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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

Faculdade de Educação

TEATRO DO OPRIMIDO – IMPLICAÇÕES METODOLÓGICAS PARA A


EDUCAÇÃO DE ADULTOS

Waldimir Rodrigues Viana

Belo Horizonte
2011
Waldimir Rodrigues Viana

TEATRO DO OPRIMIDO – IMPLICAÇÕES METODOLÓGICAS PARA A


EDUCAÇÃO DE ADULTOS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação


em Educação: Conhecimento e Inclusão Social da
Faculdade de Educação da Universidade Federal de
Minas Gerais, como requisito parcial à obtenção do título
de Mestre em Educação. Linha de Pesquisa: Educação,
Cultura, Movimentos Sociais e Ações Coletivas.

Orientadora: Profa. Dra. Carmem Lúcia Eiterer

Belo Horizonte
2011
Waldimir RodriguesViana

TEATRO DO OPRIMIDO – IMPLICAÇÕES METODOLÓGICAS PARA


A EDUCAÇÃO DE ADULTOS

BANCA EXAMINADORA

____________________________________________________________
Professora Doutora Carmem Lúcia Eiterer – FAE/UFMG
Orientadora

____________________________________________________________
Professor Doutor Leôncio José Gomes Soares - FAE/UFMG
Examinador

____________________________________________________________
Professor Doutor José Simões de Almeida Junior - FAE/UFMG
Examinador

____________________________________________________________
Professora Doutora Lúcia Helena Alvarez Leite - FAE/UFMG
Examinadora suplente

____________________________________________________________
Professor Doutor Charles Moreira Cunha - FAE/UFMG
Examinador suplente

Belo Horizonte
2011
VIANA, Waldimir Rodrigues - (Dimir Viana)

Teatro do oprimido – implicações metodológicas para a educação de adultos


Belo Horizonte: UFMG/FAE, 2011
191 p.

Dissertação (mestrado) UFMG/FAE


1. Teatro do Oprimido – Metodologia – EJA
À minha mãe, à Raquel e a todos os educadores e educadoras que passaram pela minha vida
desde a infância até os dias de hoje.
AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, à profa. Dra. Carmem Lúcia Eiterer, por seu interesse e orientação.

À minha companheira Raquel Silveira, pela constante presença e colaboração desmedida.

À equipe da Fundação Carlos Chagas que integra o Programa Internacional de Bolsas da


Fundação Ford.

Aos alunos da turma 365 do PROEF II, pela participação efetiva e decisiva no meu campo de
pesquisa.

Aos monitores e coordenadores do PROEF II da UFMG, de modo especial à profa. Denise


Araújo, pela parceria fundamental ao longo deste processo.

Aos professores Doutores Leôncio José Gomes Soares, José Simões de Almeida Junior,
Charles Moreira Cunha e a profa. Dra. Lúcia Helena Alvarez Leite, por fazerem parte da
banca examinadora.

Ao prof. Dr. Rogério Cunha Campos, pela leitura e por conceder seu parecer ao projeto.

À profa. Dra. Nilma Lino Gomes, pelo imediato incentivo.

Aos demais professores e funcionários do Programa de Pós-graduação da Faculdade de


Educação da UFMG.

À profa. Rita Gusmão, companheira de Teatro do Oprimido.

Aos professores do Curso de Teatro da UFMG, que possibilitaram uma formação fundamental
para o avanço de meus estudos.

Aos curingas do Centro de Teatro do Oprimido do Rio de Janeiro.

Aos colegas Gustavo Cabral, Joana Ribeiro e Rosa Amaral, pela recepção e colaboração no
PROEF II, e à Clarice Rena, pelo auxílio nas montagens e apresentações de Teatro Fórum.

À ASMAC – Associação dos Catadores de Materiais Recicláveis de Contagem.

Ao amigo Orlando Orube e equipe do Teatro SESI HOLCIM, por oferecer o belo teatro onde
concluímos nosso percurso artístico e pedagógico.

Ao amigo Valmir Alcântara, o “Bodô”, pela presença, orientações e apoio.

Ao prof. Adair Carvalhais Júnior, pela preciosa revisão.

À profa. Amarílis Coelho Coragem pelos ensinamentos e constante estímulo.


É dever do cidadão-artista, usando os mesmos canais de
opressão, mas com sinal trocado – palavra, imagem e som -,
destruir os dogmas da arte e da cultura mostrando que todos os
seres humanos são artistas de todas as artes, cada um do seu
jeito. São produtores de cultura e não apenas boquiabertos
consumidores da cultura alheia.

Augusto Boal
RESUMO

Este trabalho que apresentamos resulta do desenvolvimento e respectiva análise de


uma proposta de Teatro do Oprimido com educandos adultos da EJA. A pesquisa de campo
durou um semestre letivo. Os trabalhos ocorreram com 27 alunos do Projeto de Ensino
Fundamental de Jovens e Adultos segundo segmento (PROEF II), que funciona no Centro
Pedagógico da Universidade Federal de Minas Gerais. Esta dissertação está dividida em seis
capítulos. O primeiro capítulo introduz o texto apresentando o pesquisador e suas motivações,
passamos por uma breve síntese histórica da educação de jovens e adultos no Brasil, ainda são
apresentadas nesta parte inicial a configuração metodológica, as indagações da pesquisa e a
organização geral do texto com o intuito de orientar o leitor quanto ao conteúdo. No segundo
capítulo é delineado um panorama histórico do desenvolvimento do teatro com vistas a
debater o TO na perspectiva da educação. Tomamos como referência o teatro oriental e
ocidental. Deste modo é possível perceber o diferencial do Teatro do Oprimido em relação a
outras poéticas teatrais justamente por sua função política e pedagógica que julgamos muito
significativas e pertinentes ao contexto da EJA. Na sequência dedicamos um capítulo às
aproximações entre a Pedagogia do Oprimido de Paulo Freire e o Teatro do Oprimido de
Augusto Boal. O quarto capítulo por sua vez é uma explanação geral acerca do que
observamos e do que foi construído pelos sujeitos no campo de pesquisa. Já o quinto capítulo
é dedicado às considerações finais. No sexto capítulo resumimos e apresentamos nossas
conclusões de que o TO, ao prescindir de rígido desenvolvimento técnico, mesmo sem refutar
a organização e a beleza cênica, ao prezar pela criticidade e por temas da vida real, oferece a
todo e qualquer educando da EJA, os meios para criar e atuar teatralmente.

Palavras-chave: Teatro do Oprimido, metodologia e EJA.


ABSTRACT

This paper we are presenting results from the development and respective analysis of a
proposal of the Theater of the Oppressed with adult students from EJA (adults and young
people education). The field research lasted a school semester. The works were performed
with 27 students of the Primary Education Project (PROEF II - second segment Education of
Young People and Adults Project), which operates in the Pedagogical Center of the Federal
University of Minas Gerais. This paper is divided into six chapters. The first chapter
introduces the researcher and his motivations. We then go through a brief background
synthesis of the education of young people and adults in Brazil. Also in this initial part we
present the methodological configuration, the quests of the research and the general text
organization with the aim to guide the reader in relation to the content. In the second chapter a
historical overview of the theater development is outlined with the intention of debating the
TO (Theater of the Oppressed) under the education perspective. We take the eastern and
western drama as reference. Thus it is possible to perceive the differential of the Theater of
the Oppressed in relation to other theatrical poetics, precisely due to its political and
pedagogical function which we consider very significant and relevant to the EJA context.
Next we dedicate a chapter to the closeness between Paulo Freire’s Pedagogy of the
Oppressed and Augusto Boal’s Theatre of the Oppressed. The fourth chapter in its turn is the
general explanation about what we observed and what was constructed by the subjects in the
research field. Whereas the fifth chapter is dedicated to the final considerations. In the sixth
chapter we summarize and present our conclusions that the TO, dispensing rigid technical
development, even without refuting the organization and scenic beauty, valuing the
criticality and real life themes, it provides all EJA students with means to create and act
dramatically.

Key words: Theater of the Oppressed, methodology and adults and young people education.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Árvore do Teatro do Oprimido ........................................................................ 90


Figura 2 - Mapa da região metropolitana de Belo Horizonte ..........................................137
Quadro 1 - Comparação entre Forma Dramática e Forma Épica........................................56
Quadro 2 - Pontos de ligação das ações sócio educativas da Pedagogia do Oprimido
e do Teatro do Oprimido.................................................................................. 71
Esquema 1 - Dramaturgia do Teatro Fórum ......................................................................... 126
Gráfico 1 - Local de origem dos alunos do PROEF II – 2010 ........................................... 135
Gráfico 2 - Faixa etária dos alunos do PROEF II – 2010................................................... 135
Gráfico 3 - Local de residência dos alunos do PROEF II – 2010 ...................................... 136
Gráfico 4 - Horas diárias de trabalho dos alunos do PROEF II – 2010 ............................. 139
Gráfico 5 - Estado civil dos alunos do PROEF II – 2010 .................................................. 139
Gráfico 6 - Percentual de homens e mulheres – PROEF II – 2010.................................... 140
Gráfico 7 - Raça/cor – PROEF II- 2010............................................................................. 140
Gráfico 8 - Atividades artístico-culturais de maior frequência entre os
alunos – PROEF II – 2010 ............................................................................... 141
Gráfico 9 - Número de vezes que os alunos foram ao teatro até
2009 - PROEF II – 2010 .................................................................................. 142
Gráfico 10 - Alunos que tiveram ou não aulas de teatro antes de
ingressarem no PROEF II – UFMG................................................................. 142
Gráfico 11 - Alunos que consideram relevante ter aulas de teatro na escola ....................... 143
LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Dados da realidade social dos alunos e alunas da turma 365 – PROEF II –
1º Semestre de 2010........................................................................................132

Tabela 2 - Dados sobre atividades artístico-culturais da turma 365 – PROEF II –


2010.................................................................................................................134

Tabela 3 - Profissão dos alunos do PROEF II – 2010.......................................................138


LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AI-5 - Ato Institucional Número Cinco


AIDS - Acquired Immune Deficiency Syndrome
ALFIN - Programa de Alfabetização Integral
ASMAC- Associação dos Catadores de Materiais Recicláveis de Contagem
CEAA - Campanha de Educação de Adultos
CEB - Comunidades Eclesiais de Base
CEFAR - Centro de Formação Artística da Fundação Clóvis Salgado
CIEPs - Centros Integrados de Educação Pública
CMI - Conselho Mundial de Igrejas.
CNBB - Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
CNE - Conselho Nacional de Educação
CPC - Centro Popular de Cultura
CTO - Centro de Teatro do Oprimido
EAD - Escola de Arte Dramática da USP
EBA/UFMG - Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais
EJA - Educação de Jovens e Adultos
ENEJA - Encontro Nacional de Educação de Jovens e Adultos
ESMU- Escola de Música da UEMG
FHC - Fernando Henrique Cardoso
FIT-BH - Festival Internacional de Teatro Palco e Rua de Belo Horizonte
FUNDEF - Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de
Valorização do Magistério
ICRA - Instituo de Capacitación y Investigación en Reforma Agrária.
IDAC - Instituto de Ação Cultural
INDAP - Instituto de Dessarollo Agropecuário
ISEB - Instituto Superior de Estudos Brasileiros
ISTA - International School of Theatre Anthropology
LDBN - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MCP - Movimento de Cultura Popular do Recife
MEB - Movimento de Educação de Base
MEC - Ministério da Educação e Cultura
MOBRAL - Movimento Brasileiro de Alfabetização
MST - Movimento dos Trabalhadores Sem Terra
PEMJA - Projeto de Ensino Médio de Jovens e Adultos
PNA - Programa Nacional de Alfabetização
PUC - Pontifícia Universidade Católica
SESI - Serviço Social da Indústria
TBC - Teatro Brasileiro de Comédia
TO - Teatro do Oprimido
UEMG - Universidade do Estado de Minas Gerais
UFMG - Universidade Federal de Minas Gerais
UNE - União Nacional dos Estudantes
UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
UNICAMP - Universidade de Campinas
SUMÁRIO

1 Introdução.......................................................................................................................16
1.1 A pesquisa e seu contexto.................................................................................................16
1.2 EJA – um campo aberto....................................................................................................19
1.3 Configuração metodológica e as indagações da pesquisa................................................26
1.4 Organização do trabalho...................................................................................................29

2 Contextualizando o Teatro - Territórios e Fronteiras.................................................31


2.1 Teatro no oriente: tradições e referências para o teatro ocidental....................................31
2.1.2 Reflexões sobre teatro oriental e ocidental na perspectiva da educação..........................36
2.2 Teatros brasileiros em contexto - em busca de identidade...............................................40
2.3 Curinga em contexto - propostas de um sistema revolucionário......................................44
2.4 A poética do oprimido - ruptura e avanço........................................................................47
2.5 Síntese e reflexões............................................................................................................59

3 Uma Abordagem Sobre Paulo Freire e Augusto Boal - Proximidades


Entre a Pedagogia do Oprimido e o Teatro do Oprimido...........................................61
3.1 Síntese biográfica de Paulo Freire....................................................................................61
3.2 Síntese biográfica de Augusto Boal..................................................................................64
3.3 Entrelaçamentos entre a Pedagogia do Oprimido e o Teatro do Oprimido......................67

4 Teatro do Oprimido na EJA - Lugar, Ações e Sujeitos...............................................87


4.1 Introdução ao campo de pesquisa.....................................................................................87
4.2 Teatro como metodologia.................................................................................................88
4.3 Jogos do Teatro do Oprimido na EJA...............................................................................95
4.4 O exercício de fruição teatral na EJA.............................................................................107
4.5 Teatro Fórum: processo criativo e democrático na EJA.................................................115
4.6 A pedagogia do Teatro Fórum na EJA - grupos em cena...............................................121
4.7 Os sujeitos de EJA como protagonistas no Teatro do Oprimido....................................132

5. Considerações Finais Emergentes do Campo de Pesquisa........................................148


5.1 O teatro do oprimido como prática pedagógica: potencialidades e desafios
na EJA...........................................................................................................................148
5.2 Sobre o educando e sua relação com o método do Teatro do Oprimido.........................153
5.3 Sobre o problema central da investigação.......................................................................156

6. Conclusão.......................................................................................................................161

Referências.....................................................................................................................165

Sites................................................................................................................................173

Glossário.........................................................................................................................174

Anexos.............................................................................................................................184
1 INTRODUÇÃO1

1.1 A pesquisa e seu contexto

A presente pesquisa teve como objetivo principal desenvolver o método do


Teatro do Oprimido (TO)2 com educandos de Educação de Jovens e Adultos (EJA)3. As
motivações para sua realização estão estreitamente ligadas à minha formação e
experiência profissional no campo da educação, da arte e da luta por direitos sociais,
reflexo da participação e militância de longos anos em movimentos deste cunho. Com as
razões expostas, acredito ser possível justificar esta proposta investigativa em um
programa de pós-graduação cujo título é “Educação, Cultura, Movimentos Sociais e
Ações Coletivas”.
Torna-se oportuno explicar que, após a conclusão de dois cursos de
licenciatura - sendo o primeiro em Educação Artística, pela Escola de Música da UEMG
(ESMU) e o segundo em Teatro, pela Escola de Belas Artes da UFMG - tive a
oportunidade de trabalhar, por vários anos, como professor de Arte em diversos espaços
educacionais, como uma escola confessional de nível médio, além de projetos sociais no
Brasil e em outros países. Em destaque o trabalho com jovens ciganos de etnia Rom, no
sul da Itália, e com crianças e adolescentes refugiados de guerra, oriundos do Leste
Europeu e Norte da África, junto a instituições italianas. Naquele país trabalhei durante
cinco anos com arte e educação, assim como em Belo Horizonte, onde estou inserido em
projetos educativos com pessoas adultas do movimento de catadores de materiais
reaproveitáveis4 e com a Pastoral da População de Rua da Arquidiocese de Belo
Horizonte.

1
Somente nesta parte inicial utilizamos os verbos em primeira pessoa do singular como forma de
apresentação do pesquisador. No restante do trabalho assumimos o discurso na segunda pessoa do
plural.
2
Método teatral criado por Augusto Boal.
3
O interesse desta pesquisa recai, especificamente, sobre o sujeito adulto. Assim, não trataremos com
maior amplitude os aspectos ligados à juventude, porque acreditamos que o enfoque voltado para
adultos nos permite uma maior profundidade em nível de estudo, já que tivemos, ao longo de nossa
trajetória profissional, maior proximidade com este público.
4
Somos colaboradores da ASMARE (Associação dos Catadores de Materiais Reaproveitáveis de Belo
Horizonte), do MNCR (Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis) e do MNPR
(Movimento Nacional da População de Rua). Desenvolvemos, junto a estes organismos, atividades
educativas pautadas na mobilização social, por meio da arte e ações pontuais de multiplicação de TO,
além de apresentações de Teatro-Fórum.

16
Além disso, cabe ressaltar que, com formação de Multiplicador de Teatro do
Oprimido junto ao Centro de Teatro do Oprimido (CTO) do Rio de Janeiro,5 pratico o
método desde os anos noventa acumulando, dentre outras experiências, a de professor
substituto de Teatro, no Centro Pedagógico da UFMG e de Práticas de Ensino em Teatro
e Música, na Faculdade de Educação da mesma universidade.
Em meio à soma de ações como as citadas, destaco que o maior estímulo
para esta pesquisa advém de um projeto realizado na capital mineira com uma turma de
EJA da Escola Estadual Leon Renault. Durante o ano de 2007, com o auxílio da
professora Rita Gusmão, titular do Departamento de Fotografia, Teatro e Cinema
(EBA/UFMG), na condição de professor contratado pela Rede Estadual de Ensino,
desenvolvemos nossa primeira ação educativa com o Teatro do Oprimido e alunos
adultos. Na ocasião, as atividades limitaram-se apenas aos jogos do TO, o que se
mostrou insuficiente para dimensionar os efeitos pedagógicos do método que, conforme
exporemos nesta dissertação, possui etapas com objetivos intencionalmente delineados.
Por esta razão, acima de quaisquer outras, empreendi esta investigação.
Também como impulso para o desenvolvimento deste estudo ressalta-se o
fato de que, embora a minha atuação profissional na escola regular e em EJA seja
substancialmente menor que aquela em projetos sociais, percebi que o teatro, além da
arte em si, com toda a sua complexidade estética, formal e técnica era proposto,
reiteradas vezes, de maneira “equivocada” nas escolas. Segundo meu ponto de vista,
algumas escolas observadas não estabeleciam parâmetros pedagógicos consistentes,
capazes de obter desta arte o que ela pode proporcionar em nível educacional, de
conhecimento artístico e acessibilidade cultural ao educando.
Por razões como estas passei a investigar as possíveis implicações do Teatro
do Oprimido na EJA. Para tanto houve a exigência de um estudo teórico amplo,
sustentado sobre a ruptura e avanço históricos implementados por Augusto Boal, que
buscasse verificar os efeitos dessa ruptura estética com adultos que participam da EJA.
Além disso, experimentamos algumas das técnicas sugeridas pelo autor, com a
finalidade de compreender como esse sistema teatral pode contribuir como elemento de
função pedagógica.

5
CTO (Centro de Teatro do Oprimido) situa-se no Rio de Janeiro. Dirigido por Augusto Boal até maio
de 2009, o centro conta com o trabalho de vários curingas (mediadores que estimulam a interação do
espectador dentro do teatro fórum; normalmente os curingas são multiplicadores de TO). Nestes
locais, são promovidos encontros, cursos e espetáculos para a formação de multiplicadores.

17
É importante esclarecer, ainda, que a pesquisa vislumbrou uma abordagem
sobre dois campos diversos: o teatro (abordando um método) e a educação de jovens e
adultos. No tocante ao primeiro campo, o Teatro do Oprimido, cabe mencionar que
nossos primeiros contatos ocorreram nas escolas profissionalizantes de Teatro. Estudei,
entre 1988 e 1989, no Teatro Universitário da UFMG, escola que mantém o mais antigo
curso de formação de atores de Minas Gerais e funciona, atualmente, no campus da
UFMG, dentro do complexo da Escola de Belas Artes. Concluí o curso de atores entre
os anos de 1991 e 1993, no CEFAR, da Fundação Clóvis Salgado, no Palácio das Artes
de Belo Horizonte. Nessas oportunidades percebia-se que as abordagens do teatro de
Boal eram superficiais, tanto em termos práticos quanto teóricos, levando-se em
consideração o fato de, já naquela época, o TO ser reconhecido mundialmente. As
atividades abrangiam apenas a etapa dos jogos, sem considerar as intenções política e
politizadora do método. Apesar disso, as sessões de jogos teatrais bastaram para me
despertar uma grande simpatia.
A partir de então o interesse tornou-se cada vez mais crescente, mesmo
porque desde o meu ingresso na vida artística, que ocorrera paralelamente à minha
formação em educação, mantive muito interesse por metodologias teatrais que pudessem
instrumentalizar um trabalho que agregasse o teatro ao campo da educação popular.
Assim, “os achados” nas escolas profissionalizantes representaram uma pista valiosa na
direção do que eu buscava.
Nesse percurso tomei contato com várias “escolas”. Na Europa, por
exemplo, tive contato direto com a Antropologia Teatral, com técnicas de Commedia
Dell’Arte, de Clown e Mimo Corpóreo. Além dessas variações realizei estudos sobre os
cantastorie e os giullari italianos. No entanto, foi ao aproximar-me incisivamente do
Teatro do Oprimido que descobri o potencial desse método para a educação.
Expandindo a minha hipótese, notei que não se tratava, simplesmente, de um
instrumento, mas de um sistema de teatro emancipador, capaz de promover a criação
artística crítica e participativa.
E o porque da escolha de EJA? O ponto de confluência entre o teatro de
Augusto Boal e a pedagogia de Paulo Freire é demarcado pelo conceito de oprimido que
será tratado mais adiante. Ambos defendem a libertação do oprimido histórico nas
sociedades classistas. Por este viés entendi que os educandos adultos, sendo homens e
mulheres em situação escolar na fase madura da vida, fossem os sujeitos mais apropriados
para nosso estudo, pois estamos de acordo com Oliveira (1999) quando esta assinala que

18
O adulto está inserido no mundo do trabalho e das relações interpessoais de um
modo diferente daquele da criança e do adolescente. Traz consigo uma história
mais longa (e provavelmente mais complexa) de experiências, conhecimentos
acumulados e reflexões sobre o mundo externo, sobre si mesmo e sobre as outras
pessoas. Com relação à inserção em situações de aprendizagem, essas
peculiaridades da etapa de vida em que se encontra o adulto fazem com que ele
traga consigo diferentes habilidades e dificuldades (em comparação com a
criança) e, provavelmente, maior capacidade de reflexão sobre o conhecimento e
sobre seus próprios processos de aprendizagem (OLIVEIRA, 1999, p. 60-61).

Nesse sentido, observa-se que o adulto da EJA traz consigo uma carga
biográfica marcada por aspectos de opressão, os quais são a matéria prima do Teatro do
Oprimido. Acrescenta-se, por fim, que a escolha desta proposta de pesquisa também
decorre do desejo de analisar a proximidade entre a Pedagogia do Oprimido e o Teatro do
Oprimido, tendo em vista que constituem concepções relevantes na história da educação e
do teatro inerentes, desde suas origens, à educação popular de jovens e adultos.

1.2 EJA – um campo aberto

A partir da análise de vários autores6 levada pela preparação para este trabalho,
foi possível entrar em contato com temas ligados à história da EJA, os quais
fundamentaram nossa incursão no campo de pesquisa. Dentre esses temas destacam-se a
tensão entre a educação popular e a educação “escolarizante” e a configuração
contemporânea da EJA. Trataremos destes temas a seguir, mas sem maior profundidade
visto que este não é o momento oportuno; de fato, interessa-nos, agora, a contextualização
do campo da EJA, que é essencial para a investigação que aqui será apresentada.
Para adentrar no campo da EJA em sua concepção contemporânea verificamos
o panorama histórico desta modalidade. De acordo com Arroyo (2005), este é um território
cuja história é muito mais tensa do que a história da educação básica. Na EJA cruzaram-se
e cruzam-se, até hoje, interesses menos consensuais do que aqueles da educação da
infância e da adolescência, sobretudo quando os jovens e adultos são trabalhadores, pobres,
negros, oprimidos, excluídos.
No decorrer das pesquisas, detectamos que o tema do analfabetismo sempre
esteve em pauta e, por décadas, configurou-se como um grave problema social. Dados
revelam, inclusive, que em 1940 mais da metade da população brasileira era analfabeta, o

6
Arroyo (2005), Barreto (2005), Coelho e Eiterer (2005), Di Pierro (1999 e 2005), Fávero (2004),
Freire, (1983), Haddad e Di Pierro (2000), Oliveira (1999) e Soares (2002). Cunha, Miranda e Salgado
(2005).

19
que provocou reações de enfrentamento nos governos daquela época. No pós-guerra o
olhar sobre a questão ganhou outra dimensão e, em 1947, foi lançada, sob a tutela da
União, a primeira Campanha de Educação de Adultos (CEAA).
A partir daí surgiram outros projetos, programas e campanhas, não como
políticas de Estado mas de governos. Em sua grande maioria tratava-se de políticas
estanques e ineficazes, reguladas por uma marca compensatória e supletiva. Em razão
disso, sugere-se o entendimento de que se buscava apenas suprir defasagens educacionais
de uma massa populacional e, assim, atender a interesses de ordem política e econômica.
Entre o final dos anos cinquenta e início da década seguinte surge uma nova
visão sobre a educação de jovens e adultos (FAVERO, 2004), no contexto de um
suposto desenvolvimentismo do Brasil durante o governo de Juscelino Kubitschek.
Dentro desse panorama passa a ser exigida dessa parcela da população uma imediata
preparação para o mundo do trabalho, como mão de obra qualificada voltada ao projeto
de expansionismo industrial, comercial e agrícola em vigor.
Entretanto, mesmo em meio a esses impasses ideológicos no campo da
educação em foco e às transformações sociais e econômicas, derivam deste tempo as
ideias e práticas do educador pernambucano Paulo Freire que coloca as classes
populares e oprimidas, onde situam-se os analfabetos, no eixo dos debates educacionais.
Freire concebe a alfabetização apenas como um primeiro passo para a educação de
adultos. Com relação a isso, Fávero acrescenta que
[...] em seminários e cursos para os jovens católicos, alavanca-se a
alfabetização e a educação de adultos como um movimento de conscientização.
Coube a Paulo Freire, partindo do conceito antropológico de cultura e
recuperando a cultura popular como uma forma de vida, sintetizar genialmente
essa abordagem, nas famosas “fichas de cultura” do Sistema de Alfabetização,
forte motivação para os processos educativos realizados na época (FAVERO,
2004, p.24).

Nos termos descritos este autor observa que, além da alfabetização de


adultos, as práticas educativas populares foram identificadas em outros contextos e
situações, como em escolas, organização operária e lutas camponesas. Portanto, é
correto sublinhar que Freire, a partir do início dos anos de 1960 e como consequência
7
das ações do MCP – Movimento de Cultura Popular do Recife -, torna-se o principal

7
Em 1962 é criado o Movimento de Cultura Popular (MCP) na gestão do então prefeito do Recife
Miguel Arraes. O MCP passa a dar atendimento educacional tanto para crianças quanto para adultos.
“Estreitamente ligada às necessidades da população pobre, recuperando a cultura como elemento
fundamental de transformação da realidade. Nasce no MCP e logo é sistematizado no Serviço de
Extensão e Cultural da então Universidade do Recife, o Sistema Paulo Freire de Alfabetização de

20
idealizador e inspirador da educação popular como uma das concepções da educação do
povo. (PALUDO In: RENDIN, STRECK, ZITKOSKI, 2008).
Sempre com sua atenção voltada às classes populares, Paulo Freire inaugura
um novo paradigma para a educação de adultos. Em face dessa circunstância propõe um
processo de alfabetização calcado na criatividade e na participação ativa e dialógica
entre educadores e educandos. Nesse sentido defende uma metodologia de timbre crítico
e transformador, com base na realidade de vida do povo, o que será discutido no terceiro
capítulo desta dissertação.
Em um esforço para contextualizar e também justificar essa proposta de
pesquisa, tem-se que, com a tomada do poder pelos militares, as experiências de
organismos populares que abarcavam as ideias do educador pernambucano, como os
CPCs (Centros Populares de Cultura), o MEB (Movimento de Educação de Base) e o
próprio PNA (Programa Nacional de Alfabetização do Ministério da educação) foram
sumariamente eliminadas.
Vale dizer que, segundo o sociólogo Carlos Estevam Martins8 os Centros
Populares de Cultura (CPCs) foram idealizados no interior do grupo Teatro de Arena
por ocasião de uma temporada do espetáculo “Eles não usam black-tie” e “Chapetuba
Futebol Clube” no Rio de Janeiro. Por descontentamento e reavaliação dos trabalhos do
grupo alguns integrantes proporcionaram a montagem de um espetáculo mais
contundente: “A Mais Valia Vai Acabar, Seu Edgar” de Vianinha com música de Carlos
Lyra. Oduvaldo Vianna Filho, membro do grupo, foi, portanto um dos mentores dos
CPCs que uniram importantes artistas brasileiros de diversas áreas no início dos anos
60, com a finalidade de coletivizar o fazer artístico mantendo um caráter de
engajamento político, com o propósito de chegar ao povo e combater sua alienação. O
teatro teve grande relevância nos CPCs que Associaram-se à UNE (União Nacional de
Estudantes) sendo que os espetáculos eram levados a locais pouco convencionais, nas
cidades e em áreas rurais, em sedes de sindicatos ou mesmo nas ruas e portas de
fábricas.
O Movimento de Educação de Base (MEB), vinculado à CNBB (Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil), foi criado em 1961 e desenvolvia um programa de

Adultos. A partir da crítica ao modo de trabalhar da escola tradicional, criticando, recusando as


cartilhas como doação, transformando a aula em um debate e o professor em um animador [...].”
(FÁVERO, 2004, p. 21-22).
8
Carlos Estevam Martins foi atuante no ISEB (Instituto Superior de Estudos Brasileiros) foi o autor do
manifesto do Centro Popular de Cultura da UNE na década de 1960.

21
alfabetização e educação de base por meio de transmissões radiofônicas de emissoras
católicas abrangendo, principalmente, Estados das regiões Nordeste e Norte. Segundo
Fávero (2011), o MEB foi um movimento essencialmente rural e naquela década
centrava suas ações nas lutas operárias voltadas para a reforma agrária.
Já o Programa Nacional de Alfabetização (PNA) foi instituído em janeiro de
1964, no governo de João Goulart, legitimando a adoção do método de alfabetização
criado por Paulo Freire como esforço do governo federal para a eliminação do
analfabetismo no País. O programa definia metas e recursos, ou seja, números de
analfabetos de 15 a 45 anos que seriam atendidos, número de “círculos de cultura” e os
valores em dinheiro para todas as unidades da federação.
Após as drásticas intervenções em relação a estes organismos a ditadura deu
continuidade à proposta de erradicação do analfabetismo criando o Movimento
Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL), por meio da Lei nº 5.379 de 15 de dezembro
de 1967. Segundo registros esse movimento perdurou até 1985 quando, desgastado, foi
extinto, com resultados irrisórios de redução do analfabetismo, considerando sua
duração e os recursos recebidos do governo. Assim, o MOBRAL foi substituído pela
Fundação Educar que, de 1986 a 1990, passou a gerenciar, técnica e financeiramente,
iniciativas governamentais e da sociedade civil (FÁVERO, 2004 apud PAIVA, 2006).
Com a implementação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (nº 5692 de
1971) no mesmo período em que vigorava o MOBRAL - responsável pela alfabetização
no país - a educação de adultos , foi convertida a Ensino Supletivo, com a finalidade de
suprir a escolarização regular para os adolescentes e adultos que não a tinham seguido
ou concluído na idade própria. Além disto, buscava proporcionar, mediante retorno à
escola, estudos de aperfeiçoameto ou atualização para os que tivessem seguido o ensino
regular no todo ou em parte.
Nesse cenário, no início dos anos sessenta havia uma certa aliança entre as forças
de governo e as ações emancipatórias no meio popular, em proveito da alfabetização de
adultos. Em oposição o regime militar, anos mais tarde, legitimava esta forma de
educação, porém com enfoques pedagógico, político e ideológico diversos. A partir de
1970 a educação popular acontece, esparsamente, em organizações religiosas, sindicais
e culturais, mantendo sua marca de resistência e militância.
Nos anos oitenta um novo momento da educação de adultos é configurado por
ocasião da redemocratização do país. Esse período foi responsável por uma renovada
conjuntura que trouxe para o centro do debate da educação popular questões da

22
pedagogia e da didática. Assim sendo, a educação de jovens e adultos deixa sua
condição marginal e semiclandestina adquirindo, em certa medida, prestígio como
matriz pedagógica desejável para toda forma de educação (CUNHA; MIRANDA;
SALGADO, 2005). Nessa perspectiva, observa-se que
O fim do regime militar e a retomada das eleições diretas nas capitais em
meados dos anos de 1980 criaram o ambiente político-cultural favorável para
que os sistemas de ensino público começassem a romper com o paradigma
compensatório do ensino supletivo e, recuperando o legado dos movimentos
de educação e cultura popular, desenvolvessem experiências inovadoras de
alfabetização e escolarização de jovens e adultos. De fato, algumas das
iniciativas mais bem sucedidas do período da redemocratização foram
conduzidas por governos locais, em parceria com organizações e movimentos
sociais, que emergiram na cena política e impulsionaram o reconhecimento
dos direitos sociais na Constituição Federal de 1988, dentre os quais os dos
jovens e adultos ao ensino público gratuito (DI PIERRO, 2005, p. 1118-
1119).

À luz dessas observações percebe-se que este é um período de vitalidade dos


movimentos sociais, responsável por consideráveis avanços. Haja vista que a Constituição
brasileira de 1988 estabelece, finalmente, o direito à educação de jovens e adultos quando
expressa, no artigo 208 que o dever do Estado com a educação será efetivado mediante
garantia de ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não
tiveram acesso na idade própria (SOARES, 2002). Entretanto, tal avanço não assegurou
que políticas públicas de maior impacto se efetivassem, e esse momento de renovação
pedagógica não repercutiu senão de modo tênue nas redes estaduais de ensino apegadas ao
paradigma compensatório (DI PIERRO, 2005).
No tocante aos anos noventa, Eiterer e Reis descrevem que
[...] a EJA, gradualmente, perdeu os direitos assegurados em períodos
anteriores. Isso significa que “o discurso da inclusão que vinha sendo crescente
até aquele momento passou a ser substituído pelo discurso da exclusão, do
estabelecimento de prioridades, com restrição de direitos” (HADDAD, 1997).
Esse abandono da EJA pelo poder público e, mais notadamente, pela União
deve-se, dentre outros fatores, ao convencimento de que a solução em médio
prazo para o problema do enorme contingente de pouco ou não escolarizados
seria o investimento na escolarização de crianças e jovens em idade escolar
(EITERER E REIS, 2009, p. 183).

Contudo, é exatamente nos anos noventa que a educação de jovens e adultos


passa a ser reconhecida legalmente, como modalidade de educação, quando é sancionada a
Lei nº 9394 de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,
a LDBN) . No mesmo ano cria-se o FUNDEF (Fundo de Manutenção, Desenvovimento e
de Valorização do Magistério) que, contraditoriamente, não previa recursos para a EJA.
Como justificativa pode-se, ressaltar, talvez, a circunstância da recessão econômica do

23
governo Fernando Henrique Cardoso (FHC), que vetou parcialmente a lei que
regulamentava esse fundo, relegando a Educação de Jovens e Adultos a uma condição de
penúria. Vale destacar, ainda, a postura deste governo que manteve seu distanciamento
mesmo após a adesão do Brasil à Declaração de Hamburgo, um marco de compromisso
internacional firmado no ano de 1997, conforme veremos a seguir. A título de contribuição
argumentativa acrescentamos que
Apesar da demanda crescente de jovens e adultos por oportunidades
educacionais em virtude das exigências de escolaridade para o acesso e a
permanência no mercado de trabalho, o Governo Federal optou por priorizar a
oferta de Ensino Fundamental às crianças e adolescentes. O expediente
utilizado para focalizar os recursos públicos nesse grupo etário foi a restrição
ao financiamento da educação para jovens e adultos por meio do Fundef
(criado em 1996 e implementado nacionalmente a partir de 1998).
Recorrendo à prerrogativa de veto do Presidente da República, o Governo
anulou um inciso da Lei 9424/96 aprovada pelo Congresso regulamentando o
Fundo, e que permitia computar as matrículas no Ensino Fundamental
presencial de jovens e adultos nos cálculos do Fundef. O veto desestimulou
Estado e Municípios a investirem na educação de jovens e adultos (DI
PIERRO, 2003, p. 13).

Ainda neste âmbito educacional eventos de relevo internacional também


ocorreram naquela década, como a Conferência Mundial sobre a Educação para Todos, em
Jomthien,Tailândia, em 1990, sendo este o Ano Internacional da Alfabetização instituído
pela ONU. Em 1996 as propostas lançadas nessa conferência estimulavam os países a
priorizarem a educação como política social, destacando a educação de adultos, a redução
dos índices de analfabetismo, a oferta de educação básica e a capacitação profissional para
jovens e adultos (DI PIERRO, 2001).
Em julho de 1997 realizou-se, na cidade de Hamburgo, na Alemanha, a V
CONFINTEA (Conferência Internacional de Educação de Adultos), evento organizado
pela UNESCO em períodos que variam de 10 a 12 anos cujo tema era “Educação de
Adultos, a chave para o século XXI.” Ali foi elaborada a referida Declaração de
Hamburgo sobre a Educação de Adultos, com o “objetivo de oferecer a homens e mulheres
as oportunidades de educação continuada ao longo de suas vidas” (SOARES, 2005). De
modo a oferecer mais detalhes sobre essa conferência, em que representantes de 170 países
assumiram compromissos quanto ao direito permanente à educação, apresentam-se os
seguintes comentários.
A realização da V Confintea teve um significado importante para o campo da
EJA e produziu um forte impacto na organização da área no Brasil. Além da
Declaração de Hamburgo e da Agenda para o Futuro constituírem
documentos de referência na área, a V Confintea desencadeou um processo
de mobilização dos diversos segmentos envolvidos com a educação de jovens
e adultos. Antes da conferência, houve uma etapa preparatória durante os
anos de 1996 e 1997, em que se realizaram encontros de EJA estaduais,

24
regionais, nacional e latino-americano, culminando com a indicação, pelo
MEC, de uma delegação representativa das iniciativas do País. Após a
conferência, iniciou-se um processo de articulação desses segmentos que se
dá, no âmbito dos Estados, por meio dos fóruns, e, em âmbito nacional, pela
realização anual do Eneja – Encontro Nacional de Educação de Jovens e
Adultos (SOARES, 2005. p. 281-282).

Di Pierro (2005), em seu turno, aponta que a V Confintea atribuiu à educação


de jovens e adultos o objetivo de desenvolver a autonomia e o sentido de responsabilidade
de pessoas e comunidades, com vistas às transformações sociais, econômicas e culturais
dos tempos atuais, mediante a difusão de uma cultura de paz e democracia promotora da
coexistência tolerante e da participação criativa dos cidadãos. Nessa direção, o artigo 3º da
Declaração de Hamburgo alarga o sentido, em especial, da referida modalidade de ensino.
Por educação de adultos entende-se o conjunto do processo de aprendizagem,
formal ou não, graças ao qual as pessoas consideradas adultas pela sociedade
a que pertencem desenvolvem as suas capacidades, enriquecem os seus
conhecimentos e melhoram as suas qualificações técnicas ou profissionais, ou
as orientam de modo a satisfazerem as suas próprias necessidades e as da
sociedade. A educação de adultos compreende a educação formal e a
educação permanente, a educação não formal e toda a gama de oportunidades
de educação informal e ocasional existentes numa sociedade educativa
multicultural, em que são reconhecidas as abordagens teóricas e baseadas na
prática (Declaração de Hamburgo, art. 3º da apud DI PIERO, 2005, p. 17).

No limiar do decênio seguinte tem-se outro panorama; em maio de 2000


ocorre a regulamentação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a EJA, por meio do
Parecer 11/2000, aprovado pela Câmara de Educação Básica (CEB) do Conselho
Nacional de Educação (CNE) que traz aspectos voltados para a escolarização de jovens
e adultos. Para tanto compõe-se de itens que tratam de bases históricas e legais, das
iniciativas públicas e privadas, indicadores estatísticos, as próprias diretrizes
curriculares, questões ligadas ao direito à educação, formação docente e fundamentos de
EJA e suas funções, as quais são destacadas abaixo.
Função reparadora, que se refere ao ingresso no circuito dos direitos civis,
pela restauração de um direito negado; a função equalizadora, que propõe
garantir uma redistribuição e alocação em vista de mais igualdade de modo a
proporcionar maiores oportunidades, de acesso e permanência na escola, aos
que até então foram mais desfavorecidos; por último a função por excelência
da EJA [...] a função qualificadora. É a função que corresponde às
necessidades de atualização e de aprendizagem contínuas, próprias da era em
que nos encontramos. Diz respeito ao processo permanente de “educação ao
longo da vida” (SOARES, 2002, p. 13).

Com o objetivo de estender as ideias em trânsito sabe-se que, nos últimos


anos do governo FHC, segundo Di Pierro (2005), com a criação do Programa Recomeço
em 2001, maiores recursos foram destinados para ações com adultos, porém com

25
abrangência limitada, atingindo apenas quatorze Estados do Norte e Nordeste cujos
municípios apresentavam baixo índice de desenvolvimento humano. Novamente, o
conceito de educação de jovens e adultos reduz-se a um caráter paliativo e localizado.
Com a chegada ao poder do Partido dos Trabalhadores observa-se que, em termos de
políticas públicas, a alfabetização entra no bojo das ações compensatórias que,
inclusive, marcaram o mandato do presidente Luis Inácio Lula da Silva. Contudo, tais
mecanismos também não foram capazes de atender satisfatoriamente às demandas desta
modalidade de educação.
Não obstante os históricos enfrentamentos da EJA, continua sendo mantida
a mobilização da sociedade civil, através de fóruns organizados nos Estados e nas
regiões do país. Nesse sentido, compreendemos que o campo abordado aqui configura-
se como um longevo espaço de luta social em prol do direito à educação contínua.
Então, inseridos nesse “palco”, assumimos o desafio, o risco e a
oportunidade de discutir sobre a arte teatral como prática pedagógica. Em outros termos,
como forma de colocar em debate que a educação estética, pelo nosso olhar, é um
direito também de homens e mulheres adultos que retornam para a escola.

1.3 Configuração metodológica e as indagações da pesquisa

Neste tópico pretendemos apresentar o traçado metodológico da presente


pesquisa. Destacamos, inicialmente, que o processo foi projetado em função das nossas
ações no campo de investigação, como professor de teatro, ministrando aulas para uma
turma de EJA com a utilização exclusiva das técnicas do Teatro do Oprimido, o que
detalharemos no quarto capítulo. Desse modo, o objetivo central pautou-se pela análise
teórica e prática desta forma de teatro, na tentativa de verificar suas possibilidades como
metodologia para a formação estética, crítica e política na EJA.
Tendo isto em foco, para a elaboração deste trabalho buscamos uma
abordagem qualitativa, por meio de práticas que possibilitaram interpretações e
reflexões acerca dos procedimentos, bem como do lugar e dos sujeitos escolhidos para
serem pesquisados. Com fins explicativos, entenda-se “procedimentos” como o trabalho
com o método do Teatro do Oprimido; “lugar” como o espaço escolar; “sujeitos” como
o educador/pesquisador e os educandos: homens e mulheres adultos no contexto da EJA.
No tocante à abordagem qualitativa, Bogdam e Biklen observam que

26
Os investigadores qualitativos freqüentam os locais de estudo porque se
preocupam com o contexto. Entendem que as ações podem ser melhor
compreendidas quando são observadas no seu ambiente habitual de
ocorrência. Os locais têm de ser entendidos no contexto da história das
instituições a que pertencem. Quando os dados em causa são produzidos por
sujeitos, [...] os investigadores querem saber como e em que circunstâncias é
que eles foram elaborados. Quais as circunstâncias históricas e movimentos
de que fazem parte? Para o investigador qualitativo, divorciar o ato, a palavra
ou o gesto do seu contexto é perder de vista o significado (BOGDAM E
BIKLEN, 1994 – p.48).

Por sua vez, Flick desperta a atenção para os aspectos essenciais da pesquisa
qualitativa.
As idéias centrais que orientam a pesquisa qualitativa diferem daquelas da
pesquisa quantitativa. Os aspectos essenciais da pesquisa qualitativa
consistem na escolha adequada de métodos e teorias convenientes; no
reconhecimento e na análise de diferentes perspectivas; nas reflexões dos
pesquisadores a respeito de suas pesquisas como parte do processo de
produção de conhecimento e na variedade de abordagens e métodos (FLICK,
2009, p. 23).

Assim, de acordo com as determinações da pesquisa qualitativa, como


estratégia metodológica, atuamos com base na pesquisa-ação, que pode ser definida
como
um tipo de pesquisa social com base empírica que é concebida e realizada em
estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema
coletivo e no qual os pesquisadores e os participantes da situação ou do
problema estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo
(THIOLLENT, 2004, p. 14).

Para ampliar o entendimento da pesquisa-ação, recorremos a Franco (2005).


A autora observa que este é um conceito utilizado no Brasil e, em sua essência,
“valoriza a construção cognitiva da experiência, sustentada por reflexão crítica coletiva,
com vistas à emancipação dos sujeitos e das condições que o coletivo considera
opressivas” (FRANCO, 2005, p. 485). Ou seja, segundo esse pensamento, a pesquisa foi
desenvolvida necessariamente com a presença e participação conjunta do
pesquisador/mediador e dos educandos.
Além disso, é importante esclarecer que, do ponto de vista epistemológico,
recorremos aos mecanismos próprios da pesquisa qualitativa. Nesses termos, quanto aos
referenciais teóricos foram utilizados, naturalmente, textos que, de antemão, julgamos
fundamentais para a pesquisa, além de outros que no decorrer dos estudos despontaram
como valiosos para o trabalho. Como instrumentos para a coleta de dados fizemos uso

27
das técnicas de observação, entrevistas, questionários e gravações de áudio e vídeo, para
melhor conhecer os sujeitos envolvidos e os processos desencadeados.
Quanto às modalidades de entrevistas individuais tivemos em vista algumas
nuances da entrevista focalizada9 para o estudo sobre os pequenos espetáculos de Teatro
Fórum, através dos quais buscamos um levantamento de informações sobre a percepção
estética e crítica do educando. A entrevista narrativa10 foi outro recurso utilizado, a fim
de verificar o impacto que nossa prática exerceu ou não sobre os educandos.
Esclarecemos ainda que todo o processo foi registrado em um caderno
diário, com informações detalhadas que apontam, sobretudo, dados individuais e
coletivos do interesse pelo trabalho e o progresso cognitivo do grupo. Através disso foi
possível localizar os reflexos do Teatro do Oprimido como prática artística no universo
específico da educação de jovens e adultos.
Uma vez que realizamos aulas de teatro no trabalho de campo, o objetivo
prático das atividades foi, com a turma escolhida, produzir peças de Teatro Fórum,
forma teatral que detalharemos no terceiro capítulo. A propósito, neste capítulo também
serão discutidas as várias etapas da chamada abordagem triangular11, procedimento
metodológico fundamental para que as atividades do TO, além de método em si,
fizessem parte de uma experiência estética mais abrangente.
Com base nessas considerações é significativo mencionar que a investigação
teve como diretrizes as seguintes indagações: quais resultados poderiam ser obtidos na
escola utilizando uma metodologia de ensino de teatro que, através de técnicas
específicas, visa à ação estética e política? Considerando que os adultos que frequentam
a modalidade de EJA são, em sua maioria, homens e mulheres trabalhadores e
trabalhadoras, pessoas que, ao longo da vida, tiveram oportunidades reduzidas de
frequentar a escola e acessar e produzir arte, por várias razões, como o Teatro do
Oprimido poderia ampliar e promover a acessibilidade artística? Como o TO poderia
ajudar a mobilizar12 os educandos no sentido de torná-los fruidores e criadores
artísticos? Em meio a essas questões, reluzia o problema central da pesquisa:

9
Na entrevista focalizada, é apresentado um estímulo uniforme, daí estuda-se o impacto deste sobre o
entrevistado (FLICK, 2009, p. 144).
10
As narrativas permitem ao pesquisador abordar, de um modo abrangente, o mundo empírico até então
estruturado do entrevistado (FLICK, 2009, p. 144).
11
No capítulo 4, o tópico “Teatro como metodologia”.
12
Utilizamos o termo “mobilizar” no sentido de promover um deslocamento que promova opiniões,
saberes e fazeres por parte dos educandos e não no sentido de estimular, apenas.

28
poderíamos considerar o Teatro do Oprimido como uma ação educativa democrática e
de caráter emancipatório na EJA?
De certo, tal problema e outras dúvidas deram os impulsos para o nosso
trabalho. Ademais, juntos configuraram instrumentos fundamentais que foram utilizados
no campo de pesquisa, contribuindo não só para o nosso posicionamento como sujeitos
observadores, mas também como sujeitos atuantes.

1.4 Organização do trabalho

Esta dissertação está dividida em seis capítulos13. No primeiro, através de um


breve histórico, apresentamos o pesquisador, bem como as motivações para a realização da
pesquisa, destacando os aspectos referentes à inserção do mesmo e de sua proposta no
campo da educação de jovens e adultos, além dos procedimentos metodológicos utilizados.
Nesta parte ainda expomos, de forma introdutória, o território de análise, que julgamos ser
pouco explorado. Tendo isto em vista, assumimos os riscos de que sejam apresentadas
fragilidades teóricas no interior do trabalho. Entretanto, evidenciamos a nossa intenção de
motivar novas discussões e novas investigações que possam contribuir para o campo da
EJA.
Os capítulos seguintes apresentarão uma redação com característica histórica e
expositiva. Nesse planejamento o segundo capítulo abordará, de modo sintético, alguns
desdobramentos da história do teatro no oriente e no ocidente, a fim de anunciar a ruptura
histórica do Teatro do Oprimido em relação a outras poéticas. Entendemos que essas
rupturas são extremamente significativas para que se admita a adequação deste método à
EJA. Ainda no segundo capítulo apresentaremos um relato sobre o teatro no Brasil,
explicitando a importância de Augusto Boal e suas experiências com o grupo Teatro de
Arena de São Paulo - grupo este que, além de ter provocado uma grande transformação no
teatro nacional, deu origem aos primeiros passos da poética política do Teatro do
Oprimido.
A partir deste conhecimento prévio tornou-se imprescindível examinar o
pensamento de Augusto Boal relacionado ao de Paulo Freire. Com esta finalidade o
terceiro capítulo foi elaborado destacando, justamente, a proximidade entre estes dois
pensadodres. Para tanto tivemos como suporte a tese de doutorado de Tânia Márcia

13
Advertimos que a maioria das expressões grifadas nos capítulos aparecem no glossário.

29
Baraúna Teixeira. Nesse cenário vislumbra-se um recorte dos aspectos análogos da
Pedagogia do Oprimido e do Teatro do Oprimido.
O quarto capítulo será dedicado ao campo de pesquisa. Assim, tivemos como
meta a descrição de todo o processo e o lugar de atuação dos nossos trabalhos,
apresentando o método do Teatro do Oprimido, a nossa dinâmica com a “abordagem
triangular” e a importância do arsenal de jogos do TO, tendo sempre como finalidade
trazer para o texto a fala do educando e algumas problematizações. Acrescenta-se ainda
uma exposição relativa a aspectos pedagógicos do Teatro Fórum. Além disso dedicamos
um dos tópicos aos protagonistas da pesquisa, alunos e alunas adultos, revelando
informações estatísticas sobre as realidades social, cultural e artística desses envolvidos.
Sequenciamos o quinto capítulo em três tópicos com alguns assuntos ligados
ao capítulo anterior, de modo a verticalizar as análises em curso. Além disso, foram
sinalizadas reflexões estimuladas pela equipe de trabalho do estabelecimento de ensino
onde realizamos a pesquisa. Demo-lhe o título de Considerações finais emergentes do
campo de pesquisa. Nesta parte do texto salientamos questões surgidas durante nossos
trabalhos e fazemos uma exposição sobre a pergunta central de nossa investigação.
O capítulo derradeiro, Conclusões, representou o momento de registrar os
resultados obtidos ao longo da pesquisa, buscando contribuir para o campo da educação
de pessoas jovens e adultas. Nele expressamos que o nosso empenho acadêmico em
abordar uma metodologia teatral radicalmente problematizadora está ancorado no
próprio desejo do pesquisador de ver a educação estética ao alcance de todas as pessoas
e de ver o teatro do oprimido como instrumento artístico emancipador na EJA. A
dissertação ainda apresenta além das referências bibliográficas um amplo glossário e
como anexos alguns documentos e um vídeo sobre o campo de pesquisa. Feitas as
devidas apresentações e explicações, iniciemos o segundo capítulo contextualizando o
teatro historicamente.

30
2. CONTEXTUALIZANDO O TEATRO – TERRITÓRIOS E FRONTEIRAS

O objetivo deste capítulo é contextualizar o teatro na perspectiva da


educação de jovens e adultos. Para isto foi utilizada como suporte uma literatura que
trata da história do teatro no Oriente e no Ocidente, a fim de observar alguns princípios
que norteiam a formação desta arte. Cabe explicar que o interesse pela realização de um
traçado histórico ocorreu por considerarmos relevante investigar aspectos que, em nível
formativo, atribuem proximidade ou distância entre as culturas. Além disso, tem-se a
oportunidade de situar a Poética do Oprimido, bem como de verificar sua relação com
outras poéticas políticas.

