihar, Orissa e Bengala,
respectivamente. A expressão pode ter dois significados: ‘armadura’ ou ‘caçar
sem permissão’. Mesmo sem caráter profissional, os dançarinos de Chau, que
podem ser do campo ou das cidades, submetem-se a um longo e rigoroso
treinamento para aperfeiçoamento da técnica (AZZARONI, 2006). Seus
movimentos, realizados de modo vigoroso, são derivados das artes marciais
praticadas naquela região e sofrem variações nas três formas.
Clown: É uma palavra que define a figura do palhaço. Atualmente para alguns
especialistas clown e palhaço tem o mesmo significado.
175
mas também de pessoas que, de alguma forma, poderão se expressar no teatro,
pois o mecanismo de comunicação seja com uma atriz ou ator consagrado, ou,
ainda, um educando de EJA não difere em ponto algum. Sendo assim, é
interessante observar que o nível que se ocupa com o como tornar a energia do
ator cenicamente viva, isto é, com o como o ator pode tornar-se uma presença
que atrai imediatamente a atenção do espectador, é o nível pré-expressivo e é o
campo de estudo da antropologia teatral. Este substrato pré-expressivo está
incluído no nível de expressão, percebido na totalidade pelo espectador. (...) A
antropologia teatral postula que o nível pré-expressivo está na raiz das várias
técnicas de representação e que existe, independentemente da cultura tradicional,
uma "fisiologia" transcultural. De fato, a pré-expressividade utiliza princípios
para aquisição de presença e vida do ator. Os resultados desse princípio parecem
mais evidentes em gêneros codificados, onde a técnica que coloca o corpo em
forma é codificada independentemente do resultado/significado. Assim, a
antropologia teatral confronta e compara as técnicas de atores e dançarinos no
nível transcultural e, por meio do estudo do comportamento cênico, revela que
certos princípios que governam a pré-expressividade são mais comuns e
universais do que se tinha imaginado à primeira vista (BARBA; SAVARESE,
1995, p. 192).
176
Episódio: É uma parte completa da tragédia entre dois corais.
Farsa: Antigo gênero teatral que se associa ao cômico. Segundo Pavis (2003), a Farsa é,
sempre, definida como uma forma primitiva e grosseira que não poderia elevar-
se ao nível da comédia.
Flor de lótus: Esta flor, densa de simbologia, está relacionada à religiosidade indiana.
Refere-se, então, à criação do universo, à pureza e à espiritualidade. Nas
representações do hinduísmo, podem-se verificar deuses sobre esta flor.
Géia: Também conhecida como Gaia, a deusa mãe primordial, uma das primeiras
divindades a habitar o Olimpo. Geradora de todos os deuses, a deusa-terra, livre
de nascimento ou destruição, de tempo e espaço, de forma ou condição.
Giullari: Eram artistas com várias habilidades. Cantavam, jogavam, dançavam, faziam
poesias, tocavam instrumentos musicais e se exibiam nas ruas ou por encomenda
de reis e príncipes no período que vai da Idade Antiga a Idade Moderna na
Europa.
177
International School of Theatre Anthropology – ISTA: (Escola Internacional de
Teatro Antropológico): foi fundada em 1979; concebida e dirigida por Eugenio
Barba, com sede em Holstebro, Dinamarca.
karaṇa: Em número de 108, são movimentos codificados dos dois pés da atriz
dançarina, coordenados com os braços e o corpo.
