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SOBRE PSICOTERAPIA INFANTIL

O diálogo sobre a psicoterapia infantil trata sobretudo da necessidade do olhar


que está para além do tecnicismo inerentes às práticas modernas em psicologia,
considerando primariamente a ideia de que a criança não cabe aos moldes mais rígidos.
Não obstante, deve-se a este olhar, o ponto de partida para compreender os caminhos
possíveis e as perspectivas e desafios em se trabalhar com crianças, uma vez que a via
de acesso já não é exclusivamente a fala, mas também outros diversos recursos para o
cuidar em psicoterapia infantil.
Partindo de Brito et al (2020), é possível compreender a psicoterapia infantil
como uma modalidade da psicologia que se destaca enquanto processo de intervenção
que tem por objetivo atender ao público infantil, tomando como demanda as diversas
questões que atravessam esta etapa da vida. Com efeito, excedendo a questão inerente a
fala como meio para a psicoterapia, é na modalidade infantil que nos deparamos com
mais ênfase com outras formas de acessar a subjetividade e a mente de uma criança,
como por exemplo, por meios lúdicos e artísticos.
Diante da infância enquanto etapa de vida, é o brincar que surge como aspecto
predominante à esta etapa da vida. Com efeito, deve-se considerar que o brincar é uma
das possibilidades psicoterapêuticas mais potentes diante da perspectiva de que a
criança muitas vezes fala a partir deste mecanismo (LEITE, 2017; BRITO ET AL,
2020).
Diante disto, apontando para a necessidade de entender a realidade psíquica da
criança, o acesso a esta realidade através da verbalização é um desafio que esbarra na
pouca maturidade verbal e da consciência da criança. Não obstante, tomando a ideia de
que o brincar é aquilo que melhor representa a infância, é graças a este recurso que
torna-se possível ter acesso à realidade psíquica das crianças conforme aponta Meira
(2009) e Brito et al (2020).
Ao tomarmos o brincar como via de acesso a realidade psíquica da criança, o
lúdico, a fantasia e representação tornam-se recursos imprescindíveis para o fazer em
psicoterapia infantil, considerando que é graças a estes pontos que tal acesso possibilita
o cuidado com o modo pelo qual a criança exprime suas emoções, sentimentos,
percepções, traumas e afins. Neste aspecto, é possível dizer que estes são os principais
recursos quando se trata de psicoterapia infantil, considerando sobretudo que é um
processo que tem seu tempo, diferente da psicoterapia com adultos (ABERASTURY,
1992; SANTOS, FIOCHI, 2011; AFONSO, 2012; ASSUNÇÃO, JAURIS, 2021).
O brincar em psicoterapia infantil consiste em utilizar a fantasia da criança ao
brincar com os recursos psicoterapêuticos com a finalidade de compreender sua
realidade, e com isto ter acesso as angústias, emoções, sentimentos e percepções da
criança. Deste modo, o processo se inicia possibilitando que a criança esteja
efetivamente a vontade no setting terapêutico a partir da utilização de brinquedos, jogos
e a depender da leitura teórica da abordagem, contando com a utilização da caixa de
areia como recurso (BRITO ET AL, 2020).
O entendimento do brincar enquanto forma de comunicação possibilita ao
longo do processo diversas percepções e insights não apenas do analista ou
psicoterapeuta, mas também da própria criança que passa a ter no brincar, uma ponta
para o psicólogo. Com isto, Brito Et al (2020, p. 707) aponta que,
nessa compreensão contextual é importante entender que o brincar
está vinculado aos fatores históricos e culturais que propiciaram seu
aparecimento. Na evolução da humanidade é possível perceber que o brincar
representa um processo de aprendizagem e descoberta do ser humano, que
contribui de forma direta na construção das relações sociais e expressões
individuais (Post, Ceballos & Penn, 2012; Höfig & Zanetti, 2016).