2.1 Teatro no Oriente: tradições e referências para o teatro ocidental

Estudos revelam que no antigo Egito, muito antes do advento do


Cristianismo, representações já eram conhecidas sob a forma de ritos religiosos.
Tratava-se de manifestações que demonstravam uma embrionária conotação do drama
como forma expressiva. Porém, não é possível determinar que a origem do teatro tenha-
se dado ali14, principalmente porque uma das características fundamentais desta arte
ainda faltava: a presença do público como apreciador.
É importante salientar que datam de cerca de dois milênios a.C. as
representações de antigos mistérios15 na região da Mesopotâmia, tida como o berço da
civilização e onde se localiza, atualmente, a República do Iraque. Assim entende-se que,
desde tempos remotos, as manifestações com perfil cênico tinham como pano de fundo
a religiosidade com toda a sua força mitológica. No entanto, estas características
também se faziam presentes em outros países orientais, que criaram estilos
diversificados e solidificados, seja no sentido da forma estética ou ao que se refere à
formação de artistas e às relações da obra teatral com o espectador.
Saindo da região do Oriente Médio podemos realçar o teatro do passado e da
atualidade praticados na China, no Japão e na Índia: exemplos de países onde esta arte
14
Todos os anos, dezenas de milhares de peregrinos viajavam a Abidos para participar dos grandes
festivais religiosos. Ali acreditava-se estar enterrada a cabeça de Osíris; Abidos era a Meca dos
egípcios. No mistério do deus que se tornou homem – sobre a entrada da emoção humana no reino do
sobrenatural, ou a descida do deus às regiões do sofrimento terreno – existe conflito dramático e assim
a raiz do teatro (BERTOLD, 2001, p. 11).
15
Neste caso, chama-se mistério um tipo de drama apresentado em uma sequência de quadros. O termo
surge, de fato, na Idade Média. Um dos mistérios mais conhecidos desta época é o Mistério da Paixão
de Cristo.

31
se firmou de maneira longeva na história. Posteriormente a Grécia antiga também terá
espaço nesta discussão.
Com uma cultura formada ao longo de mais de cinco mil anos, a China pode
ser classificada como um país de substantiva influência no teatro praticado em diversas
partes do mundo. No decorrer de sua história a teatralidade sempre esteve presente, e as
manifestações públicas de malabaristas, equilibristas, mimos, acrobatas, funambulistas e
prestidigitadores são apreciadas pelos chineses desde tempos muito remotos.
Nesse contexto é interessante apontar, ainda, que os chineses desenvolveram
variadas formas de representação como as danças xamânicas, o teatro de bonecos, os
shows de variedades com apresentações de música, poesias, dança e cenas de farsa.
Nessas apresentações havia funambulistas, adivinhos, malabaristas, engolidores de
espada e mágicos, tudo isso já no século XI d.C. Para dimensionar a magnitude e a
longevidade do teatro chinês podemos citar o registro histórico Shih Chi, escrito alguns
séculos antes de Cristo, que dedica um capítulo inteiro à profissão de ator, ou yu. Além
disso, no ano de 714 d.C. o imperador Ming-Huang, amante da fama, das artes e do
luxo, fundou a primeira escola de arte dramática chinesa, denominada Jardim das Peras
(BERTOLD, 2001).
Já no século XVIII d.C. surge uma forma tradicional do teatro chinês que
ganhou o mundo: a Ópera de Pequim, um estilo que lida com a perfeição uniforme do
conjunto e o desempenho individual do ator principal de uma determinada montagem.
Ademais, outros elementos que se combinam são a música, a performance vocal, a
acrobacia, a dança e a mímica. Percebe-se então que essa preciosidade da cultura
chinesa requer do seu praticante uma profunda formação; nesse sentido, para atingir o
auge o ator precisa de anos de preparação.
No Japão uma variedade de formas teatrais determina o conjunto de
tradições seculares, dentre as quais destacam-se o Kagura, o Gigaku e o Bugaku. No
período dos samurais16, que perdurou por oito séculos, surgiram o teatro nô e o Kabuki
duas conhecidas formas. Com relação ao primeiro é comparável à tragédia grega pela
presença de um protagonista (shite) e de um coadjuvante (waki), além da ação do coro
que, semelhante ao teatro grego, não interfere na trama principal. Sobre isso, Bertold
ainda afirma que

16
Os samurais eram soldados que gozavam de prestígio pelo que demonstravam de disciplina e lealdade
para com a aristocracia do país. Existiram por cerca de oito séculos no Japão feudal. Considera-se que
o feudalismo japonês inicia-se no século X d.C. perdurando até o final do século XIX d. C.

32
o firme fundamento espiritual das peças nô corresponde a seu padrão
dramatúrgico prefixado. Existem cinco categorias de peças nô, todas
representadas até hoje. O primeiro grupo trata dos deuses; o segundo, das
batalhas (mais freqüentes da glorificação de algum samurai heróico); o terceiro
grupo é conhecido como o das “peças das perucas” ou “peças de mulheres”,
porque o ator principal usa uma peruca e interpreta o papel de uma mulher; a
quarta categoria, dramaticamente mais forte, retrata o destino de uma mulher
com o coração partido, amiúde, levada à loucura pela perda de seu amante ou
filho; a quinta categoria, que encerra o programa, conta uma lenda.
(BERTOLD, 2001, p. 83).

É importante lembrar também que o teatro nô é marcado por convenções


que podem ser caracterizadas como solenes. Ademais, em seu formato havia os kyogem,
espécie de farsas tradicionais que davam o tom cômico dos espetáculos. O autor e
teórico Zeami ressaltava que os kyogem, mesmo servindo para introduzir os primeiros
elementos de crítica social no tempo dos samurais, podiam manter-se como expressão
de comicidade, mas sem gestos ou palavras vulgares. Constituem farsas alegres, nem
picantes nem amargas. Acerca do ensinamento do kyogen é sabido que, assim como na
Commedia dell’Arte, era repassado de pai para filho (BERTOLD, 2001, p. 83).
Quanto ao teatro kabuki, tem-se o registro de que o século XVII d.C.
demarca o seu início. Seu nome advém dos ideogramas chineses ka (canto), bu (dança)
e ki (habilidade artística). Segundo os historiadores a sacerdotisa e bailarina Okuni é
responsável pelo nascimento desta forma teatral, que por volta de 1654 modificou-se
decisivamente em relação à sua origem.
A partir de então, o desenvolvimento do kabuki traz a marca da entranhada
tendência japonesa para a estilização e para os “astros” da cena. Assim, logo
se delinearam quatro categorias distintas de peças, que ainda hoje constituem
os programas kabuki. O primeiro tipo é o drama histórico, jidaimono, que
glorifica o samurai e suas virtudes tradicionais – lealdade e amor filial. O
segundo é o sewamono, um drama doméstico situado no mundo dos
mercadores, comerciantes e artesãos. A terceira categoria, aragoto, o drama
do homem forte, apresenta um herói sobre-humano, caracterizado por uma
pesada maquiagem e pelo discurso melodramático. A quarta, shosagoto, é
uma espécie de drama dançado acompanhado por tamborins, grandes
tambores, flautas e shamisen, e também por um coro cantando a balada
relativa à história e aos eventos líricos da trama (BERTOLD, 2001, p. 91-
92).

Ainda sobre o kabuki, é importante mencionar que no início as mulheres


atuavam nos espetáculos, sendo chamadas de onna-kabuki. Entretanto, por volta de
1629 sua participação foi proibida por questões de conduta moral. A partir de então os
palcos ficaram sem a atraente presença feminina por força da lei, e os papéis femininos
passaram a ser representados por atores adolescentes não menos atraentes, visto que

33
eram também desejados por membros das classes elevadas da sociedade. Por essas
razões, sobretudo, entende-se que é notadamente com o gênero kabuki que a realidade
social ganha dimensão na cena, o que de fato pode ser considerado como uma evolução
daquele teatro.
Há ainda o teatro de bonecos, que desde o século VIII d.C. mantém sua
tradição. Esta modalidade teatral é chamada bunraku, e diferentemente do teatro nô e do
kabuki, caracterizados como expressões de origem aristocrática, seus bonecos e títeres,
apesar das técnicas apuradas, são mais populares.
Para finalizar a sucinta abordagem sobre o Oriente, pode-se considerar que a
Índia é uma das mais essenciais referências para o entendimento do teatro em toda a sua
complexidade. Basta observar o valor histórico e cultural do Nāṭyaśāstra, um verdadeiro
legado para artistas, estudiosos e apreciadores de teatro no qual tradição, dança e teatro
são entendidos como um único elemento.
Na tentativa de ampliar as reflexões sobre o Nāṭyaśāstra, é válido destacar
que se refere a um tratado do teatro hindu atribuído ao legendário Bharatamuni o
Bharata. Segundo especialistas, sua escritura se deu entre 200 a.C. e 200 d.C
(AZZARONI, 2006) e sabe-se ainda que sua importância está associada à
fundamentação das atividades que abrangem as funções do ator, a organização do
espetáculo, a concepção de dramaturgia, o uso da maquiagem e a cenografia.
Comprovadamente, através deste tratado é possível verificar o surgimento do teatro na
Índia, postulando-o como um elemento sagrado, de origem divina. Portanto, o contato
com Nāṭyaśāstra nos transporta para um universo místico e milenar.

Já no primeiro capítulo, o Nāṭyaśāstra reconta que ao fim da idade do ouro


(krtayuga) bem como o fim do reino de Svāyambhuva o Manu, e ao início da
idade de prata (tretāyuga) e do reino de Vaivaśvata Muni, os homens se
lançaram aos prazeres licenciosos e sensuais, ao ciúme, ao desejo e à
rapacidade. Foi assim que o rei dos deuses Indra pediu ao criador Brahmā
que inventasse uma diversão capaz de distrair os homens afastando-os do
pecado. Brahmā então concentrou-se no Yoga e pensou: “eu criarei o quinto
Veda17 (Nāṭhyaveda) dedicado ao nāṭya, (que temos como o drama) com
narrativas históricas, mitológicas e lendárias (itihaśā) em favor das leis
(dharma) e a abundância (artha) assim como a fama, que trará bons
conselhos e sugestões para os seres humanos e que será um guia para o povo
do futuro em todas as suas ações, que será enriquecido pelos ensinamentos de

17
Os Vedas são textos sagrados do hinduísmo. São em número de quatro: Ṛgveda, Sāmaveda, Yajurveda
e o Atharvaveda. Constam de cantos, tratam de rituais e do sacerdócio. Foram escritos em sânscrito
em 1.500 a.C aproximadamente.

34
todas as escrituras (śāstra) e dará informações sobre todas as artes e todos os
mestres” (BHARATA 1950, vol. I: 3-4 apud AZZARONI, 2006).

Apesar disso, somente em fins do século XIX começou a ser conhecida e


explorada, no ocidente, (MOTA, 2006) essa arquitetura ou base do teatro indiano a qual
norteia, ainda hoje, os aspectos expressivos do teatro tradicional que vigora nesse país
(técnica dos artistas, formato estético e composição dramatúrgica). Vale ressaltar ainda
que as formas clássicas do teatro desta região são apreciadas e referendadas em escolas
e grupos de teatro em outros continentes. O diretor polonês Jerzy Grotowski (1933-
1999) e Eugênio Barba18, criador do Odin Teatret, da Dinamarca, e da International
School of Theatre Anthropology – ISTA são apenas alguns exemplos de nomes
influentes do teatro contemporâneo que apontam, em seus trabalhos teóricos e práticos,
a conexão com a arte daquele país.
Como prova desse reconhecimento, ainda nos dias atuais os estilos clássicos
de representação são: Bhāratanāṭyam, Kūchipuḍi, Kūṭiyāṭṭam, Kathakali, kathak,

Yakṣagāna, Oḍissī, Manipuri, bem como a forma Chau de dança. O que desperta a
atenção em todas estas formas é o caráter formativo do ator dançarino: o rigor técnico, a
formação do artista e a manutenção da tradição destas manifestações. Os indicativos
para tanta rigidez encontram-se fixados no Nāṭyaśāstra, que dedica os capítulos VIII, IX
e X à orientação dos modos de utilização do corpo para a representação
(RANGACHARYA, 2003).
Ainda sobre o contexto teatral do Oriente, é correto afirmar que a dimensão
formativa configura-se através de preceitos definidores das mais variadas formas de
expressão dramática, que têm o corpo do ator e/ou atriz como instrumento de trabalho
fundamental. Para fins ilustrativos pode-se recorrer ao próprio Nāṭyaśāstra, que
determina, por exemplo, o modo pelo qual as mãos do ator ou atriz devem ser usadas
nas representações clássicas, como Bhāratanāṭyam, Kathakali, kathak e Oḍissī. Nesse
sentido os gestos e posições feitos pelas mãos constituem-se como linguagem, sendo
chamados de mudrā (sinal), cujo uso data de cerca de 1.500 a.C (BARBA; SAVARESE,
1995).

18
Barba organiza, desde 1992, a Università del Teatro Eurasiano, evento que conta com a presença dos
professores da ISTA, onde se discute aspectos ligados ao Teatro no Oriente e no Ocidente.

35
Podemos dizer que Bharata menciona que os primeiros vinte e quatro
mudrā19 são realizados, naturalmente, por uma mão. No entanto, podem ser elaborados
pelas duas quando necessário ou solicitado; eles fazem parte de um repertório
codificado e servem para exemplificar e confirmar o rigor exigido para que um
indivíduo se torne um artista.
Ainda sobre os movimentos e posições das mãos e dos braços com
significados definidos no teatro-dança, é preciso reconhecer que se fazem presentes não
somente na Índia. Esses mesmos princípios também são verificados, dentre outros, na
Ópera de Pequim, na dança balinesa e no teatro japonês.
Com relação às exigências, é oportuna a explicação de que há preocupação
com os detalhes, a precisão dos movimentos e com a utilização do corpo e da voz do
ator conjuntamente. Estes fatores estão profundamente conectados à percepção do
público diante de uma representação. A título de compreensão, imaginemos o pouso de
uma abelha em uma flor de lótus, realizado através de movimentos codificados e
estilizados. Esta ação, aparentemente simples requer do artista uma destreza que, em
certa medida, é uma oferta para que o espectador aprecie esta cena justamente como está
descrita, pois esse teatro não permite meras improvisações.
Antes de prosseguirmos nessa discussão é necessário esclarecer que não
aprofundaremos aqui a complexidade da arte teatral dos indianos. Mesmo assim, os
detalhes apontados já nos possibilitam mirar outros horizontes, os quais se apresentam
como um convite para que possam ser estabelecidas análises do problema da educação
teatral com pessoas adultas.

2.1.2 Reflexões sobre teatro oriental e ocidental na perspectiva da educação

Visando criar um cenário de reflexão, nos propomos a entender quais


contribuições uma abordagem relativa ao teatro tradicional do Oriente pode nos
oferecer, já que estamos diante de um estudo sobre educação teatral para adultos de
EJA. Nossas investigações foram direcionadas em busca de respostas a esta questão.
Consideramos inclusive o que é usualmente posto como a origem do teatro enquanto
arte e por meio de nossas análises chegamos a levantamentos significativos que
trataremos a seguir.

19
Veja as figuras de mudrā em A arte secreta do ator (BARBA; SAVARESE, p.136).

36
Além desse resgate temporal e espacial que tentamos expor, não devemos
perder de vista que as exigências técnicas para a formação do artista, as características
estéticas dos espetáculos, suas relações com o espectador, bem como o sentido de
tradição que implica o modo de aprender e ensinar são contribuições importantes para a
educação teatral. Tendo isso em vista é preciso compreender que o educando, neste caso
o adulto de EJA, não é tido necessariamente como sujeito que virá a ser um artista
profissional, mas que tem condições de expressar-se e apreender conhecimentos teóricos
e práticos.
Cabe neste momento salientar que, pela experiência no campo de pesquisa,
esta análise nos fez acreditar ser necessário rever a máxima de que o teatro enquanto
modalidade artística tem sua origem na Grécia. Não podemos concordar com os
parâmetros para esta afirmação, uma vez que o mundo é composto por Oriente e
Ocidente e entre ambos é possível observar diferenças nas formas de organização social,
visão de mundo, valores, tradições, crenças, religiosidade, criação artística, além de
tantas outras nuances.
Torna-se então fundamental confrontar a temporalidade, ou seja, o período
em que foram formalizadas as concepções de Aristóteles para a Tragédia e outros
diversos tratados teatrais. Na China e na Índia, por exemplo, verificamos que alguns
destes tratados foram elaborados em tempos diferenciados, apresentando as
características particulares de cada país.
Ainda no contexto anterior à tragédia grega, sabe-se que datam de 3.500 a.C.
as representações de danças encontradas em forma de esculturas na Índia, e como
exemplo relevante é possível apontar as 108 posições da dança clássica indiana
denominada Karana (GUZMAM, 2006). Por essa analogia já é possível entrever que
existem variadas formas de teatro, de origens diferentes, muito embora apresentem
aspectos formais parecidos em razão do contato estabelecido entre as culturas. Este
último fator fez com que as diversas manifestações teatrais sofressem influências e
agregassem elementos expressivos umas das outras, gerando inclusive tradições teatrais.
A Grécia é, portanto, o parâmetro fundamental legítimo do teatro ocidental, mas não é o
único. Basta analisar a outra metade do mundo.
Verifiquemos outro diferencial que complementa nossa reflexão: no Oriente
contamos com estilos que atravessaram os séculos mantendo suas tradições20, nos países

20
Segundo Lalande, tradição no sentido ativo e original é transmissão: “traditio lampadis.” Mas a
palavra aplica-se, quase sempre, àquilo que é transmitido isto é, àquilo que numa sociedade (pequena

37
aqui citados e em tantos outros. No Ocidente, por outro lado, observa-se poucas formas
representativas tradicionais, codificadas para o sucessivo exercício de ensino e
aprendizagem de pretensos artistas profissionais ou não. Os comentários abaixo tratam
deste tema.
A procura de uma codificação que poderia dar ao ator um corpo pré-
expressivo foi feita tanto no Oriente quanto no Ocidente. No ocidente,
entretanto, por causa da categorização tradicional dos atores exclusivamente
como atores, dançarinos, mímicos ou cantores, essa procura conduziu
somente a uns poucos resultados [...] tais como o balé clássico e a mímica.
[...] No ocidente a descontinuidade na tradição, a procura do realismo,
ou melhor, naturalismo, e bases psicológicas em vez de físicas para a ação
destruíram gradualmente a herança de regras que fixam o comportamento do
ator. Tais regras certamente existiam no teatro europeu durante o período da
Commedia dell’Arte, mas a herança foi perdida porque a pedagogia teatral,
tanto no Ocidente quanto no Oriente, nunca é escrita (BARBA; SAVARESE,
1995, p. 192).

Ao nos referirmos à tradição tratamos do discurso sobre formação, o qual


nos interessa de modo substancial. Na perspectiva oriente-ocidente surgem as seguintes
questões: quem se forma? como se forma? quem é formador?
A busca por esclarecimentos leva-nos a observar que no mundo oriental a
formação em teatro ocorre, desde tempos imemoriais, por meio das mais consagradas
formas. Em alguns estilos somente homens podiam atuar; em outros somente mulheres,
havendo também formas representativas realizadas por pessoas de ambos os sexos.
Percebe-se então o panorama de gênero. Todavia, nos países analisados, cuja severidade
e rigor técnicos são determinantes, os aspirantes são selecionados por possuírem
condições físicas favoráveis e por pertencerem, em alguns casos, às famílias, castas e
classes sociais em condições de promoverem a educação artística. Este último ponto nos
leva a entender que os meios mais adequados para esse tipo de formação não eram, em
certa medida, acessíveis a todos, principalmente porque o virtuosismo era (e continua
sendo) fundamental nos teatros clássicos do Oriente. Haja vista que para alcançar uma
posição de reconhecimento crianças e jovens eram submetidos a práticas disciplinares
rigorosas, ao longo de vários anos de adestramento e aperfeiçoamento do instrumento
corporal, vocal e espiritual, o que se verifica ainda nos dias atuais. Confirma-se assim a
tese de que o costume de herdar conhecimento técnico legado por gurus e mestres é uma
marca secular relevante.

ou grande) e particularmente numa religião, transmite-se de maneira viva, quer pela palavra, quer pela
escrita ou pelas maneiras de agir. Nesse sentido a palavra é considerada, em geral, com uma intenção
laudativa e respeitosa. “Uma raça só encontra as instituições convenientes na ação secular da vida
inconsciente, pelas tradições e pelos costumes” (BOURGET Apud LALANDE, 1999, p. 1147-1148).

38
Vasculhando o interior destes dois diferentes universos (oriental e ocidental)
desponta a condição do espectador ou fruidor, elemento fundamental para todas as artes,
desde os cânones do Nāṭyaśāstra datados de antes de Cristo até os dias de hoje,
passando pelos proskenions a céu aberto da Grécia antiga. Nessa direção ocorre a
legitimação do teatro, que passa a ser apreciado por todas as pessoas, independente de
castas, níveis cultural e econômico, credo, gênero e etnia. Justifica-se assim a afirmação
de que se trata de uma modalidade inerente e relevante nas mais diversas culturas.
Em resumo, entendemos que no contraste entre o Oriente e o Ocidente os
elementos formais e educativos neles verificáveis contribuem para a compreensão do
teatro na educação. Ambos tratam de questões técnicas e de concepções estéticas com
finalidades diversificadas, seja para o entretenimento ou para manifestações de
conotação religiosa, política e libertária. O teatro faz parte, portanto, de um território
sem fronteiras; é às vezes pautado pela necessidade de manutenção de tradições que
favoreçam a transmissão de saberes constituídos sem, no entanto, perder-se da dinâmica
de autotransformação. A este propósito as referências ajudam a avaliar como o método
criado por Boal (Teatro do Oprimido – TO), gerado e mantido em sólidas bases
conceituais, constitui-se em um mecanismo que pode contribuir para a educação de
adultos da EJA - pessoas que não contam com as mesmas habilidades físicas de uma
criança ou jovem, detentoras de condições cognitivas próprias dentro de um espaço
educacional que lida, cotidianamente, com desafios diversos.
Na tentativa de ampliar a reflexão em curso vale examinar que o Teatro do
Oprimido surge como uma poética, cujos elementos fundamentam-se na ideia de que
todas as pessoas, indistintamente, podem ser criativas no teatro. O referido método
nasce do panorama universal desta arte representativa. Seu criador exprime algo
significativo ao enfatizar que “esta é uma forma de teatro entre todas as outras” (BOAL,
2004), pois, em certa medida, se esta forma não inaugura uma tradição como as que
vimos no Oriente funda, pelo menos, um novo sistema - um teatro democrático,
marcadamente popular e por isso praticamente sem pátria e fronteiras. Considerando
isto como um avanço, acreditamos que na EJA, mesmo não se tratando de um espaço de
formação de artistas profissionais, é possível e necessário trabalhar para a amplitude e a
qualidade do ensino de teatro onde e quando este for porventura oferecido.
Dando continuidade a esta linha de estudo passaremos, em seguida, a uma
abordagem mais específica sobre o teatro no Brasil.

39
2.2 Teatro brasileiro em contexto - em busca de identidade

Neste tópico faremos uma resumida contextualização histórica do teatro


brasileiro, a fim de apresentar o panorama que demarca o surgimento do método criado
por Augusto Boal.
O Teatro do Oprimido surge dentro do processo evolutivo do teatro
brasileiro que, ao longo de toda a sua história, viu-se em busca de um traço identitário.
Sem perder de vista as formas expressivas dos povos que aqui viviam antes da vinda dos
europeus, tal percurso ganha vulto no século XVI, com as manifestações do teatro
catequético do jesuíta José de Anchieta (1534-1597). Mas somente no século XIX, após
longo intervalo e impulsionado pela vinda da Família Real ao país, o teatro é retomado.
Ao longo deste século despontou a dramaturgia nacional através de autores
como Gonçalves de Magalhães, Gonçalves Dias, Martins Pena, Machado de Assis,
Joaquim Manoel de Macedo, José de Alencar, Álvares de Azevedo e Castro Alves;
alguns destes destacaram-se também como poetas e romancistas.
Por força de variadas circunstâncias, entre os autores e nos palcos uma
modalidade cômica ganhou a cena, pois
Tragédia e drama haviam sido tragados pelas sucessivas ondas do teatro
musicado. Nesse sentido o naturalismo, corolário do realismo, nunca chegou
a existir no Brasil. Restava, portanto, para os autores nacionais, como gênero
comercialmente viável, a comédia. Esta, de acordo com a poética clássica
encarnada por Molière, podia inclinar-se seja para o estudo psicológico (o
Avarento), seja para a descrição de costumes (As Preciosas Ridículas), seja
para as complicações do enredo (As Artimanhas de Scapin). Em Martins Pena
encontrava-se, em germe, um pouco dessas três possibilidades dramatúrgicas,
que evidentemente, não se excluem. Foi a segunda que predominou no Brasil,
dando origem à nossa única tradição teatral: a da comédia de costumes
(PRADO, 1999, p. 117).

Apesar do advento da comédia de costume, cujo conteúdo tratava das


questões nacionais da época, o teatro no Brasil buscava a sua identidade diante da
grande influência européia. Mesmo porque, até o início do século XX o país recebia
frequentes visitas de companhias estrangeiras (italianas, francesas e portuguesas), que
aqui desembarcavam com suas produções.
Cabe ressaltar que naquele tempo as outras artes permaneciam atreladas às
prescrições do velho continente. Entretanto, no início dos anos 20 do século passado a
arte e a cultura brasileira delineavam outros rumos, numa perspectiva voltada para o
modernismo, como assinala Sábato Magaldi.

40
Reunindo anseios latentes nos mais diversos setores da nacionalidade,
realizou-se em São Paulo, em 1922, a Semana de Arte Moderna, cujo
objetivo era sacudir todos os campos da expressão estética, esclerosados no
academicismo e na acomodação. Mário de Andrade, Oswald de Andrade,
Villa Lobos, Anita Malfatti e tantos outros renovaram a poesia, o romance, a
música a pintura e as demais artes, atualizando-as simultaneamente pelos
padrões internacionais provenientes do futurismo, do cubismo e dos demais
ismos europeus e pelo mergulho de uma linguagem que se aproximava da fala
popular, rompida com a rígida sintaxe lusitana. Não houve uma manifestação
artística que deixasse de respirar o ar de liberdade trazido pelo movimento
modernista. Infelizmente só o teatro desconheceu o fluxo renovador, e foi a
única arte ausente das comemorações da Semana (MAGALDI, 1996, p. 195).

De acordo com esta descrição, verificamos certo distanciamento do teatro


em relação ao furor cultural anunciado na Semana de Arte Moderna que, de algum
modo, apontava uma evolução naquele panorama. Nesse sentido o mundo do teatro
profissional perdeu o contato com as demais artes, e com ele a correspondência, sempre
vital para todas as expressões (MAGALDI, 1996). Apesar disso, a busca identitária
continuava em foco.
Como prova disso os registros indicam que, com a fundação de companhias
estáveis a partir de 1940, nota-se um avanço expressivo no teatro. Ativo entre os anos de
1938 a 1947, sublinhamos, primeiramente, o grupo Os Comediantes, do Rio de Janeiro,
considerado como o precursor do teatro contemporâneo no Brasil (MAGALDI,1996).
Além deste, o Teatro Experimental do Negro, fundado por Abdias do Nascimento em
1944, atuando até 1961. Já em 1948 foram fundados o Teatro Brasileiro de Comédia
(TBC), companhia que permaneceu ativa até 1964, e a Escola de Arte Dramática (EAD)
da Universidade de São Paulo (USP), onde muitos atores e atrizes de renome se
formaram.
Nos anos cinquenta o teatro brasileiro ganha roupagem nova com o
surgimento de dois grupos emblemáticos: o Teatro de Arena, criado por Zé Renato em
1953 e fechado em 1972, no período agudo do regime militar; e o Teatro Oficina de José
Celso Martinez Corrêa, fundado em 1958 e ativo ainda em 2011, somando dezenas de
montagens.
Já é possível constatar que a fase antecessora do Teatro do Oprimido é
aquela do Teatro de Arena, o grupo ao qual é atribuída a ideia de se fundar um teatro
moderno e genuinamente brasileiro, voltado para questionamentos de ordem social e
política, de acordo com os ecos de seu tempo.
No panorama teatral brasileiro da segunda metade do século XX, o Teatro de
Arena – por suas características de grupo fechado e de companhia estável e
de repertório – foi talvez o único grupo política, estética e ideologicamente
revolucionário nas atividades que desenvolveu, sobretudo na escolha de um

41
repertório voltado para as discussões da realidade do país e por jamais
esconder, muito particularmente a partir do final dos anos 1950 e início dos
1960, sua opção por uma estética, esquerdista, marxista (ALMADA, 2004, p.
22).

Nesse contexto mostra-se pertinente a afirmação de Boal sobre a suposta


dicotomia entre teatro clássico e teatro revolucionário.
[...] o Teatro de Arena de São Paulo elabora a outra tendência, a do teatro
revolucionário – e eu estou sempre falando no bom sentido. O seu
desenvolvimento é feito por etapas que não se cristalizam nunca e que se
sucedem no tempo, coordenada e necessariamente a coordenação é artística e
a necessidade social (BOAL; GUARNIERI, 1967, p. 13).

É importante mencionar que no Arena surgem as primeiras experiências


com o Sistema Curinga21 vistas, por exemplo, nas montagens de grande repercussão:
Arena conta Zumbi (1965) e Arena conta Tiradentes (1967). Qual seria, então, o
contexto histórico e social do Teatro de Arena? O que vem a ser o sistema curinga? Para
respondermos a estas perguntas não podemos desvincular o criador de sua criatura. Por
esta razão resgatamos Augusto Boal, artista fundamental na história do teatro nacional
que, além de teórico, foi diretor, dramaturgo e ensaísta, com obras traduzidas para mais
de vinte idiomas. Além disso, representa figura determinante na mudança de
procedimentos dentro do Teatro de Arena, grupo com o qual realizou trabalhos de
direções teatrais, dramaturgia e pesquisas cênicas.
Para refletir sobre as questões postas precisamos primeiro contextualizar
este grupo e seu trabalho, assinalando as grandes transformações no Brasil e no mundo
no período do pós-guerra. Neste recorte de tempo, equivalente a dezenove anos da
existência do Teatro de Arena, observa-se que tais mudanças geraram implicações de
toda ordem, sejam elas sociológicas, científicas, filosóficas, ideológicas, estéticas ou de
outra natureza.
Nessa linha de pensamento é preciso destacar que o fim da Grande Guerra
não fechou o ciclo dos grandes regimes totalitários. Ampliou-se um horizonte de
grandes desafios em um mundo polarizado por duas componentes ideológicas: uma de
matriz capitalista e outra de textura socialista.

21
O Sistema Curinga será apresentado adequadamente mais adiante neste trabalho. Lembramos que na
obra de Augusto Boal algumas vezes aparece a expressão “coringa” e em outras “curinga”, nesta
dissertação optamos pela segunda. Quando nos referimos à prática do método do Teatro do Oprimido, o
Curinga é o especialista e pesquisador do Teatro do Oprimido, facilitador do método, um artista com
função pedagógica, que atua como mestre de cerimônia nas seções de Teatro Fórum, coordenando o
diálogo entre palco e platéia, estimulando a participação e orientando a análise das intervenções feitas
pelos espectadores.

42
No Brasil dos anos de 1950, envolto neste contexto, ocorreu, por exemplo,
uma onda crescente de industrialização que culminou em uma desenfreada urbanização.
Tal fenômeno aumentou ainda mais os problemas sociais, sobretudo nas periferias dos
grandes centros, devido ao maciço deslocamento de imigrantes das áreas rurais na busca
por melhores condições de vida, o que gerou um expressivo desequilíbrio populacional
nas cidades. Neste sentido e com uma análise global, Hobsbawm esclarece que
A mudança social mais impressionante e de mais longo alcance da segunda
metade deste século, e que nos isola para sempre do mundo do passado, é a
morte do campesinato. Pois desde a era neolítica a maioria dos seres humanos
vivia da terra e seu gado ou recorria ao mar para a pesca (HOBSBAWN,
1995, p. 284).

Fenômenos desta ordem naturalmente passaram a gerar novas demandas no


seio da sociedade, quais sejam os problemas de ocupação e violência urbana, saúde
pública, trabalho, desemprego e déficit de moradia. Não obstante, surge também um
fator que nos interessa bem de perto: a educação das pessoas. Hobsbawm salienta que
Quase tão dramático quanto o declínio e queda do campesinato, e muito mais
universal, foi o crescimento de ocupações que exigiam educação secundária e
superior. A educação primária universal, isto é, a alfabetização básica, era na
verdade a aspiração de todos os governos, tanto assim que no fim da década
de 1980 só os Estados mais honestos e desvalidos admitiam ter até metade de
sua população analfabeta, e só dez – todos, com exceção do Afeganistão, na
África – estavam dispostos a admitir que menos de 20% de sua população
sabia ler e escrever (HOBSBAWN, 1995, p. 289-290).

Deve ser frisado aqui que esta é apenas uma face de um tempo de embates e
mudanças. Ainda sobre o Arena, é preciso lembrar que sua existência atravessou
praticamente toda a primeira metade do regime militar, o que o contextualiza dentro de
uma temporalidade que gerou uma miríade de conflitos, mas que também engendrou
relevantes movimentos culturais no país, como a Bossa Nova, o Cinema Novo, a
Tropicália, e o desenvolvimento dos Centros Populares de Cultura coincidindo,
inclusive, com as ideias progressistas de Paulo Freire no campo da educação de jovens e
adultos no início dos anos sessenta. Percebe-se um tempo de efervescência política e
artística; anos de mobilização global da juventude; tempo dos movimentos
revolucionários, como os que culminaram na Revolução Cubana, o movimento
feminista, a luta contra o racismo, o movimento estudantil e a Contracultura. Época
ainda da guerra do Vietnã e do incômodo da Guerra Fria, além da própria reviravolta
dentro do movimento teatral, pautada pelo chamado teatro engajado e pelo conceito de
teatro de grupo.

43
Os anos de 1960 vão se caracterizar como, talvez, o período mais criativo e
combatente do Teatro de Arena, ajudado que foi pelas arbitrariedades contra a
cultura e particularmente contra o teatro nacional, cometidas pelos golpistas
de 1964. Mas foi também um período de dificuldades, consequência em parte
destas mesmas arbitrariedades, por um lado, pela censura e também por um
incipiente processo de radicalização das atividades de alguns de seus
integrantes, levando à prisão e ao exílio – já no início dos anos de 1970 – o
seu nome mais sonante à época: Augusto Boal (ALMADA, 2004, p. 74).

Embora tenha sido sistematizado a partir do início dos anos de 1970, o


Teatro do Oprimido é oriundo deste tempo, em que o Teatro de Arena assumiu uma
postura de valorização da nossa dramaturgia, de nossos artistas e dos heróis nacionais,
como Zumbi e Tiradentes, na busca sistemática de um teatro autenticamente brasileiro e
voltado, sobretudo, para a realidade social do país. Para isso, o empenho de Boal é
notado desde os seminários de dramaturgia, que tiveram início em 1958, mesmo ano de
estreia da peça “Eles não usam black-tie”, de Gianfrancesco Guarnieri. O teatro
revisava, no Brasil e no mundo, as mais diversas questões que o constituíam, por meio
de pensadores, artistas e grupos. Uma destas transformações, moldada por Augusto Boal
e de notável repercussão, deu-se na forma de um sistema teatral denominado Curinga,
assunto do próximo tópico.

2.3 Curinga em contexto – propostas de um sistema revolucionário

Pretendemos aqui descrever o sistema curinga de forma resumida, tentando


esclarecer sua complexidade dentro do Teatro de Arena e o identificando, nos nossos
dias, através das práticas do Teatro do Oprimido. Para tanto os verbos serão utilizados
ora no passado e ora no presente, a fim de situar o sistema desde a sua origem.
Para seu criador, Augusto Boal,

Curinga é um sistema que pretende propor uma forma permanente de se fazer


teatro – dramaturgia e encenação. Reúne em si todas as pesquisas anteriores
feitas pelo Arena e neste sentido, é súmula do já acontecido. E, ao reuni-las,
também as coordena, e neste sentido é o principal salto de todas as suas
etapas (BOAL, 2009. p. 262).

Em outras palavras, este sistema consistia em quatro técnicas principais: a


primeira propunha a desvinculação do ator-personagem, ou seja, para cada personagem
da história – em Arena Conta Zumbi ou Arena Conta Tiradentes, por exemplo – era
estabelecido, por meio de uma “máscara”, um conjunto de características de ordem
psicofísica e histórica que poderiam ser representadas por qualquer ator do grupo. A

44
segunda técnica diz respeito à “interpretação coletiva”, em que todos os atores podiam
representar todos os papéis e narrar a história. Pensada como possibilidade de criação do
caos, a terceira técnica trata do ecletismo de gênero e estilo - dentro do mesmo
espetáculo percorria-se o caminho que vai do melodrama mais simplista e
“telenovelesco” à chanchada mais circense e vodevilesca (BOAL, 1967). Por fim, a
utilização da música aparece como a quarta técnica, dentro da chamada experiência
simultânea razão-música. Este sistema mantinha, portanto, vinculação com todo o
movimento cultural, social, político e econômico próprio daquele tempo histórico. Nesse
cenário, Boal afirma que
foi todo um período em que a preocupação máxima consistia na busca de
singularidades, na descrição mais minuciosa e veraz da vida brasileira. Em
todos os seus aspectos exteriores, visíveis e acidentais. A reprodução exata da
vida como ela é – esta é a principal meta de toda uma fase (BOAL, 2009, p.
261).

Boal ainda acredita que a obra Zumbi, espetáculo que praticamente inaugura
o sistema curinga, preencheu sua função e representou o fim de uma etapa de
investigação. Promulga, então, a “destruição” do teatro, propondo novas formas como
resposta a novos estímulos e necessidades estéticas e sociais (BOAL, 1967).
Não obstante, cabe o registro de que nesta forma teatral a sistemática
permanente era regulada pela estrutura de texto e de elenco, podendo ser utilizados
elementos formais de qualquer gênero ou estilo teatral. Ademais, cada cena deveria ser
resolvida, esteticamente, segundo os problemas que isoladamente apresentasse. De
acordo com a estruturação do texto, os atores não se fixam nos personagens singulares.
Em vez disso recebem funções dentro dos conflitos apresentados, o que discutiremos a
seguir.
A primeira função é a “protagônica” que, diferente das outras, cria um
vínculo permanente entre ator e personagem, devendo ser realizada por um único ator. A
função curinga, inversamente, caracteriza-se pelo fantástico, pela magia e versatilidade
de quem tudo cria e pode em cena. Esta função permite que um ator desempenhe
qualquer papel, inclusive a substituição do protagonista. O curinga personifica as
múltiplas possibilidades teatrais:

é mágico, onisciente, polimorfo, ubíquo. Em cena funciona como menneur du


jeu, raisonneur, mestre de cerimônias, dono do circo, conferencista, juiz
explicador, exegeta, contra regra, diretor de cena, regisseur, kurogo, etc. todas
as explicações constantes da estrutura do espetáculo são feitas por ele, que,

45
quando necessário pode ser ajudado pelos corifeus ou pela Orquestra Coral
(BOAL, 2009, p. 277).

O coro também é considerado uma função, mas divide-se em duas partes:


em uma, os atores compõem o coro do Deuteragonista, na outra o coro do Antagonista,
e cada uma destas possui seu próprio Corifeu. O primeiro coro citado busca representar
papéis de apoio ao protagonista, enquanto o segundo contraria suas ideias e vontades.
Cerrando esta estrutura tem-se a função Orquestra Coral, que se refere à
música executada por violão, flauta e bateria com o objetivo de, sozinha ou em conjunto
com o Corifeu, “cantar todos os comentários de caráter informativo ou ilusionístico”
(BOAL, 1967).
A “estrutura de elenco” do sistema curinga, proposta com caráter
permanente em todas as peças, divide-se em sete partes principais, que, de acordo com
Boal, podem ser descritas esquematicamente da seguinte forma.:
A. Dedicatória – Todo espetáculo será sempre iniciado com uma dedicatória a
alguém ou a alguma coisa. Poderá ser uma canção coletiva, uma cena, ou
simplesmente um texto declamado. Poderá ser ainda uma sequência de Cenas,
poemas, textos, etc.
B. Explicação - É uma quebra na continuidade da ação dramática, escrita sempre
em prosa e dita pelo Curinga, em termos de conferência, e que procura
colocar a ação segundo a perspectiva de quem conta. Pode conter qualquer
recurso próprio de conferência: slides, leitura de poemas, documentos, cartas,
notícias de jornais, exibição de filmes, de mapas, etc. pode inclusive refazer
cenas a fim de enfatizá-las ou corrigi-las incluindo outras que não constem do
texto original, no caso de adaptações e a fim de maior clareza. As explicações
dão o estilo geral do espetáculo: conferência, fórum, debate, tribunal,
exegese, análise, defesa de tese, plataforma, etc. A explicação introdutória
apresenta o elenco, a autoria, a adaptação, as técnicas utilizadas, a
necessidade de renovar o teatro, propósitos do texto, etc. Como se vê todas as
explicações podem e devem ser extremamente dinâmicas modificando-se na
medida em que são apresentadas em cidades ou datas diferentes.
C. Episódios – A estrutura geral será dividida em episódios que reunirão cenas
mais ou menos interdependentes.
D. Cena – uma cena ou lance é um todo completo de pequena magnitude,
contendo, ao menos uma variação no desenvolvimento qualitativo da ação
dramática. Pode ser dialogado, cantado, ou resumir-se à leitura de um poema,
discurso, notícia ou documento, que determine mudança de qualidade no
sistema de forças conflituais.
E. Comentários – As cenas ligam entre si pelos Comentários, escritos
preferencialmente em versos rimados, cantados pelos corifeus ou pela
Orquestra ou por ambos, servindo para ligar uma cena a outra,
ilusionisticamente. Pode-se constituir também pela simples enunciação do
local e tempo onde se passa a ação. Considerando que cada cena tem seu
estilo próprio, quando necessário, os comentários deverão advertir a platéia
sobre cada mudança.
F. Entrevistas – As entrevistas não têm colocação estrutural própria e
predeterminada, já que sua ocorrência depende sempre de ocasionais
necessidades expositivas. Muitas vezes o dramaturgo sente-se obrigado a
revelar à platéia o verdadeiro estado anímico de um personagem e não
obstante não pode fazê-lo na presença dos demais personagens. No Curinga
utiliza-se recursos de outros rituais que não o teatral. Durante as disputas

46
esportivas, futebol, boxe, etc., nos intervalos entre um tempo e outro, ou
durante as paralisações temporárias e acidentais das partidas, os cronistas
atletas e técnicos que diretamente informam a platéia sobre o sucedido em
campo. Assim todas as vezes que for necessário mostrar o lado de dentro do
personagem, o Curinga paralisará a ação, momentaneamente, a fim de que ele
declare suas razões. Nestes casos, o personagem entrevistado deverá manter a
consciência de personagem, não devendo o ator assumir sua própria
consciência de hoje e aqui.
G. Exortação – A última “porção” da estrutura do espetáculo consiste na
Exortação final, em que o Coringa estimula a platéia segundo o tema tratado
em cada peça. Pode ser em forma de prosa declamada ou em canção coletiva,
ou uma combinação de ambas (BOAL, 2009, p. 279-283).

À luz dessas considerações, entende-se que o sistema curinga deflagra, de


certa maneira, uma radicalização no nosso teatro. Por um lado este sistema se propôs
como uma ruptura em relação aos teatros praticados no país, suas formas de
comunicação e sua relação com o espectador e com a dinâmica de seu tempo. Por outro
configurou-se como embrião do Teatro do Oprimido que conhecemos atualmente, e que
se coloca como outra etapa dentro das ideias evolutivas de Boal. Além disso, é possível
reconhecer-lhe empiricamente, não apenas o caráter rebelde dentro do fazer teatral, mas
a potencialidade pedagógica. Finalmente, é preciso ressaltar que o sistema curinga
constitui-se em membro vital do corpus da Poética do Oprimido, conforme veremos a
partir de agora.

2.4 A Poética do Oprimido - ruptura e avanços

Na obra “Teatro do Oprimido e outras poéticas políticas”, Boal revela,


através de um conjunto de ensaios, o alicerce de seu método teatral. Além disso,
explicita sua leitura acerca da concepção da tragédia, levando em conta o caráter
ideológico da Poética de Aristóteles, filósofo grego que viveu entre 384 e 322 a.C.
Questiona ainda as proposições de Maquiavel e Hegel, lançando um olhar aprofundado
sobre o teatro marxista de Bertolt Brecht, até chegar à formalização de sua proposta, a
Poética do Oprimido. Nesta, em suma, verificam-se rupturas e avanços em diversos
aspectos que consideramos muito favoráveis à educação de adultos, tema deste trabalho.
Para situar nossa discussão é importante verificar que, em relação ao
Ocidente, a Grécia mantém-se como a principal referência dos estudos da História do
Teatro, sobretudo por preservar cristalizada, no nosso imaginário, os pilares da cultura
ocidental que sustenta. Além disso é exatamente no interior da mitologia grega que o
teatro ocidental nasce, estabelecendo-se como parâmetro desta arte cênica e

47
atravessando os séculos até chegar aos nossos dias, conforme a seguinte explanação de
Brandão (1984) sobre o mito de Dioniso, patrono do teatro:
[...] Zeus mais uma vez apaixonou-se por uma simples mortal; a princesa
tebana Sêmele, que se tornou mãe do segundo Dioniso. Para proteger o filho
dos ciúmes de sua esposa Hera, Zeus o confiou aos cuidados de Apolo e dos
Curetes, que o criaram nas florestas do monte Parnaso. Hera, mesmo assim,
descobriu o paradeiro do jovem deus e encarregou os Titãs de raptá-lo.
Apesar das várias metamorfoses tentadas por Dioniso, os Titãs
surpreenderam-no sob a forma de touro e o devoraram. Palas Atená
conseguiu salvar-lhe o coração, que ainda palpitava. Foi esse coração que
Sêmele engoliu, tornando-se grávida do segundo Dioniso.
O segundo Dioniso, no entanto, não teve um nascimento normal.
Hera, ao saber dos amores de Zeus e Sêmele, resolveu eliminá-la.
Transformando-se na ama da princesa tebana, aconselhou-a a pedir ao amante
que se apresentasse em todo o seu esplendor. O deus advertiu a Sêmele que
semelhante pedido lhe seria funesto, mas, como havia jurado pelo rio Estige
jamais contrariar-lhe os desejos, apresentou-se-lhe com seus raios e trovões.
O palácio da princesa incendiou-se e esta morreu carbonizada. Zeus recolheu
do ventre da amante o fruto inacabado de seus amores e colocou-o em sua
coxa, até que se completasse a gestação normal.
Nascido o filho, Zeus confiou-o aos cuidados das Ninfas e dos Sátiros
do monte Nisa. Lá, em sombria gruta, cercada de frondosa vegetação, e em
cujas paredes se entrelaçavam galhos de viçosas vides, donde pendiam
maduros cachos de uva, vivia feliz o filho de Sêmele. (BRANDÃO, 1984,
p.9-10)

O autor acrescenta que do deus Dioniso ou Baco origina-se o vinho, e que o


nascimento da tragédia grega aproxima-se dos rituais em seu louvor. Nessa perspectiva
Brandão, complementa:

Certa vez, Dioniso colheu alguns desses cachos, espremeu-lhes as frutinhas


em taças de ouro e bebeu o suco em companhia de sua corte. Todos ficaram
então conhecendo o novo néctar: o vinho acabava de nascer. Bebendo-o
repetidas vezes, Sátiros, Ninfas e Dioniso começaram a dançar
vertiginosamente, ao som dos címbalos. Embriagados do delírio báquico,
todos caíram por terra semidesfalecidos.
Historicamente, por ocasião da vindima, celebrava-se a cada ano, em Atenas,
e por toda a Ática, a festa do vinho novo, em que os participantes, como
outrora os companheiros de Baco, se embriagavam e começavam a cantar e
dançar freneticamente, à luz dos archotes e ao som dos címbalos, até cair
desfalecidos. Ora, ao que parece, esses adeptos do deus do vinho
disfarçavam-se em sátiros, que eram concebidos pela imaginação popular
como "homens-bodes". Teria nascido assim o vocábulo tragédia tragoidía" =
"tragos", bode + "oidé", canto "ia", donde o latim tragoedia e o nosso
tragédia. Outros acham que tragédia é assim denominada, porque se
sacrificava um bode a Dioniso, bode sagrado, que era o próprio deus, no
início de suas festas, pois, consoante uma lenda muito difundida, uma das
últimas metamorfoses de Baco, para fugir dos Titãs, teria sido em bode, que
acabou também devorado pelos filhos de Urano e Géia. Devorado pelos
Titãs, o deus ressuscita na figura de "tragos theios", de um bode divino: é o
bode paciente, o pharmakós, que é imolado para purificação da polis
(BRANDÃO, 1984, p.9-10).

Ainda sobre a origem do teatro grego, Berthold esclarece que

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a história do teatro europeu começa aos pés da Acrópole, em Atenas, sob o
luminoso céu azul-violeta da Grécia. A Ática é o berço de uma forma de arte
dramática cujos valores estéticos e criativos não perderam nada da sua
eficácia depois de um período de 2.500 anos. Suas origens encontram-se nas
ações recíprocas de dar e receber que, em todos os tempos e lugares, prendem
os homens aos deuses e os deuses ao homem: elas estão nos rituais de
sacrifício, dança e culto (BERTOLD, 2001, p. 103)

Concordamos com esta afirmativa quando trata do teatro europeu, reiterando


ser uma referência apenas ocidental e acrescentando a ela a abordagem do teatro no
Oriente já exposta neste trabalho. Ainda sobre este panorama Boal apresenta os seus
questionamentos fundamentais possibilitando-nos compreender sobre o que, por que e
para quem ele rompe e avança com a sua poética. Neste sentido avaliamos que os pontos
centrais, aqueles que mais enfatizamos, dizem respeito à poética aristotélica e ao teatro
dialético de Bertolt Brecht.
Com o objetivo de estender as ideias em trânsito convém pensar que, de
início, temos a Poética de Aristóteles, uma obra teórica fundamental para o campo da
Estética e para os estudos de teatro. Trata-se, em realidade, de um conjunto de escritos
divididos em vinte e seis capítulos que, além de analisar os diversos aspectos da
literatura, concebe a forma da tragédia. É válido explicar que a tragédia é tida como o
primeiro gênero teatral sistematizado no mundo ocidental, e o filósofo, além de
explicitar seu formato, realiza juízo de valores sobre esta arte. Segundo a Poética
é, pois, a tragédia imitação de uma ação de caráter elevado, completa e de
extensão, em linguagem ornamentada e com várias espécies de ornamento
distribuídas pelas diversas partes (do drama), (imitação que se efetua) não por
narrativa, mas mediante de atores, e que suscitando o terror e a piedade, tem
por efeito a purificação dessas emoções (ARISTÓTELES apud SOUSA, 1986,
p.110).

É possível constatar que a base das profundas reflexões de Boal para a


criação da Poética do Oprimido está inicialmente na crítica a este sistema. Nota-se,
assim, que a tragédia resvala, de certo modo, em questões que ultrapassam a arte em si,
como aquelas de ordem política e social. Sobre isto, registramos a seguinte descrição de
Arnold Hauser:
a tragédia é a criação mais característica da democracia ateniense; em
nenhuma outra forma artística os conflitos interiores da estrutura social estão
mais clara e diretamente apresentados. Os aspectos exteriores do espetáculo
teatral para as massas eram, sem dúvida, democráticos. Mas o conteúdo era
aristocrático. Exaltava-se o indivíduo excepcional, diferente de todos os
demais mortais: isto é, o aristocrata. O único progresso feito pela democracia
ateniense foi o de substituir gradualmente a aristocracia de sangue pela
aristocracia do dinheiro. Atenas era uma democracia imperialista e as suas
guerras traziam benefícios apenas para a parte dominante da sociedade. [...] A

49
tragédia grega é francamente tendenciosa. O Estado e os homens ricos
pagavam as produções e naturalmente não permitiam encenação de peças e
conteúdo contrário ao regime vigente (HAUSER apud BOAL, 2009, p. 33).

Por este viés Boal preocupa-se não apenas com o aspecto formal proposto
no sistema Aristotélico, pois também entende que com a formalização da tragédia na
Grécia
as classes dominantes apropriaram do teatro e construíram muros divisórios.
Primeiro dividiram o povo, separando atores de espectadores: gente que faz e
gente que observa. Terminou-se a festa! Segundo, entre os atores, separou os
protagonistas das massas: começou o doutrinamento coercitivo! (BOAL, 2009,
p. 177).

De fato, estamos diante de uma proposta intimidatória, já que a tragédia


intenta provocar a purificação das emoções do espectador por meio do terror e da
piedade provocados pela representação do drama. Em outros termos, incita a catarse
(katarsis), o que se pode observar em todas tragédias escritas, seja em Ésquilo, Sófocles
ou Eurípedes, os três autores trágicos que conhecemos.
Diante de sua importância, consideramos necessária uma explicação
pormenorizada sobre o gênero em pauta. Entendemos que a tragédia é estruturada como
uma partitura que fixa, em cada uma de suas partes, as ações dos personagens e do coro
presentes na narrativa. É composta de prólogo, episódio, êxodo, canto coral, párodo e
estásimo. Algumas peculiaridades de determinadas tragédias podem ser notadas através
dos cantos dos atores e do comos, uma espécie de canto de lamentação.
Analisando o que Boal entende como coerção sistemática, tomamos como
exemplo “Édipo Rei”, de Sófocles, tida por Aristóteles como a mais perfeita das
tragédias. Essa conhecida história nos mostra que Laio, Rei de Tebas soube, após
consultar o oráculo de Delfos, que uma maldição estaria por acontecer: ele seria
assassinado pelo próprio filho que, ainda insatisfeito, casar-se-ia com a própria mãe,
Jocasta. Para uma melhor compreensão deste enredo faz-se oportuna a sua narração
completa.
Nasce o filho de Laio e Jocasta, que, em seguida, é abandonado pelo pai no
monte Citéron, localizado no centro da Grécia, após ter os pés perfurados. Em razão
disso recebe o nome de Édipo, que significa “pés inchados”, de um pastor que o
encontra e o entrega a outro, de Corinto. Este, por sua vez, leva a criança ao rei Políbio
que, com zelo, cuida dela como seu legítimo filho.

