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1

Obras Completas de
São Vicente de Paulo
─────
Tomo I: Correspondência
2

Reprodução de um quadro que pertenceu à Rainha Ana d’Austria, depois ao edifício dos
Inválidos e pertence hoje à Casa-Mãe dos padres da Missão, 95 rua de Sèvres, Paris. Este
quadro foi feito, no dizer dos peritos, no tempo de São Vicente, por um pintor que tinha o Santo
sob os olhos.
3

SÃO VICENTE DE PAULO


CORRESPONDÊNCIA
COLÓQUIOS E DOCUMENTOS

CORRESPONDÊNCIA
TOMO I (1607 – 1639)

EDIÇÃO PUBLICADA E ANOTADA


POR
PIERRE COSTE
PADRE DA MISSÃO

PARIS
LIVRARIA LECOFFRE. J. GABALDA, EDITOR
RUA BONAPARTE, 90
1920
4

NIHIL OBSTAT
Clemente VIDAL, Padre da Missão.
Emilio NEVEUT, Padre da Missão.

PERMISSÃO DE IMPRIMIR
Paris, 18 de novembro de 1919.
F. VERDIER,
Superior Geral

IMPRIMATUR
Paris, 19 de novembro de 1919.
Ed. THOMAS,
Vigário Geral
5

Prefácio

Alegro-me em apresentar a tradução para o português das Obras Completas de


São Vicente de Paulo, compiladas e organizadas por Pierre Coste. Há mais de quatro
anos, uma comissão empreendeu essa longa viagem, escalonada em 14 etapas,
correspondentes a cada um dos 14 volumes que integram o pensamento, as convicções e
as vivências de São Vicente. A Província do Rio de Janeiro foi a principal promotora
dessa interessantíssima iniciativa, evidentemente com o apoio das outras duas
Províncias da Congregação da Missão no Brasil, bem como com o aplauso das Filhas da
Caridade e de todos os outros ramos da Família Vicentina.

Meu reconhecimento e gratidão a todos aqueles que se empenharam na tradução


desta grande obra. Sabemos que passar de uma língua para outra, por mais que seja
próxima e da mesma origem latina, é passar de um mundo para outro, onde não existem
aviões nem automatismos. Deverá ser feito à base de paciência, reflexão, tentativas e
ajustes. Traduzir não consiste somente em ser fiel à letra, mas em recriar, em novo
registro, a sinfonia de sentidos e palavras estreitamente unidos. Portanto, requer
inspiração e penetração para que o carisma de São Vicente, o mesmo que aparece nas 8
mil páginas de Coste, brilhe com nova força no colorido da língua portuguesa.

Diante da tradução destas Obras Completas, penso, inevitavelmente, em todos


aqueles que se beneficiarão de sua leitura: os membros da Congregação da Missão, as
Filhas da Caridade, os outros ramos da Família Vicentina e todos os cristãos que, por
uma ou outra razão, se vão deixar cativar pela palavra de São Vicente. Serão muitos os
que chegarão a descobrir ou a fazer crescer em si mesmos a sensibilidade que o Espírito
Santo inspirou um dia a São Vicente e que ele deixa refletida em cada uma das linhas de
suas cartas e conferências espirituais. De fato, não há nada que possa substituir a própria
palavra de São Vicente, assim como nenhuma explicação, por melhor que seja, não
pode suprir o degustar uma boa comida. O Concílio Vaticano II no-lo recordou, há
quase 50 anos, quando convidou todos os consagrados a “beber nas próprias fontes”.
Seguramente, a Igreja pensava no respaldo de vida que contém a palavra de cada
Fundador. E a do nosso não foi nem é pequena, se consideramos o que Henri Maupas
du Tour afirmou de São Vicente, justamente no dia de seu funeral: “Ele mudou quase
totalmente o rosto da Igreja”.
6

Creio que toda a Família Vicentina no Brasil está de parabéns por este manancial
de vida ao alcance das mãos. Só me resta felicitar e agradecer a todos os que
colaboraram, de uma ou outra forma, na publicação desta obra, bem como animar a
todos os que se reconhecem vicentinos a experimentar e saborear a palavra genuína de
São Vicente na bela e expressiva língua portuguesa.

Padre G. Gregory Gay, C.M.


Superior Geral
7

Apresentação

A necessária e urgente tarefa de voltar às fontes de nosso carisma e de nossa


missão, como membros da grande Família Vicentina, supõe atenção especial a tudo
aquilo que nosso Santo Fundador fez e ensinou. Vale a pena abrir a mente e o coração, a
fim de deixar-nos penetrar, de maneira sempre nova, pela riqueza de sua experiência
espiritual, centrada numa vigorosa paixão por Cristo e pelos pobres. Pensando nisso, a
Província Brasileira da Congregação da Missão (PBCM), há, aproximadamente, 4 anos,
assumiu o desafio de investir na tradução das obras completas de São Vicente de Paulo:
cartas, conferências, colóquios e documentos, originalmente publicados em francês.

Ao todo, são 14 volumes, cada um com, aproximadamente, 600 páginas, que


vêm sendo traduzidos por uma equipe composta de Padres da Missão e Filhas da
Caridade. Empreendemos esta iniciativa pensando em todos os ramos da Família
Vicentina, atuantes no Brasil e em outros países de língua portuguesa. Este trabalho
concretiza um belo sonho, acalentado há muito tempo, motivado pelo mais legítimo
desejo de tornar São Vicente conhecido e seguido, por meio da divulgação de seus
escritos e alocuções. Trata-se de material de notável relevância para todos os que
desejam encontrar no Santo referencial seguro na vivência dos valores cristãos, impulso
para a missão e fascinante estímulo na caridade.

Fazemos votos de que os leitores descubram nesta obra muito mais do que uma
simples biografia. São palavras procedentes da fonte, que, meditadas, podem revelar-
nos o âmago do coração e do espírito humilde, simples e radicalmente comprometido
daquele a quem João Paulo II chamou de “arauto da misericórdia e da ternura de
Deus”. Na vastidão e profundidade de sua mensagem, na variedade e precisão de suas
obras, aflora espontaneamente a inventividade do amor. Os membros da Família
Vicentina, e todos os que se sintam atraídos por São Vicente, são convidados a se
aproximarem dessa fonte cristalina de caridade e missão.

Esta obra que agora começa a ser publicada em nossa língua é fruto do trabalho
de muitas mãos. Merece especial destaque a equipe de tradução, coordenada pelo Pe.
Getúlio Mota Grossi, bem como seus numerosos colaboradores. A todos e a cada um,
nosso sincero agradecimento. Esperamos que esta inestimável contribuição tenha o
merecido reconhecimento e produza nos leitores os frutos saudáveis do amor afetivo e
efetivo que habitava o coração de Jesus Cristo evangelizador e servidor dos Pobres,
inundou o coração de São Vicente de Paulo e hoje se prolonga no ser e no agir da
Família Vicentina.

Pe. Geraldo Ferreira Barbosa, C.M.


Visitador da PBCM
8

Introdução à tradução portuguesa

Com o presente volume, estamos iniciando a tradução, para o português, da


coleção francesa de Pierre Coste: São Vicente de Paulo: correspondência, colóquios e
documentos.
Trata-se de um empreendimento de enorme fôlego, há muito reclamado, mas só
possível de ser levado a cabo a longo termo, dada a magnitude da tarefa. Incluindo o
Índice Geral, são quatorze alentados volumes, com mais de 600 páginas, em média,
cada um; isto, sem contar os anexos que contêm novas cartas, descobertas
posteriormente à edição publicada e anotada pelo extraordinário, incansável e
benemérito pesquisador Pierre Coste, CM, no final da segunda década do século XX.
O original, em francês do século XVII, apresenta dificuldades até para os
franceses contemporâneos, quanto mais para os mais de 200 milhões de língua
portuguesa. Como facilitar o acesso aos milhares de admiradores e devotos do Grande
Santo do Grande Século, declarado, por Leão XIII, patrono de todas as obras de
caridade do mundo, pioneiro e inspirador das obras sociais até nossos dias, cujo espírito
ilumina e anima uma multidão de seguidores e seguidoras, homem de Deus e da Igreja
e, de modo especialíssimo, homem dos pobres, ou melhor, o Santo dos pobres?
Mais do que qualquer biografia, por mais completa, documentada, ou de acurada
hermenêutica, somente a leitura direta dos seus colóquios, das partilhas de oração, de
alguns documentos por ele redigidos, especialmente o primoroso regulamento da
Caridade de Mulheres de Châtillon-les-Dombes e, sobretudo, de suas cartas do dia a dia,
no decorrer de anos a fio de uma longa e operosa existência, podem revelar-nos o
âmago do coração e do espírito do Santo: a humildade, a profundidade e vastidão de sua
caridade, o humanismo e a sensibilidade do seu coração, extremamente terno e amoroso
para com os pobres e os seus filhos e filhas espirituais, o incansável batalhador pela
causa dos indigentes e sofredores, a irradiação de suas virtudes e obras na França
sofrida do seu tempo, a criatividade fecunda de suas iniciativas, a riqueza dos dons com
que a Providência o cumulou. Enfim, o milagre de sua vida.
Bastaria isto para justificar nossa ousadia. Mas, por último, embora não menos
importante, há algo mais. Conhecer melhor o Santo é penetrar o cerne da solicitude do
seu coração: “Os pobres são o meu peso e a minha dor”. Esta solicitude, iluminada pela
contemplação ativa da presença de Cristo nos últimos deste mundo, mas primeiros no
Reino, nos estimulará a um trabalho mais radicalmente dedicado aos pobres e a uma
ousadia e criatividade ainda maiores no serviço a estes nossos irmãos excluídos,
rompendo estruturas que ficaram amarradas em nós nos séculos que se passaram.
Numa tradução de textos de outra época em que se exigem, frequentemente,
penosa exegese e hermenêutica de frases obscuras para nós, nos quais aparecem longos
e intrincados períodos, que requerem redivisões e repontuações, é compreensível que
possam escapar trechos pouco transparentes, além dos cochilos digitais e gramaticais.
Resulta de tudo isso a necessidade absoluta de pacientes revisões por terceiros. Não
poderíamos deixar de consignar, portanto, uma palavra de agradecimento aos generosos,
9

prestativos e aplicados revisores. Queremos enfatizar esta colaboração discreta, mas


disponível e eficiente, neste empenho por um texto, enquanto humanamente possível,
correto, claro, límpido, de leitura fácil e fluente. A esses ilustres e prezados
colaboradores, coirmãos e amigos ex-alunos do Caraça, aos quais se somarão alguns
outros no decorrer da publicação das Obras Completas, a gratidão da equipe e a
invocação para eles das bênçãos de Deus, por intermédio da Virgem das Graças e de
São Vicente de Paulo.

Grato. Pela equipe,


Padre Getúlio Mota Grossi, C.M.
10

Introdução Geral aos Textos Vicentinos

Uma inevitável constatação inquieta todos os que se acercam das fontes


vicentinas: São Vicente de Paulo não nos legou uma síntese do seu pensamento, nem se
preocupou em sistematizar uma doutrina a partir de sua experiência. Nisso, ele se
distingue nitidamente dos grandes espirituais de sua época, estes, em geral, autores de
eruditos tratados e densos manuais de ascética e mística. Em termos de escritos, o que
se conserva da lavra do grand saint du grand siècle não vai além da décima parte de sua
abundante correspondência, das Regras Comuns que deixou aos seus Missionários 1 e de
alguns outros documentos relacionados ao seu ministério pastoral e às suas fundações.

“A nós nos é dado unicamente analisar suas palavras, combinar dados e


confrontar experiências, para captar sua personalidade e explorar suas
intenções. Sempre que nos seja possível, dar-lhe-emos a palavra, para
que ele nos fale de sua vida e, sobretudo, das profundas convicções
espirituais que lhe deram o título de mestre e o sustentaram na carreira
de apóstolo infatigável”2.

1
As Regras ou Constituições Comuns da Congregação da Missão (RC) só foram definitivamente
entregues aos Missionários 33 anos depois da fundação da Companhia, no dia 17 de maio de 1658, no
curso de uma memorável conferência, após as retificações efetuadas pelo fundador na primeira edição de
1655. Este foi o único texto que São Vicente desejou ver impresso. Seu conteúdo foi gestado, corrigido e
ampliado ao longo de todo esse tempo, à luz do Evangelho e da experiência da incipiente Comunidade,
tendo como critério fundamental a escuta atenta dos apelos da Divina Providência no grito dos pobres e
nas necessidades da Igreja. Vejamos a exortação feita por São Vicente na introdução das Regras: “Eis
aqui finalmente, caríssimos irmãos, eis as Regras ou Constituições Comuns da nossa Congregação, por
vós tão desejadas e por tanto tempo esperadas, pois quase trinta e três anos se passaram, desde a
instituição da mesma Congregação, sem vo-las termos dado impressas. Isto, porém, assim fizemos, tanto
para imitar a Cristo, nosso Salvador, que, antes de ensinar, começava por fazer, como também para
precaver muitos inconvenientes que, sem dúvida, poderiam nascer da precipitada publicação das mesmas
Regras ou Constituições, se a prática e uso delas parecessem, depois, muito difíceis ou menos
adequados. Mas esta nossa demora e modo de proceder, mediante a divina graça, livraram-nos desses
perigos e fizeram também com que a Congregação, pouco a pouco e suavemente, as tenha posto em
prática, antes de serem publicadas (...). Recebei-as, pois, com o mesmo afeto com que vo-las
entregamos” (Em sua magistral obra póstuma, Padre Pérez Flores nos oferece um documentado capítulo
sobre o gradativo processo de composição das Regras Comuns, com valiosíssimas referências de fontes:
PÉREZ FLORES, Miguel. Historia del Derecho de la Congregación de la Misión. Salamanca: CEME,
2005, p. 137-183).
2
ORCAJO, Antonino; PÉREZ FLORES, Miguel. San Vicente de Paúl. Espiritualidad y selección de
escritos. Madrid: BAC, 1981, p. 54.
11

A referência fundante de nossa identidade diz respeito ao modo concreto como


Vicente de Paulo seguiu Jesus Cristo no âmago dos acontecimentos que marcaram a sua
trajetória3. Portanto, a ingente tarefa de delimitar os eixos norteadores da espiritualidade
vicentina inclui o imprescindível recurso às suas palavras, nas quais transparece de
modo eminente sua fé sempre unida à sua experiência4.

Na tentativa de conhecer São Vicente, não pode haver fonte mais cristalina do
que suas palavras, nem caminho mais seguro do que a maneira como ele mesmo leu e
interpretou os fatos concretos da sua longeva existência. Falando ou escrevendo,
Vicente de Paulo revela a si mesmo, descortina-nos o seu horizonte, abre-nos de par em
par as portas do seu coração, permite-nos o acesso ao cerne de sua experiência de Deus,
convida-nos, enfim, a entrar no compasso de sua progressiva conformidade com a
pessoa de Jesus Cristo, princípio dinâmico de sua paixão pelos pobres. Não basta, pois,
uma leitura superficial e apressada dos textos vicentinos. É preciso ultrapassar a letra
para chegar ao espírito que permeia e informa tudo aquilo que Vicente escreveu e falou.
Na feliz assertiva de P. Deffrennes, “para estudar a espiritualidade de São Vicente de
Paulo, não podemos separar sua concepção da vida cristã de sua conduta”5.

A revitalização de nossa consciência e de nossa ação enquanto membros da


grande Família Vicentina supõe este movimento dialético: antes de avançarmos na
direção de novos desafios apostólicos e de novas perspectivas missionárias, precisamos
voltar às fontes de nossa vocação, redescobrir a originalidade do nosso carisma e as
exigências intrínsecas de nossa missão. Para isso, faz-se necessário reinterpretar a
sempre nova maneira de viver o Evangelho suscitada por Deus no coração de Vicente
de Paulo e por ele transmitida a todos os que querem acompanhar seus passos na
itinerância da caridade e da missão, vendo Cristo nos pobres e os pobres em Cristo e
aprendendo a ver os pobres como Cristo os via. Trata-se, então, de voltar continuamente
à experiência fundante, a fim de potencializar suas virtualidades ainda não previstas e

3
Cf. CPAG-80. A experiência espiritual de São Vicente e a nossa. Curitiba: Vicentina, 1977, p. 6.
4
“Telle est ma foi, telle est mon experiénce” (SV II, 282). Assim, Vicente traduz suas vivências mais
significativas (cf. SV I, 78, 116; II, 459; VII, 20; IX, 104; XII, 45, 170; XIII, 801).
5
DEFFRENNES, Pierre. La vocación de San Vicente de Paúl: estudio de psicología sobrenatural.
Salamanca: CEME, 2008, p. 21-22. Trata-se de um dos estudos mais consistentes sobre os fundamentos
da experiência espiritual de São Vicente, publicado no ano de 1932, na Revue d’Ascétique et de Mystique,
logo depois da publicação dos 14 volumes preparados por Pierre Coste. Escrita por um jesuíta versado
tanto em teologia quanto em psicologia, a obra traz um novo enfoque sobre a figura de Vicente de Paulo,
motivo pelo qual chegou a exercer forte influência sobre os estudiosos do santo da caridade. A respeito
do autor e da estrutura da obra, ver: MEZZADRI, Luigi. La sete e la sorgente II. Alla ricerca delle
origini. Roma: CLV, 1993, p. 93-97.
12

percorrer, com mais criatividade e audácia, os caminhos pelos quais o Espírito quer nos
conduzir neste tempo que se chama hoje.

Ao nos debruçarmos sobre as cartas, colóquios e documentos de São Vicente,


nesta hora histórica em que tem início a publicação da edição brasileira de suas Obras
Completas, vem à nossa memória a expressão lapidar do Pequeno Príncipe, de Saint-
Exupéry: “O essencial é invisível aos olhos, só se vê bem com o coração” 6. Como nada
pode ser querido, sem antes ter sido conhecido, só uma inteligência e um coração
cativados por Vicente de Paulo serão capazes de atingir o essencial de sua peregrinação
para Deus e para os pobres, mantendo-nos na linha de continuidade da sua intuição
original e despertando-nos para a necessidade de recriar nossa maneira de viver,
expressar e compartilhar o legado que dele recebemos. E só uma adequada interpretação
do seu pensamento, onde fé e experiência se entrelaçam de modo admirável, poderá
conduzir-nos a esse fim.

1. Visão panorâmica dos textos vicentinos

São Vicente de Paulo comunicou seu pensamento e transmitiu sua experiência


em diferentes níveis, por meio de diversos registros de expressão 7. “Este homem de
estado e de negócios muito escreveu e fez escrever. Este homem de fogo comunicou sua
vitalidade através de sua palavra”8. Os textos que lhe são atribuídos, tal como tésseras
de um belíssimo mosaico, foram criteriosamente compendiados nos treze volumes
compilados pelo benemérito Padre Pierre Coste (1873-1935), então secretário geral e
arquivista da Congregação da Missão9. Nos anos subsequentes, outras cartas foram
descobertas. Mais tarde, em 1970, o Padre André Dodin reuniu e publicou, na revista
que dirigia, Mission et Charité, todos esses textos posteriores à obra de Coste, dotando-a

6
SAINT-EXUPÉRY, Antoine. O Pequeno Príncipe. 47ª ed. Rio de Janeiro: Agir, 1999, p. 72.
7
Ver a excelente introdução aos textos de São Vicente elaborada por Pérez Flores: ORCAJO; PÉREZ
FLORES. San Vicente de Paúl II, p. 165-176.
8
IBAÑEZ, José María. Presentación. In: COSTE, Pierre (org.). San Vicente de Paúl. Obras Completas.
Vol. I. Salamanca: Sígueme, 1972, p. 29.
9
Cf. COSTE, Pierre. Saint Vincent de Paul. Correspondance, entretiens, documents. Paris:
Lecofre/Gabalda, 1920-1925. 14 v. O volume XIV corresponde ao exaustivo índice remissivo, onde se
podem encontrar as principais temáticas abordadas por São Vicente e suas respectivas referências no
conjunto da obra. Em 1979, foi publicado o minucioso trabalho do Padre François Garnier que, adotando
outra perspectiva, se encarregou de classificar os grandes temas espirituais dispersos pelos textos
vicentinos copilados por Coste (cf. GARNIER, François. Enchiridion Spirituale Sancti Vincentti a Paulo.
Vincentiana, Roma, n.3, anno XXIII, mai/jun 1979).
13

de um suplemento ou de um XV volume, como se convencionou dizer 10. Outros escritos


ainda vêm sendo recuperados, como as 22 cartas há pouco publicadas em Cahiers Saint
Vincent11. Traduções mais recentes procuraram recolher e encaixar em seu conjunto as
cartas e os documentos ultimamente encontrados 12. Esta edição brasileira optou por
dotar cada um de seus volumes de um anexo, no qual estão contidas as cartas
correspondentes aos anos a que se refere o volume em questão.

“Os treze volumes de correspondência, colóquios e documentos que


Pierre Coste publicou de 1920 a 1925 não representam mais do que uma
pequena parcela da obra epistolar e oratória de São Vicente de Paulo
(...). Ele não é o escritor, o artista que se encanta com sua arte, polindo
suas palavras e equilibrando seus períodos, mas sua pena é viva,
primorosa, irônica às vezes, sempre de bom gosto e jamais banal (...).
Não tinha outro objetivo a não ser dispor, na medida do possível, seus
interlocutores a se entregarem a Deus. Esse objetivo sobrenatural
proibia-lhe ligar a prática oratória ou epistolar à dialética humana.
Importava-lhe, antes de tudo, substituir as prudências humanas pelo
espírito de Jesus, assegurar a relação com Deus, agir num espírito de
amor e de fundamental dependência. Esses princípios que dirigiam seu
pensamento dotavam seu estilo de uma atitude original”13.

Vejamos, então, sucintamente, como estão divididos os textos que resistiram ao


tempo e estão ao nosso alcance, hoje.

1.1. Correspondência

Aqui, repousam as águas mais cristalinas e calmas de nossas fontes 14.


Não se pode precisar quantas cartas escreveu ou assinou Vicente de Paulo.
Estima-se, porém, que foram mais de 30 mil. Com o passar do tempo,
especialmente no sombrio período da Revolução Francesa, muitas se perderam.
Atualmente, tem-se conhecimento de aproximadamente 3 mil. A tradução
espanhola de Coste acrescentou textos posteriormente descobertos às 2.526
cartas compendiadas na edição francesa, totalizando 2.747 missivas 15. Somando-
10
Cf. DODIN, André. Mission et Charité. Paris, n. 19-20, 1970. 212 p.
11
Cf. Cahiers Saint Vincent. Bulletin des Lazaristes de France. Paris, n. 210, mai 2010. Às 22 cartas
escritas por Vicente de Paulo, somam-se 9 cartas a ele destinadas por distintos remetentes, tais como
Santa Joana Francisca de Chantal, Jean-Jacques Olier e outros.
12
Cf. COSTE, Pierre (org.). San Vicente de Paúl. Obras Completas. Salamanca: Sígueme, 1972, 12 v.
13
DODIN, André. Saint Vincent de Paul: textes et études. Paris: Aubier, 1949, p. 35-36.
14
Cf. ORCAJO, Antonino. El seguimiento de Jesús según San Vicente de Paúl. Madrid: La Milagrosa,
1990, p. 43.
15
Se considerarmos as cartas dirigidas a São Vicente, ultrapassaremos a cifra de 3.500, das quais só 1.800
ostentam o texto integral (cf. COLUCCIA, Giuseppe. Spiritualità Vincenziana, spiritualità dell’azione.
14

se a essas as 22 publicadas em 2010, chegamos à cifra de 2.769 cartas. Muitos


originais estão dispersos pelo mundo, alguns nas mãos de colecionadores de
raridades. A maior parte, porém, encontra-se nos arquivos dos Padres e Irmãos
da Missão e das Filhas da Caridade. Nem todas as cartas foram escritas
pessoalmente pelo Padre Vicente. Muitas saíram da sua própria pena, outras,
entretanto, foram ditadas aos seus secretários e depois cuidadosamente
revisadas, corrigidas, ampliadas e assinadas por ele. Em sua secretaria particular,
merecem destaque os Irmãos Bertrand Ducournau (1614-1677) e Luís
Robineau16, embora outros, em ocasiões extraordinárias, tenham assumido esse
ofício. A obra de Coste pode ser considerada o corolário de um titânico esforço
de conservação e organização dos textos de São Vicente, esforço empreendido
desde Abelly, a quem se atribui a autoria da primeira biografia 17, passando por
todos aqueles que, ao largo da história, quiseram se ocupar da heurística
vicentina, preservando o nosso patrimônio e transmitindo a tradição viva que
receberam e de que se tornaram paladinos incansáveis.

A correspondência de Vicente de Paulo abre-nos o caminho para que o


acompanhemos ao longo de seu progressivo itinerário, entre hesitações e
persistências, entre decepcionantes fracassos e renovadores acertos. J. M.
Román, com autoridade de perito, garante que “não há melhor maneira de
conhecer Vicente de Paulo do que a leitura e o estudo de sua
correspondência”18. Outro estudioso já o tinha afirmado: “Para conhecer a
experiência vicentina, deve-se começar pelas cartas, porque, com sua limpidez
espiritual e humanidade, descrevem o itinerário de um grande homem de
ação”19. De fato, em suas cartas, Vicente se mostra tal como é, profundo no que
pensa, no que diz e no que faz; muito firme e seguro naquilo que é essencial;
flexível, aberto e ponderado no que pode ou deve ser mudado; sensível e
extremamente atencioso no contato com as pessoas. “Ora, é na vida e, portanto,

Roma: Pontifícia Università Lateranense, 1980, p. 81). Segundo L. Mezzadri, das cartas atualmente
conhecidas, apenas 1.000 seriam originais (cf. MEZZADRI, Luigi. La sete e La sorgente I: Introduzione
agli studi vincenziani. Roma: CLV, 1993, p. 161).
16
Padre Dodin nos apresenta um breve perfil biográfico dos dois secretários de São Vicente: cf. DODIN,
André. Monsieur Vincent raconté par son secrétaire. Paris: O.E.I.L., 1991, p. 11-28.
17
Sobre a história da composição dessa primeira biografia: cf. DODIN, André. La légende et l’histoire:
De Monsieur Depaul à Saint Vincent de Paul. Paris: O.E.I.L, 1985. 216 p.
18
ROMÁN, José María. San Vicente de Paúl. Biografía. Madrid: BAC, 1981, p. 272.
19
COLUCCIA. Spiritualità Vincenziana, spiritualità dell’azione, p. 85.
15

nessas cartas, que ele aparece tal como é: ativo, gascão ao extremo, hábil,
diplomata, sério, cheio de humor, profundo, espiritual, adaptado como ninguém
a seus correspondentes”20.