Com efeito, o brincar enquanto processo de aprendizagem também possibilita


um olhar diferente para o processo terapêutico da criança, uma vez que este se desdobra
à medida que o vínculo entre psicoterapeuta e criança vai se estabelecendo.
Assim sendo, partindo de Armstrong e Kimonis (2013) citados por Brito et al
(2020), as dimensões do brincar para a criança se estendem para além da expressão, pois
é também a partir da brincadeira que as crianças aprendem sobre regras e limites,
fronteiras naturais do mundo real, de forma voluntária e prazerosa.
A considerar estes aspectos, é fundamental inferir também que além de ser um
passatempo para a criança, além de expressas processos íntimos, desejos, problemas,
ansiedades, é a partir da brincadeira que a criança alcança a potencialidade de afirmação
do Eu e pela concretização do desejo por autonomia enquanto explora a própria fantasia
e o mundo enquanto realidades paralelas, porém análogas (GONÇALVES, 2019).
Gonçalves (2019) e Brito et al (2020) inferem que é a partir do caráter lúdico
que as crianças utilizam o brincar como forma de dialogar com o mundo e absorvê-lo
bem como suas estruturas e regras. (GONÇALVES, 2019).

SOBRE PSICODIAGNÓSTICO INFANTIL

A concepção de psicodiagnósticos refere-se predominantemente a um processo


de imersão na estrutura psíquica do sujeito, partindo da suspeita de algum tipo de
desordem de ordem psicológico que deva ser confirmada ou refutada. De antemão, é
necessário apontar inicialmente que a etimologia do termo psicodiagnóstico tem como
origem o termo diagnostikos, que detém em seu significa discernir, compreender e
diferenciar os sintomas psíquicos (Araújo, 2007).
Partindo da seara da Psicologia, o conceito de psicodiagnóstico é caracterizado
enquanto processo de cunho científico, com finalidades clínicas diagnósticas que utiliza
testes e técnicas para compreender determinados casos, confirmando ou refutando as
hipóteses levantadas (Cunha, 2000).
Diante dos tramites técnicos propostos pelo Conselho Federal de Psicologia
(CFP) na Resolução CFP n. 007/2003,
[...] processo técnico-científico de coleta de dados, estudos e interpretação de
informações a res-peito dos fenômenos psicológicos, que são resultantes da
relação do indivíduo com a sociedade, utilizando-se, para tanto, de estratégias
psicológicas – métodos, técnicas e instrumentos. Os re-sultados das
avaliações devem considerar e analisar os condicionantes históricos e sociais
e seus efeitos no psiquismo, com a finalidade de servirem como instrumentos
para atuar não somente sobre o indivíduo, mas na modificação desses
condicionantes que operam desde a formulação da demanda até a conclusão
do processo de avaliação psicológica. (CONSELHO FEDERAL DE PSICO-
LOGIA, 2003, p. 3).
Deste modo e considerando a premissa de que há uma hipótese a ser
confirmada a refutada, surge a criança como foco de uma avaliação. Mas, para quê
serve o psicodiagnóstico infantil? Este recurso tem diversas finalidades que vão desde o
aspecto diagnóstico em si para determinados transtornos de ordem psicológica até
questões inerentes a própria personalidade e a dificuldade de aprendizagem (BAU,
MARTINS, 2017).
Neste sentido, psicodiagnóstico infantil suscitado enquanto processo
investigativo, tem por objetivo a promoção da compreensão das experiências
idiossincráticas da criança, “constituídas por aspectos intrapsíquicos, intersubjetivos e
socioculturais. O brincar, nesse contexto, constitui-se como ferramenta fundamental e
útil para a investigação do mundo relacional e contextual da criança, favorecendo a
comunicação dela com o psicólogo, deste com a criança, e dela consigo mesma”
(GONGALVES, 2019, p. 403).
Considerando sobretudo a discussão sobre o brincar como comunicação
intersubjetiva da criança, dentro de um processo de psicodiagnóstico infantil, este
também pode ser tomado como um recurso, um instrumento de avaliação tomando
como enfoque as formas de expressão. Com efeito, deve-se aqui mencionar recursos
necessários comuns tanto à avaliação psicodiagnóstica como também à psicoterapia
infantil como o recurso dos desenhos.
Silva e Della Corte (2018) apontam que os desenhos tem como finalidade
primária, a expressão do mundo interno da criança e com isto, torna-se um valioso
aliado em determinadas condições psicológicas, a exemplo de uma criança que não
consegue verbalizar, mas consegue se expressar através dos desenhos. Deste modo os
desenhos tornam-se um dos recursos psicoterapêuticos e de avaliação psicológica na
infância de grande relevância para a compreensão dos quadros.