50
Na juventude, em dúvida se era ou não filho do rei de Corinto, Édipo vai a
Delfos encontrar-se com o oráculo, que acaba não esclarecendo quem são os seus pais
verdadeiros. Entretanto, revela categoricamente que Édipo mataria o pai e se casaria
com a mãe. Na tentativa de fugir do anunciado, o jovem abandona os pais adotivos e sua
cidade.
Um incidente muda o rumo da trama; em um trívio, após sofrer uma
agressão, Édipo desfere um golpe mortal em um homem que, acompanhado por uma
comitiva, viajava em uma carruagem.
Tempos depois, Édipo chega a Tebas, justamente no período em que a
Esfinge lançava seu terror sobre a cidade, cuja rainha, viúva, encontrava-se em apuros
junto a seu povo. Para salvarem-se precisariam encontrar um homem que desvendasse o
enigma da Esfinge. Do contrário encontrariam, como tantos outros antes deles, morte
certeira no fundo de um precipício.
“Que criatura pela manhã tem quatro pés, no meio dia tem dois e a tarde tem
três?” Esta era a pergunta do monstro que Édipo decifrou ao dizer: - o homem, pois em
tenra idade engatinha, quando adulto caminha ereto com os dois pés e, na velhice,
caminha apoiando-se em uma bengala. Sua resposta deu fim à Esfinge e fê-lo rei
querido e honrado de Tebas, casado com Jocasta e tendo com ela quatro filhos:
Antígona, Ismênia, Etéocles e Polinice.
Mais tarde Tebas é fatidicamente acometida por uma praga que atinge todos
os seres vivos. Na tentativa de acabar com esta nova maldição Creonte, cunhado de
Édipo, irmão de sua esposa, consulta o oráculo de Delfos e descobre que tal desgraça
somente findará quando descobrirem o responsável pela morte de Laio.
Por sua vez Édipo sente-se perseguido após ter consultado o profeta cego
Tirésias, e aos poucos, mesmo tentando fugir do que lhe fora destinado, descobre o
inevitável: o homem que ele abatera até a morte era Laio, seu pai, e a mulher com quem
dividira o leito era sua mãe, Jocasta.
Neste drama Édipo é o herói trágico, conceito presente na Poética e nascido
quando o Estado começava a utilizar o teatro para fins políticos (BOAL, 2005). Esse
personagem apresenta-se com dois aspectos amalgamados: o ethos e a dianóia,
significando respectivamente a ação e o pensamento do personagem. O espectador, por
sua vez, estabelece uma identificação, chamada empatia.
É necessário observar que na tragédia há ainda a harmatia, ou falha trágica,
a desencadeadora do conflito. A título de contextualização, Édipo torna-se um homem

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de poder, um rei estimado, mas a falha é demonstrada por seu orgulho e soberba, como
pode-se observar no áspero diálogo com Tirésias, quando o primeiro tenta negar a
própria hybris - seus excessos, seus pecados:
TIRÉSIAS - Pois eu asseguro que te uniste, criminosamente, sem o saber
àqueles que te são mais caros; e que não sabes ainda a que desgraça te
lançou!

ÉDIPO – Crês tu que assim continuarás a falar, sem conseqüências?

TIRÉSIAS - Certamente! Se é que a verdade tenha alguma força!

ÉDIPO – Sim! Ela tem; mas não em teu proveito! Em tua boca, ela já se
mostra fraca... Teus ouvidos e tua consciência estão fechados, como teus
olhos.

TIRÉSIAS - E és tu, ó rei infeliz! – que me fazes agora esta censura... Mas
um dia virá, muito breve, em que todos, sem exceção, pior vitupério hão de
formular contra ti!

ÉDIPO – Tu vives na treva... Não poderias nunca ferir a mim, ou a quem quer
que viva em plena luz.

TIRÉSIAS - Não é destino teu cair vítima de meus golpes. Apolo para isso
bastará, pois tais coisas lhe competem.

ÉDIPO – Isso tudo foi invenção tua, ou de Creonte?

TIRÉSIAS - Creonte em nada concorreu para teu mal; tu somente és teu


próprio inimigo.

ÉDIPO – Ó riqueza! Ó poder! Ó glória de uma vida consagrada à ciência,


quanta inveja despertais contra o homem a quem todos admiram! Sim!
Porque do império que Tebas pôs em minhas mãos sem que eu o houvesse
pedido, resulta que Creonte, meu amigo fiel, amigo desde os primeiros dias,
se insinua sub-repticiamente sob mim, e tenta derrubar-me, subornando este
feiticeiro, este forjador de artimanhas, este pérfido charlatão que nada mais
quer, senão dinheiro, e que em sua arte é cego. Porque, vejamos: dize tu,
Tirésias! Quando te revelaste um adivinho clarividente? Por que, quando a
Esfinge propunha aqui seus enigmas, não sugeriste aos tebanos uma só
palavra em prol da salvação da cidade? A solução do problema não devia
caber a qualquer um, tornava-se necessária a arte divinatória. Tu provaste,
então que não sabias interpretar os pássaros, nem os deuses. Foi em tais
condições que eu aqui vim ter, eu que nada sabia; eu, Édipo, impus silêncio à
terrível Esfinge; e não foram as aves, mas o raciocínio o que me deu a
solução. Tentas agora afastar-me do poder, na esperança de te sentares junto
ao trono de Creonte!... Quer me parecer que a ti, e a teu cúmplice, esta
purificação de Tebas vai custar caro. Não fosse tu tão velho, e já terias
compreendido o que resulta de uma traição! (SÓFOCLES, 1985 p. 31).

Édipo estava enganado; no auge de seu poder e glória, começa a ver o


mundo ruir em sua volta. É estabelecida, assim, a peripécia, uma reviravolta no interior
do drama e na percepção do espectador. Dando continuidade, Tirésias revela o que não é
mais possível negar a Édipo:

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TIRÉSIAS – Vou-me embora, sim; mas antes quero dizer o que me trouxe
aqui, sem temer tua cólera, porque não me podes fazer mal. Afirmo-te, pois: o
homem que procuras há tanto tempo, por meio de ameaçadoras proclamações,
sobre a morte de Laio, está aqui! Passa por estrangeiro domiciliado, mas logo
verá que é tebano de nascimento, e ele não se alegrará com essa descoberta.
Ele vê, mas tornar-se-á cego; é rico e acabará mendigando; seus passos o
levarão à terra do exílio onde tateará o solo com seu bordão. Ver-se-á,
também, que ele é, ao mesmo tempo, irmão e pai de seus filhos, e filho e
esposo da mulher que lhe deu a vida; e que profanou o leito de seu pai, a
quem matara. Vai, Édipo! Pensa sobre tudo isso em teu palácio; se me
convenceres de que minto, podes, então declarar que não tenho nenhuma
inspiração profética (SÓFOCLES, 1985 p. 33).

A revelação era verdadeira. O herói, descontente, buscou a todo custo algo


que contrariasse este anúncio, mas não teve êxito. Boal esclarece que, neste caso, a
“peripécia” vivenciada pelo personagem se reproduz igualmente no espectador, que
continua ligado a ele empaticamente, mas de forma vicária. O personagem trágico,
Édipo, reconhece seu erro, confessando-o; tal reconhecimento é chamado anagnorisis.
Após uma sucessão de testemunhos, o rei de Tebas se pronuncia:
ÉDIPO – Oh! Ai de mim! Tudo está claro! Ó luz, que eu te veja pela
derradeira vez! Todos sabem: tudo me era interdito: ser filho de quem sou,
casar-me com quem me casei... e... eu matei aquele a quem eu não poderia
matar! (SÓFOCLES, 1985 p. 59)

Reconhecido o erro, surgem as consequências determinadas pela


“catástrofe”, que se traduz como um final marcado pelo horror, que neste caso começa
quando Jocasta suicida-se e Édipo perfura os próprios olhos, ato que pretende provocar
no espectador a catarse, levando à purificação da falha trágica. Fechando a lição da
tragédia “Creonte” - que assume o trono - e o “Corifeu” proferem as últimas palavras, o
primeiro dirigindo-se a Édipo e o segundo aos tebanos:
CREONTE – Não queiras satisfazer todas as suas vontades, Édipo! Bem
sabes que tuas vitórias anteriores não te asseguram a felicidade na vida!

CORIFEU – Habitantes de Tebas, minha Pátria! Vede este Édipo, que


decifrou os famosos enigmas! Deste homem tão poderoso, quem não sentirá
inveja? No entanto, em que torrente de desgraças se precipitou! Assim, não
consideremos feliz nenhum ser humano, enquanto ele não tiver atingido, sem
sofrer os golpes da fatalidade, o termo de sua vida (SÓFOCLES, 1985 p. 66).

No escopo dessas observações e aprofundando o funcionamento da


formulação aristotélica reiteramos nossa concordância com Boal, que a considera um
sistema coercitivo e doutrinário. Isto é perceptível na obra de Sófocles, que deixa
evidente a busca pela purgação de elementos anti-sociais da sociedade grega.
Além disso, é relevante observar que neste teatro o espectador identifica-se
com o herói trágico por empatia, acompanhando-o até o momento da peripécia que

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transforma a trajetória do drama. Havendo a falha do personagem e seu reconhecimento
posterior, ocorre uma ação catastrófica para a purificação de ambos, espectador e
personagem. No entanto, em todo este percurso o espectador, acometido pelo efeito
catártico, em nada interfere e, portanto nada transforma. Não há influência deste nem na
narrativa nem na ação dramática.
Boal também refere-se a Maquiavel como o iniciador da poética da virtù.
Maquiavel surge no período de transição entre o teatro feudal e o teatro burguês, o teatro
do final da idade média. O primeiro, com toda a carga medieval, caracterizava-se pela
formalidade abstracionista; os personagens feudais eram seres tipificados, recebiam
nomes como Luxuria, Pecado, Virtude, Anjo e Diabo. As peças teatrais possuíam
intenção moralizadora e podiam esquematicamente ser divididas em dois grupos: as
peças de pecado e as peças de virtude (BOAL, 2009). O teatro medieval é tido também
como aristotélico e coercitivo, devido a sua função doutrinária por força dos desígnios
da igreja católica. Com Maquiavel, porém, os personagens se humanizam,
acompanhando a evolução e o estabelecimento da burguesia.
A nova classe não poderia jamais utilizar as abstrações artísticas existentes,
mas ao contrário devia voltar-se para a realidade concreta e nela procurar suas
formas de arte. Não podia tolerar que os personagens continuassem sendo os
mesmos valores oriundos do Feudalismo. Precisava criar, no palco e nos
quadros, homens vivos de carne e osso, especialmente o homem virtuoso.
(BOAL, 2009, p. 111)

Maquiavel propôs a libertação do homem de todos os valores morais. Foi


uma espécie de desmistificador da verdade eterna o que é verificado, em especial, na
peça “A Mandrágora”, escrita em 1503, em que os personagens situam-se em espaço e
temporalidade identificáveis pelo público. Na poética de Maquiavel vê-se o valor
individual do homem vivo e concreto, existente no mundo real. Aqui o personagem
burguês nada deve ao seu destino ou à sua fortuna, mas tão somente à sua própria virtù,
que, aliada à concepção de práxis, compõe os fundamentos da classe burguesa. Neste
sentido Boal, também como crítico desta poética da virtù, pontua as palavras de Martin
(2009).
Homens virtuosos no sentido maquiaveliano, [...] “aproveitavam ao máximo
todas as suas forças potenciais, procurando eliminar todos os elementos
emotivos e vivendo num mundo puramente intelectual e calculador. O intelecto
carece em absoluto de caráter moral. É neutro como o dinheiro” (VON
MARTIN Apud BOAL, 2009, p. 112)

Boal apresenta a poética de Hegel, assim como a aristotélica, como


idealista, e expõe a diferença entre estas e a poética marxista de Bertolt Brecht. Segundo

54
ele, para Hegel, que viveu entre os séculos XVIII e XIX, a natureza de sujeito do
personagem, caracterizado por todas as suas ações exteriores, tem origem no seu espírito
livre, como se este fosse sujeito absoluto no drama. Em Brecht o personagem é objeto
de forças econômicas ou sociais, às quais responde e em virtude das quais atua. (BOAL,
2009)
O teatro que compõe o gênero dramático é, para Hegel, a combinação de
dois princípios: o primeiro é o da objetividade, que caracteriza o gênero épico com o
princípio da subjetividade relativo ao gênero lírico - no drama, as ações dos personagens
são mostradas de forma viva, ao alcance dos olhos do espectador, e nisto consiste o
caráter objetivo da ação; o caráter subjetivo dos motivos interiores que movem o
personagem e seu destino só pode, segundo o filósofo alemão, ser resultado de suas
paixões e ações. (BOAL, 2009). Com esta análise o teatrólogo lança olhar crítico sobre a
poética hegeliana e introduz sua visão acerca da poética brechtiana, que está em
contraposição a outras poéticas políticas, conforme o trecho abaixo.
Vemos assim que na poesia dramática coexistem a objetividade e a
subjetividade, mas é importante notar que, para Hegel, esta precede aquela: a
“alma” é o sujeito que determina toda a ação exterior e interior. Como em
Aristóteles, eram igualmente as paixões convertidas em atos as que moviam a
ação. Nestes dois filósofos, o drama mostra a colisão exterior de forças
originadas no interior, isto é, o conflito objetivo de forças subjetivas. Para
Brecht [...] tudo acontece à inversa. (BOAL, 2009, p.144)

A abordagem destas duas poéticas é fundamental para compreender a


poética do oprimido, mas é no teatro de Brecht que encontramos maior similaridade
com a obra de Boal.
No século XX admite-se, portanto, que uma das definições rejeitadas
fundamentalmente na poética brechtiana é a própria catarse (kátarsis). Para Aristóteles a
tragédia, pela compaixão e terror, provoca a catarse. A “mimese”, que também na
tragédia é a imitação da realidade, proporciona ao espectador o gozo, o entusiasmo e a
identificação emocional com o drama. Brecht, contrariamente, introduz um teatro de
postura marxista, interessando-se por um espectador pensante e por um teatro que, de
certo modo, possa mobilizar o público para uma ação política e transformadora.
Observa-se que o artista alemão promove um avanço nos propósitos
estéticos, formais e filosóficos. Busca eliminar a quarta parede22, provocando uma

22
Parede imaginária que separa o palco da platéia. No teatro ilusionista (ou naturalista), o espectador
assiste a uma ação que se supõe rolar independentemente dele, atrás de uma divisória translúcida. Na
qualidade de voyeur, o público é instado a observar as personagens, que agem sem levar em conta a platéia,
como que protegidas por uma quarta parede. Molière, no “Improviso de Versalhes”, já se perguntava "se a

55
ruptura em relação à forma ao propor a retirada do véu da ilusão que separa o
espectador do espetáculo representado. Não obstante, rompe a fronteira histórica do
teatro e faz com que a obra se preste a este espectador que, por sua vez, passa a se valer
do drama como partícipe e não como um mero fruidor entorpecido, deslocado da
essência da representação ofertada. O teatro então modifica-se, sendo o espectador o
alvo determinante deste novo pensamento. Surge o que chamaríamos de “novo
espectador”. Vejamos o quadro comparativo.
QUADRO 1
Comparação entre Forma Dramática e Forma Épica

Forma dramática Forma épica


Nesta visão aristotélica o espectador De acordo com esta perspectiva de Brecht,
é levado a se envolver com fatos o espectador é conduzido a refletir sobre
que imitam a realidade. Fatos apresentados em cena com caráter
marca ontológica (grifo nosso) narrativo.
marca práxis – ação transformadora (grifo nosso)
O palco encarna um fato O palco narra um fato
Envolve o espectador em uma ação Transforma o espectador em observador do fato,
mas
Consome sua atividade Desperta sua atividade
Proporciona-lhe sentimentos Obriga-o a tomar decisões
Comunica-lhe vivências Comunica-lhe conhecimentos
O espectador é envolvido em uma Ele é colocado em face a esta ação
ação
Utiliza-se a sugestão Utiliza-se argumentos
As sensações são conservadas As sensações são levadas até o reconhecimento
O homem é dado como conhecido O homem é objeto de pesquisa
O homem é imutável O homem mutável e em transformação
Seus impulsos Seus motivos
O homem imutável mente Segundo curvas irregulares
Natura non facit saltus Facit saltus
(a natureza não dá saltos) (há saltos)
O mundo como ele é O mundo como ele se torna

Fonte: BRECHT, 1967, p. 96-9.

Brecht determina esquematicamente, como descrito no quadro acima, a


distinção entre a “função dramática” aristotélica e a sua “função épica”. Aproveitamos a
oportunidade para expor o horizonte onde incidem seus preceitos, demonstrando sua

quarta parede invisível não dissimula uma multidão que nos observa" e Diderot reconhecia sua realidade:
"seja compondo, seja interpretando, pensem também no espectador como se ele não existisse. Imaginem, na
beira do palco, uma grande parede que os separa da platéia; atuem como se o pano não se levantasse" (Sobre
a Poesia Dramática, 1758, XI: 66). O realismo e o naturalismo levam ao extremo essa exigência de
separação entre palco e platéia, ao passo que o teatro contemporâneo quebra deliberadamente a ilusão,
(re)teatraliza a cena, ou força a participação do público. Uma postura dialética parece ser mais apropriada:
existe separação entre palco e platéia e isso pode sofrer várias transformações, e ora eles estão apartados,
ora juntos, sem que uma coisa elimine a outra, e o teatro vai vivendo dessa constante denegação (PAVIS,
1999, p.315-316).

56
preocupação com as causas sociais ao utilizar o teatro como um instrumento de luta,
munido de grande força ideológica.
Ainda em forma de esquema, Brecht apresenta uma insigne analogia
referente à mobilização do espectador.
O espectador do teatro dramático diz: Sim, eu também senti isso. – É assim
que eu sou. – Sempre será assim. – O sofrimento desta pessoa me compunge
porque não há saída para ela. – isto é a verdadeira arte: tudo é evidente por
si com aqueles que estão rindo (Pensamento aristotélico).

O espectador épico diz: Eu não teria pensado nisso. – Não se deve agir
assim. – Isto não pode continuar. – O sofrimento desta pessoa me compunge
porque sem dúvida haveria uma saída pra ela. – Isto é a verdadeira arte:
nada aí é evidente por si mesmo. – Eu rio dos que estão chorando e choro
dos que estão rindo (Pensamento brechtiano) (BRECHT, 1967, p.96-97).

Compreendemos que Boal transgride a normatização aristotélica sem, no


entanto, negar sua eficácia, e ultrapassa a proposta do teatro épico. Por este viés indica
que, com a tragédia, o espectador se emociona e purifica suas falhas, enquanto para
Brecht o espectador é levado a refletir sobre o drama. Já a poética do oprimido vai ainda
mais além. Acerca do théatron, por exemplo, Boal salienta que passa a ser um lugar onde
o espectador aprecia, reflete e interfere diretamente no proskenion, o palco cênico. Aliás,
justamente neste pensamento consistem a ruptura e os avanços do Teatro do Oprimido.
Constatamos o caráter dialógico, conscientizador e rebelde deste sistema teatral;
situações de opressão são representadas e analisadas em um fórum democrático, onde
toda e qualquer opinião é válida desde que possua o intuito de reverter, amenizar ou
possibilitar novas reflexões acerca do problema encenado. O espectador atua e se
transforma em espect-ator: expressão usada por Boal para definir que, no Teatro do
Oprimido, as pessoas podem ser espectadores e também atores: observadores e, ainda,
atuantes.
Compreendemos que o que indicamos como ruptura e avanço da poética do
oprimido se faz presente nas seguintes afirmativas de Augusto Boal:
[...] A poética de Aristóteles é a Poética da Opressão: o mundo é dado como
conhecido, perfeito ou a caminho da perfeição, e todos os seus valores são
impostos aos espectadores. Estes passivamente delegam poderes aos
personagens para que atuem e pensem em seu lugar. Ao fazê-lo, os
espectadores se purificam de sua falha trágica – isto é, de algo capaz de
transformar a sociedade. Produz-se a catarse do ímpeto revolucionário! A
ação dramática substituía a ação real.
A poética de Brecht é a poética da conscientização: o mundo se revela
transformável e a transformação começa no teatro mesmo, pois o espectador já
não delega poderes ao personagem para que pense em seu lugar, embora
continue delegando-lhe poderes para que atuem em seu lugar. A experiência é
reveladora ao nível da consciência, mas não globalmente no nível da ação. A

57
ação dramática esclarece a ação real. O espetáculo é uma preparação para a
ação.
A poética do oprimido é essencialmente uma Poética da Liberação: o
espectador já não delega poderes aos personagens nem para que pensem nem
para que atuem em seu lugar. O espectador se libera: pensa e age por si
mesmo! Teatro é Ação! (BOAL, 2006, p. 236-237)

No contexto das poéticas políticas apresentadas consideramos que a figura do


espectador é determinante nesta discussão. Nesse sentido, se Aristóteles preza pelo
doutrinamento e Brecht pela reflexão do espectador, com o teatro do oprimido Boal
deseja que
o espectador se assuma como Ator, invada a personagem e o palco, ocupe seu
espaço e proponha soluções.
Essa invasão é transgressão simbólica. Simbólica de todas as transgressões
que teremos que fazer para que nos libertemos de nossas opressões. Sem
transgressão – não necessariamente violenta! Sem transgressão dos costumes,
da situação opressiva, dos limites impostos, ou da própria lei, que deve ser
transformadora – sem transgressão não há libertação. Libertar-se é
transgredir, transformar. É criar o novo, o que não existia e passa a existir.
Libertar-se é transgredir. Transgredir é ser. Libertar-se é ser.
Invadindo a cena, o espectador pratica, conscientemente, um ato responsável:
a cena é uma representação do real, uma ficção; ele, porém, espectador, não é
fictício: existe em cena e fora dela – metaxis – o expectador é uma realidade
dual. Invadindo a cena, na ficção do teatro, pratica um ato, não só na ficção,
mas também na realidade social, que é a sua. Transformando a ficção, ele se
transforma a si mesmo.
Libertar-se é ser (BOAL, 2000, p. 313).

Em seguida, propomos um espaço para a apresentação da síntese e das


reflexões feitas até o presente momento.

2.5 Síntese e reflexões

Julgamos necessário retomar, de modo sintético e reflexivo, o que foi


discutido até aqui. Interessou-nos enfatizar a contextualização histórica para uma melhor
compreensão do teatro no Ocidente e no Oriente, buscando elementos que contribuíssem
para a abordagem do teatro na educação de adultos. Partindo desse pressuposto
apresentamos, no decorrer deste capítulo, alguns comentários sobre o panorama
geográfico, temporal e teórico, com o intuito de esclarecer que a metodologia criada por
Augusto Boal faz parte da dinâmica universal do teatro, que pressupõe reflexão e
mudança de olhar sobre o fazer artístico.
Em sequência consideramos importante explicar que no extremo Oriente,
sobretudo no que se refere às manifestações tradicionais que perduram até os dias atuais,

58
a educação teatral é baseada no virtuosismo e em processos pedagógicos rigorosamente
pautados na técnica o que exige, além de disciplina por parte do praticante, alguns
requisitos relativamente seletivos. Por exemplo, aqueles relacionados à idade e à
corporeidade “adequadas”, aspectos altamente questionáveis se associados à EJA, que é
nosso foco neste trabalho.
Além disso, este capítulo pretendeu demonstrar que o surgimento do teatro
como manifestação artística formalizada, mesmo tendo a Grécia como referência para o
Ocidente, possibilita-nos outro campo de análise, incitado pela seguinte questão: como
podemos considerar que o teatro surge com os gregos se temos um tratado específico
para o teatro originado na Índia, o Nāṭyaśāstra? Segundo pensamos, esta constatação já
serviria como um elemento importante para uma abordagem histórica que servisse ao
ensino de teatro.
Sobre o Brasil, o nosso objetivo foi inserir o teatro de Augusto Boal no
espaço e no tempo, de modo a contextualizá-lo junto às grandes mudanças no país e no
mundo. Sejam de ordem política, social, econômica ou cultural tais transformações
causaram impacto e originaram uma nova visão e um modelo brasileiro de criação
teatral no interior do Teatro de Arena de São Paulo, onde foi desenvolvido o sistema
curinga.
O conteúdo apresentado é também um esforço para destacar que o sistema
curinga, assim como o posterior advento do Teatro do Oprimido, é resultante de uma
ruptura com os preceitos formais e políticos presentes nas poéticas de Aristóteles,
Maquiavel, Hegel e Brecht. Demos ênfase ao teatro épico ou dialético, pois, mesmo que
o poeta alemão tenha lançado uma nova proposta no início do século passado, a figura
do espectador ainda se limitava a apreciar e refletir sobre o drama. Nessa direção, Boal
inova e cria um teatro no qual o público pode interferir e participar integralmente. Como
prova de que essa investida foi bem recebida, o consagrado diretor americano Richard
Scherchner23 declarou publicamente que “Boal conseguiu fazer aquilo que Brecht
apenas sonhou e escreveu: um teatro alegre e instrutivo. Uma forma de terapia social
[...]”24. Como justificativa para esse reconhecimento, podemos apontar a sua capacidade
de ler, refletir e reinventar o teatro.

23
Richard Schechner é diretor teatral, norte americano, teórico e professor de Performance, editor do
The Drama Review e diretor artístico do East Coast Artists. É um dos fundadores dos Estudos da
Performance, departamento da Tisch School of the Arts, New York University (NYU).
24
Esta declaração encontra-se na quarta capa do livro “Teatro do Oprimido e outras poéticas políticas”
de Augusto Boal, 9ª edição.

59
Boal vasculhou com profundidade o teatro ocidental, adentrou suas
partículas mais teóricas e conseguiu uma transposição temporal. Em outras palavras,
promoveu avanços formais num percurso milenar que vai de Aristóteles a Brecht,
adequando o teatro ao seu tempo ad corpus e, assim, configurando sua percepção da
historicidade. É relevante mencionar que sua proposta supera, inclusive, alguns
preceitos notados no teatro Oriental, embora sua obra não trate desta questão. Aliás, esta
é uma descoberta que apresentamos e que de fato mostrou-se útil para nossa
investigação no campo educacional: em Boal, o que se destaca não é a destreza técnica
do praticante, mas sua capacidade de expressão, de acordo com suas possibilidades
gerais.
Ademais, mostramos, neste capítulo, como se dão as rupturas e os avanços
que mencionamos, chegando ao entendimento de que os esforços de Augusto Boal, além
de oferecerem uma nova postura para o teatro contemporâneo conseguiram instaurar
uma metodologia de natureza educativa e pedagógica, o que pode ser verificado nos
comentários abaixo.
A Cultura, a Educação e a Pedagogia, através do diálogo e o escambo, ativam
nossos neurônios estéticos – aqueles que são capazes de processar idéias
abstratas e emoções concretas, como faz a Arte – e promovem a mais ampla
percepção do mundo e a abertura de veredas e caminhos, pois, como disse o
poeta espanhol Antônio Machado, o caminho não existe, o caminho quem o
faz é o caminhante ao caminhar (BOAL, 2009 p. 248).

Finalmente, admitimos que a síntese da ruptura e dos avanços proposta por


Augusto Boal através de sua metodologia pretende converter o espectador em “espect-
ator”. (JAPIASSU, 2005). No entanto, esta percepção está apenas sendo adiantada, a fim
de amalgamar a argumentação em curso; como foi constatada no campo de pesquisa,
será melhor discutida a seguir. Para o presente consideramos válido deixar o registro, a
propósito do que fora debatido até então, de que ao longo das investigações para a
elaboração desta pesquisa o espectador se fez presente e nos deu provas de que teatro é,
realmente, ação.

60
3. UMA ABORDAGEM SOBRE PAULO FREIRE E AUGUSTO BOAL -
PROXIMIDADES ENTRE A PEDAGOGIA DO OPRIMIDO E O TEATRO DO
OPRIMIDO

Neste capítulo nos propomos a apontar a proximidade entre o pensamento


educacional de Paulo Freire e o teatro político de Augusto Boal. Iniciaremos com uma
síntese biográfica de ambos os autores, utilizando, como referência para o primeiro, a
biografia “Paulo Freire – Uma História de Vida”, escrita por Ana Maria Araújo Freire,
segunda esposa do autor, e publicada em 2006. A autobiografia “Hamlet e o Filho do
Padeiro – Memórias Imaginadas”, publicada em 2000, guiará nosso estudo sobre o
segundo. Trataremos resumidamente das categorias “opressor” e “oprimido”
destacando, em seguida, aspectos análogos encontrados, principalmente, nas obras
“Pedagogia do oprimido” e “Teatro do oprimido e outras poéticas políticas”, sempre na
perspectiva da EJA.
Esclarecemos ainda que assumimos nesta parte do texto uma escrita
referente a relatos históricos, com reflexões sobre algumas categorias e conceitos
extraídos da principal obra de Paulo Freire, considerando as ligações com a concepção
teatral de Augusto Boal à medida que apareçam. Para ampliar a abordagem utilizamos
como alicerce a tese de doutorado de Tânia Macia Baraúna Teixeira, que
apresentaremos aqui. Ainda utilizamos a oportunidade para criar um diálogo com a
referida pesquisa, evidenciando nossa própria perspectiva em relação ao que a autora
considera como “pontos de ligação” entre o educador e o teatrólogo brasileiros.

3.1 Síntese biográfica de Paulo Freire

Paulo Reglus Neves Freire nasceu na cidade do Recife, em 19 de setembro


de 1921, filho de Joaquim Themístocles Freire e Edeltrudes Neves Freire. O pai era
oficial de carreira da Polícia Militar pernambucana e a mãe, dona de casa. Iniciou a
alfabetização com apenas quatro anos. As primeiras leituras foram “palavras escritas
com gravetos caídos das mangueiras, à sombra delas no chão do quintal da casa onde
nasceu, no bairro da “Casa Amarela” (FREIRE, 2006).
É oportuno mencionar que Paulo Freire recebeu educação católica. No final
dos anos vinte, devido à crise de 1929, sua família transferiu-se para Jaboatão, cidade a
18 quilômetros da capital de Pernambuco, e foi lá que ele completou os seus primeiros

61
anos de estudante. Mais tarde freqüentou, através de uma bolsa de estudos, o
conceituado Colégio Oswaldo Cruz, em Recife, onde também lecionou Português. Em
1944 casou-se com a professora primária e colega de trabalho Elsa Maria Costa
Oliveira, com quem teve cinco filhos. Formou-se na Faculdade de Direito do Recife em
1947, mas nunca exerceu, na prática, a profissão de advogado.
Ainda neste ano o futuro educador passou a trabalhar no SESI, dando início
a um período que posteriormente chamou de “fundante”. Foi promovido ao cargo de
diretor da Divisão de Divulgação, Educação e Cultura, o que permitiu que inovasse as
práticas educativas em curso (FREIRE, 2005). Em 1963, junto ao MCP - Movimento de
Cultura Popular do Recife- Freire desenvolveu o método de alfabetização de adultos
(BEISIEGEL, 2010). A propósito sabe-se que foi precisamente a partir das experiências
no pequeno município de Angicos, no Rio Grande do Norte, que o trabalho do educador
pernambucano despertou a atenção do restante do país, atraindo inclusive o interesse do
presidente João Goulart; tratava-se de um método que possibilitara a alfabetização,
naquela cidade, de trezentos trabalhadores rurais em apenas 40 horas. A partir daí surge
o PNA – Programa Nacional de Alfabetização, que tencionava, através do “Método
Paulo Freire”, alfabetizar e politizar cinco milhões de adultos (FREIRE, 2005).
Para uma melhor compreensão do tema, convém destacar o seguinte trecho
acerca do autor e de sua proposta:
ele criou uma proposta de educação tão transformadora e um método tão
importante para a construção de uma educação voltada para a cidadania, que
aquilo se espalhou muito rapidamente e passou a influenciar movimentos
muito importantes, como o Movimento de Cultura Popular, Movimento de
Educação de Base, setores estudantis, setores da igreja. E isso acabou sendo
coroado com a chegada de Paulo Freire ao Ministério da Educação e o fato
dele dirigir uma das mais importantes campanhas nacionais de alfabetização
(BARRETO, 2010, p. 13).

Nos últimos meses de 1963 a campanha, liderada por Freire, estendeu-se


com êxito pelo país, mas no início de 1964, com a tomada do poder pelos militares, foi
completamente inviabilizada. A ditadura prolongou-se por longo período, o que
significou um grande golpe à educação de adultos em todo o Brasil. Paulo Freire foi
preso duas vezes durante o regime: a primeira em junho de 1964 e outra, mais tarde, que
durou cerca de cinqüenta dias em celas de vários quartéis de Olinda e Recife (FREIRE,
2006).
Em outubro de 1964 o educador brasileiro partiu para o exílio, começando
pela Bolívia. Entretanto continuou a desenvolver seu pensamento e práticas

62
educacionais, seja na América Latina ou na África. No Chile permaneceu do final do
ano do golpe até 1969, onde trabalhou no INDAP – Instituto de Dessarollo
Agropecuário com educação popular; junto ao Ministério de Educação e atuou em
processos de alfabetização e pós-alfabetização de adultos do meio rural. Contratado pela
UNESCO também atuou como consultor do ICRA – Instituto de Capacitación y
Investigación en Reforma Agrária. Nesta fase fecunda o pensador escreveu “Pedagogia
do oprimido”, “Extensão ou comunicação” e publicou “Educação como prática da
liberdade”.
Do Chile Freire partiu para os Estados Unidos onde atuou como professor
visitante na Universidade de Havard. Posteriormente mudou-se para a Suíça, onde fez
parte do CMI – Conselho Mundial de Igrejas.25 Ainda neste país o educador criou, com
um grupo de brasileiros, o IDAC – Instituto de Ação Cultural - que tinha o objetivo de
aprofundar o estudo das práticas de Paulo Freire antes do golpe de 1964. Com este
instituto participou, a partir de 1973, de projetos importantes para a educação de adultos
operários na Itália, envolvendo-se ainda no movimento feminista articulado na Suíça.
Em 1975 Freire começou a desenvolver trabalhos relevantes na África, especialmente
em Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe.
Em agosto de 1979, aos 58 anos, Paulo Freire retornou ao Brasil. Seu exílio,
assim como o de Boal, durou 15 anos. Na ocasião do retorno o educador pernambucano
filiou-se ao Partido dos Trabalhadores, tornando-se Secretário de Educação da cidade de
São Paulo na gestão da prefeita Luiza Erundina, em 1989, cargo que ocupou até maio de
1991. Além disso, foi professor da PUC de São Paulo e da UNICAMP. No ano de 1988
casou-se pela segunda vez, com Ana Maria Araújo Freire, com quem viveu até seus
últimos dias.
Suas atividades acadêmicas em instituições brasileiras e estrangeiras
continuaram durante os anos noventa, assim como a produção de livros, que difundiam a
contínua maturação de seus pensamentos educacionais. Sua produção bibliográfica é
composta por mais de setenta publicações em diversos idiomas.
Em 1993 seu nome foi apontado como concorrente ao Prêmio Nobel da Paz.
A candidatura, porém, não se confirmou, mesmo tendo sido pleiteada junto ao comitê do
prêmio. Apesar disso recebeu prêmios e homenagens em vários países e foi convidado
para lecionar em importantes universidades americanas e europeias.

25
O CMI é uma organização ecumênica com sede na Suíça.

63
Paulo Freire faleceu no dia 2 de maio de 1997, aos 75 anos, na capital
paulista. Coincidentemente, na mesma data, doze anos depois faleceria Augusto Boal.
Acerca da última obra de Freire publicada em vida, “Pedagogia da Autonomia – saberes
necessários à prática educativa”, Ana Maria Araújo Freire (2008) atesta, na biografia
escrita por ela, que não é um livro a mais da extensa obra de Paulo. É o livro que
sintetiza a sua pedagogia do oprimido e o engrandece como gente. Das suas últimas
páginas extraímos uma das tantas sínteses que compõem o livro. Consideramo-la de
grande importância para a reflexão sobre a figura dos educadores, tanto em sua relação
com os educandos como no compromisso com as circunstâncias presentes no mundo,
onde o ser humano constrói e vive sua historicidade.
O Educador progressista precisa estar convencido como de suas
conseqüências é o de ser o seu trabalho uma especificidade humana. Já vimos
que a condição humana fundante da educação é precisamente a inconclusão
de nosso ser histórico de que nos tornamos conscientes. Nada que diga
respeito ao ser humano, à possibilidade de seu aperfeiçoamento físico e
moral, de sua inteligência sendo produzida e desafiada, os obstáculos a seu
crescimento, o que possa fazer em favor da boniteza do mundo como de seu
enfeamento, a dominação a que esteja sujeito, a liberdade porque deve lutar,
nada que diga respeito aos homens e às mulheres pode passar despercebido
pelo educador progressista. Não importa com que faixa etária trabalhe o
educador ou a educadora. O nosso é um trabalho realizado com gente miúda,
jovem ou adulta, mas gente em permanente processo de busca (FREIRE,
2008, p.143-144).

Paulo Freire conheceu Augusto Boal ainda muito jovem, nos anos sessenta.
O educador disse que já naquela época tinha uma grande admiração pela genialidade
que este anunciava no teatro, pela seriedade que já vivia, pela coerência com que
diminuía a distância entre o que dizia e o que fazia. (FREIRE, Apud TEIXEIRA, 2007, p
118). Após este breve estudo biográfico sobre Paulo Freire passamos, portanto, para o
tópico sobre Augusto Boal.

3.2 Síntese biográfica de Augusto Boal

Augusto Pinto Boal nasceu no Rio de Janeiro em 16 de março de 1931, dez


anos depois do nascimento de Freire, filho dos imigrantes portugueses José Augusto
Boal e Albertina Pinto, que chegaram ao Brasil nos anos 20. O pai era padeiro de ofício,
a mãe dona de casa. Boal formou-se em engenharia química, concluindo doutorado na
mesma área, na Universidade de Columbia, em Nova York, nos anos 50. Paralelamente
estudou dramaturgia com o renomado professor Jonh Gassner, que teve alunos ilustres

64
como Arthur Miller e Tenesse Willians.26 A incursão de Boal no ambiente teatral dos
Estados Unidos foi determinante para as ulteriores experiências junto ao Teatro de
Arena27.
Com o golpe militar de 1964 o Centro Popular de Cultura (CPC) da União
Nacional dos Estudantes (UNE) decidiu, por meio dos autores Armando Costa, Paulo
Pontes e Oduvaldo Vianna Filho produzir, no Rio de Janeiro, o Show Opinião28, como
forma de resistência política ao regime. Boal foi o diretor deste espetáculo histórico.
Além desta e de outras direções importantes, Boal ainda produziu a “1ª Feira
Paulista de Opinião”29, um espetáculo sobre o Brasil da época. O evento teve a presença
de artistas de São Paulo e do Rio de Janeiro e tinha como objetivo combater o
autoritarismo e a censura que vigoravam no Brasil.
No final de 1968 o governo militar decretou o “Ato Institucional nº 5”30 - o
AI-5 - decreto que culminou no fechamento do Congresso Nacional provocando o
endurecimento absoluto do regime durante os mandatos dos generais Costa e Silva,
Médici e Geisel. Esta situação perdurou até outubro de 1978.
Entre os anos de 1969 e 1970 Boal excursionou com o Teatro de Arena para
os Estados Unidos e alguns países latino-americanos, período em que escreveu e dirigiu
a peça “Arena conta Bolívar”. Em 1970 fez com seu grupo a última experiência com o

26
Arthur Miller e Tenesse Willians foram importantes dramaturgos americanos do século passado. O
primeiro adquiriu renome por ter se casado com a atriz Marilyn Monroe, e seu texto mais conhecido
no Brasil foi “A morte de um caixeiro viajante”, de 1949. O outro é autor da peça que originou o filme
"Gata em teto de zinco quente", de 1955.
27
Dentre os espetáculos que Boal dirigiu após o retorno dos Estados Unidos, no Teatro de Arena,
estão “Ratos e homens”, de John Steinbeck (1956), “Chapetuba futebol clube”, de Oduvaldo Vianna
Filho (1959), “Gente como a gente”, de Roberto Freire (1959), “Fogo frio”, de Benedito Ruy Barbosa
(1960), “O testamento do cangaceiro”, de Francisco de Assis (1961), “A mandrágora”, de Maquiavel
(1962). Boal dirigiu ainda produções conjuntas entre o Teatro de Arena e o Teatro Oficina como “A
farsa da esposa perfeita”, de Edy Lima (1959), “A engrenagem”, adaptação de Boal e José Celso do
texto de Jean-Paul Sartre (1960), “O noviço”, de Martins Pena (1963) e “Um bonde chamado desejo”,
de Tennessee Williams (1963).
28
A data de estreia do “Show Opinião” foi 11 de dezembro de 1964 no teatro do Shopping Center
Copacabana, pouco mais de oito meses após o golpe dos militares. O elenco era composto pela cantora
Nara Leão, posteriormente substituída por Maria Bethânia. Ainda, havia o cantor e compositor
maranhense João do Vale e o sambista carioca Zé Kéti. O texto era assinado por Armando Costa,
Paulo Pontes e Oduvaldo Vianna Filho. Boal dirigiu, também, outros espetáculos musicais com
artistas importantes do teatro e da música brasileira, quais sejam: “Arena conta Bahia” (1965), com
Maria Bethânia e Tom Zé no elenco e direção musical dos emergentes Gilberto Gil e Caetano Veloso
e “Tempo de guerra” (1965), no Teatro Oficina, com texto do próprio Boal e de Guarnieri e poemas
de Brecht.
29
Esta montagem foi produzida pelo Teatro de Arena em junho de 1968. (FONTE: Enciclopédia Itaú
Cultural – Teatro – acesso 30/12/2010)
30
Por meio do AI-5 o presidente da República tinha plenos poderes para decretar recesso das casas
legislativas do país, assim como cassar mandatos, cessar privilégio de foro, vetar eleições sindicais,
proibir manifestações políticas, suspender habeas corpus para crimes políticos. Durante a vigência
deste Ato Institucional agravou-se a censura à imprensa e às manifestações artísticas.

65
sistema curinga, ao levar à cena o texto de Brecht “A resistível ascensão de Arturo Ui”.
Nesta época realizou as primeiras experimentações com o Teatro Jornal. No ano de
1971 foi preso e torturado, trocando o país pela Argentina, país da psicanalista Cecília
Thumim, com quem foi casado e teve dois filhos. O exílio ali iniciado estendeu-se até a
abertura política do país.
À luz dessa contextualização é possível avançar nas reflexões e
compreender que a história do Teatro do Oprimido, especialmente no início da sua
sistematização, está estreitamente ligada à educação de jovens e adultos na América
Latina. Sabe-se que suas primeiras experiências ocorreram no âmbito do governo
revolucionário, no Peru, dentro do Programa de Alfabetização Integral (ALFIN), que
utilizava o método Paulo Freire e vale ressaltar que os que primeiro participaram deste
projeto foram pessoas adultas em processo de educação popular.
Em sua autobiografia Boal revela: “no Peru nasceu o Teatro Fórum e
sistematizei o Teatro Imagem. O Teatro do Oprimido virou livro” (BOAL, 2000, p.298).
Seu método ampliou-se na Europa, onde viveu primeiro em Portugal, fixando-se depois
em Paris, tendo escolhido a França para a fundação do Centre du Théatre de l´Opprimé-
Augusto Boal (Centro de Teatro do Oprimido de Paris), em 1979.
Em 1986 Boal retornou definitivamente ao Brasil, ocasião em que foi
convidado por Darcy Ribeiro, então Secretário da Educação do Estado do Rio de
Janeiro, a assumir a direção da Fábrica de Teatro Popular31. A finalidade desta escolha
era tornar a linguagem teatral acessível a todos, como estímulo ao diálogo e à
transformação da realidade social. Naquele mesmo ano, já na nova função, Boal fundou
o Centro de Teatro do Oprimido, o CTO-RIO, que ainda hoje difunde o seu método nos
âmbitos nacional e internacional.
No retorno ao Brasil, Boal continuou a dirigir espetáculos e a aprimorar seu
método. Elegeu-se vereador na capital fluminense e criou o Teatro Legislativo, técnica
que detalharemos no próximo capítulo. .
Com relação à produção de Boal os registros apontam que é composta por
mais de vinte títulos, incluindo teorias teatrais, ensaios, romances, peças de teatros e
autobiografia. É válido lembrar, ainda, que o teatrólogo dirigiu espetáculos em diversos

31
A Fábrica Popular de Teatro foi uma iniciativa de Augusto Boal. Teve início em 1986 dentro dos
CIEPs, no Rio de Janeiro, durante o governo de Leonel Brizola. Utilizando as técnicas do Teatro
Fórum para discutir questões comunitárias, configurou-se ali “o primeiro curso de formação de
curingas e o início da propagação de técnicas do Teatro do Oprimido no nosso país” (Revista Metaxis,
2010, p.30).

66
países, lecionou na Université de la Sorbonne-Nouvelle e recebeu diversos prêmios e
homenagens em instituições estrangeiras, dentre as quais destaca-se o título de Doutor
Honoris Causa, recebido também por Paulo Freire na mesma ocasião, em 1996, na
Nebraska University, em Omaha, Estados Unidos. Augusto Boal revelou, em entrevista
a Tânia Márcia Baraúna Teixeira,
que conheceu a Freire em 1959/60, tendo oportunidade de estar com ele apenas,
por duas vezes, no Brasil, embora tenha estado várias vezes no exílio. Declarou
que acompanharam reciprocamente as atividades e as vidas um do outro, porém
nunca realizaram uma atividade comum. Que [...] “O Teatro do Oprimido
incorpora da metodologia de Freire a proposta que cada pessoa construa o seu
conhecimento, com liberdade, com autonomia, com um método aberto para que
cada pessoa possa construir o seu caminho [...]” Porém que o TO sofre
influência de Freire, como sofre influência de outros métodos. (Fragmentos de
Narrativa) (TEIXEIRA, 2007, p. 119)

Em 2008, o teatrólogo concorreu ao Prêmio Nobel da Paz. Faleceu cerca de


um ano depois, no dia 2 de maio de 2009, dia do décimo segundo aniversário da morte
de Freire. Semanas antes fora nomeado Embaixador Mundial do Teatro pela UNESCO.
Nesta época nos deixou aquela que, segundo o próprio Boal, é a síntese de sua obra: “A
estética do oprimido” que, para a psicanalista e crítica literária Maria Rita Kehl (2009),
é a última generosidade de Boal, que finaliza as densas páginas sempre de forma
combativa, demonstrando seu compromisso com os oprimidos e tendo a arte como arma
para a transformação social.
O fascismo, o imperialismo e o colonialismo, a exploração de classes, a
humilhação das castas e a escravidão aberta ou disfarçada, o racismo e a
xenofobia, a tirania sexual, a histórica e universal subjugação da mulher e a
devastação do meio ambiente, todas essas epidemias políticas e sociais não
são Verdade Eterna – são verdades temporais que devem ser combatidas sem
respiro.
O ser humano é binário: predatório e solidário. Temos que libertar o ser
humano do seu instinto predatório, remanescente animal.
Arte é o caminho! É preciso reconquistá-la para o fortalecimento da
cidadania! (BOAL, 2009, p. 254)

Após esta análise biográfica, chega o momento de estabelecer uma relação


entre a Pedagogia do Oprimido e o Teatro do Oprimido, o que faremos a seguir.

3.3 Entrelaçamentos entre a pedagogia do oprimido e o teatro do oprimido

As sínteses biográficas de Freire e Boal mostram que ambos foram


contemporâneos. Além disso, detectamos, pelas nossas leituras, alguns aspectos

67
semelhantes que indicam proximidades de Boal em relação ao pensamento do educador,
as quais serão analisadas neste tópico.
Inicialmente, a Pedagogia do Oprimido e o Teatro do Oprimido, assim como
seus respectivos criadores, possuem singularidades, mas escolhemos investigar as
semelhanças nos dois autores porque acreditamos que elas reforçam o entendimento
sobre a relevância histórica e o caráter “ideológico” presente nos métodos em análise,
sem perder de vista nossos estudos sobre a educação de jovens e adultos.
Sobre a proximidade entre Freire e Boal é perceptível que o caráter popular
está presente tanto na forma de educação como no teatro. Nesse contexto Teixeira
(2007) afirma que ambos assumem uma postura engajada frente ao golpe militar da
primeira metade dos anos 60. Os dois foram, inclusive, influenciados por três correntes
filosóficas: o existencialismo, a fenomenologia e o marxismo.
Dentre os tantos autores que influenciaram o trabalho dos brasileiros é
possível apontar, segundo Teixeira e com relação a Freire, os seguintes: Hegel, Teilhard
de Chardin, Antonio Gramsci, Amilcar Cabral, Lênin, Erich Fromm e Sartre. Já Boal foi
influenciado, dentre outros, por pensadores do teatro como Stanislavski, Brecht, Jonh
Gassner e Jacob Levi Moreno. Karl Marx e Friedrich Engels destacam-se como autores
citados tanto pelo educador pernambucano como pelo teatrólogo carioca em suas
respectivas obras.
Enxergando Freire pelo viés da educação de adultos e Boal no contexto da
arte, notamos que o primeiro, desde os anos cinquenta, articulava pensamentos e
práticas educativas de grande efeito na sociedade brasileira.
O segundo contribuiu, como já mencionamos, para uma nova visão do teatro
brasileiro, influenciando grupos e artistas do cenário nacional através de intensa
atividade com o Teatro de Arena.
Naquele período, marcado por transformações especialmente na política e na
cultura, o educador e o teatrólogo ganharam destaque em suas respectivas áreas de
atuação, mas foi também neste momento que a prisão e o exílio interromperam as
atividades de ambos dentro do país. Durante este tempo de hostilidade imposto pelo
regime ditatorial, Boal dedicou-se de forma radical ao desenvolvimento de um teatro
com função política. Vale lembrar que o teatrólogo utilizou como referência teórica a
libertadora e conscientizadora32 pedagogia de Paulo Freire. A partir disso, “a pedagogia

32
Referimo-nos aos termos libertação e conscientização, os quais constituem alguns dos pilares do
pensamento de Paulo Freire. Aliás, sobre libertação, (JONES In: STRECK; REDIN; ZITKOSKI,

68
teatral de Boal foi denominada por ele mesmo de Teatro do Oprimido, tomando
emprestada a expressão utilizada por Paulo Freire para designar sua radical proposta
educativa Pedagogia do Oprimido” (JAPIASSU, 2005).
Além do aspecto histórico que envolve os dois pensadores, outros se
tornaram importantes nesta pesquisa. Nessa linha de pensamento destacamos,
primeiramente os termos “oprimido” e “opressor” presentes em ambos os autores. Para
Boal, oprimidos seríamos todos nós, componentes da sociedade, possuidores de algum
tipo de barreira, seja social ou psíquica, que pretendemos de alguma forma combater:
“cidadãos aos quais se subtraiu o direito à palavra, ao diálogo, ao seu território, à sua
livre expressão, à sua liberdade de escolha” (BOAL, apud TEIXEIRA 2007, p. 80). Ao
contrário, o deprimido é aquele que não tem disposição para a luta. Nesse âmbito a
figura do oprimido só se constitui devido à figura do opressor, e toda sorte de opressão
que venha deste é a força motriz do Teatro do Oprimido, que tenta buscar alternativas
ou tentativas para superar tais opressões por meio do enfrentamento do oprimido em
relação ao opressor.
Por sua vez, Freire trata opressor e oprimido à luz da teoria de Marx e
Engels, os quais resumem a luta de classes como sendo, em geral, uma oposição entre
opressores e oprimidos.
A história de todas as sociedades existentes até hoje é a história das lutas de
classes. Homem livre e escravo, patrício e plebeu, barão e servo, mestre de
corporação e companheiro, enfim, opressores e oprimidos, têm permanecido
em constante oposição uns aos outros, envolvidos numa guerra ininterrupta,
ora disfarçada, ora aberta, que terminou sempre, ou por uma transformação
revolucionária de toda a sociedade, ou pela destruição das duas classes em
luta (MARX; ENGELS, 2006, p. 51).

É possível considerar, portanto, que opressor e oprimido sejam


representantes de classes sociais polarizadas. Embora não estejam presentes em Freire
alguns dos termos usados por Marx, como “homem livre e escravo, patrício e plebeu,
barão e servo”, atualmente estas polaridades podem ser percebidas entre patrão e

2008) afirma que é um conceito central no pensamento freireano, intrinsecamente vinculado à


liberdade, conscientização e revolução. A centralidade da libertação na educação aparece
primeiramente em Pedagogia do Oprimido (1970), onde Freire descreve a libertação como uma práxis,
“a ação e a reflexão dos homens sobre o mundo para transformá-lo” (STRECK; REDIN; ZITKOSKI,
2008, p. 247). Quanto ao segundo conceito, (FREITAS In: STRECK; REDIN; ZITKOSKI, 2008)
esclarece que a conscientização, compreendida como processo de crítica das relações consciência-
mundo, é condição para a assunção do comprometimento humano diante do contexto histórico-social.
No processo de conhecimento, o homem ou a mulher tendem a se comprometer com a realidade,
sendo esta uma possibilidade que está relacionada à práxis humana (STRECK; REDIN; ZITKOSKI,
2008, p. 99).

69
empregado, analfabetos e letrados, latifundiários e sem-terra, adultos escolarizados e
não escolarizados, por exemplo.
Numa análise dos sujeitos alvos desta pesquisa através da perspectiva da
EJA, constata-se que os atores nela envolvidos são, em grande parte, pessoas oprimidas,
homens e mulheres que ainda estão em busca de formação escolar. Trata-se de
indivíduos que procuram por algo a que ainda não tiveram acesso e que, em diversos
casos, lhes foi negado no período anterior à escolarização (infância e adolescência).
Além disso, percebemos que, na maioria dos casos, trata-se de trabalhadores
assalariados que almejam melhores posições no mundo do trabalho. No meio desses há,
ainda, os que atribuem sentidos variados à escola, como lugar de socialização33, por
exemplo. Enfim, são pessoas que enfrentam as mais variadas dificuldades, sacrificando-
se, em muitos casos, para frequentar a escola. A EJA emoldura, portanto, um quadro
onde também figuram classes oprimidas.
Com base neste contexto entende-se que o pensamento freireano e o teatro
de Boal, expressos na Pedagogia do Oprimido e no Teatro do Oprimido demonstram,
através de seus métodos, um propósito comum: libertar os oprimidos e os opressores.
Neste ambiente de tensões de classes é possível desejar não a superação de uma classe
por outra, mas a humanização no interior de todas elas. Neste sentido Freire salienta que
a violência dos opressores que os faz também desumanizados, não instaura
uma outra vocação – a do ser menos. Como distorção do ser mais, o ser
menos leva os oprimidos, cedo ou tarde, a lutar contra quem os fez menos. E
esta luta somente tem sentido quando os oprimidos, ao buscar recuperar sua
humanidade, que é uma forma de criá-la, não se sentem idealistamente
opressores, nem se tornam, de fato, opressores, mas restauradores da
humanidade em ambos. E aí esta a grande tarefa humanista e histórica dos
oprimidos – libertar-se a si e aos opressores. Estes, que oprimem, exploram e
violentam, em razão de seu poder, não podem ter, neste poder, a força de
libertação dos oprimidos – libertar-se a si e aos opressores (FREIRE, 1983, p.
30-31).