A extensão das cartas varia muito, desde um simples bilhete, escrito às


pressas, até uma exaustiva circular, remetida a várias pessoas e/ou comunidades.
Os correspondentes de Vicente de Paulo são os mais diversos: do Papa ao
simples pároco, passando por toda a gama da hierarquia eclesiástica; os
religiosos e religiosas de diversas Ordens e Institutos, que recorrem aos seus
conselhos e solicitam sua opinião; homens da política, como o Cardeal
Mazarino, que se dirigem a ele e, não raro, tornam-se alvos de suas respeitosas
objeções21; a rainha e as senhoras da alta sociedade, que se convertem em
colaboradoras fiéis e encontram, em sua palavra esclarecida, a sábia orientação
para a vida cristã e para os trabalhos que realizam; Luísa de Marillac, parceira
fiel nas lides da caridade, a mais frequente de seus correspondentes 22, que lhe
confia seus dramas e recebe de seus conselhos força e luz para libertar-se das
inquietudes que cerceavam o seu dinamismo e ver potencializada sua
criatividade no serviço dos pobres; os Missionários e as Irmãs que, nas cartas do
fundador, veem expresso seu afeto paternal e haurem o revitalizador incentivo
na fidelidade à vocação; parlamentares e magistrados também pertencem a esse
universo de homens e mulheres beneficiados pela arte epistolar de Vicente de
Paulo23. Ilustrativa e esclarecedora é a afirmação feita por Coste na Introdução à
correspondência de seu Fundador, como veremos ainda neste primeiro volume:

“São Vicente nos aparece em sua correspondência tal como o descrevem


seus biógrafos: simples, bom, humilde, judicioso, prático, não perdendo
de vista os detalhes mais minuciosos de um assunto, olhos voltados para

20
RENOUARD, Jean-Pierre. Orar quinze dias com São Vicente de Paulo. Aparecida: Santuário, 2004, p.
17.
21
Nomeado membro do Conselho de Consciência (1643-1653), Vicente teve que multiplicar suas
intervenções epistolares, em razão dos encargos que lhe foram confiados.
22
Conservam-se, aproximadamente, 400 cartas de Vicente de Paulo dirigidas à Luísa de Marillac.
23
A respeito da correspondência de São Vicente, assegura Calvet: “Todos os Missionários, todas as
Irmãs Servas dos pobres, todas as Senhoras da Caridade, todos os amigos estão presentes em seu
coração, porque precisam ser amados. Para toda essa família tem o Padre Vicente uma ternura de pai
(...). Com razão, considerava sua correspondência essencial. Por meio dela, assegurava, em todos os
pontos onde trabalhavam suas Comunidades, o benefício dinâmico do seu pensamento e a unidade de
método. Era como a circulação da ideia e do sangue num grande corpo de que era a cabeça e o coração
(CALVET, Jean. Saint Vincent de Paul. Paris: Albin Michel, 1948, p. 260-261).
16

Deus, sua regra e seu guia, grato pelos benefícios recebidos, cheio de
respeito pelas pessoas constituídas em dignidade”.

Temos, então, à nossa disposição, um abundante manancial de cartas, nas


mais variadas tonalidades, distribuídas nos oito primeiros tomos da obra, datadas
entre 1607 e 1660. Por meio dessa comunicação epistolar, podemos entrever o
perfil psicológico de Vicente de Paulo e situá-lo no contexto social, político e
religioso de sua época, informando-nos sobre a riqueza de suas relações, a
diversidade de sua atuação, o desenvolvimento de suas obras e a evolução de sua
experiência espiritual.

1.2. Colóquios com as Filhas da Caridade

Pierre Coste compaginou, em dois tomos (IX e X), um harmonioso


conjunto de 120 colóquios de São Vicente com as Filhas da Caridade. O mérito da
conservação desses textos é devido, sem dúvida, à diligência de Luísa de Marillac e
das primeiras Irmãs que, a partir de suas anotações, puderam reconstruir as
alocuções que lhes fazia o venerando Fundador. Ao término das conferências, as
Irmãs se apressavam em reproduzi-las, auxiliadas, às vezes, pelo esquema utilizado
pelo Padre Vicente. Alguns desses manuscritos foram revisados pelo próprio santo,
com o intuito de que as ausentes pudessem ter acesso ao tema tal como fora
apresentado.

Os registros das Irmãs preencheram vários cadernos. Muitos textos já se


perderam, como é o caso das duas primeiras conferências (a conferência de 31 de
julho de 1634, que abre o tomo IX, foi antecedida por essas duas outras, cujo teor
nos é totalmente desconhecido). Contudo, ainda é possível encontrar 54 cadernos
nos arquivos da Casa Mãe das Filhas da Caridade. Desses 54, 20 foram escritos por
Luísa de Marillac, 16 por Elisabeth Hellot, outros 16 por Mathurine Guérin e 2 por
Juliana Loret. As copistas eram Irmãs da inteira confiança dos fundadores e todas
estiveram na vanguarda da Comunidade nascente, porque sempre compenetradas do
espírito que deveria animá-la. Suas transcrições, portanto, merecem credibilidade,
posto que inteiramente desprovidas de pretensões alheias ao bem da Companhia.
“Todas essas ouvintes empreenderam um esforço extraordinário na fiel redação do
17

pensamento de seu pai e mestre”24. A conservação das outras conferências é o


resultado de cópias posteriores realizadas por anônimas. Depois da morte dos
fundadores, ocorrida em 1660, os superiores gerais se empenharam em perpetuar os
ensinamentos de São Vicente às suas filhas. Coste, na introdução às conferências às
Irmãs, apresenta o percurso histórico que precedeu a publicação de sua obra (cf. SV
IX, XI-XXVI). Tendo cuidado com esmero da transcrição deste patrimônio de
primeira grandeza, Santa Luísa quis conservá-lo com todo desvelo. De fato,
ninguém melhor do que Luísa para garantir a exatidão e a fidelidade das transcrições
ao espírito do fundador. Sua proximidade e identificação com o Padre Vicente
favoreciam uma justa compreensão de suas expressões e intenções; assim como sua
considerável formação humanística, associada à sua inteligência privilegiada,
possibilitavam uma melhor concatenação das ideias expostas por seu diretor. É o
que se pode facilmente intuir do testemunho encontrado numa carta de Mathurine
Guérin a Margarida Chétif, primeira sucessora de Luísa de Marillac no governo da
Companhia, escrita em 1662:

“Um dos maiores bens de nossa Companhia é a coleção que ela (Luísa
de Marillac) fez e mandou fazer das instruções do defunto, nosso
honorável pai (Vicente de Paulo). Podeis dizer-me, caríssima Irmã, que
não vos digo nada de novo, já que, assim como as outras, sabeis de tudo
isso. Mas talvez nem todas saibam com que caridade ela insistia para
que as Irmãs não faltassem a essa tarefa. Amava tanto estes pobres
escritos que não queria ouvir falar em reescrevê-los, como desejava um
bom padre de São Lázaro, preferindo o estilo simples e natural a
discursos mais polidos. Dizia, frequentemente, que chegaria um dia em
que nossas Irmãs se consolariam em ter os escritos das pessoas que
tivéramos a sorte de ver”25.

Os temas abordados por São Vicente nestes seus colóquios são os que ele
considerava mais adequados ao ideal de Filha da Caridade que as Irmãs deveriam ter
sempre diante dos olhos. Por isso, falava-lhes, com frequência, da vivência da
vocação, do espírito da Companhia e das virtudes distintivas que deveriam orientar a
vida e a ação das Irmãs: caridade, humildade e simplicidade. Encorajava-as à
solicitude para com os pobres enfermos, as crianças abandonadas, os anciãos e todas
as vítimas do sofrimento e do abandono 26. Discorria sobre a organização da vida
24
COLUCCIA. Spiritualità Vincenziana, spiritualità dell’azione, p. 89.

25
Citado por IBAÑEZ. Presentación, p. 32.
26
“As exigências de Deus, reveladas pela miséria de quem sofre de uma ausência de Deus ou de uma
carência de vida, devem orientar a ação destas ‘filhas de Deus’. Esta ação será sempre uma continuação
18

comunitária, explicando-lhes o sentido das Regras e das práticas nelas indicadas.


Insistia na frequência à oração e aos sacramentos, especialmente a confissão e a
comunhão eucarística. Pedia-lhes firmeza diante dos perigos do mundo, das
tentações e dos riscos de infidelidade aos desígnios de Deus sobre a Companhia e
sobre cada uma em particular. Através desses colóquios, “Vicente de Paulo orienta
o espírito da Companhia das Filhas da Caridade e esclarece a estrutura jurídica
desta nova organização na Igreja”27. Aproveitava circunstâncias particulares, tais
como o Jubileu, a eleição de uma Irmã para algum cargo, o envio em missão de
alguma outra para lugares mais afastados de Paris. Em síntese, São Vicente se servia
de suas conferências para modelar em todas e em cada uma das Irmãs o perfil da
verdadeira Filha da Caridade, sua espiritualidade peculiar, sua maneira própria de
ser e atuar na Igreja e no mundo28.

O método adotado pelo Padre Vicente nessas alocuções familiares era


eminentemente catequético29. Falava com simplicidade e objetividade, fazendo com
que as Irmãs interagissem com ele na exposição do tema. Sua palavra nascia do
silêncio fecundo de quem sabe escutar. A pedagogia que empregava confluía na
direção de uma verdadeira maiêutica. Embora tivesse diante de si o tema que
deveria abordar, fazia questão de estimular a participação das Irmãs e não deixava
de se impressionar e enriquecer com as interferências que faziam. “Docendo,
discitur”, diriam os antigos. Por isso, em diversas ocasiões, partia das contribuições
e comparações apresentadas para chegar ao assunto que lhe interessava tratar. Sabia
desentranhar do mais profundo do ser de suas filhas considerações e reflexões que
ultrapassavam o óbvio e corriqueiro. É deveras fascinante sua capacidade de
considerar a realidade concreta e o cotidiano daquelas que o escutavam, penetrando
o que havia de mais significativo e relevante nos acontecimentos. Por isso mesmo,
“ninguém deixava de escutar a palavra do Padre Vicente, que brotava duma fonte
cristalina constantemente renovada pelo amor de Deus” 30. Boa parte das Irmãs, a
da missão amorosa de Jesus Cristo” (IBAÑEZ. Presentación, p. 34).
27
IBAÑEZ. Presentación, p. 33.
28
Cf. CALVET. Saint Vincent de Paul, p. 269-275.
29
“As conferências que foram conservadas são, certamente, as mais vivas de toda a obra de São Vicente
de Paulo. Catequese viva, repleta de exemplos, de comparações, de exemplos tirados da vida cotidiana.
A Sagrada Escritura, amplamente explorada, fornece ao Padre Vicente as cenas que ele anima, colore e,
às vezes, exprime através de mímicas com uma delicada gravidade” (DODIN. Saint Vincent de Paul, p.
51-52).

30
CALVET. Saint Vincent de Paul, p. 275.
19

grande maioria na verdade, não possuía cultura elevada. Isso, porém, de modo
algum arrefecia o ânimo do fundador na tentativa de atingir-lhes a inteligência e o
coração e, assim, infundir-lhes um indeclinável amor a Deus e ao próximo. Aí
residia o essencial, do qual não se podia prescindir. Com efeito, o que importava era
que as boas Irmãs, muitas das quais provenientes dos campos, estivessem
enraizadas em sua vocação, cheias do espírito de Cristo e de um amor sem medidas
pelos pobres. “Doce e tenaz, humilde e exigente, Vicente de Paulo orienta suas
filhas para este ideal. E todo ideal deve transformar as pessoas que querem realizá-
lo”31.

1.3. Colóquios com os Missionários32

Se nos for dado examinar atentamente as 950 páginas dos colóquios de Vicente
de Paulo com os Padres e Irmãos da Congregação da Missão, seremos surpreendidos
pela impressionante riqueza de conteúdo e pela vivacidade da oratória do santo
fundador. Aqui, como em outras circunstâncias, “sua palavra é simples,
apaixonada, vibrante de sentimento e de vida (...). Reconhece-se, por seu modo de
falar e por sua eloquência, um coração magnânimo, delicado, humano, muita
docilidade e persuasão numa mentalidade sobrenatural”33. A palavra dirigida aos
Missionários, reunidos no Colégio de Bons-Enfants (1625-1632) ou no velho
Priorado de Saint-Lazare (1632-1660), é mais frequente do que a palavra dirigida às
Filhas da Caridade de Paris. São Vicente falava aos primeiros Coirmãos ao menos
quatro vezes por semana, a fim de forjar-lhes o espírito, modelar a figura, orientar a
existência e estimular a atividade da Companhia nascente34. Chamam a atenção o
respeito reverente e a satisfação experimentada pelos Missionários ao ouvirem as
exortações do Fundador35. Basta ver a introdução feita pelo copista à conferência
sobre a Observância das Regras, de 17 de maio de 1658:

31
IBAÑEZ. Presentación, p. 34.
32
Cf. DODIN, André. Conferencias a los Misioneros. Salamanca: CEME, 1992, p.15-27.
33
DEFFRENNES. La vocación de San Vicente de Paúl, p. 19.
34
Cf. IBAÑEZ. Presentación, p. 36.
35
“Vicente sabia fazer-se ouvir, pois tinha em conta o nível do público. Todos, com efeito, se mostravam
ouvintes atentos de seu pensamento claro, baseado na experiência, simples e completo em si mesmo.
Muitas conferências parecem breves tratados, nos quais vibra a sabedoria interior do mestre”
(COLUCCIA. Spiritualità Vincenziana, spiritualità dell’azione, p. 87).
20

“Ainda que os Missionários estejam sempre obrigados a recolher, se é


possível, todas as palavras do Padre Vicente, já que não há nenhum
ponto que não contenha alguma instrução para eles e para a
posteridade, tal obrigação torna-se ainda mais exigente quando lhes fala
como pai e os trata como seus queridos filhos, discorrendo sobre algum
assunto especialmente importante” (SV XII, 1).

No intuito de delimitar o sentido e o alcance destes colóquios, André Dodin


chamou a atenção para as cinco categorias em que os textos estão agrupados: a) As
Conferências: dirigidas a um auditório seleto, onde não faltavam homens versados
nas ciências sagradas, eram cuidadosamente preparadas por São Vicente. O
exercício da conferência, que durava mais ou menos uma hora, tinha lugar todas as
sextas-feiras, com algumas exceções, e trazia os ensinamentos mais substanciosos e
estruturados do fundador da Missão. Calcula-se que cerca de mil conferências
tenham sido pronunciadas por São Vicente entre 1625 e 1660, das quais temos
apenas 31 amplos resumos. A precisão do raciocínio e a clareza da linguagem se
uniam para transmitir com solidez um saber e, sobretudo, uma experiência de
visceral identificação com Jesus Cristo, enviado pelo Pai para evangelizar e servir
aos pobres. Assim, Vicente explicitava os princípios fundamentais que deveriam
orientar perenemente a vida e a missão de sua Comunidade. b) As repetições de
oração: um exercício muito caro ao coração do fundador, que acontecia duas ou três
vezes por semana e não durava mais do que 10 ou 15 minutos. Pouco antes de
concluir a meditação na igreja, Padre Vicente pedia a alguns Missionários que
partilhassem brevemente com a comunidade reunida os sentimentos suscitados na
oração. “Os textos destas alocuções apresentam indiscutivelmente o testamento ‘da
fé e da experiência’ de Vicente de Paulo. Constituindo um resumo substancial de
sua palavra e de seu ensinamento, intentam reconstruir uma doutrina de vida
espiritual para seus discípulos”36. Suspeita-se que foi a experiência do Oratório de
Roma que despertou em São Vicente o desejo de instituir esse exercício original,
cujo objetivo era acompanhar de perto e enriquecer a vida espiritual da Companhia.
Tudo leva a considerar que, ao longo de 35 anos, Padre Vicente tenha presidido 2
mil repetições de oração. Possuímos somente 52 textos, quase todos datados entre os
anos de 1655 e 1657. c) Os avisos no Capítulo: semanalmente, os Missionários se
reuniam para uma espécie de celebração penitencial, onde cada um era convidado a
acusar-se de suas próprias faltas. Na ocasião, Padre Vicente, na condição de superior

36
IBAÑEZ. Presentación, p. 40.
21

geral, dava alguns avisos, a fim de orientar a comunidade e informá-la dos últimos
acontecimentos. Estima-se que, entre 1625 e 1660, São Vicente tenha presidido
cerca de 1.200 Capítulos, embora não saibamos se fez uso da palavra em todos eles.
Atualmente, temos apenas 4 desses textos. d) Alocuções a um grupo ou a um
particular: além dos exercícios que envolviam toda a comunidade, é possível
encontrar também alguns conselhos do santo dirigidos a um grupo de Missionários
ou a um Missionário em particular. São Vicente lhes dirigia a palavra a partir de sua
realidade concreta. Era o que ocorria, por exemplo, quando os Missionários
assumiam novos ministérios, partiam para lugares distantes ou até mesmo quando o
fundador estabelecia um diálogo com algum Coirmão, como fez em 1645, dirigindo-
se a um Irmão moribundo. e) Frases: pensamentos extraídos da obra de Luís Abelly
e de outras fontes, oportunos na tarefa de reconstrução do ambiente espiritual de
Vicente de Paulo. “Em toda e qualquer circunstância, sua oratória espontânea era
prodigiosamente viva”37, diz-nos o Padre Dodin.

Infelizmente, não temos sequer um escrito do próprio punho de São Vicente que
nos ofereça o texto integral de algum colóquio, nem mesmo um esquema. Tudo o
que conhecemos são resumos redigidos às escondidas por seus ouvintes. De fato, ele
tinha para com os Missionários uma atitude muito diferente da que tinha para com
as Filhas da Caridade. A estas, sugeria que anotassem as ideias centrais de cada
conferência. Às vezes, como vimos, entregava suas próprias anotações e revisava os
textos das Irmãs. Com os ouvintes de São Lázaro, mostrava-se muito mais
reservado. Raramente pedia que alguém anotasse as reflexões e sugestões dos
Missionários e jamais consentiu que se registrassem as palavras que pronunciava.
No fundo dessa reticência de Vicente de Paulo, palpitava o receio de que as
distinções conceituais, o esforço de síntese e o aprimoramento da linguagem
consumissem as energias que seus Coirmãos deveriam empregar na assimilação
prática daquilo que o prudentíssimo Fundador lhes falava de modo pouco cartesiano,
porque sempre aberto às complementações vivenciais38.

37
DODIN. Saint Vincent de Paul, p. 90.
38
Mezzadri oferece boa justificativa para essa postura criteriosa de São Vicente: “Contrário a escrever
livros, pensava que o seu pensamento não devia ser conservado. O que lhe importava era a vida dos
Missionários que deviam constituir uma tradição viva” (MEZZADRI. La sete e la sorgente I, p. 182). Cf.
também: ORCAJO. El seguimiento de Jesús según San Vicente de Paúl, p. 44.
22

O primeiro texto de colóquios com os Missionários ainda hoje conservado


remonta ao ano de 1632 e contém os avisos dados pelo Padre Vicente nos exercícios
espirituais anuais, os primeiros realizados em São Lázaro. Não conhecemos os
nomes dos copistas das alocuções do Padre Vicente até 1647. Mais tarde, seus
secretários particulares, os Irmãos Ducournau e Robineau, puseram-se a recolher
todos os seus conselhos. Com efeito, em 1647, Padre Alméras, então assistente
geral, confiou oficialmente ao Irmão Ducournau, de prodigiosa memória, a tarefa de
anotar todas as exortações do Fundador, sem que jamais São Vicente tivesse sido
informado dessa feliz estratégia. Durante a Revolução Francesa, quase todas as
anotações do Irmão se perderam, de tal modo que foi preciso recorrer a outras fontes
menos precisas e detalhadas para a composição das Opera Omnia39.

Os colóquios de São Vicente com os Missionários constituem um resumo


substancial de sua experiência espiritual, embora nem todos os textos tenham a
mesma densidade. Essas exortações são dirigidas a Padres e Irmãos que levam uma
vida fraterna. Trata-se, pois, de um grupo bastante homogêneo, unido em torno de
convicções, ideais e objetivos comuns. O auditório reduzido, composto por 20 ou 30
pessoas, favorecia o tom familiar das alocuções. Vicente de Paulo falava como um
pai zeloso àqueles Missionários sábios, ativos, despretensiosos e humildes. E estes,
ao ouvirem as palavras do santo pai, iam, pouco a pouco, conhecendo melhor o seu
caráter, a sua visão de mundo, a sua maneira de pensar e de agir. Tornava-se, pois,
cada vez mais difícil separar o Fundador de sua comunidade.

“Era um pai de família. Dotado de singular autoridade e fácil de


comover-se, mas sempre prudente, bom, carinhoso, atento. Ao
entardecer de sua vida, sua circunspecção e gravidade, sua preocupação
por edificar e ordenar um futuro que ele não habitará impregnam toda
sua pessoa da humildade e serena majestade dos patriarcas. Não eleva
seu discurso, nem constrói seus períodos. Sua intenção mais profunda e
delicada é “oferecer seu coração” e “pedir o dos outros”. No sentido
mais primitivo da palavra, conversa com os demais, esforça-se por
compartilhar com eles sua experiência”40.

39
Afirma Calvet: Não temos o texto exato dos discursos de São Vicente, mas, graças ao Irmão
Ducorneau, temos o essencial de seu pensamento. E, por transparência, através das frases ordenadas
pelo copista, podemos nos impressionar com o movimento da palavra viva (CALVET. Saint Vincent de
Paul, p. 264).
40
DODIN. Conferencias a los Misioneros, p. 24.
23

Não se pode duvidar da sólida formação teológica recebida por São Vicente nos
anos de sua juventude. Humildemente, consegue exprimi-la nesses colóquios. É
provável que, ao preparar suas instruções, lesse algumas páginas de grandes
teólogos, tais como: Santo Tomás de Aquino, Pedro Lombardo, São Basílio e
muitos outros. Centrado no fim que desejava alcançar e muito firme em seus
princípios, inspirava-se nos acontecimentos da vida cotidiana, sempre se atendo ao
essencial, especialmente às exigências da vocação missionária comum a todos os
membros da Companhia. Sem jamais perder-se em elucubrações abstratas, seus
ensinamentos refletiam a mentalidade religiosa do seu tempo, embora às vezes a
superassem, ampliando os horizontes dos seus Coirmãos e apontando novas direções
no caminho da santidade, para compartilhar sua experiência de Deus, alicerçada em
Jesus Cristo e em seu entranhado amor pelos pobres. De fato, como não havia nada
de verdadeiramente humano que não encontrasse eco em seu coração, Vicente
jamais deixava no olvido as alegrias e as esperanças, as dores e as angústias dos
pobres, aos quais se sentia radicalmente vinculado, por admirável desígnio da
Providência.

As conferências aos Missionários, compendiadas nos tomos XI e XII das Obras


Completas, constituem uma referência fundamental para todos aqueles que desejam
vislumbrar o sentido e o alcance do carisma e da missão vicentina.

1.4. Documentos

A palavra do Padre Vicente não está circunscrita ao âmbito interno da


Congregação da Missão e da Companhia das Filhas da Caridade. Sua primeira
fundação foram as Caridades, depois chamadas Confrarias, cujo desenvolvimento
acompanhou de perto, como animador espiritual e apostólico das senhoras, algumas
das quais provenientes da nobreza, e de suas colaboradoras. Assistia a suas reuniões
semanais e dirigia-lhes a palavra para estimulá-las no serviço aos pobres, sobretudo
em períodos particularmente agitados da França do século XVII, como durante a
crise da Fronda (1649-1652), quando as Damas começaram a se reunir diariamente
para descobrir formas novas e eficazes de intervenção na realidade. Vicente queria
ajudá-las a intuir e concretizar o verdadeiro significado da caridade cristã, que lança
suas raízes no Evangelho e se expressa na solidariedade compassiva e operosa para
24

com os deserdados da história. Por indicação de São Francisco de Sales, a quem


muito estimava, foi encarregado da orientação das Religiosas da Visitação de Paris,
às quais pôde dirigir sua palavra inflamada em diversas ocasiões, de 1622 a 1659.
Além desses encargos de caráter mais duradouro, trabalhou intensamente nos
campos, pregando missões populares, e como pároco, sobretudo quando ensaiava os
primeiros passos de sua caminhada para Deus e para os pobres. De cada uma dessas
atribuições, a história nos legou alguma informação ou registro, embora, hoje, nem
tudo esteja ao alcance dos pesquisadores, como é o caso das exortações às
Visitandinas. Das conferências às Damas, porém, conservaram-se 15 esquemas bem
articulados41.

Grande parte desses documentos foi recolhida por Coste no tomo XIII de sua
obra. O material foi dividido e classificado em cinco partes: a) Documentos
relativos à pessoa de São Vicente: Além dos textos referentes ao seu caminhar na
Igreja, por entre os diferentes ofícios e benefícios 42 que recebeu, merecem destaque
um sermão sobre o Catecismo e dois sobre a Comunhão, o esboço do programa da
visita pastoral do bispo à sua paróquia, seus testemunhos no processo de
beatificação de São Francisco de Sales, seu depoimento sobre Saint-Cyran, extratos
das anotações do Cardeal Mazarino sobre o Padre Vicente, um estudo sobre a Graça,
conselhos a um amigo que desejava firmar acordo com os jansenistas, o diário de
seus últimos dias escrito por um dos Missionários, etc. b) Documentos relativos à
Congregação da Missão: Os primeiros documentos de sua fundação e de sua
aprovação pelo arcebispo de Paris e pelo Papa, as aprovações civis, as atas de
fundação de alguns estabelecimentos, as atas das primeiras assembleias gerais, os
breves pontifícios referentes à vida interna da Congregação, regulamentos mais
flexíveis para Missionários encarregados de funções extraordinárias, etc. c)
Documentos relativos às Confrarias da Caridade: Regulamentos diversos
preparados pelo próprio São Vicente para as Confrarias espalhadas nos mais
variados rincões da França, etc. d) Documentos relativos à Companhia das Filhas
da Caridade: Regulamentos das várias Comunidades, textos da aprovação da
Companhia pelo arcebispo de Paris e pelo parlamento, as 29 atas dos primeiros
conselhos, todos presididos pelos fundadores, etc. e) Damas da Caridade:
41
Sobre a relação de São Vicente com as Damas da Caridade e com as Irmãs da Visitação, cf. CALVET.
Saint Vincent de Paul, p. 275–277 / Cf. também: IBAÑEZ. Presentación, p. 34-35.
42
Benefícios eram os encargos eclesiásticos, aos quais se associava o uso ou a fruição de algum bem.
25

documentos que falam das origens da Associação, regulamentos, esquemas de


conferências e excertos das mesmas.

Todos esses textos, além de revelarem aspectos marcantes da têmpera do Padre


Vicente nem sempre evidentes nos escritos anteriores, possibilitam acompanhar os
primeiros passos e o desenvolvimento das suas fundações, sobretudo no tocante à
configuração jurídica de cada uma delas. Coste nos apresenta 220 documentos. Com
o passar do tempo, outros registros foram descobertos. Lamentamos a ausência
quase completa dos textos das chamadas Conferências das Terças-feiras, iniciadas
em 1633 e dirigidas a padres diocesanos em busca da santidade conveniente à
vocação que abraçaram43. E como não lamentar, sabendo do que afirmou, certa vez,
um desses ilustres sacerdotes a respeito do humilde e sábio Padre Vicente: “Uma
palavra sua produzirá mais efeito do que tudo o que pudéssemos dizer”.

2. Conclusão

A publicação desta primorosa edição das Opera Omnia de São Vicente – a


primeira em língua portuguesa – constitui um marco histórico de altíssimo significado
para a Família Vicentina no Brasil. É como se, doravante, pudéssemos escutar Vicente
de Paulo em nossa própria língua, exortando-nos a prosseguir na busca da santidade,
confirmando-nos na missão junto aos pobres e encorajando-nos diante dos apelos
daquela caridade inexaurível que dilatou o seu coração na proporção do coração de seu
Mestre e Senhor. Certa vez, um dos mais eminentes discípulos de Monsieur Vincent, o
bispo Jacques Bénigne Bossuet (1627-1704), assim se expressou: “Quando, atentos, o
ouvíamos falar, sentíamos que se realizava nele aquela frase do apóstolo Paulo: ‘Se
alguém fala, que suas palavras sejam como palavras de Deus’”. E o mesmo Bossuet
não hesitava em dizer aos Missionários: “Quão felizes sois por poderdes ver e escutar
todos os dias um homem tão cheio do amor de Deus!” 44. Partilharemos também nós da
felicidade daqueles operários da primeira hora, que nos precederam na vinha do Senhor,
se soubermos escutar, com atenção e assiduidade, as palavras do homem magnânimo
que agora nos fala, perscrutando a voz do Espírito que o conduziu e que ainda hoje

43
O que nos foi conservado por Abelly corresponde apenas à reconstituição de uma parte de um dos
primeiros discursos pronunciados por São Vicente aos Padres das Conferências (cf. IBAÑEZ.
Presentación, p. 42).
44
Citado por DODIN. Conferencias a los Misioneros, p. 13.
26

continua nos impelindo “a amar o que São Vicente amou e a praticar o que ele
ensinou”45.
Padre Vinícius Augusto Ribeiro Teixeira, C.M.
Belo Horizonte, 27 de setembro de 2011.
Solenidade de São Vicente de Paulo

Alguns critérios adotados na tradução

1. Quanto aos nomes próprios:


- Traduzimos os que já são comumente traduzidos e conhecidos na língua
portuguesa (ex: Louise = Luísa; Vincent = Vicente; Antoine = Antônio; etc);
- Deixamos como estão aqueles cuja forma francesa é aceita e usada na língua
portuguesa corrente (ex: Pierre, Jacques, Jean, Charles, etc);
- Casos duvidosos resolvidos em equipe;
- Respeitamos as partículas de ou du indicativas de nobreza, importância e
dignidade (ex: o senhor de Comet, Francisco du Coudray, etc);

2. Citações latinas de textos bíblicos: normalmente, versão da Bíblia de Jerusalém


(o importante é que o leitor entenda o sentido).

