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Apenas mais uma de amor...

Quando eu era apenas um adolescente eu tinha medo de crescer, de me


tornar adulto. Eu não entendia muito bem, mas estava com medo do amor, eu me
sentia como se tivesse que escolher, mas acontece que isso foge do nosso controle,
não há escolha, fugia do meu controle. No fim, eu precisava ser salvo, eu tão jovem, e
enlouquecendo sozinho. Tanta pressão... família, igreja, sociedade e até Deus
dizendo quem e o que eu deveria ser. Como me enquadrar em uma estrutura que só
me fazia sofrer e perder a esperança? Não foi fácil segurar as pontas e sobreviver!
Aprendi que devia me enquadrar perfeitamente, ser o protótipo masculino
ideal, aquele que se casa, constitui família e que vive dentro da estrutura socialmente
definida. No entanto, a realidade foi outra, não fui, e ainda não sou o que a sociedade
espera de mim, não sou protótipo e muito menos modelo de algo, sou apenas mais
uma pessoa com o forte desejo de ser respeitada e feliz. Quero viver em dignidade e
ser quem eu sou, livre de qualquer tipo de preconceito. Desejo, no mais profundo do
meu ser, viver a vida, sorrir pra ela e brindar os dias que se findam e ainda, os dias
vindouros. Quero comemorar cada passo que eu der em direção ao futuro e a uma
vida renovada pela força do amor e da amizade.
Amizades? Há tantos tipos delas... Amigo é aquele que se reclina no seu peito
e diz vamos em frente, eu vou com você e eu estou com você. Na adolescência, a
minha introspecção impossibilitou o desenvolvimento de amizades profundas, não
permitia que ninguém invadisse o meu espaço, que até então tinha muita coisa a
esconder. Hoje, a vida me presenteou com amigos fenomenais, amigos que sem
máscaras, me aceitam e torcem pela minha felicidade independente das minhas
escolhas, erros ou acertos. São nessas amizades que encontro consolo e força, em
meio à tantas críticas e apontamentos preconceituosos. Esses amigos são um
bálsamo para as minhas feridas. Aqui, no âmbito da amizade verdadeira, posso
afirmar que o amor ganhou forma e evidência. Um tipo de amor genuinamente puro
e sincero, sem cobrança e sem interesses.
Deus? Onde está o Jesus Misericordioso que acolheu e amou profundamente o
pobre miserável e as minorias de sua sociedade? Que se fez pecador e se dispôs a
caminhar junto? Esse Deus, a sociedade e a igreja o esconderam! Sem deixar pistas,
eu procuro por um Cristo que me entende, que me acolhe e ama, porque sabe que
independe da minha vontade os meus mais profundos sentimentos. O Deus cristão
foi trancado no Céu, e hoje alcançá-lo exige tanto, que é quase impossível tocá-lo
com os mais nobres sentimentos. Reconheço o seu amor pela humanidade, mas
queria que os outros também reconhecessem e buscassem viver com Jesus viveu,
rompendo os paradigmas socialmente estruturados de maneira rígida. O mais puro
amor se tornou comercializável, inalcançável e inabitável. Reconhecer e aceitar a
Deus é se abrir para vida nova e para o amor!
Família? Aí está o verdadeiro nó na minha garganta. Não posso mudar e nem
exigir mudanças, só espero respeito e amor incondicional. Levei anos para admitir e
exigir um posicionamento familiar, no entanto hoje, entendo que não estou em
condições de exigir, pois minha família está fortemente enquadrada em uma
sociedade que hoje eu não mais admiro, pelo contrário... Lutarei pelas mudanças sem
invadir a individualidade de cada pessoa, respeitarei o outro. Essas mudanças eu não
busco lutando frente a frente, corpo a corpo, me reafirmando continuamente, eu
busco a transformação/transfiguração da minha família tendo como armas os meus
sentimentos e as minhas pequenas ações que demostram quem eu sou de verdade,