A fim de aprofundar a questão da libertação dos oprimidos e dos opressores,


além de vários outros aspectos que julgamos essenciais em Freire e Boal, recorremos à
tese intitulada “Dimensões sócio educativas do teatro do oprimido Paulo Freire e
34
Augusto Boal” , de Tânia Márcia Baraúna Teixeira. Fazemos questão de frisar que

33
Socialização é, aqui, entendida como o ato de vários estudantes de EJA frequentarem a escola a fim de
se relacionarem com outras pessoas; como modo, inclusive, de evitar a solidão, o que em certos casos
é mais importante do que os conteúdos das disciplinas.
34
Este trabalho de doutorado refere-se a uma investigação por meio de observação do trabalho
desenvolvido no CTO do Rio de Janeiro. Tese defendida em 2007, na Universidad Autonoma de
Barcelona.

70
trata-se de um dos raros trabalhos que de fato analisam a relação entre as obras dos dois
autores. A autora distancia-se de nossa abordagem escolar, retratando a chamada
intervenção sócio-educativa como apenas uma das diversas áreas de ações educativas,
normalmente em contextos não formais (TEIXEIRA, 2007). Segundo suas próprias
palavras, uma intervenção sócio-educativa deve ser
compreendida como uma ação em que compartilham: educador, indivíduo ou
um grupo, independente de idade, gênero ou raça, inseridos em um contexto
sócio histórico. Sendo considerado um processo com um espaço social
comum, com relações estabelecidas entre: a instituição onde ocorre a
intervenção, seus propósitos finais e o contexto ideológico dos discursos
(TEIXEIRA, 2007. p. 26).

Teixeira, cuja investigação sobre ações sócio-educativas deu-se através do


TO, evidencia, em seu trabalho, uma razoável relação entre Boal e Freire.

QUADRO 2
Pontos de ligação das ações sócio educativas da Pedagogia do Oprimido e do Teatro do
Oprimido

PEDAGOGIA DO OPRIMIDO TEATRO DO OPRIMIDO


FREIRE BOAL
Adota o método da educação popular Adota o método do teatro popular

Diálogo, ética e estética como princípios Diálogo, ética e estética como pressupostos teóricos

Diálogo como o processo de humanização e O diálogo com elementos integrantes da


transformação da realidade aprendizagem humanizada

Transitividade do processo educacional Teatro como um meio de libertação, de transformação


social e educativa
Foco na ação cultural Adaptação do grupo a diferentes culturas
Formação de uma consciência crítica, através Reconhecimento dos conflitos pessoais e sociais,
da teoria da problematização através do método de problematização e
transformação crítica e reflexiva das representações
sociais
Baseada no princípio da esperança, do diálogo O Teatro do Oprimido idealizado para o diálogo,
e da ética baseado em princípios éticos
Estímulo à emancipação Construção do conhecimento, com liberdade e com
autonomia.
Processo de humanização como forma de O Teatro do Oprimido como uma forma de educação
inclusão social, luta contra todas as formas de para a cidadania, para reconhecer e atuar contra as
opressão opressões
Fonte: TEIXEIRA, 2007, p. 308

Nessa investida a pesquisadora traça uma análise comparativa (exposta no


quadro anterior), destacando o que denomina “pontos de ligação” das ações sócio-
educativas da Pedagogia do Oprimido e do Teatro do Oprimido. Passemos à análise de
cada tópico. Advertimos que nossa abordagem é uma tentativa de ampliar a discussão

71
sobre os pontos de ligação entre os pensadores brasileiros, criando um diálogo entre
Teixeira e outros autores. Embora não se trate da educação de jovens e adultos
especificamente, estes pontos de ligação corroboram a estreita ligação entre arte e
educação libertadoras e transformadoras.
Os nove pontos destacados representam valioso instrumento de investigação,
pois revelam conceitos e funções metodológicas que julgamos muito pertinentes para o
estudo voltado para a EJA.
Com o propósito de enriquecer nossas reflexões, é conveniente reforçar que
Freire e Boal criaram, respectivamente, os métodos de alfabetização e de teatro, ambos
com conotação popular. É correto afirmar que estes consolidaram-se como mecanismos
de grande impacto na educação e nas artes, projetando-se em favor da classe dos
oprimidos da sociedade como o fruto dos brados e da hostilidade de um tempo marcado
pelo autoritarismo e pelo silêncio. Entretanto, Brandão (2008) é taxativo ao afirmar que
Paulo Freire não criou um "método de alfabetização.” Ele estabeleceu em um
artigo publicado originalmente em Estudos Universitários, da Universidade do
Recife, “Conscientização e Alfabetização: uma nova visão do processo”, todo
um projeto integrado de educação, que começa com um método de
alfabetização e concluía com a proposta de uma universidade popular, o
método e alfabetização era apenas o primeiro andar (BRANDÃO In: STRECK;
REDIN; ZITKOSKI, 2008, p. 263).

Na presente análise consideramos o método como uma etapa relevante no


profundo processo de trabalho realizado por Freire e Boal. Sua constituição não é vista
como proposição prescritiva; ao contrário, o que se percebe na Pedagogia do Oprimido e
no Teatro do Oprimido é um conjunto de ações que, diante do embate histórico e
classista entre opressor e oprimido, busca uma prática libertadora para um e outro e que,
nas relações de dominação, têm negada sua vocação ontológica. Sobre esta questão,
Brandão (2010) afirma ainda que
a questão é que Paulo Freire não propôs um método entre outros. Um método
psicopedagogicamente diferente e, quem sabe? Melhor. Antes de fazer isso
ele investiu aos brados com uma educação, contra outras. Por isso, depois de
falar contra que educação a sua se apresenta e como é a educação em que ele
crê, é preciso dizer contra que tipo de mundo ele acredita em um outro, e por
que crê que a educação que reinventa pode ser um instrumento a mais no
trabalho de os homens o criarem, transformando este que aí está.
(BRANDÃO, 2010, p.15-16).
Nesse campo de análise Brandão (2010) lembra, também, que um dos
pressupostos do método Paulo Freire é a ideia de que ninguém educa ninguém e
ninguém se educa “sozinho”. E mais, que os homens se educam entre si mediatizados
pelo mundo. Estes pressupostos estão também, de certo modo, presentes no método de

72
Boal, que tivemos, inclusive, condições de desenvolver durante nossa prática no campo
de pesquisa. En passant, já que o detalharemos melhor posteriormente, refere-se a um
processo simultâneo de ensino e aprendizagem entre professor e aluno em sala de aula;
entre curinga, atores e espectadores, durante pequenos espetáculos baseados na
realidade dos educandos.
Acerca disso Boal afirma que o seu método é teatro na acepção mais arcaica
da palavra: todos os seres humanos são atores, porque agem, e espectadores, porque
observam (BOAL, 2005). O que devemos considerar, portanto, é que tal método, ao se
voltar para os sujeitos, em nosso caso os adultos de EJA, prima pela interação entre
educador e educando, como numa via de mão dupla, sem vantagens de um sobre o
outro, construindo uma dinâmica problematizadora e emancipatória na busca da
conscientização dos oprimidos.
Teixeira mostra, no segundo e no terceiro ponto do quadro apresentado,
outro aspecto central na pedagogia freireana que se faz determinante no teatro de Boal: a
dialogicidade. Para Freire (2005), em sentido oposto à “palavra inautêntica”, a “palavra
verdadeira” tem um sentido de práxis social, devendo ser entendida como
transformadora do mundo quando posta na condição de diálogo, visto que
“precisamente ninguém pode dizer a palavra verdadeira sozinho, ou dizê-la para os
outros num ato de prescrição, com o qual rouba a palavra aos demais”. Freire continua
sua reflexão concentrando-se no “diálogo”:
se é dizendo a palavra com que, “pronunciando” o mundo, os homens se
transformam, o diálogo se impõe como caminho pelo qual os homens ganham
significação enquanto homens.
Por isto, o diálogo é uma exigência existencial. E, se ele é o encontro em que
se solidarizam o refletir e o agir de seus sujeitos endereçados ao mundo a ser
transformado e humanizado, não pode reduzir-se a um ato de depositar idéias
de um sujeito no outro, nem tampouco tornar-se simples troca de idéias a
serem consumidas pelos permutantes.
Não é também discussão guerreira, polêmica, entre sujeitos que não aspiram a
comprometer-se com a pronúncia do mundo, nem a buscar a verdade, mas a
impor a sua.
Porque é encontro de homens que pronunciam o mundo, não deve ser doação
do pronunciar de uns a outros. É um ato de criação. Daí que não possa ser
manhoso instrumento de que lance mão um sujeito para a conquista do outro.
A conquista implícita no diálogo é a do mundo pelos sujeitos dialógicos, não
a de um pelo outro. Conquista do mundo para a libertação dos homens
(FREIRE, 2005, p. 91).
O “espírito” destas colocações está presente como intencionalidade na
proposta de Boal. Empiricamente percebemos que o diferencial do TO está, exatamente,
em promover o diálogo dentro de uma ação prática, a manifestação teatral. Nessa ação
haverá a presença de atores e espectadores motivados pelo curinga. Embora cada um

73
desses possua funções específicas, não implica sobre eles qualquer posição hierárquica.
Conforme aprofundaremos adiante, todos têm voz e vez de manifestarem-se de forma
dialógica em função da transformação de um problema social sugerido na arena teatral.
Dentro do “espetáculo-jogo” que é o próprio Teatro Fórum toda pessoa, na
prática, tem o direito de escutar ao ver, de interagir oportunamente, porque sua palavra é
ouvida, de atuar, porque neste teatro o diálogo se dá com a atuação, que é uma atitude
concreta. Podemos constatar que a conversão do espectador comum em “espect-ator” só
se dá pela configuração dialógica do TO, que legitima a fala de quem apenas assistia,
proporcionando-lhe certo papel de protagonista por meio de uma ação crítica.
Ao refletirmos sobre essas colocações surge-nos a seguinte questão: de que
maneira poderíamos verificar a manifestação dialógica no TO? Os comentários abaixo
podem auxiliar no esclarecimento disso.
Se o espect-ator renuncia, ou esgota as ações que tinha planejado sai do jogo;
o ator-protagonista retoma seu papel, e o espetáculo caminhará naturalmente
para o final conhecido. Um outro espect-ator poderá se aproximar da cena e
dizer “pára!”, indicando de onde deseja que a peça seja retomada – como num
videotape, em que podemos ir para a frente ou para trás -, e uma nova solução
pode ser tentada, e tantas quantas forem as intervenções dos espect-atores. A
peça recomeçará sempre a partir do ponto que o espect-ator desejar examinar.
Após cada intervenção, o curinga (que é o mestre-de-cerimônias do
espetáculo) deverá fazer um claro resumo do significado de cada alternativa
proposta, devendo igualmente indagar da plateia se algo lhe escapa ou se
alguém discorda: não se trata de vencer a discussão, mas de esclarecer
pensamentos, opiniões e propostas (BOAL, 2005, p. 32).

Como quarto ponto indicado no quadro vê-se a transitividade do processo


educacional, ligada à Pedagogia do Oprimido bem como ao teatro como um meio de
libertação, de transformação social e educativa. “Transitividade” opõe-se, naturalmente,
a intransitividade, verificada por Freire na sociedade brasileira tida como “fechada” no
pós-golpe militar e caracterizada pela quase centralização dos interesses do homem em
torno de formas mais vegetativas de vida, desprovidas de sua historicidade. Por esta
ótica a forma de consciência intransitiva representa um quase “incompromisso” entre o
homem e sua existência (FREIRE, 2008).
Dentro de sua concepção de transitividade Freire demonstra que a
consciência do homem apresenta pelo menos dois estados: a consciência transitiva
ingênua e a consciência transitiva crítica. A primeira, embora tenha a percepção das
contradições da sociedade, ainda não é suficientemente capaz de arriscar algum tipo de
enfrentamento transformador.

74
[...] se caracteriza, entre outros aspectos, pela simplicidade na interpretação
dos problemas. Pela tendência a julgar que o tempo melhor foi o tempo
passado. Pela subestimação do homem comum. Por uma forte inclinação ao
gregarismo, característico da massificação. Pela impermeabilidade à
investigação, a que corresponde um gosto acentuado pelas explicações
fabulosas. Pela fragilidade na argumentação. Por forte teor de
emocionalidade. Pela prática não propriamente do diálogo, mas da polêmica.
Pelas explicações mágicas. Esta nota mágica, típica da intransitividade,
perdura, em parte, na transitividade. Ampliam-se os horizontes. Responde-se
mais abertamente aos estímulos. Mas se envolvem às respostas de teor ainda
mágico. É consciência do quase homem massa, em que a dialogação mais
amplamente iniciada do que na fase anterior se deturpa e se destorce
(FREIRE, 2008, p. 68-69).

A segunda, por sua vez, confirma substancialmente a ligação entre as proposições de


Freire e Boal levantadas por Teixeira, com a qual concordamos. A este respeito Freire
salienta que
A transitividade crítica, por outro lado, a que chegaríamos com uma educação
dialogal e ativa, voltada para a responsabilidade social e política, se
caracteriza pela profundidade na interpretação dos problemas. Pela
substituição de explicações mágicas por princípios causais. Por procurar
testar os “achados” e se dispor sempre a revisões. Por despir-se ao máximo de
preconceitos na análise dos problemas e na sua apreensão, esforçar-se por
evitar deformações. Por negar a transferência de responsabilidade. Pela
recusa a posições quietistas. Por segurança na argumentação. Pela prática do
diálogo e não da polêmica. Pela receptividade ao novo, não apenas porque
novo e pela não recusa ao velho só porque velho, mas pela aceitação de
ambos, enquanto válidos. Por se inclinar sempre a arguições (FREIRE, 2008,
p. 68-69).

Em uma sessão de Teatro Fórum o que se vê, esteticamente, é a


manifestação viva, jocosa, mas intencionalmente promotora de uma ação enfatizada pela
consciência crítica do “espect-ator”. Daí a afirmativa do teatro como um meio de
libertação, de transformação social e educativa. Ao oferecer à cena um problema social,
toda a engrenagem é movida pelo diálogo e pela discussão com confronto de opiniões, a
fim de desvelar situações de opressão, transformando-as sem recursos de magia,
conforme aponta Boal:
ninguém deve imaginar soluções miraculosas: as estratégias propostas e o
conhecimento adquirido neste processo são as estratégias propostas pelo
grupo que pratica essa sessão de Teatro Fórum, e o conhecimento de que este
grupo é capaz. Talvez no dia seguinte, outro grupo, com outras pessoas, possa
chegar a propostas diferentes e outros conhecimentos. O curinga não é um
conferencista, não é o dono da verdade. Seu trabalho consiste em fazer com
que as pessoas que sabem um pouco mais exponham seu conhecimento e
aqueles que se atrevem pouco ousem um pouco mais, mostrando aquilo de
que são capazes (BOAL, 2004. p. 33).
No quinto ponto, Teixeira indica que a Pedagogia do Oprimido tem foco na
ação cultural, enquanto no TO há a adaptação do grupo a diferentes culturas. Como é
possível notar, trata-se de pontos complementares, presentes na noção de que toda ação

75
cultural é uma forma sistematizada e deliberada de ação, que incide sobre a estrutura
social ora no sentido de mantê-la total ou parcialmente, ora no de transformá-la
(FREIRE, 2009).
Ainda sobre a ação cultural, Freire problematiza-a como sendo verificável
nos pólos opostos: oriunda das classes dominantes e dominadas. Isso implica o
reconhecimento do ser humano como um sujeito pleno de historicidade, o que o
distingue dos animais, cuja presença no mundo é determinada somente por funções
biológicas. Neste sentido a concepção e o empenho por uma pedagogia utópica surgem
como forma de evitar a reificação dos indivíduos, buscando com isso a libertação e a
efetivação do ser humano como ser do mundo, com o mundo e em relação com aqueles
de sua própria espécie.
A ideia de ação cultural na pedagogia freireana - que por sua vez permeia o
Teatro do Oprimido - é pautada pela conscientização, outro termo que, consiste em
conceito estruturante do pensamento do educador brasileiro. O processo de alfabetização
sugerido por Freire, assim como aquele do TO - preservandas as devidas especificidades
- traz a conscientização como elemento central, cujo significado recai sobre a percepção
crítica dos seres humanos frente ao mundo e com o mundo. Contudo, para que isto seja
efetivo na relação entre educador e educando é necessário problematizar a realidade
concreta, seja de um analfabeto ou dos cidadãos oprimidos do campo e da cidade, que
aqui se referem a alunos e alunas de EJA que levam à cena as suas situações reais de
opressão.
Nesta relação, que não deve hierarquizar posições de maior ou menor saber
entre educador e educando, procura-se estabelecer o empenho e a atitude de
transformação por meio da denúncia de exploração de uma classe sobre outra e do
anúncio da possibilidade e da necessidade de uma nova sociedade, mais solidária e mais
fraterna. Essas iniciativas exigem um maior conhecimento científico de tal sociedade o
que, por sua vez, demanda uma teoria de ação que a transforme. Assim, denúncia e
anúncio passam a ser compromissos históricos (FREIRE, 2009).
Quanto à afirmativa de Teixeira (2007) de que há, no Teatro do Oprimido, a
adaptação do grupo a diferentes culturas, entendemos que, pelo contrário, esta
metodologia não necessariamente se “adapta”. De fato, define-se como pedagogia
teatral porque focaliza situações de opressão presentes nos mais diversos grupos
culturais. Isto pode ser visto, por exemplo, na luta contra a atitude ignorante de homens
e mulheres vitimados pela AIDS em Moçambique, na batalha das mulheres contra a

76
desigualdade salarial em relação aos homens na Europa ou no combate às tradições do
regime de castas que penalizam as mulheres na Índia. Além disso, podemos citar as
ações do Movimento dos Trabalhadores sem terra (MST) no Brasil, a realidade de
tráfico de drogas no complexo da Maré, no Rio de Janeiro, as prisões, o movimento de
catadores de recicláveis e as próprias escolas com educandos de EJA.
É importante ressaltar que, além de enfocar as situações de opressão, o TO –
por intermédio de várias de suas técnicas – pode ser considerado uma ação concreta de
denúncia e combate a elas. Na perspectiva de ação cultural, o método de Boal aparece
como uma forma artística que enfatiza a ação crítica de atores, público e curingas com
vistas a contribuir para a transformação e humanização da sociedade por meio da
politização e conscientização dos participantes.
Ademais devemos destacar que Boal considerava que seu teatro não era ação
revolucionária em si, mas um ensaio para a revolução. Seu método leva em
consideração o mundo real e promove, teatralmente, ação e reflexão críticas dos
sujeitos, o que reforça sua semelhança com a Pedagogia do Oprimido.
Passamos agora à discussão do sexto ponto explicitado no quadro: a
formação de uma consciência crítica através da teoria da problematização. Em Freire e
Boal isso diz respeito ao reconhecimento dos conflitos pessoais e sociais através do
método de problematização e transformação crítica e reflexiva35 das representações
sociais36. Teixeira refere-se à problematização como teoria e como método. Porém
devemos analisar, mais amiúde, as concepções antagônicas de educação que Freire
apresenta: a concepção bancária e a concepção problematizadora.
Se de um lado temos a educação problematizadora como instrumento de
libertação e emancipação do homem, de outro presenciamos a educação bancária, que,
em oposição, confirma-se como meio para a opressão. Para a análise de ambas não

35
A autora não apresenta explicações sobre transformação crítica e reflexiva, mas compreendemos que
se trata de uma referência conceitual presente em Freire, visto que sua pedagogia é pautada pela
transformação dos oprimidos por meio da criticidade e reflexões sobre as opressões, o que é
praticamente visível no Teatro do Oprimido.
36
Segundo Franco (2004) representações sociais são elementos simbólicos que os homens expressam
mediante o uso de palavras e de gestos. No caso do uso de palavras, utilizando-se da linguagem oral
ou escrita os homens explicitam o que pensam, como percebem esta ou aquela situação, que opinião
formulam acerca de determinado fato ou objeto, que expectativas desenvolvem a respeito disto ou
daquilo, etc. Essas mensagens, mediadas pela linguagem, são construídas socialmente e estão
necessariamente ancoradas no âmbito da situação real e concreta dos indivíduos que as emitem
(FRANCO, 2004, p. 170).

77
podemos perder de vista que ao tratarmos de educação e destas concepções que nela se
conformam, estaremos refletindo objetivamente sobre a relação entre educador e
educando, sujeitos inerentes à ação educativa na escola, e sobre o tratamento dos
conteúdos nesta relação.
Certamente, uma educação problematizadora é aquela que se interessa pelo
educando no sentido de favorecer o desenvolvimento de sua consciência crítica,
possibilitando a este perceber-se como sujeito e não como objeto do processo
educacional. Seu efeito pode e deve ser o de reverter as imposições alienantes das
classes dominantes.
Mostra-se pertinente esclarecer o que observamos com esta pesquisa: o
educador, ao contrário da educação “bancária”, deve ser parceiro fundamental para a
construção de uma formação que não subordina o educando às práticas impositivas,
castradoras do seu potencial criador. Defendemos aqui a tese de que o educando é
também protagonista, sobretudo quando, no tratamento dos conteúdos, sua realidade de
vida torna-se matéria a ser problematizada. Finalmente, educador e educando criam o
espaço para a fala como ação emancipatória. Também de acordo com esse
posicionamento Freire é imperativo:
o que nos parece indiscutível é que, se pretendemos a libertação dos homens
não podemos começar por aliená-los ou mantê-los alienados. A libertação
autêntica, que é a humanização em processo, não é uma coisa que se deposita
nos homens. Não é uma palavra a mais, oca, mitificante. É práxis, que
implica a ação e a reflexão dos homens sobre o mundo para transformá-lo
(FREIRE, 2009, p.77).

Por esta perspectiva e no que diz respeito ao Teatro do Oprimido, Teixeira


considera que trata-se de um método de problematização e transformação crítica e
reflexiva das representações sociais. Portanto, questionadora e dialógica. Assumimos
posição favorável à pesquisadora ao relacionarmos este contexto à nossa experiência na
EJA, quando constatamos essa problematização durante as seções de Teatro Fórum com
alunos adultos. Foi possível identificar que em aulas de teatro com o público EJA,
problematizar é um rico mecanismo. Neste caso específico a ação não ocorreu apenas
nas apresentações públicas, estando também presente na fase de preparação e nos
momentos posteriores ao espetáculo. Em geral, notamos que a consistência deste teatro
está justamente no interesse constante em construir perspectivas diferentes sobre o
mundo e provocar debates dentro da realidade escolar com pessoas adultas, o que
veremos com mais detalhes no próximo capítulo.

78
A partir dessas pontuações compreendemos que toda a intencionalidade do
método de Boal atém-se a questões ligadas a problemas vivenciados. No nosso caso
estes foram colocados à mostra de forma que o público, composto por educandos,
pudesse desvelar uma gama de situações de opressão reconhecida por ele.
Disto concluímos que o Teatro do Oprimido se apóia no espírito da
pedagogia freireana. Quando o professor-curinga procede maieuticamente torna-se
oportuna a interferência criativa dos educandos, como resultante de uma motivação
problematizadora na qual educador e educando têm importância indistinta. Isso nos
mostra que o verdadeiro diferencial entre esta e outras formas teatrais está exatamente
no empenho em amalgamar, nesta manifestação, o sentido político e pedagógico para
fins de transformação social. No âmbito dessa discussão, Freire considera que
[...] a educação libertadora, problematizadora, já não pode ser ato de
depositar, ou de narrar, ou de transferir, ou de transmitir “conhecimentos” e
valores aos educandos, meros pacientes, à maneira da educação “bancária”,
mas um ato cognoscente, como situação gnosiológica em que o objeto
cognoscível, em lugar de ser o término do ato congnoscente de um sujeito, é
mediatizador de sujeitos congnoscentes, educador, de um lado, educandos, de
outro, a educação problemantizadora coloca, desde logo, a exigência da
superação da contradição educador-educandos. Sem esta, não é possível a
relação dialógica, indispensável à cognoscibilidade dos sujeitos
congnoscentes, em torno do mesmo objeto cognoscível (FREIRE, 2009,
p.78).

Em consonância com estas colocações, acreditamos que o TO afirma-se


como uma prática não bancária por não ser impositiva, tecnicista ou conteudista; por
democratizar esta arte como um recurso acessível a qualquer homem e mulher com
vontade de se expressar e fornecendo-lhe, uma vez que se expressa, a capacidade de
desnudar as opressões do tempo presente e, através do debate, consolidar ações
transformadoras no cotidiano.
Deve-se ressaltar que essa engrenagem só é possível pelo caráter dialógico
das propostas metodológicas que estamos analisando. Propostas que buscam a
criticidade em detrimento da ingenuidade, a ação e a reflexão no lugar da inércia, da
alienação e da mecanicidade. Para tanto é fundamental que os educandos sejam agentes
transformadores, artistas em potencial e não vasilhas ou seres “coisificados”,
depositários dos saberes de outros - os forjadores da cultura do silêncio, que nomeiam os
oprimidos de “assistidos” e “marginalizados”. Tratamos aqui de métodos que prezam
pela comunicação e não pelos “comunicados”; pelo enfrentamento e não pela adaptação

79
e ajustamento dos sujeitos à concepção bancária. Enfim, métodos que buscam a
conscientização.
Com relação ao sétimo ponto, Teixeira considera que a Pedagogia do
Oprimido baseia-se no princípio da esperança, do diálogo e da ética, enquanto o Teatro
do Oprimido é idealizado para o diálogo baseado em princípios éticos. Visto que já
tratamos de dialogicidade nos itens 2 e 3, analisaremos na sequência a esperança e a
ética, categorias que também consideramos fundamentais e que estão presentes nas
obras dos dois autores. Sobre a esperança, Freire considera que
O desespero é uma espécie de silêncio de recusa do mundo, de fuga. No
entanto, a desumanização que resulta da “ordem” injusta não deveria ser uma
razão da perda da esperança, mas, ao contrário, uma razão de desejar ainda
mais, e de procurar sem descanso, restaurar a humanidade esmagada pela
injustiça.
Não é, porém, a esperança um cruzar de braços e esperar. Movo-me na
esperança enquanto luto e, se luto com esperança espero (FREIRE, 2009, p.
95).

Em certa medida, a esperança também se apresenta como principal objetivo


da poética do oprimido assinalado por Boal (2009). Este objetivo consiste em
transformar o povo, “espectador”, componente passivo do fenômeno teatral, em sujeito,
ator, transformador da ação dramática, forma distinta da que observamos em Aristóteles
e em Brecht. Nesse sentido o verbo transformar, mesmo no indicativo, pressupõe uma
ação com reflexo no tempo futuro. A propósito, esperança é projeção para o futuro.
Deseja-se que o espectador e/ou o “espect-ator”, ao refletir e/ou agir, dentro
de uma seção de teatro, no combate às opressões, possa levar para a vida o ímpeto
combativo, participativo e transformador do TO. Por isso Boal afirma que a Poética do
Oprimido propõe a própria ação, o que nos permite assimilar que a ação constitui um
pressuposto do tempo presente, que se efetiva após uma reflexão sobre as opressões
enraizadas no passado em vista de transformações no futuro, as quais tornar-se-ão
constantes. Com efeito, Boal afirma que nesta poética
o espectador não delega poderes ao personagem para que atue nem para que
pense em seu lugar: ao contrário, ele mesmo assume um papel protagônico,
transforma a ação dramática inicialmente proposta, ensaia, preparando-se
para a ação real. Por isso creio que o teatro não é revolucionário em si
mesmo, mas certamente pode ser um excelente “ensaio” da revolução
(BOAL, 2009, p. 182).

Aqui a palavra ‘revolução’, que entendemos como mudança, adquire também


sentido de processo, refletindo uma ação que exige verbos no gerúndio. Por fim,

80
caracteriza-se como um movimento transformador que, no pensamento de Freire e Boal,
é possível com a esperança.
No que tange ao princípio da ética, é evidente que a Pedagogia do Oprimido
e o Teatro do Oprimido fundam-se nele: o espírito ético perpassa as obras de ambos os
autores. Vejamos, primeiramente, o que explica Freire:
não é possível pensar os seres humanos longe, sequer da ética, quanto mais
fora dela. Estar longe ou pior, fora da ética, entre nós mulheres e homens, é
uma transgressão. É por isso que transformar a experiência educativa em
puro treinamento é amesquinhar o que há de fundamentalmente humano no
exercício educativo: o caráter formador. Se se respeita a natureza do ser
humano, o ensino dos conteúdos não pode dar-se alheio à formação moral do
educando. [...] (FREIRE, 1997, p. 37)

Por sua vez, Boal adverte que


a enorme diversidade de técnicas e de suas aplicações possíveis – na luta
social e política, na psicoterapia, na pedagogia, na cidade como no campo, no
trato com problemas pontuais em uma região da cidade ou nos grandes
problemas econômicos do país inteiro – não se afastaram nunca, um
milímetro sequer, de sua proposta inicial, que é o apoio decidido do teatro às
lutas dos oprimidos.
Essa diversidade não é feita apenas de técnicas isoladas [...] tem a mesma
origem no solo fértil da Ética e da Política, da História e da Filosofia (...).
(BOAL, 2009, p. 15).

Essas palavras sinalizam aspectos tanto da ética como da política e nos


serviram como referência de um campo conceitual vasto que não esgotaremos aqui.
Entretanto, cabe acrescentar que a postura ética do educador e do educando – neste caso
os operadores do TO analisados nesta pesquisa – tem um sentido de compromisso em
favor da transformação social por meio da ação estética e educativa. Isto exige desses
operadores um posicionamento frente às opressões que os cercam, atitude que por sua
vez deve ser contrária às outras éticas que operam na sociedade, que Freire (2000)
entende como a ética de mercado, a da globalização e a do individualismo. É, portanto
significativo que educador e educando coloquem-se contra a antiética.
Em última análise a ética, que figura em Freire e Boal como princípio
necessário e indispensável inclusive no campo educativo e artístico, pode ser sintetizada
através deste recorte da Pedagogia da Indignação:
a eticização do mundo é uma consequência necessária da produção da
existência humana ou do alongamento da vida em existência. Na verdade, só
do ser que, fazendo-se socialmente na História, se torna consciente de seu
estar no mundo com o que passa a ser uma presença no mundo, se pode
esperar que dê exemplos de máxima grandeza moral, de transbordante
bondade como também testemunho de absoluta negação da decência, da
honradez e da sensibilidade humana. Não podemos falar de ética entre os
tigres [...] (FREIRE, 2000, p. 112).

81
No oitavo ponto Teixeira destaca o estímulo à emancipação na Pedagogia do
Oprimido, enquanto sobre o Teatro do Oprimido a autora se refere à ocorrência
da construção do conhecimento com liberdade e com autonomia. Neste momento
observamos outras categorias marcantes presentes em ambas as obras. Referimo-nos à
emancipação, à liberdade e à autonomia cujos significados, em Freire, complementam a
concepção problematizadora de educação.
Libertação é um conceito central no pensamento freireano, intrinsecamente
vinculado à liberdade, conscientização e revolução. A centralidade da
libertação na educação aparece primeiramente em Pedagogia do Oprimido
(1970), onde Freire descreve a libertação como uma práxis, “a ação e a
reflexão dos homens sobre o mundo para transformá-lo” (FREIRE, 1970,
p.79). Esta conscientização exerce um papel no processo libertador. Para
Freire, a educação libertária tem sua razão de ser “no seu impulso inicial
conciliador. Daí que tal forma de educação implique a superação da
contradição educador-educandos, de tal maneira que se façam ambos,
simultaneamente, educadores e educandos” (JONES, In: STRECK; REDINE;
ZITKOSKI, 2008, p.247).

Portanto, à luz de Freire e segundo Teixeira, entendemos que emancipação,


por si, é uma condição em que a liberdade, como estado oposto à condição de
opressão, é possível através da autonomia dos sujeitos na construção do conhecimento.
Por esta via, liberdade não pode ser confundida com licenciosidade por ser uma
faculdade que se conquista à custa de muito rigor.
Boal (2009) refere-se à poética do oprimido como sendo a poética da
“liberação”: em seu teatro o espectador age por conta própria, sem delegar poderes aos
personagens. O espectador se libera; pensa e age por si mesmo. Uma vez estabelecida a
sua interferência na cena é determinado o caráter emancipatório e libertário do TO.
Nota-se que as rupturas provocadas pelas entradas em cena, que questionam
e modificam a mesma, pretendidas por Boal, são efetivamente realizadas, mas ainda é
preciso indagar como se dá a construção do conhecimento no TO e como este processo
pode ser associado à ideia de emancipação vista na Pedagogia do Oprimido.
Consideramos que não se trata de aquisição de conteúdos de forma bancária e não diz
respeito ao desenvolvimento de técnicas de interpretação que possam transformar o
espectador em ator ou atriz de destaque. Consideramos ainda que se refere à construção,
na seção teatral, do conhecimento sobre si mesmo e - em certos casos - da descoberta de
forças adormecidas no indivíduo, capazes de combater a opressão geradora do espírito
fatalista, tema largamente abordado por Freire.

82
Além disso, observamos a busca pela construção de um conhecimento que
revele ao espectador o direito de usar sua própria voz e contar sua história sem
intermediações ou qualquer mistificação da realidade. Pretende-se alcançar esse
conhecimento através do estímulo à consciência crítica, já que o Teatro do Oprimido
refere- se a uma prática pedagógica naturalmente problematizadora – concepção que
atrela o caminho para a libertação à criatividade e ao estimulo à reflexão e à ação
verdadeira dos homens e mulheres sobre a realidade. Os espectadores, portanto,
respondem à sua vocação, pois são seres que não podem se fazerem autênticos fora da
busca e da transformação criadora (FREIRE, 2009).
Finalmente Teixeira esclarece, no último ponto, que a Pedagogia do
Oprimido é um processo de humanização como forma de inclusão social e luta contra
todas as formas de opressão. Nesta oportunidade, também enxerga o Teatro do
Oprimido como uma forma de educação para a cidadania, para reconhecer e atuar contra
as opressões.
Com relação a este ponto fazemos uma ressalva: entendemos que nos dois
pensadores, mais especificamente em Freire, os processos focalizados não buscam
promover inclusão social. Naturalmente, inclusão pressupõe a existência de excluídos,
termo que podemos associar à categoria de oprimidos – o que é feito mais claramente no
trabalho do educador. No entanto, na Pedagogia do Oprimido e na extensa obra
freireana, o autor salienta a necessidade de elevação do oprimido a uma condição de
“ser mais”. Mesmo porque o “ser menos”, imposto ao oprimido não determina a sua
exclusão social, mas um estado que pode ser transformado por um processo de
conscientização de caráter crítico do indivíduo. E é neste estado que uma pedagogia
transformadora deve atuar.
Se há marginalizados, não é por opção. Assim os marginalizados seriam
vítimas de uma violência que os expulsa do sistema. Na verdade, são
violentados, porém estão sempre “dentro da realidade social, como grupos ou
classes dominadas, em relação de dependência com a classe dominante”
(OLIVEIRA In: STRECK; REDINE; ZITKOSKI, 2008. p.182).

Não obstante esse aspecto, a Pedagogia do Oprimido e o Teatro do


Oprimido são de natureza humanizadora. Apresentam-se dessa forma devido à
desumanização verificada nas realidades opressoras do mundo e constatada
biograficamente por Freire e Boal, sobretudo durante o golpe militar de 1964, momento
em que viveram a violência nas formas de prisão e exílio.

83
O termo “humanizadora” é utilizado por serem considerados no palco e na
plateia, dentro da concepção de cidadania, os direitos e os deveres dos participantes. A
assimilação destes conceitos por parte dos educandos e educadores leva-os,
naturalmente, à luta contra as forças opressoras. Além disso, o termo justifica-se por
admitir que homens e mulheres são seres inconclusos e possuidores de historicidade;
pertencentes a uma história também inacabada, na qual a teatralização de situações
opressivas e a alfabetização constituem-se como elementos de uma educação que
problematiza, que não é “fixismo reacionário, é futuridade revolucionária” (FREIRE,
2009), empenhada em um projeto de valorização do humano nos indivíduos. Zitkoski
(2008) reforça esta tese afirmando que
a vocação para a humanização, segundo a pedagogia freireana, é uma marca
da natureza humana que se expressa na própria busca do ser mais, através da
qual o ser humano está em permanentemente procura, aventurando-se
curiosamente no conhecimento de si mesmo e do mundo, além de lutar para ir
além de suas próprias conquistas. Essa busca do ser mais, segundo Freire,
revela que a natureza humana é programada, jamais determinada, segundo
sua dinâmica do inacabamento e do vir a ser (ZITKOSKI In: STRECK;
REDINE; ZITKOSKI, 2008, p.214).

Portanto, a busca da humanização é o esforço para o qual todos os homens e


mulheres são vocacionados e o Teatro do Oprimido, sempre afinado com a Pedagogia
do Oprimido, pode ser considerado uma forma teatral educativa em prol da cidadania.
Por fim, concordamos com Teixeira quando aponta que é reconhecendo as diversas
formas de opressão que o oprimido pode combatê-las em função da sua própria
humanização.
Outra proximidade verificada entre os dois métodos está no formato do
Círculo de Cultura e do Teatro Fórum. O primeiro foi uma das experiências marcantes
da educação popular no Brasil entre os anos 50 e 60, momento em que o país mantinha
o desejo de destruição dos modelos hierarquizados antecedentes e de democratização da
palavra, com a ação e gestão coletivizada e consensual do poder (BRANDÃO, 2008).
Estes círculos consistiam na disposição circular de educadores e educandos, buscando
desenvolver uma dinâmica em que as participações, livres e autônomas, fossem
consideradas com igualdade em discussões acerca de temas da realidade dos indivíduos
e da comunidade.
O Teatro Fórum, por sua vez, é uma montagem teatral organizada e levada
ao palco como qualquer outro tipo de teatro. Nesta montagem tudo possui uma função e
o espetáculo apresenta temas de opressão ligados à realidade e interesse da coletividade.

84
No entanto, com a mediação do curinga – um mestre de cerimônias que não possui
papel de detentor de saber cênico – constitui-se um fórum para que o expectador possa
posicionar-se cenicamente. Assim como no círculo de cultura, neste fórum todos têm o
direito de se manifestar, o que possibilita que ensinem e aprendam numa relação
dialógica.
No excerto abaixo Brandão (2008) expõe uma síntese sobre o Círculo de
Cultura, apontando semelhanças com a concepção do Teatro Fórum, cujas técnicas são
as mais praticadas e possivelmente as mais significativas no Teatro do Oprimido,
Era ponto de partida a idéia de que apenas através de uma pedagogia centrada
na igualdade de participações livres e autônomas seria possível formar
sujeitos igualmente autônomos, críticos, criativos e conscientes e
solidariamente dispostos a três eixos de transformações: a de si mesmo como
uma pessoa entre outras; a das relações interativas em e entre grupos de
pessoas empenhadas em uma ação social de cunho emancipatoriamente
político; a das estruturas da vida social (BRANDÃO, 2008, p.77 – Grifo
nosso).

Notamos, enfim, que as metodologias estudadas estão sedimentadas em


princípios éticos, morais e estéticos. Nessa direção, caracterizam-se como meios de
intervenção social e política voltados para o diálogo e para a cooperação entre sujeitos,
na busca de problematização, compreensão e transformação da realidade. Teixeira
(2007) acrescenta, ainda, que estamos diante de uma pedagogia e de um teatro pelos e
não para os oprimidos, como forma de luta pela libertação destes frente a opressores
e/ou opressões. Freire e Boal nos colocam diante de uma pedagogia direcionada para
uma educação de marca popular, baseada na cultura popular e tendo o teatro também
como vertente popular.
Cabe dizer que o TO não segue literalmente a obra de Freire, mesmo
possuindo com ela uma forte relação (TEIXEIRA, 2007). No entanto evidenciou-se,
após a nossa investigação, que os pontos de ligação entre a Pedagogia do Oprimido e o
Teatro do Oprimido elencados neste capítulo revelam grande interesse pela
emancipação dos homens e das mulheres frente às opressões que os cercam, sem que,
para tanto, tenham prescindido do rigor epistemológico e da postura crítica dos
oprimidos.
No campo da educação de jovens e adultos, esses pontos de ligação
permitem uma reflexão sobre a relação entre educador e educando no interior das
práticas pedagógicas. Sinalizam, dessa maneira, a importância da promoção de ações
que não subestimem a capacidade criadora e a história de vida dos indivíduos. Esses
pontos levam-nos a concluir que a Pedagogia do Oprimido e o Teatro do Oprimido não

85
são um conjunto de técnicas que findam em si mesmos, mas formas complexas de
educação e arte com finalidade humanizadora.
A abordagem de Teixeira certamente serviu-nos como parâmetro para uma
parcela dessa investigação. No entanto foi também valorizada por nós a expansão do
olhar para questões como a presença do teatro na educação estética e o reconhecimento,
por parte dos educandos de EJA, da sua importância como arte que traz, em sua
essência, elementos de ordem formal, além da relevância do acesso que esses podem e
devem ter aos meios de produção estética.
Em resumo, estas análises nos permitem concluir que foi essencial, em um
primeiro momento, compreender os fundamentos da Pedagogia do Oprimido e do
Teatro do Oprimido para depois verificarmos, na prática, como se dá o trabalho com
adultos no espaço escolar. A pesquisa de campo a cuja descrição dedicar-nos-emos no
próximo capítulo foi realizada segundo esta linha de raciocínio.

86
4. TEATRO DO OPRIMIDO NA EJA - LUGAR, AÇÕES E SUJEITOS

Neste capítulo serão apresentados o lugar, as ações e os sujeitos do nosso


campo de pesquisa, que trata do Teatro do oprimido na EJA. Com o primeiro tópico
pretendemos explicitar o local onde a pesquisa foi realizada. Os cinco tópicos seguintes
referem-se à ação prática com o TO, iniciando com uma discussão detalhada sobre a
metodologia criada por Augusto Boal e seguindo o itinerário teórico percorrido até o
presente momento, que abrange as técnicas e os jogos, até alcançar as montagens e
apresentações de Teatro Fórum.
Pontuaremos, ainda, questões vinculadas à metodologia triangular
(BARBOSA, 1991) que, sem dúvida, auxiliou-nos no exercício da contextualização, da
fruição e criação artística dos sujeitos envolvidos nesta pesquisa. Além disso, será
proposto um debate sobre a técnica de Teatro Fórum, a fim de analisar a sua função
pedagógica na EJA.
Quanto à parte final do capítulo, nada mais coerente do que dedicá-la aos
sujeitos da pesquisa. A explicação para esta escolha pauta-se no argumento de que será
mantida, nesta parte da dissertação, uma sequência de abordagens que se inicia com uma
explanação sobre o Teatro do Oprimido e culmina com a caracterização dos sujeitos.
Para que essa escolha faça sentido apresentaremos uma série de dados que revelam os
aspectos social e cultural daqueles que foram os atores principais desta investigação: os
alunos e alunas do PROEF II – Projeto de Ensino Fundamental de Jovens e Adultos –
Segundo Segmento – UFMG.

4.1 Introdução ao campo de pesquisa

O presente capítulo refere-se às experiências realizadas no PROEF II, local


escolhido para a realização da nossa pesquisa de campo. Trata-se de um projeto criado
na década de 1980, assim como o PROEF I. Ambos fazem parte do Programa de
Educação Básica de Jovens e Adultos da Universidade Federal de Minas Gerais, que
possui também o Projeto de Ensino Médio de Jovens e Adultos (PEMJA). Todos esses
projetos são destinados à escolarização de jovens e adultos servidores da UFMG ou da
comunidade externa.
O PROEF II funciona no Centro Pedagógico da Escola de Educação Básica
e Profissional da UFMG em dois horários, de segunda a quinta feira: turmas cujas aulas

87
começam às 18h10min e terminam às 21h, além de turmas com atividades que se
iniciam às 19h10min e se encerram às 22h totalizando, três aulas diárias de 50 e 60
minutos para cada turma.
A escola é dotada de estrutura que nos ofereceu condições adequadas às
exigências de nossas aulas. Contamos com um razoável espaço destinado ao teatro: uma
sala ampla equipada com espelhos, tablados praticáveis e aparelhagem de som,
imprescindíveis para as nossas atividades. No entanto, o maior problema quanto ao
espaço físico diz respeito às instalações que não são apropriadas para alguns alunos com
limitações físicas.
Não podemos deixar de registrar que esse projeto possui, em sua
organização curricular, a chamada área de Expressão Corporal, que abrange a Educação
Física e o Teatro e é coordenada por um professor titular da Escola de Teatro da UFMG.
Este docente acompanha as atividades dos monitores (professores) destas disciplinas
através de reuniões semanais. Trata-se de monitores graduandos com bolsa de extensão.
Com essa organização pudemos discutir, propor e avaliar sistematicamente questões
inerentes à área, tendo sempre como foco principal os educandos de EJA. Além disso,
cabe mencionar que no PROEF II as disciplinas são dividas por áreas: português,
matemática, história, geografia, ciências da natureza, inglês e expressão corporal.
Os principais sujeitos da pesquisa formavam a turma 36537, que foi
escolhida entre oito turmas frequentes após sugestão de nossa orientadora e da
coordenadora do PROEF II. Constituía uma turma em fase intermediária, que conhecia a
dinâmica e que ainda tinha um percurso no projeto. As aulas de teatro aconteceram de
março a junho de 2010, às terças-feiras, de 19 às 20 horas. Realizamos dezesseis
encontros no horário regular das aulas, cinco ensaios em horário alternativo e dois dias
de apresentação de peças de Teatro Fórum.

4.2 Teatro como metodologia

37
Todos integrantes da turma 365 autorizaram o uso de seus nomes reais nesta dissertação. São eles:
Alexandre Lunardi Ribas, Ana Cristina Ramos, Antônio Quirino da Silva, Dayse Helena Tadeu Coelho
Silva, Eliane dos Santos Silva, Erondina da Rosa Lima, Geralda Conceição da Silva, Geraldo Pereira
do Sacramento, Heli Oliveira Alves, João Batista Neves, José Luiz Santos, Jovelina de Jesus Dias,
Leda de Oliveira Lino, Luciano de Oliveira, Luiz Carlos de França Pinho Teixeira, Marcus Cordeiro de
Andrade, Margarida dos Santos, Maria Angélica Coutinho da Silva, Maria da Glória Pego Moutinho,
Maria das Graças de Sousa Ramos, Maria Geralda da Cruz, Maria Lina Santos Bernardino, Nanci
Maria Afonso, Neusa de Souza Santos, Ray Maia Quintão, Rita Maria Augusto Teodoro, Rosaly Serra
Moreira Alves, Salvadora dos Anjos Espírito Santo, Vilma Dantas Rainer.

88
Iniciamos neste capítulo a discussão sobre o nosso processo de trabalho no
campo de pesquisa. O texto a seguir introduz a metodologia do Teatro do Oprimido com
a finalidade de discutir e analisar sua função na EJA. Alguns pesquisadores nos
apoiaram nesta reflexão, que tem como objetivo apresentar os aspectos pedagógicos do
método de Augusto Boal.

Para o pesquisador Arão Paranaguá de Santana,


os nexos epistemológicos originários do Teatro-Educação remontam a um
passado longínquo, embora sua vertente no ensino formal tenha sido
consolidada somente nesse século, em resposta às necessidades do teatro
moderno e aos reclames da sociedade em prol de uma consciência cidadã
plenamente democrática.
Assim no âmago de sua própria historicidade, criou-se uma cultura
compreendendo os fins do teatro na escolarização, suas metas pedagógicas e
estéticas, conteúdos, atividades facilitadoras do aprendizado e procedimentos
de avaliação. Ao longo desse processo de tornar-se disciplina foram sendo
configurados métodos e teorias, visando-se superar os obstáculos suscitados
através da ação (SANTANA, 2009, p. 30).

Aqui estamos tratando de teatro enquanto método. O Teatro do Oprimido


insere-se nesta perspectiva por ser um sistema complexo, em conformidade com os
apontamentos de Lalande (1999), que nos mostra que método é
etimologicamente, “demanda”; e por consequência esforço para atingir um
fim, investigação, estudo; de onde, nos modernos vêem-se duas acepções
muito próximas, ainda que possíveis de distinguir.
1º O caminho pelo qual se chega a determinado resultado mesmo quando esse
caminho não foi previamente fixado de uma maneira premeditada e refletida.
[...]
2º Programa que regula antecipadamente uma sequência de operações a
executar e que assinala certos erros a evitar, com vistas a atingir um resultado
determinado.[...] (LALANDE, 1999, p.678-679).

Por sua vez, Japiassu (2005) considera que a expressão “metodologia do


ensino de teatro” refere-se ao conjunto dos métodos utilizados para o trabalho educativo
com o teatro, como caminhos didático-pedagógicos que se apresentam como via para a
apropriação do fazer teatral e da apreciação estética dos enunciados cênicos nos
processos educativos no âmbito da escolarização nacional.
Apesar desses esclarecimentos, o que é, de fato, o Teatro do Oprimido? Na
tentativa de responder a esta questão, Augusto Boal revela que
todo o sistema do Teatro do Oprimido foi desenvolvido em resposta a um
momento político, bastante peculiar e concreto. Quando em 1971, a ditadura
militar no Brasil tornou impossível a apresentação de espetáculos populares
sobre temas políticos, começamos a trabalhar com as técnicas de Teatro
Jornal: uma forma de teatro fácil de ser praticada por pessoas inexperientes,
permitindo que grupos populares produzissem seu próprio teatro (BOAL,
2005, p. 43).

89
Já vimos nos capítulos anteriores que Boal iniciou a sistematização de seu
método durante seu exílio no Peru, no início dos anos setenta, assumindo franco diálogo
com a “Pedagogia do Oprimido” de Paulo Freire. Tendo isso em vista observamos que
trata-se de uma poética política, de uma forma de teatro com característica popular e
participativa. A fim de elucidar sua proposta, Boal define que o Teatro do Oprimido
é um método estético que reúne exercícios, jogos e técnicas teatrais que
objetivam a desmecanização física e intelectual de seus praticantes e a
democratização do teatro, estabelecendo condições práticas para que o
oprimido se aproprie dos meios de produzir teatro e amplie suas
possibilidades de expressão, estabelecendo uma comunicação direta, ativa e
propositiva entre espectador e atores. [...] É o primeiro método teatral
elaborado no hemisfério sul (Brasil e América Latina) que é utilizado em
mais de setenta países dos cinco continentes. (BOAL. 2008, p. 3-4)

O método é representado por esta frondosa árvore:

FIGURA 1 – Árvore do Teatro do Oprimido


Fonte: Livro Teatro do Oprimido e outras poéticas políticas38

Nesta árvore visualizamos as mais variadas técnicas, a interlocução entre diversas áreas
do conhecimento, o objetivo da multiplicação do método, os elementos estéticos com os

38
A figura acima é a mesma do livro Teatro do Oprimido e outras poéticas políticas. Modificamos o
formato das letras para torná-la mais legível bem como outros elementos baseados em ilustrações
utilizadas em cursos e oficinas do CTO.

90
quais trabalha e o terreno onde suas raízes estão sustentadas: é o solo da “estética do
oprimido, da solidariedade e da ética.”
É necessário apontar que as técnicas do teatro do oprimido foram criadas
paulatinamente por Boal em meio a um ininterrupto processo de pesquisa. As técnicas
do “Teatro Jornal”, o “Teatro Invisível”, “Imagem” e “Fórum”, por ordem de criação,
tiveram origem no Peru, em 1973 (BOAL. 2000). Durante o período que o teatrólogo
viveu na Europa (1976-1986), foi desenvolvida a técnica do “Arco-Íris do Desejo.”
Após seu retorno ao Brasil, entre os anos de 1993 e 1996, criou o “Teatro Legislativo”
(TEIXEIRA, 2007). A seguir, descrevemos de modo detalhado as técnicas que
atualmente compõem o método:
a) teatro jornal – constitui-se por doze técnicas que servem para montagem
de cenas teatrais baseadas em notícias de jornais, as quais podem ter como função
desmistificar a pretensa imparcialidade dos meios de comunicação;
b) teatro invisível – seu objetivo é abordar um drama com ações que o ator
principal gostaria de experimentar na vida real, numa transposição do que seria uma
ficção para a realidade. Com esta técnica o espaço de representação pode ser qualquer
lugar público: praça, rodoviária, restaurante, repartição pública. Na trama, público e
atores não se distinguem no lugar, o que não deixa explícita a ação teatral;
c) teatro imagem – neste teatro é dispensável o uso da palavra. Os corpos
dos participantes representam situações em forma de imagens estáticas, com a
finalidade de desenvolver a sensorialidade sem a pujança de um texto teatral, por
exemplo. No entanto deve ocorrer, no espaço, a representação de uma situação social
problemática, passível de ser transformada por meio de sugestões de outras imagens;
d) teatro fórum – consiste em uma montagem teatral de um problema social
baseado em um fato real, vivido ou presenciado por alguém do grupo. A escolha do
tema deve, por princípio, voltar-se para manifestações opressivas de abrangência mais
coletiva: entre grupos sociais e menos entre indivíduos. Nesta peça observamos
claramente a presença do opressor e do oprimido com os seus possíveis aliados. O
espetáculo é mediado pelo curinga e culmina na vitória do opressor sobre o oprimido.
Abre-se, então, o fórum: o espectador é convidado a intervir na cena de maneira a
opinar e tentar transformar a situação de opressão. A partir desse momento os
espectadores passam a ser espect-atores, visto que a intervenção se dá pelas vias da
atuação cênica. É importante saber que esta é a forma do Teatro do Oprimido mais
praticada em todo o mundo;

91
e) arco-íris do desejo – conjunto de técnicas introspectivas, terapêuticas sem
constituírem terapia, cujo objetivo é mostrar que as opressões internalizadas têm origem
e guardam, segundo Boal, íntima relação com a vida social;
f) teatro legislativo39 – trata-se de uma montagem de Teatro Fórum com a
presença de uma célula metabolizadora: profissionais do direito, especialistas em
legislação com amplo conhecimento do tema abordado. Na seção os participantes
podem propor leis, usando súmulas que são recolhidas pelo curinga. As propostas são
analisadas pela célula metabolizadora e podem ser encaminhadas para as casas
legisladoras dos âmbitos Municipal, Estadual e Federal com a possibilidade de
converterem-se em projetos de lei. Uma variante desta técnica é o “Teatro Legislativo
Relâmpago”, que consiste no mesmo processo de produzir alternativas aos problemas
apresentados em uma sessão de Teatro Fórum, sugerindo leis que são imediatamente
votadas. Tudo isso ocorre em um único evento de três horas de duração (TEIXEIRA,
2007);
g) ações diretas - são formas de teatralização de manifestações
convencionais, como protestos, marchas de camponeses e de outros segmentos sociais,
procissões laicas, desfiles, cortejos e comícios, dentre outras. Pode-se usar elementos do
teatro, como danças, músicas, máscaras e outros que forem convenientes.
No contexto dessas técnicas, Boal enfatiza que
o Teatro do Oprimido, em todas as suas formas, busca sempre a
transformação da sociedade no sentido da libertação dos oprimidos. É ação
em si mesmo, e é preparação para ações futuras. [...]
O objetivo de toda árvore é dar frutos, sementes e flores: é o que desejamos
para o Teatro do Oprimido que busca não apenas conhecer a realidade, mas a
transformá-la ao nosso feitio (BOAL, 2005, p. 19 e 21).