45
Da Liturgia da Solenidade de São Vicente de Paulo, 27 de setembro.
27

3. Monseigneur, traduzimos por “senhor Bispo”; se ligado ao nome, traduzimos


por “Dom” (ex: Monseigneur Ingoli = Dom Ingoli); se o personagem não for
Bispo, traduzimos por “Monsenhor” (ex: Monseigneur le Grand Vicaire de
Toul = Monsenhor Vigário Geral de Toul).

4. Usamos o tratamento da segunda pessoa do plural (vós).

5. Pontuação e reforma ortográfica atualizada.

6. Dividimos períodos muito longos em frases menores, sem alterar-lhes a


dinâmica e o sentido.

7. As notas do texto: como estão no original, isto é, cada carta ou conferência com
suas notas, nos respectivos rodapés. Suprimimos apenas uma ou outra nota
absolutamente irrelevante ou relativas a correções de um texto, já feitas pelo
próprio Pierre Coste.
28

CARTA DO PADRE VERDIER

SUPERIOR GERAL DA CONGREGAÇÃO DA MISSÃO

───────────────

Paris, 17 de fevereiro de 1920.

Senhor Padre e caro coirmão,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Empreendestes e levastes a cabo um belo e consciencioso trabalho destinado a
tornar São Vicente de Paulo mais bem conhecido, pela publicação de suas cartas.
A primeira coletânea impressa remonta a 1880. Está quase esgotada, e apresenta
algumas falhas. Mais completa, a vossa conterá várias centenas de cartas inéditas, ou
conhecidas apenas em parte, que escaparam às buscas do vosso predecessor.
Acrescentastes, numa feliz inovação, as cartas recebidas pelo Santo.
Depois de ter lembrado que, após sua morte, estimava-se em trinta mil o número
de suas cartas, e que Collet, no século XVIII, pôde consultar perto de sete mil, o editor
de 1880 acrescenta, com um certo pesar: “Restam-nos hoje duas mil e quinhentas. As
outras estão perdidas para sempre ou encerradas em alguns arquivos particulares.
Mesmo que esta coleção seja incompleta, quando a comparamos com o que se perdeu,
não se negligenciou nenhum meio de enriquecê-la, e resta-nos pouca possibilidade de
ampliá-la de maneira notável”.
Não adotastes esta resignação e a “fortuna ajuda aos audaciosos”, e a
Providência recompensa os perseverantes. Sois um exemplo encorajador. Procurastes
muito, durante muito tempo e em toda parte, até na América, e fizestes descobertas
preciosas: pelo grande número de novas cartas, pelo valor intrínseco de várias dentre
elas. Estas descobertas vos permitiram completar tal carta da qual se possuía apenas
uma parte, datar tal outra, retificar o nome do destinatário, às vezes, incerto, outras,
incorreto.
Soubestes procurar e encontrar. Soubestes ler, de tal modo que nos restituís o
texto de São Vicente, em sua perfeita integridade. É sempre o Santo que realmente nos
fala, e nos repete o que ele quis dizer a seus correspondentes, do modo, da forma e com
as expressões com que ele o quis dizer.
Sinto-me feliz por vos agradecer. Conhecendo melhor os grandes homens, nós
os apreciamos melhor. E se são verdadeiramente grandes homens, nós os amamos ainda
mais. São Vicente tem lugar cativo entre os grandes homens: a Igreja o reconhece e o
proclama como um de seus heróis, e sua pátria o coloca entre os filhos que mais a
honraram.
29

A leitura de suas cartas, nas quais ele vai delineando seu próprio perfil, o tornará
mais bem conhecido e, portanto, mais amado. Ao conhecê-lo melhor e ao amá-lo,
vossos leitores, ou melhor, os dele, sentir-se-ão tornar-se melhores. Não falo do prazer
especial que hão de experimentar os amantes das coisas do espírito, conhecedores da
história e dos costumes da época em que viveu o Santo.
Este interesse de edificação e de erudição, não são apenas os filhos da família
espiritual de São Vicente de Paulo – Congregação da Missão e Filhas da Caridade – que
estarão em condição de o experimentar. As grandes associações que reivindicam seu
nome – Damas da Caridade, Sociedade São Vicente de Paulo, outras ainda, menos
conhecidas, mas não menos ligadas ao seu nome e ao seu espírito – aí o encontrarão
igualmente.
Enfim, o próprio público culto terá toda facilidade de travar um conhecimento
mais íntimo com este grande homem e grande santo. Vossa obra, com efeito, ao trazer
um feliz desmentido aos lamentos desencorajadores do editor precedente, a respeito do
número de suas cartas, vem trazer, por outro lado, satisfação ao seu desejo de tornar
público este tesouro: “Uma tal obra, diz ele, falando de sua coletânea, se for publicada,
despertará o interesse dos leitores, aos quais ela ofereceria um número considerável de
documentos tão preciosos quanto edificantes, e quase todos inéditos”.
Este desejo é satisfeito, e bem satisfeito, graças à vossa publicação.
Resta-me desejar ao vosso trabalho a maior difusão. Este desejo, é de todo
coração que o formulo, como também, em confiança, lhe aguardo a realização.
Crede-me, senhor Padre e caro coirmão, vosso dedicado, em Nosso Senhor,

F. Verdier,
Superior Geral.
30

INTRODUÇÃO
─────────

São Vicente de Paulo agiu muito. E escreveu também muito. Um homem de


ação é, naturalmente, um homem de relações. E quanto mais numerosas são as relações,
mais abundante é a correspondência que as mantém.
Avaliam-se em mais de trinta mil as cartas oriundas da mão do Santo ou dos
seus secretários. Collet1 afirmou que havia seis ou sete mil em 1748. Depois de mais de
três séculos, este número diminuiu consideravelmente. Não poderíamos publicar hoje
senão mil e oitocentas, se nos limitássemos às cartas com texto completo.
De todos os correspondentes de Vicente de Paulo, nenhum esteve em contato
mais contínuo com ele do que Luísa de Marillac. Esta coletânea contém cerca de
quatrocentas cartas do Santo a sua piedosa colaboradora.
O mais favorecido depois dela é Firmino Get, superior da casa de Marselha, a
quem escreveu cento e cinquenta cartas. Jean Martin, superior de Turim, recebeu, por
sua vez, perto de cento e trinta; Edme Jolly, superior em Roma, quase cento e vinte;
Charles Ozenne, superior em Varsóvia, perto de cem; Estêvão Blatiron, superior em
Gênova, perto de oitenta. Vêm depois em ordem Bernardo Codoing, o irmão Jean Parre,
Antônio Portail, Luís Rivet, Jacques Pernelle, Marcos Coglée, todos eles membros da
Congregação da Missão. O Santo assumiu como regra para si mesmo, durante vários
anos, escrever semanalmente aos superiores das casas de Marselha, Roma, Gênova,
Turim, Varsóvia e outras2, e era fiel, mesmo quando nada tinha a dizer3. Desse modo,
em muitos casos, as datas das cartas que temos nos permitem adivinhar, quase com
certeza, as datas das que se perderam.
Vicente de Paulo jamais deixou, a não ser quando a doença o impedia, de
escrever pessoalmente a Luísa de Marillac. Até 1645, ele mesmo escrevia toda a sua
correspondência. Sobrecarregado de ocupações, toma como secretário, neste ano, seu
compatriota, o Irmão Bertrando Ducournau4, que tinha instrução, escrevia bem, amava o
trabalho e aliava a um juízo seguro um devotamento sem limites. No ano seguinte, o
Irmão Luís Robineau foi nomeado segundo secretário. As cartas que nos restam são
quase todas escritas por Vicente de Paulo ou por estes irmãos. A transcrição das cartas
circulares era confiada a secretários de ocasião.
11
“La Vie de Saint Vincent de Paul, Nancy, 1748, 2 vol., in-4, t. I, p. IV.
22
Ver as cartas de 16 de novembro de 1658, ao Irmão Jean Parre, de 09 de outubro de 1643, a Bernardo Codoing, de
14 de setembro de 1646, a Jean Martin, de 03 de maio de 1652, a Lambert aux Couteaux, de 02 de janeiro de 1654, a
Estêvão Blatiron, de 15 de outubro de 1655, a Charles Ozenne, de 21 de setembro de 1657, a Antônio Durant. Em
1658, Vicente de Paulo escrevia a Charles Ozenne apenas de quinze em quinze dias (Cf. Carta de 18 de janeiro de
1658).
33
Ver a carta de 12 de outubro de 1657 a Charles Ozenne e uma outra não datada ao Irmão Jean Parre, que terá seu
lugar entre as cartas de novembro de 1658.
44
A primeira carta escrita pelo Irmão Ducournau é a de 03 de maio de 1645, a Jacques Chiroye.
31

Às vezes, o Santo diz que dita suas cartas 5. Era isto um hábito seu, e a palavra
ditar teria em seu espírito o sentido absoluto que lhe damos correntemente? Constata-se
uma diferença sensível entre o estilo das cartas escritas de próprio punho e as que são
apenas assinadas por ele. As primeiras têm um estilo mais conciso, mais viril, mais
vivo. Trazem mais a marca do superior que detém a autoridade e tem consciência de sua
responsabilidade. Nelas se percebe melhor a linguagem de um homem que fala em seu
nome pessoal. Sua leitura nos prende mais.
Terminada a carta, São Vicente a relia, fazia as correções que julgava úteis,
assinava e acrescentava num post-scriptum o que havia esquecido. Depois, ele a
dobrava e lacrava. O selo que podemos ver na página-título deste volume representa o
Salvador evangelizando os pobres. No entorno, as palavras Superior Generalis
Congreg. Missionis indicavam externamente o remetente da carta.
Suas grandes ocupações deixavam-lhe pouco tempo para a correspondência.
Vemos assim o Santo utilizar até os momentos livres que passava fora de casa 6. Numa
de suas cartas ele afirma que está escrevendo em plena rua 7. Tomava frequentemente
tempo do seu repouso e, às vezes, vencido pela fadiga, dormia escrevendo. A escrita de
várias cartas mostra visivelmente a influência do sono8.
Antes de 1639, a data da carta vem sempre depois da assinatura, exceto quando
não há espaço no final da página9; a partir de 1640, a data está sempre na parte superior,
no início da carta1010. As cartas a Luísa de Marillac só são datadas quando ela está
viajando ou quando o Santo está ausente de Paris. Quando falta a data, ela é muitas
vezes substituída pela indicação do dia da semana.
As cartas aos missionários e às irmãs começam sempre por esta saudação: A
graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco! É a expressão bem sincera do mais
íntimo desejo do seu coração. A ocorrência de certas festas lhe sugere às vezes uma
fórmula diferente: A santa paixão do Salvador nos leve a tudo fazer e suportar por seu
amor1111! Ou A devoção dos discípulos de Nosso Senhor, reunidos para rezar pela
vinda do Espírito Santo, seja para sempre bem sensível ao vosso coração1212!
São Vicente nos aparece em sua correspondência tal como o descrevem seus
biógrafos: simples, bom, humilde, judicioso, prático, não perdendo de vista os detalhes
mais minuciosos de um assunto, olhos voltados para Deus, sua regra e seu guia, grato
pelos benefícios recebidos, cheio de respeito pelas pessoas constituídas em dignidade.
Ele vai diretamente ao objetivo, exceto quando tem uma reprovação a fazer,
porque neste caso começa por se humilhar.

55
Ver as cartas de 21 de junho de 1653, a Emerand Bajoue, de 10 de agosto de 1657, a Edme Jolly, e de 24 de agosto
de 1659, a Francisco Feydin.
66
Ver as cartas de 30 de junho de 1656 a Jean Martin, de 25 de outubro de 1658, a Firmino Get, e de 26 de junho de
1654 a este mesmo.
77
Carta de 28 de julho de 1651, a Jean Martin.
88
Por exemplo, a carta de 15 de março de 1638, a Lambert aux Couteaux.
99
É o caso das cartas para Santa Luísa de Marillac, escritas em 02 de novembro de 1636, e em 21 de fevereiro de
1638, a Antônio Lucas, e a 20 de fevereiro, 15 e 22 de março de 1638, a Jean Bécu. Os copistas quase sempre
colocam no cabeçalho da carta a data e a indicação do dia da semana.
1010
De julho de 1639 a primeiro de janeiro de 1640, o Santo varia; prevalece às vezes o antigo hábito.
1111
Cartas de 11 de abril de 1659 a Guilherme Desdames e a Edme Jolly.
1212
Carta de 24 de maio de 1637, a Santa Luísa de Marillac.
32

Não devemos buscar nas citações da Sagrada Escritura, feitas na maioria das
vezes, de memória, a reprodução absolutamente fiel do texto sagrado.
Sabia dar à frase um toque original, por exemplo: “O Padre Alméras não tem
mais febre e nem eu outras notícias a vos dar” 1313, ou deixar o tom sério e dizer uma
palavra de brincadeira: “Sinto-me consolado, diz ao superior de Turim 1414, porque
nosso Irmão Desmotiers fez tal progresso na língua italiana que sabe dizer: signor, si”.
Depois de ter narrado o naufrágio de um navio que levava missionários enviados a
Madagascar, o Santo acrescenta1515 que estes subiram numa pequena barca com
provisões para três ou quatro dias, chegaram a Saint-Jean-de-Luz depois de duas longas
semanas “com boa saúde e bom apetite”.
Embora São Vicente não fosse sujeito a distrações, notam-se algumas em sua
correspondência. Uma de suas cartas a Pierre Escart, padre da Missão 1616, termina pelas
palavras “sou em seu amor, Madame, vosso muito humilde servo”. Este título de
Madame ele o dá duas vezes à Senhora Le Gras, sem o notar 1717. Duas cartas
permaneceram inacabadas sem que o Santo o percebesse1818. Aqui ou ali se encontram
palavras repetidas, esquecidas1919 ou evidentemente erradas2020. Retificamos algumas
datas inexatas dos originais2121. Nestas distrações, que podemos contar facilmente,
porque são raras, é preciso lembrar a parte dos secretários.
As cartas de São Vicente mereciam ser publicadas a título de documentos
históricos, para esclarecer a vida deste grande homem, que ocupa, sem contestação, o
primeiro lugar na história da assistência social e deve ser colocado em primeiro lugar
entre os reformadores do clero francês; elas o mereciam ainda devido ao seu valor
literário, que coloca o autor entre o número dos bons prosadores da língua francesa, no
século XVII.
Possuímos ainda os originais de um bom número de suas cartas, a maior parte
repartida em cinco coleções ou dossiês.

*
* *

Dossiê da Missão. ─ A Casa Mãe dos Padres da Missão possui trezentos e cinco
originais2222, trinta e seis rascunhos, dez fac-símiles, quarenta e duas cópias dos séculos
dezessete ou dezoito. Ela era bem mais rica antes da revolução. A pilhagem de São
1313
Carta de 19 de junho de 1654 a Tomás Berthe. Ver ainda as cartas de 14 de agosto de 1638, a Roberto de Sergis, e
de 01 de dezembro de 1646, a Antônio Portail.
1414
Carta de 22 de junho de 1657, a Jean Martin.
1515
Carta de 26 de agosto de 1640.
1616
Carta de 09 de janeiro de 1660, a Guilherme Desdames.
1717
Cartas 49 e 151.
1818
Cartas de 17 de setembro de 1647, a Mathurine Gentil, e de 13 de junho de 1654, a Marcos Coglée.
1919
Cartas de dezembro de 1654 e de 01 de agosto de 1659, a Jean Martin, e de março de 1659, a Santa Luísa de
Marillac.
2020
Cartas de 13 de maio de 1639 a Roberto de Sergis, de 13 de novembro de 1640, a Jacques Tholard, de 20 de
novembro de 1644, a Guilherme Delville, de 14 de fevereiro de 1648, a Antônio Portail, de 22 de março de 1652, a
Lambert aux Couteaux, de 15 de junho de 1654, a Marcos Coglée, de 05 de fevereiro de 1660, a Jean Martin.
2121
Cartas de 01 de maio de 1633 e de 12 de dezembro de 1639, a Santa Luísa de Marillac, de 22 de março de 1652, a
Lambert aux Couteaux, de 10 de outubro de 1657, a Jacques Chiroye, de 12 de setembro de 1659, a Guilherme
Desdames.
33

Lázaro em 1789, a dissolução da Companhia em 1792 e doações por demais repetidas


contribuíram para empobrecê-la. Todas estas cartas, com exceção de dezessete, foram
publicadas, em 1880, pelo Secretário Geral da Congregação da Missão, Padre João
Batista Pémartin, com outras cartas do Santo.

Dossiê das Filhas da Caridade. ─ A coleção conservada na Casa Mãe das Filhas
da Caridade é feita quase unicamente de cartas a Luísa de Marillac e às primeiras Irmãs
da Companhia. São um total de duzentos e setenta e cinco originais, dos quais vinte e
dois escaparam da investigação do Padre Pémartin.

Dossiê de Turim. ─ O dossiê de Turim foi formado por ocasião da revolução. As


cartas que o compõem foram trazidas de Paris para a Casa dos Padres da Missão de
Turim por Charles Dominique Siccardi, assistente da Congregação, que foi encarregado
de guardá-las num lugar seguro. São trezentas e quarenta e seis, entre as quais trezentas
e vinte e quatro são originais, onze rascunhos e onze cópias dos séculos XVII e XVIII.
Vinte e quatro são inéditas. Aí se encontram quase todas as cartas ao Padre Jean Martin.

Dossiê de Cracóvia. ─ No dia 05 de dezembro de 1904, uma pessoa traz ao


Padre José Kiedrowski, visitador da Província da Polônia e superior da Casa de
Cracóvia, os originais de cento e sessenta e sete cartas endereçadas aos primeiros
missionários da Polônia. Havia cento e cinquenta de São Vicente, uma da Rainha da
Polônia, duas de Renê Alméras, duas de Edme Jolly, duas de Jean Dehorgny, duas de
Tomás Berthe, etc. Crê-se que esses documentos pertenciam à Casa de Varsóvia, antes
da dispersão de 1864, e que um padre da Missão as teria colocado em segurança numa
família católica2323. Padre Pémartin conheceu todas essas cartas, menos cinco.

Dossiê da família Hains. ─ Por ocasião da dispersão das Congregações


religiosas, no final do século XVIII, João Batista Moissonnier, superior da Casa de
Marselha, guardou consigo as cartas de São Vicente conservadas nos arquivos da Casa.
Estas cartas passaram, após sua morte (17 de janeiro de 1813), ao senhor Nodet, seu
herdeiro, sogro do senhor Hains, negociante em Marselha, que já possuía cinquenta e
sete em 1886. A filha deste último, Filha da Caridade em Neuilly-sur-Seine, possuía
também quarenta e duas. Generosamente, ela as doou ao Superior Geral dos Padres da
Missão. A coleção tinha no início mais de cento e cinquenta cartas. As que restam são
quase todas endereçadas a Firmino Get. Quatro dentre elas faltam na coleção publicada
em 1880.
Os originais colocados à venda pela casa Charavay, em Paris, se reunidos,
formariam uma importante coleção de aproximadamente noventa cartas. Nós pudemos
copiar algumas antes da venda ou encontrá-las nas casas dos colecionadores. A maioria
delas nos são conhecidas apenas através de cópias, obra do Padre Pémartin, ou de
breves indicações em catálogos.

2222
Trezentas e quarenta e sete, se acrescentarmos as quarenta e duas cartas do dossiê Hains do qual se falará mais
adiante.
2323
Anais da Congregação da Missão, 1905, t. LXX, p. 210.
34

A biblioteca Sainte-Geneviève poderia nos ter fornecido dez originais se uma


certa mão pouco escrupulosa não os tivesse feito desaparecer. Restam-nos ao menos as
cópias2424, todas, exceto a carta ao Abade de Grandmont, adquiridas pelo Padre Prévôt,
que escreveu no verso da folha 2: “Estas cartas do Bem-aventurado Vicente estão, em
geral, no arquivo da Congregação de Sainte-Geneviève, num volume fólio, intitulado no
dorso: Cartas de Prelados desde o ano 1653 até 1660. Este volume é encapado de verde
e contém algumas cartas anteriores a 1653”. O volume existe ainda, mas sem as cartas
em questão. Quatro destes originais foram colocados à venda pelo senhor Charavay.

*
* *
As coleções antigas das cartas de São Vicente nos foram muito úteis. Nelas se
encontram muitas cartas das quais não temos mais os originais. Passemos em revista as
principais.
Por ocasião do processo de beatificação de São Vicente, várias sessões foram
consagradas, como sempre, ao exame dos escritos. O tribunal fez revisar trezentas e
quarenta e quatro cartas e separou trinta e duas, sem dúvida as mais importantes, para
juntá-las ao processo. Estes trinta e dois originais, todos escritos pelo Santo, pertenciam
à Casa de São Lázaro. Foram chamados peritos para constatarem a autenticidade. Um
escrivão jurado as transcreveu no volume das atas das sessões; a cópia foi confrontada
com o original e algumas pequenas variantes descobertas foram assinaladas nas
margens. São pois cópias autênticas que têm o mesmo valor do original; hoje ainda se
pode comprovar a conformidade perfeita delas com os originais que não se perderam.
Entre estas cartas, cinco são inéditas, vinte só conhecemos por fragmentos geralmente
alterados, as outras sete têm seu texto mais puro do que os publicados em 1880.
Os arquivos da Missão possuem dois registros antigos de cópias, que
chamaremos, para distinguí-las, Registro 1 e Registro 2. O Registro 1 é encadernado e
mede 340 milímetros por 220. Estas palavras italianas colocadas na primeira página:
Copie di lettere nº cento settantotto – 178 – scritte da San Vincenzo di Paoli portate da
Parigi l’anno 1792, dão-nos a conhecer o número de cartas que continha, quando era
completo. O desaparecimento do final ou das últimas folhas reduziu este número a cento
e setenta e quatro. A carta cento e setenta e cinco termina a folha setenta e dois e
continua na página setenta e três, que não possuímos mais.
Um retrato de São Vicente, debaixo do qual estão escritas as palavras Sanctus
Vincentius a Paulo, Congregationis Missionis et Puellarum Charitatis Fundator foi
acrescentado no início da coleção. O próprio manuscrito pode ser do século XVII. A
escrita não é bela, mas é legível. As cartas estão completas. As menções assinada, não
assinada, hológrafo2525, rascunho feito à mão, mostram que o copista teve sob os olhos
os próprios documentos originais ou seus rascunhos. Não se encontra nesta coleção
nenhuma carta aos Padres da Missão. Quatro são dirigidas à Rainha da França, três à
Rainha da Polônia, duas ao Papa, duas a Mazarino, uma ao Núncio, nove a Cardeais,

2424
Ms. 2555.
2525
Esta palavra não se usa mais atualmente, a não ser nos testamentos (testamento manuscrito e datado pelo próprio
testador).
35

vinte a três a Bispos, sete à Duquesa d’Aiguillon, uma a Turenne, uma a Luísa de
Marillac, cinco às Filhas da Caridade, onze a senhora du Fay, onze às religiosas da
Visitação, duas a Felipe Emanuel de Gondi, duas a Luís de Chandenier, etc. Tanto
quanto se pode julgar pelas cartas do registro cujos originais chegaram até nós, podemos
confiar plenamente na exatidão do texto. Todas as Cartas desta coleção apareceram em
1880, exceto uma.
Lemos na vida manuscrita de Renê Alméras, sucessor de São Vicente: “Não se
pode expressar o cuidado que ele teve de seguir passo a passo os sentimentos deste
primeiro superior. Não contente de ter feito publicar sua vida, onde são descritas as
qualidades de sua conduta, creu dever procurá-las em suas cartas, onde parece que ele
gravou seu espírito, suas máximas e seu caráter, sobre uma infinidade de assuntos,
falando a toda espécie de pessoas. Para esse fim, mandou extrair trechos que reuniu em
13 ou 14 maços de papel... E a fim de que os que lhe sucedessem no governo da
Companhia pudessem aproveitar dessas cartas e tirar mais facilmente as instruções das
quais teriam necessidade, ele os fez ordenar, alguns meses antes de sua morte, de acordo
com os diversos assuntos, e transcrevê-los em grossos livros encadernados, como um
precioso tesouro para a Companhia”.
Estes textos foram classificados em quinze títulos:
1 – Instituição, perfeição, governo e ministérios da Congregação da Missão em
geral;
2 – Ordens e avisos dados aos visitadores e aos superiores;
3 – Avisos, encorajamentos e congratulações a particulares;
4 – Missões nos países cristãos e entre os infiéis;
5 – Seminários e outros ministérios do Instituto;
6 – Prática de algumas virtudes;
7 - Falecidos da Companhia;
8 – Cartas de consolo a externos na aflição;
9 – Reconhecimento para com amigos e benfeitores;
10 – Conselhos dados e boas obras sugeridas mesmo a pessoas eminentes;
11 – Negócios diversos;
12 – Luta contra o jansenismo;
13 – Assistência aos pobres;
14 – Direção das Filhas da Caridade;
15 – Direção das religiosas da Visitação.