não é embate, é amor. Enfim, as transformações no âmbito familiar devem acontecer
gradualmente, assim como o amor acontece. Ao revelar o amor pelos meus entes
queridos, eu vou pouco a pouco conquistando o meu espaço e sonhando cada vez
mais alto, sabendo que amparado eu estou por aqueles a quem pertenço.
Futuro... Apenas mais uma de amor, parafraseando Lulu Santos, eu, como
qualquer outra pessoa busco viver o amor e encontrar a tal felicidade. Não procuro o
amor romântico, entre homem e mulher que vivem felizes para sempre – um
verdadeiro conto de fadas – até porque eles não existem. Eu busco a aceitação e o
respeito, e isso, é mais uma de amor... Mas, como me amar, se não luto e não me
posiciono frente a uma realidade que me machuca e causa tantos transtornos em
mim e em diversos grupos sociais? Seria mais fácil viver em uma sociedade
igualitária, na qual todos se respeitam e se aceitam. Entretanto, essa idealização está
longe de ser real, assim, temos que nos unir e conquistar direitos e posições que
legalizam uma vivência mais harmônica e justa. Hoje, eu entendo, perfeitamente, que
é lutando, mas não com embates físicos e agressivos, que se alcança o alvo. Se busco
aceitação e respeito, então, na luta, usando como armas mais uma de amor, eu vou
demonstrando que sou um ser humano como qualquer outro, e que as diferenças
fazem parte do mundo biológico, são, portanto, necessárias para garantir a
sobrevivência da espécie. No futuro então, eu espero encontrar pessoas que lutam
por seus direitos, cultivando ideias, crescendo em maturidade e clareza. Espero
encontrar pessoas que se respeitam mutuamente e que as diferenças existentes
entre cada grupo possibilitem alcançarmos a plena realização de uma sociedade.
Apenas mais uma de amor? Vamos definir amor, antes de continuar? Consta
no Dicionário Aurélio que a palavra amor é um substantivo abstrato que significa
sentimento que predispõe alguém a desejar o bem de outrem; ou, sentimento de
dedicação absoluta a um ser. Ainda sobre o amor, para o psicólogo Erich Fromm, ao
contrário da crença comum de que esse sentimento é algo fácil de ocorrer ou
espontâneo, ele deve ser aprendido; ao invés de um mero sentimento que acontece,
é uma faculdade que deve ser vivida para que possa se desenvolver. Por aí, percebe-
se que o amor precisa conquistar o seu espaço no coração e na psique de uma
pessoa, é um caminho que precisa ser percorrido sem nenhum tipo de sequestro.
Sequestrar a subjetividade de uma pessoa é o contrário de amor. Ama quem
contribui para o crescimento do outro, dando suporte sempre que for necessário. Se
amei? Sim, com toda certeza, eu já amei... Desejei o bem ao outro, quis viver junto e
me completar com a diferença que o outro apresentava. Desejei caminhar junto,
servindo de suporte ao outro, levantando-o quando este caiu. Pois bem, é na soma
das diferenças que o amor se desenvolve e se progride gradualmente. Mas, eu
acredito também que o amor pode se desgastar e para acabar, basta um único passo
equivocado. Amor se cultiva, se cuida! Por fim, que sejamos seres que amam, que na
veem nas diferenças uma oportunidade de vivência plena, justa e igualitária.
Depois de anos de vivência, de medo e de insatisfação, hoje eu me sinto mais
feliz e busco a realização nos vários aspectos da minha vida! Foi um processo longo e
árduo, uma metamorfose que me modificou tanto, que não sou o mesmo de ontem,
pois, aprendi que a cada dia um novo ser vai se construindo e se transformando... pra
melhor, imagino eu! Carrego em minha história várias outras histórias, faço parte de
um todo, que se soma ao revelar as suas diferenças. Não basta sobreviver, é
necessário viver intensamente.

Eduardo Borges Rodrigues


28 de outubro de 2020

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