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Neocolonialismo no Brasil – a luta pela terra em Ilhéus na década de 30


José Roberto Soares Ribeiro

NEOCOLONIALISMO NO BRASIL – A LUTA PELA TERRA EM ILHÉUS NA


DÉCADA DE 30
COM BASE NO ROMANCE DE JORGE AMADO: SÃO JORGE DOS ILHÉUS
José Roberto Soares Ribeiro1

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Sociólogo/Estatístico/Cientista Político/Mestrado em Políticas Públicas/Professor/Escritor. Contatos: (85)
9972.6634. http://robertoeducacional.blogspot.com
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Neocolonialismo no Brasil – a luta pela terra em Ilhéus na década de 30
José Roberto Soares Ribeiro

DADOS TÉCNICOS
Redação: José Roberto Soares Ribeiro
Profissão: Sociólogo/Estatístico/Mestrado em Políticas Públicas e Sociedade/Professor e Escritor.
Ilustração – Desenhos – José Roberto Soares Ribeiro
Contatos:
(85) 9972.6634 – (85) 8749.9120 – (85) 81450.6068
http://riobertoeducacional.blogspot.com
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José Roberto Soares Ribeiro

OFERECIMENTO

A todas as vítimas da especulação imobiliária, no campo e na cidade. Pessoas que perdem suas
casas para prefeituras corruptas que desapropriam, com base numa falha da Constituição,
expulsando moradores de suas residências. Bem como daquelas pessoas que têm as suas terra
inundadas para a construção de usinas hidrelétricas e/ou açudes para atender aos interesses do
capital, do sistema capitalista de dominação e exploração do trabalho do proletário.
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“O capitalismo utiliza-se do processo


de desapropriação forçada
para desestabilizar as classes proletárias.”
Karl Marx
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José Roberto Soares Ribeiro

JOSÉ ROBERTO SORES RIBEIRO2

NEOCOLONIALISMO NO BRASIL – A LUTA PELA TERRA EM ILHÉUS NA


DÉCADA DE 30
COM BASE NO ROMANCE DE JORGE AMADO: SÃO JORGE DOS ILHÉUS

Fortaleza – Ceará
2011
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Sociólogo/Estatístico/Cientista Político/Mestrado em Políticas Públicas/Professor/Escritor. Contatos: (85)
9972.6634. http://robertoeducacional.blogspot.com
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Neocolonialismo no Brasil – a luta pela terra em Ilhéus na década de 30
José Roberto Soares Ribeiro

RESUMO
Este romance trata das lutas pela terra em Ilhéus na década de 30, no Brasil. Tem como base
principal os livros Terras do Sem Fim e São Jorge dos Ilhéus de Jorge Amado. Tomou-se como
metodologia a leitura do livro, e ir narrando conforme os momentos mais marcantes, ou seja, aqueles
que fizeram o livro se tornar conhecido. Assim, a luta pela terra em Terras dos Sem Fins, onde o
coronel Horácio da Silveira e o Senhor Badaró lutaram para conquistar as terras ainda não
desmatadas do Cerqueiro Grande. Estas terras haviam sido analisadas pelos especialistas, onde
descobriram ser a melhor do mundo para o plantio do cacau. Aí, nesse ínterim, um ex-escravo, o
negro Jeremias, que habitava as terras desde o tempo dos quilombos, morre do coração quando um
jagunço do senhor Badaró revelou o início da luta pela terra. No mais, tanto a alta quanto a baixo do
preço do cacau sem revelados em detalhes no livro. É um trabalho de resumo que mostra a luta pelo
cacau como sendo uma luta de neocolonização, no final, os exportadores passam a possuir das
terras do antigos coronéis.
Palavras-chave – coronel, luta pela terra, jagunço, alta, baixa, neocolonialismo

ABSTRACT
This novel tells of the struggles for land in Ilheus in the 30s in Brazil. Is based mainly on the books
Land of Endless and Sao Jorge dos Ilheus Jorge Amado. Was taken as a methodology to read the
book, and go as recounting the most memorable moments, or those who did the book become known.
Thus, the struggle for land in the Land Without Fins, where Colonel Horacio da Silveira and Mr.
Badaro fought to conquer the land not yet cleared the Cerqueiro Grande. These lands had been
analyzed by experts, where they discovered to be the best in the world for the cultivation of cocoa.
Here, meanwhile, a former slave, the black Jeremiah, who inhabited the land since the time of the
Quilombo, dies of heart when a gunman of Mr Badaro revealed the beginning of the struggle for land.
More, both the high and low price of cocoa without disclosed in detail in the book. It is a job summary
which shows the struggle for cocoa as a neo-colonization struggle in the end, the exporters have
come to the lands of the old colonels.
Keywords - colonel, fighting for land, gunman, High, Low, neocolonialism
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José Roberto Soares Ribeiro

SEMIÓTICA – TRABALHO DE SÃO JORGE DOS ILHÉUS ADAPTADO PARA


DESENHO, POWERPOINT, IMAGENS, SOM
BASE EM TERRAS DOS SEM FINS E DE SÃO JORGE DOS ILHÉUS,
DE JORGE AMADO
APRESENTAÇÃO
É um trabalho a respeito da obra de Jorge Amado, Terras dos Sem Fins e
de São Jorge dos Ilhéus. O autor procura colocar o livro em debate. O trabalho do
autor é excelente, pois mostra a luta pela terras, com as revoluções do capitalismo.
Primeiro foi o tropeiro quem desbravou, quem expulsou o antigo camponês para
plantar o cacau, em Terras dos Sem Fins. Depois foi a vez do coronel do cacau
perder as suas terras para o estrangeiro, os exportadores, em São Jorge dos Ilhéus.
José Roberto Soares Ribeiro3
A LUTA DO CACAU E A ALTA EM ILHÉUS
José Roberto Soares Ribeiro4

1 O início
Juca Badaró entrava pelo mato adentro, procurando os jagunços que
estavam esperando a sua chegada. Era noite alta, o mato estava molhado, tinha
chovido muito naquela noite. Em casa, Donana e senhor Badaró estavam na sala de
estar. Conversavam sobre as conquistas da terra. Era a Terra do Serqueiro Grande.
Terra virgem, a melhor terra que tinha para plantar o cacau. Todos queriam para si.
Mas deveria haver ali a conquista da terra, pois o coronel Horácio da Silveira
também era um conquistador de terras.

1.1 E o tempo passou


Serqueiro Grande fora conquistada pelo coronel Horácio. Agora os
Badarós tinha ficado pobres. Haviam perdido a luta. Até o senhor Badaró, na disputa
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Plástico/Desenhista/Caricaturista/Professor. Contatos: (85) 9972.6634 – site:
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com o coronel Horácio tinha levado um tiro na perna. Acabou a vida assim, lá na sua
pequena propriedade, pois grande parte fora conquistada pelo Horácio, este fizera
caxixe, grilhagem, tomou conta de tudo.