Só possuímos o tomo I. Abrange apenas as três primeiras partes deste vasto


programa. Nós o chamamos de Registro 2. Tem 370 milímetros de altura e 270
milímetros de largura. Compreende trezentas e cinquenta páginas e nos dá quinhentos e
quarenta e nove fragmentos, ou antes, quinhentos e quarenta e oito, por que um deles
está repetido. Mais de cem destes fragmentos fazem parte de cartas das quais temos o
texto completo. Excetuando umas vinte citações, as demais são trechos de cartas
endereçadas a membros da Congregação da Missão. A escrita, bela e regular, se lê com
a maior facilidade. O copista jamais reproduz a palavra Monsieur (Senhor ou Padre) no
início das cartas, nem a fórmula inicial, habitual ao Santo. Não se julgou obrigado a
36

copiar servilmente o original. Organiza de ordinário a primeira frase do texto de modo a


suprimir a dependência dele em relação à parte que omite. Moderniza as palavras,
diminui períodos muito longos. Estas modificações não são importantes e, no conjunto,
o texto é bem o do original. Para que possamos fazer uma ideia, eis, na carta 91, a
passagem que foi mais alterada:

Texto do registro 2. ─ Ele me deu portanto a honra de me dizer que havia


conferido com os senhores seus religiosos a nossa maneira de rezar em coro, a
hospedagem, o mobiliário e a pensão que pagariam os que desejassem viver entre nós.
Ora, quanto a este último ponto, a saber, que cada um dos senhores religiosos pagará
apenas 200 libras de pensão, dir-vos-ei, Senhor, que estou plenamente de acordo,
embora tendo calculado a despesa na base do que valem as coisas no presente, os gastos
nos seriam maiores e as próprias pensões dos estudantes sejam de 80 escudos.
Texto verdadeiro. ─ Meu referido senhor Prior fez-me a honra de dizer-me
ontem à tarde, que ele conferira com os senhores seus religiosos nossa maneira de rezar
em coro, a hospedagem, o mobiliário e a pensão que pagariam os que desejassem viver
entre nós. Ora, eu vos direi que, quanto à última dificuldade, a saber, que cada um dos
senhores religiosos pagará apenas 200 libras de pensão, estou plenamente de acordo,
embora tendo calculado a despesa exatamente como nos custou no presente, ficar-nos-á
mais caro, e as próprias pensões dos estudantes são de 90 libras.
Por menos importantes que sejam essas alterações, é lamentável que o copista
nos tenha feito. Sua desculpa é de que ele vivia no século dezessete que não tinha, como
o século vinte, o cuidado por exatidão minuciosa e que a maior parte dos seus
contemporâneos se mostravam menos escrupulosos do que ele. Tomamos do registro 2
oito fragmentos inéditos.
O manuscrito 1292 da Biblioteca Municipal de Avinhão traz descrito assim no
catálogo: “Século dezoito, papel, 94 folhas, 262 milímetros por 190, encadernação de
camurça”. Tem como título: Cartas escolhidas do Venerável Vicente de Paulo,
fundador e primeiro superior geral da Congregação da Missão. Estas cartas, ou antes,
estes trechos de cartas, ao todo noventa e nove, aos quais se ajuntam como suplemento
dez outros trechos, são organizados em oito grupos, conforme os ensinamentos que
contêm:
1º Confiança em Deus e abandono à Providência;
2º Perseverança na vocação;
3º Regularidade e perfeição;
4º Cuidado com a saúde e caridade para com o próximo;
5º Cuidado com os doentes, suporte mútuo e união;
6º Coragem para superar, pela glória de Deus, as próprias inclinações;
7º Confiança em Deus e desconfiança de si mesmo;
8º Oração, gratidão.
Quase todos os fragmentos do manuscrito de Avinhão se encontram no registro
2, e com as mesmas variantes. Entre os três fragmentos que fazem exceção, dois são
conhecidos por outras fontes. Tomaremos portanto deste manuscrito apenas um trecho,
já publicado na coletânea de 1880.
37

O manuscrito de Avinhão representa uma família de manuscritos bastante


espalhados antes de 1792 pelas casas dos Padres da Missão. Restam-nos deles dois
exemplares.
Um deles é o manuscrito 20 da Câmara dos Deputados: século XVIII, papel,
cento e quarenta e três páginas, 200 milímetros por 145, encadernação de pele de
carneiro. Mesmo título, mesmas divisões, mesmos agrupamentos de cartas, reduzidas
aqui a setenta e cinco. Nele se encontra, além disso, cópia da suposta sentença de morte
contra Nosso Senhor por Pilatos e um suplemento de vinte e três fragmentos que lhe são
próprios, todos relativos à Companhia das Filhas da Caridade, dos quais cinco
permaneceram inéditos.
O outro manuscrito está na Casa Mãe dos Padres da Missão. É encadernado, da
segunda metade do século dezoito, contém setenta e quatro fragmentos em cento e vinte
e duas páginas e mede 217 milímetros por 150. Ele se interrompe na sexta parte, da qual
só traz uma carta, ou antes, um fragmento de carta. Em suma, cópia inacabada do
manuscrito de Avinhão, sem nada de especial.
O manuscrito 869 da Biblioteca de Lyon tem como título: Livro contendo o
resumo da vida dos padres, cléricos e irmãos da Congregação da Missão, que viveram
e morreram na prática das virtudes próprias de sua vocação. Nesta coleção, na qual se
encontram minuciosamente notícias de Renê Alméras, Edme Jolly e João Batista
Anselmo, padres da Missão, um lugar foi reservado para a correspondência de São
Vicente. Os Extratos das cartas de São Vicente vão do fólio 168 ao fólio 196. Contêm o
elogio dos missionários mortos recentemente. Alguns destes fragmentos ainda não
foram publicados. Encontram-se também na biblioteca do museu Calvet de Avinhão, no
manuscrito 774 Delandine, que reproduz todo o conteúdo do manuscrito de Lyon e
alguns documentos a mais. Os dois manuscritos são do século dezoito. O de Lyon é
encadernado em pergaminho e consta de duzentas e oitenta e seis folhas medindo 260
milímetros por 90.
Os arquivos departamentais de Vaucluse possuem um registro in-4º de trinta e
sete folhas, lado D 274, que contém quarenta e dois extratos de cartas de São Vicente,
cartas endereçadas na maior parte aos superiores de Roma. Nada se encontra neste
manuscrito que não conheçamos de outras fontes.
O manuscrito de Marselha, que assim chamamos em razão do seu título:
Extratos das cartas de São Vicente de Paulo guardados nos arquivos da Missão de
França em Marselha, pertence à Casa Mãe dos Padres da Missão. É um simples
caderno de dezessete páginas, no qual se transcreveram, na ordem cronológica, ou
aproximadamente, provavelmente por ocasião da obra do Padre Pémartin, pouco após
sua publicação, sessenta e quatro fragmentos, geralmente curtos, de cartas endereçadas,
em sua maior parte, a Firmino Get. Foi-nos impossível reencontrar o documento que o
copista teve em mãos. A conformidade do texto, constatada pelos extratos das cartas de
que possuímos o original, garante a exatidão do conjunto. Vinte destes fragmentos serão
publicados aqui pela primeira vez.
As Filhas da Caridade da paróquia Saint-Paul em Paris possuíram até 1814 uma
coleção in-folio de oitenta e oito páginas, escrita na segunda metade do século XVII e
intitulada: Extratos de Cartas do falecido Padre Vicente e da falecida senhora Le Gras.
38

As Cartas do Santo nela estão representadas por mais de cem fragmentos, as de sua filha
espiritual por apenas sete. A letra não é sempre a mesma; reconhecemos na página 07 a
de Juliana Loret, uma das principais colaboradoras da fundadora. Os extratos são com
muita frequência separados por um pequeno espaço branco ou por simples alínea. É
difícil por vezes distingui-los entre si, e é possível que, vez por outra, por falta de
suficiente demarcação, tenhamos ligado a uma mesma carta extratos de cartas
diferentes, ou inversamente. O manuscrito foi doado em 1814 a Domingos François
Hanon, Vigário Geral da Congregação da Missão. Foi depois enriquecer os arquivos da
Casa Mãe das Irmãs. Tomaremos dele uns quarenta empréstimos.

*
* *

Ao lado das coleções manuscritas, há as impressas, e as obras antigas que muito


contribuíram com a correspondência do Santo. Em primeira linha, convém colocar a
Vida do Venerável Servo de Deus Vicente de Paulo 2626, por Luís Abelly. Numerosas
são as cartas de São Vicente citadas ou simplesmente indicadas pelo seu primeiro
biógrafo. Contam-se um pouco mais de duzentas, entre as quais umas cem figuram na
coleção do Padre Pémartin. Como a maior parte dos escritores do tempo, Abelly não
teve escrúpulo em retocar os textos que cita, sob o pretexto de lhes melhorar o estilo ou
torná-los mais claros. Desde que o pensamento fosse respeitado, julgava-se a coisa mais
natural afastar as imperfeições da expressão. Infelizmente, o mau gosto tornava a
expressão frequentemente mais defeituosa, em vez de melhorá-la, e o pensamento, no
qual não pretendia tocar, sofria não raro com os retoques.
Abelly substitui palavras, intercala pequenos comentários, modifica o fraseado.
Em sua pena, predicado se torna reputação2727; homens de bem, homens honrados2828;
tendes mil razões, tendes todo motivo 2929; folgazão, os que seriam livres demais3030;
devotos, florescentes em piedade3131. Abelly se compraz em acentuar a conotação
piedosa das expressões do Santo. Deste modo, escreve: estes santos dias em lugar de
estes dias3232; o Santíssimo Sacramento em vez de o Santo Sacramento3333.
2626
Paris, 1664, 3 t. in-4º em um vol. É sempre a esta edição que nos vamos referir, porque os outros editores se
tocaram, quem mais quem menos, as citações de Abelly.
2727
Abelly, op. cit., t. III, cap. XXIV, sec. I, p. 348, e carta de 06 de agosto de 1657, a Honoré Bélart.
2828
Abelly, op. cit., t. II, cap. XII, fim, p. 415, e carta de 04 de outubro de 1646, ao Cardeal Grimaldi.
2929
Abelly, op. cit., t. III, cap. XII, fim, p. 325, e carta de 27 de junho de 1660 a uma da Visitação.
3030
Abelly, op. cit.,t. II, cap. IX, p. 351, e carta de outubro de 1658 a Santa Luísa de Marillac.
3131
Abelly, t. II, cap. I, sec. II, § 3, p. 31, e carta de 25 de junho de 1634, a Francisco du Coudray. Outros exemplos
de palavras e expressões mudadas: brayes, calções (carta de 24 de julho de 1607 ao senhor de Comet) e caleçons,
cuecas (Abelly, op. cit., t. I, cap. II, p. 15); cruelles, cruéis (carta de 29 de fevereiro de 1660, a Ana Maria Bollain), e
pleines d’angoisse, cheios de angústia (Abelly, t. II, cap. VII, p. 330); sollicitude, solicitude (carta de 18 de julho de
1659, a Antônio Durand) e vigilance, vigilância (Abelly, t. III, cap. XXIV, p. 337; vigilance, vigilância (ibid.) e
ferveur, fervor (ibid.); avec sujet, com motivo (carta de 18 de julho de 1659, a Antônio Durand) e non sans raison,
não sem razão (Abelly, t. III, cap. XXIV, p. 337); consommer ses jours, consumar seus dias (carta de 27 de fevereiro
de 1660, a Firmino Get) e se consumer, consumir-se (Abelly, t. III, cap. XXI, fim, p. 314); conservez-vous,
conservai-vos (carta de 30 de dezembro de 1636, a Santo Luísa de Marillac) e ménagez votre santé, poupai vossa
saúde (Abelly, t. I, cap. XXIX, p. 135).
3232
Abelly, t. I, cap. XXIV, p. 113, e carta 138 a Santa Luísa de Marillac.
3333
Abelly, t. II, cap. IX, p. 351 e carta 354 a Luísa de Marillac.
39

A concisão de São Vicente lhe parece por vezes prejudicar a clareza; procura
remediar alongando a frase. Eis alguns exemplos:
Texto verdadeiro. ─ Oh! Com certeza, é uma ilusão3434.
Abelly. ─ Oh! Com certeza, se tivésseis esse pensamento, vos enganareis muito,
e seria uma pura ilusão3535.
Texto verdadeiro. ─ Como irão de cabeça erguida no dia do juízo3636!
Abelly. ─ Mas com que santa confiança aparecerão elas no dia do juízo, depois
de tantas obras santas de caridade que tiverem exercido3737!
Texto verdadeiro. ─ Tende piedade de nós3838.
Abelly. ─ Tende portanto piedade de nós e vinde dar-nos a mão, para nos tirar
do mau estado em que estamos3939.
Muitas vezes a frase de Vicente de Paulo é mais vibrante, mais viva, mais
francesa do que a que lhe atribui seu biógrafo. O Santo escreveu a Luísa de
Marillac4040: “Oh! Que árvore parecestes hoje aos olhos de Deus, pois produzistes um
tal fruto!” não sabemos porque Abelly substituiu estas palavras pelas seguintes 4141:
“Oh! Como parecestes hoje aos olhos de Deus uma bela árvore, pois, por sua graça,
produzistes um tal fruto!” São Vicente continua: “Que possais ser sempre uma bela
árvore de vida, produzindo frutos de amor!” Não é melhor do que: “Suplico que Ele
faça por sua infinita bondade que sejais para sempre uma verdadeira árvore de vida que
produza frutos de uma verdadeira caridade!” Lemos em uma carta a Francisco du
Coudray4242: “Todos estão em boa disposição? Cada um está bem alegre?” Abelly
preferiu4343: “Cada um está em boa disposição e bem contente?”
Algumas alterações no texto provêm de erros de leitura. Foi sem dúvida, por não
ter decifrado a letra de são Vicente que o primeiro biógrafo leu sonhai (songez) em vez
de sede (soyez) 4444.
Entre os trinta fragmentos, aproximadamente, cujo texto pudemos analisar, não
há nenhum transmitido a nós em sua pureza integral; vários são quase
irreconheciveis4545, tantos retoques sofreram.
Em sua Vida de São Vicente de Paulo, Pierre Collet usa também com frequência
os escritos do Santo. Ele cita ou alude a mais de duzentas e cinquenta cartas. Suas
citações, menos frequentes e em geral menos extensas que as de Abelly, encontram-se

3434
Carta 69.
3535
Abelly, t. III, cap. VIII, sec. I, p. 77.
3636
Carta 354.
3737
Abelly, t. II, cap. IX, 350.
3838
Carta de 25 de julho de 1634 a Francisco du Coudray.
3939
Abelly, t. II, cap. I, sec. II, § 3, p. 31. Encontramos ainda: Esta mulher, como um outro Caifaz ou como a burra de
Balaão (Abelly, t. I, cap. IV, p. 17) em lugar de este outro Caifaz ou burra de Balaão (carta de 24 de julho de 1607
ao senhor de Comet); Tendes um enorme horror a tudo que poderia desagradar a Deus (Abelly, t. III, cap. XXII,
fim, p. 326) em lugar de Vós o odiais demais (carta de 27 de junho de 1660, a uma religiosa da Visitação).
4040
Carta 27.
4141
Abelly, op. cit., t. I, cap. XXIII, p. 105.
4242
Carta de 15 de setembro de 1628.
4343
Abelly, t. II, cap. I, sec. I, § 4, p. 18.
4444
Abelly, t. I, cap. XXIV, p. 113, e carta 71.
4545
Comparar em particular Abelly, t. II, cap. I, sec. VII, § 1, p. 96, e a carta de 06 de setembro de 1646 ao Irmão
Jean Barreau; t. III, cap. VIII, sec. I, p. 77, e a carta 69; t. III, cap. VIII, sec. II, p. 83, e a carta 50.
40

quase todas no primeiro biógrafo, muitas vezes com as mesmas alterações 4646. Quando
ele vai diretamente ao original, não é para citá-lo palavra por palavra. Talvez contudo
recorra ao texto com menos liberdade que Abelly.
Em 1834, Gossin, advogado na corte real de Paris, publicou, a partir dos
originais, num livro intitulado São Vicente retratado por seus escritos 4747, setenta e seis
cartas do Santo, a maioria dirigida a Luísa de Marillac, e uma súplica ao Parlamento.
Conserva a ortografia primitiva, coloca as cartas datadas na ordem cronológica e cita o
nome dos donos dos originais que utilizou. Ainda que muito incompleto, este trabalho
seria excelente se o autor tivesse sabido ler melhor a letra de São Vicente. Os nomes
próprios, particularmente, estão totalmente alterados. Quem reconheceria Goussault,
Laurent, Souscarrières, de Herse, Mussot, Romully, Fortia, de Brou, Pascal, Pillé,
d’Authier em Toustain, Lunveni, Souharries, Bierse, Mussut, Clomilly, Foren, Bron,
Fasral, Filé e Austin? Quem não ficaria surpreso de ler na correspondência do Santo
frases desse gênero: “Fazei bem... entender bem... por vossa vez (à votre tour), que eu
estou como testemunha (que je suis en témoin) de Nosso Senhor4848?” Substituí as
palavras “tour” por “coeur” (“vez” por “coração”), “témoin” por “l’amour”
(“testemunha” por “o amor”) e teremos o que o Santo escreveu (“Fazei... que em vosso
coração e no amor de Nosso Senhor...”). Mesmo sendo numerosos estes erros de leitura,
é quase sempre fácil, a quem conhece a maneira e a história de São Vicente, reconstituir
o verdadeiro texto. Gossin fez uma boa obra, e útil. Nossa coleção lhe deve várias cartas
que não encontramos em nenhuma outra parte.
Logo que o Padre João Batista Etienne foi eleito Superior Geral da Congregação
da Missão, compreendeu que era dever seu colocar à disposição dos missionários e das
Filhas da Caridade as palavras e os escritos de São Vicente, a fim de que, melhor
instruídos pela leitura dos ensinamentos do Fundador, eles se enchessem mais
perfeitamente de seu espírito e conformassem mais sua conduta à dele. Mandou
autografar em 1844 uma coleção in-4 de quinhentas e oitenta e cinco páginas: Coleção
das conferências de São Vicente, de várias de suas cartas e de algumas conferências do
Padre Alméras. Todas estas cartas, exceto uma, foram escolhidas na correspondência do
Santo com seus missionários. Há setenta e uma colocadas sem ordem. São, as mais das
vezes, apenas extratos.
No ano seguinte, aparecem cento e vinte e seis cartas, mais ou menos completas,
numa obra editada em Paris sob o título: Conferências espirituais às Filhas da
Caridade, por São Vicente de Paulo4949.
Esta publicação foi seguida, dez anos depois, pela Coleção de diversas
exortações e cartas de São Vicente aos Missionários, que contém perto de setecentas
cartas ou fragmentos de cartas autógrafas. Aqui ainda, o editor não se deixou guiar por
nenhuma preocupação histórica: sem notas, sem ordem cronológica, texto bastante
retocado e, em consequência, defeituoso; por vezes, cartas compósitas que, sob a
4646
Comparar Abelly, t. III, cap. XXIV, sec. I, p. 348, Collet, op. cit.,t. II, p. 308, e a carta de 06 de agosto de 1657 a
Honoré Bélart; Abelly, t. III, cap. II, perto do fim, p. 08, Collet, t. II, p. 107, e a carta de 07 de fevereiro de 1641 a
Luísa de Marillac.
4747
Paris, in-12.
4848
P. 500. É a carta 199 de nossa coletânea.
4949
Paris, in-4º.
41

aparência de unidade, são formadas na realidade de frases tiradas de diferentes cartas.


Uma coleção desta natureza tem sua utilidade, mas não é suficiente. As cartas de São
Vicente não são apenas um alimento para a piedade; são também documentos para a
história. Os eruditos desejam uma coleção completa de cartas inteiras, fielmente
reproduzidas e classificadas na única ordem que convém à história, a ordem
cronológica.
Um compatriota do Santo, o Padre João Batista Pémartin, Secretário Geral da
Congregação da Missão, quis ele próprio assumir o trabalho, apesar das numerosas
ocupações de seu cargo. Recolheu duas mil e quarenta e uma cartas5050 que preenchem
quatro volumes in-8, impressos em Paris, em 1880, por Pillet e Dumoulin.
As Cartas de São Vicente de Paulo tiveram um merecido sucesso junto às duas
Famílias Religiosas deste grande Santo, às quais a obra foi exclusivamente destinada.
Tornou-se conhecida e desejada fora das duas famílias e, para responder aos numerosos
pedidos que lhe foram dirigidos, o Padre Pémartin escolheu oitocentas cartas entre as
que acabava de editar e as entregou ao público em 18825151.
A obra de 1880 supõe pesquisas consideráveis e representa um sério progresso
em relação às coleções anteriores. Entretanto, contém ainda lacunas e inexatidões.
A descoberta de novos documentos permite hoje completar ou retificar cartas
tiradas de fontes menos completas e menos seguras. As datas atribuídas pelo Padre
Pémartin às cartas não datadas por São Vicente muitas vezes não são corretas. Exige-se
em nossos dias, e com razão, que as datas, as palavras, as frases, acrescentadas pelo
editor a textos incompletos, tirados de documentos deteriorados pelas traças, a umidade
ou um rasgão, sejam colocadas entre colchetes. Na coleção de 1880 nada as distingue.
As notas não são bastante numerosas e suficientes. O leitor gostaria de saber se o
texto usado pelo editor é um original, um rascunho ou uma cópia, e, quando for um
original, se a escrita é do Santo ou de seus secretários. Seria interessante mostrar-lhe,
assinalando as palavras riscadas ou dando-lhe as diferentes redações, quando as houver,
por que fases sucessivas passou o pensamento ou a expressão do Santo. Uma palavra de
explicação sobre os acontecimentos ou os personagens aos quais se refere em suas
cartas o ajudaria a conhecer melhor o meio no qual vivia Vicente de Paulo e, às vezes, a
melhor entender o sentido de sua frase.
A coleção de 1880 teria lucrado se fosse concebida dentro de um plano mais
vasto. Há cartas de São Vicente das quais ignoramos o texto, mas cujo conteúdo Abelly,

5050
Dizemos 2041 cartas, embora a última traga o número 2078, porque o editor mistura às cartas do Santo oito
documentos que não são cartas (5, 7, 286, 341, 945, 1014, 1370, 1947), repete onze cartas (comparar 186 mais 187 e
864, 334 e 492, 469 e 480, 671 e 1966, 375 e 922, 179 e 932, 83 e 1130, 1467 e 1936, 722 e 1994, 659 e 1995, 472 e
2065), com fragmentos de dezesseis outras, faz trinta e quatro cartas distintas (348, 350 e 351 pertencem a uma
mesma carta; do mesmo modo, 46 e 117, 172 e 173, 24 e 322, 357 e 359, 389 e 390, 186 e 187, 704 e 713, 170 e 769,
845 e 1010, 677, 876 e 877, 1347 e 1589, 958 e 1049, 1023 e 1026, 1046 e 1047, 1999 e 2001).
O editor fez bem ao não inserir em sua coleção a carta que o cônego Maynard ( Saint Vincent de Paul, 3ª
edição, Paris, 1886, t. I, p. 83) atribui gratuitamente ao Santo, recentemente saído de Clichy para entrar na família dos
Gondi: “Afastei-me com tristeza de minha pequena igreja de Clichy, meus olhos estavam banhados de lágrimas, teria
escrito o santo sacerdote, e abençoei aqueles homens e mulheres que vinham até a mim e que eu tanto amara. Meus
pobres lá estavam também e me cortavam o coração. Cheguei a Paris com minha pequena mudança e me dirigi à casa
do Padre Bérulle”. Este extrato é de um estilo que se parece muito pouco com o estilo de São Vicente; por outro lado,
Maynard, o único que no-lo relata, não dá referência alguma.
5151
Cartas de São Vicente de Paulo, Paris, Dumoulin, 2 vol., in-8º.
42

Collet e outros nos resumem. Por quê não mencioná-las? Por quê não aproximar as
cartas que ele escreveu das que recebeu? Estas clareiam aquelas.
Enfim, pesquisas prosseguidas com muita paciência trouxeram descobertas
frutuosas. O Padre Pémartin escreveu no seu prefácio: “Mesmo que esta coleção seja
incompleta, quando a comparamos com o que se perdeu, não negligenciamos nenhum
meio de enriquecê-la, e há pouca probabilidade de ampliá-la no futuro, de modo
notável”. Afirmação temerária, pois já foi possível acrescentar várias centenas de cartas
inéditas a sua coleção.
Um suplemento às cartas de São Vicente, publicado em 1888, contém mais de
outras cem novas cartas5252. Algumas cartas inéditas apareceram, em 1889, a maioria de
acordo com os originais, numa coletânea autografada, formada exclusivamente de cartas
do Santo a Luísa de Marillac, em número de trezentas e dezoito 5353. Extratos de cartas,
retiradas da obra do Padre Pémartin e relativas à Fundadora ou às obras das Irmãs,
foram acrescentadas no apêndice. A Irmã Geoffre, Filha da Caridade, a quem foi
confiado este trabalho, realizou-o com todo o seu coração e toda a sua inteligência, e é
justo afirmar que ela o realizou com êxito.
Depois de quarenta anos, parece ter chegado o momento de retomar a obra do
Padre Pémartin, para ampliá-la, colocá-la em melhor ordem, dando-lhe mais exatidão, e
para adaptá-la às exigências da crítica moderna.
A conservação da ortografia dos documentos pareceu-nos apresentar mais
inconvenientes do que vantagens. Preferimos modernizá-la, para tornar a leitura da obra
mais acessível ao público e evitar a diversidade de ortografias que há entre cartas
escritas por São Vicente e por seus secretários, entre os originais e as cópias. Cerca da
metade das cartas que formam esta coleção são tomadas de copistas do final do século
dezessete ou mais tarde. Por que conservar a ortografia que não é nem a do documento
original nem a nossa? Por razões de clareza e de uniformidade, os últimos editores da
correspondência de Bossuet foram levados a deixar de lado a ortografia do grande
orador; nós os imitamos.
As cartas de São Vicente serão seguidas de seus colóquios e conferências e,
estes últimos, dos principais documentos relativos à sua vida e às suas instituições. A
obra que empreendemos é considerável. Esperamos que ela seja útil: primeiro, aos
eruditos, que encontrarão nestas páginas muitas novas informações; aos futuros
biógrafos do Santo, para os quais ela evitará longas e às vezes vãs pesquisas; enfim, a
todos os nossos leitores, porque São Vicente é destes homens que mais estimamos e
mais amamos quando mais perfeitamente os conhecemos; ora, estimá-lo e amá-lo não é
sentir-se disposto a imitá-lo?

5252
Cartas e Conferências de São Vicente de Paulo (suplemento), Paris, in-8. A primeira carta do Suplemento traz o
número 2079, a última, o número 3136. Falta muito, entretanto, para termos mil e cinquenta e sete cartas. O editor,
por distração, passa o número 2099 para o número 3000. Acresce que seis documentos não são cartas (2128, 3005,
3046, 3065, 3107, 3131), que onze cartas já se encontram na coleção de 1880 (cf. 2082 e 132, 2084 e 231, 2094 e
1627, 2091 e 116, 3018 e 46, e mais, 117, 3042 e 840, 3035 e 450, 3054 e 952, 3089 e 1570, 3110 e 1681, 3117 e
1968) e que oito cartas são simples fragmentos complementares de cartas publicadas em parte nesta mesma coletânea
(2092 e 66, 3037 e 396, 3028 e 408, 3031 e 420, 3047 e 610, 3102 e 3126, 3104 e 1340, 3127 e 2072).
5353
Cartas de São Vicente de Paulo endereçadas à senhora Le Gras, in-4.
43

SIGLAS E ABREVIAÇÕES
────────

C. aut. ─ Carta autógrafa, i. é, toda inteira das mãos de São Vicente de Paulo.
C. as. ─ Carta assinada, i. é, escrita por um de seus secretários e assinada por São
Vicente de Paulo.
N. do T. ─ Nota do tradutor

A introdução indica o que significam as expressões Reg[istro], Reg[istro] 2 e


fornece detalhes mais minuciosos sobre as outras fontes.
44

SÃO VICENTE DE PAULO


CORRESPONDÊNCIAS
──────────────────

1. ─ AO SENHOR DE COMET

Senhor,

Poderia alguém julgar, há dois anos, ao ver a aparência dos progressos favoráveis
de meus negócios, que a sorte se esmerava, contra meu mérito, em me tornar mais
invejado que imitado1. Infelizmente, era apenas para mostrar em mim sua vicissitude e
inconstância, convertendo sua graça em desgraça e seu favor em desdita.