Kathak: Originária do norte da Índia. É uma das mais antigas formas de teatro-dança
daquela região. Como tradição, era transmitida de geração em geração. No
princípio, o Kathak, que significa “contar história”, desenvolveu-se ligado a
preceitos religiosos. Atualmente, é uma espécie de linguagem corporal, por meio
da qual os artistas criam figuras no espaço, dançando em grupos ou em forma
solística (AZZARONI, 2006). Homens e mulheres atuam utilizando figurinos
característicos. Os homens com suas calças apertadas e um vestido longo até o
joelho, de cores cintilantes, apertado na cintura por um cinto. Já as mulheres,
usam saias longas até os tornozelos, de cores vivas, e espartilho no busto,
levando adornos de pérolas e pequenas jóias no pescoço, nas mãos e nos braços,
além de carregarem, em cada tornozelo, cerca de 150 pequenos guizos
(ghugharu) que ajudam na rítmica musical quando o dançarino bate os pés nos
chão. A música é executada por instrumentos de percussão, como o pakhwaj, um
tipo de tambor de som profundo e tabla, que é composto por dois pequenos
tambores. Os instrumentos de corda usados são o sitar e o sāraṅgī, ambos com
sonoridades mágicas. Já os de sopro, são a flauta e o harmonium.
178
possibilitam aos atores dançarinos exibirem as melhores qualidades miméticas,
emotivas, expressivas e virtuosísticas (AZZARONI, 2006). Em geral, a
formação de um ator de Kathakali começa ainda na infância. Desde esta época, o
aluno prepara o corpo e a mente, desenvolvendo exercícios e treinamentos, com
disciplina, determinação e sempre acompanhado de um guru. Este processo pode
exigir mais de quinze anos de estudo, devido à sua complexidade. Dentro de um
regime austero, o aluno de Kathakali, para manter a disciplina, pode até ser
punido pelos erros que cometer. Por essas razões, sobretudo, alguns estudiosos o
consideram como a mais fascinante forma de teatro clássico da Índia.
Desde o seu início, o Kūchipuḍi era uma arte praticada por homens, mas, no
século XX, passou a ser realizada, também, por mulheres. A representação
começa com um ator dançarino que santifica o lugar da apresentação aspergindo
água benta, declamando versos presentes nos Vedas, decorando o espaço com
pós coloridos; um segundo ator entra em cena e oferece incenso. Antigamente,
acendiam cinquenta e oito velas dedicadas à Raṇga Ṣḍidevatā, divindade
protetora do palco cênico. (...) Nos dias atuais, um ator percorre o palco com
uma bandeira na mão para expulsar as forças malignas. O início do espetáculo se
configura como uma invocação à divindade protetora. Em uma cerimônia de
exorcismo, busca, ainda, dissipar os deuses do mal. A propósito, a valência
religiosa é assim afirmada como função do espetáculo, que não se propõe como
um mero divertimento, mas como um meio para aproximação dos seres
celestiais.
Kūṭiyāṭṭam: Forma de representação que combina teatro e dança (Kūṭi: junto/ āṭṭam:
teatro e dança). Provavelmente, é a mais antiga forma de teatro que faz uma
ponte entre o passado e o presente. As formas performativas dos atores no
Kūṭiyāṭṭam são, rigidamente, codificadas. Os movimentos do corpo, os figurinos
e maquiagem são estilizados; os diálogos são realizados em versos escritos em
sânscrito, prácrito e em malayāḷam. Antigamente, era apreciada de modo
179
geral, tinha dificuldade de entender os diálogos. Atualmente, homens e mulheres
de todas as castas podem assistir às representações, desde que realizadas fora dos
templos (AZZARONI, 2006, p.227).
Metaxis: Da palavra grega Methexis, usada por Platão, significando o trânsito que, para
este filósofo, era possível entre o mundo das ideias perfeitas e o mundo real em
que vivemos. No Teatro, significa a capacidade do espectador de transgredir o
ritual teatral convencional para intervir na imagem e transformá-la, assumindo o
papel protagônico e se tornando, ao mesmo tempo, pessoa e personagem.
180
ISTA, a International School of Theatre Anthropology, fundada em 1979,
também por Barba.