1.2 Os coronéis
O Coronel Maneca Dantas e o coronel Frederico Pinto eram os que mais
iam a Ilhéus se divertirem nos restaurantes e casas de milionários. Dos
exportadores. O coronel Horácio da Silveira, um dos homens mais ricos da Bahia,
morando em Ferradas, perto de Itabuna, Grapiúna e de Ilhéus não gostava disso.
Ficava lá na sua fazenda, curtindo as plantações de cacau. Só isso. Sua esposa,
Estér, havia falecido há anos. Apenas o seu filho, o Silveirinha ficava andando por
Ilhéus. Não gostava de ir na fazenda, achava que aquilo era coisa de matuto.
Advogado sem causa, apenas vivendo da fortuna do pai, Silveirinha se metia com
assuntos sem importância.
O Coronel Frederico Pinto se metera com uma cantora de boite. Lola
Espíndola era argentina, viera com o Pepe Espíndola. Dois aventureiros que haviam
aplicado o golpe Pulo dos Nove em Salvador. O golpe consistia no seguinte. Eles
alugavam um apartamento em um condomínio de luxo. Lola passava a insinuar-se
para algum grande empresário que morava no prédio. E quando o negócio estava
bem adiantado, eles planejavam o golpe. Assim. Quando ela e o empresário
estavam envolvidos no relacionamento amoroso, Pepe descobria. E ficava atônito,
tudof fingimento. Então, começava a chorar, desesperado. Como, dizia em altos
prantos, como fui enganado assim. Então, o empresário para não ser desmoralizado
perante a sua família, com medo da reação de sua esposa, pois o casal Pepe e Lola
ameaçavam botar a boca no mundo, dava uma quantia bem alta em dinheiro para os
dois. E assim, eles iam aplicando vários golpes em Salvador. Mas acabou sendo
descoberto pela imprensa, pois foi bastante repetido. Os jornais noticiaram, Pepe e
Lola foram presos. Pagaram fiança e foram liberados. Mas resolveram migrar para
Ilhéus, pois o preço do Cacau estava em alta, havia fortuna dos coronéis rolando por
ali. Foi quando o coronel Frederico Pinto, candidato a sofrer o Pulo dos Nove
envolveu-se com Lola. Depois Pepe descobriria e a coisa ficou preta.
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1.3 A Alta
Naquele dia o poeta Sérgio Moura viu surgir na Associação Comercial
Carlos Zude e diversos exportadores de Ilhéus. Todos foram convocados. Sérgio era
que o secretário da associação, preparou tudo para a reunião. E todos se reuniram
na grande mesa. Ele, lá do outro lado, estava preparado para fazer a ata, sabia
taquigrafia muito bem. Começou a reunião. E Carlos Zude abriu o assunto.
- Senhores, estamos aqui reunidos para um grande evento. O cacau,
nossa fonte de renda. No entanto, o que nós temos? Nada. Pois a terra, a grande
mina do cacau, está ainda nas mãos dos coronéis, por isso, compramos o cacau
pelo preço que eles querem, impõem. E temos que mudar a situação.
Os exportadores, que eram doze, estavam atentos. Muitos concordavam
com as palavras de Carlos Zude, o presidente da Associação de Exportadores de
Ilhéus.
E Carlos continuou.
- E como iremos fazer. É simples. Aumentaremos o preço do cacau
paulatinamente durante cinco anos. Daremos crédito aos coronéis. Crédito tão alto,
que o coronel não terá dinheiro para pagar a não ser com a safra do ano seguinte.
Tudo hipotecado, as fazendas. Tudo o que eles pedirem, daremos, mas com
assinatura reconhecida em cartório. E vai chegar a um ponto tal que a coisa ficará
difícil, muito difícil. Seria a baixa.
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Do outro lado. A maioria concordou. Só que os irmãos Ribeiros, não


entenderam. Acharam que era loucura fazer aquilo e outras coisas.
E Carlos Zude explicou novamente, como quem ensina o ABC a duas
crianças. Mostrava números, gráficos estatísticos. Pausava a voz, olhava para os
lados. Sabia o que estava dizendo. Mesmo que não entendessem, os ribeiros iriam
lucrar muito com o negócio, todos os exportadores lucrariam. Os coronéis
empobreceriam.
- Senhores, entendam, todos aqui entenderam, só não os senhores. Na
alta, todos fazem empréstimos, consumismo, carros, roupas, viagens, turismo,
Europa e Estados Unidos. E etc. Endividam-se, fazem empréstimos, pois confiam no
preço do cacau que está sempre aumentando. No entanto, os empréstimos chegam
a um preço impagável. Mas o preço do cacau aumenta sempre, por isso, não se
acredita nunca que ele vá cair... E alguns até calculam que ele caia aos poucos.
Dando para pagar a dívida. E ele cai de repente. Então, como as fazendas estão
hipotecadas em nosso nome, e eles não têm dinheiro para pagar. A terra passará a
ser nossa.
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Foi quando os irmãos Ribeiro entenderam. E comemoravam como se


fossem crianças recebendo o brinquedo do Papai Noel no dia de Natal.
Do outro lado da mesa, o poeta que entendera tudo, vira que a flor que
tinha na mão, murchara. Era uma flor vermelha, ele a colhera no jardim da
Associação Comercial, ali, naquela cidade de Ilhéus, de onde da associação, podia
se ver as montanhas, os caminhos das terras do cacau, enquanto as terras ainda
eram de Ilhéus. Bonitas terras, a natureza, mas estavam para ficar nas mãos de
exportadores milionários, do sul do país e dos estrangeiros. É, poeta, muita coisa
estava mudando com o neoliberalismo econômico. O capitalismo era avassalador,
queria engolir tudo, os costumes, a tradição, a família, as relações de amizade.
Tornar tudo a favor do capital, da competição, da concorrência. Desfazer os hábitos,
a vida, a boa vizinhança. Capitalismo avassalador, globalização feroz.
Terminou a reunião. Todos foram embora. O poeta foi para uma área do
lado, ele morava mesmo prédio da associação.
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1.4 Dentro do ônibus – Ilhéus para Ferradas

O ônibus ia pela estrada. Ainda era de barro, a estrada. Piçarra. Poeira,


naquela tarde. Silêncio, no início. Subiam pessoas aos poucos. Duas horas da tarde,
o sol estava forte. O ônibus da Empresa Martins e Companhia Limitada parou para
subir um turco. Ele vendia fazenda. E dia falando, de cadeira em cadeira,
oferecendo o seu produto.
- Taqui, sinhor, fazenda boa, muito boa mesmo. Da melhor qualidade.
A pessoa olhava, examinava, um outro da outra cadeira pedia para ver
também. E iam comprando. Uns achavam o preço caro, pediam um abatimento. E o
turco respondia:
- Mas sinhora, como vou viver, o preço é o mais baixo que tem. Compro
quase por esse preço, como vou viver?
E levantava os olhos para o céu, como se estivesse clamando a Deus
pelo seu sofrimento.
E as pessoas logo compreendiam. E pagavam o preço pedido.
De repente, o capitão João Magalhães, com o jornal na mão, disse:
- É, o preço do cacau está subindo. Vim para vender meu cacau em
Ilhéus, mas senti no ar que ele vai subir mais ainda, se está em désseis mil reis a
saca, vai tranqüilo para dezenove, talvez até mais.
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- É isso mesmo, o capitão entende das coisas, ele lê muito – Disse uma
pessoa ao lado.
Capitão João Magalhães, quem diria, quem te viu e quem te vê. Chegara
ali há trinta anos, ele e Margot. Desembarcaram em Itabuna, passaram a ganhar
dinheiro. Ele, jogador profissional de pôquer, Margot, cantora de boate. Haviam sido
atraídos pela riqueza do cacau. Grandes fortunas rolavam por ali. O capitão, que
não tinha nada de capitão, nem de engenheiro, conhecera Juca Badaró, um dos
grandes da terra, em mesa de baralho, boemia. Juca, que gostava de boemia,
música, jogo de baralho e diversão, gostara logo do capitão. Ficaram logo amigos.
Enquanto isso, Margot cantava no palco, agradava aos ouvintes, todos a aplaudiam.
O título de capitão e de engenheiro agrimensor se dera num jogo de baralho, em
Salvador. Um jovem engenheiro recém formado perdera grande fortuna para o
capitão, e, para perder mais, apostara o anel de ouro de engenheiro agrimensor.
Pronto, a partir dali, o capitão João Magalhães passara a ser conhecido no mundo
da boemia como engenheiro e capitão. O nome pegou, e ele não se desgrudava do
anel.
Um dia, logo que tivera início as lutas pelas terras do Serqueiro Grande,
Juca o convidou para fazer umas medições de terras, como ele era engenheiro
agrimensor, seria fácil.
- Pois é, capitão, você gostaria de ir lá na minha fazenda, é só para fazer
umas medições, coisa simples, alguns cálculos de engenharia, assinar a planta e
reconhecer a firma do senhor no cartório. Tenho certeza que o senhor não se fará
de rogado.
O capitão dessa vez gelou. Como é que poderia acontecer um negócio
dele. Procurou se esquivar, mas não teve jeito, Juca já estava ali, com o cavalo
pronto. E ele foif.
Lá no meio dos instrumentos de agrimensor, onde ele nunca tinha visto
um em toda a sua vida, não sabia o que fazer. Mas o que salvou foram os técnicos,
pessoas formadas numa escola profissionalizante de Ilhéus. Eles iam fazendo e o
capitão só olhando, fingindo que entendia do assunto. No final, ele se saiu bem, pois
Juca gostara do serviço.
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E foi quando ele, na hora do almoço, conhecera a bela Ana Badaró. Ao