1
Carta 1. ─ C. aut. ─ O original, com letras finas e muito juntas, compreende três páginas in-4º. Sua história merece
ser conhecida. Passou, com o original da carta seguinte, das mãos do senhor Comet às de Catarina de Comet, esposa
de Jean de Saint-Martin. Saint-Martin d’Agès, seu filho, as encontrou em 1658 ao se desfazer dos papéis da família.
Feliz com a descoberta, levou-os ao Cônego de Saint-Martin, seu tio, amigo íntimo do Santo. Que prazer vai sentir o
Padre Vicente, ao ler estas páginas, pensou o bom Cônego. Mandou logo tirar uma cópia para o seu ilustre amigo. As
cópias não permaneceram muito tempo nas mãos de São Vicente; depois de lê-las ele as queimou. Levantando o véu
que ocultava dois anos de sua juventude, os mais trágicos e gloriosos, a revelação desses documentos era de molde a
ferir-lhe a profunda humildade. Sua carta de agradecimento foi igualmente uma carta de súplica. Pedia
insistentemente ao Cônego de Saint-Martin lhe enviasse os originais. O Irmão Ducournau, seu secretário que escrevia
a carta, preveniu ao Cônego de Dax sobre o perigo que corriam os preciosos manuscritos, se viessem a cair nas mãos
do Santo e o aconselhou a endereçá-los a Jean Watebled, superior do Colégio dos Bons-Enfants. Assim foi feito
(Abelly, op. cit., t. I, cap. IV, p. 17).
Jean Watebled comunicou as cartas ao Padre Antônio Portail. Renê Alméras, Thomas Berthe, Jean
Dehorgny, o Irmão Ducournau, talvez outros ainda, tomaram conhecimento dela. Escusado é descrever seu espanto e
alegria. Essas páginas eram para eles uma revelação. Era o mês de agosto de 1658. O Irmão Ducournau apressou-se
em agradecer ao Cônego de Saint-Martin. O Santo esperou por muito tempo os originais que pedira. A 18 de março
de 1660, sentindo aproximar-se o seu fim, renovou seu pedido insistente em carta que publicaremos adiante.
As duas cartas ao senhor de Comet ficaram nos arquivos de São Lázaro até 1789 ou 1791. Foram roubadas,
quando da pilhagem, ou confiscadas, dois anos após, com os outros bens. Como pôde a primeira dessas cartas chegar
às mãos de Pelletier de Saint-Fargeau, e depois às do seu colega Carrnot? Não o sabemos. A 31 de janeiro de 1854,
ela figurava numa venda de autógrafos, assim como outras cartas de São Vicente e vários planos de sermões ou falas
para as assembleias das Damas da Caridade do Hospital Geral. No mês de maio do mesmo ano, vem relatada no
catálogo de Laverdet, como provinda da coleção do senhor de La Bouisse-Rochefort, cotada a 500 francos. Laverdet
a troca pelos manuscritos de Montesquieu. Reencontramo-la, pouco após, em Fontenay-le-Comte, na coleção de
autógrafos de Madame Joseph Fillon. Benjamin Fiillon doou-a para as Filhas da Caridade do hospital de Fontenay.
Lá se encontra até hoje, cuidadosamente guardada num álbum de valor, que a protege contra o desgaste. Abelly não a
reproduziu em sua integridade; omitiu as passagens que lhe pareciam pouco dignas de um santo, entre outras, as que
poderiam levar à suspeita de que São Vicente acreditava na alquimia. Firmino Joussemet, sobrinho de Madame
Fillon, publicou-a integralmente em 1856 na Revue des provinces de l’Ouest.
O destinatário da carta é o jovem senhor de Comet (Cf. Abelly, op. cit., t. I, cap. IV, p. 14). Escrevemos
Comet, e não Commet, para nos conformar com a ortografia seguida pelo Santo e os membros da família Comet.
1
São Vicente dirigia então com sucesso um pensionato em Tolosa, muito frequentado.
45

Pudestes saber, senhor, por estar bem a par dos meus negócios, como encontrei,
voltando de Bordéus2, um testamento feito em meu favor por uma bondosa senhora de
idade, de Tolosa, cujos bens consistiam em alguns móveis e terrenos, que a câmara de
Castres3 lhe adjudicara, por trezentos ou quatrocentos escudos, que um tratante mau e
perigoso lhe devia. Para retirar parte deles, eu me encaminhei para o local, a fim de
vender o bem, a conselho dos meus melhores amigos e pela necessidade que tinha de
dinheiro, para pagar as dívidas que havia contraído, e pela grande despesa que eu
percebia ter de fazer, em busca de um negócio que minha temeridade não me permite
citar4.
Estando no lugar, soube que o malandro havia deixado sua terra, em razão de um
mandado de prisão que a boa senhora tinha contra ele, por causa da mesma dívida. Fui
avisado de como ele conduzia bem seus negócios em Marselha, e que ele tinha bons
recursos. Por este motivo, meu procurador concluiu (como também, na verdade, a
natureza dos negócios requeria) que eu devia ir a Marselha, pensando que, ao prendê-lo,
poderia reaver duzentos ou trezentos escudos. Não tendo, porém, dinheiro para isso,
vendi o cavalo que tinha alugado em Tolosa, pensando pagá-lo na volta. Mas o
infortúnio a fez retardar tanto que minha desonra é grande, por ter deixado meus
negócios tão embaralhados. Não teria feito isso, se Deus me tivesse dado tanto sucesso
em meu empreendimento, como a aparência me prometia.
Parti então com este plano. Alcancei o homem em Marselha, fi-lo prender e entrei
em acordo para ele me pagar trezentos escudos. Ele o fez, à vista5.
Estando a ponto de partir por terra, fui persuadido por um nobre, com o qual tinha
morado, a embarcar com ele até Narbona, por causa do bom tempo. Eu o fiz para chegar
lá mais depressa, e para fazer economia ou, para dizer melhor, para jamais chegar lá e
por tudo a perder.
O vento nos era totalmente favorável para chegarmos a Narbona, a cinquenta
léguas, se Deus não tivesse permitido que três bergantins 6 turcos, que costeavam o golfo
de Lyon para assaltar os barcos que vinham de Beaucaire, onde havia uma feira que
diziam ser das mais belas da cristandade7, arremetessem contra nós e nos atacassem
com tanta violência que dois ou três dos nossos foram mortos e todos os demais feridos.
Eu mesmo recebi uma flechada que me servirá de relógio para o resto da minha vida 8.
22
Conjecturou-se que o Duque de Epernon chamara o Santo para junto dele, a fim de lhe propor uma sede episcopal
(Cf. La vie de Saint Vincent de Paul [por Pierre Collet], Nancy, 1748, 2 vol., in-4º, t. I, p. 15).
33
Câmaras estabelecidas pelo edito de pacificação de 1576, no Parlamento de Paris e no de Tolosa, com residência
em Castres, para julgar causas em que estavam em jogo os interesses de reformados, tanto católicos como
protestantes, em igual número.
44
Seria a sede episcopal proposta, como se disse, pelo Duque de Epernon?
55
O Santo escreveu content (contente); mas a ortografia pouco importa; pensamos que a palavra comptant (à vista, de
imediato) corresponde melhor ao seu pensamento.
66
Os bergantins eram na época pequenos navios equipados com pontes, da família das galeras, aparelhados com uma
única vela, tendo de oito a dezesseis bancos, com um só remador, e de remos largos e finos.
77
Beaucaire era o mercado central dos produtos vindos do Levante. A feira se abria cada ano a 22 de julho e trazia
para esta cidade um número incalculável de barcos, de Marselha, de Cette, de Aigues-Mortes e de outras partes. Na
partida, os barcos que tomavam a direção do mar se escoltavam entre si ou se faziam acompanhar por galeras, para se
protegerem, em caso de ataque. Os piratas levantinos ou barbarescos espreitavam-lhes a passagem, colocados à
espera, ao longo das costas, não longe das embocaduras do rio Ródano (Cf. Théodore Fassin, Essai historique et
juridique sur la foire de Beaucaire, Aix, 1900, in-8º; Abel Boutin, Les traités de paix et de commerce de la France
avec la Barbarie, 1515-1830, in-8º, Paris, 1902).
88
O Santo padecia com seu ferimento, nas mudanças de tempo.
46

Fomos assim forçados a nos render a esses pérfidos, piores que tigres, cujos primeiros
ímpetos de raiva foram de retalhar nosso piloto em cem mil pedaços, por terem perdido
um dos principais dos seus, além de quatro ou cinco forçados que os nossos lhes
mataram. Feito isto, acorrentaram-nos, após terem tratado grosseiramente de nossos
ferimentos, seguiram avante, fazendo mil roubos, concedendo, entretanto, liberdade
àqueles que se rendiam sem combate, depois de tê-los roubado. Enfim, carregados de
mercadorias, no fim de sete ou oito dias, tomaram o caminho da Barbária, covil e
espelunca9 de ladrões, sem permissão do Grão-Turco. Lá chegando, nos expuseram à
venda, com o auto de nossa prisão, que diziam ter feito num navio espanhol. Com
efeito, sem esta mentira, teríamos sido libertados pelo cônsul que o Rei mantém lá para
garantir o livre comércio aos franceses1010.
Seu procedimento para a nossa venda foi o seguinte: depois de nos deixarem
completamente nus, entregaram a cada um de nós, um par de calções, um casacão de
linho com uma touca, e nos fizeram passear pela cidade de Túnis, aonde tinham vindo
expressamente para nos vender. Tendo-nos feito dar cinco ou seis voltas pela cidade,
corrente ao pescoço, reconduziram-nos ao navio, para que os negociantes viessem ver
quem podia comer bem e quem não, para lhes mostrar que nossos ferimentos não eram
mortais. Isto feito, levaram-nos ao local onde os comerciantes vinham examinar-nos, tal
como se faz na compra de um cavalo ou um boi, fazendo-nos abrir a boca para verificar
nossos dentes, apalpando-nos as costelas, sondando-nos os ferimentos e fazendo-nos
andar, trotar e correr, carregar fardos e lutar, para ver a força de cada um, e mil outras
brutalidades1111.
Fui vendido a um pescador que bem cedo foi forçado a se desfazer de mim, por
não haver nada de mais nocivo a mim que o mar. O pescador me vendeu a um velho
médico alquimista1212, excelente extrator de quinta-essências, homem muito humano e
afável, o qual, pelo que me dizia, havia trabalhado cinquenta anos, na procura da pedra
filosofal. Tudo em vão quanto à pedra, mas com muito êxito em outra espécie de
transmutação de metais. Como prova, eu o vi fundir uma quantidade de ouro e prata
juntos, colocá-los em pequenas lâminas e, depois, colocar uma camada de alguns pós,

99
Da palavra latina spelunca, caverna.
1010
As Capitulações de 1535, 1569, 1581 e 1604 estipulavam que os corsários barbarescos (da Barbária) respeitariam
a liberdade do comércio francês.
1111
Esta descrição corresponde quase traço a traço àquela que nos deixaram outros escravos libertados. Abel Boutin
resume assim seus testemunhos (op. cit., p. 162): “Durante a manhã toda, havia exposição de prisioneiros. No dizer
de testemunhas oculares, era a hora mais terrível do cativeiro. Totalmente nus, debaixo dos raios ardentes do sol
tropical, tinham de se prestar a toda sorte de toques dos compradores. Estes últimos os apalpavam, como nos
mercados modernos se apalpam bois ou cavalos. Examinavam-lhes a conformação do corpo, o valor dos músculos.
Testavam-lhes a força. Mandavam-nos marchar, correr ou saltar. Examinavam-lhes os dentes, as palmas das mãos...”.
Na Argélia, a venda se fazia por intermédio de corretores. Eles davam uma volta pelo mercado, passavam
diante das arcadas, enumeravam as qualidades, verdadeiras ou falsas, dos cativos... Firmavam sua arenga com o preço
pedido: por tantas piastras. Os compradores aumentavam o lance e o escravo era vendido ao que fazia a maior e a
última oferta. Mas havia também escravos com deficiências, enfermos, fracos ou velhos que não encontrariam
compradores, se colocados individualmente à venda; organizavam então lotes de escravos, metade robustos, metade
fracos, e o conjunto era entregue conforme a regra ordinária (A. Boutin, op.cit., p. 166).
Pierre Dan (Histoire de Barbarie et des corsaires, Paris, 2ª ed., 1649, in-8º, p. 285) avalia em sete mil o
número dos cristãos, só em Tunis, nos primeiros anos do século XVII. O dono tinha sobre o escravo direito de vida e
morte. Podia ficar com ele, libertá-lo ou revendê-lo. O escravo era coisa própria.
1212
Os médicos alquimistas explicavam os movimentos orgânicos do corpo humano, sadio ou enfermo, como os
químicos do seu tempo explicavam os do reino inorgânico. Paracelso foi, no século XVI, o fundador e o chefe dessa
escola.
47

outra de lâminas e depois outra ainda de pós, num crisol ou vaso de fundir, próprio dos
ourives, mantê-lo no fogo durante vinte e quatro horas, depois, abri-lo e encontrar a
prata transformada em ouro. Com maior frequência, congelava ou fixava prata bruta em
prata pura, que ele vendia para dar aos pobres. Minha ocupação era manter o fogo em
dez ou doze fornos, no que, graças a Deus, eu tinha mais prazer do que pena. Ele me
amava muito e tinha grande prazer em conversar comigo sobre alquimia e sobretudo
sobre sua religião, à qual fazia todos os esforços para me atrair, prometendo-me muitas
riquezas e todo seu saber.
Deus concedeu-me sempre a confiança de que ficaria livre, pelas assíduas orações
que lhe fazia e à Santíssima Virgem Maria, por cuja única intercessão creio firmemente
ter sido libertado. Portanto, a esperança e a convicção que eu tinha de vos rever, Senhor,
me fizeram ser assíduo em lhe pedir para me ensinar o meio de curar o cálculo nos rins.
Neste assunto já o vira diariamente fazer milagre. Ele me atendeu e até me fez preparar
e administrar os ingredientes. Oh! quantas vezes desejei, depois, ter sido escravo antes
da morte do falecido senhor vosso irmão e, por Mecenas 13 13 , a me arranjar bem1414 e
ter tido o segredo que vos envio 1515. Rogo-vos o recebais com tanto ânimo quanto é
firme a minha convicção de que, se tivesse sabido o que vos envio, a morte ainda não o
teria levado (ao menos por causa disso). Presentemente se diz que os dias do homem são
contados diante de Deus. Isto é verdade. Mas não é porque Deus contou seus dias e
fixou tal número, mas o número dos dias foi contado diante de Deus, porque assim
aconteceu. Para dizer mais claramente, ele não morreu naquela ocasião porque Deus
assim o tinha previsto, ou marcado que o número de seus dias seria tal, mas Deus o
havia assim previsto e o número de seus dias se verificou ser tal, porque ele morreu
naquela ocasião.
Fiquei com esse velho desde o mês de setembro de 16051616 até o mês de agosto
do ano seguinte, quando o buscaram e levaram ao grande Sultão 1717, a fim de trabalhar
para ele. Mas foi em vão, pois ele morreu de desgosto pelo caminho. Ele me deixou
para um sobrinho, verdadeiro antropomorfista 1818, que me revendeu logo após a morte
13 13
Mecenas, favorito de Augusto, foi, em seu tempo, o protetor dos homens de letras e em particular de Virgílio e
Horácio.
1414
O senhor Comet, o mais velho, advogado do presidial de Dax e juiz de Pouy, tivera, como seu irmão, o mérito de
descobrir o valor do jovem Vicente. Até ao dia de sua partida para a universidade de Tolosa, este último se deixou
conduzir pelos Comet que, para aumentar seus fracos recursos, lhe confiaram o cargo de preceptor na própria família
deles. Não podemos contudo admitir, como fez o jansenista Martin de Barcos ( Defesa do falecido Padre Vicente de
Paulo... contra os falsos discursos do livro de sua vida, públicada por Monsenhor Abelly, antigo Bispo de Rodez, e
contra as imposturas de alguns outros escritos sobre esse assunto,1666, in-8º, p. 87), que São Vicente de Paulo
recebeu as ordens sem vocação, para não contrariar seus benfeitores.
1515
Lemos num antigo caderno manuscrito, sem data, conservado no asilo de Marans (Charente-Inférieure):
“Remédio de São Vicente de Paulo para pedra nos rins. Tome terebentina de Venesa, duas onças; turbito branco, duas
onças; mástique, galanga, cravo-da-índia, canela, meia onça de cada; cavaco de aloés batido, uma onça. Empastar
tudo junto com meia libra de mel branco e uma pinta de cachaça da mais forte. Deixar tudo de molho, algum tempo, e
depois destilar o conteúdo. Tomar, de manhã, em jejum, a quarta parte de uma concha e tratar de encher de água de
borragem ou de buglossa. Tomar depois a poção à vontade, porque não faz mal; pelo contrário, é muito boa para a
saúde. A principal ação é em favor da urina. Por isso, não se fica obrigado a guardar nenhum regime, a não ser o de
comer só uma hora depois, podendo-se em seguida sair para os negócios ordinários. Façam a experiência. Este grande
servo de Deus aprendeu-o na Barbária, quando do seu cativeiro”.
1616
Ficara portanto apenas um ou dois meses com seu primeiro patrão.
1717
Achmet Iº, filho e sucessor de Mohammed III.
1818
Nome dado aos que atribuem a Deus uma figura humana. Pareceu estranho a Martin de Barcos (Réplica ao escrito
que Monsenhor Abelly, antigo Bispo de Rodez, publicou para defender seu livro da vida do Padre Vicente, 1669, in-
4º, p. 13) que São Vicente tenha feito aqui menção das opiniões teológicas de seu patrão, e supôs que Abelly tinha
48

do seu tio, porque ouvia dizer que o senhor de Brèves 1919, embaixador do Rei na
Turquia, vinha, com claras e expressas patentes do Grão-Turco, para libertar os escravos
cristãos.
Um renegado2020 de Nice, na Saboia, inimigo por natureza, comprou-me e levou-
me para seu temat2121: assim se chama o bem que se possui como arrendatário do
Grande Senhor, porque o povo não é proprietário de nada. Tudo pertence ao Sultão. O
temat dele situava-se na montanha, onde a terra é extremamente quente e deserta. Uma
das mulheres dele (como cristão ortodoxo, mas cismático) tinha um belo espírito e se
afeiçoou muito a mim. Mais para o final, uma turca de origem, que serviu de
instrumento à imensa misericórdia de Deus para retirar seu marido da apostasia e
reconduzi-lo ao seio da Igreja, o fez libertar-me da minha escravidão. Curiosa por
conhecer nossa maneira de viver, vinha diariamente me ver no campo, onde eu
amanhava a terra, e, depois de tudo, me mandava cantar louvores a meu Deus. A
lembrança do Quomodo cantabimus in terra aliena (Como poderíamos cantar em terra
estrangeira) dos filhos de Israel cativos na Babilônia me fez entoar, com lágrimas nos
olhos, o salmo Super flumina Babylonis (Sobre os rios da Babilônia), depois o Salve,
Regina (Salve, Rainha), e várias outras coisas. Ela o apreciou tanto que aconteceu a
grande maravilha. Não deixou de dizer ao seu marido, à noite, que ele havia feito mal
em abandonar sua religião. Ela a estimava extremamente bela, por causa de um relato
que eu lhe havia feito de nosso Deus e alguns louvores que eu lhe cantara, em sua
presença. Dizia ela haver experimentado nisso um prazer tão divino que não acreditava
que o paraíso de seus pais e aquele que ela esperava fosse tão glorioso, nem
acompanhado de tão grande alegria quanto o prazer que ela havia experimentado,
enquanto eu louvava meu Deus. E concluía que havia nisso algo de maravilhoso.
Este outro Caifás ou burra de Balaão fez, por suas palavras, que seu marido me
dissesse, no dia seguinte, que uma fuga para a França 2222 dependia apenas de
circunstância favorável. Dentro de pouco tempo tomaria tal providência, e Deus nisso
seria louvado. Este pouco tempo se arrastou por dez meses, durante os quais ele me
manteve em vãs, mas, finalmente, realizadas esperanças. Realmente, acabamos fugindo

tido dúvidas, pois, em sua segunda edição, a palavra antropoforfista é omitida.


1919
Francisco Savary, senhor de Brèves, embaixador em Constantinopla, de 1589 a 1607, e em Roma, de 1607 a
1615, governador de Gaston, irmão de Luís XIII, primeiro escudeiro da Rainha e membro do Conselho dos
despachos, um dos mais hábeis negociadores do reino de Henrique IV, morto em 1628, com a idade de 68 anos.
Savary de Brèves desembarcou em Tunis a 17 de junho de 1606. Tinha ordem de pedir a libertação de todos
os escravos franceses, a restituição das mercadorias e dos navios capturados pelos piratas, enfim, a abolição do direito
de visita. No mês de agosto, depois de longas negociações, os tunisianos se comprometeram a não mais perturbar o
tráfico dos negociantes franceses e a restituir ao Cônsul tudo que os corsários roubassem da França. O Embaixador
partiu de volta a 24 de agosto, acompanhado de 72 escravos. Obtivera apenas promessas vãs e a liberação de alguns
escravos (Relação das viagens do senhor de Brèves à Grécia, à Terra Santa e ao Egito, assim como aos reinos de
Tunis e de Argel, e também de um tratado feito no ano de 1604, por Jacques de Castel, seu secretário, Paris, 1628, in-
4º).
2020
Os renegados eram numerosos. Eram recrutados seja entre os escravos, seja entre estrangeiros vindos por
iniciativa própria, fugindo de credores. Os que adotassem o Islam ficavam, pela lei muçulmana, livres de todas as
dívidas. Os escravos convertido à religião de Maomé tinham mais liberdade que os outros e eram submetidos a
tratamentos menos rigorosos. Os mais temíveis capitães de que fala a história da pirataria barbaresca eram, quase
todos, renegados. Uma vez conquistada a fortuna, desfrutavam prazerosamente dela em palácios suntuosos.
2121
Palavra turca.
2222
Era impossível fugir por terra, a regência de Tunis era cercada de desertos infestados de animais ferozes. Por mar,
a fuga era perigosa, dada a vigilância contínua exercida nas costas. Os renegados em fuga, se fossem recapturados,
pagavam com a própria vida a sua audaciosa tentativa.
49

num pequeno barco. Chegamos, a 28 de junho, a Aigues-Mortes 2323 e, logo depois, a


Avinhão. Neste lugar, o senhor Bispo Vice-legado 2424 (do Papa) recebeu publicamente
o renegado, com lágrimas nos olhos e soluços na garganta, na Igreja de São Pedro, para
honra de Deus e edificação dos espectadores. O referido Vice-legado reteve-nos, os
dois, para nos levar até Roma, para onde ele partiria em breve, logo que chegasse o
sucessor ao seu triênio2525, terminado no dia de São João 2626. Ele prometeu ao
penitente fazê-lo entrar no austero convento Fate ben fratelli 2727, onde se
consagrou2828, e a mim, de me conceder algum bom benefício 2929. Fez-me a honra de
me amar muito e me tratar bem, por causa de alguns segredos de alquimia que lhe
ensinei, dos quais fazia mais conta, disse-me, do que se io li avesse datto un monte di
oro3030, porque trabalhara nisso a vida inteira, sem outra satisfação. O dito senhor,
sabendo que sou homem de Igreja, ordenou-me que mandasse buscar os documentos de
minhas ordens sacras, garantindo-me um muito bom benefício. Eu estava em
dificuldade para encontrar um homem confiável para este serviço, quando um meu
amigo, da casa do dito senhor, me indicou o senhor Canterelle, atual portador, que iria a
Tolosa. Pedi-lhe que desse uma chegada a Dax, para vos entregar a presente carta e
receber minhas cartas de ordenação, assim como as que obtive em Tolosa, de bacharel
em teologia3131,que vos suplico entregar-lhe. Envio-vos um recibo para este fim. O
senhor Canterelle é gente de casa e tem ordem expressa do Monsenhor de desempenhar
fielmente esta missão e de me enviar os papéis a Roma, se nós já tivermos viajado.
Trouxe duas pedras da Turquia, talhadas pela natureza como pontas de diamante.
Envio-vos uma delas, suplicando-vos recebê-la de tão bom coração como eu, com toda
humildade, vo-la presenteio.
Pode ser, Senhor, que vós e meus parentes fiqueis escandalizados comigo por
causa de meus credores. Já lhes poderia ter pago uma parte com os cem ou cento e vinte
escudos que nosso penitente me doou, se eu não tivesse sido aconselhado por meus
melhores amigos a guardá-los até a minha volta de Roma, para evitar os acidentes que,
por falta de dinheiro, poderiam me advir (agora eu participo da mesa e das boas graças
do Monsenhor). Mas espero que todo este escândalo vá se transformar em bem.
Escrevi ao senhor d’Arnaudin3232 e a minha mãe. Peço-vos mandar entregar-lhes
minhas cartas por alguém a quem o senhor Canterelle pagará. Se, por acaso, minha mãe

2323
Pequena cidade de Gard, situada nas margens de um grande lago, distante cerca de duas léguas do mar, ao qual
está ligada por um canal construído no reinado de Luís XV.
2424
Pierre Francisco Montório, nascido em março de 1558, em Narni, Bispo de Nicartro, em 1593, Vice-legado de
Avinhão em 1604, Núncio em Colônia, em 1621, falecido em Roma, em junho de 1643.
2525
Os Vice-legados de Avinhão eram nomeados por três anos.
2626
O sucessor de Pierre Francisco Montório foi José Ferreri, Arcebispo de Urbino.
2727
Fazei o bem, irmãos, nome popular de um hospital mantido pelos Irmãos de Saint-Jean-de-Dieu.
2828
Abelly não dá a continuação da carta.
2929
Benefício é um cargo eclesiástico, na Igreja católica, ao qual se anexa o uso ou fruição de um bem (N. do T.).
3030
Si io li avesse datto un monte di oro, “se eu lhe tivesse dado uma montanha de ouro”.
3131
Encontraram no quarto do Santo, depois de sua morte, as cartas de bacharel em teologia, da Universidade de
Tolosa e as de licenciado em direito canônico, conferidas pela Universidade de Paris (Deposição do Irmão Chollier,
no processo de beatificação) (Cf. Summarium ex processu ne pereant probationes auctoritate apostolica fabricato,
in-4, p. 5). Vicente de Paulo não se atribui jamais outros títulos. Os que lhe atribuem a licença em teologia (Abelly,
op. cit.,t. III, h. XIII, p. 199), ou o doutorado na mesma matéria (Galia Christiana, t. II, col. 1413) cometem com
certeza um erro.
3232
Provavelmente Pierre Darnaudin, notário.
50

já tenha retirado as cartas, elas estarão, em qualquer hipótese, na casa do senhor


Rabel3333. Sem mais, rogo-vos conservar vossa santa afeição por mim que permaneço,
senhor, vosso muito humilde e obediente servo,

Depaulo3434.

Avinhão, 24 de julho de 1607.

Destinatário: Ao senhor de Comet, advogado na Corte Presidial de Dax, em Dax.

2. ─ AO SENHOR DE COMET

Senhor,

Eu vos escrevi duas vezes pelo correio da Espanha que passa por Paris e Bayonne,
e enderecei minhas cartas para a casa do senhor de la Lande 1, a fim de que as fizesse
chegar ao senhor Procurador do Rei. Lembro-me de que os da casa de la Lande são seus
parentes. Fiz isso por não saber cui altari vovere vota mea (a quem me dirigir), para ter
notícias vossas. Mas Deus que, etiamsi differat, non aufert tamen spei affectus (tarda
mas não falta), fez-me encontrar este venerável padre religioso, no momento do seu
embarque. Espero por meio dele desfrutar do prazer do qual a perfídia daqueles a quem
se confiam as cartas me havia privado.
Este prazer, Senhor, não é outra coisa a não ser a renovada certeza de que vós
estais bem, assim como a vossa família. Peço ao Senhor cumulá-la de suas graças. Nas
minhas cartas anteriores, eu vos agradecia pelos cuidados paternais que tivestes comigo
e meus negócios, e rogava a Deus, como faço ainda e farei toda a minha vida, se digne
dar-me a graça de descobrir um meio de retribuí-lo com meus serviços. Vós o
hipotecastes ao preço de todo bem que um pai pode fazer a seu próprio filho.