Oḍissī: Com origem no século II a.C., é um estilo tradicional de dança solo, mas que,
com o passar dos tempos, passou a ser apresentado em grupo. É, essencialmente,
lírica e poética nos movimento e, como dança ritual, inicia com uma invocação à
deusa protetora dos escritores e dos poetas Sarasvatī (AZZARONI, 2006). Os
movimentos circulares do corpo das dançarinas acontecem com sensualidade,
doçura e em ritmo lento, acompanhados por músicos que tocam chimbau e
pakhawaj ou flauta de Kṛṣṇa. Feito um poema de amor às dançarinas,
geralmente, mantêm á dinâmica de dobrarem a cintura, o pescoço e os joelhos na
posição tribhānga. A preparação técnica para o uso dos olhos, dos braços e dos
pés também é muito exigida neste estilo que apresenta, além disso, uma notável
complexidade dramatúrgica.
Pré-expressividade: Para Barba e Savarese (1995), este conceito está ligado ao que
precede o resultado expressivo do ator e, segundo a Antropologia teatral, a pré-
expressividade utiliza princípios para a presença e a vida do ator.
Proskenion: Palavra grega que indica o espaço da atuação dos atores. Corresponde ao
palco cênico.
Sátiros: Eram seres ou entidades da natureza cujo formato era metade humano e a outra
metade, corpo de bode.
Shamisen: Instrumento musical de três cordas tocado com plectro com aspecto parecido
aos violões.
181
terceiro olho sempre cerrado que, quando aberto, segundo a mitologia hindu,
toda a humanidade será destruída.
Teatro dialético: Considera-se como teatro dialético a poética de Bertolt Brecht, cuja
finalidade é levar o espectador a refletir sobre a realidade social por meio do
drama.
Theátron: Palavra grega que designa o lugar de onde se vê o espetáculo, o espaço dos
espectadores.
Titãs: Na mitologia grega, são divindades que enfrentaram Zeus e outros deuses do
Olimpo.
Troqueu: Unidade métrida de certos poemas, que, ao contrário dos anapestos consiste
em uma sílaba tônica seguida de uma àtona.
Vindima: Período da colheita da uva, durante o qual eram realizadas celebrações para
Dioniso.
182
Os atores de Yakṣagānas são, em sua maioria, camponeses que, para praticar a
dança, realizam seus treinamentos durante o período que dedicam à agricultura.
Os textos dramáticos são inspirados em histórias épicas e lendas, com a
finalidade de explicar ao público os preceitos do hinduísmo, o que torna a
representação um ato religioso.
Yoga: Este termo indica a relação entre o corpo e a mente na busca de uma perfeita
unidade no mais profundo nível de inconsciência além dos limites do
pensamento e da linguagem.
183
6 ANEXOS
O termo abaixo se refere ao projeto de pesquisa de Mestrado em Educação, intitulado Teatro do Oprimido –
Implicações Metodológicas para a Educação de Adultos. Serão realizadas entrevistas por meio de áudio e vídeo bem
como filmagens das atividades práticas e das peças teatrais a serem montadas, que resultarão em um documento
videográfico que será disponibilizado como anexo da dissertação. O material poderá ser veiculado no meio acadêmico
como referencial de estudos sem qualquer interesse comercial, obedecendo aos critérios éticos que, inclusive
resguardam o anonimato dos sujeitos. Nenhum aluno estará obrigado a participar dos registros. Poderão, a qualquer
momento se desligar da pesquisa, mas não das aulas normais da disciplina de Expressão Corporal que compõe o
currículo. A partir do final do primeiro semestre de 2010 serão selecionados vinte alunos e alunas dentre os trinta e
nove inscritos na turma de continuidade do PROEF II, não sendo necessário, portanto, da participação da turma
inteira nas entrevistas. Este procedimento tem como objetivo analisar o processo metodológico do Teatro do
Oprimido. Os sujeitos que se disponibilizarem a participar da pesquisa, conforme as premissas aqui descritas deverão
assinar o termo de consentimento livre e esclarecido abaixo, oficializando sua participação.