qual todos a chamava de Donana Badaró, mesmo sendo ela bem jovem.
Conhecera-a, apaixoram-se e em pouco tempo casaram. E os Badarós ainda eram
muito ricos.
Mas depois das lutas pelas terras, os Badarós perderam, inclusive boa
parte da grande fazenda, ficaram sem crédito, perderam a prefeitura de Itabuna para
o coronel Horácio. Ficaram na oposição, sem prestígio e sem crédito no banco nos
organismos do governo. A tendência era a ruína. E em pouco tempo, o senhor
Badaró falecera, de desgosto, depressão. Juca fora morto em uma tocaia, pelos
jagunços do coronel Horácio da Silveira.
O problema foi que Juca ofendera o doutor Virgílio, advogado do coronel
Horácio. O coronel recomendara que ele contratasse um jagunço para matar Juca,
limpar a honra. Mas Virgílio, homem da cidade, formado, sabedor de literatura, Victor
Hugo, Balzac, Kafka, Dostoievski, Leon Tolstoi, Moser, Fausto, Hegel, Spinoza,
Friedrich Nietzsche, Karl Marx e outros pensadores não admitia grosseria, coisas de
pistoleiro. Para ele isto era um atraso. Mas o coronel insistiu, dizendo que ele ficaria
conhecido na cidade como um “calça frouxa”. Mesmo assim, ele se esquivou, e o
coronel mesmo foi quem encomendou o pistoleiro para assassinar Juca Badaró.

1.5 No pequeno rancho de Donana e do capitão João Magalhães


Poucas coisas restaram da antiga fazenda. Mas o papagaio ficou. E
adquiriu outro vocabulário. Agora ele dizia:
- Donana, agora vamos ficar ricos de novo!
E repetia sempre isso, pois, quando havia uma alta no preço do cacau, o
capitão, ele e Donana, sonhavam com os velhos tempos de riqueza.
Hoje o capitão entrou alegre. Sentiu logo o cheiro da comida, era baião de
dois com queijo, comida que ele adorava, desde os tempos de jogador de baralho,
de Salvador. E Donana sabia disso, por isso, toda semana, pelo menos um dia, era
baião de dois com queijo e muita verdura.
- Eta, ou comida cheirosa, Donana. Mas quer saber de uma coisa, vamos
voltar a ser ricos de novo! O cacau está aumentando de preço, levei minha produção
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para vender a dezoito mil réis, mas desisti, pois vi nos jornais e nos comentários que
ele chega fácil a vinte mil réis, e olhe lá se não for a vinte dois, ainda este mês.
Donana enxugou os mãos no pano de prato. Olhou para ele e disse:
- Se Deus quiser, Magalhães, vamos ficar ricos novamente. Pagar nossas
dívidas e aumentar de novo o tamanho da fazenda.
E foram almoçar.

2 Em Ilhéus
Na Associação Comercial era só no que falavam, que o cacau estava
aumentando de preço muito rápido.

2.1 No escritório de Carlos Zude, o exportador


De repente, chegou o coronel Frederico Pinto, queria falar com o Carlos
Zude. Estava sentada na máquina de escrever, a secretária, Sueli.
- Bom dia, dona Sueli, eu gostaria de falar com o Doutor Carlos Zude,
pode ser?
- Coronel, vou falar com ele. Volto já.
E Carlos Zude gritou lá de dentro do escritório:
- Coronel, que cerimônia é essa. Homem deixe esse negócio de doutor.
Terminei medicina mas nunca exerci. O meu negócio mesmo é o comércio. O
comércio de cacau. E aí, o que o leva aqui, bons ventos o tragam.
- Sabe o que é, doutor Carlos, é que o preço do cacau está bom. E
gostaria de pedir um adiantamento para a safra do próximo ano. O senhor, sabe, as
terras são grandes, o lucro é bom, mas tem as despesas, os filhos estudando no
exterior...
- Ora, coronel, era só isso. Homem, nem precisa pedir. Ou dona Sueli,
abra logo um crédito para o coronel. E quando o senhor chegar aqui, nem precisa
falar comigo, a não ser para tirar um dedo de prosa, falar no cacau e em política, ou
no que o senhor quiser. Aqui é o senhor quem manda.
E o coronel agradeceu, deu mil e uma recomendações, desejando muitas
felicidades para e para a sua digníssima esposa, a senhor Julieta Zude.
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Depois do coronel Frederico Pinto, passou por ali, o coronel Maneca


Dantas, o Antônio Vitor, marido da Raimunda que trabalhara muitos anos, desde
criança, para os Badarós e o capitão João Magalhães. A rapidez com que os
coronéis pediam dinheiro contando com a safra do ano seguinte era grande. E hoje
os jornais da Bahia e dos Sudeste do País já noticiava um preço de trinta e seis
reais para a saca do cacau. Uma verdadeira febre de alta de preços, diziam os
jornais.

2.2 Na casa exportadora Karbanks

O americano chegara a Ilhéus a um certo tempo. Gostava de se divertir


muito. E promovia muitas festas em sua casa, perto da exportadora. Naquela noite,
estavam lá vários coronéis, inclusive Frederico Pinto e o coronel Maneca Dantas. E
o assunto não era outro senão o aumento do preço do cacau. Uma verdadeira
loucura, dissera o coronel Maneca Dantas:
- Eu nunca vi coisa igual, já vendi até a minha safra para dois anos. Os
preços estão muito altos mesmo.
Concordou com ele o coronel Frederico Pinto:
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- Homem, o negócio está bom demais. A maioria dos coronéis já tem