Como prova disso, a própria metodologia do Teatro do Oprimido continua a


evoluir em função da concepção que o teatrólogo demonstra sobre os oprimidos e
oprimidas, vista no capítulo anterior. Esse constante movimento criativo e reflexivo
pode ser observado na mais recente obra de Boal: “A Estética do Oprimido”. Nesta não
apenas o teatro é do oprimido, mas todas as artes podem ser alcançadas e produzidas
pelas pessoas desde que elas se apropriem do som, da imagem e da palavra. Havendo a

39
Augusto Boal foi eleito vereador na cidade do Rio de Janeiro em 1992. Criou o Teatro Legislativo no
período do seu mandato e conseguiu, através desta forma teatral, aprovar 13 projetos de Lei na Capital
fluminense. Também foi originada a proposta que resultou, em 1997, após o final do mandato, na
primeira Lei brasileira de Proteção às Testemunhas de Crimes, que veio a inspirar a Lei Federal de
Proteção às Testemunhas; segundo Olivar Bendelak, Curinga do CTO RIO. (Depoimento recolhido no
dia 15/11/2010 no site: www.ctorio.org.br)

92
apropriação, ao escrever uma poesia o individuo se torna poeta; ao criar uma canção,
será compositor; ao pintar um quadro, um pintor. Desse modo, o autor (BOAL, 2009)
reforça a importância da promoção do acesso aos meios de produção artística e não
somente aos bens de consumo artístico-culturais40.
Constatamos, portanto, que o “Teatro do Oprimido” e a “Estética do
Oprimido” possuem natureza educativa e pedagógica (BOAL, 2009). Sobre isto
recorremos a Boal:
educação significa a transmissão do saber existente. Pedagogia, a busca de
novos saberes. Essas duas palavras não podem ser dissociadas, porque não
podemos aceitar um saber paralítico, imóvel, não investigativo, nem
descobriremos jamais novos saberes sem conhecer os antigos.
[...] A verdadeira e prazerosa educação, porém, é pedagógica: estímulo ao
aprendizado, às alegrias das descobertas e do saber.
Educação e pedagogia são duas irmãs que são, ao mesmo tempo, mães e filhas
da cultura. Filhas porque a cultura existe em cada sociedade em que vivemos e
se manifesta através do saber que ensina e do saber que busca. Mães, porque
através delas nasce uma nova cultura, sempre em trânsito. (BOAL, 2007, p. 7)

Já que se trata de um método com estas características, percorremos nosso


itinerário atentos ao seguinte objetivo: a busca da emancipação criativa do educando
adulto, na tentativa de proporcionar momentos de expressividade e análise crítica do
mundo real em que este está inserido.
Para validar o desenvolvimento metodológico do trabalho com educandos
estabelecemos alguns critérios, baseados na abordagem triangular proposta por Ana Mae
Barbosa (1991), voltada, inicialmente, para a leitura semiológica de obras de artes
visuais. No entanto, estendemos seus preceitos para o teatro e trabalhamos
organicamente em três vertentes sintetizadas nos verbos de ação: “contextualizar”,
“fruir” e “criar”. Esta forma de condução potencializou os procedimentos didáticos,
permitindo o trânsito de ideias, planos e atitudes criativas tanto do educando como do
educador. Nosso trajeto foi delineado por verdadeiras pontes e caminhos, por etapas
sequenciais com objetivos a serem atingidos em cada fase, que constituía sempre pré-
requisito para a seguinte, não por mera rigidez, mas para a nossa própria organização.
Já no trabalho empírico, conduzimos os alunos da turma 365 a uma
contextualização histórica da arte teatral. Nesta ocasião fizemos, primeiramente, uma

40
Coli afirma: “[...] para decidir o que é ou não arte, nossa cultura possui instrumentos específicos. Um
deles, essencial, é o discurso sobre o objeto artístico, ao qual reconhecemos competência e autoridade.
Esse discurso é o que proferem o crítico, o historiador da arte, o perito, o conservador de museu. São
eles que conferem o estatuto de arte a um objeto (COLI, 2007, p. 10). Acreditamos que esta concepção
inclui o Teatro e, conforme vimos acima, este raciocínio choca-se com as proposições de Boal.

93
explanação sobre a origem do teatro, desde as formas praticadas no Oriente, passando
pelo teatro grego, até o aprofundamento do teatro político e popular de Augusto Boal.
Esta aula teórica configurou a etapa inicial do processo, mostrando-se determinante para
lograr resultados que, partindo de uma ordem subjetiva, culminaram na criação que
entendemos como concreção ou materialidade artística.
Reconhecida a matéria de trabalho, ou seja, o teatro em um contexto
histórico passamos para a parte prática, fazendo uso do arsenal de jogos propostos no
método. Mesmo porque
o processo prático estético se inicia no tronco da Árvore com os jogos
lúdicos, que ao contrário dos jogos de azar, tem regras fixas, mas exige
criatividade, tal como a sociedade tem leis, mas necessita de liberdade. Sem
leis não existe vida social – sem liberdade não existe vida (BOAL, 2009, p.
188).

Nesta fase os jogos servem para provocar o educando adulto e constituem


uma importante ferramenta, cuja ludicidade envolveu o grupo, movendo seus
integrantes para situações de protagonismo em que podiam ver e serem vistos: é o que
podemos chamar de momento de fruição preliminar.
A ampliação desta relevante etapa aconteceu com a apreciação de um
espetáculo. Para isso organizamos uma ida ao teatro para assistir à montagem de uma
companhia profissional. Em seguida, realizamos um debate em sala de aula sobre o
espetáculo. Este exercício permitiu qualificar o repertório estético dos alunos, que
passaram, inclusive, a ter mais clareza do que pode significar o ensino de teatro no
espaço escolar.
Fechando a triangulação, chegamos ao ponto referente à etapa da criação
artística. Seguindo os indicativos do Teatro do Oprimido, montamos três peças de
Teatro Fórum com apresentações públicas. O objetivo central desta etapa era priorizar a
relação dos alunos/atores e alunas/atrizes com os espectadores. Na análise destes
resultados foi possível verificar o vigor de um teatro interativo, politizador e
pedagógico, conforme as palavras de Gilberto Francisco, aluno do PROEF II e um dos
“espect-atores” das peças. Ao ser indagado sobre suas considerações, o aluno
respondeu: “olha foi ótimo! Foi a primeira vez que aconteceu comigo assim de entrar
num palco, duas vezes assim de seguida. Pra mim, foi ótimo. Houve desenvolvimento
da minha parte” (DIÁRIO DE CAMPO, 2010).
Seu depoimento confirma a ocorrência da interatividade proposta no método
e mencionada há pouco: “foi a primeira vez que aconteceu comigo assim de entrar num

94
palco, duas vezes assim de seguida”. O aspecto da politização pode ser apreciado
justamente na coragem deste espectador de entrar em cena, numa ação motivada pelo
problema apresentado no palco. Além disso, deve ser salientado que este “espect-ator”
concedeu sua opinião em um fórum problematizador, de modo a gerar, na plateia, outras
reações. Em outros termos, provoca-se o desencadeamento de ideias com a intenção de
modificar um dado problema. Gilberto finaliza reconhecendo que “houve
desenvolvimento da minha parte”. Com esta frase identificamos algum nível de
percepção relacionando o espectador ao jogo do teatro e ao desenvolvimento de uma
temática. Entendemos que nisso incide parte do caráter pedagógico presente no Teatro
do Oprimido. Aprofundaremos essa compreensão adiante, quando apresentarmos outros
resultados do trabalho.
É preciso ressaltar, finalmente, que pesquisadores como Santana (2009) e
Japiassu (2005) reconhecem que o método de Augusto Boal, pela sua significância, faz
parte da história do teatro-educação no Brasil e alhures. Apesar disso ainda acreditamos
que o método em questão não é suficientemente difundido, e no âmbito da educação de
adultos pode mostrar-se um mais que relevante referencial teórico e, sobretudo prático.
No próximo tópico, aproveitando as análises realizadas até o momento,
pretendemos problematizar os jogos, tendo como base aqueles verificados no Teatro do
Oprimido.

4.3 Jogos do teatro do oprimido na EJA

Sabe-se que no mundo ocidental os jogos sempre foram cultivados nas mais
distintas sociedades. Seja em forma de competições, como nas olimpíadas da Grécia
Antiga, nos jogos atléticos em Roma ou mesmo nas civilizações antigas do continente
americano, a exemplo dos jogos sacrificais entre os Astecas (NEVES; SANTIAGO,
2009). Tem-se conhecimento da prática de jogos em tribos indígenas dispersas pela
América do Sul, em recantos da África e em todo o Oriente, além de jogos ritualísticos
associados a aspectos religiosos. No decorrer dos séculos e até hoje os jogos despertam
muito interesse, seja pela participação ativa ou por assisti-los.
Atualmente os jogos esportivos movimentam cifras incalculáveis de
dinheiro, devido ao imenso gosto popular por modalidades como o futebol, na América
do Sul e na Europa, o futebol americano nos Estados Unidos, o rugby no Reino Unido,

95
Austrália e África do Sul ou mesmo as competições automobilísticas que acontecem em
circuitos de todo o planeta.
Entretanto, deve-se reconhecer que nem todos os jogos são competitivos. Há
aqueles desprovidos de qualquer forma de compensação, prêmios ou condecorações.
Estes podem ser utilizados como recurso didático, inclusive na educação artística. No
tocante ao emprego dos jogos ligados ao teatro, utilizamos como aporte autoras
brasileiras como Joana Lopes (1989), Ingrid Koudela (2009), Maria C. Novelly (1994) e
Libéria Rodrigues Neves & Ana Lydia B. Santiago (2009). Nesses estudos notamos que,
em meio às mais variadas formas e intencionalidades da linguagem teatral produzidas
no último século, conformam-se um grande número de tipos de jogos com suas
peculiaridades, envoltos de elementos lúdicos, articulando a expressão do corpo e a
inteligência dos jogadores.41
Os jogos, em geral, sempre ofereceram certo encantamento para a
humanidade, pois lançam sobre nós um feitiço: é “fascinante”, “cativante”.
(HUIZINGA, 2007). No teatro, igualmente, o encantamento é mantido, mas
essencialmente com alguma finalidade: no que se refere ao TO, a desmecanização
corporal e mental do jogador.
Em referência ao teatro na educação, dois conceitos são notadamente
importantes: um deles é o do “Jogo Dramático” e o outro é o “Jogo Teatral”. Com
relação ao primeiro, Slade (1978) mostra que se trata da situação de “faz de conta”
vivida pelas crianças, momento em que, mesmo em estado de representação, os
envolvidos não necessitam de um ouvinte ou de um espectador. Assim, todos atuam e
interagem em uma integração completa. Por outro lado, o jogo teatral é caracterizado
pela relação entre quem representa - o ator ou o jogador - e quem observa, o espectador.
Entende-se, então, que os jogos do Teatro do Oprimido transitam por estas
duas nuances conceituais sem necessariamente estarem ligados a elas, ou seja, alguns
jogos podem ser observados por participantes externos, outros são praticados com o
envolvimento de todos os jogadores. Além disso, a operação desses jogos com adultos
também exige logística apropriada e o cumprimento de regras estabelecidas.
Em todo caso, o jogo é um fenômeno bastante complexo, como salienta
Huizinga:

41
Destacamos Viola Spolin e Augusto Boal como dois grandes pensadores teatrais que lidam com os
jogos de modo sistemático no teatro, de acordo com a perspectiva acima.

96
o jogo é mais do que um fenômeno fisiológico ou um reflexo psicológico.
Ultrapassa os limites da atividade puramente física ou biológica. É uma
função significante, isto é, encerra um determinado sentido. No jogo existe
alguma coisa “em jogo” que transcende as necessidades imediatas da vida e
confere um sentido à ação. Todo jogo significa alguma coisa. Não se explica
nada chamando “instinto” ao princípio ativo que constitui a essência do jogo;
charmar-lhe “espírito” ou “vontade” seria dizer demasiado. Seja qual for a
maneira como o considerem, o simples fato de o jogo encerrar um sentido
implica a presença de um elemento não material em sua própria essência
(HUIZINGA, 2001, p. 3-4).

Com efeito, os jogos são a porta de entrada do método de Boal. Nessa


circunstância constatamos, empiricamente, que muitos deles são adequados aos adultos,
enquanto outros nem tanto. Por isto, a escolha de um ou de outro dependerá da
disponibilidade física e mental do jogador. Em outras palavras, o adulto pode jogar
quando se sentir estimulado, quando sua vontade for provocada e quando o seu corpo
permitir. Em razão disso a nossa escolha dos jogos foi criteriosa, observando com
atenção todos os detalhes.
No início do trabalho com os jogos do TO junto à turma 365 do PROEF II,
foi sensível o clima de alegria, concentração e ao mesmo tempo descontração dos
alunos. Percebemos nuances que apontam as diversas implicações deste método no
ensino de teatro, ligadas à expressão corporal e à criatividade cênica. Em função dessa
constatação os jogos passaram a ter a conotação, de acordo com o nosso entendimento,
de estágio “pré-expressivo”, pois era perceptível, em diversos momentos, a presença
corporal dos alunos com qualidades ora cotidianas, ora extra-cotidianas (BARBA &
SAVARESE, 1995). Isto é, o corpo e a voz dos alunos adquiriam formas não usuais, o
que nos leva a admitir que há um nível de reaprendizagem corporal e vocal, tendo em
vista que emergiram proposições muito criativas. É importante lembrar que tudo isso se
posiciona como preparação para os espetáculos.
Não é demais reforçar que estamos tratando de jogos com adultos de EJA,
público com suas particularidades e que, a todo o momento, demonstra as suas
inseguranças e idiossincrasias. Além disso, este público insere-se em uma modalidade
que apresenta uma grande heterogeneidade na educação escolar.. Ainda neste capítulo
demonstraremos alguns contrastes relacionados aos sujeitos da EJA, como diferenças
etárias e mesmo a relação com a arte e a cultura. Nesse ambiente as atividades também
encontraram seus percalços. Alguns alunos e alunas, por exemplo, não compreenderam
a função do jogo como elemento preparatório para a atuação dos atores e atrizes em um

97
suposto espetáculo e, desse modo, atribuíram valor duvidoso para a atividade com jogos.
Como explicação para situações como esta, Huizinga esclarece que
seja como for, para o indivíduo adulto e responsável o jogo é uma função que
facilmente poderia ser dispensada, é algo supérfluo. Só se torna uma
necessidade urgente na medida em que o prazer por ele provocado o
transforma numa necessidade (HUIZINGA, 2001, p. 10).

Isto nos obrigou a mobilizar habilidade e esforço para a condução das aulas
visando possibilitar que o grupo entendesse a necessidade dos jogos. Como
consequência, conseguimos fazer com que a maioria dos alunos aderisse à proposta.
Para tanto foram estabelecidas as seguintes etapas de trabalho:
a) realizar uma breve explanação sobre as categorias de jogos do TO, a fim de
que o grupo entendesse a função do desbloqueio físico e mental que eles
proporcionam;
b) conscientizar sobre a necessidade de vestuário adequado, (confortável e que
não iniba os movimentos) para as atividades com jogos;
c) organizar sessões de jogos coletivamente e com divisão de turma, com o
intuito de fazer com que parte do grupo jogasse e a outra observasse para
avaliar os jogos e o envolvimento dos colegas.
No final, a maioria apresentou sinais de que percebeu o significado de jogar
como etapa de uma aprendizagem artística que também se processa gradativamente.
Depoimentos42 de alguns participantes comprovam isto:
Dimir - Nós começamos o processo fazendo jogos do Teatro do Oprimido. O
que vocês podem falar sobre eles?
José Luiz – Principalmente essa parte do corpo e da mente, a liberação do
corpo e da mente, que nos jogos você tem uma condição, você se liberta dos
problemas, você fica assim mais livre, principalmente nesses jogos que a
gente nunca tinha visto e nunca tinha visto uma situação igual e parece que a
gente captou essa idéia [...]. A gente captou isso com toda, com toda
voracidade que precisava tá?
João Batista – Eu achei que aqueles jogos, no momento, eu achei não [...] que
era coisa assim pra gente passar o tempo. Depois eu fui ver que dentro dos
jogos a gente estava, na verdade, aprendendo alguma dinâmica do processo,
não sei se [...] Eu achei muito bacana, achei interessante que tirou a inibição
da gente de ter contato com o companheiro não é? Que a gente ficava meio
sem jeito. Então, mudou muita coisa, eu achei muito interessante os jogos.
Rosaly – Eu acho que libera porque eu nunca pensava [...] Posso falar?
Dimir – pode falar o que der vontade...
Rosaly – Porque eu trato de depressão há bem tempo e meu médico falou,
assim, que está fantástica a minha ficha, que eu melhorei demais. Então, ele,
ele falou assim – nossa senhora, eu que sou médico jamais teria coragem de
dar a cara num teatro, esse professor seu deve ser nota dez – e eu falei – é

42
Todos os depoimentos que aparecem nesta dissertação foram gravados pelo pesquisador e
posteriormente transcritos. Foram entrevistados dez alunos do PROEF II. Como critério escolhemos
oito alunos da turma 365 que participaram efetivamente das montagens de Teatro Fórum e dois alunos
que assistiram e fizeram intervenções nas peças.

98
mesmo, porque, se não fosse ele, eu num [...] Se não tiver incentivo, eu num
estaria não, eu sou muito tímida mesmo.
Dimir – Então os jogos ajudaram muito...
Rosaly – Ajudaram! Ajudaram!

Além de uma percepção sobre o significado de jogar, notamos que vários


educandos também absorvem os jogos como forma de terapia. Essa concepção pode ser
traduzida com fragmentos de frases dos próprios alunos: “você se liberta dos
problemas” e “achei interessante que tirou a inibição.” A propósito, a fala de Rosaly é
sintomática. A aluna, então, revela: “Porque eu trato de depressão há bem tempo e meu
médico falou assim que tá fantástica a minha ficha, que eu melhorei demais [....]”. Ela
esclarece não somente o que os jogos propõem dentro desta modalidade teatral mas um
efeito profilático provocado por eles, o que não constituía nosso objetivo.
As atribuições que os adultos da EJA lançaram aos jogos dizem respeito à
livre apreensão individual. Porém, nos casos acima, será que eles revelam o que
preconiza Boal (desbloqueio físico e mental dos participantes)? Caso isto aconteça, será
que os jogos, componentes de um método teatral, podem ser uma prática relevante na
EJA? No campo de pesquisa os jogos obtiveram adesão de 22 dos 27 alunos da turma.
Dos poucos alunos que não se envolveram na proposta, três eram infreqüentes e dois se
recusaram completamente, optando por realizar tarefas complementares, como avaliação
escrita sobre o trabalho prático. No quinto capítulo ampliamos esta discussão.
Vale ressaltar que Boal sistematizou cerca de quatrocentos jogos em seu
livro “Jogos para atores e não atores”. Alguns foram recolhidos e até modificados em
países pelos quais o teatrólogo passou no período em que esteve exilado. Outros foram
literalmente inventados.
Com relação aos jogos do arsenal do TO, há uma divisão em cinco
categorias:
I – Sentir tudo o que se toca
Nesta categoria, Boal sugere uma série de exercícios que articule todo o
corpo do ator. Inicialmente, os exercícios devem ser brandos, evitando movimentação
violenta. A categoria é subdividida em cinco séries:
1- Exercícios gerais (jogos que trabalham as articulações do corpo);
2- Caminhadas (visam à mudança da mecanização das formas de caminhar);
3- Massagens (segundo Boal é, na verdade, um modo de fazer com que as
pontas dos dedos ajudem, ao tocar os músculos dos companheiros, a

99
relaxar; para isso, devem-se evitar movimentos bruscos ou cócegas, por
exemplo);
4- Jogos de integração (como o próprio nome sugere, esta série é indicada
para criar integração entre duplas, grupos variados, ou mesmo um grande
grupo por inteiro);
5- A gravidade (possibilita entender e trabalhar sobre as mecanizações
cotidianas).

II – Escutar tudo o que se ouve


Categoria subdividida em cinco séries, quais sejam:
1- Exercícios e jogos de ritmo: são exercícios com ritmos corporais, sendo
que, em vários deles, aparecem, também, ritmos vocais;
2- A melodia: exercícios com melodias emitidas pela voz, ocorrendo, ainda,
movimentos corporais;
3- O Som: exercícios com sons vocais que representam, por exemplo, os
ruídos de uma sala de aula, de uma fábrica em funcionamento, etc.;
4- O ritmo da respiração: exercícios que trabalham as variações da
respiração, por exemplo: com o corpo deitado, ou verticalizado, lenta,
rápida, profunda, como uma explosão, como uma panela de pressão, etc;
5- Os ritmos internos: exercícios com ritmos do dia a dia; ritmos ligados a
uma profissão e à interação com o meio ambiente: o ritmo da ação de um
fotógrafo detalhista pode ser um exemplo.

III – Ativando os vários sentidos


Nesta categoria, tem-se o sentido da visão como foco. O argumento para tal
escolha refere-se ao fato de que, quando nos privamos, voluntariamente, deste sentido,
passa-se a desenvolver os outros e, assim, percebemos o mundo externo por meio dessa
melhor utilização dos outros sentidos. Subdivide-se em duas séries, as quais podem ser
realizadas separadamente:
1- Série dos cegos (jogos com cego e guia);
2- Série do espaço (série que trabalha com todos os sentidos, inclusive a
visão).

IV – Ver tudo o que se olha

100
Esta categoria trabalha a capacidade de diálogo visual entre duas ou mais
pessoas. É subdividida em três sequências principais:
1- Sequência dos espelhos (reprodução mimética das imagens em diálogo);
2- Sequência escultura ou modelagem (aqui, os diálogos não são
reproduzidos mimeticamente e, sim, interpretados, traduzidos);
3- Sequência das marionetes (os diálogos visuais pressupõem marionete e
marionetista, usando fios e hastes);
4- Jogos de imagem (Série de jogos variados).
Para essa etapa, são utilizados, ainda, jogos de imagem, jogos de máscaras e
rituais. Além desses, faz-se uso da imagem do objeto polissêmico, ou seja, aquele que
apresenta sentidos diferentes: um objeto bola imaginária pode servir para um jogo, ou
uma espada, para uma luta, sendo que, mesmo que esses objetos não existam
concretamente, podem proporcionar movimentos, ações e reações entre os participantes.
Há, também, os jogos introvertidos, que exigem do jogador maior observação e
concentração nas suas próprias ações.

V - A memória dos Sentidos


Esta categoria relaciona memória, emoção e imaginação. Acerca dela, Boal
aponta que ajuda a relacionar a memória, a emoção e a imaginação, tanto no momento
de preparar uma cena para o teatro como quando estivermos preparando uma ação
futura, na realidade (BOAL, 2004).
Em torno dessas pontuações, conseguimos desenvolver, em cinco aulas de
sessenta minutos, dezesseis jogos abrangendo as cinco categorias. Eles foram escolhidos
após observação cautelosa do conjunto de alunos da turma 365, levando em
consideração, principalmente, o quesito idade.
Abaixo, seguem a descrição dos jogos praticados seguida de uma análise
geral.
1ª Categoria – A cruz e o círculo, Hipnotismo Colombiano, Contrários de
Jackson, Cinco Gestos.
A cruz e o círculo – Pede-se que façam um círculo com a mão direita, grande
ou pequeno, como puderem. É fácil, e todo mundo faz. Pede-se, depois, que
façam uma cruz com a mão esquerda: é ainda mais fácil, todos conseguem.
Pede-se, então, que façam as duas coisas ao mesmo tempo. É quase
impossível. Em um grupo de umas 30 pessoas, às vezes uma consegue.
Dificilmente duas, e três é o recorde. Quaisquer figuras diferentes para cada
mão também servirão, além do círculo e da cruz (BOAL, 2004, p. 90).

101
Hipnotismo colombiano - Um ator põe a mão a poucos centímetros do rosto
de outro; este, como hipnotizado, deve manter o rosto sempre à mesma
distância da mão do hipnotizador, os dedos e os cabelos, o queixo e o pulso.
O líder inicia com uma série de movimentos com as mãos, retos e circulares,
para cima e para baixo, para os lados, fazendo com que o companheiro
execute com o corpo todas as estruturas musculares possíveis, a fim de se
equilibrar e manter a mesma distância entre o rosto e a mão. A mão
hipnotizadora pode mudar, para fazer, por exemplo, com que o ator
hipnotizado passe por entre as pernas do hipnotizador. As mãos do
hipnotizador não devem jamais fazer movimentos muito rápidos, que não
possam ser seguidos. O hipnotizador deve ajudar seu parceiro a assumir todas
as posições ridículas, grotescas e não usuais: são precisamente estas que
ajudam o ator a ativar estruturas musculares pouco usadas e a melhor sentir as
mais usuais. O ator vai utilizar certos músculos esquecidos do seu corpo.
Depois de uns minutos, trocam-se o hipnotizador e o hipnotizado. Alguns
minutos mais, os dois atores hipnotizam um ao outro: ambos estendem sua
mão direita e ambos obedecem à mão um do outro.
Variante - Hipnose com as duas mãos. Mesmo exercício. Desta vez, o ator
dirige dois de seus companheiros, um com cada mão. O líder não deve parar o
movimento nem de uma mão nem de outra. Esse exercício é para ele também.
Pode cruzar as mãos, obrigar um parceiro a passar por debaixo do outro (sem
se tocarem). Cada corpo deve procurar seu próprio equilíbrio, sem se apoiar
sobre o outro. O líder não pode fazer movimentos muito violentos; ele não é
um inimigo, mas um aliado, mesmo se está tentando sempre desequilibrar
seus parceiros. Depois, troca-se de líder, de maneira que os três atores possam
experimentar ser o hipnotizador. Após uns minutos, os três atores, em
triângulo, hipnotizam-se uns aos outro, estendendo, à sua direita, sua mão
direita e obedecendo à mão direita do outro, que lhe vem pela esquerda
(BOAL, 2004, p. 91).

Contrários de Jackson – O curinga diz para o grupo: - Anda; todos andam.


Depois diz: - pára; todos param. Em seguida avisa: - a partir de agora é o
contrário. Quando eu disser anda, todos param. Quando eu disser anda, todos
param. Depois faz o mesmo com as ordens: GRITA, NOME. No final,
acrescenta: PULA, ABAIXA (CTO – 2008, apostila, p. 16).

Cinco Gestos – Cinco voluntários são numerados pelo Curinga: 1, 2, 3, 4 e 5.


Cada um deve fazer um gesto original, evitando semelhanças. Em círculo, os
participantes reproduzem cada um dos gestos apresentados. Cada gesto
corresponde a um número – de um a cinco. Todos andam pela sala. O
Curinga fala um número e cada vez, primeiro em ordem crescente (de um a
cinco) e os participantes devem fazer o gesto correspondente ao número
pronunciado. Em seguida, o Curinga pode alternar a ordem dos números e
criar seqüências aleatórias de números: 2, 5, 1, para que os participantes
façam seqüências distintas dos gestos (CTO – 2008, apostila, p. 16).

2ª Categoria – O batizado mineiro, Se você disser que sim, Quantos “as”


existem em um “a”, Um, dois, três de Bradford, Mosquito africano;
O batizado mineiro - Atores em círculo, cada um, em seqüência, dá dois
passos à frente, diz seu nome, diz uma palavra que comece com a primeira
letra do seu nome e que corresponda a uma característica que possui ou crê
possuir, fazendo um movimento rítmico que corresponda a essa palavra. Os
demais atores repetem duas vezes: nome, palavra e movimento. Quando já
tiverem passado todos, o primeiro volta, mas agora numa posição neutra, e
são os demais que devem lembrar da palavra, nome e gesto. Naturalmente,
este exercício faz-se com grupos que se encontram pela primeira vez, e não
com velhos amigos (BOAL, 2004, p. 143).

102
Se você disser que sim - Uma música que permita que o ator que conduz o
exercício cante uma frase assim: “Se eu disser que sim, você dirá que não:
sim, sim, não", ao que todos devem responder "não, não, sim". Se eu disser
João, Luís, João, vocês dirão (e os outros dizem) Luís, João, Luís”; e depois
utilizará as palavras "pão" e "mel". Em seguida, combinações diversas das
três palavras e das outras três: "João, mel, não" contra” Luís, pão, sim...”
(BOAL, 2004, p. 144).

Quantos "as" tem um "a" - Em círculo. Um ator vai ao centro e exprime


um sentimento, sensação, emoção ou idéia, usando somente um dos muitos
sons da letra "a", com todas as inflexões, movimentos ou gestos com que for
capaz de se expressar. Todos os outros atores, no círculo, repetirão o som e a
ação duas vezes, tentando sentir também aquela emoção, sensação,
sentimento ou idéia que originou o movimento e o som. Outro ator vai para o
centro do círculo e expressa outros sentimentos, sensações, idéias ou
emoções, seguido novamente pelo grupo, duas vezes. Quando muitos já
tiverem criado seus próprios "as", o diretor passa às outras vogais (e, i, o, u),
depois passa a palavras habitualmente usadas no dia-a-dia, depois a "sim"
querendo dizer "sim", a "sim" querendo dizer "não", a "não" querendo dizer
"não, e a “não” querendo dizer "sim", e finalmente pede que utilizem frases
inteiras, também das suas vidas cotidianas, sempre tentando expressar, com
as mesmas frases, idéias, emoções, sensações e sentimentos diferentes.
(BOAL, 2004, p. 141)

Um, dois, três de Bradford - Em duplas, face a face.


1.ª parte: os dois atores de cada dupla contam até três, em voz alta,
alternadamente: O primeiro ator dirá "um"; o segundo, "dois"; o primeiro,
"três"; o segundo, "um"; o primeiro, "dois"; o segundo, "três", e assim por
diante. Devem contar o mais rápido possível.
2. ª parte: em vez de dizer "um", o primeiro ator passará a fazer um som e um
gesto rítmico, e nenhum dos dois dirá a palavra "um", que se transformará em
um movimento rítmico e um som inventado pelo primeiro ator. O primeiro
ator fará um som e um gesto, o segundo dirá "dois", o primeiro dirá "três", o
segundo fará o som e o gesto, o primeiro dirá "dois", o segundo dirá "três", e
assim por diante.
O som e a ação criados pelo primeiro no início dessa segunda seqüência
devem ser repetidos fielmente sempre no lugar o "um".
3.ª parte: agora, além de um som e um movimento entrarem no lugar do
"um", o segundo ator inventará outro som e outro movimento para serem
feitos toda vez que se for falar o "dois". A dupla jogará por alguns minutos,
tentando ser a mais dinâmica possível.
4.ª parte: um dos dois atores substituirá o "três" por outro som e outro gesto.
Então teremos um tipo de dança, somente com sons e movimentos rítmicos,
sem nenhuma palavra.
O jogo será sempre mais interessante se os sons e os movimentos rítmicos
forem realmente bem diferentes uns dos outros. Desta forma os atores se
confundirão menos. Geralmente as pessoas fazem melhor quando descobrem
que cada uma das duas seqüências é sempre igual: 1-3-2 para o primeiro ator,
e 2-1-3 para o segundo.
Pode-se fazer com mais atores, sempre em número ímpar (BOAL, 2004, p.
141).

Mosquito africano - No círculo, o mosquito vai passar por cima da cabeça de


todos os participantes, saltando de um para o outro. Quando o mosquito está
na cabeça de alguém, essa pessoa abaixa-se e os parceiros dos dois lados
batem palma simultaneamente, como se estivessem tentando matar o
mosquito. Quando salta para a cabeça do próximo, este faz o mesmo: abaixa-
se, enquanto seus vizinhos de roda tentam matar o mosquito com palmas. Até
que o mosquito circule por toda a roda. Em seguida, o Curinga pode

103
acrescentar mais mosquitos ao jogo e também alterar a forma de matar o
mosquito. Modificando o tipo de palma (CTO – 2008, apostila, p. 16).

3ª Categoria – Floresta de sons


Floresta de sons - O grupo se divide em duplas: um parceiro será o cego, e o
outro o guia. Este emite sons de um animal – gato, cachorro, passarinho ou
qualquer outro —, enquanto seu parceiro escuta com atenção. Então os cegos
fecham os olhos, e os guias, ao mesmo tempo, começam a fazer seus sons, que
devem ser seguidos pelos cegos. Quando o guia pára de fazer sons, o cego
também deve parar. O guia é responsável pela segurança do parceiro (cego) e
deve parar de fazer sons se o seu cego estiver prestes a esbarrar em outro, ou bater
em algum objeto. O guia deve mudar constantemente de posição. Se o cego
for bom, se segue os sons com facilidade, o guia deve-se manter o mais distante
possível, com a voz quase inaudível. O cego deve se concentrar somente no seu
som, mesmo se ao seu lado tiver vários outros. O exercício tem como objetivo
despertar e estimular a função seletiva da audição.

Variante (Julián) - Em círculo, os atores são numerados, 1 ou 2, em seqüência:


1, 2, 1, 2, 1, 2, 1, l, 2... Cada ator de número 1 se coloca face a face com o
ator número 2 colocado à sua direita e produz um som que o número 2 deve
reconhecer. Volta para o seu lugar. Cada ator número 2 se coloca: face a face
com o ator número l colocado à sua direita, isto é, formando uma dupla diferente
da primeira e produzindo um som que o companheiro deve identificar. De volta a
seus lugares de olhos fechados, os atores se dão as mãos e tentam sentir, para
posteriormente reconhecer, as mãos dos companheiros à direita e à esquerda. O
diretor dá o sinal e o círculo se rompe: os atores realizam movimentos em
ziguezague para se baralharem. A um outro sinal do diretor, todos emitem o som
que cria diante do companheiro à sua direita, tentam escutar o som feito pelo
companheiro que veio da sua esquerda. Quando reconhece o som de seu guia,
o cego segura a sua mão, começando a reconstruir o círculo original. Os atores
só abrirão os olhos quando suas duas mãos estiverem ocupadas: descobriram e
foram descobertos (BOAL, 2004, p. 141).

4ª Categoria – Jana cabana, O espelho simples, Uma pessoa assusta, outra


protege, Homenagem a Magritte, A luta de galos com sim, mas

Jana cabana - Jogo criado por um grupo de Teatro do Oprimido da Índia. A


turma se organiza em trios de modo a sobrar alguém de fora. Duas pessoas do
trio formam uma cabana, juntando suas mãos. No centro da cabana, a pessoa
se protege. Do lado de fora de todas as cabanas, o participante que sobrou
pode falar: cabana, e todas as cabanas se desfazem, tentando formar novas
duplas. Também pode falar: pessoa, e todos que estão abrigados dentro das
cabanas têm que sair buscando novos abrigos. Se disser tempestade, não
sobrará ninguém em sua posição original, todos devem se mover tentando
formar outros trios. Nos momentos de troca, o participante que estava de fora
tenta garantir seu espaço como cabana ou como pessoa abrigada (CTO –
2008, apostila, p. 16).

O espelho simples - Duas filas de participantes, cada um olhando fixamente


para a pessoa que está em frente, olho no olho. As pessoas da fila A são
designadas como sujeitos, e as da fila B como imagens. O exercício começa e
cada sujeito inicia uma série de movimentos e de expressões fisionômicas, em
câmera lenta, que devem ser reproduzidos nos mínimos detalhes pela imagem
que tem em frente.
O sujeito não deve considerar-se inimigo da imagem: não se trata de uma
competição, de fazer movimentos bruscos, impossíveis de serem seguidos -

104
trata-se, pelo contrário, de buscar a perfeita sincronização de movimentos e a
maior exatidão na reprodução dos gestos do sujeito por parte da imagem. A
exatidão e a sincronização devem ser de tal ordem que um observador
exterior não seja capaz de distinguir quem origina os movimentos e quem os
reproduz. É importante que os movimentos sejam lentos (para que possam ser
reproduzidos, e mesmo previstos pela imagem) e também contínuos. É
igualmente importante que se preste atenção aos mínimos detalhes, seja de
todo o corpo, seja da fisionomia (BOAL, 2004, p. 173).

Uma pessoa assusta, outra protege - Todos os participantes deverão estar


espalhados pela sala. Sem dizer nada, cada um deverá pensar em uma pessoa
que a amedronta e outra que vai protegê-la. O jogo começa. Todos andarão
pela sala ao mesmo tempo tentando proteger-se, cada qual pondo aquele que
o protege entre si e aquele que lhe faz medo. Como ninguém sabe que protege
quem ou quem intimida quem, a estrutura das pessoas na sala será sempre
diferente, estará sempre em movimento (BOAL, 2004, p. 189).

Homenagem a Magritte – Esta garrafa não é uma garrafa - Este jogo tem
dois pontos de partida. O primeiro são as palavras de Bertolt Brecht: "Há
muitos objetos num só objeto se a meta final for a revolução, mas não haverá
nenhum objeto em nenhum objeto se não for essa a meta final. O outro ponto
de partida é o trabalho de Renè Magritte. Algumas de suas pinturas levam
títulos que dificultam a identificação dos objetos que representam: Esta maçã
não é uma maçã, Este cachimbo não é um cachimbo – e nós vemos um
cachimbo pintado neste quadro. O que Magritte quis dizer realmente foi que
um cachimbo ou uma maçã pintados em um quadro não são nem maçã nem
cachimbo, são obras de arte, são pintura, artes plásticas. Esta maçã não é uma
maçã, e não é mesmo: basta tentar comê-la para se certificar da verdade do
título, aparentemente mentiroso.
Este jogo é uma homenagem ao pintor surrealista belga. Começa-se com uma
garrafa de plástico vazia, dizendo-se que "Esta garrafa não é uma garrafa,
então o que será?", e cada participante terá o direito de usar a garrafa em
relação ao seu próprio corpo, fazendo a imagem que quiser, estática ou
dinâmica, dando ao objeto garrafa o sentido que quiser: um bebê ou uma
bomba, uma bola ou um violão, um telescópio ou um sabonete. Depois da
garrafa, pode-se usar uma cadeira. Ou uma mesa etc. Um pedaço de pau pode
ser uma arma, um bastão, uma estaca, uma pá, um mastro, uma vara, um
remo, um apito, uma flecha, uma lança, um violino, uma agulha, muitas
outras coisas, só não pode mesmo ser um pedaço de pau... (BOAL, 2004, p.
216).

A luta de galos com Sim, mas - Este jogo de improvisação consiste em


estabelecer conflitos. Em duplas, cada ator recebe um número: 1 e 2. Um
deles começa fazendo uma gravíssima acusação. Por exemplo, falar que o
outro não costuma tomar banho, e, a partir disso, o outro responde, sempre
com as palavras sim e mas. Na sequência, acusa o outro que também
responde com o sim, mas. Não pode deixar de mencionar esta expressão, pois
ela é que contribui para que o outro se mantenha na posição de acusação e
prossiga, assim, com um conflito constante. (descrição nossa).

5ª Categoria – As duas revelações de Santa Teresa.


As duas revelações de Santa Teresa - O título não tem nada de religioso, e
está relacionado com um bairro do Rio de Janeiro, onde foi inventado. O
grupo decide qual o tipo de relação interpessoal deseja investigar –
marido/mulher, pai/filho, professor/estudante, doutor/paciente etc. Somente
relações próximas e carregadas de sentido e de emoção podem ser
selecionadas. Formam-se duplas, e, em cada uma, os parceiros decidirão
somente: a) quem interpreta o quê, quem é um e quem é outro – não podem

105
os dois ser pais ou alunos etc.; cada um deve ser um dos pólos do binômio; b)
onde vai ser a cena em que vão se encontrar; c) que idade tem cada um: são
diferentes uma mãe de 30 e outra de 60. Depois disso, os parceiros saem de
perto um do outro, e cada um pensa, sozinho, em uma revelação, alguma
coisa – boa ou má, tabu – que se fosse dita provocaria o maior choque na
relação, que nunca mais voltaria a ser a mesma.
A improvisação começa quando os dois se encontram. Eles começam
conversando um com o outro sobre assuntos que esses personagens
geralmente conversam, e a fazer o que acreditam que estes personagens
habitualmente façam, incluindo todo tipo de lugar – comum e clichê.
Depois de alguns minutos, o diretor dará: "Um dos dois pode fazer a
primeira revelação". Então, um dos parceiros deverá revelar ao outro alguma
coisa, de grande importância, que tenha potencial de mudar a relação, para
melhor ou para pior. O outro parceiro deverá mostrar o que imagina ser a
reação mais provável. Improvisa-se a reação a esta revelação.
Depois de alguns minutos, o diretor pedirá ao segundo parceiro que faça
sua revelação, que deve ser tão importante quanto à anterior, e a primeira
pessoa reagirá de acordo com o que imagina que seria a verdadeira reação do
outro. Outro intervalo e o diretor dirá que um dos dois deve partir: eles
improvisam a separação - um "vejo você depois, um boa-noite, um adeus para
sempre”. Parte para comprar uma garrafa de champanhe ou para nunca mais
voltar.
Esse jogo é particularmente útil para revelar a estratificação numa
determinada cultura. Primeiro, onde maridos e mulheres, por exemplo,
usualmente se encontram e falam – na cozinha ou na cama - que revelações as
moças fazem para suas mães – estão grávidas de um homem casado e querem
abortar? Querem abandonar a casa? Parar de estudar, deixar o país?
Comparações que se podem fazer entre as diferentes duplas – por
exemplo, onde se encontram, o que se revelam etc. – são muito eficazes como
maneira de se revelarem os mecanismos de uma determinada sociedade
(BOAL, 2004, p. 225).

As sessões de jogos com adultos de EJA, na turma 365 do PROEF II,


duravam cerca de 40 minutos e ofereciam diversos elementos para observação: o
comportamento do educando em relação ao jogo, a sua relação com a ludicidade e a
corporeidade específica deste sujeito.
De forma geral, os adultos de EJA observados inicialmente buscaram ser
corretos, obedientes às regras, demonstrando receio de errar e consequentemente
evitando riscos. De fato, exigiram do professor doses reiteradas de estímulo. O mesmo
aconteceu quando houve o chamamento para os movimentos mais lúdicos, os quais
requerem o desprendimento das amarras cotidianas, concedendo espaço para abstrações
e para a criatividade.
Sobre a corporeidade do adulto de EJA no âmbito do jogo teatral, notamos o
reflexo de certos condicionamentos. Até porque é preciso considerar que trata-se de
pessoas que normalmente trabalham ao longo de todo o dia, só depois dirigindo-se à
escola. Constituem, em sua maioria, corpos de trabalhadores cuja atividade produtiva
requer pouca criatividade corporal. Ao contrário, este aluno e trabalhador “põe em
movimento suas forças naturais pertencentes a sua corporalidade, braços, pernas, cabeça

106
e mão, a fim de se apropriar da matéria natural útil para a própria vida [...]” (MARX
apud GONÇALVES, 2009).
Nas aulas, os bloqueios eram visíveis, e para essas situações os jogos do
Teatro do Oprimido cumpriram sua função, no geral confirmando seus pressupostos:
desbloqueio físico e mental para a criação cênica.
A título de comprovação, alguns depoimentos revelam a função
metodológica dos jogos. Assim avaliamos, na prática, que corpo e mente são ativados,
gerando prazer e alegria.
Maria Angélica – É divertido, é ótimo, você se libera, se solta, fica mais leve.
[...] A gente pode se soltar, rir mais, porque na nossa idade a gente precisa rir
mais, o pessoal é meio carrancudo. Foi muito bom também a parte de soltar o
corpo. É isso que eu estou te falando, a gente fica mais leve, parece que a
gente está carregando um peso né? Quando fazemos esses exercícios a gente
se libera, fica mais solta.
Erondina – Foi muito bom mesmo! Ajuda! É a verdadeira expressão corporal
porque aí você está expressando tanto com o corpo quanto com a mente.
Porque [...] é [...] você fica descontraído totalmente [...] e nem fica tímida
nem um pouquinho porque eu mesma eu não me senti tímida na hora que eu
fiz, porque eu fiz este tipo de jogos.

Os jogos do TO também proporcionam aos adultos da EJA uma espécie de


deslumbramento. Utilizamos jogos das cinco categorias deste método de modo
envolvente. Certamente o êxito deste trabalho deveu-se majoritariamente à compreensão
de que os corpos ali dispostos possuem habilidades, mas também limitações, como
dificuldade de realizar alguns movimentos. Além disso, deveu-se ao reconhecimento de
que algumas pessoas cansam-se mais rapidamente. Assim, buscamos estimular as
potencialidades respeitando o que cada um podia oferecer e dosando a carga de jogos e
exercícios.
Tem-se agora a oportunidade de refletir sobre o exercício de fruição teatral
desenvolvido por alunos da EJA.

4.4 O Exercício de fruição teatral na EJA

Dentro da condução metodológica da triangulação partimos para a fruição


teatral, etapa subsequente às seções de jogos. Recapitulando: num primeiro momento
assumimos a triangulação43 e, em seguida, uma turma foi levada ao teatro, na condição

43
Sobre a especificidade da Educação em Artes Visuais, Ana Mae Barbosa esclarece que a metodologia
de ensino da arte usada no Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo integra a
História da Arte, o fazer artístico e a leitura da obra de arte (BARBOSA, 1991, p. 36). Nossa pesquisa

107
de espectadores, com a finalidade de analisar alguns aspectos formais de um
espetáculo44.
Através dessas ações reconhecemos a importância de proporcionar ao
educando o seu momento de espectador, de fruidor teatral. Essa atitude contribuiu para
aguçar mais ainda nosso instinto de investigação. De maneira a sedimentar esta análise
foi utilizada como suporte a obra “Pedagogia do espectador”, de Flávio Desgranges,
sobretudo quando este afirma que uma possível especialização do espectador
se efetiva na aquisição de conhecimentos de teatro, o prazer que ele
experimenta em uma encenação intensifica-se com a apreensão da linguagem
teatral. O prazer estético, portanto, solicita aprendizado. A arte do espectador
é um saber que se conquista com trabalho (DESGRANGES, 2010, p. 32).

Nesta perspectiva escolhemos uma montagem que consideramos aproximar-


se da abordagem em sala de aula: situações de opressão conhecidas pelos alunos. Então
nos preparamos minuciosamente e assistimos à peça “Quando as máquinas param”45, de
Plínio Marcos46, um dos mais importantes dramaturgos brasileiros, que produziu suas
obras no período da ditadura militar, mais precisamente entre os anos 60 e 70.
Os preparativos deram-se da seguinte forma: o professor realizou uma
sondagem sobre os espetáculos que estavam em cartaz na cidade, utilizando sites
específicos, jornais e revistas de divulgação cultural até encontrar uma peça que,
considerasse próxima do “tema norteador” e das características do Teatro do Oprimido.
Tudo foi comunicado aos alunos, inclusive a data e o horário do espetáculo e os valores
dos ingressos, adquiridos antecipadamente para os alunos e seus convidados, amigos e
parentes. Cada aluno providenciou o seu deslocamento até o teatro.

de campo pautou-se nestes três parâmetros que chamamos, nesta dissertação, de triangulação. Assim,
estes elementos foram transpostos para o Teatro que é, também, modalidade de arte, cujo produto
teatral é, outrossim, obra de arte.
44
Ainda que sem muito aprofundamento, consideramos como aspectos formais do teatro os elementos
que compõe e “complexificam” esta arte: a escrita dramatúrgica, o trabalho do ator, do encenador e
tudo aquilo que envolve a encenação nos lugares onde ocorre. As obras “A análise dos espetáculos”
(PAVIS, 2003) e “Semiologia do teatro” (GUINSBURG; NETTO E CARDOSO, 2006) foram nossas
referências, juntas à “Pedagogia do espectador” (DESGRANGES, 2010).
45
“Quando as máquinas param” é um drama que conta a história do casal Zé e Nina. Zé gosta muito de
futebol: é torcedor fanático e joga pelada com a garotada da rua. Nina adora novelas. Ele é operário.
Ela costura para fora. Eles se amam e juntos já conseguiram algumas vitórias: casaram, alugaram uma
casa, pensam em ter filhos. Formavam um casal feliz até Zé perder o emprego. Eles lutam diariamente
contra todas as limitações sociais que colocam em risco a continuidade e o objetivo do seu amor. A
peça retrata um período de grande recessão econômica. Ao final, após desespero do protagonista Zé,
Nina é golpeada no ventre, com um pontapé, justo ela que anunciara estar grávida do marido que não
se via em condições materiais de ter um filho. Este espetáculo estreou em 1967. Os alunos assistiriam
à montagem de 2010 da “Cia. Escaramucha de Teatro”, do Rio de Janeiro, com interpretação de
Rômulo Rodrigues e Ana Berttines e direção de Márcio Vieira, no Teatro Alterosa em Belo Horizonte.
46
Plínio Marcos nasceu em Santos (SP), em 1935, e faleceu em novembro de 1999. Foi escritor, autor
de inúmeras peças de teatro. Foi também ator, diretor e jornalista.

108
Com esta atividade, a turma 365 assistiu a um espetáculo que serviu para a
apreciação de um importante texto da dramaturgia brasileira e, ao mesmo tempo,
permitiu verificar a ligação da peça com o Teatro do Oprimido, bem como o tema geral
de estudos no PROEF II: Sociedade de Consumo.47
Sobre as atividades de leitura da obra artística o grupo foi orientado a
observar os seguintes pontos: a interpretação dos atores, a criação e função do cenário, o
conteúdo tratado na dramaturgia, a iluminação e todos os elementos visuais e sonoros.
Todos esses elementos contribuíram para identificar alguma situação de opressão na
peça que provocasse uma reflexão social e política.
Em certa medida tal proposta buscou, essencialmente, uma abordagem sobre
os componentes cênicos e a percepção destes espectadores (PAVIS, 2003). É importante
saber que as chaves da mecânica semiológica estão na leitura de signos teatrais
(KOWZAN, 2006). Entendemos, portanto, que a ação de ensinar e aprender a ler uma
obra de arte teatral com seus signos intrínsecos, embora não seja uma premissa do
Teatro do Oprimido, deveria ser encarada não apenas como uma função metodológica,
mas como necessidade premente na EJA e, como tal, poderia ser revitalizada.
Para finalizar esta etapa foi organizado um debate em sala de aula,
utilizando a técnica GVGO - grupo de verbalização e de observação.48 Nessa
oportunidade os alunos puderam expor com criticidade as suas opiniões a respeito do
que fora solicitado anteriormente. Para iniciar a atividade realizamos um esclarecimento
sobre o enredo da peça, que se configura como um drama doméstico.
A fim de provocar uma análise sociológica da montagem, baseando-nos em
estudos de Mauro Kano (2009) destacamos junto aos alunos que a palavra “doméstico”
é originária do latim dominus, que significa domingo ou o “dia do senhor”, lembrando
que o “senhor é dono”. Além disso, deve ser salientado que “doméstico” possui relação
com casa, que por sua vez é o lugar que abriga a “família”. Quanto à palavra “família”,
é também de origem latina: de famulus, cujo sufixo, mulo, significa animal que
transporta carga. De “doméstico” levantamos o verbo “domesticar”, que se refere a
amansar ou adestrar um animal, pois entendemos, conjuntamente, que os personagens

47
No PROEF II, as disciplinas regulam seus procedimentos, os quais se baseiam em um tema geral
durante o ano letivo. “Sociedade de Consumo” foi o tema escolhido em 2010.
48
O GVGO consiste em dividir os alunos em dois grupos, dispostos em círculos concêntricos.
Inicialmente, o circulo interno verbaliza, enquanto o externo observa. Posteriormente, as funções são
invertidas, discutindo, conjuntamente, um tema relevante.

109
da peça estavam domesticados por um sistema social perverso, que não lhes garantia
condições dignas de sobrevivência nem perspectivas promissoras para o futuro.
Com relação ao drama doméstico abordado por Plínio Marcos,
compreendemos que emoldura a função de um suposto “dono” ou do “senhor”,
caracterizado pela conotação “capitalista” da peça, que evidencia a “domesticação” dos
mulos, os personagens que representam a classe trabalhadora no período da ditadura
militar brasileira. Dessa maneira esse drama levanta denúncias de um tempo também
marcado pela dominação do capital sobre o trabalho, expondo sua natureza:
as mais importantes operações do trabalho são reguladas e dirigidas segundo
os planos e as especulações daqueles que aplicam os capitais, e o objetivo que
eles pressupõem em todos estes planos e operações é o lucro (MARX, 2004,
p. 46).