Eu.................................................................................................................................................., identidade
............................................, aluno do PROEF II – Centro Pedagógico da UFMG, estou de acordo em participar da
pesquisa de Mestrado em Educação de Waldimir Rodrigues Viana, orientado pela Profa. Dra. Carmem Lucia Eiterer,
freqüentando as aulas de Expressão Corporal em que será abordado a metodologia do Teatro do Oprimido,
participando das filmagens, dando entrevista e respondendo questionários sobre aspectos relevantes durante as aulas,
relatando sobre questões ligadas a arte em geral e o teatro de modo específico durante o meu percurso dentro e fora da
escola.
____________________________________________
Assinatura
___________________________________________
Profa. Dra. Carmem Lucia Eiterer
Pesquisadora responsável
(031)3499-6194/ (031)3412-3859
e-mail: eiterer@fae.ufmg.br
___________________________________________
Waldimir Rodrigues Viana
Pesquisador Orientando
(31) 9137–7975
e-mail: dimir.viana@gmail.com
Endereço do COEP:
Av. Antonio Carlos, 6627- Unidade Administrativa II- 2º andar- sala 2005
CEP: 21270-901; BH-MG
Telefone: (031)3409-4592
E-mail: coep@prpq.ufmg.br
184
ANEXO 02 – Termo de consentimento livre esclarecido do educador/a
Você está sendo convidado (a) a participar da pesquisa intitulada “Teatro do Oprimido – Implicações
Metodológicas Para a Educação de Adultos” do mestrando Waldimir Rodrigues Viana, sob orientação da Profa. Dra.
Carmem Lúcia. O projeto tem como objetivo geral analisar teórica e praticamente o Teatro do Oprimido na tentativa
de verificar suas possibilidades enquanto metodologia teatral para a formação estética, crítica e política na escola, na
EJA. Serão desenvolvidas atividades teatrais finalizando com um espetáculo de Teatro Fórum que é uma das
modalidades do Teatro do Oprimido. Na seqüência, alguns alunos da turma intermediária do PROEF II serão
convidados a conceber entrevistas sobre diversos aspectos a serem observados durante as aulas de teatro. Para
levantamento de dados fundamentais para a pesquisa, convidamos V. Sria. para ser entrevistado na condição de
professor por estar na condição de docente junto ao grupo focalizado na pesquisa.
Asseguramos a confidencialidade dos dados obtidos, assim como uma postura ética em nossas análises.
Eu, __________________________________________________, estou de acordo em participar da pesquisa,
“Teatro do Oprimido – Implicações Metodológicas Para a Educação de Adultos”
____________________________________________
Assinatura
____________________________________________
Profa. Dra. Carmem Lúcia Eiterer
Pesquisadora responsável
(031)3499-6194/ (031)3412-3859
e-mail: eiterer@fae.ufmg.br
_________________________________________
Waldimir Rodrigues Viana
Pesquisador Orientando
(31) 9137–7975
e-mail: dimir.viana@gmail.com
Endereço do COEP:
Av. Antonio Carlos, 6627- Unidade Administrativa II- 2º andar- sala 2005
CEP: 21270-901; BH-MG
Telefone: (031)3409-4592
E-mail: coep@prpq.ufmg.br
185
ANEXO 03 – Questionário geral para diagnóstico inicial da pesquisa
Cada aluno vai responder as perguntas abaixo assinalando as resposta SIM ou NÃO –
TENHO DÚVIDA. O procedimento se dará em sala de aula com orientação do
pesquisador. Não será necessária a identificação dos alunos e alunas. As respostas
servirão para a preparação e condução das aulas.
1. Quem ainda não foi ao teatro para assistir algum espetáculo profissional?
2. Quem assistiu apenas a um espetáculo profissional?
3. Quem assistiu algum espetáculo profissional por mais uma única vez?
4. Você considera importante estudar teatro aqui na escola?
5. Você considera importante estudar outra modalidade de arte aqui na escola, como Arte Plástica
Dança, Fotografia, Cinema e ou Música?