safra vendida para três anos. Todo mundo recebendo dinheiro, assinando
promissória, para pagar com as próxima safras.
É isso mesmo, a euforia era enorme. Todos confiavam, acreditavam. Nas
exportadoras, as sacas de cacau iam chegando e logo sendo embarcadas nos
navios. Se houvesse uma só pessoa que duvidasse, correria o risco de passar por
tolo, idiota e invejoso.
Os exportadores souberam fazer. Eles criaram um marketing tal que todo
mundo ficou envolvido. Jornais, revistas, rádio e noticiários só falavam na fartura e
na riqueza de Ilhéus. Era o eldorado, a corrida do ouro. Todos os dias chegavam
navios, trens, ônibus e aviões superlotados em Ilhéus. O turismo corria frouxo. As
praias estavam lotadas. Os hotéis não tinham mais lugares, com 100% de seus
leitos ocupados. Em restaurantes, bares e boates as pessoas gastavam, divertiam-
se. E vez por outra, passava um coronel, lá de Itabuna, Grapiúna e Ferradas, locais
aonde se encontravam as maiores fazendas de cacau, abastecedoras das
exportadoras que ficavam em Ilhéus. E os funcionários do comércio, bancos,
funcionários públicos e demais os apontavam dizendo:
- Gente, olha ali, é um coronel, são os donos das terras.
E todos olhavam com respeito. Dizendo que eles eram os grandes
responsáveis por toda a riqueza, festas e alegrias para o povo de Ilhéus e de toda a
região do cacau.
Os coronéis eram respeitados e venerados por todos. E muitos
lamentavam que o coronel mais rico de Ilhéus, e um dos homens mais ricos do
Brasil, dono de léguas e léguas de terras, o coronel Horácio da Silveira, não
gostasse de se divertir. Dizem que ele ficava lá na fazenda dele, em Ferradas. Ali,
deitado no alpendre. Com ele morava apenas uma empregada, desde os tempos em
que Ester, sua esposa, era viva, e um ex-jagunço, o Nhô Santos. Negro, vindo do
tempo dos escravos, fiel guarda costas do coronel Horácio.
Mas na casa de Karbanks, comentavam a situação do coronel Horácio. É
que o filho dele, o Silveirinha, orientado pelo suíço Morgan, pressionava o pai para
que ele cedesse a metade de suas terras, pois ele tinha direito, era a parte de sua
mãe que havia falecido.
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- Ora, pessoal, dizia o coronel Maneca Dantas, o compadre, o coronel


Horácio, levou uma vida inteira, conquistando terras, lutando, suando, arriscando a
própria vida, principalmente nas lutas para conquistar o Serqueiro Grande. E agora
vem um almofadinha desse, que nunca trabalhou, apenas estudou direito na aasiaás
custas do pai, querer a sua parte. O coronel já disse para todo mundo ouvir que ele
não cede, só depois de morto. Aí sim, ele pode fazer o que bem entender das terras.
Nem todos concordaram, embora a maioria estivesse ao lado dos
coronéis. No entanto, os exportadores, que estavam interessados nas terras, ficaram
ao lado de Silveirinha. Que, aliás, estava também na festa.
- Eu acho que direito é direito. Se ele tem direito, o coronel não pode fazer
nada. Tem que ceder a parte dele. Que aliás, é uma das maiores fortunas do Brasil.
Dissera o exportador alemão Bauer.

2.3 Coronel Horácio manda chamar Rui Dantas, filho de Maneca


Dantas
O coronel Horácio estava sofrendo a mesma coisa que o ex-escravo
Jeremias. Jeremias, no tempo da escravidão, havia se refugiado nas matas do
Serqueiro Grande. Ali ninguém o encontraria, jamais. Era um mato fechado em um
grande morro de serra. Animais selvagens, cobras, onças e tudo o que se pudesse
imaginar de primitivo. As pessoas falavam dele como se fosse uma lenda, como se
não existisse. Até reportagens tentaram fazer com ele. Mas não o encontraram.
Poucas pessoas sabiam de seu esconderijo, dentro da grande mata. Um dos poucos
que sabia era o jagunço Florindo, aquele que errara o tiro no Firmo, no início das
luta pelo Serqueiro Grande. Quando Florindo chegou chorando para ele, dizendo
que tinha errado o tiro de propósito, Jeremias entendeu que iriam invadir o Serqueiro
Grande, sua terra, sua história e sua natureza. Ele, já com quase cem anos de
idade, vivera ali quase toda a sua vida, pois chegara ainda com dezoito anos. Fugira
de uma grande senzala de cana de açúcar. Os senhores de escravos o procuraram
mas nunca o encontraram, até que a escravidão acabou em 1888. Mas ele já estava
ali, alimentava-se da natureza. Frutas, verduras, feijão e arroz. Tudo plantado por
ele. Não comia carne, nem peixe. Apenas produtos naturais. Mas se alimentava do
ovo de galinha, pato, perus e outros animais. Aprendera a lidar com os animais
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selvagens, inclusive as cobras, que ficavam andando por dentro de sua casa de
taipa. Passava o dia ouvindo a musica dos pássaros, dos animais que enchiam a
mata com os seus encantos. Aprendera a amar tudo aquilo. Considerava-se um rei,
sendo servido por uma natureza muito bela. No entanto, o homem branco, o
destruidor da vida e da natureza estava por invadir a sua natureza, a sua mata.
Logo que soube da notícia que os coronéis estavam brigando para invadir
Serqueiro Grande, Jeremias ficou branco, sabia que tudo viraria degradação
ambiental. Colocariam tratores, homens trabalhando, espantando e matando os
animais. Quebrando a mata, queimando tudo para plantar o cacau. Ia embora a vida,
o bem estar. Viriam as doenças, seus animais correriam para outros locais, a maioria
seria morto pelo homem caçador, destruidor. Logo logo as águas ficariam poluídas,
precisariam de muita água, fariam represas, inundariam tudo. Adeus mata selvagem,
natureza bela.
E Jeremias começou a se sentir mal, uma grande angústia. Contração de
morte. Caiu. Sem dar um só palavra. Era o fim. O homem branco, destruidor da
natureza vencera. Era o monstro do capitalismo espalhando o terror e o medo no
mundo.

2.3.1 Rui Dantas chega a cavalo com o coronel Maneca Dantas


- Bom dia, coronel, diz Rui Dantas.
O coronel, que já estava sentado em um banco, junto do Afonso, dono do
cartório, deu bom dia ao coronel e disse:
- Rui, eu o vi nascer, sou seu padrinho de batismo. Seu pai é o melhor
amigo que tenho.
E o coronel Maneca Dantas agradeceu. Então, o coronel Horácio
continuou:
- Olhe, tenho uma carta aqui, feita por uma pessoa. Só que eu desejaria
que uma pessoa copiasse esta carta, imitando a letra da minha esposa falecida, a
Ester.
Rui Dantas não entendeu. Mas o tabelião Afonso sabia do que se tratava.
Era um testamento de Ester, falso testamento, dizendo que desejava que as terras
nunca fossem repartidas, só de depois da morte e da do Horácio, ou seja, só quando
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os dois tivessem morrido é que as terras seriam dividas, já de posse do seu


herdeiro, o Silveirinha, filho do casal.
Explicou ao Afonso como ele deveria fazer, dizendo que colocasse a carta
já pronta dentro de uma gaveta com farinha. Pois assim, depois de quinze dias, ela
ficaria bem amarela, transparecendo ser uma carta de mais de trinta anos atrás. No
entanto, o tabelião ficou em dúvida, com medo caxixe. E disse:
- Coronel, isso é perigoso, se descobrirem eu certamente serei preso...
- Afonso, disse o coronel, esse cartório, você sabe, fui eu quem o deu
para você. E você me deve muitos favores. E não vai me negar um favor em meio a
uma dificuldade dessa. De qualquer forma, caso você não aceite...vou chamar o
Nhô. Nhô, vem aqui, por favor!
E o jagunço, velho pistoleiro do coronel, de muitas conquista de terras,
nos velhos tempos, mas ainda muito bom de pontaria, chegou e disse:
- Sim, sinhô, coronel.
- Olhe bem para a cara aqui desse meu amigo, pois pode ser que eu
mande você dar um recado para ele, ainda hoje...
Quando o Afonso viu o rosto do pistoleiro, olhar sombrio, vendo a cara
dele, decorando, copiando, ele disse:
- Sim, senhor coronel Horácio, meu grande patrão. Estou às ordens, vou
fazer o que vossa excelência, manda, vou colocar a carta em carimbos e
documentos do cartório, como se fosse há trinta anos. Ninguém desconfiará de
nada.
E o coronel agradeceu, mandou servir um cafezinho. E os dois, Afonso e
Rui Dantas desceram a serra. Era quase noite. Lá ao longe, a cidade de Ferradas
preparava-se para o noturno. Luzes se acendiam, empregados saiam do trabalho.
Os bares e boates tocavam músicas animadas.
2.4 – Os jornais noticiaram o grande caxixe
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Neocolonialismo no Brasil – a luta pela terra em Ilhéus na década de 30
José Roberto Soares Ribeiro