SOBRE PSICOTERAPIA INFANTIL E PSICANÁLISE: O BRINCAR


COMO CAMINHO EM ANÁLISE

A psicanálise é uma das responsáveis pela psicologia moderna como a


conhecemos. Muito além do setting analítica clássico, a teoria formulou práticas
difundidas na atualidade e que tem como fundamentação o aparato sólido elaborado por
Freud. Considerando o aparato histórico, voltando-se para o campo psicanalítico,
Chahine (2011, p.33), aponta que,
a psicoterapia psicanalítica com crianças é feita por meio do mesmo método
do trabalho com adultos – a interpretação, e se utiliza das mesmas técnicas:
setting, atenção flutuante, associação livre, manejo da transferência e
resistência; porém acrescentando uma nova e fundamental técnica para que
seja viável o trabalho analítico com a criança – a do brincar.

Com efeito, a psicoterapia infantil de base psicanalítica consiste na leitura da


relação entre analista e paciente, tomando o brincar como aspecto fundamental para o
entendimento da angústia e dos sentimentos da criança. Azambuja e Caneda (2020)
apontam que é a partir de Melanie Klein que o fazer psicanalítica evolui para além dos
escritos de Freud, uma vez que o brincar, na teoria kleiniana ganha outros contornos. A
brincadeira nasce da necessidade de comunicação do ser humano, de modo a prospectar
que um bebê recém-nascido tem sua subjetividade construída a partir da relação e das
identificações com mãe.
Winnicot, a partir de Parreiras (2006) em consonância com Melanie Klein,
percebe que é quando existe a cisão entre bebê e mãe que surge a necessidade de
comunicação, momento este que é percebido e sentido de diferentes maneiras como o
choro ou o riso enquanto reação instintiva para manter comunicação. A comunicação
que surge enquanto potência nasce com a finalidade de saciar as necessidades primárias
da criança como fome, sede, frio ou sono.
A todo momento trata-se de uma forma de escuta em psicanálise. O choro, a
angústia, a sede e o frio, assim como o riso e a fala propriamente dita. Com isto, deve-se
apontar que se a psicanalise é a arte da escuta, é fundamental pensar na escuta da
criança antes mesmo da palavra dita. Isto é, na escuta do ser que parte das ações
primordiais para a comunicação à medida em que se desenvolve.
Com isto, a perspectiva que retrata a eficácia do brincar enquanto caminha
analítico se confirma na perspectiva de que pela via do brincar, a interpretação,
reveladora da fantasia inconsciente, tem o poder de fazer com que a criança diminuísse,
por assim dizer, seu grau de fixação correlacionado a fantasia inconsciente e aos objetos
(pessoas) a ela associada (FULGÊNCIO, 2008).
Com isto, a pontuação que se refere à liberdade inerente à análise infantil é
suscitada uma vez que por tratar-se de uma criança, com considerável sensibilidade,
cuidados devem ser tomados. Quanto a isso, diante desta perspectiva, Winnicott aponta
que,
A psicoterapia se efetua na sobreposição de duas áreas do brincar, a do
paciente e a do terapeuta. A psicoterapia trata de duas pessoas que brincam
juntas. Em consequência, onde o brincar não é possível, o trabalho efetuado
pelo terapeuta é dirigido então no sentido de trazer o paciente de um estado
em que não é capaz de brincar para um estado em que o é (WINNICOTT,
1975, p.59).

Deste modo, aponta-se que o ambiente é de máxima importância para o


processo analítico infantil, sobretudo com a finalidade de ser favorável para a criança.
Partindo do pressuposto de que esta mesma criança não teve um ambiente favorável em
sua etapa primária, o analista diante do processo analítico infantil, faz com que esse
ambiente seja de livre expressão. Tal aspecto se justifica para que a criança se forme
enquanto sujeito e seja recompensada, podendo sair de uma condição patológica e de
uma angústia depressiva (WINNICOT, 1975).

A construção da psicanalise com crianças que tem sobretudo enquanto


proeminentes teóricos para além do próprio Freud, Anna Freud, Winnicott e Melanie
Klein considera naturalmente que a análise com crianças não se trata tão somente da
superestimação da fantasia ou do brincar em excesso, mas também “como um fator
que, em última análise, determina a própria existência do fenômeno lúdico”
(ROZA e REIS, 1997, p. 82).
Com isto, para que o processo psicanalítico ocorra, é necessário abrir mão do
olhar da psicanálise tradicional e tornar-se comunicativo no sentido de que,
“o brincar é essencial na vida da criança, pois, através desta atividade lúdica
a criança que reprimiu seu sofrimento tem a oportunidade de representar o
que foi traumático em sua vida e o que seu psiquismo não pôde suportar,
sendo possível assim não desenvolver sintomas.” (REZENDE, 2019, p. 21).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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