6. Você já leu ou sabe algo sobre a História do teatro Brasileiro?
7. Você já leu ou sabe algo sobre a História do teatro em outros países?
8. Você já leu ou ouviu algo sobre Teatro do Oprimido?
9. Você gostaria de participar de uma peça teatral como ator ou atriz?
10. Você considera que por meio do teatro é possível discutir, avaliar e tentar mudar algum problema
Social?
11. Você considera que é possível aprender mais sobre política para a transformação social por meio
do teatro?
12. Você acredita que pode ser estimulado a praticar um teatro que respeite a suas limitações e
capacidades físicas?
13. Assinale no espaço determinado se você acredita que ser artista é somente para quem tenha
“talento”?
14. Assinale no espaço determinado se você acredita que crianças, Jovens, adultos, homens, mulheres
e pessoas com necessidades especiais podem ser expressivas e se tornarem artistas profissionais
ou não?
15. Acredita que além do Teatro você poderia ser uma artista de qualquer outra modalidade: Artes
Plásticas, Dança, Fotografia, Cinema e ou Música
20. Supõe que aprender algo sobre teatro pode ampliar seus conhecimentos escolares?
186
ANEXO 04 - Questionário geral alunos do PROEF II para continuidade de
diagnóstico sobre os sujeitos da pesquisa
______________________________________________________________________
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO DA FACULDADE DE EDUCAÇÃO
MESTRANDO – WALDIMIR RODRIGUES VIANA
ORIENTADORA – PROFA. DRA. CARMEM LÚCIA EITERER
PESQUISA: TEATRO DO OPRIMIDO – IMPLICAÇÕES METODOLÓGICAS
PARA A EDUCAÇÃO DE ADULTOS
1. Idade: _________Anos.
2. Cidade onde nasceu_______________________________________________
3. Bairro onde mora_________________________________________________
4. Profissão________________________________________________________
5. Antes de estudar no PROEF II, quantos anos você estudou? _________ Anos.
6. Responda com um X
7. Sexo: Feminino____ Masculino____
8. Você se considera:
Estado Civil:
___Casado (a)
___Solteiro (a)
___Viúvo (a)
___Outra situação
187
9. Tem filhos?
11. Pretende continuar os estudos depois que finalizar o curso no PROEF II?
___ 2º Grau
___Curso técnico profissionalizante
___ Faculdade
___ Mestrado
___ Doutorado
13. Coloque o X nos itens que achar conveniente, podendo ser mais de um.
Além de participar e atuar nas aulas de teatro você acha que tem habilidade para:
___ Desenhar
___ Pintar
___ Costurar
___ Esculpir
___ Tocar algum instrumento
musical
___ Cantar
___ Compor música
___ Escrever poesia
___ Escrever contos
___ Contar Histórias
___ Dançar
___ Fotografar
___ Filmar
___ Cozinhar
___ Praticar arte circense
___ Fazer maquiagem
188
14. Assinale abaixo as atividades culturais que costuma freqüentar, podendo
assinalar mais de um item. Caso não freqüente estas atividades deixe o espaço em
branco:
___ Espetáculos de Teatro (todos os gêneros: comédia, drama, teatro de bonecos, teatro
de rua etc.)
___ Espetáculo de Dança
___ Shows de música popular (MPB, samba, pagode, música sertaneja e outros gêneros)
___ Concertos de música clássica
___ Festas de Cultura Popular (congado, reisados, carnaval de rua, etc.)
___ Cinema
___ Museus
___ Exposição de Artes Plásticas em galerias de arte (pintura, gravura, escultura,
fotografia e outros)
___ Festival de gastronomia
15. Qual atividade abaixo desperta em você mais interesse mesmo que você não
participe frequentemente. Marque apenas um item:
189
ANEXO 05 – Folder das apresentações em aula aberta das peças de Teatro
Fórum
______________________________________________________________________
190
ANEXO 06 – Vídeo documentário: Teatro do Oprimido na EJA – Uma
experiência com adultos – PROEF II
191