A cidade amanheceu agitada, era só o que se comentava. Os


comerciários, que sempre se reuniam para conversar nos horários do almoço
comentavam a notícia, a maioria esmagadora a favor do coronel.
- Bem que eu disse que o coronel não estava morto. Com noventa e
quatro anos de idade, o coronel Horácio é um homem forte e inteligente, falou um
comerciário, o Carlos.
- Também concordo, disse o Moreira, o ninguém brinca com o coronel
não, disse o Henrique.
A discussão estava acalorada. Até o Joaquim e o poeta Sérgio Moura
apareceram ali na rua dos bares e restaurantes de Ilhéus. As calçadas estavam
apinhadas de mesas, churrascos, cerveja e música.
Lá no escritório do suíço, a discussão era enorme. Todos achavam que o
Silveirinha era muito fraco, pois, mesmo sendo advogado, curso nos Estados
Unidos, perdera a disputa jurídica para o pai, um homem que quase não freqüentara
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Neocolonialismo no Brasil – a luta pela terra em Ilhéus na década de 30
José Roberto Soares Ribeiro

escola. E eles não sabiam o que fazer. Rui Dantas, namorado de Loja Espíndola,
pedira a ela para que imitasse a letra de Ester. A espanhola fizer aquilo porque
gostava muito do Rui. Só isso. Não cobrara nada. E ele, Rui Dantas, depois que
ganhara a causa do coronel, passou a receber muitos processos, todos queriam que
ele advogasse em suas causas. Cliente agora é o que não faltava, inclusive da
Bahia e do Sudeste do país.
A verdade é que o caxixe reacendera os ânimos, pois relembrava os
velhos tempos das lutas pela terra. Tempos onde o coronel Horácio andava com
uma caravana de burros com seus empregados e jagunços. Quando o sinhô Badaró
também fazia sucesso, cavalgando pelas ruas de Grapiúna, Itabuna, Ferradas e
Ilhéus. Muitos recordavam com saudades aqueles tempos onde a fartura era grande,
muitos tinham as suas terras para plantar. Mas quando os coronéis passaram a
adquirir as pequenas propriedades a força, as pessoas foram ficando empregados e
desempregados. Hoje o que prevalecia era o grande capital, as grandes
propriedades, os açudes, as fazendas com tratores, mecanização agrícola. O
camponês indo para a cidade grande, pedir esmola, trabalhar na construção civil
para receber um salário mínimo miserável. As estatísticas davam que um
trabalhador da construção civil mora em favela nos centros das cidades, nas
metrópoles, ao passo que o empresário da construção civil ganha uma fortuna. Era a
exploração do capital dita pelo marxismo. A este respeito, Joaquim e Sérgio Moura
conversam ali, naquela noite. Sérgio tomando uma caneca de chope e Joaquim
bebendo uma cerveja.
- Pois é, seu Sérgio, a situação é essa. Agora o coronel Horácio, mesmo
sendo um grande explorador de mão de obra, é melhor do que os exportadores, pois
estes representam o neoliberalismo econômico, passam por cima de tudo para
revolucionar a produção, expandir o capital.
- Na verdade, Joaquim, o capitalismo, dito pelo próprio Marx no Manifesto
Comunista, está sempre renovando os meios de produção para se manter. Eles
destroem os antigos meios de produção antes mesmo que estes se ossifiquem. Por
isso estão destruindo as fazendas, mecanizando-as. E mais mão de obra liberada,
desemprego, fome e miséria. É assim o desenvolvimento econômico e o
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Neocolonialismo no Brasil – a luta pela terra em Ilhéus na década de 30
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crescimento econômico, só quem ganha é o empresário, o empregado perde


emprego, perde a casa e a família.
Joaquim tomou uma dose de cerveja, Sérgio fez o mesmo. A situação era
crítica. Pois a luta do coronel teria um fim, pois o capitalismo tem a seu favor a
mídia, a imprensa, e todos os meios de comunicação burgueses, sempre a favor do
opressor. Uma imprensa que quer liberdade para eles, os donos do capital.

A imprensa achou um absurdo o caxixe do coronel. Chamavam o país de


subdesenvolvido, onde ainda prevalecia a lei dos coronéis. Para eles, um atraso. O
país não se modernizava. Agora por que não valorizar o capital estrangeiro que
tanto ajudavam o Brasil. O povo não sabia votar, pois elegia ainda coronéis
iletrados, que faziam tudo por conta da compra do voto. Uma vergonha nacional.
Agora, quando um suíço, grande exportador, queria fazer um grande negócio,
pegando a metade da fazenda, mecanizando-a, tornando-a produtiva e um bem para
o Estado da Bahia, vem um coronel desse e acaba com tudo.
Boa parte da população ficava ora de um lado, ora de outro, pois o povo
não lia, ou seja, apenas uma minoria comprava jornal e livros. O restante da massa
estava mais ligada em novelas, programa de auditório e jogos de futebol. Não
assistiam nem o jornal da televisão. Na hora do jornal era comum as pessoas
baixarem o som e começarem a conversar, atrapalhando mesmo, até de propósito,
aqueles que estavam interessados na notícia. As pessoas assistiam ao jornal
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Neocolonialismo no Brasil – a luta pela terra em Ilhéus na década de 30
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esportivo, não para ouvir o comentário do jornalista esportivo, mas para verem os
gols do seu time. Quando terminava o show de gols, saiam da sala.

3 DENTRO DAS FAZENDAS, OS ALUGADOS


A vida dos alugados não era fácil. Quando eles chegavam para trabalhar,
recebiam do armazém da fazenda todo o material de trabalho, os instrumentos de
produção. No entanto, era um empréstimo que nunca terminavam de pagar. E caso
tentassem fugir, era mortos pelos jagunços do grande coronel. Um dia, um alugado,
de tanto ser explorado, tentou fugir., e o jagunço acertou-lhe uma bala na perna,
dizendo:
- Ora, seu cabra, vocimicê está querendo roubar o coronel, sair da
fazenda sem pagar no armazém?
O pobre ficou enfermo, passou vários dias com a perna ferida. E com
muito sacrifício os amigos arranjaram um jeito de levá-lo a um hospital público. Outra
miséria do Brasil. O rapaz, mesmo com a bala, não foi atendido nos hospitais de
Salvador. Diziam que não havia vaga. Levou mais de um ano para retirar a bala. E
em conseqüência disso, ficou com seqüelas, passando a andar capengando. E por
conta disso, nunca mais voltou para Ilhéus. Mandou-se para outro estado, dizendo
que voltaria para a sua terra natal, o Ceará. E disse para os amigos de sua cidade,
Caridade:
- Gente, aquilo é coisa de doido. Nunca mais saio de minha terra para
aventurar no mundo alheio.

3.1 O trabalho na estufa


Quando o alugado ia para a estufa tinha que ter cuidado, pois se
chovesse poderia estuporar. Foi o que aconteceu com Maneca. Morrera estuporado.
E cantavam essa canção triste, os alugados, quando amassavam o cacau com os
pés.
Maneca morreu na estufa
Na hora do sol se por.
Coitado do Maneca
Que Deus o tenha.
Era uma cantiga triste, sem graça. Mais um lamento, uma canção do
mundo da miséria e da injustiça social do Brasil. País de injustiças sociais, entregue
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Neocolonialismo no Brasil – a luta pela terra em Ilhéus na década de 30
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ao capital exterior, neoliberal. Promove a riqueza e o bem estar e luxo dos ricos,
promove a miséria do homem, expulsa-o de suas casas, constrói ruas, avenidas,
condomínios de luxo. Joga o pobre de sua casa para o meio da rua, para a favela,
para debaixo da ponte. O pobre, expulso de sua pequena casa vai pedir esmola no
sinal, no asfalto. O rico o chama de vagabundo. Brasil, país de injustiça social.