3333
Pierre Rabel ou Ravel era, cremos nós, secretário episcopal. Nós o vemos figurar num documento de 1603, como
procurador constituído, diante do notário Bayle, pelo Bispo de Dax (Arquivos não catalogados do oficial civil de
Dax).
3434
Nas três primeiras cartas de São Vicente aparece a assinatura Depaul. Nas seguintes, Vincent Depaul, ou, por
abreviação, V. D., às vezes, V. D. P.Jamais, na pena do Santo, encontramos de Paul em duas palavras, embora
contemporâneos seus tenham separado as duas sílabas de seu nome. Nos registros paroquiais de sua aldeia natal e dos
lugares das cercanias, assim como em baixo de escrituras da família, encontramos uma e outra grafia. De resto, a
questão não tem importância. A partícula não é considerada, e com razão, por genealogista algum, como sinal de
nobreza. Basta consultar os mais antigos registros da catolicidade de Pouy para que alguém se convença disto; quase
todos os camponeses trazem a partícula de antes do nome. O motivo, no caso, é que, ao menos nessa parte das
Landes, muitos nomes de pessoas se originavam dos nomes dos lugares. Encontramos em Pouy dois lugares que se
chamavam antigamente e se chamam ainda hoje “Paul” (Paulo): uma casa situada nas imediações de Buglose e um
regato que atravessa quase a meio caminho, a entrada que liga Buglose ao Berceau. É muito provável que os parentes
afastados do Santo tivessem habitado, ou nesta casa, ou nas margens desse regato. Eram de Paul. O nome
permaneceu na família.
1
Carta 2. ─ C. aut. ─ Dossiê da Missão, original. Já contamos a história do original desta carta, falando do original
da carta número 1.
1
Muito provavelmente Bertrand de Lalande, conselheiro do Rei e lugar-tenente geral do Tribunal Presidial de Dax, o
qual, por seu casamento com Jeanne de Parage, dama de Escanebaque, se tornou o tronco dos de Lalande, senhor de
Escanebaque, em Sabres (Landes).
51

Estou extremamente pesaroso por não vos poder descrever, senão sumariamente, a
condição dos meus negócios, devido à partida apressada dos marinheiros pouco
corteses, com os quais esse venerável padre vai embora, não para Dax, como me disse,
mas para Bearn. O Reverendo Padre Antônio Pontanus, que foi sempre do número dos
meus bons amigos, anda fazendo pregações por lá. A ele, como alguém de quem espero
um prestimoso favor, eu dirijo minhas cartas. Peço-lhe vos entregue a presente e me
envie, se não lhe for incômodo – ele me disse que não – a resposta que espero seja do
vosso agrado me dar.
Minha situação é tal, numa palavra, que, em Roma, onde continuo meus estudos,
estou sendo mantido pelo Monsenhor Vice-legado que estava em Avinhão 2. Ele me dá a
honra de me querer bem (e de desejar meu progresso, porque lhe ensinei muitas coisas
belas e curiosas que aprendi, durante o meu cativeiro, daquele velho turco a quem fui
vendido, conforme vos escrevi. No número dessas coisas curiosas está o começo, não a
total perfeição, do espelho de Arquimedes, assim como uma mola artificial para fazer
uma caveira falar. Aquele miserável se servia dela para seduzir o povo, dizendo-lhes
que seu deus Maomé lhe revelava sua vontade, por meio dessa caveira. Passei-lhe ainda
mil outras belas coisas geométricas que dele aprendi. O Vice-legado é tão cioso delas
que não quer que me familiarize com ninguém, temendo que eu lhas ensine, desejando
ter, só ele, a reputação de sabê-las. Gosta de falar sobre elas, às vezes, com Sua
Santidade3 e com os Cardeais. Sua afeição e benevolência o levam, portanto, a
prometer-me como o fez de fato, o meio para uma saída honrosa, dando-me para este
fim, algum honesto benefício na França. Para isto, tenho necessidade absoluta de uma
cópia das minhas cartas dimissórias das ordens sacras, assinada e selada pelo senhor
Bispo de Dax4, e um atestado do mesmo prelado como sendo eu um homem de bem. Ele
o poderia fazer, com todas as formalidades requeridas, depois de uma consulta sumária
junto a alguns de meus amigos. É o que o Vice-legado me exorta todos os dias a
conseguir. Por isto, eu vos suplico muito humildemente queira obter-me a cópia das
cartas e insistir no sentido de me arranjar esse atestado, na forma acima, e me enviá-los
por intermédio do Reverendo Padre Pontanus. Ter-vos-ia enviado o dinheiro para esse
fim, não fosse o receio de que esse dinheiro levasse à perda da carta. Eis por que rogo
entender-vos com minha mãe5, para que vos forneça o necessário. Suponho que bastam
22
Pierre Francisco de Montorio.
33
Paulo V.
44
A cópia enviada ao Santo, a seu pedido, começava assim: Extrato do quarto registro das Insinuações eclesiásticas
da diocese de Dax. Vinha depois o texto das cartas de ordenação e, em seguida: “No ano de 1604 e no dia 20 do atual
mês de outubro, todas as subditas cartas de ordenação sacerdotal foram insinuadas e registradas no registro 4 das
Insinuações eclesiásticas da diocese de Dax, a pedido do dito Vicente de Paulo, nele nomeado. E no dia 15 do
presente mês de maio de 1608, foi tudo reta e devidamente extraído, conferido e colacionado sobre o referido
Registro 4 das Insinuações, a pedido [o lugar reservado ao nome ficou em branco] do seu irmão, em nome e com a
autorização do dito Vicente de Paulo, para lhe servir no que for de direito. Dado em Dax, no dia e ano citados acima
por mim. De Luc, escrivão”. Tudo terminava com a atestação de Jean-Jacques Dusault, Bispo de Dax. “Jean Jacques
Dusault, por mercê de Deus e da Santa Sé Apostólica, Bispo de Dax, saúde no Senhor a todos que examinarem as
presentes cartas. Notificamos e atestamos que as supra escritas e preditas cartas dimissórias de todas as ordens do
Mestre Vicente de Paulo, presbítero de nossa diocese, insinuadas no Registro das Insinuações eclesiásticas de nossa
referida diocese, insinuadas a partir do original autêntico, foram dele extraídas, como testificamos pelo teor das
presentes; para fé do presente ato, mandamos confirmar as ditas cartas de certificação com o nosso sinal e selo, e com
o selo de nosso secretário. Dado em Dax, no dia dezessete do mês de maio, no ano do Senhor de mil seiscentos e
oito. J. J. Dusault, Bispo de Dax. Por ordem do meu precitado Senhor e Reverendíssimo Bispo, Duclos, Secretário”.
(Arq. dos Padres da Missão, cópia do século XVIII).
55
Vicente de Paulo perdera o pai em 1598 (Abelly, op.cit.,t. I, cap. III, p. 12).
52

3 ou 4 escudos. Entreguei dois, como se fosse esmola, ao religioso, o qual me prometeu


levá-los ao Padre Antônio (Pontanus), para ele destiná-los a essa finalidade. Se isso
acontecer, peço-vos recebê-los. Se não, eu vos prometo quitar por letra de câmbio o que
vos tiverem adiantado durante quatro ou cinco meses, assim como o que devo em
Tolosa. Estou resolvido a saldar tudo, pois Deus me concedeu o justo meio de fazê-lo.
Escrevi ao Padre Dusin, meu tio6, rogando-lhe tenha a bondade de me dar assistência
nesse negócio.
Recebi, por aquele que vos foi encontrar de minha parte, o diploma de bacharel,
que tivestes a bondade de enviar-me, com uma cópia de minhas cartas dimissórias que
julgaram inválidas por não trazer a assinatura e o selo do senhor Bispo de Dax.
Nada tenho de novo para vos escrever, exceto a conversão de três famílias tártaras
que vieram tornar-se cristãs nesta cidade. Sua Santidade as acolheu com lágrimas nos
olhos, como também a conversão ao catolicismo de um bispo, embaixador junto aos
gregos cismáticos.
A pressa me faz concluir esta carta, mal alinhavada neste local, com humilde
pedido que vos faço de me escusar por minha enorme importunação. Podeis crer que
vou apressar, quanto me for possível, meu regresso, para ir prestar-vos o serviço que
vos devo. Até lá, permanecerei, Senhor, vosso humilde e obediente servo,

Depaulo.

Roma, 28 de fevereiro de 1608.

Destinatário: Ao senhor de Comet, advogado na Corte Presidial de Dax, em Dax.

3. ─ À SUA MÃE, EM POUY1

17 de fevereiro de 1610.

Minha Mãe,

A certeza que me deu o Senhor Saint-Martin 2 de que estais com saúde me trouxe
tanta alegria quanto me aborrece a permanência de que necessito nesta cidade 3, para
recobrar a ocasião de meu progresso (de que me privaram meus desastres), e assim não
poder ir prestar-vos os serviços que vos devo. De tal modo, porém, tenho esperança na
66
Provavelmente Domingos Dusin, que era pároco de Pouy ou se tornou pároco posteriormente (Collet op. cit.,t. I, p.
109).
1
Carta 3. ─ Reg. I, fº I.O copista nota que o original é todo da mão do Santo.
1
Hoje, São Vicente de Paulo (Landes). É nesta pequena cidade, a mais de seis quilômetros de Dax, que nasceu São
Vicente. Um grande conjunto de construções, compreendendo asilos, orfanatos, oficinas e seminário, marca o lugar
onde o Santo veio ao mundo.
22
Provavelmente Jean de Saint-Martin, esposo de Catarina de Comet, irmã do Cônego Saint-Martin e juiz de Pouy. O
senhor de Comet, o jovem, tinha morrido, parece, antes de 1610.
33
Conforme Abelly (op. cit., t. I, cap. V, no início, p. 20), São Vicente teria vindo de Roma para Paris pelo fim do
ano de 1608, enviado a Henrique IV pelo Cardeal de Ossat. Documento algum da época fala desta missão secreta, e é
certo que o Cardeal de Ossat nada tem a ver com isso, pois que ele morrera a 13 de março de 1604.
53

graça de Deus, que estou certo de que ele abençoará meus esforços e me concederá o
meio para uma saída honesta4 e assim poder empregar o resto dos meus dias junto de
vós5. Expus o estado dos meus negócios ao senhor Saint-Martin que me afirmou querer
continuar, como seu sucessor, na dedicação e estima que aprouve ao senhor de Comet
ter para conosco. Supliquei-lhe vos comunicasse tudo.
Desejaria saber como vão as coisas em casa e se meus irmãos 6 e outros parentes
estão bem. Em especial gostaria de saber se meu irmão Gaio se casou e com quem,
como vão os negócios da minha irmã Maria, de Paillole 7, se ainda vive na mesma casa
do seu cunhado Bertrand. Quanto a minha outra irmã, estimo que só pode estar bem,
enquanto permitir Deus que não lhe falte companhia. Gostaria igualmente que meu
irmão pusesse para estudar algum dos meus sobrinhos8. As minhas desventuras e o
pouco que ainda pude fazer para minha casa poderão possivelmente desanimá-lo. Mas
que ele pense bem que uma desventura presente prenuncia uma felicidade futura.
Eis, minha mãe, tudo que vos posso dizer no presente, além de vos pedir que
apresenteis minhas humildes recomendações a todos os meus irmãos e irmãs, e a todos
os nossos demais parentes e amigos. Peço incessantemente a Deus por vossa saúde e
pela prosperidade de nossa casa, como aquele que é e será, minha mãe, o mais humilde,
obediente e dedicado filho e servidor,

Depaulo.

Peço-vos apresentar minhas humildes recomendações a todos os meus irmãos e a


todos os nossos parentes e amigos, em especial a Bétan.

4. ─ A EDME MAULJEAN, VIGÁRIO GERAL DE SENS1


44
São Vicente obteve, a 17 de maio, o benefício que esperava. Mostraremos no devido lugar o contrato feito na
ocasião.
55
Como esta linguagem difere daquela de São Vicente, mais tarde, quando tiver tomado maior contato com as almas
(sobretudo dos pobres!) visto suas carências, sentido seus sofrimentos, entendido seus apelos! (O parêntese
precedente é leitura do tradutor).
66
Sabemos por Abelly (op. cit.,t. II, cap. II, no início, p. 7) que Vicente de Paulo era o terceiro filho de uma família
de quatro homens e duas mulheres. Numa declaração em presença de notário, de 04 de setembro de 1626, assinada
por Vicente de Paulo, se faz menção de “Bernard e Gayon Depaul, irmãos do dito senhor Vicente de Paulo”, este
último “seu segundo irmão”, de “Marie Depaul”, sua irmã, mulher de Gregório”, e de uma outra “ Marie Depaul, sua
irmã” viúva de “Jehan de Paillole”. Um documento de 12 de maio de 1631, publicado na Revue de Gascogne (1905,
p. 354-357), nos fala de “Pierre Depaul, chamado de Laschine” filho do “falecido Jehan Depaul”. Se compararmos
uma carta do senhor Lostalot, de 25 de setembro de 1682 (Arq, dos Padres da Missão) com os registros de
catolicidade, somos induzidos à conclusão de que Pierre de Paul era sobrinho do Santo, e, por conseguinte, que seu
pai era irmão dele (do Santo). Jean, não é citado na declaração de 1626 porque já estava morto nesta data. Jean,
Bernard, Gayon, Maria e uma outra Maria, seriam portanto os nomes dos irmãos e irmãs de São Vicente. Mas
documento algum nos diz em que ordem colocá-los.
77
Paillole é o nome da casa onde morava a irmã do Santo. A casa estava perto da igreja, lá onde hoje se encontra uma
casa com o mesmo nome.
88
Um dos sobrinhos de São Vicente estudou e se tornou padre. Lemos, com efeito, num registro dos prebendados de
Capbreton (Landes): “Francisco Depaul, padre, prebendado de Capbreton no lugar do Padre Jean de Ponteils, morreu
a 08 de junho de 1678. Era natural de Pouy, próximo de Dax, e sobrinho do senhor Vicente, padre, fundador da
Congregação dos Padres da Missão” (Arq. do senhor Padre Gabarra, pároco de Capbreton).
1
Carta 4. ─ Reg. I, fº I. ─ O copista coloca em nota que o original é todo da mão do Santo.
1
Nasceu na diocese de Châlons, morreu a 01 de março de 1617. Vicente de Paulo, preceptor dos filhos de Felipe
Emanuel de Gondi, General das Galeras e Conde de Joigny, tinha ocasião de ir com frequência com eles a essa
cidade, situada na diocese de Sens.
54

20 de junho de 1616.

Monsenhor,

A Graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Acontece, algumas vezes, que algumas boas pessoas desejam fazer sua confissão
geral e como aparecem com frequência casos reservados e a gente fica com pesar de
despedi-las, pensei em suplicar-vos muito humildemente dar-me a permissão de
absolvê-las dos casos reservados, garantindo-vos que dela não abusarei e que serei
sempre, Monsenhor, vosso muito humilde e obediente servo,

Vicente de Paulo.

5. ─ EDME MAULJEAN A SÃO VICENTE

Senhor Padre,

Tenho tanta certeza de vossa competência, prudência, capacidade e outros


méritos que de muito boa vontade vos concedo o que solicitais. Deus vos dê a graça de
vos desempenhar dignamente dessa concessão, com assim o espero!
Como prova disto, assino estas palavras a 20 de junho de 1616.

Mauljean.

6. ─ A FELIPE EMANUEL DE GONDI 1, NA PROVENÇA

Agosto ou setembro de 16172.

São Vicente escreve de Châtillon-les-Dombes 3 que, não tendo nenhumas das qualidades
requeridas para ser preceptor numa família de tão alta nobreza, como a dos Gondi, deixou
secretamente Paris, com intenção bem determinada de exercer o ministério paroquial onde se
encontrava.


Carta 5. ─ Reg. I, fº I. Edme Mauljean escreveu sua resposta logo em seguida ao pedido de Vicente de Paulo.
1
Carta 6. ─ Abelly, op. cit., t. I, cap. IX, p. 38.
1
Felipe Emanuel de Gondi, General das galeras de França, era pai do segundo Cardeal de Retz, que se notabilizou
por suas intrigas quando da Fronda. Ficando viúvo, entrou na Congregação dos Oratorianos e passou o resto de sua
vida na prática das virtudes cristãs e religiosas. Morreu em Joigny, a 29 de junho de 1662. A Congregação da Missão,
o Oratório e o Carmelo veneram nele um dos seus mais insignes benfeitores. Podemos ler notícia dele na Biblioteca
oratoriana do P. Ingold, Paris, 1882, 3 vol., in-12, t. I, pp. 421-448; também nas Memórias domésticas a serviço da
história do Oratório, pelo P. Luís Batterel, Paris, 1902-1905, 4 vol., in-8, t. I, pp. 322-361.
22
Abelly nos diz que o General das Galeras recebeu a carta de Vicente de Paulo no fim de agosto ou na primeira
quinzena de setembro.
33
Hoje, Châtillon-sur-Chalaronne (Ain), na diocese de Belley.
55

7. ─ MADAME DE GONDI A SÃO VICENTE1

Setembro de 1617.

Senhor Padre,

Tinha eu razão quando temia perder vossa assistência, como vos testemunhei
tantas vezes, pois, com efeito, a perdi. A angústia que sinto é insuportável sem uma
graça extraordinária de Deus, que não mereço. Se fosse por pouco tempo, não teria
tanta aflição. Mas quando considero todas as ocasiões em que terei necessidade de ser
assistida pela vossa direção e conselhos, quer na hora da morte, quer durante a vida,
minhas dores se renovam. Julgai, pois, se meu espírito e meu corpo podem resistir por
muito tempo a estes sofrimentos. Estou na situação de não procurar e nem receber
assistência em outras partes, porque vós bem sabeis que não tenho liberdade de
declarar as necessidades de minha alma a muita gente. O Padre Bérulle prometeu-me
escrever-vos. Invoco a Deus e a Santíssima Virgem vos restitua à nossa casa, para a
salvação de toda a nossa família e de tantas outras, junto das quais podereis exercer a
vossa caridade. Suplico-vos, ainda uma vez, praticai-a conosco, pelo amor que tendes a
Nosso Senhor, a cuja bondade me entrego nesta ocasião, se bem que com grande temor
de não poder perseverar. Se, depois desta carta, vos recusardes a voltar, eu vos
responsabilizarei diante de Deus por tudo que me acontecer e por todo bem que eu
deixarei de fazer, por falta de ser ajudada. Vós me pondes na contingência de ser
privada, com frequência, em vários lugares, dos sacramentos, por causa das grandes
penas interiores que aqui me acontecem e das poucas pessoas que são capazes de me
assistirem. Sabeis muito bem que o senhor General tem o mesmo desejo que eu, e que
Deus, unicamente, lho inspira, por sua misericórdia. Não ponhais obstáculo ao bem
que podeis fazer, ajudando-o na sua salvação, pois isto ajudará um dia à salvação de

1
Carta 7. ─ Abelly, op. cit., t. I, cap. IX, p. 41.
1
Francisca Margarida de Silly, esposa de Felipe Emanuel de Gondi, nascera em 1580 – de Antônio de Silly, Conde
de Rochepot, Barão de Montmirail, Embaixador na Espanha, e de Maria de Lannoy. Pouco depois da chegada de São
Vicente a sua casa como preceptor de seus filhos, confiou-lhe a direção de sua alma. A influência do Santo não
tardou a se fazer sentir. A piedosa senhora tomou o hábito de visitar e servir os doentes, de distribuir aos pobres
abundantes esmolas. Mandou pregar missões em suas terras, e se afiliou à Confraria da Caridade de Montmirail.
Morreu a 23 de junho de 1625, depois de providenciar a nomeação do seu santo diretor como principal do Colégio
dos Bons-Enfants e lhe ter colocado em mãos os meios para a fundação da Congregação da Missão com uma doação
de 45.000 libras (Ver Abelly, op. cit., t.I, cap. VII-XVIII; Hilarion de Coste, Os elogios e as vidas das rainhas,
princesas, damas e senhoras ilustres em piedade, coragem e doutrina, Paris, 1647, 2 vol., in-4º, t. II, p. 389 e
seguintes; Chantelauze, São Vicente de Paulo e os Gondi, Paris, 1882, in-8º).
Madame de Gondi recebeu, a 14 de setembro, a carta pela qual seu marido lhe comunicava a resolução de
São Vicente; foi depois desta última que ela escreveu a sua carta.
56

muitos outros. Sei que minha vida, não servindo senão para ofender a Deus, pouco
importa expô-la ao abandono; mas a minha alma deve ser assistida na hora da morte.
Lembrai-vos da apreensão em que me vistes, na minha última doença, numa aldeia.
Estou prestes a cair em pior estado; e só o pavor disso me faz tanto mal que eu não sei
se, sem minha grande disposição de antes, ele me levaria à morte.

8. ─ A MADAME DE GONDI

Setembro ou outubro de 16171.

Vicente de Paulo consola e encoraja Madame de Gondi, mas convidando-a a submeter-se


ao beneplácito de Deus2.

9. ─ FELIPE EMANUEL DE GONDI A SÃO VICENTE

15 de outubro de 1617.

Recebi, há dois dias, a carta que me escrevestes de Lyon, na qual tomei


conhecimento de vossa decisão de fazer uma pequena viagem a Paris no fim de
novembro. Alegro-me ao extremo com esta notícia, esperando estar convosco nessa
ocasião e que acolhais as minhas preces e aos conselhos de todos os vossos bons
amigos no sentido do benefício que desejo de vós.
Nada vos direi a mais, já que vistes a carta que escrevi a minha esposa. Peço-vos
unicamente considerar que parece ser da vontade de Deus que, por vosso meio, o pai e
os filhos sejam pessoas de bem.

10. ─ A CHARLES DU FRESNE1, SECRETÁRIO DE FELIPE EMANUEL DE GONDI

Outubro de 16172.

1
Carta 8. ─ Abelly, op. cit., t. I, cap. IX, p. 43.
1
Esta carta responde à precedente.
22
A resposta de São Vicente não desalentou Madame de Gondi. Conseguiu cartas dos seus filhos, dos principais
oficiais da casa, do Padre de Bérulle, do Cardeal de Retz, Bispo de Paris, dos doutores, dos religiosos, em breve, de
todas as pessoas que pudessem ter influência sobre seu santo diretor. A intervenção do Padre Bence, superior do
Oratório de Lyon, foi, entre todas, a mais eficaz; o Santo prometeu-lhe ir a Paris se aconselhar com seus amigos.
Carta 9. ─ Abelly, op. cit., t. I, cap. IX, p. 44.
1
Carta 10. ─ Abelly, op. cit., t. I, cap. IX, p. 44.
1
Senhor de Villeneuve, antigo secretário da Rainha Margarida de Valois, ingressou, depois da morte desta princesa,
na casa de Emanuel de Gondi, da qual foi secretário e depois intendente (Abelly, op. cit., t. I, cap. V, p. 21). Era um
dos mais íntimos amigos de São Vicente.
22
Esta carta, com muito poucos dias de diferença, é da mesma data que a precedente.
57

São Vicente informa ao seu amigo que espera fazer uma viagem a Paris dentro de dois
meses; lá, conforme as luzes que Deus lhe der, tomará uma decisão definitiva sobre seu regresso
a Chatillon-les-Dombes ou seu retorno à família dos Gondi 3.

11. ─ A NICOLAU DE BAILLEUL, PREPOSTO DOS COMERCIANTES1

25 de julho de 1625.

Suplica humildemente Vicente de Paulo, principal do Colégio dos Bons-Enfants 2,


próximo da porta São Vitor3, dizendo que os prédios do referido colégio estão muito
estragados, dada a sua antiguidade; e para evitar-lhes o desmoronamento total será
preciso consertar de imediato a capela e o prédio do dito colégio, onde há muitos e
importantes reparos a fazer4. Visto isso, meu Senhor, apraza-vos, para que se certifique
melhor das reparações necessárias ao referido colégio, dar ordens para que seja visitado
e examinado por dois pedreiros, mestres de obra juramentados, ou por outros que
quiserdes nomear, os quais farão seus relatórios para este fim e para que se possa
ordenar o que for de razão; e comprovareis a verdade5.

Destinatário: Ao senhor Preposto de Paris ou ao senhor Lugar-tenente civil,


conservador dos privilégios da Universidade.

33
São Vicente se decidiu pela segunda alternativa, depois de ter consultado o Padre Bérulle e outras pessoas
esclarecidas. Chegando a Paris a 23 de dezembro, retoma seu lugar, no dia seguinte, na família dos Gondi.
1
Carta 11. ─ Arq. Nac. S 6373, cópia.
1
Nicolau de Bailleul, senhor de Vattetot-sur-Mer e de Soisy-sur-Mer, preposto dos comerciantes, de 1622 a 1628,
posteriormente, presidente togado, superintendente das finanças e ministro de Estado, falecido a 20 de agosto de
1652, aos setenta e seis anos.
22
Jean Francisco de Gondi, arcebispo de Paris, cedera a São Vicente de Paulo, a 01 de março de 1624, o principalado
do Colégio dos Bons-Enfants, para ele ter um lugar onde alojar os padres desejosos de se ajuntar a ele com vistas a
pregar missões nos campos. Esse colégio, um dos mais antigos da Universidade, estava quase abandonado; suas
paredes caíam em ruínas. O Santo esperou a morte de Madame Gondi para ir habitá-lo. Teve no início dois auxiliares:
Antônio Portail que lhe será fiel até a morte, e um outro padre, de nome ignorado, mas que não era, com toda a
certeza, Adriano Gambart, como erradamente se supôs, porque Adriano Gambart foi ordenado padre em 1633 (Ver
notícia dele no cabeçalho do Missionário paroquial, ed. Migne, 1866, na Coleção integral e universal dos Oradores
cristãos, Paris, 1844-1892, 100 vol., in-4º, t. 89). Quando os missionários iam para o interior, o que acontecia com
frequência, as chaves eram confiadas a um vizinho.
33
Havia um outro Colégio dos Bons-Enfants no quarteirão do Louvre.
44
O relatório dos peritos, datado de 27 de julho, nos dá uma ideia do estado do prédio. “Nele se pode ver que o corpo
central do edifício, na parte lateral, à esquerda, logo na frente, o mais importante de todos, estava inabitado por ser
extremamente velho; julgou-se necessário derrubá-lo por completo, para reconstruí-lo. Os outros todos precisavam de
reparos consideráveis, não só as coberturas, os lambris, divisórias, portas e caixilhos, cuja maior parte não valia nada,
mas também as paredes grossas, as latrinas, os assoalhos e as escadas” (Reflexões sobre as diversas contas do
Colégio dos Bons-Enfants em resposta às observações do senhor Reboul, arquivista do Colégio Luis, o Grande,
sobre o mesmo assunto, Arq. Nac. H5 3288).
55
Vicente de Paulo recebeu a autorização de fazer as reparações julgadas urgentes pelos peritos e de tomar, se
necessário, empréstimo para isso, hipotecando os bens do colégio. Ele se contentou, por falta de recursos, com os
trabalhos absolutamente indispensáveis, deixando o restante para mais tarde (Reflexões sobre as diversas contas do
Colégio dos Bons-Enfants).
58

12. ─ A LUÍSA DE MARILLAC1

30 de outubro de 1626.

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Recebi vossa carta aqui, em Loisy-en- Bris 2, a 28 léguas de Paris, onde estamos
missionando3. Não vos avisei de minha partida, porque foi mais repentina do que eu
imaginava e, caso o fizesse, ficaria pesaroso por vos contristar. Coragem! Nosso Senhor
tirará proveito desta pequena mortificação, e ele mesmo fará o papel de diretor; sim, ele
o fará com certeza e de forma a perceberdes que se trata dele mesmo. Sede, pois, sua
querida filha, bem humilde, inteiramente submissa e cheia de confiança, e esperai
sempre com paciência, a manifestação de sua santa e adorável vontade.
Estamos num lugar onde os habitantes, na sua terça parte, são hereges. Por favor,
rezai por nós, que temos grande necessidade de orações; por mim, sobretudo. Não
respondo a todas as vossas cartas por não estar mais em condições de fazer tudo o que
me indicais.