Delimitado o contexto social do espetáculo foram dirigidas várias questões


ao grupo, momento em que percebemos a identificação do espectador com a história
encenada. Por exemplo, quando perguntados se a situação de opressão apresentada
possuía alguma relação com a experiência de vida, os participantes deram várias
respostas, dentre as quais:
Vilma – Deixa continuar aqui. Só um comentário. O jeito dessa peça. Existem
muitas e muitas famílias desse jeito. Por isso, é que está desse jeito; essa
meninada aí na rua, sem pai, sem mãe. Essa confusão que está existindo,
porque o homem, quando a mulher trabalha e eu trabalhava. Eu comecei a
trabalhar com dez anos de idade. Quando a mulher trabalha, o homem se
acomoda. Ele, [a personagem da peça] acomodou-se porque ela costurava,
sempre tinha ao menos pra comer tinha um dinheirinho. Tudo isso nesta peça
eu passei. Eu tinha o quê? Tinha dezessete, dezoito anos. Tudo! Foi demais!
E eu trabalhando, trabalhando e ele desempregado: buteco, jogo de sinuca.
Bebendo. E eu trabalhando, colocando as coisas dentro de casa. Ai, então, eu
cansei...
Maria Angélica – Não precisa nem falar, não é? É a minha vida!
Vilma – A sua também?
Dimir – Parece com sua história?
Maria Angélica – Demais, demais! Até a máquina de costura é a minha. Eu
trabalhava fora, casei. Depois tive que parar de trabalhar. Aí, então, eu
pensei: como eu vou fazer? Porque a pessoa que trabalha fora... Ela não tem
hábito de ficar dentro de casa. Aí, igual eu comentei. Eu comecei a costurar.
Quando eu via que ele estava chegando, eu pegava aquilo tudo e jogava
debaixo da cama. Almoçava. Ele trabalhava. Mas acontece que, dentro de
casa, era o estritamente necessário. Era bruto. O xampu não podia ter, por que
ia gastar água e luz. Então, lavava o cabelo com sabonete. Eu senti que era a
minha vida ali. As contas eram por conta dele, mas, às vezes, eu pegava
algumas que não estavam pagas. Então, eu pagava. Depois que eu tive os
filhos, é que ficou pior ainda. Porque, se o filho precisasse ir num dentista e
num médico... Se precisasse de dentista, falava: ah manda extrair! Se
precisasse de um médico: ah esse menino não tem nada não, dá um chá.
Então, eu senti assim, ele foi até pouco pelo que eu passei [referindo-se a Zé:
personagem da peça].
Dimir – Ou seja, aquelas situações de opressão da peça estão aí, presentes na
nossa vida ainda hoje?

110
Maria Angélica – Ainda hoje. E eu vivi com ele vinte e cinco anos, porque a
gente, quando casa nova, na nossa época, a mulher que separa ela não presta.
Se vai pra casa do pai, se você sai, igual o meu caso, eu saí sozinha, voltar
com três filhos, eu vou tirar a liberdade de meu pai e a liberdade dos meus
filhos e eu vou viver às custas dele. Nas costas dele. Mesmo eu costurando,
eu [vou] depender dele pra alguma coisa. E o medo de você; você tendo o
estritamente necessário... E o medo de você separar e não dar conta e ter que
voltar. Aí, é pior.

Falas como estas de Vilma e Maria Angélica indicam a essência deste


método: o elo com a realidade; o Teatro do Oprimido vasculha o mundo real, com seus
problemas de opressão reais, claros e concretos.
Com base nas análises já realizadas concluímos que o espetáculo assistido
contribuiu para que os alunos visualizassem uma situação opressiva encenada
realisticamente. Daí a possibilidade de ligar experiências pessoais a fatos retratados no
drama.
Alimentando nosso empenho investigativo, perguntamos se os alunos
chegaram aos elementos sociais da crítica proposta por Plínio Marcos na peça. Em geral
a resposta foi positiva, mas cada um expôs posições, julgamentos e avaliações próprios,
como nos relatos abaixo:
José Luiz – Primeiro o Zé é um desempregado. Na peça, ele não está muito a
fim de arrumar emprego também não. Porque você principalmente em São
Paulo, se você vai pedir emprego numa firma com uma roupa do Corinthians.
Eu acho que pra ele pedir emprego ele tinha primeiro que mudar aquela roupa
e tirar aquela roupa do Corinthians, porque Corinthians e São Paulo, ou
Palmeiras e São Paulo é pior que Cruzeiro e Atlético aqui, certo? Então, o
sujeito chega numa empresa pra pedir emprego, se o cara dos recursos
humanos for são paulino, acabou, já está desclassificado, ou, se o cara do
recursos humanos for palmeirense, não adianta. Você vê que o jogo dele o
que que era? Ele não deixava ela sair pra assistir televisão na casa de uma
colega, por exemplo, um desfile de Miss Brasil que ela queria ver e ele vai
pro buteco pra assistir jogo do Corinthians. Então, eu acho que há uma
desigualdade entre os dois. Eu notei, também, o seguinte: o nível de criação
dela e o nível de criação dele; ela é muito mais meiga, muito mais, uma
pessoa muito mais dócil do que ele. Ele é um cara arrogante, um cara bruto,
não é? É um peão. Entendeu?

É possível entender que a posição de José Luiz revela certa indignação para
com o protagonista, pelo seu modo rude e por suas atitudes em relação à esposa.
Restringe sua crítica a estes elementos e não demonstra reconhecer que Zé também é
oprimido. Assim, aponta as falhas do protagonista sem fazer uma leitura da realidade
social. O mesmo não acontece nas seguintes opiniões:
Maria das Graças – Ele também sofria pressão por estar desempregado. E
aquele momento que ele também foi procurar emprego; ele chegou lá na fila
do emprego, o empregador estava pedindo dinheiro pra poder empregar as
pessoas. Ali, pra ele, também foi o fim da picada. Ele voltou zangado. E eu já

111
li isto muitas vezes em jornal: empresa que oferece emprego; chega lá você
tem que dar uma quantidade de dinheiro. Já vi isto muito em jornal.
Maria Geralda – Eu achei assim que ele passou a ideia, pelo menos eu achei
assim ele oprimido pela sociedade por não ter tido oportunidade de ter um
melhor emprego. Tanto é que ele, por algumas vezes, falou que estava
preocupado com as crianças na rua, não é? Porque elas estavam ali. Ele
estava preocupado com elas que podiam se envolver com roubo, com droga e
não conseguir arrumar um emprego assim como ele. Achei que ele foi
oprimido sim pela sociedade, porque não tinha uma oportunidade.

Essas duas últimas falas aproximam-se da crítica social pretendida pelo


autor paulista. Contudo, vale destacar que nas ações com o Teatro do Oprimido o
reconhecimento da opressão não é suficiente: é fundamental criar meios para a
interferência do espectador na cena, o que não descarta, em aulas de teatro na EJA, a
importância de levar os alunos ao teatro para assistirem a peças, discutirem sobre elas e,
em outra etapa, participarem de um processo interativo e questionador.
Nesse cenário, entendemos que o ato de fruir significa usufruir, deleitar-se
por algo (FERREIRA, 2008). Por esse prisma a ida ao teatro não foi uma atividade
meramente escolar; as pessoas se preparam para um evento cultural que também alarga
as relações sociais. Como os espetáculos aconteceram no final de semana, os alunos
convidaram colegas, amigos e parentes (maridos com esposas, mães com filhos,
namorados e namoradas) para um encontro entre pessoas em um lugar específico: o
Teatro, a casa de espetáculos, lugar onde se ritualiza a arte de representar histórias.
Todos estavam ali, em meio às luzes da noite e ao cheiro de pipoca. No saguão as
mulheres falavam sobre diversos assuntos, até seguirem em direção ao homem que
recolhia os ingressos e se acomodarem na sala de espetáculos. Após o terceiro sinal
sentimos que a fruição começou antes do drama – matéria prima do nosso deleite
continuou com o drama e o ultrapassou, por meio dos nossos sentidos.
Em um único espetáculo aprendemos muito sobre o teatro e sua carpintaria
e, ainda mais, o grupo se apropriou de muitas informações conexas à educação, à
história, à economia e à sociologia.
Ainda nessa visão dos resultados, esta etapa da triangulação permitiu
esclarecer os elementos formais de um espetáculo, conduzindo-nos a outro aspecto
inerente às artes em geral: a emoção. Sem receio da repetição de vocábulos, mesmo
porque ela é intencional, as emoções são produzidas por meio de nossos canais
sensoriais, os quais, no caso do adulto, também podem ser articulados pela memória.
Esta, ativa os sentidos no contato com algo referente a um tempo e/ou lugar precisos.

112
Não se pode perder de vista que os vários elementos cênicos, somados à
interpretação dos atores e à memória, conectaram o espectador à obra de tal modo que
alguns deles se emocionaram sensivelmente. Como prova disso basta verificar o trecho
do GVGO em que a manifestação dos alunos deu-se com brilho nos olhos e cores nas
palavras, repletas de sentimentos.
Dimir – O que vocês acharam daquele cenário e da luz do espetáculo?
Geraldo – Me lembrou muita coisa da minha infância: aquele rádio velho;
meu avô tinha um rádio daquele tipo. De 1958. Não de 1955. No ano em que
minha mãe morreu eu fui morar com meu avô. Ele tinha um rádio um pouco
mais comprido, com uma bateria quase do tamanho do rádio. Pra ele ouvir a
rádio Nacional do Rio de Janeiro. O programa chamava Júlio Lousada, às seis
horas da tarde, todos os dias. E ele ligava para ouvir a Ave Maria. Eu sou
católico, mas não sou praticante... E depois, ele continuava nesta mesma rádio
e ficava até às oito horas na mesma rádio, ouvindo como tem até hoje: a Hora
do Brasil. E tem uma outra coisa: um ferro de brasa...
Maria das Graças – Parecia que a gente estava na varanda da casa do Zé da
Nina de verdade. Foi muito bacana o cenário. Muito real!

Ampliando nosso aprendizado, mesmo que o TO situe-se no território de um


teatro político e aberto em sua forma de lidar com o público, acreditamos que no trato
com pessoas que frequentam um programa educacional seja oportuno conhecer outras
formas teatrais. Isso pode contribuir para compreender melhor o teatro proposto por
Augusto Boal, que é o nosso modelo e nosso objeto de estudo: “um teatro que se dirige
ao povo, sem rodeios ou mitificações, que pode atingir, diretamente, o espectador, seja
em sua inteligência ou na sensibilidade.” (BOAL, 2005)
No capítulo anterior argumentamos que a poética de Boal não circunscreve a
emoção pela emoção nem a mera identificação do espectador com o herói, como
acontece na tragédia grega ou mesmo em um drama político brasileiro dos anos 60.
Tampouco incorpora o efeito catártico no apagar dos holofotes. Apesar disso, a emoção
provada naquela noite de espetáculo nos mostrou que, diferentemente daquela peça, no
Teatro do Oprimido o espectador pode manifestar as mais diversas formas de emoção
que devem ser externadas por meio de atitudes e marcam as intervenções do “espect-
ator”.
É relevante explicar que a escolha do espetáculo “Quando as máquinas
param” não foi aleatória, pois o texto e a montagem desta obra reúnem atributos que
contribuem para a fruição: cenografia, iluminação, adereços, trilha sonora, figurinos e a
interpretação qualificada dos atores. Talvez fosse inadequada a escolha por uma

113
comédia ou uma performance nos moldes do chamado “teatro experimental”49, por
exemplo.
Além dos elementos já mencionados, frisamos que os alunos tiveram
contato, através da montagem assistida, com um teatro realista cujo estilo parece cada
vez mais “fora de moda”, mas constitui parâmetro para outros estilos. Na peça ainda
verificamos uma escrita política, que assume a crítica social com interpretações realistas
e psicologizadas, em concordância com os ensinamentos de Stanislaviski (2003).50
Evitamos o “riso fácil” e assistimos a um “drama”, um espetáculo “pesado”,
inquietante. Apesar disso a resposta da turma 365 para a proposta didática foi
significativa, o que pode ser constatado pela revelação de Geraldo e Maria da Glória:
Geraldo – Posso te falar uma coisa? Eu vou falar aqui vocês vão me gozar.
Aquela foi a segunda vez que eu fui ao teatro. Eu gostei muito. Em breve eu
vou voltar.
Maria da Glória – Eu sou acostumada a ir a teatro como eu já te falei. Ali, eu
achei o seguinte, ali, eu fiquei mais íntima. Estava todo mundo lá e a gente
fica mais íntima da peça. Eu aproveitei para perceber as emoções da atriz e do
ator, porque vai ajudar a gente na nossa peça. Eu a achei uma excelente atriz.
Principalmente na parte emocional. Parece que ela consegue chorar. Ela vai
muito fundo que comove a gente, eu gostei. Achei muito bacana!

Tendo em vista estes depoimentos, torna-se compreensível que ir ao teatro


pode estimular um novo hábito. De certa maneira, é como abrir uma porta que concede
passagem para o universo da arte e da cultura teatral ou, simplesmente, algo diferente do
cotidiano de boa parte de adultos que frequentam a escola. Em vista disso seria possível
admitir que ações como esta ampliem a relevância do trabalho educativo na EJA? Não
seria esta uma forma a mais de aquisição de conhecimento? Por este ângulo, estamos
acordados com Desgranges quando afirma que
a conquista da linguagem teatral propicia ao espectador uma atitude não
submissa diante do fato narrado e das opções cênicas propostas. Conhecendo
os signos que vem sendo estabelecidos ao longo da história do teatro, bem
como o funcionamento dos mecanismos utilizados em uma encenação, e os

49
Referimo-nos a espetáculos teatrais de cunho “experimental” que, em muitos casos, conseguem a
adesão de um público “mais especializado”, acostumado a linguagens investigativas, “menos
populares”. Para Pavis, o termo “Teatro Experimental” está em concorrência com “Teatro de
Vanguarda”, “Teatro Laboratório”, “Performance”, “Teatro de Pesquisa” ou, simplesmente “Teatro
Moderno”; ele se opõe ao teatro tradicional, comercial e burguês que visa à rentabilidade financeira e
se baseia em receitas artísticas comprovadas, ou mesmo ao teatro de repertório clássico, que só mostra
peças ou autores já consagrados. Mais que um gênero ou um movimento histórico, é uma atitude dos
artistas perante a tradição, a instituição e a exploração comercial (PAVIS, 1999. p388).
50
O russo Konstantin Stanislavski é referência obrigatória do teatro no século XX. Foi o criador de um
sistema teatral que visava a atuação realística dos atores. Buscava uma interpretação que se
aproximasse da vida real, pois quando o papel e o ator estão conectados, o papel ganha vida - e o que
se fez necessário foi constituir uma técnica capaz de possibilitar que isto sempre ocorra. Stanislavski
viveu entre 1863 e 1938.

114
efeitos que produzem, o espectador ganha distância para melhor apreciar
como tais elementos estão sendo apresentados em um determinado
espetáculo. A aquisição desses conhecimentos permite que o observador
esteja em melhores condições para traçar linhas de reflexão acerca da obra e
elaborar um juízo de valor sobre ela (DESGRANGES, 2010, p. 33).

Desta maneira o sentido teatral mostra-se associado à prática educativa.


Ampliando este sentido, assistir a um espetáculo representou um passo importante para
dar início ao protagonismo dos educandos dentro do método do TO. Sendo assim
estivemos atentos ao fato de que, para Boal,
a originalidade deste método e deste sistema consiste em três grandes
transgressões:
1. Cai o muro entre o palco e a platéia: todos podem usar o poder da cena;
2. Cai o muro entre o espetáculo teatral e a vida real: aquela é uma etapa
propedêutica desta;
3. Cai o muro entre artistas e não-artistas: somos todos gente, somos
humanos, artistas de todas as artes, todos podemos pensar por meios
sensíveis – arte e cultura (BOAL, 2009, p. 185).

Para lidar com esta proposta transgressora buscamos, de antemão, conhecer


outra forma mais “conservadora”51 de teatro para que o grupo compreendesse melhor a
sua própria transgressão: poder criar, montar e apresentar-se para um público,
garantindo outro aspecto transgressor do TO: a interatividade do público com o
espetáculo no palco cênico.
A respeito dessa interatividade, na nossa percepção o ato de assistir e de
analisar uma peça teatral foram realmente significantes pois tornaram-se a base para as
outras etapas. Este exercício intencional foi um passo em direção ao que já julgávamos
necessário: a formação do espectador adulto enquanto apreciador, capaz de absorver
informações amplas sobre o teatro, as quais podem se caracterizar como instrumentos
para possíveis criações cênicas ou simplesmente para o deleite estético.
Sobre o Teatro Fórum também cabe uma reflexão que contribui para a
compreensão do processo criativo e democrático na EJA. É o que abordaremos no
tópico seguinte.

4.5 Teatro fórum: processo criativo e democrático na EJA

Por hipótese, entendíamos que as implicações metodológicas do Teatro do


Oprimido só poderiam ser verificadas integralmente se fôssemos capazes de

51
Aqui, o termo conservadora é empregado para designar espetáculos convencionais, apresentados em
palco italiano que separa o espectador da plateia, como ao que assistimos.

115
proporcionar ao educando da EJA a construção e a participação em pequenos
espetáculos. Por essa razão as montagens de peças de Teatro Fórum foram o alvo de
nossa pesquisa e os jogos serviram de intróito, seguidos da fase de leitura de uma obra
teatral. Durante os preparativos para as encenações, que foram a parte conclusiva de
nosso projeto, centramos nossa atenção nas seguintes orientações de Boal:

1. Os atores devem ter uma expressão corporal que exprima com clareza as
ideologias, o trabalho, a função social, a profissão etc. dos seus personagens,
através dos seus movimentos e gestos. É importante que os personagens
realizem ações e façam coisas significativas, sem as quais os espectadores, ao
substituírem os personagens, serão levados a sentar em suas cadeiras e a fazer
fórum sem teatro – apenas falando (sem ação como um rádio fórum). É
importante que todos os movimentos e gestos sejam significantes com
significados, sejam verdadeiramente ação dramática e não pura atividade
física sem significados.
2. Cada cena deve encontrar a expressão exata do tema que esteja
abordando. Essa expressão deve ser encontrada, de preferência em comum
acordo com os participantes.
3. Cada personagem deve ser representado visualmente, de maneira a ser
reconhecido independentemente do seu discurso falado, e o figurino deve
conter elementos essenciais ao personagem, pra que os espec-atores possam
também utilizá-los quando substituem os atores, e ser de fácil compreensão
(BOAL, 2004, p. 29-30).

Iniciamos nossa tarefa de criação com o desafio de envolver todos os alunos


e alunas daquela que, até então, era a turma mais numerosa do PROEF II. Em uma das
noites, conforme planejado, aproveitamos a forma com que a sala estava organizada
desde a aula anterior: alunos sentados em grupos de maneira circular. Explicamos a
todos que, para organizar um Teatro Fórum, seria preciso levantar um problema social
de abrangência coletiva que apresentasse uma situação de opressão clara. Assim, as
peças teriam origem nos alunos que escolhem um fato real e realizam a montagem.
Dessa maneira foram organizados quatro grupos. Cada pessoa teve a
oportunidade de narrar, em seu grupo, uma situação de opressão. Para tanto, os grupos
escolheram a história que mais se prestava a uma montagem teatral, e todos os casos
deveriam estar ligados ao tema norteador: “sociedade de consumo”.
As situações de opressão escolhidas pelos grupos foram as seguintes:
Grupo A – abuso sexual de crianças por parte de homem influente na
comunidade.
Síntese - um integrante do grupo nos contou que duas crianças revelaram a
seus pais que, há algum tempo, sofriam assédio por parte de homem adulto, o que
posteriormente concretizou-se como abuso sexual do homem contra os menores do sexo

116
masculino. Ao ser revelado o autor do crime, a comunidade descobriu tratar-se de uma
figura influente, de reconhecido prestígio, e que por isso não havia sofrido, até aquele
momento, qualquer sanção penal.
Grupo B – mulher causa sérios problemas na família por causa de consumo
compulsivo.
Síntese - A figura central da história quer possuir tudo que é novidade,
mesmo que não necessite. Seja um sapato, uma bolsa, um brinco, um perfume ou um
eletrodoméstico. Porém, não se trata de alguém que tenha condições de “esbanjar”. É
uma trabalhadora comum (não foi revelada a profissão), não é uma pessoa rica. Neste
caso, seu hábito de consumo excessivo resulta em dívidas contínuas e dificuldades para
a família.
Grupo C – usuário de droga: vítima de traficante faz da família sua vítima.
Síntese - a narradora contou um fato de opressão vivido por ela própria52.
Relatou que seu filho, jovem com pouco mais de vinte anos de idade, tornou-se
dependente químico. Para manter o seu vício o rapaz, que é personagem do clássico
drama entre dependentes químicos e suas famílias, pratica pequenos furtos dentro de
casa, maltrata com insultos e outros atos ofensivos a própria mãe. Muito emocionada, a
narradora revelou que seu filho, muito inteligente, consegue, inclusive, “arranjar
emprego” com facilidade. No entanto, por causa da dependência, não permanece muito
tempo no trabalho. O filho se vê às voltas com problemas com traficantes.
Grupo D – homem negro sofre preconceito ao tentar comprar um veículo em
uma concessionária.
Síntese - a escolha deste fato deu-se após a curiosa abordagem do aluno João
Batista que, após a aula, chamou-nos no corredor da escola e narrou o acontecido:
Durante um tempo, juntei dinheiro para comprar um carro novo. Fui a uma
concessionária. Cheguei, fiquei sentado esperando que alguém me atendesse
e nada. O tempo foi passando e nada. Ninguém me atendia. Senti-me
rejeitado. Acho que pelo meu tipo, ninguém deu a mínima pra mim. Me senti
humilhado. Aí, eu apelei e disse para que ouvissem: se ninguém me atender
aqui eu vou embora. Depois que eu falei isso, veio um danado de um
atendente e colocou as moças mais bonitas para me atender (DIÁRIO DE
CAMPO, 2010).

Ao terminar o relato, o aluno perguntou-nos: “professor, você acha que esta


história dá?” Dissemos-lhe que era muito boa e seria analisada na pesquisa.

52
A aluna que narrou o fato também interpretou o papel principal da peça: “Frágil como bolhas de
sabão.”

117
A escolha das histórias foi marcada pelo grande envolvimento dos alunos,
de sorte que podíamos observar, no semblante dos ouvintes, sentimentos de
perplexidade e de indignação que traziam à tona reflexos de postura crítica e algumas
manifestações de desconforto em relação a cada narrativa; eram relatos reais da ordem
do dia. A disposição para esse debate foi tanta que a sala se transformou num plenário e
os alunos participaram com grande interesse, compartilhando sem pudor as suas tantas
experiências de vida.
Embora algumas situações não abarcassem completamente o conteúdo do
tema norteador, resolvemos mantê-las, abrindo espaço para adaptações nos textos que
viriam a ser elaborados ou na mise-en-scène. No entanto buscamos, durante todo o
semestre, manter a unidade com as outras disciplinas para não desvincular o teatro da
proposta coletiva. O tema “sociedade de consumo” serviu de estímulo, como facilitador
para a turma que ao mesmo tempo se inteirava das propostas de outros professores.
Após a escolha dos temas e a organização dos grupos reforçamos junto aos
alunos os aspectos específicos da dramaturgia do Teatro Fórum. Como o nome sugere,
trata-se de uma manifestação interativa que se aplica ao estudo de situações sociais bem
claras e definidas (BOAL, 2005, p. 28-29). A propósito, Boal afirma que esta peça é um
modelo que promove o debate e para tanto deve apresentar um erro, uma falha do
protagonista para que os “espect-atores” possam ser estimulados a encontrar novas
soluções e novos modos de confrontar a opressão (BOAL, 2005). Praticamente no final
da história o oprimido deve ser “vencido” pelo opressor, para que o público se mobilize
e entre em cena, convidado pelo curinga. É esperado que com isso os “espect-atores”
intervenham e mostrem aquilo que julgam ser a boa solução, a melhor saída, o caminho
justo (BOAL, 2005). Este é uma forma pela qual as pessoas são levadas a reagirem a
sairem do imobilismo.
Seguimos estas orientações e adentramos na parte prática da criação,
explicando alguns princípios que facilitam a montagem de uma cena ou de um
espetáculo inteiro. Para o desenvolvimento dos temas levantados os grupos deveriam
estabelecer o início, o desenvolvimento e a conclusão das histórias. Nesta fase era
possível engendrar elementos novos como maneira de criar mais estímulos e mais
tempero em uma narrativa que viraria representação.
Posteriormente demonstramos os princípios da improvisação teatral
propostos por Viola Spolin (2000). Em vista disso os alunos foram levados a
improvisar, determinando o “onde”, o “quem” e o “que” de situações inusitadas. O

118
“onde” refere-se a um lugar preciso em que acontece um fato, é o lócus da ação cênica;
o “quem”, à definição dos personagens com as suas particularidades físicas, sociais e
psicológicas; o “que” é, na prática, o desenvolvimento da improvisação que, via de
regra, exige o início, o meio e o encerramento.
Para compreender melhor estes princípios utilizamos o jogo “as duas
revelações de Santa Tereza”. Várias duplas apresentaram suas improvisações,
confirmando o que tinham apreendido sobre improvisação teatral. Destacamos as
participações das alunas Maria Angélica e Maria Geralda. Ambas representaram, em
uma cena, os personagens “A” e “B”, respectivamente, com a seguinte
microdramaturgia:
Um armário tipo arquivo foi posto no espaço, o que ajudou a determinar o
“onde”. Uma atriz saiu da sala e outra ficou. Ficou vetado que as atrizes
usassem os seus nomes verdadeiros. A atriz que saiu da sala foi “A”, que
entrou dizendo:
A- Nossa Antônia, eu tenho uma coisa pra te dizer, mas, por favor, não fale
pra ninguém. (“A” foi entrando e mexendo no armário como quem
procura algo.)
B- Como é que você entra na minha casa e vai mexendo nas minhas coisas?
A- (Eufórica) Sabe Antônia, é uma historia complicada. A polícia está
procurando o meu irmão.
B- E eu com isso? (“A” continua a procurar algo no armário) e o que é que
você está caçando no meu armário?
A- Sabe, o meu irmão roubou umas joias e eu escondi dentro daquele copo
que estava aqui com fubá.
B- Ah é isso que você tá procurando?
A- É! Você viu?
B- Ih! Então vamos ter que ir pro quintal e ficar esperando.
A- Mas porque Antônia?
B- Por que com o fubá eu fiz um angu e o cachorro comeu!

As atrizes improvisaram tudo em cena e foram aplaudidas calorosamente.


Em função disso continuamos com as improvisações, sem perder a meta.
Como a nossa intenção era criar quatro peças, cada grupo teve o seu tempo para
demonstrar suas cenas que, num primeiro momento, não sofreram qualquer interferência
do professor, nem mesmo no que diz respeito à sensibilidade e ao tempo dos alunos. A
liberdade inicial também serviu como estratégia para certificar como poderíamos
intervir nas improvisações e nas cenas.
A partir de certo momento detectou-se que os adultos, inexperientes em
relação ao teatro e à atuação teatral, demonstravam dificuldades de agir no espaço
cênico. Para a improvisação, cuja ação se passava na sala de uma casa de família, por
exemplo, o grupo ocupava toda a sala de aula sem se preocupar com a presença de um
suposto público. Naturalmente outros problemas técnicos eram perceptíveis: ações e

119
diálogos sobrepostos e em paralelo, pessoas falando simultaneamente, postura física e
vocal cotidiana, etc. Ou seja, os atores e atrizes em cena, nas primeiras improvisações,
comportavam-se como eles mesmos, sem assumir as propriedades de uma personagem53
e modificando somente algumas inflexões relativas aos “textos”.
Por estes motivos nossa intervenção fez-se necessária. Para dirimir
problemas primários nas improvisações, recorríamos às etapas vivenciadas pelos
próprios alunos. Além disso, buscávamos constantemente um resgate dos jogos e da
memória do espetáculo a que assistimos a fim de corrigir fragilidades técnicas.
Conseqüentemente, fizemos com os ensaios ajustes cênicos ao mesmo tempo em que
aprofundávamos a “poética do oprimido”.
Ainda sobre dramaturgia no TO, Boal esclarece que
a peça pode ser realista, simbolista, expressionista, de qualquer gênero, estilo
ou forma, ou formato, exceto surrealista ou irracional – porque o objetivo é
discutir sobre situações concretas, usando-se para isso a linguagem teatral
(BOAL, 2005, p. 29),

Ao analisar todo esse processo constatamos que fizemos uma escolha


adequada, tendo em vista o pouco tempo de aula disponível - uma média de apenas
cinco horas de ensaio para cada peça. Por esta razão optamos por um tom mais realista
nas montagens, de modo a exprimir, com um texto fluido, histórias inteligíveis e
dinâmicas, aumentando, assim, as chances de cativar os “espect-atores”. Retornaremos à
questão do tempo no quinto capítulo.
Por contingências variadas utilizamos apenas elementos cênicos essenciais:
para o mobiliário de todas as cenas foram usadas mesas e cadeiras escolares. Poucos
adereços, como uma bíblia exposta em um suporte, revistas, pranchetas, aparelho
telefônico, sacolas e embrulhos de presentes também nos serviram.
Os figurinos foram preparados pelos atores a partir do que possuíam em
casa. O professor incumbiu-se de criar a luz e a trilha sonora. Em colaboração com os
grupos foi organizada a cenografia. Cada montagem tornou-se, portanto, uma criação
coletiva54.

53
As propriedades da personagem podem estar ligadas à corporeidade e às variantes psicológicas,
principalmente, quando se trata de linguagem realista. Voz adequada à idade da personagem, postura
do corpo, características de personalidades e de comportamento são, apenas, alguns exemplos
importantes de apropriação do personagem por parte do ator.
54
Entende-se por “criação coletiva” o espetáculo que não é assinado por uma só pessoa (dramaturgo ou
encenador), mas elaborado pelo grupo envolvido na atividade teatral. Com frequência, o texto foi
fixado após as improvisações durante os ensaios, com os participantes propondo modificações
(PAVIS, 2003, p.78).

120
Levando em consideração também estes elementos, concluímos que a
criação de Teatro Fórum com educandos de EJA traz em si a virtude de ser um processo
realmente democrático, por dar a todos os participantes a oportunidade de
manifestarem-se sem qualquer restrição. Sendo uma tarefa coletiva, os resultados são
conquistados no momento em que o professor atenta para as diferenças dentro do grupo
e quando, da parte de todos os envolvidos, há o exercício deliberado da fala e da escuta,
da observação e do oferecimento de algo.
À luz dessas observações podemos afirmar que o teatro é uma arte do
coletivo. No caso do Teatro Fórum, coletivizar foi uma exigência, pois do contrário não
seria possível articular o que vislumbrávamos com esta forma teatral na EJA: debater
sobre possíveis formas de transformar a realidade opressiva de acordo, sobretudo, com a
capacidade singular de corpos e mentes de homens e mulheres que, na vida adulta,
retornaram aos bancos escolares trazendo consigo potencialidades individuais para
expressarem-se como artistas.
De modo a reforçar esta análise e, assim, contribuir para o avanço em torno
do assunto proposto, seguiremos com uma discussão sobre o que chamamos de
pedagogia do Teatro Fórum na EJA.

4.6 A pedagogia do teatro fórum na EJA - grupos em cena

Entendemos que a pedagogia do espetáculo, na perspectiva do Teatro Fórum


na EJA, trata-se de um meio teórico e prático de aprendizagem coletiva com base na
complexidade teatral e em diálogo com outras áreas do conhecimento, sem alterar
parâmetros artísticos – relativos à comunicação estética – e cênicos, estes inerentes às
especificidades da arte do teatro.
No campo de pesquisa verificamos que as montagens de espetáculos de
Teatro Fórum comportam, de fato, a essência pedagógica anunciada por Boal, sendo
favoráveis ao ensino de teatro no interior da EJA.
Os quatro elementos55 principais imbricados na pedagogia do espetáculo
são:

55
Estes elementos referem-se à nossa descoberta durante a pesquisa, embora não estejamos respaldados
em outros autores.

121
a) a técnica: o Teatro Fórum com os seus pressupostos que consistem no
mecanismo pedagógico;
b) o educando-artista: aquele que se dispõe a atuar, elemento criador atuante;
c) o público: “espect-ator”, fruidor e interveniente;
d) o professor-curinga: responsável por articular o ‘mecanismo pedagógico” com
o “criador-atuante”, na busca da reflexão e opinião do público.
É provável que estes elementos estejam presentes em outras formas de teatro
na educação, assim como os percebemos, de modo vigoroso, nas várias etapas da
montagem. Notamos três momentos confluentes nesta proposta: em primeiro lugar, a
ação do educador e suas interfaces com o educando; concomitantemente houve o
momento de compreensão, por parte do educando, de como construir o Teatro Fórum;
finalmente, a apresentação para e com o público: momento culminante que ofereceu o
resultado artístico e motivou a aprendizagem coletiva.
Ao referirmo-nos à atuação de um professor com uma turma de adultos de
EJA, articulando ensino de teatro por meio do método de Augusto Boal, alguns fatores
devem ser levados em conta, especialmente os elementos do Teatro Fórum. Sendo
assim, observamos que a tarefa de articulação educativa com esta técnica exige do
professor o conhecimento das demais técnicas do TO, além do desenvolvimento de sua
capacidade didática, entendimento sobre os sujeitos envolvidos e postura política, com
atenção aos problemas sociais à sua volta.
A partir disso pode-se determinar que, sem o desejo de abordar questões de
opressão dos atuais tempo e espaço históricos, um professor de teatro enfrentaria sérias
dificuldades para desenvolver ações reflexivas, politizadoras, de cunho transformador.
Vale ressaltar, no entanto, que o Teatro do Oprimido é um método acessível a qualquer
pessoa por ser de simples apreensão, embora o professor precise se capacitar para
compreender o que Boal denominava as “leis pétreas” deste teatro: a Ética, a
Solidariedade e a Estética do Oprimido, as quais possibilitam substancialmente o
combate e a transformação de situações reais de opressão. Não se trata, portanto, de um
método de teatro a mais; seus propósitos assumem uma abrangente função social56.
Neste sentido Boal salienta que

56
Julian Boal (2009), em conferência proferida no 11º Festival Internacional ZEMOS98, na Espanha,
salientou a utilização de técnicas do Teatro do Oprimido para disciplinar operários, fazê-los serem
mais produtivos e como meio para selecionar novos funcionários: são consideradas perversões em
relação ao TO. Há um relato sobre uma mulher na Suíça que sugeriu que se fizesse uma peça de
Teatro Fórum questionando a presença de mendigos próximos de sua casa. A proponente sentia-se

122
queremos um Brasil em que todos os brasileiros sejam plenos cidadãos, e não
se pode ser pleno sem os fundamentos da educação, sem as audácias criativas
da pedagogia, sem uma cultura plural que tenha a cara do nosso país, mestiço
e cafuzo, mameluco, zambo e cariboca. Sem uma ética de combate a todas as
formas de opressão, por mais enraizadas que estejam na Moral vigente
(BOAL, 2007. p.8).

Tendo em vista esses pressupostos, avaliamos que os membros do grupo


compreenderam satisfatoriamente nossa proposta em termos de aprendizagem e ação
criativa, por sentirem-se peças fundamentais das montagens. Salientamos que a razão
preponderante dos resultados positivos que obtivemos está ligada ao fato de que o grupo
esteve de acordo com a dinâmica da triangulação; demonstrou muito interesse e
considerou uma importante contribuição, visto que foi, aos poucos, adquirindo noções
contextualizadoras sobre a arte teatral, tendo contato com um espetáculo e em seguida
procedendo criativamente. Observamos também o interesse dos alunos por debater
assuntos sociais contemporâneos, propostos no levantamento dos temas que
transformar-se-iam em peças teatrais. Além disso, houve grande empenho por parte da
maioria desses com relação à ida ao teatro. Em seguida, expuseram suas ideias em sala
de aula, apresentando argumentações e sugestões de ações cênicas. Decerto esse
envolvimento contribuiu para a dinâmica entre os alunos e o professor-curinga, que
buscava o estímulo constante do grupo nas várias fases do trabalho.
É importante reforçar que o resultado da tríade “espetáculo, curinga e
espectador” deve voltar-se para o público que, quando interage com o problema de
opressão levada ao palco, passa a ser partícipe de uma ação educativa; o Teatro Fórum
ensina-nos que qualquer pessoa pode posicionar-se sobre fatos que permeiam o dia a
dia. Entretanto, o posicionamento exercido sobre algo depende de cada um, e numa
sessão de Teatro Fórum fica legitimado que cada opinião mostrada cenicamente é aceita,
respeitada e analisada. Neste movimento dialógico tudo deve convergir para o desejo
transformador dos “espect-atores”, pois estes entram na cena, e mesmo os que se
mantém de fora atuam sobre os que assistem. Estas situações singulares já são
suficientemente pedagógicas e vibrantes, e, além disso, mostram-se definitivamente
artísticas.

oprimida pelos mendigos. Casos particulares como estes devem ser evitados. Neste sentido, é de
fundamental importância evitar o olhar limitado sobre o que é opressão. Para isso, deve-se levar em
conta situações opressivas de relevância para a coletividade.

123
A fim de obter as avaliações dos próprios participantes (atores, atrizes,
espectadores e espectadoras) sobre a aprendizagem57 através do TO, entrevistamos
Maria Lina, aluna que atuou em uma peça, e Fabiana, que fez uma intervenção.
Dimir - Vocês consideram o Teatro Fórum, um teatro instrutivo? Ele ensina
alguma coisa às pessoas?
Maria Lina58 – Com certeza. Ensina, passa muita coisa... sentimento, emoção,
passa muita coisa. E ali você está atuando, de perto, você está fazendo... igual
aconteceu conosco, a nossa peça, ela não foi escrita, nós mesmos montamos
ela. Você deu liberdade pra gente montar a peça da forma que a gente quis e
se você tivesse escrito a peça a gente, talvez, nem teria conseguido, mas como
você deixou correr solto, cada um foi fazendo aquilo que sentiu e naquele
momento, às vezes, aquilo não saiu tão bem, a gente improvisou. Às vezes
aquela fala não ia ser daquela forma, a gente improvisou e talvez, a
improvisação até ficou melhor porque aconteceu... Foi um acontecimento, a
gente simplesmente foi fazendo, não houve uma coisa escrita pra gente ler e
decorar, não é isso? Eu senti assim... Foi assim que eu consegui decifrar
aquilo ali, não é? [...]
Fabiana59 – Sim! Com certeza! Porque ali tinha o teatro com pessoas
apresentando o que é o consumismo e havia as pessoas da plateia que podia ir
lá e intervir dando uma resposta para as pessoas que estavam ali assistindo e
eu fui uma. Eu entrei e dei uma resposta que o pessoal gostou do que eu falei,
que a gente precisa pensar na necessidade da família. O que é necessidade, o
que não é. A necessidade e também aquelas coisas; ter um mínimo de... De
valor. [...] De saber como comprar. Não comprar acima de seis vezes. Sabe
como? Sei lá veio na hora lá na mente as palavras que eu falei para o público
e eles gostaram. Então foi dado um recado, assim que vai ajudar muitas
pessoas.

Percebemos duas falas distintas, mas, ao mesmo tempo, complementares. A


primeira, de uma participante de todo o processo e a segunda, de uma pessoa que
assistiu às peças apresentadas. Entendemos, através disso, que os traços educativos deste
método incidem no ator e na plateia.
Maria Lina, que participou como uma atriz, nos revela o que apreendeu
durante o percurso das aulas, enfatizando, com algumas palavras, o quanto o método,
através de técnicas libertárias, permite a autonomia do sujeito: “[...] a nossa peça ela não
foi escrita, nós mesmos montamos ela [...]”.
Nesse contexto pode-se afirmar que com o Teatro do Oprimido o educando
produz a sua obra; tem o direito de criar, de acordo com sua leitura do mundo e sem a
imposição do que já é estabelecido, por exemplo, a formalidade da literatura dramática.
Por este prisma é possível identificar a nuance de uma proposta artística
problematizadora e não bancária, pois nela torna-se principal a realidade dos envolvidos,

57
Refere-se à aprendizagem relacionada às questões sociais próximas aos alunos de EJA que
participaram do processo no PROEF II.
58
Maria Lina foi atriz da peça Consumir! Consumir!
59
Fabiana de Araújo Silva foi “espect-atriz” e fez intervenção na peça Consumir! Consumir!

124
e o educando-artista cria baseando-se em si mesmo: “[...] cada um foi fazendo aquilo
que sentiu e naquele momento, [...] a gente simplesmente foi fazendo, não houve uma
coisa escrita pra gente ler e decorar, não é isso? Eu senti assim... Foi assim que eu
consegui decifrar aquilo ali, não é?” [...]
Estas palavras de Maria Lina, embora aparentemente revelem certa
liberdade nos procedimentos em aula, não podem ser confundidas com licenciosidade.
Cabe compreender que a educanda nos mostra outros modos de fazer e de aprender algo
com o teatro.
Já Fabiana foi uma espect-atriz e argumenta que, como espectadora, também
foi possível aprender. Com respeito ao objetivo do Teatro Fórum (aprender e apreender
como espectador e, mais do que isso, interagir para transformar), relata o seguinte: “[...]
eu entrei e dei uma resposta que o pessoal gostou do que eu falei, que a gente precisa
pensar na necessidade da família. O que é necessidade, o que não é. A necessidade e
também aquelas coisas; ter um mínimo de... De valor.”
Utilizando a técnica do Teatro Fórum e com a participação de 23 alunos,
montamos as peças60 Consumir! Consumir!61, Frágil como bolhas de sabão62, Ramos &
Ramos63 e Minha casa meus amores64.
Neste método, diferentemente das formas convencionais de teatro, o
espectador entra em cena para dar sua opinião. Fabiana o fez demonstrando o seu nível
de conhecimento em relação ao tema encenado, o que confirma a tese de Freire de que a
aprendizagem se dá como em uma via de mão dupla, com a mediação do mundo. Então
é compreensível que a espectadora entre em cena, porque fora provocada por uma
argumentação de formato estético, fundamentada por uma questão do cotidiano, de
interesse coletivo65. Isso explica o fato de a sua opinião basear-se em valores que
prezam o bem estar da família. Fabiana demonstra compreender que sua manifestação

60
Os títulos foram criados pelo professor, em comum acordo com os grupos.
61
“Consumir! Consumir” teve elenco formado por Ana Cristina Ramos, Dayse Helena, Heli Oliveira,
Maria da Glória Pego, Maria Lina dos Santos e Marcus Cordeiro.
62
“Frágil como bolhas de sabão” teve a participação de Erondina da Rosa, Geraldo Pereira, Jovelina de
Jesus, Leda de Oliveira Lino, Luiz Carlos de França, Nanci Maria Afonso, Neusa de Souza Santos,
Maria das Graças.
63
“Ramos e Ramos” teve a participação de Eliane dos Santos, Geralda Conceição, João Batista Neves,
José Luiz Santos, Ray Quintão, Rosaly Serra.
64
“Minha casa meus amores” teve a participação de Maria Angélica Coutinho, Maria Geralda da Cruz e
Salvadora dos Anjos. No entanto, esta peça não foi apresentada, porque uma das atrizes ausentou-se
das aulas devido a problemas de saúde na família, fato que ocorreu muito próximo da apresentação,
impossibilitando uma substituição.
65
Refere-se à peça “Consumir! Consumir!” que discute os malefícios do consumismo doentio.

125
em cena aberta seria uma maneira de colaborar na abordagem do problema quando
afirma que “então foi dado um recado assim que vai ajudar muitas pessoas.”
Com essas observações verifica-se que o Teatro Fórum, na EJA, estabelece
uma ligação necessária entre o educando-artista e o público através do “professor
curinga” que, por meio de uma situação de opressão teatralizada, passa a exercer uma
função educativa dentro de um jogo constituído de elementos amalgamados em uma
arquitetura dramatúrgica precisa, como se observa no esquema abaixo.

ESQUEMA 1 – Dramaturgia do Teatro Fórum


Fonte: Apostila Teatro do Oprimido de Ponto a Ponto – 2007

Este esquema sugere que há, no Teatro Fórum, um confronto fundamental


entre “protagonista” e “antagonista” sendo eles, respectivamente, oprimido e opressor.
Ambos podem ter seus aliados, que não devem superar o significado ou as ações dos
personagens principais. Nessa direção, o início de um espetáculo ocorre com a “contra
preparação” que, de fato, é a parte que antecede o grande conflito, a crise chinesa.66
Já que citamos a contra preparação, é oportuno explicar que esta parte do
espetáculo permite ao espectador inteirar-se paulatinamente do conteúdo da peça e
surpreender-se com o conflito. Além disso, este momento apresenta a luta de vontades
contraditórias, sempre entre opressor e oprimido. Sobre o desenvolvimento da cena,
caracteriza-se pela ação dramática, a qual culminará no desenlace, o desfecho da

66
Boal pontua um aspecto determinante na relação entre opressor e oprimido por ele denominada
crise chinesa. Entende-se que o conceito de crise para os ocidentais tem proximidade com dois
ideogramas chineses que de modo complementar tem o sentido de perigo mais oportunidade:

126
história. Para a interação do espectador o próprio Teatro Fórum estrutura-se como um
meio de provocar questionamentos e atitudes, dirigindo à platéia a seguinte pergunta:
“quais são as alternativas para que o protagonista seja bem sucedido na realização de
sua vontade?” (BOAL, 2007). Então, com a mediação do curinga, os espectadores são
chamados a explicitarem suas opiniões.
Desta forma percebemos que nessa modalidade teatral não basta, apenas,
que o espetáculo seja montado. A compreensão do mecanismo caracterizou-se como a
base para a justa atuação dos atores e atrizes, pois, por tratar-se de fórum teatral, foi e é
necessário atrair os espectadores, desafiá-los e chamá-los a agir cenicamente. Dessa
maneira, o Teatro Fórum surpreende a quem faz e a quem vê: artistas e plateia.
Fizemos, portanto, a seguinte pergunta a Maria Lina, atriz da peça
Consumir! Consumir!:
Dimir - O que você acha dessa possibilidade do público entrar em cena?
Maria Lina – Ah, isso é maravilhoso, isso é muito bom. O público participar
ali e debater, debater com o opressor e, até também, com o oprimido, ele
participa de perto, ele vira o ator, ele vai pro palco e ele vira o artista. E
aquele artista que, por exemplo, no caso, o opressor, ele não vai ceder,
porque, se fosse eu que tivesse fazendo a opressora, eu não ia ceder pr’aquele
que saiu lá da plateia pra vir contracenar comigo. Eu ia ser muito dura. Eu ia
até ser a opressora nessa cena, não foi?
Dimir – Exatamente.
Maria Lina – Eu, eu deixei pra outra porque eu achei... Sabe o quê que eu
pensei Dimir? Que você daria a peça por escrito e eu teria que decorar. E eu
falei assim – se eu for decorar esse trem, esse trem não vai ficar bom – aí, eu
passei pra Dayse. Mas tudo foi bem, foi maravilhoso, foi bom demais. Mas
assim, no caso que você está falando, é muito bom o público participar, é
muito construtivo, é gostoso, é agradável. Você entendeu? É construtivo...

Pode-se avaliar que Maria Lina entendeu que, tecnicamente, a intervenção


do público torna o Teatro Fórum sempre mais tocante, por trazer, a todo o momento,
uma nova opinião e por revelar a posição das pessoas frente aos problemas em cena.
Outra percepção diz respeito ao fato de que, do ponto de vista teatral, a configuração de
um personagem opressor, potente, capaz de aquecer o fórum cênico é de grande
importância para ampliar a participação dos espectadores. A propósito, Maria Lina
confirma este pensamento quando diz: “e aquele artista que, por exemplo, no caso, o
opressor, ele não vai ceder, porque, se fosse eu que tivesse fazendo a opressora, eu não
ia ceder pr’aquele que saiu lá da plateia pra vir contracenar comigo. Eu ia ser muito
dura.” O “ser dura”, na realidade, foi uma indicação dada pelo professor para enriquecer
a discussão na peça teatral.

127
Em outro trecho da entrevista Maria Lina demonstra uma pré-concepção
sobre os mecanismos da montagem teatral, manifestada quando lhe foi permitida a
condição de interpretar a opressora da história: desistiu do papel por receio de não
conseguir decorar um texto. Entretanto surpreendeu-se ao perceber que não
trabalharíamos com textos prontos. Neste momento disse: “sabe o quê que eu pensei
Dimir? Que você daria a peça por escrito e eu teria que decorar. E eu falei assim – se eu
for decorar esse trem, esse trem não vai ficar bom – aí, eu passei pra Dayse.” Fato é que,
interpretando a opressora ou não, Maria Lina teve falas, participou de coreografia e teve
momentos de entrada e saída de cena. Tudo isso reforça que este método potencializa a
capacidade expressiva do educando por exigir dele a coragem de atuar.
Na experiência com adultos de EJA o frescor verificado em todo o processo
com o TO traz muitas surpresas positivas para o educando, que podem ser traduzidas
através da seguinte fala de Maria Lina: “mas tudo foi bem, foi maravilhoso, foi bom
demais. Mas assim, no caso que você está falando, é muito bom o público participar, é
muito construtivo, é gostoso, é agradável. Você entendeu? É construtivo...”
E continuamos a entrevista:
Dimir - Você acha que este teatro ajuda a gente a ser mais politizado...
Maria Lina – Também...
Dimir - A prestar mais atenção nas questões sociais assim?
Maria Lina – Eu acho. Eu acho porque essas peças que vocês fazem do
Teatro Oprimido, [referindo-se a outros praticantes do TO e não aos alunos
da turma 365] esse sistema do público estar participando isso ajuda muito,
isso aborda muita coisa. Porque dá para fazer várias cenas, entendeu? A gente
pode ter ali várias cenas com o público participando, podem ser montadas
várias cenas ao mesmo tempo com o público mesmo ali. O público pode ser o
artista. Então, podemos ter um número muito pequeno de atores ali na peça,
só pra iniciar, você pode ter uns poucos atores ali pra iniciar uma peça, mas o
desenvolver, o desenrolar pode ficar por conta do público... que ele vai
abordar muito assunto, muita questão... e mexe com o sentimento do ser
humano não é? Mexe com o coração, com o caráter, entendeu? O teatro, ele
mexe com o caráter do ser humano, o sentimento, a posição, a postura, ele
abrange toda uma situação do ser humano, sem contar o corpo, a mente não
é? Então é muito bom.

Foi possível aferir o que chamaríamos de efeito politizador do método,


mesmo que sua fala, em alguns momentos, remeta às questões sociais nas entrelinhas.
Com Maria Lina vimos que o TO também alcança outras dimensões do indivíduo: ter
participado de atividades teatrais que finalizaram em uma apresentação pública foi, para
ela, um significante momento de realização pessoal. Nesse sentido, a aluna afirma que o
TO “mexe com o coração, com o caráter... O teatro, ele mexe com o caráter do ser

128
humano, o sentimento, a posição, a postura, ele abrange toda uma situação do ser
humano, sem contar o corpo, a mente não é? Então, é muito bom”.
Dando continuidade aos nossos estudos, vejamos os comentários de
Fabiana, que interveio na peça “Consumir! Consumir!”. Na oportunidade, a aluna foi
indagada sobre as possíveis motivações para o espectador interferir no espetáculo.
Dimir - O que te moveu? O que te estimulou a sair da cadeira que você estava
sentada confortavelmente para ir pro palco e entrar em cena?
Fabiana – Pensar nas pessoas que estavam lá no mesmo nível que eu. O nível
que estava lá era de pessoas pobres. E, hoje, o mercado está muito livre pra
nós. Oferecem cartões, cheque e, de tantas vezes, a gente pode comprar.
Então, a facilidade está muito grande. Então, a pessoa vai e ah!, vou pagar de
dez vezes, dez vezes. Não importa. Vinte e quatro vezes. “vou pagando aí até
ver.” Então, o que me moveu foi pensar em mim mesma e no meu semelhante
que estava ali do meu lado, atrás de mim, na minha frente e eu fui falar isso
para as pessoas, pra que elas possam ter esse controle. Porque está tudo muito
livre, muito fácil da gente comprar aí fora. Mas peraí. Vamos ver o que é
necessário pra nós e saber comprar. O mínimo que eu faço com minhas
compras são seis vezes. Eu não passo disso. Passou disso eu não; preciso
esperar. Eu não vou comprar agora.

Através deste depoimento Fabiana demonstra como lidar responsavelmente


com o consumo. Nessa mesma direção ela identifica, na peça, o que é visto atualmente
no país: expansão da abertura de crédito para as classes trabalhadoras de menor poder
aquisitivo. Essa facilidade de compras a prazo e os altos juros dão indicadores de
endividamento expressivo no Brasil, o que compromete a qualidade de vida das famílias
e gera, no mercado financeiro, um alto índice de inadimplência. Em função disso a
intervenção crítica de Fabiana, mesmo que sob a forma de aconselhamento e na fala do
personagem, mostra uma maneira de agir com cautela frente aos engodos da sociedade
de mercado.
A intervenção foi descrita da seguinte forma:
Fabiana resolveu substituir o oprimido principal da peça: Rodolfo, marido de
Laura. Em um dado momento Laura, a opressora, (uma consumista
compulsiva) entra em casa, cheia de embrulhos, ao lado de duas amigas que
também trazem muitas embalagens de presentes. Fabiana, que recebe as
mulheres e as amigas, chamaremos de Oprimida. Ela interfere gritando:
OPRIMIDA - Chega! Senta aí mulher. Vamos conversar agora! Que negócio
é este de você chegar aqui com suas amigas assim, cheia de compras. Você
não pára um momento pra falar comigo. Você parou um pouco pra pensar nas
nossas vidas. Aluguel está atrasado, temos duas contas de luz, contas de água
para pagar. E você só nas compras pá e bola. Quê que você pensa?
LAURA – Uai! É o homem que paga as contas...
OPRIMIDA – Nós casamos pra ser um só corpo. Quando nós resolvemos ser
um só corpo, quis dizer que nós somos uma só cabeça. Você tem que me
ajudar e eu te ajudar. Poxa, você está me avacalhando! Eu não posso nem ter
desejo de pegar um livro e ler nas horas vagas. Porque nós temos só dívidas!
Só dívidas! E quem faz as dívidas é você. Eu sou o homem sim, da casa, mas
você é a mulher da casa. Então, senta e vamos conversar. Aqui, tem um

129
problema que tem que ser resolvido. Chega! Está é a sua última compra. Nós
vamos viver de metas. A partir de hoje, vamos comprar só o necessário e
compras só vamos fazer com, no máximo, três vezes. Se a gente for às Casas
Bahia comprar um eletro que está precisando, vamos comprar com, no
máximo, três prestações e pronto! Chega! (A conversa foi encerrada com o
pulso firme da oprimida, cuja opinião agradou à plateia em função da
qualidade da interpretação).