3.2 Varapau e Florindo

Varapau e Florindo são dois alugados da fazenda do coronel Frederico


Pinto. Querem fugir da fazenda, irem para outros locais. Ali não presta, terra ruim,
pois apenas o dono da fazenda, o coronel é que tem lucro. O alugado é explorado
com ou escravo. Vive só para trabalhar e comer mal. A vida é um tormento, sem
assistência médica, sem escola, analfabetos. Um sacrifício, um tormento. Por isso,
planejaram fugir. Mas tinha que ter um bom plano. Por isso, foram falar com o
coronel para fundarem um terno de reis, o Terno do Rei Herodes. Que eles
chamavam de O Terno do Rei Heródia. O coronel permitiu, afinal era uma forma dos
empregados se divertirem, e perderem a mania de quererem ir embora da fazenda.
- Está bem, Varapau, vocês podem criar a brincadeira. Têm a minha
aprovação.
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Neocolonialismo no Brasil – a luta pela terra em Ilhéus na década de 30
José Roberto Soares Ribeiro

E a brincadeira começou. Arranjaram umas fantasias, tambores, triângulo


e até um violão. E todas as noites saiam de fazenda e fazenda cantando a música
do terno.
No entanto, o tempo ia passando e nada de fugirem. Varapau estava
encantado com o seu terno do Rei Heródia. Florindo reclamava, dizia que tinham
que fugir. Um dia, era noite de lua nova, iluminando tudo na fazenda. Iam de uma
fazenda para outra, no caminho, na vereda, vários componentes na frente. Foi
quando Florindo gritou para Varapau:
- Varapau, a gente foge ou não foge?
E Varapau, animado com o terno, pensando só na animação, disse
apressado:
- Ora, se foge, foge sim.
E saí correndo, atrás do terno do Rei Heródia.

3.3 Antônio Vitor e Raimunda


Antônio Vítor chegara em Ferradas há uns trinta anos. Fora trabalhar
como alugado na casa do coronel Senhor Badaró. Nos tempos do Juca Badaró, na
época da luta pela terra, nas caminhadas dos tropeiros. Fora chegando, trabalhando
muito dentro da casa da fazenda até que simpatizou com Raimunda. Esta tinha sido
criada junto com Donana Badaró. Era como se fosse uma filha para o coronel. Mas
uma filha que trabalhava na cozinha, enquanto Donana nem chegava perto do
fogão. Mas de qualquer forma era melhor do que ficar no meio do cacau, sofrendo,
entrando na estufa. Correndo perigo para a saúde.
E com o tempo, acabaram casando. E o casamento dela foi no mesmo
dia de Donana com o Capitão João Magalhães, uma festa só. Naquele tempo ainda
havia muita riqueza, fartura. E os Badarós deram um pequeno pedaço de terra para
eles plantarem cacau, começarem um vida nova.
Antônio Vítor, trabalhador, acabou plantando o cacau e ia se dando muito
bem. Até que resolveu seguir o exemplo dos coronéis, vender a safra do ano
seguinte, confiando na alta do preço do cacau. Acreditando nas estatísticas, nas
projeções e na esperança matemática. Apostavam na tendência matemática, na
curva de tendência que apontava para um grande crescimento futuro. E diziam:
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Neocolonialismo no Brasil – a luta pela terra em Ilhéus na década de 30
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- Só se for muita praga, pois a tendência, pelo que dizem os economista


de renome nacional, é o cacau chegar a níveis altíssimos.
E com essa disposição de apostador, Antônio Vítor viajou para Ilhéus, iria
vender a safra do ano seguinte. Deveria falar com o exportador Carlos Zude.
- Pois não, coronel, disse a secretária. O senhor deseja falar com o
senhor Carlos Zude?
- Sim senhora, disse Antônio Vítor, respeitador, com o chapéu na mão.

De dentro do escritório, já que a porta estava aberta, Carlos Zude gritou:


- Quem está aí, Fernanda?
- É o coronel Antônio Vítor, seu Carlos.
- Ora, mande-o entrar, é um prazer recebê-lo.
Antônio Vítor, embora já tivesse a sua terra, não se acostumava com o
jeito de patrão, por isso, mantinha um jeito respeitoso e acanhado de empregado,
achando sempre que os patrões eram sempre superiores a ele.
Na parede da porta do escritório, pregado, estava o retrato do exportador
Maximiliano Zude, pai de Carlos Zude, já falecido há anos. Mas para Carlos Zude,
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Neocolonialismo no Brasil – a luta pela terra em Ilhéus na década de 30
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era como se ele ainda fosse vivo, e, quando ele fazia um grande negócio, olhava
para o retrato do pai e dizia para os amigos:
- Maximiliano olha para mim, sorrindo, ele nota que faço excelentes
negócios.
Antônio Vítor foi entrando, limpando mil vezes o sapato no tapete,
pedindo até desculpa interna por estar invadindo o escritório de um senhor tão
educado. Mas Carlos Zude quebrou o gelo e foi logo dizendo:
- Nem precisa explicar, coronel, já sei que o senhor vem vender a sua
safra do ano seguinte. É um prazer recebê-lo. Fernanda, por favor, abra uma conta
de crédito aqui para o nosso amigo coronel Antônio Vítor.
Antônio Vítor, sem jeito, agradeceu ao Carlos Zude:
- Seu Carlos, o senhor sabe, a gente precisa ajeitar uma coisa aqui, outra
ali. É uma roça que não está dando bem, um trabalhador que está exigindo um
pouco mais...
- Ora, coronel, não precisa explicar nada. É um prazer fazer negócio com
o senhor. Afinal, são vários exportadores e o senhor deu preferência a mim,
portanto, merece um brinde.
Carlos Zude pegou uma garrafa de vinho francesa, da melhor qualidade.
Pegou duas taças de cristal legítimo, importadas, e serviu o vinho para ele e para
Antônio Vítor. E, assim que pegou na taça, Antônio Vítor não contou pipoca, virou
todo o conteúdo da taça de uma vez, como quem bebe cachaça.
Enquanto isso, Carlos Zude, que observava, pensou para si mesmo que o
coronel não sabia saborear um vinho francês da melhor qualidade, que deveria ser
bebido aos poucos, degustando, sentindo o paladar, como mandava a etiqueta
social.
Por outro lado, Antônio Vítor pensava justamente o inverso. E ria para si
mesmo, imaginando o seu Carlos Zude bebendo cachaça daquele jeito, devagar,
engasgando-se. E nessa imaginação, achou até que o outro estava lendo os seus
pensamentos, e tomou novamente a compostura de homem respeitador.
Depois que recebeu o dinheiro do empréstimo, Antônio Vítor se despediu
de Carlos Zude, baixando-se inúmeras vezes, de costas, até chegar na porta de
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saída. Pegou o rumo da rua, iria logo mais pegar o ônibus, pois já era tarde, e
Raimunda deveria estar preocupada.

4 O MOVIMENTO EM ILHÉUS
Era grande a expectativa em Ilhéus. Ninguém acreditava no que estava
acontecendo. Um crescimento econômicos jamais visto na história. Os coronéis
esbanjavam nas ruas da cidade. O coronel Maneca Dantas acendia cigarro com a
maior nota que existia, a de cem mil réis. Uma verdadeira febre de riqueza, o preço
do cacau lá em cima. Os navios não paravam de chegar, cheio de turistas,
jogadores de cassino, cantores de bandas, cantores de boates, enfim, aventureiros,
atraídos pela grande riqueza de Ilhéus.

