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Disciplina 1: Princípios e Filosofia dos Cuidados Paliativos

Unidade 1: A história dos Cuidados Paliativo

Cuidar ou Curar?

A situação de equilíbrio existe quando a medicina oferece exatamente o que o paciente


deseja. Quando o paciente deseja muito mais do que podemos oferecer, como médicos,
precisamos lidar com o sentimento de frustração e desespero. Mas outro lado tornou-se
mais perigoso, quando a medicina pode oferecer muito mais do que o paciente deseja e o
cuidar do ser humano se desvirtua no exercício da técnica pela técnica.

A morte foi isolada do convívio familiar e, muitas vezes, até mesmo do social. O
desenvolvimento psicológico ficou mais lento, a procriação foi adiada, as pessoas adiam
realizações e ficam cada vez mais apegadas aos bens materiais. Perdidas, muitas vezes
não sabem como fazer suas escolhas e optam em submeterem-se a tudo o que está
disponível. Só que, com a atual tecnologia, quase tudo é permitido, mas nem tudo
convém.

Ver pessoas permanecerem meses em um leito de terapia intensiva, mesmo com


prognóstico reservado, incomodou muita gente. Casos emblemáticos como Terry Schiavo
e Eliana Englaro ganharam a mídia e acaloraram os debates.

Em 2006 e Conselho Federal de Medicina publicou a Resolução Nº 1805, que tornava


explícito o que muitos já praticavam, a possibilidade de médicos, pacientes e familiares
poderem abdicar de medidas extraordinárias na tentativa de adiar a morte a todo custo. A
Resolução foi suspensa por liminar e os membros do Conselho foram ameaçados de
processo por indução ao homicídio!

Deixou lição maior o Papa João Paulo II ao declarar: “Se por um lado a vida é um dom de
Deus, pelo outro, a morte é inevitável; é necessário, portanto, que sem antecipar de
algum modo a hora da morte, se saiba aceita-la com toda a dignidade. Na iminência de
uma morte inevitável, apesar dos meios usados, é lícito, em consciência, tomar a decisão
de renunciar a tratamentos que dariam somente um prolongamento precário e penoso da

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vida, sem contudo interromper os cuidados normais devidos aos doentes em casos
semelhantes.”

O debate acalorado e a exposição pública do tema levaram o assunto ao foro legislativo


onde circulou por nove anos em pelo menos três Projetos de Lei, depois fundidos em um
só. No início de dezembro de 2010 o Senado Federal finalmente encerrou a votação do
projeto do senador Gerson Camata (PL 1161), que exclui de ilicitude a ortotanásia. De
acordo com o relatório do projeto "Não constitui crime deixar de manter a vida de alguém
por meio artificial, se previamente atestada por dois médicos a morte como iminente e
inevitável, e desde que haja consentimento do paciente, ou em sua impossibilidade, de
cônjuge, companheiro, ascendente, descendente ou irmão".

Cabe ressaltar que tal Lei ainda não foi promulgada. a proposta, aprovada pela Comissão
de Constituição e Justiça (CCJ), seguirá para análise da Câmara dos Deputados. O
objetivo é acrescentar dois parágrafos ao artigo 121 do Código Penal (Decreto-lei nº
2.848, de 7 de dezembro de 1940), com a seguinte redação: "Exclusão de ilicitude”
§6º Não constitui crime deixar de manter a vida de alguém por meio artificial, se
previamente atestada por dois médicos a morte como iminente e inevitável, e desde que
haja consentimento do paciente, ou em sua impossibilidade, de cônjuge, companheiro,
ascendente, descendente ou irmão.
§ 7º A exclusão de ilicitude a que se refere o parágrafo anterior faz referência à renúncia
ao excesso terapêutico, e não se aplica se houver omissão de meios terapêuticos
ordinários ou dos cuidados normais devidos a um doente, com o fim de causar-lhe a
morte".

Muitas pessoas ainda vêm a recusa a aceitar os tratamentos disponíveis como uma forma
ativa de antecipar a morte, ou seja, uma forma de eutanásia. Cabe ressalvar que a
ortotanásia distingue-se da eutanásia, pois esta última se caracteriza pelo fato de que a
morte advém do cometimento de ato que a provoca, enquanto na ortotanásia não há a
prática de tal ato, resultando a morte da abstenção de procedimentos médicos
considerados invasivos e inadequados.

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Ainda é possível ver casos em que pacientes declarados como estando em morte
encefálica, não sendo doadores de órgãos, permanecem ligados a aparelhos que mantém
as funções vitais. Esse é o extremo! A preservação do cadáver!

Há que haver um limite, individual, em que se possa dizer que o uso da tecnologia se
justifica pela qualidade de vida e esperança. Mas para reconhecer esse limite é
necessário ter vivido bem, de forma significativa. A tentativa de adiar a morte é, muitas
vezes, o desejo de recuperar o não vivido, o não dito, o tempo que passou sem se viver...

Diziam os poetas: “Para isso temos braços longos para os adeuses” (Vinícius de Morais)
e “Lembra que o sono é sagrado / e alimenta de horizontes o tempo acordado / de viver”
(Beto Guedes).

É nossa função e nosso dever, como bons médicos, entender os desejos e sofrimentos de
nossos doentes, e orientá-los em suas escolhas, não para abreviar a vida, mas para não
adiar inutilmente a morte, fim inevitável de tudo o que vive.

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