Acreditamos que intervenções como esta ilustram como o Teatro Fórum é


dinâmico e emocionante e demonstram, ainda, como consegue atrair posicionamentos
vindos da plateia, mesmo em cena aberta.
Devemos reconhecer que todas as montagens geraram textos muito bem
definidos do ponto de vista dramático. Tratava-se de histórias que retratavam fatos
facilmente identificáveis, com os opressores, os oprimidos e seus aliados bem
delineados. Da mesma forma, as ações dramáticas, a contrapreparação e os conflitos
foram bem estabelecidos nas cenas. A adequação técnica de todos os elementos também
favoreceu a participação efetiva do público. As seções se configuraram como eventos
artísticos com função pedagógica, visto que a cada espetáculo, que durava em média
quarenta minutos, e a cada intervenção dos espectadores algo novo era revelado e
assimilado. Portanto, aprendia-se algo a cada momento, a cada revelação exposta.
Continuamos com alguns questionamentos sobre a função pedagógica da
técnica usada. Agora, perguntamos a Maria da Glória: 67
Dimir - Você acredita que o público aprende algo quando observa, no teatro,
um fato baseado na realidade, tendo a possibilidade de entrar na cena e tentar
dar sugestões sobre este problema?
Maria Da Glória – Sim, eu acho que a pessoa vivencia muito ali. Pode ser que
ela não aprenda, mas tem uma reflexão que ela vai levar, possivelmente, pro
resto da vida. Porque sempre que você assiste, por exemplo, quando você vai
a um teatro, você relembra dele. Cada pedacinho ali você relembra. Eu
acredito, sim, que a pessoa pode ter uma reflexão sim, principalmente, se é
uma coisa que encaixa, assim, no perfil de vida dela...

Aparentemente, Maria da Glória não distingue as peças de Teatro Fórum das


outras peças de teatro profissional a que tem costume de assistir, conforme relato
pessoal. Porém, quando diz “Eu acredito sim, que a pessoa pode ter uma reflexão sim,
principalmente, se é uma coisa que encaixa, assim, no perfil de vida dela...”, corrobora
um princípio essencial do TO, que sempre resgatamos: a reflexão sobre a realidade de
vida do oprimido.

67
Maria da Glória foi atriz da peça Consumir! Consumir! O fato narrado por ela proporcionou a montagem
da peça.

130
Na tentativa de perceber os efeitos após uma seção de Teatro Fórum,
indagamos Fabiana novamente.
Dimir - Depois do espetáculo, depois da apresentação, ainda ressoava
algumas falas no ônibus68 sobre o espetáculo?
Fabiana – Sim. Eu vim até conversando com um rapaz que trabalhou na peça.
[...] E eu pensei duas vezes em estar lá. Se eu não tivesse ido, eu teria
perdido. Porque até hoje foi uma lição de vida pro resto de minha vida e eu
vou lembrar muito daquele espetáculo. E o que marcou muito a minha vida
foi o oprimido e o opressor. Eu não sabia muito definir estas duas palavras. O
que é oprimido o que é opressor? Hoje em dia eu sei. Eu sei quando eu estou
vivendo uma situação de emprego, de escola, ou qualquer outro lugar que eu
estou na minha classe de vida social, família também. Qual parte que eu sou
oprimido ou opressor. Então a gente tem que tomar cuidado também com
esse lado. Ou de estar oprimindo alguém ou de estar deixando alguém oprimir
a gente, não é? E depois como eu aprendi, no teatro, o que significa essas
duas palavras, que é uma muito diferente da outra. Hoje eu tenho me
comportado melhor como pessoa. Eu sei que tem muita coisa ainda que
melhorar. Mas eu lembro muito do teatro e me coloco no lugar das pessoas;
pô, será que eu vou oprimir? E se eu tivesse no lugar dela, eu seria oprimida?
Eu penso e não faço. Eu tenho tido sucesso com isso. Eu tenho crescido como
pessoa.
Dimir – Então, você acredita que o Teatro Fórum, que é uma parte do Teatro
do Oprimido, é um teatro instrutivo?
Fabiana – Nossa, muito, muito mesmo! Eu não tenho palavras pra expressar.
Esse teatro entrou na minha mente que marcou e vai poder me ajudar muito,
muito pela frente. E até mesmo pensar que a nossa vida é um teatro sem
ensaios, não é?

No escopo destas respostas é cabível o entendimento de que o Teatro Fórum


na EJA mantém um movimento reflexivo, durante e após as apresentações. Em outros
termos, é como se prolongasse aquilo que o teatro traz em sua essência: a efemeridade.
Este, aliás, é um registro que julgamos relevante, aliado ao reconhecimento de que a arte
teatral no espaço escolar com adultos de EJA não requer, necessariamente,
procedimentos didáticos fundamentados em rígidos parâmetros formais e estéticos, ou
mesmo no virtuosismo artístico: não exige grandes produções. Ao contrário, “o
necessário pode ser supérfluo” na caracterização geral dos espetáculos. Nesse cenário,
Boal confirma que
um espetáculo pode estar bem trabalhado no que se refere à caracterização,
mas isso não garante que fique clara a motivação dos personagens.
Caracterização sem motivação transforma o espetáculo em um corpo
invertebrado. Tão importante quanto saber quem são personagens, é definir o
que querem. Cada personagem deve ser a expressão de uma vontade
prioritária (BOAL, 2007, p. 24).

Além disso, reiteramos que este teatro exige dos que nele atuam e dos
“espect-atores” a coragem de se inserirem na situação apresentada no palco. Assim,
68
A coordenação do PROEF II disponibilizou dois ônibus que transportaram todos os alunos para a ida ao
teatro e para a volta à escola.

131
essas duas instâncias precisam reconhecer o opressor da história para que este seja
enfrentado, combatido. Por consequência, esse esforço e disponibilidade são capazes de
extrapolar o espaço de reflexão, que pode se estender para o exterior do fórum
estabelecido. Com fins argumentativos, destacamos outras palavras de Boal acerca de
uma sessão de Teatro Fórum.
Não deve terminar nunca. Como o objetivo do Teatro do Oprimido não é o de
determinar um ciclo, provocar uma catarse, encerrar um processo, mas, ao
contrário, promover a auto-atividade, iniciar um processo, estimular a
criatividade transformadora dos espectadores, convertidos em protagonistas,
cumpre-lhe justamente por isso, criar transformações que não se devem
determinar no âmbito do fenômeno estético, mas sim transferir-se para a vida
real (BOAL, 2005, p. 345).

Dessa maneira, no Teatro Fórum o jogo de aprendizagem é contínuo, e os


saberes do teatro articulam novos saberes para todos aqueles que fazem e assistem aos
espetáculos. A autenticidade do aspecto pedagógico em discussão encontra-se na fusão
entre artista e plateia, bem como na atitude do “espect-ator”, pois sua interferência no
espetáculo resulta de uma determinada compreensão que prova atitudes
transformadoras. A seguir faremos uma abordagem sobre os sujeitos de EJA, vistos na
perspectiva de protagonismo no Teatro do Oprimido.

4.7 Os sujeitos de EJA como protagonistas no teatro do oprimido

Com o objetivo de verificar a vida cultural dos educandos envolvidos nesta


investigação buscamos dados que se converteram em estatísticas úteis para nossas
análises.

TABELA 1
Dados da realidade social dos alunos e alunas da turma 365 – PROEF II – 1º Semestre de 2010

NATURALIDADE FAIXA ETÁRIA SEXO ESTADO CIVIL DECLARAÇÃO


RACIAL

Localidade / Nº de Faixa etária / Feminino - 16 Casado - 09 Negro – 07


alunos quantidade de Masculino- 11 Solteiro - 07 Branco – 07
alunos Viúvo - 06 Pardo – 12
Interior de MG – 16 Outra - 05 Não declarado - 01
Capital - 09 21 a 30 anos - 02
Outros estados – 02
31 a 40 anos- 05
41 a 50 anos - 04
51 a 60 anos - 09
61 a 70 anos - 05
71 a 80 anos – 02
Fonte: Diário de Campo

132
Primeiramente aplicamos um questionário na turma 365, cujas respostas
estão resumidas nas tabelas 1 e 2. Nessa turma, com a qual realizamos as aulas,
obtivemos a participação de 29 alunos69, sendo que 27 destes responderam ao
questionário, gerando os dados acima.
A maioria desses alunos e alunas nasceu no interior de Minas Gerais, mas
há muitos anos são residentes na capital mineira, onde encontraram seus espaços de
trabalho e constituíram suas famílias. Sabe-se ainda que parte considerável deles é belo-
horizontina, havendo também pessoas naturais de outros Estados. Complementando
essas informações descritivas, a turma é formada por pessoas acima dos 20 anos de
idade, possuindo alunos de 70 anos idade; a maior parte deles, no entanto, concentra-se
na faixa entre 50 e 60 anos: cerca de 30% do total. Informamos, por fim, que nesta faixa
predomina o gênero feminino. Não obstante esses dados esclarecemos que,
independente de idade e de sexo, todos os membros da turma envolveram-se nas aulas
com interesse. Aliás, os mais jovens e os mais velhos estiveram em sintonia nas
atividades teóricas e práticas.
Nesta oportunidade pedimos que fosse assinalada a relação de cada pessoa com
as seguintes modalidades previamente apresentadas:70 teatro, dança, show de música
popular, concerto de música clássica, festas populares, cinema, museu, exposição de
artes visuais e gastronomia.71 Para dar maior dimensão à pesquisa fizemos o mesmo
com todos os outros alunos e alunas do PROEF II, o que resultou em vários gráficos e
tabelas, os quais analisaremos a seguir.
Passamos agora a uma análise sobre a relação dos educandos da turma 365
com atividades artísticas. Para tanto será dispensada atenção exclusiva aos aspectos de
natureza estética. Nesse sentido, mesmo que um número expressivo de adultos de EJA
frequente igrejas, escola e bibliotecas escolares, não consideramos estes espaços como
relevantes, já que o objetivo, nesta etapa, é discutir informações que apontem apenas os
níveis de significância das artes para os envolvidos na investigação.
De imediato, detectamos que o teatro aparece como a modalidade mais
frequentada pelos alunos. É também declarada como sendo aquela que desperta maior

69
Os nomes dos alunos estão relacionados na página 87.
70
As modalidades foram determinadas pelo professor após levantamento das atividades mais comuns em
Belo Horizonte.
71
As respostas ligadas à modalidade de gastronomia referem-se à participação dos entrevistados em um
importante festival gastronômico de Belo Horizonte, também popular, denominado “Comida di
Buteco”.

133
interesse, seja para aprender ou para assistir, como atividade escolar. A constatação
desta importância será enfatizada na análise de todo o projeto.

TABELA 2
Dados sobre atividades artístico-culturais da turma 365 – PROEF II – 2010

ATIVIDADES ARTÍSTICAS QUE O ATIVIDADE ARTÍSTICA QUE DESPERTA


CONJUNTO DA TURMA FREQUENTA MAIOR INTERESSE EM APRENDER OU
NORMALMENTE72 FREQUENTAR, MEDIADO PELA ESCOLA

Nº de alunos por atividade Nº de alunos por atividade

Teatro – 15 Teatro – 08
Dança – 08 Dança – 04
Show de música popular - 11 Show de música popular - 04
Concerto de música clássica – 10 Concerto de música clássica – 01
Festas populares – 11 Festas populares – 01
Cinema – 08 Cinema – 02
Museu – 06 Museu - 00
Exposição de artes visuais – 10 Exposição de artes visuais – 02
Gastronomia – 08 Gastronomia – 02
Sem resposta - 03

Fonte: Diário de Campo (resultado de um questionário aplicado na segunda aula do semestre como
diagnóstico da turma)

Quanto aos dados gerais do PROEF II, percebemos que se aproximam dos
levantamentos do IBGE em nível nacional, datados de 2007. Agrupando essas
informações nos gráficos 2, 6 e 7 destacamos os itens sexo, faixa etária e declaração
racial, que julgamos mais importantes para uma comparação.
No que se refere à análise por sexo, do total daqueles que frequentavam ou
frequentaram anteriormente a EJA, 53% eram mulheres e 47%, homens. [...] A
maioria dos que cursavam EJA era formada por pessoas que se declaravam
pardas (47,2%), seguidas por brancas (41,2%), pretas (10,5%) e de outra cor ou
raça (1,1%).
A participação das pessoas que frequentavam ou frequentaram anteriormente
algum curso de Educação de Jovens e Adultos foi crescente nos grupos de 18 a
39 anos de idade, declinando nos seguintes. O grupo etário de 30 a 39 anos
(10,7%) foi o que mais procurou cursos de EJA, seguido pelos grupos de 40 a
49 anos (8,6%), de 18 ou 19 anos (7,5%) e de 50 anos ou mais (4,6%).
(www.ibge.gov.br) 73

Especificamente sobre os dados quantitativos do PROEF II, verificamos


que, no ano de 2010, o projeto teve 176 alunos e alunas inscritos, divididos em turmas
de iniciantes, de continuidade e de concluintes. Até o final do primeiro semestre, quando
terminamos a pesquisa de campo, havia 140 frequentes. Conseguimos totalizar 109
questionários entre os dias 09/03/2010 e 23/10/2010 perfazendo, em números exatos,

72
Sobre estes dados, os alunos puderam assinalar mais de uma atividade.
73
Esta informação foi veiculada no site do IBGE no dia 22 de maio de 2009 com o título: Suplemento -
Aspectos Complementares da Educação de Jovens e Adultos e Educação Profissional – 2007.

134
78% dos alunos, não obtendo resposta de 22%, (31 alunos), seja por ausência nas
atividades ou devido a eventos que coincidiam com a presença do pesquisador.
Comecemos por desvendar o lugar de nascimento desses indivíduos. Os
dados também podem ser vistos no gráfico abaixo:

Capital
28%

Interior de Minas Gerais


60%
Outros Estados
11%

Não declarou
1%

GRÁFICO 1 – Local de origem dos alunos do PROEF II –2010


Fonte: Diário de Campo

Descobrimos que essas pessoas são originárias de 61 municípios mineiros, 2


municípios do estado de São Paulo e 5 da Bahia. Os estados do Rio de Janeiro, Piauí,
Santa Catarina, Espírito Santo e do Rio Grande do Norte têm, cada qual, 1 aluno como
seu representante. Sobre o aspecto etário, predomina a frequência de alunos e alunas
com mais de 30 anos de idade.

41 a 50 anos
27%

31 a 40 anos
51 a 60 anos
22%
29%

61 a 70 anos
8%

20 a 30 anos
6%

Não declararam 71 a 80 anos


3% 5%

GRÁFICO 2 – Faixa etária dos alunos do PROEF II – 2010


Fonte: Diário de Campo

Estes dados reforçam a compreensão de que, sendo o teatro uma atividade


que incide sobre o intelecto, mas tendo o corpo como elemento básico, as proposições

135
metodológicas em relação ao educando devem ser atentamente avaliadas por parte dos
professores de Teatro na EJA. Mesmo porque o conjunto etário dos educandos
estabelece uma especificidade corporal que exige procedimentos apropriados às
condições fisiológicas dos indivíduos. Ou seja, jogos e exercícios menos impactantes,
mas ainda desafiadores. Tal adequação relaciona-se diretamente com a idade dos
sujeitos, a qual varia muito, conforme aponta o gráfico acima
No momento de análise dessas estatísticas surgiram algumas perguntas: o
que se pode propor para educandos em fases tão distintas da vida? O que convém e o
que não é cabível? Quais seriam as outras abordagens qualitativamente relevantes do
ensino do teatro? Como atingir, em sala de aula, os alunos e alunas que apresentam
dificuldades físicas, já que é comum encontrar aqueles e aquelas com problemas sérios
de saúde (dores na coluna vertebral e doenças cardíacas, dentre outras)? Em face disso
pode-se estabelecer, por exemplo, atividades teóricas que articulem práticas criativas?
Antes que sejam apresentadas as conclusões desta pesquisa sobre estas
questões, é interessante estender um pouco mais a reflexão sobre os dados estatísticos
obtidos, haja vista que a questão etária requer cuidados específicos. Portanto, essa
iniciativa configura-se como zelo, e em tempo algum deve ser enxergada como
melindre.
Observemos o gráfico seguinte, que aponta o local de residência dos alunos
do PROEF II:

Belo Horizonte
71%

Municípios da
Grande BH
25%

Não declararam
4%

GRÁFICO 3 – Local de residência dos alunos do PROEF II – 2010


Fonte: Dário de Campo

Com o intuito de investigar a vida artístico-cultural dos educandos


adultos de EJA, perguntamos: qual a relação que os sujeitos investigados têm com a

136
produção artística neste lugar? Em busca dessa resposta consideramos alguns fatores
que se interligam e interferem uns nos outros: o local de residência, de trabalho e da
escola que o educando frequenta e, evidentemente, o ambiente onde encontram-se os
equipamentos culturais da cidade: teatros, museus, galerias, centros culturais, cinemas.
Então, em resumo, onde vivem estes alunos e alunas?
O mapa abaixo refere-se à região metropolitana de Belo Horizonte. Ele
indica as regiões da capital e as cidades limítrofes74. Para um melhor entendimento é
preciso explicar que o campus da UFMG, onde funciona o PROEF II, está localizado na
Regional Pampulha. Prosseguindo com nossas análises chegamos à surpreendente
constatação de que apenas 22% dos 109 entrevistados residem nesta região - lembrando
que 4% deles não responderam. É significativo o dado de que os alunos do PROEF II
residem nas nove regionais, ou seja, suas casas são distantes da escola. 25% moram nos
municípios de Betim, Contagem, Ribeirão das Neves, Sabará, Santa Luzia e Vespasiano.

FIGURA 2 – Mapa da Região metropolitana de


Belo Horizonte
Fonte: Belotur

Através da secretaria escolar do PROEF II ficamos sabendo que alguns


alunos trabalham na própria universidade e outros nas imediações do campus, havendo
também aqueles vindos de regiões mais distantes.

74
A cidade de Betim não aparece no mapa por não ter limite com Belo Horizonte.

137
Após estes levantamentos, concluímos que a escola encontra-se distante dos
alunos, o mesmo acontecendo com os espaços culturais. Aliás, a maioria dos teatros
localiza-se na parte central de uma metrópole que tem por característica a concentração
dos espaços e eventos artísticos, o que dificulta em demasia o acesso dos educandos a
espetáculos. Além disso, o custo dos ingressos, os meios de transporte e a insegurança
também constituem fatores desestimulantes.
Em contraposição, a escola frequentada por esses estudantes difere de
grande parte das instituições de ensino público de Belo Horizonte. Nesse sentido, pode
ser vista como um valoroso espaço sócio-cultural, bem como uma via de acesso para os
espaços em discussão (DAYRELL, 2001). Ademais o campus universitário, por si, já é
um ambiente gerador de cultura e arte, propiciando para sua comunidade o contato com
diversas manifestações artísticas, as quais o PROEF II também estimula.
A fim de conhecer e reconhecer melhor os educandos é importante analisar
os resultados obtidos através da seguinte pergunta, feita a 106 alunos: quais são as
atividades de trabalho destes alunos e alunas? Como resultado é apresentada uma
relação de 56 profissões.
TABELA 3
Profissão dos Alunos do PROEF II – 2010

RELAÇÃO QUANTITATIVA DE PROFISSÕES LEVANTADAS NO PROEF II – 2010


10 Aposentados/aposentadas 01 Copeira 01 Maquiadora
01 Artesão 04 Costureiras 02 Marceneiros
01 Artista plástico 01 Cozinheira 01 Mecânico de refrigeração
01 Assistente comunitária de saúde 01 Demonstrador de mercadoria 01 Mestre de obras
01 Assistente jurídico 01 Desempregado 01 Motoboy
01 Atendente 01 Diarista 03 Motoristas
01 Autônoma 15 Do lar 01 Ourives
01 Auxiliar de almoxarifado 01 Doceira 02 Pedreiros
01 Auxiliar de cozinha 01 Eletricista 01 Pilotista de costura
01 Auxiliar de governanta 01 Empresária 02 Pintores
06 Auxiliares de serviços gerais 01 Encarregado 02 Porteiro /Porteira
01 Balconista 01 Esteticista corporal 01 Representante comercial
01 Cabeleireira 01 Estofador 01 Segurança
01 Calafate 01 Estudante 01 Serralheiro
01 Carpinteiro 03 Faxineiras 01 Sindicalista
01 Carregador 01 Gráfico 01 Tecelã
01 Comerciante 01 Instrutor de autoescola 01 Técnico em telecomunicações
01 Comerciário 03 Jardineiros 04 Vendedores/Vendedoras
01 Comprador 01 Lapidário
Fonte: Diário de Campo

Entre as ocupações as mulheres que trabalham no lar e os aposentados e


aposentadas representam 22% dos entrevistados, seguidos de auxiliares de serviços
gerais e costureiras, com 16% do total.

138
Estas são as profissões que contam com quantidade maior de trabalhadores
em relação às outras discriminadas acima. Agora vejamos os demais gráficos.
No GRAF. 4 é possível relacionar informações interessantes quanto ao
número de horas trabalhadas pelos alunos: a maior parte trabalha em jornadas de 8
horas. Os que não declararam são aposentados e as mulheres que se afirmam “do lar”.
Os demais trabalham até seis horas por dia. Com estes dados e a partir das análises
anteriores, percebe-se que esse grupo, no retorno à escola, enfrenta problemas antigos,
como o complicado deslocamento de casa para o trabalho, do trabalho para a escola e da
escola para casa já em horas tardias, passando, portanto, grande parte de seu tempo no
trânsito.

Até 08 horas Não declararam


diárias 25%
65%

Até
06 horas diárias
10%

GRÁFICO 4 – Horas diárias de trabalho dos alunos do PROEF II – 2010


Fonte: Diário de Campo

O GRAF. 5 mostra que o número de casados é superior ao de solteiros,


viúvos e de pessoas com outro tipo de união. Embora não tenhamos levantado dados
absolutos, foi observada a presença de pais e mães entre os alunos do PROEF II.

Casado (a) Solteiro(a)


54% 24%

Viúvo (a)
Outra situação 8%
12%

Não
declararam
2%

GRÁFICO 5 – Estado civil dos alunos do PROEF II


Fonte: Diário de Campo

139
Com vistas a continuar buscando sustentação às reflexões em curso, vale
observar que o GRAF. 6 mostra uma frequência maior de mulheres, enquanto no GRAF.
7 os que se declaram pardos e negros ultrapassam a marca de 70% dos entrevistados.
Além disso, três pessoas se declaram indígenas formando, com os brancos, a minoria
dos alunos no PROEF II.

Não declarou
1%

Mulheres
58%

Homens
41%

GRÁFICO 6 – Percentual de homens e mulheres PROEF II – 2010


Fonte: Diário de Campo

Pardo
Negro
44%
28%

Branco
23%

Indígena Não declararam


3% 2%

GRÁFICO 7 – Raça/Cor – PROEF II- 2010


Fonte: Diário de Campo

Com base nessas informações identifica-se que os adultos de EJA


focalizados dedicam tempo considerável ao trabalho profissional, aos estudos e às

140
atividades domésticas. Adicionando o tempo que perdem no deslocamento entre casa,
trabalho e escola, além de fatores econômicos, o momento para o lazer e para o
envolvimento com as artes fica reduzido, o que não significa que essas pessoas não
participem de manifestações artísticas e culturais.
Quando perguntados sobre as atividades que frequentam normalmente (o
que poderia gerar mais de um tipo de resposta) estes alunos e alunas revelaram que o
teatro e o cinema estão em primeiro lugar. Em função desse resultado realizamos um
levantamento, através do qual certificamos que em Belo Horizonte há pelo menos dois
acontecimentos teatrais de grande abrangência: a “Campanha de Popularização de
Teatro”, que é a maior do país, tendo grande repercussão na mídia, com ingressos a
custo módico; e o FIT-BH, Festival Internacional de Teatro Palco e Rua, que é
descentralizado e leva espetáculos para todas as regionais da capital. No tocante ao
cinema, o que há de facilitador para as pessoas, de modo geral, além do acesso a filmes
que podem ser assistidos em aparelhos de DVD, é a variedade de horários de exibição
de filmes em salas localizadas nos vários shopping centers, espalhados por toda a
cidade. Seriam estes, então, fatores responsáveis pela maior frequência de educandos de
EJA a estes espaços? Não podemos ter certeza quanto a isso, mas certamente esses
fatores indicam que estas artes, por serem as mais difundidas na cidade, têm mais
impacto sobre estas pessoas. Vale observar a figura abaixo.

18%
16% 16%
16%
14%
14%
12%
10% 9% 9% 9%
8% 7% 7% 7%
6%
6%
4%
2%
0%
ro

am
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Ex
nc
Co

GRÁFICO 8 – Atividades artístico-culturais de maior frequência entre os alunos – PROEF II – 2010


Fonte: Diário de Campo

Com este gráfico apresentamos uma estatística sobre a frequência da ida dos
educandos do PROEF II a atividades artísticas. Evitamos, contudo, detalhar quais

141
teatros, galerias, museus e cinemas os alunos conhecem ou mesmo a quais peças, filmes
e espetáculos assistiram. Preocupamo-nos exclusivamente com as modalidades de arte,
por tratarem do aspecto mais significativo em nossa análise.
Visto que estamos em um campo pouco explorado, ainda na análise dos
sujeitos resolvemos levantar dados que ajudassem a refletir sobre a relevância que pode
ou não ser atribuída à atividade teatral com adultos na escola. Nesse sentido,
constatamos que uma expressiva parte dos alunos do PROEF II só passou a ter contato
com a arte cênica depois de ingressar no projeto.
De modo mais exato, significativos 31% dos alunos que responderam aos
questionários nunca haviam assistido a um espetáculo profissional de teatro. Outros
89% jamais tiveram aula de teatro em suas vidas e, destes, 86% consideram a
necessidade de haver aulas de teatro na escola. Esses dados estão indicados nas
próximas figuras.

Não declararam - 7% 8

Mais de Uma Vez - 45% 49

Uma vez - 17% 18

Nenhuma Vez -31% 34

0 10 20 30 40 50

GRÁFICO 9 – Número de vezes que os alunos foram ao teatro


até 2009 - PROEF II – 201075
Fonte: Diário de Campo

Não declararam
Não 2%
89%

Sim
9%

GRÁFICO 10 – Alunos que tiveram ou não aulas de teatro antes


de ingressarem no PROEF II
Fonte: Diário de Campo

75
Os números que aparecem dentro das barras referem-se à quantidade de alunos.

142
Sim
86% Não
12%

Não declararam
2%

GRÁFICO 11 – Alunos que consideram relevante ter aulas de teatro na escola


Fonte: Diário de Campo

Mesmo sabendo que o cinema e o teatro destacam-se entre os entrevistados,


isto não significa que estes mantenham uma frequência regular em sessões de filmes ou
espetáculos. Isso porque verificamos um baixo índice de contato dos educandos adultos
de EJA com estas artes. Ao mesmo tempo revelou-se o interesse expressivo por parte
deste público. Em face dessa circunstância cremos que, junto à necessidade de ler,
escrever, fazer cálculos e apreender sobre os fenômenos da natureza, o adulto poderia
ter mais contato com as atividades teatrais, tanto para a aprendizagem prática quanto
para a fruição, uma vez que, para grande parte dos educandos de EJA, a escola é uma
geradora de acessibilidade artística.
Em tempo, o Teatro do Oprimido foi objeto fundamental para estas
constatações devido ao nosso trabalho sistemático com a turma do PROEF II, que
efetivou a participação de alunos e alunas de todas as turmas nas sessões de Teatro
Fórum.
No diálogo com Maria Angélica obtivemos uma síntese do impacto da
metodologia do Teatro do Oprimido sobre a turma 365:
Dimir – Você acha que o Teatro do Oprimido pode ser uma atividade
constante no PROEF?
Maria Angélica – Eu acho que sim. Porque a gente libera tudo isso que tá ali
oprimindo, a gente põe pra fora. Sabe... Igual várias vezes eu participei
falando da minha vida e isso pra mim, há tempos atrás, era muito difícil de
falar, como ainda tem muita coisa que é difícil pra falar, mas hoje eu já vejo a
coisa com outros olhos. Porque eu sinto assim: quanto mais eu falar, melhor
pro corpo... mais libera, mais a coisa vai ficando assim... é, não vai me
machucar tanto.
Dimir – Ótimo... Agora eu queria que você fizesse uma análise crítica. Você
já falou um tanto de coisa aqui que é positiva, e quais são os aspectos
negativos das aulas de teatro aqui no PROEF?

143
Maria Angélica – Não, eu não acho que tenha nada de negativo. De positivo...
É tudo muito bom, porque todo mundo interage. Isso de ficar mudando de
local, de sala, eu acho que não tem nada a ver, porque a sala realmente não
comporta, tem que ser um local mais adequado, não é? Mas não tem nada de
negativo, é só positivo mesmo. É só... É pra ajudar a gente mesmo a se soltar.

Escolhemos o depoimento de Maria Angélica porque sua participação nas


aulas e a sua condição física reúnem elementos para análise que foram muito
significativos durante o processo com a turma 365. Um deles diz respeito à limitação
corporal, que não impediu o seu envolvimento nas atividades. Por isso ela tornou-se
uma referência dentro do grupo, que em uma avaliação geral também esteve muito
comprometido. A fala acima revela um efeito recorrente na EJA: liberar as amarras
individuais. Quando isto acontece, a proposta flui de modo prazeroso, participativo, com
interação. Continuando a entrevista, indagamos:
Dimir – Outra pergunta. Mas essa é mais direcionada: Você considera que
este teatro, que é o Teatro do Oprimido, ele colabora para a formação política
das pessoas? Maria Angélica – Eu acho que ele ajuda na formação sim,
porque você enxerga as coisas de outra maneira. Porque o que passa pra
gente, às vezes, não é aquilo que a gente está vendo, porque a pessoa de fora
enxerga melhor, eu acredito assim. Então, o Teatro do Oprimido faz você
enxergar melhor a situação. Cada vez que a gente for assistir um teatro
diferente, você quer participar, você entende melhor a situação.
Dimir – Nós fizemos jogos, fizemos ensaios, criação, assistimos a um
espetáculo, depois fizemos o debate do espetáculo que foi tão rico e, depois,
fizemos as montagens e as apresentações no final. Tem algum desses
elementos aí que você destacaria?
Maria Angélica – Pra mim, eu acho que não tem nada que eu gostasse mais.
Tudo pra mim foi importante. O teatro foi importante, a gente falar sobre o
teatro, fazer o debate sobre o teatro foi importante. O ensaio que a gente fez, a
gente só pode melhorar mais e o trabalho que você teve antes até chegarmos à
peça também. Então, tudo, pra mim, foi importante. Não tem um mais
importante do que o outro. Foi um conjunto.

Maria Angélica demonstrou muito interesse em participar dos jogos, das


improvisações, da ida ao teatro e do debate em sala de aula, sempre com muita
disposição. Confirma lucidamente a função pedagógica que aqui abordamos
intensamente, ao dizer que “[...] você enxerga as coisas de outra maneira”. Ou seja, com
o TO tanto o praticante como o espectador, em uma sessão teatral, podem ver e fazer ver
várias faces de um mesmo drama social. A aluna reforça esta idéia quando diz que “[...]
o Teatro do Oprimido faz você enxergar melhor a situação.” Indo além, pontua a
importância de cada fase do método e ressalta a força da interatividade quando das
apresentações teatrais. Seguimos perguntando:
Dimir – Eu, agora, vou tocar no seu lado pessoal, pode?
Maria Angélica – Pode. Claro!
Dimir - O seu nome eu já tenho. Qual é a sua idade?
Maria Angélica – Sessenta.

144
Dimir – Você nasceu onde?
Maria Angélica – Eu nasci em Ibiá, Minas Gerais, no Triângulo... Não, no
Alto Paranaíba
Dimir – Atualmente, você trabalha?
Maria Angélica – Não, eu estou aposentada por invalidez.
Dimir – Isso me interessa! Me responda só se você quiser... Você teve o quê?
Um acidente, alguma coisa assim?
Maria Angélica – Não, não... Eu tive um desgaste de... de... de fêmur.
Dimir – Um desgaste ósseo?
Maria Angélica – Ósseo. Então eu fiz uma cirurgia. Fiz a esquerda, depois eu
fiz a direita não é? Coloquei prótese e agora eu estou caminhando pelos
joelhos. Então ela vai evoluindo...
Dimir – É... Quantos filhos você tem?
Maria Angélica – eu tenho três.
Dimir – Três filhos. E você trabalhava de quê antes de se aposentar?
Maria Angélica – Antes eu trabalhava como costureira em casa, depois eu fui
para uma fábrica de pão de queijo, isso com o marido... é... Depois, eu passei
por uma loja de máquina de costura da Singer, ali na Rua Curitiba e, ali, eu
aposentei.

Percebemos que a idade madura e a limitação física não interferiram na


vontade de participar em todas as fases propostas. Ao contrário, mesmo usando uma
bengala e deslocando-se lentamente de uma sala a outra, Maria Angélica não refutou
qualquer proposta. A vontade e a coragem desta aluna convergem para a ideia de que o
oprimido é mesmo aquele que enfrenta suas opressões. Que não se evade do jogo e que,
portanto, está propenso a novas descobertas, novas aprendizagens. Finalizando o
diálogo, fizemos as seguintes colocações:
Dimir – Então pra fechar mesmo... Eu te convidei pra me dar esta entrevista
porque você é uma referência pra mim. É por isto que eu estou fazendo este
tipo de pergunta. Você acha que, mesmo com algum nível de dificuldade
física, é possível ser expressivo por meio do Teatro do Oprimido?
Maria Angélica – Eu acho que sim. Porque a gente vê tanta gente em cadeira
de roda dançando, trabalhando... Eu fico assim indignada de eu não poder
trabalhar. Eu não posso fazer nada que meu CPF apareça, que o governo vai
me cortar isso. Por isso que eu voltei a estudar porque eu quero fazer
Assistência Social pra mim poder acabar com esse negócio de aposentada por
invalidez. Eu quero trabalhar, eu quero produzir, eu quero ser alguém, então,
por isso que eu voltei ao trabalho... Voltei a estudar. Mas eu acho que... me
perdi... Eu empolguei...
Dimir – Sim... Eu te perguntei assim; se mesmo tendo dificuldade você pode
ser expressiva através do Teatro do Oprimido?...
Maria Angélica – Pode, pode sim! [...] Acho que ser deficiente não é
problema não. Você pode mostrar a sua sensualidade, você pode mostrar a
sua capacidade pra fazer as coisas, então... pra mim, não tem problema não.
Então, eu acho que não tem nada... Tudo eu posso fazer!

Por esta ocasião questionamos: o comportamento participativo de Maria


Angélica confirmaria o caráter democrático do Teatro do Oprimido, ao qual repetidas vezes
fizemos referência nesta dissertação? Não estaríamos diante de um caso que explicita, por
exemplo, as funções dos jogos do TO, apontando parte do caráter emancipatório do
método?

145
Com foco nessas questões verifica-se, em certa medida, um dos objetivos do
método Teatro do Oprimido apontados por Boal – a desmecanização física e intelectual
de seus praticantes:
[...] a gente libera tudo isso que tá ali oprimindo, a gente põe pra fora. Sabe...
Igual várias vezes eu participei falando da minha vida e isso pra mim, há
tempos atrás, era muito difícil de falar, como ainda tem muita coisa que é
difícil pra falar, mas hoje eu já vejo a coisa com outros olhos. Porque eu sinto
assim: quanto mais eu falar, melhor pro corpo... mais libera, mais a coisa vai
ficando assim... é, não vai me machucar tanto. (Maria Angélica-Depoimento)

Em vista dessas colocações, entendemos que o método criado por Augusto


Boal contribui para a formação política do educando porque estimula o participante a
enxergar as coisas de outra maneira: “o Teatro do Oprimido faz você enxergar melhor a
situação.” É preciso explicar que esta é uma referência aos jogos praticados em sala de
aula e às situações levadas à cena no Teatro Fórum, cuja técnica tem justamente a
função de fazer com que o espectador visualize, claramente, as forças opressivas que
vão se transformando à medida que os “espect-atores” dão suas opiniões em forma de
ação, no palco.
No entanto este relato positivo de Maria Angélica não configura
unanimidade entre os integrantes da turma 365, apesar de traduzir o sentimento de
realização da maioria daqueles que participaram do processo. Para que chegássemos a
essa conclusão foi realizada, no final dos trabalhos, uma avaliação geral da e com a
turma. Nessa ocasião percebeu-se, da parte dos sujeitos - os protagonistas - que o Teatro
do Oprimido é uma metodologia que pode contribuir para a educação artística na EJA.
Isto foi verificado em cada fase do nosso trabalho: na participação e no interesse da
turma pela contextualização histórica do teatro; na adesão dos alunos às sessões de
jogos; na etapa de fruição de uma obra teatral; no debate em sala de aula; no empenho,
disciplina e envolvimento para a criação das peças e na apresentação pública das
montagens.
Em suma, foi de grande satisfação o encontro com homens e mulheres que,
ao se deslocarem de suas casas e de seus trabalhos, adentram a escola trazendo consigo
projetos de vida, necessidades e vontades, sonhos e realidades. Alguns seguem
lentamente enquanto outros aceleram, e neste ir e vir cotidiano levam seus livros e seus
cadernos, posicionam-se ante seus professores e o quadro negro, ante os vídeos e data-
show. Circulam nos corredores e pátios onde a escola é sempre escola, onde a arte
também pode circular e onde o Teatro do Oprimido pode incrementar o protagonismo
do educando: eles e elas, sujeitos capazes de interpretar a sua própria arte.

146
Num esforço de reflexão sobre questões que ainda consideramos
fundamentais apresentaremos, no próximo capítulo, algumas considerações realizadas a
partir da pesquisa de campo.

147
5. Considerações finais emergentes do campo de pesquisa

Passamos a refletir sobre questões que consideramos fundamentais, mas


ainda não analisamos em profundidade, discorreremos a seguir sobre considerações
suplementares relativas às experiências no campo de pesquisa. Para tanto foram
analisadas algumas questões a respeito do nosso trabalho sistemático no PROEF II,
formuladas ao pesquisador pelo coordenador da área de expressão corporal do projeto e
os monitores da equipe76.
Dividimos este capítulo em três tópicos, reservando o último para uma
análise final sobre o tema e a pergunta central da pesquisa. Nossa intenção é abordar
problemas que julgamos fazerem parte de um novo campo de exploração na EJA: a
abordagem metodológica do Teatro do Oprimido.

5.1 O teatro do oprimido como prática pedagógica: potencialidades e desafios na


EJA

Conforme os dados do gráfico 10 poucos alunos haviam tido aulas de teatro


anteriormente. Fomos questionados sobre a possível resistência, por parte da turma, à
proposta oferecida já que para a maioria seria uma novidade. Realmente observamos
algumas manifestações de resistência na turma 365, a mais numerosa do PROEF II.
Percebemos que o interesse do grupo não foi unânime, mas o que estaria motivando esse
comportamento? Segundo José Carlos e Vera Barreto (2005), o aluno traz com ele uma
idéia de escola e as atividades artísticas neste ambiente podem chocar-se com as
expectativas dos educandos. Parte deles pode não conceber a experiência estética como
algo importante para a sua formação. De fato entendem que aulas de teatro são
dispensáveis quando o objetivo é obter uma melhor posição no mercado de trabalho. A
formação no campo das artes acaba ocupando plano secundário para esses alunos.
No capítulo anterior observamos que na turma 365 a maioria dos alunos
pretende continuar os estudos após a etapa no PROEF II. Aqueles que almejam
continuar apenas até a conclusão do segundo grau são as pessoas que buscam, na escola,
o convívio com os outras e valorizam as relações pessoais, tendo a escola como espaço

76
Coordenador da área de expressão corporal, Ricardo Carvalho de Figueiredo, professor assistente do
Departamento de Fotografia, Teatro e Cinema da Escola de Belas Artes da UFMG.
Monitores/Professores de Teatro, Gustavo Machado Cabral e Joana Ribeiro; de Educação Física, Rosa
Amaral e a estagiária em Licenciatura de Teatro, Clarice Rena.

148
de socialização. A maior parcela, porém, pretende melhorar a condição profissional e
avançar com vistas ao término do curso superior. Há ainda aqueles que almejam
ingressar em um curso profissionalizante ou mesmo cursar mestrado e doutorado.
Finalmente detectamos até pessoas que buscam na escola uma preparação para concurso
público.
No que se refere à resistência, emergiram algumas dúvidas: se o adulto
busca apenas evoluir profissionalmente para melhorar sua qualidade de vida e a de sua
família, a aula de teatro não seria mesmo uma atividade dispensável na EJA? Em
contraposição, a que se deve a maciça adesão à proposta do Teatro do Oprimido? Seria
pela proposição “atraente” do método teatral? Ou esta adesão justifica-se pelo fato de os
alunos serem “obrigados” a participar de todas as aulas dentro de uma estrutura escolar?
Na direção desses provocadores argumentos o foco de resistência revela, por
parte dos alunos, um determinado pragmatismo: o desejo de conseguir resultados
práticos. O adulto que procura a escola acredita que ela deverá ajudá-lo a obter os
conhecimentos necessários a uma vida melhor, socialmente mais valorizada
(BARRETO, 2005). Nesse sentido notamos, por vezes, certa rejeição pelo trabalho
realizado, explicitada em frases sussurradas como - faz muito mais falta uma aula de
matemática ou de português do que de teatro. Pra que serve isto?
Esses “resistentes” não entendem a educação artística como um direito que
possuem. Ao contrário, poderiam compreender que, se esta disciplina da educação
escolar não foi oferecida no tempo convencional, foi devido a uma falha, seja de qual
instância for, que os privou do acesso à aprendizagem artística. Como motivo alguns
revelam uma dose de fatalismo frente ao universo das artes, afirmando que estas “dão
conta” de certas coisas que lhes parecem “estranhas”. Desconsideram a importância da
arte na escola porque possuem outras aspirações. Observamos ainda que esses
resistentes revelam um traço individualista na relação com o grupo em sala de aula,
negando a afirmativa de que o trabalho com a arte pode ser uma oportunidade
libertadora, uma oportunidade de explorar o universo da criatividade e da
expressividade.
Em resumo, os “resistentes” são aqueles que entram em conflito com o
fundamento da atividade teatral: a ação. Sob esse olhar, trata-se dos que normalmente
querem receber, mas não buscam oferecer algo em forma de ação. No âmbito dessas
considerações, Barreto (2005) reflete que

149
assim, é possível perceber o equívoco dos alunos quando esperam por um
professor que coloque o conhecimento dentro deles. Professor algum tem tal
poder, pelo simples fato de que conhecimento (como produto de relações) não
se transmite. O professor pode e deve transmitir informações. Mas a produção
do conhecimento é exclusiva dos que realizam este trabalho. E esse exercício
de pensar, isto é, de estabelecer relações não se restringe ao que é dito pelo
professor. Pode acontecer e acontece a todo momento, inclusive a partir do
que é dito pelos colegas. Assim ao imaginar como perda de tempo a fala de
seus colegas, o aluno está, na verdade, desperdiçando valiosas oportunidades
de conhecer (BARRETO, 2005, p. 66).

Portanto nota-se que a resistência por parte de alguns alunos ocorre devido a
uma postura individualista. Em certos casos, o aluno não consegue colocar-se em ações
coletivas que exigem a sua participação efetiva, como no caso do Teatro do Oprimido.
São alunos que demonstram um caráter depositário, ou seja, esperam da escola e do
professor algo que possa suprir seus anseios, abastecê-los de algo que possa mudar sua
condição social.
Ainda neste tópico, fomos também indagados sobre as maiores dificuldades
enfrentadas para o desenvolvimento do nosso trabalho. Por falta de tempo decorrente
das demandas do nosso projeto, nos ausentamos várias vezes das reuniões de equipe77, e
fomos questionados se tais ausências prejudicaram de alguma forma a nossa prática.
Podemos afirmar que nossas maiores dificuldades estiveram sempre
estritamente ligadas ao tempo e o fato de não termos participado das reuniões de equipe,
que acontecem semanalmente com os monitores e os coordenadores do PROEF II,
deveu-se ao pequeno número de aulas destinadas às nossas atividades: uma hora por
semana. Vimo-nos então obrigados a utilizar o horário de reuniões pedagógicas para
ampliar os encontros com os alunos e conseguir, assim, o cumprimento do cronograma.
Aliás, o tempo é um tema que requer análise mais aprofundada. Faz-se aqui
referência a dois aspectos: o tempo tradicionalmente destinado às aulas de artes na
escola e a discussão sobre o tempo na EJA.
Quanto ao primeiro aspecto, podemos considerar que presenciamos desafios
historicamente enfrentados pelos professores de artes: a duração das aulas. No PROEF
II pudemos testemunhar que há um conflito entre as propostas curriculares para o ensino
de artes na EJA, cujos eixos de aprendizagem conduzem o educando a produzir, apreciar
e contextualizar, e o tempo destinado à sua realização, (BRASIL, 2000).

77
As reuniões de equipe acontecem no PROEF II às sextas feiras, dia que os alunos não frequentam o
projeto. Por várias vezes, os ensaios das peças de Teatro Fórum ocorreram, também, neste dia da
semana.

150
Esse desajuste provoca as seguintes indagações: a manutenção deste modelo
de distribuição de aulas não significa transferir para a EJA os mesmos problemas
referentes à educação artística no ensino fundamental? E por esta razão não haveria o
risco de as artes serem alocadas como um arremedo de proposta pedagógica na EJA? As
experiências exitosas da educação popular não poderiam ser revistas e absorvidas pela
EJA também com o propósito de rever o tempo destinado às atividades artísticas?
A professora e pesquisadora Paola Zordan (2007), em seu artigo “Aulas de
Artes, Espaços Problemáticos”, dispara sua indignação com o tempo muito curto das
aulas de arte, comparado àqueles destinados às demais disciplinas. Salienta que não se
trata de uma reivindicação simplista, com o mero intuito de fazer com que uma área do
conhecimento ocupe seu espaço. Na realidade o discurso de Zordan, em sua essência,
defende a tese de que se crie um consenso sobre a importância de passarmos a enxergar
o campo das artes como por demais abrangente e complexo para ser tratado em tempo
tão reduzido na escola. Apesar de a autora tratar especialmente das artes visuais, sua
reflexão mostra-se pertinente também às outras modalidades de arte, incluindo o teatro.
O que é possível fazer, de fato, em cinquenta ou sessenta minutos de aula,
incluindo aí o tempo necessário para a mudança de salas necessária às aulas práticas? O
que fazer se os alunos adultos insistem em carregar as bolsas porque não se sentem
seguros para mantê-las longe? Cabe ainda ressaltar que a cada encontro precisávamos
organizar as atividades, situar os alunos nas tarefas, aquecer o corpo e desenvolver
jogos. Tudo isso com extremo cuidado, de forma a envolver a todos os alunos, que em
grande maioria chegavam do trabalho direto para a aula. Não seria, portanto, o caso de
avaliar e rever as necessidades e exigências do ensino das artes, incluindo o Teatro?
Como efeito dessas indagações e das análises realizadas a partir delas
concluímos que a qualidade do trabalho é seriamente comprometida quando não
possuímos o tempo mínimo necessário para lidar com as tarefas específicas da área.
Ainda sobre a questão do tempo, compreendemos que os seus problemas são
reflexos da tensão existente entre a educação escolarizada e as propostas pedagógicas
emancipatórias, como no caso do Teatro do Oprimido, de matriz claramente popular.
Nesse cenário, os autores abaixo apontam que
uma das razões pelas quais cremos que é possível enxergar, na EJA, uma
tensão latente diz respeito à sua origem. A EJA é herdeira dessa tradição de
educação popular cuja matriz orientadora traz consigo elementos libertários e
pouco expostos a normas e regulamentações, enquanto a proposição de
escolarização é necessariamente reguladora. Identificamos, então que, “[...]
quando se focalizam os processos de escolarização de jovens e adultos, o

151
cânone da escola regular, com seus tempos e espaços rigidamente
delimitados, imediatamente se apresenta como problemático” (DI PIERRO;
JÓIA; RIBEIRO, 2001, p. 58 apud EITERER; REIS, 2009, p.186).

Com base nessas observações constatamos que, de um lado, a escola


demonstra certa rigidez quanto à organização do tempo - horários definidos para um
conjunto de disciplinas que devem suprir seus conteúdos e corresponder às exigências
de avaliação para que o educando avance em etapas. Por outro, o TO exige um tempo
mais extenso para cumprir seus propósitos reflexivos e suas demandas de livre criação
artística. Neste sentido é caracterizado como um método que se aproxima das demandas
populares, e por isso não se norteia por conteúdos estanques ou formalidades didático-
pedagógicas.
Por estes e outros elementos, na EJA o TO destoa da organização
cronológica imposta pela escola no âmbito da educação artística. Ao mesmo tempo
torna-se visível que a configuração escolar da Educação de Jovens e Adultos pode
apresentar obstáculos às propostas artísticas, o tempo das aulas sendo apenas um deles.
Concordamos com Eiterer e Reis (2009) quando demonstram que o sistema educacional
impõe uma série de barreiras, desde as próprias condições limitadas de acesso à escola
até a inadequação de espaço físico, currículos, conteúdos, métodos e materiais didáticos,
lembrando que a EJA se caracteriza por reproduzir e transferir métodos e currículos
voltados para a educação de crianças. Por este viés, as pesquisadoras ainda determinam
que
a educação para a emancipação, em termos concretos, só é possível mediante
a libertação de certos empecilhos, certos obstáculos. E o que nesse momento
se apresenta como obstáculo chamamos de regulação, que se verifica em
termos de impedimento para a afirmação da emancipação dos sujeitos,
conformando cada vez mais a EJA, principalmente em relação aos segmentos
da população para quem o acesso à escolarização regular foi e ainda continua
sendo precário (EITERER; REIS, 2009, p.186).

Considerando que a EJA é por si só um tempo de direitos, de sujeitos


específicos e em trajetórias humanas e escolares específicas (ARROYO, 2005), não
seria o tempo escolar um reflexo das possíveis tensões entre práticas pedagógicas
emancipatórias e regulatórias? Além disso, não seria esta uma oportunidade para
repensar os meios e as facetas organizativas na EJA, reconhecendo que esta modalidade
se caracteriza também pela sua abertura às diversidades, já que abarca homens e
mulheres em várias idades? Não seria ainda o momento para um novo pensamento, pelo

152
fato de a EJA apresentar alunos com distintas trajetórias escolares e, sobretudo,
humanas? Atento a essas observações, Arroyo comenta que
a EJA continua sendo vista como uma política de continuidade na
escolarização. Nessa perspectiva, os jovens e adultos continuam vistos na
ótica das carências escolares: não tiveram acesso, na infância e na
adolescência, ao ensino fundamental, ou dele foram excluídos ou dele se
evadiram; logo propiciemos uma segunda oportunidade (ARROYO, 2005, p.
23).

Com esta afirmativa ampliamos nossa reflexão sobre a educação artística na


EJA, incluindo algumas inquietações: sendo a arte uma proposição sem tradição, pouco
desenvolvida nesta modalidade de educação, escolarizá-la não constituiria um risco?
Não estaríamos reduzindo uma área de conhecimento a uma simples atividade curricular
de cinquenta ou sessenta minutos semanais? A educação estética não entraria no bojo do
direito à educação de qualidade ao longo da vida? Dentro dessa perspectiva
questionadora, estamos de acordo com Arroyo quando adverte que
a Educação de Jovens e Adultos tem de partir, para sua configuração como
um campo específico, da especificidade dos sujeitos concretos históricos que
vivenciam esses tempos. Tem de partir das formas concretas de viver seus
direitos e da maneira peculiar de viver seu direito à educação, ao
conhecimento, à cultura, à memória, à identidade, à formação e ao
desenvolvimento pleno (LDB, n. 9394/96, Art. 1º e 2º apud ARROYO, 2005,
p. 22).

No entanto, apesar das dificuldades impostas pelo limitado tempo para as aulas,
estas não foram capazes de impedir o avanço da proposta, principalmente porque
conseguimos buscar outros momentos para a realização das atividades propostas.

5.2 Sobre o educando e sua relação com o método do teatro do oprimido

Na fase dos jogos e das improvisações os alunos tiveram a oportunidade de


experimentar situações em que podiam se comportar como opressores e oprimidos.
Durante os exercícios impressionou-nos a dificuldade dos alunos em “oprimir”, o que
nos levou a indagar se esta seria uma característica específica dos alunos de EJA.
A maioria dos alunos observados realmente demonstrou ter mais dificuldade em
“oprimir” do que “ser oprimido”, mas qual seria a explicação para tal ocorrência? Para
um possível entendimento desta questão, salientamos que os alunos, mesmo em estado
de teatralidade, não se sentiam confortáveis em reproduzir atitudes opressoras e,
portanto, injustas com os demais, os supostos oprimidos. Em outros termos, tivemos a
impressão de que não desejavam submeter os outros àquilo que não desejavam para si

153
enquanto pessoas comuns e desfeitas dos personagens. Entretanto, não é possível
afirmar que esta seja uma característica de educandos de EJA, em primeiro lugar porque
não tivemos contato com outras experiências de TO com este público, o que nos impede
de fazer comparações. Além disso, nossa experiência como pesquisador permite-nos
afirmar que esta dificuldade também é encontrada em outro tipo de praticante.
Portanto, apesar de ter sido fator constante neste processo, esta não é uma
característica específica de alunos de EJA. Despertou nossa atenção o fato de que, à
medida que fomos avançando foi possível perceber alguns efeitos do método que nos
ajudaram a resolver o problema por apontarem que, além de técnico, este possuía um
viés conceitual. Ou seja, foi preciso esclarecer que o “opressor” é o desencadeador do
conflito, fundamental para o desenvolvimento de qualquer trama no teatro, e que esse é,
na verdade, o impulso de que o Teatro do Oprimido necessita para provocar os
espectadores.
A dificuldade em “oprimir” também nos pareceu, em vários casos, a
revelação de certo comodismo do aluno na condição de improvisador. Não seria,
portanto, o reflexo de uma ação política fragilizada? A dificuldade em oprimir na fase
preliminar da construção do Teatro Fórum não revela, em certa medida, a condição de
acuamento e distanciamento frente a opressões reais? Nessa circunstância, Freire (2009)
destaca que somente quando os oprimidos descobrem nitidamente o opressor e se
engajam na luta organizada por sua libertação é que começam a crer em si mesmos,
superando, assim, sua “conivência” com esta forma de regime. À luz dessas idéias, nos
perguntamos: a dificuldade de oprimir não seria, então, o sintoma de que alguns
enfrentamentos sociais podem e devam ser vitalizados? Ainda não seria indicativo de
que vasculhar as facetas de um opressor representa o primeiro passo para a
transformação do próprio opressor e a libertação do oprimido?
Em suma, os alunos improvisadores, com suas dificuldades de “oprimir”,
demonstraram cenicamente que não queriam ferir, destratar, magoar, entristecer,
provocar, inferiorizar, julgar, desprezar e cometer injustiças contra seu opositor. Isso se
deveu ao fato de que no início do processo esses não entendiam que se tratava de uma
encenação teatral e que aquelas ações eram constantes no universo de personagens
opressores, tanto na cena como no cotidiano: o patrão despótico, o marido violento, o
filho viciado, o comerciante racista, o professor incompreensível, a esposa consumista, o
político corrupto.