4.1 Os funcionários, empregados e pequenos comerciantes


Os trabalhadores do comércio e funcionários públicos sempre se reuniam
na sexta-feira para se divertirem no calçadão das lojas, bares e restaurantes.
Naquele dia, no bar mais freqüentado de Ilhéus, O Bar Paladar de Ilhéus, a conversa
não era outra senão o crescimento econômico da zona do cacau, onde Ilhéus era a
sede dos grandes negócios, do crédito e dos bancos.
- Aposto que esse negócio vai já ter um fim, pois algo me diz que essa
onde de crescimento vai já acabar. Disse Geraldo, comerciário de lojas de ferragens.
Geraldo era entendido, pois lia muito. Todos os dias pegava o jornal e lia.
Mesmo na banca de revista. Às vezes comprava, mas o jornal era muito caro, e seu
salário era pouco. Mas como lia livros, entendia logo o que o jornal queria dizer na
manchete da primeira página. Além do mais, ouvia muito o noticiário político do
rádio. Assim, juntava uma coisa com a outra e acabava fechando uma conversa. Era
conhecido nos meios comerciários como inteligente, e como um economista. Só não
tinha o diploma, como afirmavam, mas sabia mais do que qualquer economista. Mas
mesmo partindo do “mestre” Geraldo, como era conhecido, os amigos ficavam
céticos com as suas afirmações, pois a imprensa, o rádio, o governo, os
empresários, todos diziam que o crescimento econômico de Ilhéus era irreversível. A
tendência era o casal subir mais de preços. E logo logo, afirmavam, com toda essa
riqueza, empresas de petróleo deveriam se estabelecer ali, pois o número de
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Neocolonialismo no Brasil – a luta pela terra em Ilhéus na década de 30
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automóveis estava aumentando, o consumo de gasolina pedia um abastecimento de


respeito.
- Eu não sei não, mestre Geraldo. Mas eu acho que agora você está
enganado. Homem, o governador, o prefeito e todos os políticos afirmam que o
crescimento de Ilhéus é irreversível.
- Ora, Cesário, você acha mesmo que a burguesia vai dizer o contrário.
Afinal, se houver uma crise, apenas uma parte dos grandes empresários vão perder,
os coronéis. Pois os exportadores sairão ganhando, pois o endividamento dos
coronéis é grande. Até mesmo a imprensa, uma parte, já dá conta de que se houver
uma crise eles vão perder as terras, pois há as hipotecas. A quebra do preço do
cacau, chegando a zero, não dá para o coronel pagar a dívida. Imagine.
Quando Geraldo falou isso, todos ficaram em silêncio. De repente, até a
cantora que animava o bar diminuiu a voz. Parecia até que Geraldo havia dito uma
blasfêmia ou coisa assim. Pois se houvesse a crise, a pobreza seria geral.
Feitosa, que trabalhava no escritório da exportadora Maximiliano Zude e
Cia Ltda, interferiu:
- Pessoal, vamos acabar com essa discussão política. Isso não leva a
nada. É melhor discutir futebol. Afinal, quem ganha o jogo amanhã, Bahia ou Vitória?
E a maioria concordou. Pois a conversa estava tomando um rumo
prejudicial aos políticos e aos negócios dos grandes exportadores. Se houvesse um
melhor esclarecimento, os coronéis poderiam refletir e acabarem com a venda
antecipada da safra, diminuindo o endividamento exagerado. No entanto, a
burguesia sabe o que faz, por isso, o futebol, funcionando como o ópio do povo, está
ali mesmo para servir de máscara à ideologia das classes dominantes.
- Pra mim, o Vitória ganha, pois o seu time é muito melhor. Eles
contrataram o Almeida, aquele que jogava no Vasco da Gama, é um excelente
goleador.
- Mas ocorre que o Bahia vem a seis partidas sem perder, e ele tem uma
defesa excelente.
E a discussão durante toda a noite foi sobre futebol. Os ânimos estavam
exaltados, pois os torcedores queriam a todo custo dizerem que o seu time era o
melhor.
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Neocolonialismo no Brasil – a luta pela terra em Ilhéus na década de 30
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4.2 No cassino O Encanto da Noite


No cassino todos podiam entrar, mas o que diferenciava era o preço. Ali
só os grandes coronéis donos das terras, os exportadores, juízes, médicos,
advogados, comerciantes e proprietários participavam das noitadas do cassino.
Mesas de jogos, apostas, roletas e música. Lola Espíndola nesta noite cantava um
tango argentino.
Nesta noite, quero apenas cantar
No meu relento, sinto a noite calma
Que grande alegria o grande estar
Mas meu coração clama na alma.
Do outro lado, só Pepe entendia a canção. E ele estava ocupado em
vender mais fichas da roleta, fichas de baralho. No ar sentia-se a fumaça de cigarros
e charutos.
Era grande o movimento de homens e mulheres abastados de Ilhéus. Nas
mesas de baralhos o assunto não era outro senão o grande crescimento econômico
de Ilhéus por conta do cacau.
- Dizem os jornais que Ilhéus é a cidade que mais cresce no país. Pelo
que se observa acaba sendo a capital da Bahia, pois vai superar Salvador – Disse
um coronel.
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Neocolonialismo no Brasil – a luta pela terra em Ilhéus na década de 30
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- Disso eu duvido, falou um comerciante ao lado. Salvador tem tradição.


Ora como é que se pode comparar. Só por conta do cacau?
E a discussão começou. Onde uns eram da mesma opinião do coronel, e
outros pensavam igual ao comerciante.

No entanto, em meio à euforia geral, alguém falou baixo, mas um baixo


tão baixo, que todos sentiram o medo em suas palavras. Era como se o psiquiatra
tivesse receio de dizer a doença para o paciente. Criou-se um clima tal que alguns
coronéis preferiram pagar a despesa e se retirar.
- É, já está ficando tarde, tenho que pegar o rumo da estrada. E está até
parecendo que vai chover. Disse o coronel Maneca Dantas.
Lá fora fazia um frio confortável. A massa que detestava a ignorância vivia
sempre ao lado dela. O povo era como gado marcado, sofredor, mas feliz. Todavia o
coronel sentia como se fosse um gado indo para um matadouro. Estava aflito. Mas
por que o coronel estava assim hoje, ele entrara tão alegre no cassino. Em seus
ouvidos ele ouvia uma palavra que não desejara ouvir, o homem que falara baixo,
baixinho, apenas para uma pessoa ao lado ouvir, fizera o eco de suas palavras
estrondar nos ouvidos de todos: crise.
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Neocolonialismo no Brasil – a luta pela terra em Ilhéus na década de 30
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5 A BAIXA
Era uma bela manhã de quinta feira, que seria chamada mais tarde da
quinta-feira negra. O sol batia leve no rosto das pessoas. Uma senhora rica
passeava com o seu cachorrinho. Um homem seu jumentinho vendia verdura.
- Coentro, cebola, batata e olhe o chuchu.
Um ônibus da empresa Martins e Cia entrava pela rua principal de Ilhéus.
Algumas pessoas davam com a mão. Um trem apitava entrando pela cidade, surgia
lá perto do morro da serra. Algumas pessoas esperavam na estação. Dona Fulor de
Aquino, esposa do dono do hotel Ilhéus do Mar, dizia para uma amiga:
- Estou sentindo assim uma coisa esquisita em mim. Não sei, mas era
como se uma notícia não muito boa fosse surgir.
A amiga dela disse:
- Ora, deixa de tolice, que asneira. Vira isso pra lá. Meu Deus, que
pessimismo.

Embora com um amontoado de casas aparentemente desconexas, a


própria natureza humana se comprometia em torná-las lógicas e com um sentido.
Era o que se manjava em Ilhéus. Mas a opinião era de que deveriam construir
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Neocolonialismo no Brasil – a luta pela terra em Ilhéus na década de 30
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prédios, coisas mais modernas. As pessoas acreditavam que um prédio dava sinais
de progresso. De crescimento econômico e de importância. E em Ilhéus, havia
poucos prédios. Um deles fora comprado pelo coronel Maneca Dantas, logo no início
da alta. Valia dois mil réis. Para a região era uma fortuna.
Na década de trinta construir um prédio de dois andares requeria grande
trabalho de engenharia, pois o concreto armado embora já fosse conhecido, não era
de fácil construção. Requeria ferro, cimento e material para fazer placas. Por isso, os
prédios em sua maioria eram feito com forro de assoalho. Por isso, quando se
entrava em uma casa com forro de assoalho, ouvia-se as pisadas das pessoas em
cima. Aquilo era sinal de orgulho para os donos da casa, sinais de riqueza. Não se
sentia o incômodo do barulho, mesmo atrapalhando uma noite de sono, aquilo soava
como música para os donos da casa. Quer dizer, a vaidade ia além do conforto.
Valia a frase: viva o luxo e morra o buxo.
O dia se passou em meio a uma aparente calma, mas alguma coisa
estava no ar.

5.1 Capitão João Magalhães, Donana Badaró e os demais proprietários


nativos de Ilhéus

Talvez tenham sido os únicos do lado dos coronéis que não tinham
vendido a safra do ano seguinte para futilidades como fizeram os demais coronéis,
com exceção do coronel Horácio.
João Magalhães tentara fazer com o cacau o mesmo truque dos velhos
tempos de jogador de baralho. Mas o blefe não funcionara. E permanecera mais de
trinta anos querendo voltar a ser rico. Investira na produção de mais cacau,
contratara mais alugados, dera um toque na fazenda. Melhorara a produção, mas
eles queriam muito mais, queriam ser novamente importantes.
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Neocolonialismo no Brasil – a luta pela terra em Ilhéus na década de 30
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Quando veio à baixa, perderam muito dinheiro, mas a fazenda não fora
totalmente comprometida, ainda ficou um dinheiro que deu para comprar em
Salvador uma pensão, próximo à estação rodoviária. Ali eles passaram a hospedar
os conterrâneos de Ilhéus, Itabuna, Grapiúna e Ferradas. Quando eles chegavam na
pensão, começavam a perguntar como ia o cacau, as plantações. Era o hábito, pois,
mesmo não vivendo mais do cacau, a saudade era grande, dos velhos tempos onde
os pais de Donana Badaró eram os donos da terra. Muito ricos. Aliás, os
freqüentadores da pensão, pois havia também um restaurante bar, nem acreditavam
que uma simples dona de uma pensão tivesse sido tão rica como ela afirmara. Mas
como testemunha, havia ao papagaio loiro que não perdera o velho hábito.
- Donana, breve breve voltaremos a ser ricos!
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Neocolonialismo no Brasil – a luta pela terra em Ilhéus na década de 30
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O papagaio estava ali, alegre, apesar do tempo que passaram em


dificuldades. João Magalhães, mesmo sem perceber, vencera, pois investira em
aumentar, nunca em destruir, como fizeram os coronéis em sua maioria. Apenas o
coronel Horácio permanecera intocável, com a sua riqueza. Maneca Dantas ficou
com a metade da fazenda, o resto foi para pagar as dívidas com os exportadores.
Antônio Vítor perdera tudo, pois gastara com farras e brincadeiras. Viajara até para
Salvador para visitar um ex-namorada no tempo de solteiro. Pagou caro o adultério
praticado contra a sua esposa.
O coronel Frederico Pinto nem quisera acreditar que o cacau chegar a
zero. Ficou perplexo, pois era o que mais devia. Metera-se com Lola, companheiro
de Pepe. Farras e noitadas em cartas de baralho rendera-lhe uma excelente dívida.
Mas confiando no aumento do preço do cacau, dizia sempre:
- Menino, vai ali na exportadora e pede à secretaria do seu Carlos Zude,
diz a dona Fernanda que estou precisando de mais dinheiro. leva aqui o cheque, já
está assinado, é um pré-datado.
Quando chegava lá, o ajudante via que a funcionária atendia com a maior
satisfação. Dava o dinheiro, e quando o funcionário de Frederico Pinto saia, ela dizia
para uma colega:
- Esses coronéis estão gastando tudo por conta da próxima safra. E se
houver uma queda no preço do cacau?
Os outros ficavam de boca aberta. Acreditando que isso nunca iria
ocorrer. E muitos apontavam gráficos. Os internacionais diziam que o Brasil tinha
uma posição excelente. Não iria jamais ao Fundo Monetário Internacional, o FMI,
que era o país que mais se desenvolvia. De fato, o país mesmo não quebrou, o que
quebrou foi a indústria do cacau. Também a construção civil entrara em processo de
crise. Milhares de pessoas foram prejudicadas, pois haviam comprado o imóvel
ainda em fase de construção, na planta. Quando veio a crise, o banco financiador
apossou-se dos terrenos dos ex-proprietários para liquidar a dívida. Vieram
reclamar, faziam filas, entravam em processos na justiça. E o banco, com um
excelente consultor de economia dizia:
- Senhores, tenham calma. Quando os senhores deixaram derrubar a
casa de vocês para a construtora construir, você, mesmo sem saber, estava se
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associando à empresa construtora. Portanto, quando ela veio á falência, o seu


terreno estava comprometido com a sua própria assinatura. Pois vocês, empolgados
e deslumbrados em morarem em um imóvel novinho, não leram os termos do
contrato.
E todos ficaram de boca aberta.

6 BIBLIOGRAFIA
AMADO, Jorge. Terras dos sem fim. Rio de Janeiro: Record, 1976.
AMADO, Jorge. São Jorge dos Ilhéus. Rio de Janeiro: Record, 1976.
http://robertoeducacional.blogspot.com
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José Roberto Soares Ribeiro

ÍNDICE

1 O INÍCIO .............................................................................................................................. 7

1.1 E O TEMPO PASSOU .................................................................................................................. 7


1.2 OS CORONÉIS .......................................................................................................................... 8
1.3 A ALTA .................................................................................................................................. 9
1.4 DENTRO DO ÔNIBUS – ILHÉUS PARA FERRADAS ............................................................................ 12
1.5 NO PEQUENO RANCHO DE DONANA E DO CAPITÃO JOÃO MAGALHÃES.............................................. 14

2 EM ILHÉUS .........................................................................................................................15

2.1 NO ESCRITÓRIO DE CARLOS ZUDE, O EXPORTADOR........................................................................ 15


2.2 NA CASA EXPORTADORA KARBANKS ........................................................................................... 16
2.3 CORONEL HORÁCIO MANDA CHAMAR RUI DANTAS, FILHO DE MANECA DANTAS ................................ 18
2.3.1 Rui Dantas chega a cavalo com o coronel Maneca Dantas ....................................... 19

3 DENTRO DAS FAZENDAS, OS ALUGADOS ...........................................................................24

3.1 O TRABALHO NA ESTUFA .......................................................................................................... 24


3.2 VARAPAU E FLORINDO ............................................................................................................ 25
3.3 ANTÔNIO VITOR E RAIMUNDA .................................................................................................. 26

4 O MOVIMENTO EM ILHÉUS ...............................................................................................29

4.1 OS FUNCIONÁRIOS, EMPREGADOS E PEQUENOS COMERCIANTES ...................................................... 29


4.2 NO CASSINO O ENCANTO DA NOITE........................................................................................... 31

5 A BAIXA .............................................................................................................................33

5.1 CAPITÃO JOÃO MAGALHÃES, DONANA BADARÓ E OS DEMAIS PROPRIETÁRIOS NATIVOS DE ILHÉUS ......... 34

6 BIBLIOGRAFIA ....................................................................................................................37

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