154
Contudo, ao passo que as etapas avançavam, a turma 365 também progredia.
Mediados pela dinamização do TO, aos poucos os participantes passaram a ser mais
atuantes, envolvidos e propositivos. Evoluíram as ações corporais e, no âmbito da
dramaturgia, fortaleceu-se a figura do opressor, tornando os conflitos mais vigorosos. O
progresso foi tanto que quando os grupos montaram as peças de Teatro Fórum oprimir
ou ser oprimido já não representava um problema.
Por outro ângulo percebeu-se que alguns alunos da EJA reproduzem, em
sala, o comportamento e a postura típicos da infância da adolescência. Foi-nos
perguntado se isto era um entrave ou poderia ser uma pista para desenvolver uma
dramaturgia do TO, de Teatro Fórum. Consequentemente lançamos outras questões: o
que seriam comportamentos e postura da infância e da adolescência? Poderiam ser os
cacoetes dos estudantes característicos destas etapas da vida ou ainda a indisposição no
início das aulas, as críticas às propostas dos professores, a preguiça, os comentários
pelos cantos da sala? Sendo ou não hábitos não conseguimos identificar qualquer
relação com as propostas dramatúrgicas do TO (Teatro Fórum). Entretanto, essa
percepção não seria um sintoma de que certos comportamentos são típicos na escola?
Não seriam as formalidades escolares a evocar tais comportamentos e posturas em
adultos de EJA?
Essas pontuações sugerem uma reflexão sobre os comentários de Arroyo
(2005) quanto à institucionalização da EJA. O autor denomina “estreitos horizontes” o
que se vê na educação escolar tradicional: a redução das questões educativas a
conteúdos e cargas horárias mínimas (níveis, etapas, exames, avanços progressivos,
avaliações de competência) Ao tratar de currículo e ambiente escolar, expõe que o
mérito da EJA tem sido justamente não confundir os processos formadores com estas
formalidades.
Esse conjunto de elementos dá sinais de que há interferências do modo
como a escola se organiza nas ações implementadas por nós? As atitudes referidas na
pergunta poderiam ocorrer em um ambiente não escolar?
É importante explicar que as mesmas atividades realizadas no PROEF II
com o Teatro do Oprimido foram desenvolvidas junto a uma associação de catadores de
materiais reaproveitáveis78. O que verificamos nesta ocasião foram aspectos

78
Constava na proposta inicial do projeto desta pesquisa um estudo comparativo sobre o
desenvolvimento do TO em um espaço com características escolares e outro não escolar, ligado a
movimentos sociais. Entretanto isso não ocorreu, e optamos apenas pelo primeiro. Apesar disso

155
semelhantes aos da turma 365, como o envolvimento e comprometimento com o
processo. No entanto, percebia-se uma maior liberdade criativa, provavelmente atrelada
ao fato de não haver preocupação com aprovação ou desaprovação de qualquer natureza.
Além disso, o comportamento do grupo, também formado por adultos com pouca
vivência em alguma escola, em nenhum momento deixou transparecer trejeitos
relacionados à infância ou adolescência em situação escolar. Podemos admitir, então, a
existência de diferenças entre um tipo de espaço e outro, diferenças que influenciem o
modo de agir dos educados nas aulas com o Teatro do Oprimido?
Com base nessas observações compreendemos que não são os
comportamentos e postura mencionados acima os elementos que dificultam ou
impulsionam o desenvolvimento dramatúrgico de Teatro Fórum com educandos da EJA.
Vontade, compreensão das sugestões do método e coragem para se expressar são fatores
mais determinantes, sem os quais os obstáculos tornam-se bem maiores.

5.3 Sobre o problema central da investigação

Buscamos entender, a todo o momento, quais seriam as implicações


metodológicas do teatro do oprimido na educação de adultos. Vimos, a título de
definição, que o dicionário Aurélio da Língua Portuguesa define o vocábulo
“implicação” como “relação de antecedência e consequência entre fatos ou
proposições”. Portanto, ao nos referirmos às implicações atentamo-nos para as ligações
entre a metodologia do Teatro do Oprimido e a modalidade de EJA percebidas ao longo
desta pesquisa. Entendemos que essas ligações se apresentam de forma objetiva, ou seja,
referem-se aos pressupostos do método frente à especificidade da EJA. Sendo o TO um
meio democrático de expressão e de fruição, seu objetivo não é reproduzir técnicas ou
forjar virtuosismo expressivo, como verificamos nas diversas formas de teatro
tradicional existentes no oriente e em algumas regiões do mundo ocidental. Nesses
termos, em um panorama de clara diversidade como este com o qual lidamos, o método

realizamos, nos moldes do PROEF II, aulas de teatro na ASMAC (Associação de Catadores de
Contagem) entre os meses de março e maio de 2010, perfazendo o total de 28 horas aula, o que
resultou na montagem de uma peça de Teatro Fórum apresentada publicamente por 12 adultos. A
peça, intitulada “No meio da rua” abordava a relação das pessoas de uma determinada comunidade
com catadores e varredores de rua. Foi apresentada para um público de aproximadamente 60 pessoas,
cuja idade variava de 50 a 87 anos, integrantes do Grupo de Convivência Estrela Dalva, em sua sede
no Parque Fernão Dias, no município de Contagem.

156
mostra-se adequado exatamente por conseguir oferecer espaço de ação criativa para
qualquer educando.
Por tratar-se de uma poética política, crítica e questionadora dos problemas
contemporâneos da sociedade, o Teatro do Oprimido acaba se identificando com a EJA,
uma vez que reconhece e estimula o potencial criador dos sujeitos jovens e adultos.
Quanto às implicações metodológicas do Teatro do Oprimido, é possível
observá-las no trabalho corporal dos adultos da EJA. Estas devem, portanto, adaptar-se
às possibilidades físicas dos educandos, as quais manifestam-se em ampla variação
etária. Além disso, é importante ressaltar que os efeitos provocados pela metodologia do
TO podem ser vistos também na relação com outras áreas do conhecimento, no debate
sobre questões políticas e sociais e na capacidade de promover o acesso aos meios de
produção teatral. Em virtude disso, essas implicações ligam-se à EJA por incentivarem a
mobilização dos educandos para a criação e participação no acontecimento teatral, não
como cumpridor de demandas curriculares, como meros artistas ou meros espectadores,
mas como artistas e como “espect-atores” inseridos numa relação de cunho pedagógico
e participativo. O TO também pode ser um importante instrumento na educação de
jovens e adultos porque traz consigo toda a carga das experiências populares. É,
portanto, um mecanismo de educação popular que, ao adentrar na realidade escolar,
defronta-se com sujeitos populares levando consigo o frescor de um fazer artístico
inclusivo com a nítida função de tocar na realidade do educando, na tentativa de
transformar suas nuances opressivas, mas sem perder a característica artística.
Nesse cenário colocamos a seguinte indagação: de qual ou de quais temas
prementes da EJA esta investigação mais se aproximou? Na busca por resposta para esta
questão notamos interfaces com o tema ligado aos sujeitos, assim como aquele voltado
para o currículo e as práticas pedagógicas na EJA.
No que diz respeito às especificidades dos sujeitos da EJA, Silva (2010)
observa que
diante da proposição de se trabalhar com a Educação de Jovens e Adultos -
EJA depara-se, de pronto, com uma necessidade real de olhar para esses
sujeitos de maneira diferenciada da comumente associada aos estudantes que
seguem uma trajetória escolar quando crianças e adolescentes. As pessoas
jovens e adultas, ao retornarem aos espaços escolares da educação formal,
carregam consigo marcas profundas de vivências constitutivas de suas
dificuldades, mas também de esperanças e possibilidades, algo que não
deveria ficar fora do processo de construção do saber vivenciado na escola
(SILVA, 2010, p. 66).

157
Neste trecho há uma síntese que confirma o que propusemos no trabalho
com o Teatro do Oprimido: perceber os educandos de EJA guiando-nos pelo que nos foi
possível alcançar junto com eles.
Para finalizar, mantivemos a pergunta central de nossa investigação:
podemos considerar o Teatro do Oprimido como uma ação educativa democrática de
caráter emancipatório na EJA? Acreditamos que tal consideração é possível desde que
os seguintes pressupostos sejam atendidos: a metodologia do Teatro do Oprimido deve
promover a autonomia criativa do educando; o educador deve ser capacitado a
desenvolver o método; através do educador, é preciso que se valorizem as possibilidades
físicas e cognitivas dos envolvidos para que estes, por vontade própria, atuem
coletivamente; são necessárias melhores condições de trabalho, como quantidade de
aulas suficientes para a proposta e sala de aula adequada; finalmente, deve haver apoio e
envolvimento geral da escola. É fundamental registrar que em nosso campo de pesquisa
todas essas condições mostraram-se satisfatoriamente cumpridas.
Para uma melhor compreensão da questão colocada cabe recorrer ao
conceito de emancipação visto em Paulo Freire.
A emancipação humana aparece na obra de Paulo Freire como uma grande
conquista política a ser efetivada pela práxis humana, na luta ininterrupta a
favor da libertação das pessoas de suas vidas desumanizadas pela opressão e
dominação social. As diferentes formas de opressão e de dominação
existentes em um mundo apartado por políticas neoliberais e excludentes não
retiram o direito e o dever de homens e mulheres mudarem o mundo, através
da rigorosidade da análise da sociedade, com vivências de necessidades
materiais e subjetivas que contemplem a festa, a celebração e a alegria de
viver (MOREIRA, In: STRECK; RENDIN; ZITKOSKI, 2008, p.163).

No escopo desses comentários verificamos que o Teatro do Oprimido, como


método experimentado na EJA, aproxima-se do que se concebe como processo
emancipatório freireano por decorrer de uma intencionalidade política declarada e
assumida por todos aqueles que são comprometidos com a transformação das condições
e de situações de vida e existência dos oprimidos (MOREIRA, 2008). Portanto, para
identificar este caráter do TO na EJA foi preciso que atuássemos em uma dimensão
conscientizadora, procedendo com a finalidade de provocar o educando, estimulando-o
a agir por meio do teatro como num construto problematizador, o qual significa atribuir
sentido político e questionador a problemáticas reais e próximas dos educandos.
Ainda com relação a esse caráter, pode-se afirmar que é constitutivo do
Teatro do Oprimido, como afirma Boal,
a enorme diversidade de técnicas e de suas aplicações possíveis – na luta
social, na psicoterapia, na pedagogia, na cidade como no campo, no trato com

158
os problemas pontuais em uma região da cidade ou nos grandes problemas
econômicos do país inteiro – não se afastaram nunca, um milímetro sequer,
de sua proposta inicial, que é o apoio decidido do teatro às lutas dos
oprimidos (BOAL, 2009, p. 15).

Observamos no interior do método um conjunto de forças que explicitam a


sua intenção emancipatória, das quais destacam-se a sua radicalidade, a condição de
ação e reflexão e a função dialógica.
Tal radicalidade, constitui, inclusive uma característica marcante no TO,
instrumento artístico e pedagógico voltado para discussão de causas sociais. Como
elemento agregador, esta força pode ser vista na EJA na forma de desvinculação dos
preceitos curriculares e de qualquer imposição organizativa da escola, até porque o
Teatro do Oprimido não é um método que ensina ou dê prioridade ao ensino de técnicas
de atuação. Mantendo as exigências estéticas que também prezam pela beleza cênica,
seus pressupostos são, sobretudo, políticos e politizadores e omitir esta natureza seria
descaracterizá-lo. Em última análise, o TO não se estabelece como um receituário ou
como um fichário que indica rigidamente o “passo a passo” a ser seguido.
Outra força presente no método diz respeito à condição de ação e reflexão.
Para explicá-la é preciso entender que, como a “palavra humana” é usada por Freire
como mais que um vocábulo (KRONBAUER, 2008), a “espetacularidade”, no Teatro de
Boal, não significa mero entretenimento. Nessa perspectiva, exige-se do praticante
conhecimento sobre o que é expresso, com finalidade combativa e transformadora por
meio do fazer e do pensar.
A dialogicidade também configura-se de forma marcante no método. A fim
de alcançá-la deve-se recorrer a procedimentos que se iniciam no cotidiano, entre
educador e educandos, e posteriormente na relação com o público. Isto pode ser visto,
por exemplo, em sessões de Teatro Fórum cuja dinâmica revela-o como um método da
pergunta - maiêutico, o que faz o diálogo seu constitutivo fundamental, sublinhando seu
caráter democrático, educativo e emancipatório.
Apesar dessas explicações, permanece a pergunta: qual seria a contribuição
do Teatro do Oprimido para esta modalidade de educação? Com o propósito de
finalmente encontrarmos uma resposta lúcida e alicerçada nos estudos realizados até
aqui, é possível afirmar que à medida que esses elementos do método desenvolveram-se
e os objetivos foram alcançados, sempre valorizando o que o educando podia oferecer,
compreendemos que o TO mostra-se como uma ação educativa democrática e
emancipatória na EJA. Podemos afirmá-lo como uma concepção teatral com fins

159
pedagógicos, políticos e estéticos, munida de espírito libertário sem, no entanto,
prescindir de uma característica vital: o prazer. Percebemos, portanto, que sua
contribuição é identificada quando o adulto de EJA desnuda a sua própria condição de
oprimido e no momento em que aceita ser agente de uma criação teatral, colocando-se
em jogo. Por fim, o método consolida sua colaboração ao permitir que o educando de
EJA aceite a proposta de sua própria desmecanização física e intelectual, e quando este
apropria-se dos meios de criação teatral e se lança em uma ação comunicativa
constituída pela relação entre espectadores e atores.

160
6. CONCLUSÃO

Com esta dissertação apresentamos um estudo sobre o Teatro do Oprimido e


suas interfaces com a educação de jovens e adultos. Para tanto, foi necessário trazer para
o texto uma abordagem sobre elementos da história universal do teatro, a relação do
método de Boal com a pedagogia de Freire, a ação pedagógica no espaço escolar e a
problematização de aspectos teóricos e práticos oriundos do lugar pesquisado.
Inicialmente, ao revisitar a História do Teatro conferimos que Boal, quando
propõe uma ruptura com a poética aristotélica, sistema que considera coercitivo, coloca
em discussão o que consideramos ser a chave para a adequação de sua poética política à
educação de jovens e adultos. Enquanto em Aristóteles há a separação do espetáculo em
relação ao espectador, em Boal, o fenômeno é de aproximação; se o primeiro instrui o
espectador para seus interesses doutrinários, o segundo chama o espectador ao debate;
se em Aristóteles há a hierarquização, em Boal há a democratização do fazer teatral.
Portanto é determinante, na concepção do teatrólogo brasileiro, oferecer a possibilidade
para qualquer cidadão e cidadã de se exprimir, de reconstruir idéias, de ser artista e ser
atuante e, ao atuar, ser crítico, com vistas a transformar algo que figure como opressão.
Ressaltamos que a ruptura do Teatro do Oprimido com o sistema grego é
exposta claramente por Augusto Boal e percebemos, inclusive, uma superação relevante
deste método também em relação aos rigorosos princípios formativos das formas
tradicionais do teatro oriental. Em outras palavras pode-se afirmar que o TO,
prescindindo de rígido desenvolvimento técnico e prezando por temas da vida real, sem
rejeitar a inteligência criativa dos participantes oferece a todo e qualquer indivíduo,
mesmo sem refutar a organização e a beleza cênicas, o meio para criar e atuar.
Justamente neste raciocínio situamos os educandos adultos de EJA que, como sujeitos
de uma modalidade complexa de educação, podem tornar-se, através deste método,
atuantes indistintos no teatro.
Quanto à relação entre a pedagogia freireana e o teatro de Boal destacamos
que trata- se de uma obra resultante de um determinado tempo histórico e a figura do
oprimido, nos dois autores, é produto de uma sociedade injusta e autoritária. A partir
desta constatação podemos admitir que, no decorrer de gerações, as opressões sociais
ganham outros contornos, mas a essência permanece; o que é exposto por Freire e Boal,
cada qual em seu campo de ação, é um aporte filosófico e artístico desejoso de

161
transformação e emancipação, radicalizado na vontade de ver homens e mulheres no
mundo e como seres do mundo.
Com base nessas considerações confirma-se que os pontos convergentes
entre os dois pensadores indicam que, na proposta pedagógica de ambos, educando e
educador, curinga e atores, personagens e “espect-atores” assumem papel de
protagonistas. Em outros termos, tornam-se atores principais nas histórias da vida,
reconstruídas por eles mesmos com ideias concebidas do mundo real. Portanto, em Boal
e Freire o que nasce do meio popular retorna a ele, consubstancia-se como coisa das
gentes, de gente e para gente. Portanto, a Pedagogia do Oprimido e o Teatro do
Oprimido são substancialmente próximos porque defendem a libertação e a liberação do
oprimido.
No que se refere à escola como o lugar escolhido para o desenvolvimento de
nossa pesquisa, podemos salientar que se trata de um espaço com conotação
contemporânea da educação de jovens e adultos. Nele reconhecemos uma realidade
repleta de possibilidades e desafios para o trabalho com a arte e, em função disso,
perguntávamos: como medir a relevância do Teatro do Oprimido na escola com adultos
da EJA? Para responder a esta questão foram analisados três parâmetros considerados
fundamentais: o educador, o educando e a escola.
Com relação ao primeiro, professor de teatro, detecta-se a necessidade
prioritária de que se considere a especificidade do educando e da EJA, buscando
habilidade para trabalhar com o método, principalmente porque o Teatro do Oprimido
lida com pressupostos voltados para a transformação dos problemas sociais. Ainda que o
TO não se apresente como um receituário, como um fichário feito uma prescrição,
constitui-se como um método com etapas a serem cumpridas e, nessa perspectiva, o
professor deve ser também um curinga, cabendo-lhe um posicionamento e
esclarecimento sobre questões sociais do seu meio e do mundo, pois não se afina com
este processo a alienação política. No que tange à produção estética, reafirmamos que
deve-se entender que o Teatro do Oprimido não se ocupa de propor a forma artística
pela forma. Extrapolando essa visão, atribui à arte uma função problematizadora e
combativa.
Quanto aos educandos, é essencial que se envolvam com a proposta e
sintam-se protagonistas e aliados do educador79 em todas as atividades. Sobre isso nota-

79
Entenda-se como protagonismo o mecanismo de valorização, por parte do professor, do que o
educando pode oferecer em um processo educativo.

162
se que, como em uma via de mão dupla, o educador deve, do seu lado e através dos
elementos do método, ser capaz de aguçar e - se possível - encantar aqueles que estão na
outra ponta para que num segundo momento todos estejam juntos na mesma plataforma.
Por conseguinte, concordamos que não há docência sem discência, conforme adverte
Freire, que ainda nos deixou a seguinte contribuição:

é preciso que pelo contrário, desde os começos do processo, vá ficando cada


vez mais claro que, embora diferentes entre si, quem forma se forma e re-
forma ao formar e quem é formado forma-se e forma ao ser formado. É nesse
sentido que ensinar não é transferir conhecimentos, conteúdos nem formar é
ação pela qual um sujeito criador dá forma, estilo ou alma a um outro corpo
indeciso e acomodado. Não há docência sem discência, as duas se explicam e
seus sujeitos apesar das diferenças que os conotam, não se reduzem à
condição de objeto um do outro. Quem ensina aprende ao ensinar e quem
aprende ensina ao aprender. Quem ensina ensina alguma coisa a alguém. [...]
(FREIRE, 2008, p. 23).

Em relação à escola é imprescindível que esta ofereça condições de trabalho


segundo as exigências do ensino do teatro e expanda o seu olhar para a contribuição
formativa desta arte. Tratando-se do Teatro do Oprimido há outra demanda: que a escola
se envolva neste método, construindo um processo de integração e atendendo, assim,
aos princípios de ambos.
Além disso, mediados pelos autores Dayrell (2001), Zaballa (1998) e Coll
(1998), observamos que a escola é um lugar de grande representatividade para o
educando, incluindo o de EJA, e em razão disso pode e deve assumir-se como espaço
sócio-cultural. Sob essa perspectiva, nesse ambiente a abordagem do teatro, quando
regulado por uma metodologia, pode ser compreendida como instrumento capaz de
proporcionar acessibilidade aos meios de criação artística. Mesmo que seu ensino não
componha a oferta de disciplinas tradicionalmente presentes nos currículos escolares,
avaliamos como relevante para a educação estética na EJA.
Por fim compreendemos que o caráter emancipatório do Teatro do Oprimido
foi, de fato, sintetizado durante as apresentações públicas de Teatro Fórum. Nessas
oportunidades as montagens teatrais e as interlocuções entre espetáculo e espectadores
mostraram o quanto este é um método libertário. Além disso, a conversão do espectador
e das espectadoras em “espect-ator” e “espect-atrizes” ocorreram conforme esperado,
justamente no momento em que alguém da plateia disponibilizava-se a entrar em cena,
resumindo todo um procedimento metodológico de cunho transgressor, pedagógico,
político-democrático, popular e envolvente. Devido a experiências como essas e em

163
decorrência de tantas outras descobertas que não se esgotam em uma dissertação,
acreditamos que o método do Teatro do Oprimido pode contribuir substancialmente para
a Educação de Jovens e Adultos e esperamos que este trabalho motive reflexões e ações
em torno desse contexto.
Verificamos ainda, através desta pesquisa, que o Teatro do Oprimido
relaciona-se com a EJA por tratar-se de uma prática pedagógica radical, a qual lança um
olhar humano sobre o educando das classes populares, seja ele pobre, trabalhador, sem
terra, sem teto. O método em questão é inclusive capaz de proporcionar certo frescor ao
ambiente educativo: traz em sua concepção traços hereditários da educação popular dos
anos sessenta, como o caráter libertário, participativo e politizador que, presentes neste
novo século, não nos parecem tornar-se ideias anacrônicas haja vista que com o
dinamismo dos tempos e dos espaços sociais, velhas e novas opressões manifestam-se e
ainda vigoram.

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173
GLOSSÁRIO

Anapesto: Unidade ritmica de algumas formas de poema. Seu formato possui duas
sílabas átonas (breves) e uma sílaba tônica (longa).
Antagonista: São personagens que, na peça, apresentam-se em oposição ou em conflito.

Antropologia teatral: É o estudo do homem em estado de representação.

Apolo: Uma das divindades principais da mitologia greco-romana, um dos deuses


olímpicos. Filho de Zeus e Leto, e irmão gêmeo de Ártemis, possuía muitos
atributos e funções. Possivelmente, depois de Zeus, foi o deus mais influente e
venerado entre todos da antiguidade clássica.

Ática: Região periférica da Grécia onde se encontra a sua capital, Atenas; é, igualmente,
o nome da península limitada pelo Golfo de Pétalion e o Golfo Sarónico, ao sul.

Arena Conta Zumbi: Espetáculo musical do ano de 1965, cuja autoria é de


Gianfrancesco Guarnieri e Augusto Boal. Encenado pelo Teatro de Arena, com
música de Edu Lobo, direção de Augusto Boal e direção musical de Carlos
Castilho.

Arena Conta Tiradentes: Espetáculo do ano de 1967, com autoria de Gianfrancesco


Guarnieri e Augusto Boal. Encenado pelo Teatro de Arena, tem como tema a
Inconfidência Mineira, também foi dirigido por Augusto Boal.

Baco: É o equivalente romano do deus grego Dioniso: deus do vinho, da ebriedade, dos
excessos, especialmente sexuais, e da natureza.

Bharatamuni: Considerado o autor do tratado Nāṭyaśāstra. Estudos revelam que este


tratado foi atribuído a Bharatamuni por meio do deus Brahmā.

Bhāratanāṭyam: É uma síntese de várias disciplinas artísticas: dança, teatro, poesia,


ritmo e música. A sua origem é longínqua, cerca de dois mil anos a.C. Atinge o
repertório mítico e representa a estirpe dos deuses com uma precisa linguagem
corporal codificada nos primeiros séculos da era cristã, notado no Nāṭyaśāstra.
Entre os principais estilos de dança clássica indiana, caracteriza-se como um dos
mais importantes, praticado no Estado de Tamil Nadu, sul da Índia. Nesse
sentido, constitui uma dança solene, quase uma matemática do movimento que
obedece a técnicas rigorosas em relação ao tempo musical e aos gestos do artista.

174
É um estilo em que prevalece a dança feminina, embora os homens também
dancem. Um dado relevante é a relação que há entre a dança e a esculturas. Para
tanto, basta observar, mais precisamente, os 108 karaṇa que representam os
movimentos fundamentais da dança, esculpidos sobre a parede interna de quatro
torres na entrada do templo de Shiva (Śiva) em Chidambaram (...), sendo este,
até os dias atuais, um dos maiores templos shivaitas da Índia meridional.

Brahmā: Deus supremo do hinduísmo, que se identifica, também, com Vshnu e Shiva.

Bugaku: Dança realizada, oficialmente, na corte do Império, cuja tradição era repassada
dentro das famílias, de geração em geração.

Cantastorie: É o contador de história da cultura popular italiana que faz uso da tradição
oral e utiliza a música em suas narrativas.

Canto Coral: Parte cantada pelo coro da tragédia grega. Alguns teóricos afirmam que a
presença do coro se dá pelos textos cantados e evoluções de dança.

Chau: Seraikella chau, mayurbhanj chau e o purilla chau são as três variantes da forma
chau de dança, praticada nas regiões de Bihar, Orissa e Bengala,
respectivamente. A expressão pode ter dois significados: ‘armadura’ ou ‘caçar
sem permissão’. Mesmo sem caráter profissional, os dançarinos de Chau, que
podem ser do campo ou das cidades, submetem-se a um longo e rigoroso
treinamento para aperfeiçoamento da técnica (AZZARONI, 2006). Seus
movimentos, realizados de modo vigoroso, são derivados das artes marciais
praticadas naquela região e sofrem variações nas três formas.

Clown: É uma palavra que define a figura do palhaço. Atualmente para alguns
especialistas clown e palhaço tem o mesmo significado.

Commedia dell’Arte: Também conhecida como comédia improvisada, na qual os


atores utilizavam máscaras de figuras cômicas e fixadas nesta modalidade
teatral, como o Pantalone, o Dottore, Arlechinno, Scaramuccia, Pulcinella,
Mezzotino, Scapino, Coviello, Trufaldino, dentre outros. Na Commedia
dell’Arte, a expressão dell’Arte tem o sentido de técnica e habilidade profissional
dos comediantes.

Corpo pré-expressivo: Aprofundar este conceito ajuda a entender os processos de


criação que perpassam pelo físico e o intelecto não só de artista de profissão,

175
mas também de pessoas que, de alguma forma, poderão se expressar no teatro,
pois o mecanismo de comunicação seja com uma atriz ou ator consagrado, ou,
ainda, um educando de EJA não difere em ponto algum. Sendo assim, é
interessante observar que o nível que se ocupa com o como tornar a energia do
ator cenicamente viva, isto é, com o como o ator pode tornar-se uma presença
que atrai imediatamente a atenção do espectador, é o nível pré-expressivo e é o
campo de estudo da antropologia teatral. Este substrato pré-expressivo está
incluído no nível de expressão, percebido na totalidade pelo espectador. (...) A
antropologia teatral postula que o nível pré-expressivo está na raiz das várias
técnicas de representação e que existe, independentemente da cultura tradicional,
uma "fisiologia" transcultural. De fato, a pré-expressividade utiliza princípios
para aquisição de presença e vida do ator. Os resultados desse princípio parecem
mais evidentes em gêneros codificados, onde a técnica que coloca o corpo em
forma é codificada independentemente do resultado/significado. Assim, a
antropologia teatral confronta e compara as técnicas de atores e dançarinos no
nível transcultural e, por meio do estudo do comportamento cênico, revela que
certos princípios que governam a pré-expressividade são mais comuns e
universais do que se tinha imaginado à primeira vista (BARBA; SAVARESE,
1995, p. 192).

Corifeu: É a figura que se destaca do coro da tragédia e anuncia trechos do texto


trágico.

Curetes: Divindades presentes na mitologia grega.


Deuteragonista: Refere-se ao ator que representa um papel secundário na tragédia.
Dioniso: O mesmo que Baco. É o deus do vinho, inspirador do êxtase e, também, da
loucura ritual. É uma espécie de “patrono” do teatro.
Drama épico: Este conceito é atribuído a Bertolt Brecht (1898-1956) em contraposição
ao teatro dramático aristotélico. O teatro épico brechtiano insere relatos e
narrativas na ação do personagem-narrador. (Veja quadro 1 no capítulo 2, tópico
a Poética do Oprimido – Ruptura e Avanços).

Epifania: É um termo que, filosoficamente, indica que alguma pessoa encontra um


elemento ou ser que se mostra a solução de certo problema e, através dele,
consegue ver a própria imagem em sua completude.

176
Episódio: É uma parte completa da tragédia entre dois corais.

Esfinge: É um monstro que se divide em leão alado e mulher.

Estásimo: É um coral desprovido de anapestos e troqueus.

Êxodo: É uma parte completa, que não sucede canto do coro.

Farsa: Antigo gênero teatral que se associa ao cômico. Segundo Pavis (2003), a Farsa é,
sempre, definida como uma forma primitiva e grosseira que não poderia elevar-
se ao nível da comédia.

Flor de lótus: Esta flor, densa de simbologia, está relacionada à religiosidade indiana.
Refere-se, então, à criação do universo, à pureza e à espiritualidade. Nas
representações do hinduísmo, podem-se verificar deuses sobre esta flor.

Função épica: (Veja quadro 1 no capítulo 2, tópico a Poética do Oprimido – Ruptura e


Avanços).

Funambulista: equilibrista de corda bamba.

Géia: Também conhecida como Gaia, a deusa mãe primordial, uma das primeiras
divindades a habitar o Olimpo. Geradora de todos os deuses, a deusa-terra, livre
de nascimento ou destruição, de tempo e espaço, de forma ou condição.

Gigaku: Forma de dança teatralizada que, aproximadamente no ano de 612 d.C.,


passou, inclusive, a fazer parte de rituais de Estado no Japão. Com o significado
de “música arteira”, esta forma de teatro-dança utiliza a música intensamente
executada com flautas e com instrumentos de percussão, como tambores e
címbalos. Além disso, sabe-se que os atores utilizam máscaras expressivas.

Giullari: Eram artistas com várias habilidades. Cantavam, jogavam, dançavam, faziam
poesias, tocavam instrumentos musicais e se exibiam nas ruas ou por encomenda
de reis e príncipes no período que vai da Idade Antiga a Idade Moderna na
Europa.

Hera: Na mitologia grega, é a deusa da família e dos ciúmes.

Hierofania: Manifestação reveladora do sagrado, que se materializa de modo


completamente diferente do que é profano.

177
International School of Theatre Anthropology – ISTA: (Escola Internacional de
Teatro Antropológico): foi fundada em 1979; concebida e dirigida por Eugenio
Barba, com sede em Holstebro, Dinamarca.

Kagura: Tem o significado de “divertimento dos deuses”. É uma das antigas


manifestações japonesas, em que diversas danças e ritos sacrificiais
representados com o propósito de ganhar os favores sobrenaturais, por meio da
magia da pantomima e da máscara, são, tradicionalmente, incluídos (BERTOLD,
2001).

karaṇa: Em número de 108, são movimentos codificados dos dois pés da atriz
dançarina, coordenados com os braços e o corpo.

Kathak: Originária do norte da Índia. É uma das mais antigas formas de teatro-dança
daquela região. Como tradição, era transmitida de geração em geração. No
princípio, o Kathak, que significa “contar história”, desenvolveu-se ligado a
preceitos religiosos. Atualmente, é uma espécie de linguagem corporal, por meio
da qual os artistas criam figuras no espaço, dançando em grupos ou em forma
solística (AZZARONI, 2006). Homens e mulheres atuam utilizando figurinos
característicos. Os homens com suas calças apertadas e um vestido longo até o
joelho, de cores cintilantes, apertado na cintura por um cinto. Já as mulheres,
usam saias longas até os tornozelos, de cores vivas, e espartilho no busto,
levando adornos de pérolas e pequenas jóias no pescoço, nas mãos e nos braços,
além de carregarem, em cada tornozelo, cerca de 150 pequenos guizos
(ghugharu) que ajudam na rítmica musical quando o dançarino bate os pés nos
chão. A música é executada por instrumentos de percussão, como o pakhwaj, um
tipo de tambor de som profundo e tabla, que é composto por dois pequenos
tambores. Os instrumentos de corda usados são o sitar e o sāraṅgī, ambos com
sonoridades mágicas. Já os de sopro, são a flauta e o harmonium.

Kathakali: Forma de teatro clássico indiano mais conhecida no ocidente. É,


tradicionalmente, praticado por homens. De natureza complexa, a maquiagem do
ator requer mais de três horas para sua elaboração, pois determina a natureza dos
personagens: heróis, deuses, demônios femininos e masculinos, caçadores,
guerreiros, animais e monstros. Os figurinos são suntuosos e cheios de
ondulações. Nos dramas, são inseridas numerosas imagens poéticas, as quais

178
possibilitam aos atores dançarinos exibirem as melhores qualidades miméticas,
emotivas, expressivas e virtuosísticas (AZZARONI, 2006). Em geral, a
formação de um ator de Kathakali começa ainda na infância. Desde esta época, o
aluno prepara o corpo e a mente, desenvolvendo exercícios e treinamentos, com
disciplina, determinação e sempre acompanhado de um guru. Este processo pode
exigir mais de quinze anos de estudo, devido à sua complexidade. Dentro de um
regime austero, o aluno de Kathakali, para manter a disciplina, pode até ser
punido pelos erros que cometer. Por essas razões, sobretudo, alguns estudiosos o
consideram como a mais fascinante forma de teatro clássico da Índia.

Kṛṣṇa (Krishna): Deus da religião hindu.

Kūchipuḍi: É um tipo de drama dançado de caráter regional, seguindo regras


consagradas no Nāṭyaśāstra e tradições orais repassadas de mestres a alunos.

Desde o seu início, o Kūchipuḍi era uma arte praticada por homens, mas, no
século XX, passou a ser realizada, também, por mulheres. A representação
começa com um ator dançarino que santifica o lugar da apresentação aspergindo
água benta, declamando versos presentes nos Vedas, decorando o espaço com
pós coloridos; um segundo ator entra em cena e oferece incenso. Antigamente,
acendiam cinquenta e oito velas dedicadas à Raṇga Ṣḍidevatā, divindade
protetora do palco cênico. (...) Nos dias atuais, um ator percorre o palco com
uma bandeira na mão para expulsar as forças malignas. O início do espetáculo se
configura como uma invocação à divindade protetora. Em uma cerimônia de
exorcismo, busca, ainda, dissipar os deuses do mal. A propósito, a valência
religiosa é assim afirmada como função do espetáculo, que não se propõe como
um mero divertimento, mas como um meio para aproximação dos seres
celestiais.

Kūṭiyāṭṭam: Forma de representação que combina teatro e dança (Kūṭi: junto/ āṭṭam:
teatro e dança). Provavelmente, é a mais antiga forma de teatro que faz uma
ponte entre o passado e o presente. As formas performativas dos atores no
Kūṭiyāṭṭam são, rigidamente, codificadas. Os movimentos do corpo, os figurinos
e maquiagem são estilizados; os diálogos são realizados em versos escritos em
sânscrito, prácrito e em malayāḷam. Antigamente, era apreciada de modo

particular pelos brāhmaṇa (brâmanes) e a família real. O povo, de um modo

179
geral, tinha dificuldade de entender os diálogos. Atualmente, homens e mulheres
de todas as castas podem assistir às representações, desde que realizadas fora dos
templos (AZZARONI, 2006, p.227).

Kurogo: Auxiliar de cena ou contra-regra do teatro kabuki.

Manipuri: Precisamente na província de Manipur, surge o Manipuri. É caracterizado


por uma antiga técnica em que os movimentos das mãos, da cabeça, dos olhos e
dos pés são menos complexos do que em outras danças. É conhecido pela graça
e delicadeza dos movimentos e, também, pelos esplendidos figurinos. No
Manipuri, há três variações, sendo que a principal é o Rasa Lila (rāsa-līlā), cujo
tema faz referência ao amor do deus Kṛṣṇa pelas gopinis, mulheres jovens do clã
Yadava. Alguns escritos descrevem que, desde o século II d.C., havia elementos
comuns ao formato atual desta dança devocional e regional. Mesmo sendo de
inspiração religiosa, o Manipuri transita entre o sacro e o profano. Entretanto,
não consente gestos e significados com conotação sexual. Nesse contexto,
Azzaroni (2006) afirma: Em cada aldeia na área de Manipur há um templo
dedicado a Kṛṣṇa e Rādhā com um nauth ghar (sala de dança). Existem quatro
tipos de manipuri, um dançado somente por rapazes e outros três por rapazes e
moças solteiras: usualmente estas danças são rápidas ritmadas por sons de khol e
o Kirtan, fazendo parte do aspecto figurativo, explicitado por saltos e paradas
repentinas (AZZARONI, 2006, p. 317).

Metaxis: Da palavra grega Methexis, usada por Platão, significando o trânsito que, para
este filósofo, era possível entre o mundo das ideias perfeitas e o mundo real em
que vivemos. No Teatro, significa a capacidade do espectador de transgredir o
ritual teatral convencional para intervir na imagem e transformá-la, assumindo o
papel protagônico e se tornando, ao mesmo tempo, pessoa e personagem.

Mise-en-scène: Literalmente é colocação em cena. Refere-se à montagem cênica e a


posição geral dos elementos que compõem o espaço cênico fundamentalmente os
atores.

Ninfas: Divindades femininas da mitologia grega.

Odin Teatret: É um grupo de teatro sediado em Holstebro, Dinamarca. Foi fundado


pelo diretor de teatro italiano Eugenio Barba em 1964. O Odin é, ainda, a base da

180
ISTA, a International School of Theatre Anthropology, fundada em 1979,
também por Barba.

Oḍissī: Com origem no século II a.C., é um estilo tradicional de dança solo, mas que,
com o passar dos tempos, passou a ser apresentado em grupo. É, essencialmente,
lírica e poética nos movimento e, como dança ritual, inicia com uma invocação à
deusa protetora dos escritores e dos poetas Sarasvatī (AZZARONI, 2006). Os
movimentos circulares do corpo das dançarinas acontecem com sensualidade,
doçura e em ritmo lento, acompanhados por músicos que tocam chimbau e
pakhawaj ou flauta de Kṛṣṇa. Feito um poema de amor às dançarinas,
geralmente, mantêm á dinâmica de dobrarem a cintura, o pescoço e os joelhos na
posição tribhānga. A preparação técnica para o uso dos olhos, dos braços e dos
pés também é muito exigida neste estilo que apresenta, além disso, uma notável
complexidade dramatúrgica.

Palas Atená: Deusa da sabedoria.

Panatenéia – Festividade em honra da deusa Palas Atená.

Pantomima: Forma artística em que o ator utiliza gestos sem palavras.

Párodo: Primeiro pronunciamento do coro na tragédia.

Pré-expressividade: Para Barba e Savarese (1995), este conceito está ligado ao que
precede o resultado expressivo do ator e, segundo a Antropologia teatral, a pré-
expressividade utiliza princípios para a presença e a vida do ator.

Prestidigitadores: Ilusionista que esconde objetos com as mãos rapidamente.

Prólogo: É toda a parte da tragédia que antecede a entrada do coro.

Proskenion: Palavra grega que indica o espaço da atuação dos atores. Corresponde ao
palco cênico.

Sátiros: Eram seres ou entidades da natureza cujo formato era metade humano e a outra
metade, corpo de bode.

Shamisen: Instrumento musical de três cordas tocado com plectro com aspecto parecido
aos violões.

Shiva: Deus fundamental do hinduísmo, misericordioso e benevolente. É o símbolo


máximo da potência masculina e tido como o deus da transformação. Possui um

181
terceiro olho sempre cerrado que, quando aberto, segundo a mitologia hindu,
toda a humanidade será destruída.

Teatro de grupo: Refere-se ao trabalho teatral realizado no interior de um grupo de


atores, cuja função é a de desenvolver espetáculos e ações criativas e
pedagógicas por meio de ação coletiva (grifo meu).

Teatro engajado: Teatro que trata de temáticas políticas e sociais.

Teatro dialético: Considera-se como teatro dialético a poética de Bertolt Brecht, cuja
finalidade é levar o espectador a refletir sobre a realidade social por meio do
drama.

Theátron: Palavra grega que designa o lugar de onde se vê o espetáculo, o espaço dos
espectadores.

Titãs: Na mitologia grega, são divindades que enfrentaram Zeus e outros deuses do
Olimpo.

Tragédia: A primeira forma teatral do Ocidente, estruturada por Aristóteles.

Troqueu: Unidade métrida de certos poemas, que, ao contrário dos anapestos consiste
em uma sílaba tônica seguida de uma àtona.

Urano: Gerado por Gaia, é um deus grego que personifica o céu.

Verfremdungsefekte: Efeito de distanciamento dentro do teatro épico de Brecht.

Vindima: Período da colheita da uva, durante o qual eram realizadas celebrações para
Dioniso.

Vodevilesca: Relativo a “vaudeville” um genero de entretenimento de variedades:


apresentações de pequenos números teatrais, jogos, músicas, acrobacias
imitações etc. Entre o final do século XIX e as primeiras décadas do séculoXX
este gênero ganhou grande popularidade nos Estados Unidos da América.

Yakṣagāna: Popularmente praticado em Karara, no estado de Kārnātaca, no sudoeste


da Índia, onde, atualmente, convivem católicos, muçulmanos e hindus. Há
indicativos de que surgiu por volta do século IX. Ali, desenvolveu-se como
gênero teatral rico de dança e, conforme a cultura hindu constitui uma das
formas mais completas de adoração aos deuses. É acompanhada de música vocal
e instrumental, que se alternam com declamações em prosa (AZZARONI, 2006).

182
Os atores de Yakṣagānas são, em sua maioria, camponeses que, para praticar a
dança, realizam seus treinamentos durante o período que dedicam à agricultura.
Os textos dramáticos são inspirados em histórias épicas e lendas, com a
finalidade de explicar ao público os preceitos do hinduísmo, o que torna a
representação um ato religioso.

Yoga: Este termo indica a relação entre o corpo e a mente na busca de uma perfeita
unidade no mais profundo nível de inconsciência além dos limites do
pensamento e da linguagem.

Zeus: Rei dos deuses do Olimpo.

Zeami: Também chamado de Zeami Motokiyo: fundamental teórico e dramaturgo do


teatro clássico japonês. Foi, também, ator, compositor, diretor e dançarino.
Notabilizou-se como o criador do teatro nô no século XIV.

183
6 ANEXOS

ANEXO 01 – Termo de Consentimento livre e esclarecido do educando/a

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS - FACULDADE DE EDUCAÇÃO

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

O termo abaixo se refere ao projeto de pesquisa de Mestrado em Educação, intitulado Teatro do Oprimido –
Implicações Metodológicas para a Educação de Adultos. Serão realizadas entrevistas por meio de áudio e vídeo bem
como filmagens das atividades práticas e das peças teatrais a serem montadas, que resultarão em um documento
videográfico que será disponibilizado como anexo da dissertação. O material poderá ser veiculado no meio acadêmico
como referencial de estudos sem qualquer interesse comercial, obedecendo aos critérios éticos que, inclusive
resguardam o anonimato dos sujeitos. Nenhum aluno estará obrigado a participar dos registros. Poderão, a qualquer
momento se desligar da pesquisa, mas não das aulas normais da disciplina de Expressão Corporal que compõe o
currículo. A partir do final do primeiro semestre de 2010 serão selecionados vinte alunos e alunas dentre os trinta e
nove inscritos na turma de continuidade do PROEF II, não sendo necessário, portanto, da participação da turma
inteira nas entrevistas. Este procedimento tem como objetivo analisar o processo metodológico do Teatro do
Oprimido. Os sujeitos que se disponibilizarem a participar da pesquisa, conforme as premissas aqui descritas deverão
assinar o termo de consentimento livre e esclarecido abaixo, oficializando sua participação.

Eu.................................................................................................................................................., identidade
............................................, aluno do PROEF II – Centro Pedagógico da UFMG, estou de acordo em participar da
pesquisa de Mestrado em Educação de Waldimir Rodrigues Viana, orientado pela Profa. Dra. Carmem Lucia Eiterer,
freqüentando as aulas de Expressão Corporal em que será abordado a metodologia do Teatro do Oprimido,
participando das filmagens, dando entrevista e respondendo questionários sobre aspectos relevantes durante as aulas,
relatando sobre questões ligadas a arte em geral e o teatro de modo específico durante o meu percurso dentro e fora da
escola.

____________________________________________
Assinatura

___________________________________________
Profa. Dra. Carmem Lucia Eiterer
Pesquisadora responsável
(031)3499-6194/ (031)3412-3859
e-mail: eiterer@fae.ufmg.br

___________________________________________
Waldimir Rodrigues Viana
Pesquisador Orientando
(31) 9137–7975
e-mail: dimir.viana@gmail.com

Belo Horizonte, _____de______________ 2010.

Endereço do COEP:
Av. Antonio Carlos, 6627- Unidade Administrativa II- 2º andar- sala 2005
CEP: 21270-901; BH-MG
Telefone: (031)3409-4592
E-mail: coep@prpq.ufmg.br

184
ANEXO 02 – Termo de consentimento livre esclarecido do educador/a

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS - FACULDADE DE EDUCAÇÃO

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE ESCLARECIDO

Você está sendo convidado (a) a participar da pesquisa intitulada “Teatro do Oprimido – Implicações
Metodológicas Para a Educação de Adultos” do mestrando Waldimir Rodrigues Viana, sob orientação da Profa. Dra.
Carmem Lúcia. O projeto tem como objetivo geral analisar teórica e praticamente o Teatro do Oprimido na tentativa
de verificar suas possibilidades enquanto metodologia teatral para a formação estética, crítica e política na escola, na
EJA. Serão desenvolvidas atividades teatrais finalizando com um espetáculo de Teatro Fórum que é uma das
modalidades do Teatro do Oprimido. Na seqüência, alguns alunos da turma intermediária do PROEF II serão
convidados a conceber entrevistas sobre diversos aspectos a serem observados durante as aulas de teatro. Para
levantamento de dados fundamentais para a pesquisa, convidamos V. Sria. para ser entrevistado na condição de
professor por estar na condição de docente junto ao grupo focalizado na pesquisa.
Asseguramos a confidencialidade dos dados obtidos, assim como uma postura ética em nossas análises.
Eu, __________________________________________________, estou de acordo em participar da pesquisa,
“Teatro do Oprimido – Implicações Metodológicas Para a Educação de Adultos”

____________________________________________
Assinatura

____________________________________________
Profa. Dra. Carmem Lúcia Eiterer
Pesquisadora responsável
(031)3499-6194/ (031)3412-3859
e-mail: eiterer@fae.ufmg.br

_________________________________________
Waldimir Rodrigues Viana
Pesquisador Orientando
(31) 9137–7975
e-mail: dimir.viana@gmail.com

Belo Horizonte, _____de______________ 2010.

Endereço do COEP:
Av. Antonio Carlos, 6627- Unidade Administrativa II- 2º andar- sala 2005
CEP: 21270-901; BH-MG
Telefone: (031)3409-4592
E-mail: coep@prpq.ufmg.br

185
ANEXO 03 – Questionário geral para diagnóstico inicial da pesquisa

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO DA FACULDADE DE EDUCAÇÃO
MESTRANDO PESQUISADOR – WLADIMIR RODRIGUES VIANA
PESQUISA: TEATRO DO OPRIMIDO – IMPLICAÇÕES METODOLÓGICAS PARA A
EDUCAÇÃO DE ADULTOS
ORIENTADORA – PROFA. DRA. CARMEM LÚCIA EITERER

QUESTIONÁRIO GERAL PARA DIAGNÓSTICO INICIAL DA PESQUISA

Cada aluno vai responder as perguntas abaixo assinalando as resposta SIM ou NÃO –
TENHO DÚVIDA. O procedimento se dará em sala de aula com orientação do
pesquisador. Não será necessária a identificação dos alunos e alunas. As respostas
servirão para a preparação e condução das aulas.

1. Quem ainda não foi ao teatro para assistir algum espetáculo profissional?
2. Quem assistiu apenas a um espetáculo profissional?
3. Quem assistiu algum espetáculo profissional por mais uma única vez?
4. Você considera importante estudar teatro aqui na escola?
5. Você considera importante estudar outra modalidade de arte aqui na escola, como Arte Plástica
Dança, Fotografia, Cinema e ou Música?
6. Você já leu ou sabe algo sobre a História do teatro Brasileiro?
7. Você já leu ou sabe algo sobre a História do teatro em outros países?
8. Você já leu ou ouviu algo sobre Teatro do Oprimido?
9. Você gostaria de participar de uma peça teatral como ator ou atriz?
10. Você considera que por meio do teatro é possível discutir, avaliar e tentar mudar algum problema
Social?
11. Você considera que é possível aprender mais sobre política para a transformação social por meio
do teatro?
12. Você acredita que pode ser estimulado a praticar um teatro que respeite a suas limitações e
capacidades físicas?

13. Assinale no espaço determinado se você acredita que ser artista é somente para quem tenha
“talento”?
14. Assinale no espaço determinado se você acredita que crianças, Jovens, adultos, homens, mulheres
e pessoas com necessidades especiais podem ser expressivas e se tornarem artistas profissionais
ou não?
15. Acredita que além do Teatro você poderia ser uma artista de qualquer outra modalidade: Artes
Plásticas, Dança, Fotografia, Cinema e ou Música

16. Acredita que a arte é importante para a sociedade?

17. Já ouviu falar ou leu algo sobre Augusto Boal?


18. Já ouviu falar ou leu algo sobre teatro-fórum?
19. Você gostaria de participar de um evento teatral com a presença de outros convidados fora da
escola.

20. Supõe que aprender algo sobre teatro pode ampliar seus conhecimentos escolares?

186
ANEXO 04 - Questionário geral alunos do PROEF II para continuidade de
diagnóstico sobre os sujeitos da pesquisa
______________________________________________________________________
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO DA FACULDADE DE EDUCAÇÃO
MESTRANDO – WALDIMIR RODRIGUES VIANA
ORIENTADORA – PROFA. DRA. CARMEM LÚCIA EITERER
PESQUISA: TEATRO DO OPRIMIDO – IMPLICAÇÕES METODOLÓGICAS
PARA A EDUCAÇÃO DE ADULTOS

QUESTIONÁRIO GERAL ALUNOS DO PROEF II PARA CONTINUIDADE DE


DIAGNÓSTICO SOBRE O SUJEITO DA PESQUISA

1. Idade: _________Anos.
2. Cidade onde nasceu_______________________________________________
3. Bairro onde mora_________________________________________________
4. Profissão________________________________________________________
5. Antes de estudar no PROEF II, quantos anos você estudou? _________ Anos.
6. Responda com um X
7. Sexo: Feminino____ Masculino____
8. Você se considera:

___ Negro (a)


___ Branco (a)
___ Pardo (a)
___ Indígena
___ Outra etnia

Estado Civil:

___Casado (a)
___Solteiro (a)
___Viúvo (a)
___Outra situação

187
9. Tem filhos?

___ Sim. Quantos? _______ Filhos

___ Não tenho filhos

10. Trabalha quantas horas por dia? _______ horas.

11. Pretende continuar os estudos depois que finalizar o curso no PROEF II?

___ Sim ___ Não


12. Se continuar os estudos quer chegar a qual nível?

___ 2º Grau
___Curso técnico profissionalizante
___ Faculdade
___ Mestrado
___ Doutorado

13. Coloque o X nos itens que achar conveniente, podendo ser mais de um.
Além de participar e atuar nas aulas de teatro você acha que tem habilidade para:

___ Desenhar
___ Pintar
___ Costurar
___ Esculpir
___ Tocar algum instrumento
musical
___ Cantar
___ Compor música
___ Escrever poesia
___ Escrever contos
___ Contar Histórias
___ Dançar
___ Fotografar
___ Filmar
___ Cozinhar
___ Praticar arte circense
___ Fazer maquiagem

188
14. Assinale abaixo as atividades culturais que costuma freqüentar, podendo
assinalar mais de um item. Caso não freqüente estas atividades deixe o espaço em
branco:

___ Espetáculos de Teatro (todos os gêneros: comédia, drama, teatro de bonecos, teatro
de rua etc.)
___ Espetáculo de Dança
___ Shows de música popular (MPB, samba, pagode, música sertaneja e outros gêneros)
___ Concertos de música clássica
___ Festas de Cultura Popular (congado, reisados, carnaval de rua, etc.)
___ Cinema
___ Museus
___ Exposição de Artes Plásticas em galerias de arte (pintura, gravura, escultura,
fotografia e outros)
___ Festival de gastronomia

15. Qual atividade abaixo desperta em você mais interesse mesmo que você não
participe frequentemente. Marque apenas um item:

___ Espetáculos de Teatro (todos os gêneros: comédia, drama etc.)


___ Espetáculo de Dança
___ Shows de música popular (MPB, samba, pagode, música sertaneja)
___ Concertos de música clássica
___ Festas de Cultura Popular (congado, reisados, carnaval de rua, etc.)
___ Cinema
___ Museus
___ Exposição de Artes Plásticas em galerias de arte (pintura, gravura, escultura,
fotografia e outros)
___ Festival de gastronomia

189
ANEXO 05 – Folder das apresentações em aula aberta das peças de Teatro
Fórum
______________________________________________________________________

190
ANEXO 06 – Vídeo documentário: Teatro do Oprimido na EJA – Uma
experiência com adultos – PROEF II

191

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