1
Carta 12. ─ Manuscrito São Paulo, p. 2 (no francês, “Manuscrit Saint-Paul” – N. do T.).
1
Luísa de Marillac, nascida em Paris, a 12 de agosto de 1591, filha de Luís de Marillac, irmão do piedoso Michel de
Marillac, Ministro da Justiça (1626-1630) e do Marechal de Marillac, célebre por suas desventuras e sua morte
trágica, era viúva de Antônio Le Gras, secretário da Rainha Maria de Médicis, com quem se casara a 05 de fevereiro
de 1613 e que falecera a 21 de dezembro de 1625. Teve com ele um filho, Michel, que acabava de completar seus
treze anos. A piedosa viúva depusera toda confiança no seu diretor de consciência, Vicente de Paulo, cujas longas
ausências suportava muito penosamente. O Santo diretor a aplicava às obras de caridade. Aproximava-se o dia em
que ele deveria fazer dela sua colaboradora na criação e na organização das Confrarias da Caridade. A vida de Luísa
de Marillac, que a Igreja beatificou a 09 de maio de 1920, foi escrita por Gobillon (1676), pela Condessa de
Richemont (1883), pelo Conde de Lambel, por Monsenhor Bernard (1898) e por Emanuel de Broglie (1911). Suas
cartas e outros escritos foram autografados e em parte publicados na obra que tem por título: Luísa de Marillac, viúva
do senhor Le Gras. Sua Vida, suas virtudes, seu espírito, Bruges, 1886, 4 vol. in-16.
Reservava-se outrora a qualificação de Madame às mulheres dos nobres cavaleiros. As esposas de simples
escudeiros, seja qual fosse a nobreza dos maridos, só tinham o direito ao título de Mademoiselle (Senhora) (História
genealógica e heráldica dos de França, pelo cavaleiro de Courcelles, Paris, 1822-1823, 12 vol., in-4º, t. I,
Introdução, p. 36). Por seu casamento, Luísa de Marillac se tornará Mademoiselle Le Gras.
NOTA DO TRADUTOR: Canonizada a 11 de março de 1934, foi declarada, a 10 de fevereiro de 1960 pelo
Papa João XXIII, padroeira de todos os que se dedicam às obras sociais cristãs.
22
Pequena localidade do Marne.
33
Vicente de Paulo tinha então como associados nos seus trabalhos missionários Antônio Portail, Luís Callon,
Francisco du Coudray e Jean de la Salle. Um destes missionários estava com ele em Loisy.
59

13. ─ A ISABELLE DU FAY1

[Outubro ou novembro de 16262].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Vossa carta me encontrou fora de Paris e me foi entregue aqui em Loisy-en-Brie,
onde nos esforçamos por trabalhar em meio a uma quantidade de pessoas da outra
religião (protestante). Precisamos de oração pela confirmação do que resta de católicos.
Não podemos esperar nada dos outros, porque estão num lugar onde não podem tirar
proveito.
Não vos avisei de minha partida. Dar-me-eis de coração vosso perdão? Mas, vos
indago, como vosso coração recebeu isso? Não censurou o meu de rudeza? Coragem!
Espero que se darão bem, junto ao daquele que os contém, o de Nosso Senhor.
Não vos respondo sobre a proposta de vosso retorno a Paris, porque estimo que
ele já tenha acontecido. Quanto ao negócio de que me fazeis a honra de escrever, que na
volta me desejais comunicar, tudo bem. Se ele precisa de decisão urgente, fazei o que o
próprio Nosso Senhor vos aconselhar. Se assim não for, tudo bem, como vos disse, fica
para a minha volta.
Meu Deus! Como são diferentes as filhas (religiosas) de vosso diretor: uma toda
cheia de respeito pela defesa da Igreja, a outra de confiança em relação ao negócio de
Poissy3!
Eia pois, Nosso Senhor é igualmente honrado nas duas, pelo que vejo em vossa
comunidade, cuja Madre4 eu saúdo.
Mantende-vos, entretanto, em plena alegria, Senhora, por favor, e honrai assim a
santa tranquilidade da alma de Nosso Senhor, e permanecei na total confiança de que

1
Carta 13. ─ Reg. I, fº 4 vº. ─ O copista nota que o original era todo da mão de São Vicente.
1
Mulher de grande piedade, inteiramente devotada a São Vicente, a quem ajudava com sua fortuna. Se uma
incômoda enfermidade não a tivesse impedido, teria tomado parte mais ativa nos trabalhos do Santo. Seu tio paterno
Renê Hennequin, tinha desposado Maria de Marillac, tia de Luísa de Marillac.
22
Basta comparar esta carta com a precedente para se convencer de que foram escritas com poucos dias de intervalo,
talvez no mesmo dia.
33
As religiosas dominicanas mantinham em Poissy (Seine-et-Oise) um famoso pensionato onde Luísa de Marillac
passara sob a direção de uma prima irmã de seu pai, que compôs diversas poesias, e da prioresa Jeanne de Gondi. A
esta última sucedera Luísa de Gondi, sua sobrinha, cuja eleição foi por longo tempo contestada, embora sua validade
tivesse sido reconhecida pelo Rei, pelo R. P. Siccus, Geral dos Dominicanos e pelo próprio Papa. Em 1625, o R. P.
Siccus redigiu novos estatutos, dos quais conseguiu aprovação pela Santa Sé. O artigo 05 rezava “que a Madre Luísa
de Gondi, atual prioresa, permaneça no cargo, conforme concessão apostólica que lhe fora feita; entretanto, se vier a
demitir-se ou a falecer, uma nova prioresa seja eleita pelas Irmãs com direito a voto, de acordo com os estatutos e
regulamentos do Concílio de Trento, de nossas constituições e dos Capítulos Gerais. Que a prioresa assim eleita e
confirmada pelo provincial, tenha realmente mandato trienal. Observe-se de agora em diante e perpetuamente tudo
que diz respeito à eleição e ao mandato das prioresas”. Este ato não calou as protestatárias. Encontram-se detalhes
interessantes sobre a questão na Biblioteca Nacional de Jolly de Fleury, 1475.
44
Luísa de Gondi.
60

ele dirigirá vosso coração pelo santo amor do seu, no qual sou vosso muito humilde e
obediente servo,

Vicente de Paulo.

14. ─ LUÍSA DE MARILLAC A SÃO VICENTE

Senhor Padre,

Espero que me perdoeis a liberdade de vos manifestar a impaciência do meu


espírito, tanto por vossa última longa ausência quanto pelo temor do futuro, e por não
saber para onde ireis, depois do lugar onde estais. É verdade, meu Pai, que a
consideração do motivo pelo qual vos afastais mitiga um pouco a minha pena, mas não
impede que, em meu abatimento, os dias, às vezes, me pareçam meses. Quero,
entretanto, esperar com tranquilidade a hora de Deus e reconhecer que minha
indignidade a retarda.
Pude perceber claramente que a senhora du Fay está, mais do que de ordinário,
com o coração aflito. Passamos juntas o dia de Pentecostes. Depois dos ofícios
religiosos, ela quis, na verdade, ter a liberdade de falar comigo abertamente. Mas
permanecemos na espera e no desejo de fazer a vontade de Deus.
O trabalho de que vossa caridade me encarregou está pronto. Se os membros de
Jesus necessitarem dele e se for do vosso agrado, meu Pai, que vo-lo envie, assim o
farei. Não quis agir sem vossa ordem.
Afinal, meu Honoratíssimo Pai, após algumas inquietações, meu filho está no
colégio e, graças a Deus, muito contente, e se comportando bem. Se continuar assim,
fico mais tranquila por esse lado1.
Permiti-me, meu Pai, importunar-vos ainda a respeito de uma jovem de 28 anos
que querem trazer da Borgonha para ficar comigo. Segundo o que me disseram é
pessoa conhecida e virtuosa. Entretanto, antes dessa, a jovem cega lá de Vertrus 2 2 me
havia falado de uma outra, de 22 anos, que está com ela, dizendo-me que talvez possa
vir para cá. Está sob a orientação dos Revmos. Padres do Oratório, há quatro anos, e é
uma perfeita camponesa. Não estou muito certa de que queira vir, embora me tenha
manifestado algum desejo. Suplico-vos muito humildemente, meu Pai, comunicar-me o
que devo fazer.
A pessoa que vai a Borgonha deve partir segunda-feira e, supondo eu que
regressaríeis esta semana, prometi dar-lhe uma resposta.
De um mês para cá, nosso bom Deus vem me permitindo sentir sua presença mais
do que de costume. Mas contínuo com minhas imperfeições. Quando não mais colocar

1
Carta 14. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Para favorecer a vocação do filho, que desejava tornar-se padre, Luísa de Marillac o colocara no Seminário de Saint-
Nicolas-du-Chardonnet, fundado e dirigido pelo austero e virtuoso Bourdoise. É este seminário, ao que parece, que
ela chama aqui de colégio.
22
Localidade englobada hoje na comuna de Aubervilliers (Seine).
61

obstáculo aos efeitos das orações que espero de vossa caridade, creio que vou me
corrigir.
Nesses últimos dias, desejei muito que vos lembrásseis de me entregar a Deus e
lhe pedísseis a graça de que sua santa vontade se cumpra inteiramente em mim, não
obstante as oposições da minha miséria. Faço-vos pois, meu Pai, com toda humildade,
esta súplica, e vos peço perdão por vos importunar tanto. Sou, pela bondade de Deus,
senhor Padre, vossa muita grata serva e indigna filha,

L. de Marillac.

05 de junho de 1627.

15. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Outubro de 16271].

Agradeço-vos, Senhora, pela notícia que me destes da caridosa doação da bondosa


senhora du Fay. Peço-vos guardá-la, enquanto for oportuno, a não ser que ela não
concorde que seja reservada e destinada para a conquista de pobres almas para Deus,
nas regiões de Poitou e das Cevenas. Se ela não quiser assim e desejar aplicá-la aos
pobres daqui, far-me-eis o obséquio de me avisar e de enviar duas ou três camisas à
senhora Lamy2, em Gentilly3, em favor da Caridade4 daquele lugar.
Eu vos escrevo pela meia noite, um pouco cansado. Perdoai ao meu coração se ele
não se expande um pouco mais nesta carta. Sede fiel a Nosso Senhor, vosso fiel amante.
Sede também muito simples e humilde. Quanto a mim, serei, no amor de Nosso Senhor
e de sua Mãe...

16. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

Verneuil1, 08 de outubro de 1627.

Senhora,

1
Carta 15. ─ Manuscrito São Paulo, p. 77.
1
Esta carta parece deva aproximar-se da carta seguinte.
22
Catarina Vigor, mulher de Antônio Lamy, auditor no Tribunal de Contas, presidente da Confraria da Caridade de
Gentilly. Antônio Lamy e sua esposa fundaram uma missão nesta localidade e em Ferreux, a 30 de setembro de 1634.
33
Localidade situada às portas de Paris.
44
As Confrarias da Caridade, ou, mais simplesmente, Caridades, compunham-se de senhoras ou moças de boa
vontade reunidas em função da ajuda aos necessitados. Iniciadas em Chatillon-les-Dombes (Ain) em 1617, esta
instituição correspondeu tão bem às necessidades da população que Vicente Paulo a estabeleceu nas terras dos Gondi,
em Villepreux, Folleville, Joigny, Montmirail e em toda a parte onde ia pregar missões. Os regulamentos variavam
um pouco conforme os locais. Desta obra nasceu a Companhia das Filhas da Caridade. Em certos lugares, as
Caridades de senhoras foram completadas por Caridades de Homens.
1
Carta 16. ─ Pémartin, op. cit.,t. I, p. 21.
1
Perto de Creil, em l’Oise .
62

Já que vossa bondosa senhorita quer que sua presente caridade corporal não
impeça a espiritual, para o futuro, e que distribua agora o que vos entregou 2, peço-vos
enviar-nos pelo Padre du Coudray3, portador da presente, a soma de cinquenta libras. E
me fareis o obséquio de assegurar-lhe que o próprio Nosso Senhor será a sua
recompensa e que já comecei a aplicar 4 libras, no lugar onde estou, como apoio à
Caridade que nele está sendo fundada, onde encontramos enormes carências temporais,
além das espirituais. Numerosos e ricos huguenotes existentes aqui se servem de alguns
socorros ministrados aos pobres para corrompê-los, no que fazem um mal indizível.
Enviar-nos-eis, além do mais, quatro camisas e apresentareis, por favor, nossas
humildes recomendações a vossa generosa donzela. Favor também garantir ao vosso
coração que, se ele honrar a santa tranquilidade do coração de Nosso Senhor em seu
amor, ele vai agradar ao coração do mesmo Senhor, em quem sou, no mesmo amor... 4

Destinatário: A senhora Le Gras, rua São Vitor, na casa onde morava o senhor
Tiron Saint-Priest5.

17. ─ A ISABELLE DU FAY

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Rendo milhões de ações de graça pelo belo e generoso presente que nos enviastes,
Senhora, e rogo a Deus seja vossa única recompensa e me torne digno de merecê-la
pelos serviços que sou obrigado a vos prestar.
Cheguei ontem à noite de nossa missão com boa disposição e desejo intensamente
que estejais também com saúde. Tão logo me desembarace de alguns pequenos
negócios que me ocupam, irei agradecer-vos por tantas e tantas expressões de vossa
benevolência. Suplico-vos, Senhora, continueis a me dispensá-la; e crede que meu
coração experimenta por isso inexprimível consolação, na confiança de que ele é um só
22
Ver carta 15.
33
Encontraremos com frequência, mais à frente, o nome de Francisco du Coudray. Nasceu em 1585 na cidade de
Amiens, foi ordenado padre em setembro de 1618. Recebido em março de 1626 na Congregação da Missão, da qual
somente ainda São Vicente e Antônio Portail faziam parte. Era dotado de inteligência pouco comum e dominava
bastante bem a língua hebraica, pois o julgaram capaz de uma nova tradução da Bíblia.
Foi ele que o Santo escolheu para negociar em Roma a aprovação da nascente Congregação. Permaneceu lá
de 1631 a 1635. Nós o encontramos depois em Paris, donde saiu para várias localidades em socorro aos pobres e para
a assistência aos soldados, ou para pregar missões. O Santo lhe confiou em 1638 a direção da casa de Toul, onde
ficou até 1641. Foi chamado para São Lázaro em 1641, passou uma parte do ano de 1643 em Marselha, ocupado na
evangelização dos galés e na fundação de um estabelecimento nessa cidade. Em 1644, foi assumir a direção da casa
de la Rose (Lot-et-Garonne). Sua vasta erudição não era, infelizmente, servida por uma teologia suficientemente
sólida. Sustentou opiniões arriscadas e nelas perseverou, apesar das advertências recebidas. As medidas que São
Vicente teve de tomar, para o impedir de disseminar seus erros, lançaram sombras sobre os últimos anos de sua vida.
Da casa de La Rose passou, em 1646, para a de Richelieu, onde terminou seus dias, em fevereiro de 1649, aos 63
anos.
44
O Padre Pémartin julgou que poderia dispensar-se de repetir, no fim de cada carta, a fórmula final e a assinatura.
55
Tiramos esta subscrição da História da senhora Le Gras, pela Condessa de Richemont, Paris, 1883, in-8º, p. 46,
nota 2.
Carta 17. ─ Reg. I, fº 24. ─ O copista nota que tirou seu texto de uma “minuta da mão” de São Vicente.
63

com o vosso e o de Nosso Senhor, num único amor com o do mesmo Senhor e de sua
Santa Mãe.

18. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

Bendito seja Deus, Senhora, porque estais melhor de saúde! Sereis bem-vinda
para a comunhão amanhã, na missa do Padre de la Salle 1, porque sou obrigado a
celebrar bem cedo, em razão de uma assembleia de eclesiásticos que se deve realizar
aqui, amanhã pela manhã, e se prolongará até ao meio dia 2. Atualmente, não tenho tanto
medo da capela3 como no verão. Se for do agrado da senhora Guérin 4 vir também, será
bem-vinda, antes que eu parta; mas disso vos avisarei.
Quanto ao dinheiro da Caridade, doado pela senhora du Fay, aprovo plenamente o
uso que dele desejais fazer. Sinto-me feliz com a decisão destas generosas filhas 5 de
colocar tudo em comum e não deixarei, embora miserável pecador como sou, de
oferecê-las amanhã, na missa, a Nosso Senhor, em cujo amor sou vosso muito humilde
servo,

Vicente de Paulo.

Destinatário: À senhora Le Gras.

19. ─ SANTA CHANTAL1 A SÃO VICENTE


1
Carta 18. ─ C. aut. ─ Original em Nápoles, na casa central das Filhas da Caridade.
1
Jean de la Salle, que São Vicente chama de “grande missionário” e que o Bispo de Beauvais estimava o “mais
sólido em raciocínio” que jamais conhecera (Conferência de São Vicente, 05 de agosto de 1659), nascera em Seux
(Somme), a 10 de setembro de 1598. Oferecera seus serviços a São Vicente em abril de 1626. Em 1631, pregava na
Champanha, em 1634, 1635 e 1636, trabalhava na Gironda e em regiões circunvizinhas. Aberto o Seminário Interno
em São Lázaro, em 1637, foi-lhe confiada a sua direção. No ano seguinte, retornava às suas missões. Os exercícios
dos ordinandos o ocuparam depois até o fim da sua vida. Morreu a 09 de outubro de 1639, muito lamentado por São
Vicente que perdia nele um dos seus melhores operários.
22
A obra das Conferências Espirituais só foi definitivamente organizada mais tarde, em 1633. Pode-se crer, contudo,
que, vez por outra, se realizavam conferências neste tempo, no Colégio dos Bons-Enfants. Sabemos que numerosos
eclesiásticos, atraídos por Bourdoise e Le Féron, se reuniam nesse local para trocarem ideias juntos, antes mesmo de
São Vicente tomar posse do imóvel (História do Seminário de Saint-Nicolas-du-Chardonet, por P. Schoenher, 1909-
1911, 2 vol., in-8º, t. I, p. 97).
33
O estado dos prédios dos Bons-Enfants estava muito precário e até ameaçando desabamento, quando foi entregue a
São Vicente (ver carta 11).
44
Esposa de Gilles Guérin, conselheiro do Rei e corregedor de contas. Ela morava na rua São Vitor, bem próximo do
Colégio dos Bons-Enfants.
55
Provavelmente os membros da Caridade.
1
Carta 19. ─ Abelly, op, cit., t. I, cap. VII, 1ª ed., p. 315.
1
Em Novembro de 1627, Santa Chantal estava a caminho de Orléans; chegou a Paris no decorrer do mês de janeiro e
só partiu dali no mês de maio.
Joana Francisca Frémiot de Chantal nasceu em Dijon a 23 de janeiro de 1572. Teve quatro filhos do seu
casamento com o Barão de Chantal. Ficando viúva muito jovem ainda, colocou-se sob a direção de São Francisco de
Sales e fundou com ele a Ordem da Visitação. A fundação do primeiro mosteiro de Paris a trouxe e fixou nesta
cidade, de 1619 a 1622. Nela conheceu São Vicente que ela pediu a João Francisco de Gondi para ser superior de
suas filhas. Até sua morte, acontecida em Moulins, a 13 de dezembro de 1641, de volta de uma viagem a Paris, Santa
64

Novembro de 1627.

Ei-lo pois, meu muito querido Padre, engajado no trabalho na província de Lyon
e, por conseguinte, eis-nos privadas por longo tempo de vossa presença. Mas não
podemos censurar de modo algum o que Deus faz, mas bendizê-lo por tudo, como faço,
caríssimo Padre, pela liberdade que vossa caridade me dá de continuar depositando em
vós minha confiança e de vos importunar. Fá-lo-ei então com toda a simplicidade.
Só fiz quatro dias de retiro, não mais, por causa de vários negócios que me
surgiram. Meditei na necessidade que tenho de trabalhar na humildade e no suporte
para com o próximo, virtudes que tomei a peito no ano passado e que Nosso Senhor me
deu a graça de praticar um pouco. Mas é ele que tudo opera e irá operar ainda, se for
do seu agrado, já que me propicia tantas ocasiões de praticá-las. O meu estado de
espírito, parece-me, é o de estar, com simplicidade, em disponibilidade ao que for da
vontade de Deus fazer de mim. Não tenho desejos, nem intenções; coisa alguma me
prende, a não ser o deixar Deus agir; embora não o veja claro, parece-me contudo que
isto está no fundo de minha alma. Não tenho planos, nem sentimentos para o futuro,
mas faço no momento presente o que me parece necessário fazer, sem pensar em algo
para mais longe.
Com frequência, nas regiões inferiores do meu ser, anda tudo revolto, o que me
faz sofrer muito, mas permaneço consciente de que, pela paciência, possuirei minha
alma. Além disso, sou acometida de um acréscimo de desgosto em meu cargo, porque
meu espírito detesta muito a ação, e ao me forçar para agir, quando necessário, meu
corpo e meu espírito ficam abatidos. Minha imaginação, por outro lado, me penaliza
sobremaneira em todos os meus exercícios de piedade, e com grande aborrecimento
para mim. Nosso Senhor permite que eu experimente exteriormente muitas dificuldades,
de tal forma que coisa alguma me agrada nesta vida, a não ser a vontade de Deus que
quer que eu passe por isso. Deus tenha misericórdia de mim. Suplico-vos pedi-la
insistentemente para mim. De minha parte, não deixarei de rogar-lhe, como faço de
todo meu coração, que vos fortaleça no cargo que vos confiou.

20. ─ UM ABADE1 A SÃO VICENTE

Dezembro de 1627.

Estou de volta de uma grande viagem que fiz a quatro províncias. Já vos
comuniquei o bom odor espalhado por todas as províncias por onde passei, pelos
membros da Companhia por vós instituída e que trabalham na instrução e evangelização
dos pobres dos campos. Na verdade creio que não há na Igreja de Deus algo mais

Chantal manteve correspondência e relacionamento contínuos com esse santo sacerdote, que ela se comprazia em
consultar para sua direção interior e nos negócios de sua comunidade (A Vida da Venerável Madre Joana Francisca
Frémiot, por Mosenhor Henrique de Maupas du Tour. Paris, 1644, in-4º).
1
Carta 20. ─ Abelly, op. cit., liv. II, cap. I, sec. 2, § 8, 1ª ed., p. 49.
1
Um abade “muito célebre”, diz Abelly.
65

edificante nem mais digno de quem traz o caráter de ministro de Jesus Cristo. É preciso
rogar a Deus para que conceda a infusão do seu espírito de perseverança a um projeto
tão promissor para o bem das almas, no qual muito poucos dos que se dedicam ao
serviço de Deus se aplicam como convém.

21. ─ LUÍSA DE MARILLAC A SÃO VICENTE

Senhor Padre,

Faz umas três semanas que, estando na casa da Senhora du Fay, tive ocasião de
vos escrever. Temo, porém, que minhas cartas se tenham perdido. O principal assunto
delas era pedir-vos conselho sobre meu filho. Mas agora, senhor Padre, tenho de
colocar tudo em outros termos. Com efeito, seja porque Deus, no momento, não o quer
na decisão de se fazer eclesiástico ou porque o mundo a isto se opôs, seus fervores
diminuíram muito; e notando tão grande mudança em seu espírito, falei disso com
liberdade com a Madre Superiora, a qual me aconselhou mantê-lo na Companhia
desses bons eclesiásticos1, mas simplesmente na condição de pensionista, pelas razões
que vos exporei, se Deus me der a graça de estar convosco, quando de vosso retorno,
de que tenho grande necessidade.
Com toda certeza, jamais vossa ausência foi tão sentida por mim, por causa das
necessidades que tive depois de vossa partida. E nisso devo reconhecer minha fraqueza,
assegurando-vos, meu Pai, que, se Deus me der a graça de me lembrar do meu
passado, não terei motivos para me gloriar. Suplico-vos muito a ajuda de vossas
orações, pelo amor de Deus, e vos agradeço muito humildemente o trabalho que vos
destes de me escrever, e o honroso testemunho de vossa lembrança. Não o mereço, e
Deus é muito bom por me suportar. Oferecei, meu caríssimo Pai, minha vontade à
misericórdia divina, pois desejo com sua graça converter-me, e me confessar,
verdadeiramente, senhor Padre, vossa humilde serva e indigna filha em Nosso Senhor.

L. de Marillac.

13 de janeiro de 1628.

A senhora du Fay continua sempre com suas enfermidades corporais e esteve


quase sempre de cama, desde há quinze dias, mas sem ter febre. Deseja muito vosso
retorno.

Destinatário: Ao senhor Padre Vicente.

22. ─ A LUÍSA DE MARILLAC


1
Carta 21. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
No seminário de Saint-Nicolas-du-Chadonnet.
66

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Não sei como, nesses últimos dias, imaginei que estivésseis doente, de tal modo
que vos via sempre nesse estado. Bendito seja Deus, pois vossa carta me certificou do
contrário!
Que vos direi agora sobre vosso filho a não ser que, do mesmo modo que era
preciso não ficar muito segura a respeito do sentimento que ele demonstrava sobre a
comunidade1, assim também, importa não se afligir muito com a discordância que
manifesta atualmente? Despreocupai-vos portanto com ele, e entregai-o inteiramente ao
querer ou não querer de Nosso Senhor. Só a ele pertence dirigir essas ternas e
pequeninas almas. Ele se interessa por ele mais do que vós, porque ele lhe pertence mais
do que a vós. Quando tiver a felicidade de estar convosco, ou mais tempo do que no
momento para vos escrever, dir-vos-ei o pensamento que tive um dia e que comuniquei
a Madame de Chantal sobre esse assunto, com o qual ficou consolada, e livre, pela
misericórdia de Deus, de certo sofrimento semelhante ao que talvez tenhais 2. Até nosso
próximo encontro, portanto. Mas se vossa dor vos aflige, escrevei-me, e dar-vos-ei
resposta.
Preparai-vos, neste ínterim, para fazer uma caridade em favor de duas jovens que
julgamos conveniente saírem daqui e que vos encaminharemos dentro de oito dias.
Pedimo-vos encaminhá-las a alguma pessoa de bem, capaz de recomendá-las, no
sentido de conseguirem um serviço doméstico, se, porventura, não conhecerdes alguma
honesta dama que delas precise.
Teremos ainda trabalho por aqui durante aproximadamente seis semanas. Depois
disso, estarei à vossa inteira diposição e da senhora du Fay, que saúdo som toda a
amplitude do meu coração. Peço a Deus vos encontre em boa disposição e sou, no amor
de Nosso Senhor e sua Santa Mãe, Senhora, vosso muito humilde e obediente servo,

Vicente de Paulo.

Joigny3, 17 de janeiro de 1628.

23. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


1
Carta 22. ─ C. aut. ─ Original com as Filhas da Caridade da rua dos Bernardinos, 15, em Paris, que o obtiveram do
Padre Duby, antigo pároco da paróquia. Pertencera outrora aos religiosos da abadia São Vitor.
1
O seminário de Saint-Nicolas-du-Chardonnet.
22
Celso Benigno, filho de Santa Chantal, falecido a 22 de julho de 1627, durante um combate, na ilha de Ré, contra
os ingleses, foi, durante toda a vida, sobretudo pela sua paixão por duelos, o tormento de sua mãe.
33
Felipe Emanuel de Gondi, General das Galeras, era Conde de Joigny, onde São Vicente fundara sua terceira
Confraria da Caridade (Abelly, op. cit.,t. I, cap. X, 1ª ed., p. 47).
67

Encaminhei uma das jovens de que vos falei 1 à senhora du Fay, na qual ela tem
confiança. A outra ficou em Joigny, porque encontrou um bom serviço. Talvez a
referida senhora du Fay julgue conveniente que a moça aguarde um pouco e permaneça
convosco alguns dias. Se assim for, não duvido de que vossa caridade concorde com
isso e aceite a confiança com que procedo convosco.
Nada vos digo sobre o que me escrevestes, porque espero estar convosco pelo fim
deste mês e falaremos um com o outro, pessoalmente, sobre a questão.
Que diríeis, minha querida filha, da parte que me coube em nossa missão, numa
das terras do Padre Vincy2? Na verdade, quanto confesso esse bom povo, parece-me
estar vendo diante de mim a bondosa senhora (du Fay), a quem tanto amam. Pensando
que não poderia escrever-vos, pedi-lhe, na carta que lhe mandei, rogar-vos nos envieis
uma dúzia de camisas de toda espécie. Fazei-o pois, Senhora, por obséquio, e mantende-
vos com muita alegria na disposição de querer tudo o que Deus quiser 3. E como ele quer
que nos conservemos sempre na santa alegria do seu amor, nele nos mantenhamos e a
ele nos apeguemos inseparavelmente neste mundo, para sermos um dia, uma só coisa
nele, em cujo amor sou, Senhora, vosso muito humilde e obediente servo,

Vicente de Paulo.

Villecien4, 09 de fevereiro de 1628.

24. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Fevereiro de 16281].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Estas poucas linhas são para vos agradecer por terdes acolhido a jovem em vossa
casa, pelas camisas que me enviastes e para vos dizer que vou partir, mas que estarei de
volta dentro de oito dias, se Deus quiser. Conversaremos então sobre todas as questões.
Digo, porém, antecipadamente, ao vosso coração, que louvo a Deus porque ele se livrou
do apego exagerado que tinha pelo pequeno2, de o haverdes ajustado à razão e porque
agora não há perigo, pelo contrário, podereis atender à sua inclinação e conceder-lhe a

1
Carta 23. ─ C. aut, ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Ver carta 22.
22
Antônio Hennequin, senhor de Vincy, padre, irmão da senhora du Fay, falecido em 1645, depois de ter sido
recebido na Congregação da Missão. Era um grande amigo de São Vicente.
33
O Santo pensava sem dúvida nas inquietações experimentadas por Luísa de Marillac a respeito da vocação do seu
filho. “Permaneça na alegria”, é o conselho que ele não cessa de lhe dar.
44
Pequena localidade perto próxima de Joigny.
1
Carta 24. ─ C. aut. ─ Original com as Filhas da Caridade da rua Mage, nº 20, em Tolosa.
1
Esta carta vem poucos dias depois da carta 23.
22
O pequeno Miguel.
68

sotaina3. Queira Deus seja para a sua glória e a salvação das almas que vos torne
participante da santa tranquilidade do seu espírito.
Sou, no seu amor, vosso muito humilde servo,

Vicente de Paulo.

Destinatário: A senhora Le Gras, em Paris.

25. ─ O COMENDADOR DE SILLERY1 A SÃO VICENTE

[Entre 1625 e 16302].

Reverendo e mui querido Pai,

Não duvido de que, conhecendo como conheceis, o coração de vosso humilde


filho, tenhais querido, por tão amável e cordial carta, enchê-lo com tantas
amabilidades de vossa exuberante bondade que, embora em matéria de cordialidade ele
faça questão de não perder para ninguém, contudo, vós o obrigais a depor as armas e a
vos reconhecer, como faz de muito bom grado, nisto como em tudo, como seu mestre e
superior. De fato, seria preciso ser muito rude e descortês para não se desfazer em
estima diante de uma caridade tão amorosamente exercida por tão digno e amável pai,
para com um filho que só serve para lhe causar incômodo. Mas não há remédio. Aceito,
humildemente, e de boa vontade, a humilhação por todas as pobrezas e fraquezas que
suportais em mim, depois de vos pedir perdão de tudo, com toda reverência e
submissão. Prometo-vos de coração, meu caríssimo Pai, que é com toda a consciência
que tenho muita vontade de me corrigir, com a graça de Nosso Senhor. Sim, com
33
Cláudio Lancelot, de Port-Royal, condiscípulo do pequeno Miguel no seminário de Saint-Nicolas-du-Chardonnet,
dizem suas Memórias (Memórias relativas à vida de Saint-Cyran, Colônia, 1738, 2 vol., in-8º, t. I, p. 3), com algum
exagero, talvez, que entre os seminaristas do seu tempo nenhum perseverou.
1
Carta 25. ─ Abelly, op. cit., t., cap. XXXII, 1ª ed., p. 149.
O texto de Abelly deve preferir-se, ao que parece, ao que se lê na Vida do ilustre servo de Deus Noël
Brulart de Sillery, Paris, 1843, in-12, p. 30.
1
Noël Brulart de Sillery, cavaleiro de Malta e Comendador de Troyes, é uma das mais belas conquistas de São
Vicente. Depois de ter ocupado na corte os mais altos cargos, depois de ter sido o primeiro Escudeiro da Rainha e
depois seu cavaleiro de honra, Embaixador extraordinário na Itália, na Espanha e, mais tarde, em Roma, junto aos
Papas Gregório XV e Urbano VIII, renunciou à vida pública, abandonou o magnífico palácio de Sillery, vendeu o
tinha de mais suntuoso, despachou a maior parte de seu pessoal e veio morar numa modesta casa, perto do primeiro
mosteiro da Visitação. Era o fim do ano de 1632. São Vicente, seu diretor, soubera operar este milagre. Quando viu o
Comendador desapegado de todos os bens do mundo, ensinou-lhe a fazer bom uso de sua imensa fortuna. Levou-o às
prisões, aos hospitais e o iniciou na Caridade, sob todas as suas formas. Noël Brulart de Sillery tomou o hábito
eclesiástico em 1632 e recebeu as ordens sacras e o presbiterato em 1634. Celebrou a primeira missa na quinta-feira
santa, dia 13 de abril de 1634, na capela das Irmãs da Visitação. Sua vida de padre foi curta, mas toda entregue à
caridade. Fez muitas doações às congregações religiosas, mais particularmente à Visitação, aos padres da Missão, ao
Mosteiro de la Madeleine, aos Jesuítas e ao Carmelo. Tentou sem êxito organizar um seminário na casa do Templo,
em Paris. Deus o chamou a si a 26 de setembro de 1640, aos 63 anos de idade. São Vicente o assistiu em seus últimos
momentos e celebrou pessoalmente as cerimônias fúnebres (Cf. Vida do ilustre servo de Deus Noël Brulart de
Sillery; História cronológica, t. I, pp. 290-307; Contribuição à História do Mosteiro da Visitação Santa Maria do
Subúrbio Santo Antônio, no século XVII, por Martin Fosseyeux, no Boletim da Sociedade da História de Paris e da
Ilha de França, 1910, pp. 184-202.
22
O Comendador de Sillery já estava sob a direção de São Vicente em 1630; por outro lado, sua conversão data de
1625.
69

certeza, meu único Pai, parece-me que jamais me senti, a este respeito, tão
sensibilizado como agora. Oh! Se pudéssemos e chegássemos a trabalhar eficazmente
na cura de tantas misérias de que Vossa Reverência tem conhecimento que estou
repleto, e cercado por todos os lados, estou certo de que experimentaríeis com isso
indizíveis consolações. E ainda que esta facilidade não aconteça tão prontamente ou de
modo mais considerável, como vossa piedade o desejaria, eu vos conjuro, meu bom Pai,
per víscera misericordiae Dei nostri in quibus visitavit nos oriens ex alto 3 (pelas
entranhas da misericórdia de nosso Deus, pela qual nos visitou o Astro das alturas),
que vossa bondade não se canse, e não abandone jamais este pobre filho. Sabeis muito
bem que ele estaria sob péssima conduta, se permanecesse guiado por si mesmo.

26. ─ AO PAPA URBANO VIII

[Junho de 16281].

Sanctissimo Patri Papae nostro,

Supplicant humiliter Vincentius de Paulo, superior sacerdotum Missionis Lutetiae


Parisiorum fundatae, et magister Ludovicus Callon, doctor Sorbonicus 2, Antonius

33
Lc 1, 78.
1
Carta 26. ─ C. aut. ─ Arquivo da Propaganda, III, Lettere di Francia, Avignone, Suizzera, 1628, nº 130, fº31,
original. Este documento foi descoberto, depois de pacientes pesquisas, pelo Padre Jean Parrang, da Congregação da
Missão. Está num pergaminho, com muito bela escrita, em cinco páginas in-4º. O Núncio Apostólico da França
enviou e recomendou esta súplica, a 21 de junho de 1628, ao Cardeal-Prefeito da Propaganda. A 23 de julho, ele
transmitiu a Monsenhor Ingoli, secretário da mesma Congregação, duas cartas do Rei, uma para o Papa, a outra para
o Embaixador da França, o senhor Béthune, em favor da requisição apresentada por São Vicente, e insistiu em favor
da sua aprovação. Estas recomendações não conduziram a resultado algum. A súplica foi rejeitada pela Propaganda,
na Congregação reunida na presença do Papa a 22 de agosto de 1628, diante do relatório desfavorável redigido pelo
Cardeal Bentivoglio. Mostraram, no máximo, disposição para autorizar, somente para a França, uma sociedade de
vinte a vinte e cinco padres, que não trariam nem o título de congregação, nem o de confraria, e estaria sob a
dependência dos bispos.
1
Ver a nota geral.
22
No dizer do R. P. Plácido Gallement (A vida do venerável padre de J. C. M. Jacques Gallement, Paris, 1653, in-4º,
p. 231), Luís Callon, doutor da Sorbona, era desses homens “nos quais a santidade, a ciência, o zelo e a simplicidade
fazem uma bela aliança”. A estes dons, se ajuntavam os da fortuna, pois seus pais lhe haviam deixado de cinquenta a
sessenta mil libras, soma importante na época. Ele abandonou a paróquia de Aumale, sua terra natal, para entrar, em
julho de 1626, na Congregação da Missão. Depois de uma permanência de muito pouca duração no Colégio dos
Bons-Enfants, voltou para Aumale, com o consentimento de São Vicente, que continuou a considerá-lo como um dos
seus. O bem que ele fez foi considerável. Fundou um colégio em sua casa paterna, comprou uma casa para uma
escola de moças, veio em auxílio da igreja paroquial, do hospital, do convento dos religiosos penitentes. Os Frades
Bernardos de Rouen e outras comunidades se beneficiaram igualmente de suas generosidades. A 23 de agosto de
1629, remetia 4000 libras para São Vicente, em favor de uma fundação de missões que deveriam ser pregadas cada
dois anos pelos padres da Congregação, na diocese de Rouen, e mais especialmente no decanato de Aumale. Ele
pregou nas dioceses de Rouen, Paris, Meaux, Chartres e Senlis. Em meio aos seus trabalhos, encontrou tempo para
escrever diversas obras de piedade, entre outras um Tratado da preparação para a santa comunhão, Rouen, e O
Catecismo da honrosa castidade, Paris, 1639. Pressentindo a proximidade do seu fim, deixou Rouen para ir morrer
em São Lázaro; mas a doença o impediu de ir além de Vernon, onde apagou, a 26 de agosto de 1647, no convento dos
religiosos da Ordem Terceira de São Francisco. O R. P. Plácido Gallement, seu amigo, lhe consagrou algumas
páginas do seu livro sobre Jacques Gallement (Op. cit., pp. 319-328).
70

Portail3, Franciscus du Coudray, Joannes de la Salle, Joannes Bécu 4, Antonius Lucas5,


Josephus Brunet6, Joannes Dehorgny7, dioecesum Aquensis, Rothomagensis,
Arelatensis, Ambianensis, Parisiensis, Claromontensis, Noviomensis, innuentes
supranominati supplicantes quod, cum dominus Philippus Emmanuel de Gondy, comes
Juniocensis, marquio Insularum Aurearum, eques torquatus utriusque ordinis8, Regis a
consiliis, dux quinquaginta cataphractorum militum, mari gallicano in Oriente
praepositus et generalis regiarum triremium praefectus, modo congregationi Oratorii
Jesu in dicta urbe Parisiensi aggregatus, ab aliquot annis attentius considerasset, cum
defuncta domina Francisca Margarita de Silly, tunc temporis ejus uxore, barona Montis-
Mirabilis, Trosnay et aliorum locorum, cum dicto Vincentio de Paulo, tunc eorum
eleemosynario et supradictae dominae confessore, urbium íncolas omni auxilio spirituali
sufficienter juvari celebrium doctorum et proborum religiosorum beneficio qui in
iisdem urbibus passim habitant, solum populum rure degentem, ignorantia et paupertate
oppressum, iisdem auxiliis detitui quibus alii in urbibus abundant, proptereaque
eumdem populum in perpetua mysteriorum fidei ad salutem necessariorum ignorantia
ad senectutem usque remanere, sicque misere in peccatis adolescentiae saepe decedere,
quae, nimio pudore praepediti, apud parochos aut vicários, utpote sibi notos et
familiares, non audent deponere, existimaverunt supradicti huic tam urgenti malo
remedium aliquot adhiberi posse missionum beneficio, quae tunc in oppidis et pagis
intra eorum dominia contentis factae sunt a supplicante Vincentio de Paulo et aliis
33
Antônio Portail, natural de Beaucaire, nasceu a 22 de novembro de 1590, veio para estudar na Sorbona. Nessa
cidade conheceu São Vicente por volta de 1612 e se juntou a ele. Desde o dia de sua ordenação (1622) ao de sua
morte, 1660, foi auxiliar do Santo. São Vicente o empregou primeiro no serviço dos galés, recebeu-o, antes de
qualquer outro em sua nova Congregação, o iniciou no ministério das missões e na obra dos ordinandos, o escolheu
como primeiro assistente em 1642, e lhe confiou a direção das Filhas da Caridade. Antônio Portail deixou Paris em
1646 para fazer a visita das casas da Congregação. Começou pelo oeste da França, desceu para o sul, foi para a Itália
e só voltou a São Lázaro em setembro de 1649. Com exceção de uma longa ausência em 1655, quase não deixou mais
a Casa-Mãe. Devemos-lhe uma nova edição das Meditações de Busée, que ele retocou e aumentou
consideravelmente. A morte o levou, a 14 de fevereiro de 1660, depois de uma doença de nove dias ( Notícias sobre
os padres, clérigos e irmãos falecidos da Congregação da Missão, Paris, 1881-1911, 10 vol., in-8º, em 2 séries, 1ª
série, t. I, pp. 1-94).
44
Jean Bécu era natural de Braches (Somme), onde nasceu a 24 de abril de 1592. Foi ordenado padre em setembro de
1616 e veio, em setembro de 1626, unir-se aos primeiros companheiros de São Vicente. Dois de seus irmãos, Benôit e
Hubert, o acompanharam na Congregação, o último como Irmão coadjutor, e uma de suas irmãs entrou para as Filhas
da Caridade. A direção da casa de Toul lhe foi confiada de 1642 a 1646. De volta a Paris, aí passou o resto da vida.
Morreu a 19 de janeiro de 1667, depois de ter exercido o cargo de Vice-Visitador, e depois Visitador da Província da
França (Notícias, t. I, pp. 125-133).
55
Antônio Lucas, nascido em Paris a 20 de janeiro de 1600, fizera sérios estudos na Sorbona. Entrou na Congregação
da Missão em dezembro de 1628. Seu zelo, seu talento nas pregações, sua habilidade nas controvérsias o tornaram
apreciado pelo Padre de Condren e Jean-Jacques Olier, que o solicitou um dia a São Vicente para sua instrução
pessoal e para a conversão de um herege. Antônio Lucas pertencia a casa de La Rose em 1645. Dirigiu o
estabelecimento de Mans, de 1647 a 1651, e foi posteriormente colocado em Sedan.
66
Jean José Brunet nasceu em Riom em 1597, agregou-se aos companheiros de São Vicente em 1627, pregou
missões em Bordelais, foi colocado em Alet, em Gênova e em Marselha, onde morreu a 06 de agosto de 1649, vítima
de sua dedicação aos pestíferos (Notícias, t. I, pp. 147-151).
77
Jean Dehorgny, de Estrées-Saint-Denis (Oise), entrou na Congregação da Missão no mês de agosto de 1627 e foi
ordenado padre a 22 de abril de 1628. Em 1632, quando São Vicente se estabeleceu em São Lázaro, Jean Dehorgny
assumiu a direção do Colégio dos Bons-Enfants, cargo que ocupou até 1635 e que retomou de 1638 a 1643, e de 1654
a 1659. Ele foi de 1642 a 1644, e de 1654 a 1667, assistente do Superior Geral, de 1644 a 1647, e de 1651 a 1653,
superior do estabelecimento de Roma, de 1660 a 1667, diretor das Filhas da Caridade. Em 1640, 1641, 1643, 1644,
1659 e 1660, visitou diversas casas da Companhia e restabeleceu a boa ordem por toda parte onde havia necessidade.
Sua simpatia pelas ideias jansenistas nos valeu duas belas cartas de São Vicente que teve a alegria de vê-lo retornar a
ideias mais sadias. Viveu até 07 de julho de 1667. Temos dele vinte e três conferências às Filhas da Caridade e várias
cartas (Nitícias, t. I, pp. 153-220).
88
As ordens de São Miguel e do Espírito Santo.
71

ecclesiasticis probatis, doctrina et morum integritate conspicuis, autoritate


Reverendissimorum Dominorum Episcoporum eorum locorum: quod adeo feliciter
successit ut, cognito et praesentia sua comprobato fructu et emolumento quod inde ad
gloriam omnipotentis Dei redundaret ex confessionibus generalibus de integra vita quas
multa oppida et pagi integri amplexi sunt, emendatione vitae et meliore fruge
plurimorum, imo etiam aliquorum haereticorum in sinum sanctae Romanae Ecclesiae
receptorum conversione, supramemoratus dominus et domina hoc pium opus
missionum perpetuum reddere decreverunt; quod fecerunt eleemosyna, anno Domini
millesimo sexcentesimo vigesimo quinto erogata, quadraginta quinque millium
francorum, in sustentationem et alimoniam aliquot ecclesiasticorum, qui, prius relictis
omnibus beneficiis et officiis quae in urbibus haberent, imo et spe ad illa in posterum
obtinenda deposita, simul habitare et in congregatione vivere decrevissent et in salutem
pauperis populi rusticani ex professo incumbere vellent sub directione dicti Vincentii de
Paulo, supplicantis; qua fundatione a Reverendissimo Domino Archiepiscopo Parisiensi
approbata et confirmata, nominatus Vincentius de Paulo, ab eodem Domino
Archiepiscopo constitutus superior, associavit et aggregavit sibi supramemoratos; qui
presbyteri9, ut facilius et utilius possint saluti pauperum rusticanorum incumbere,
relictis beneficiis quibus quidam illorum gaudebant, et aliis conditionibus in quibus alii
in urbibus occupabantur, simul congregati sunt, et, societatem conficientes, in ea vivunt
sub titulo et nomine Sacerdotum Missionis aut Missionariorum et sub directione et
correctione dicti Vincentii de Paulo, toti incumbentes in salutem populi rure
commorantis, quem propterea adeunt, ab oppido ad oppidum, a pago in pagum
transeuntes, conciones, exhortationes habent ad populum, edocent unumquemque, et
publice et privatim, catechismum, mysteria fidei ad salutem necessária, quae ut
plurimum penitus ignorantur, ad confessiones generales de tota vita disponunt easque
excipiunt, haereticorum conversionem procurant, terminant lites et dissidia, inimicitias
et odia conciliant confraternitatem Charitatis erectam ad subveniendum saluti corporis
et animae pauperum morbo detentorum, ubi necessitas expetit, instituunt; haecque
omnia pia opera jam exercent non modo in pagis et oppidis ad dominum et dominam
fundatores pertinentibus, quae loca singulis quiquenniis adire ibique praedicta officia
exercere tenentur, verum etiam in multis aliis partibus et dioecesibus huius regni
Franciae felici sucessu laboraverunt, adjuvante Dei gratia, ut in archiepiscopatu
Senonensi, in dioecesibus Catalonensi, in Campania, Trecensi, Suessonensi,
Bellovacensi, Ambianensi et Carnutensi, semper cum magna satisfactione
Reverendissimorum Dominorum Archiepiscoporum et Episcoporum dictorum locorum,
cum salute miseri populi et incredibili omnium aedificatione. Quae omnia pia opera
semper suscipiunt sumptibus et impensis dictae congregationis, quae nullam laborum
suorum mercedem aut compensationem temporalem recipit aut expectat.
Propter dictas causas, Sanctissime Pater, et quia perpetuitas hujus pii operis ad
salutem et conversionem proximi plurimum confere potest, placeat Sanctitati Vestrae
approbare et confirmare dictam congregationem et, in quantum opus est, de novo
erigere, Vestram benedictionem supra illam extendere dictumque Vincentium instituere
in institutorem praepositum generalem dictorum sacerdotum, necnon et aliorum ad
99
Todos os signatários da súplica eram padres, exceto Antônio Lucas, ordenado três meses depois.
72

societatem eorum promoveri cupientium et reliquorum ad familiaria officia


necessariorum1010 dictae congregationis Missionis nuncupatae, qui simul et in societate
religiose vivere et in humilitatis spiritu et piae vitae studiis Altissimo famulatum
exhibere et impendere voluerint, quorum principale ac praecipuum institutum erit
propriae perfectioni et incolarum rure degentium totaliter incumbere, cum plena et
omnimoda facultate, potestate et auctoritate eidem Vincentio jampridem per dominum
Archiepiscopum Parisiensem ad id assumpto et a dominis fundatoribus summopere
desiderato, ut praedictam congregationem hujusmodi tam in civitate Parisiensi quam in
omnibus aliis civitatibus, oppidis, terris et locis ad quae a locorum Episcopis vocatus
fuerit, et non alias, instituendi1111, ac demum pro felici statu et directione personarum
ac bonorum spiritualium et temporalium ejusdem congregationis seu congregationum
sic erigendarum, tum circa receptionem et admissionem, numerum, aetatem et qualitates
in ipsa congregatione recipiendorum et admittendorum, oerumque instructionem et
disciplinam, exercitia, ac modum ac formam divinorum officiorum, precum et
orationum aliorumque suffragiorum recitandorum, et alia ipsis congregationibus utilia
atque necessaria, quaecumque statuta, ordinationes, alia ipsis congregationibus et
capitula licita et honesta sacrisque canonibus et constitutionibus apostolicis necnon
Concilii Tridentini decretis minime contraria, a Sancta Sede Apostolica postmodum
approbanda, confirmanda ac per ipsarum congregationum praepositum, presbyteros,
officiales, ministros et coadjutores, sub poenis apponendis, adimplenda et observanda,
faciendi, edendi et condendi, factaque, edita et condita, quoties pro illorum ac rerum et
temporum qualitate et vicissitudine, seu alias videbitur, corrigendi, limitandi,
immutandi, alterandi ac etiam alia, ut praefertur, adimplenda et observanda, ex integro
faciendi et condendi, aliaque omnia et singula similium congregationum, necnon
quorumcumque ordinum approbatorum constitutoribus aut aliis superioribus etiam
generalibus, de jure vel consuetudine, sive ex privilegio, aut alias quomodocumque fieri
et exsequi solita, faciendi et exequendi, dicta auctoritate deputare et assumere;
Omnesque alias ad instar supradictae cononice erigendas congregationes quas ab
ea Parisiensi et a dicto praeposito generali quocumque locorum stabilitae fuerint, in
omnibus dependere placeat Sanctitati Vestrae, ex nunc prout postquam auctoritate
praedicta erectae fuerint, eisdem auctoritate et tenore perpetuo approbare et confirmare;
Dictosque praepositum, presbyteros et quascumque personas dictae
congregationis liberare a jurisdictione suorum Ordinariorum et a Sancta Sede
Apostolica dependere placeat Sanctitati Vestrae, ita tamen ut dictae personae obedire
teneantur Reverendissimis Dominis Episcopis et Dioecesanis suae residentiae circa
missiones, etiam pergere quocumque et ad quoscumque eos mittent, absque ulla
excusatione super quovis praetextu fundata, excepta indispositione corporis aut nímio
labore praecedente, qui aliquam quietem ad resumendas novas vires requiret;
Et postremo eisdem congregationibus, ex nunc prout etiam postquam institutae et
erectae fuerint, ut praefertur, pro illarum dote ac dicti Vincentii, necnon praepositi
generalis et presbyterorum eorumdem pro tempore existentium sustentatione onerumque

1010
Estas palavras se referem aos Irmãos Coadjutores; nessa ocasião, só havia na Companhia os Irmãos Jean Jourdain
e Hector.
1111
A Congregação da Missão não tinha então outro estabelecimento a não ser o Colégio dos Bons-Enfants.
73

illis incumbentium supportatione, omnia et singula, res, bona, fructus, reditus et legata
jam facta et facienda tam per dictum dominum Gondium et dominam Franciscam
Margaritam de Silly, fundatores, quam alios quoscumque christifideles dictis
congregationibus quomodolibet relinquenda, donanda et elargienda, ita quod liceat dicto
Vincentio vel alii praeposito generali et presbyteris dictarum congregationum pro
tempore existentibus, illorum omnium corporalem, realem et actualem possessionem,
per se vel per alium seu alios, dictarum comgregationum nomine, libere apprehendere et
perpetuo retinere, fructus quoque, reditus et proventus, jura, obventiones et emolumenta
quaecumque eorumdem percipere, exigere, levare, recuperare ac in dictarum
congregationum usus et utilitatem convertere, Diocesani loci vel cujuvis alterius licentia
desuper minime requisita, et etiam perpetuo applicare.
Et ad augendam fidelium devotionem animarumque saluti consulendum, et ut
christifideles ad hujus Instituti exercitium animentur atque innitentur, supplicant
Sanctitatem Vestram dicti oratores ut placeat illis concedere omnes facultates quas
solita est concedere religiosis et sacerdotibus saecularibus quos Sua Sanctitas mittit in
Missiones in partes infidelium:
Scilicet potestatem apostolicam concionandi, catechisandi, excipiendi
confessiones, instituendi confraternitatem Charitatis ubique locorum, semper sub
beneplacito Reverendissimorum Dominorum Episcoporum;
Potestatem absolvendi ab omnibus censuris ecclesiasticis et dispensandi de
irregularitatibus occultis, commutandi vota et absolvendi ab omnibus casibus Vestrae
Sanctitati reservatis etiam in Bulla Coenae Domini;
Potestatem quoque dictis missionariis legendi libros haereticorum et absolvendi
ab haeresi, applicandi plenariam indulgentiam omnibus qui instituunt confessiones
generales iisdem missionariis et aliis ecclesiasticis qui ad missiones ab illis assumentur;
Instituendi orationem quadraginta horarum in locis in quibus expedire credent, et
applicandi plenariam indulgentiam iis qui, ea durante, confitebuntur et sacram
Eucharistiam sument;
Celebrandi sacrum Missae sacrificium super altaria portatilia, celebrandi etiam
hora ante auroram et post meridiem;
Moderandi et remittendi restitutiones debitas propter incursam simoniam;
Benedicendi ornamenta Ecclesiae.
L. Callon, F. du Coudray, A. Portail, J. de la Salle, J. Bécu, A. Lucas, J. Brunet, J.
Dehorgny, Vincent Depaul1212.

27. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

1212
O pessoal da nascente Congregação compreendia ainda Jacques Régnier, recebido no mês de agosto de 1627 e
ordenado padre em 1631, dois irmãos coadjutores e talvez Robert de Sergis, recebido no mês de junho de 1628.
Jacques Régnier não assinou a súplica, muito provavelmente porque ainda não era padre, nem estava prestes a ser
ordenado. – Contentar-nos-emos com a tradução da súplica de 01 de agosto, que difere desta apenas em duas breves
adições e modificações de pura forma.
74

Sim, querida Senhora, consinto, afinal, de coração. Por que não, se foi Nosso
Senhor quem vos deu esse santo sentimento? Comungai pois amanhã e preparai-vos
para a salutar revisão que vos propondes fazer, e depois disso começareis os santos
exercícios1 a que vos dispusestes. Não saberia exprimir-vos como meu coração deseja
ardentemente ver o vosso, para saber como isso aconteceu nele, mas consinto de boa
vontade mortificar-me a esse respeito, por amor a Deus, com o qual, unicamente, desejo
que o vosso se ocupe.
Que bom! Imagino que as palavras do Evangelho desse dia 2 vos tocaram muito. E
assim se tornaram urgentes para um coração que ama com perfeito amor. Oh! que
árvore parecestes hoje aos olhos de Deus, já que produzistes tal fruto! Praza a Deus
sejais para sempre uma bela árvore de vida, produzindo frutos de amor, e que eu, neste
mesmo amor, seja vosso servo,

V. D.

28. ─ AU PAPE URBAIN VIII


1
Carta 27. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
Esta carta é reproduzida inteiramente por Abelly, que coloca antes dela essas palavras: “Esta fiel serva de
Jesus Cristo se sentiu fortemente tocada em suas orações no sentido de se dedicar ao serviço dos pobres; tendo pedido
o conselho do Padre Vicente a respeito, recebeu dele esta resposta” (op. cit., t. I, cap. XXIII, p. 105).
Monsenhor Baunard (A Venerável Luísa de Marillac, Paris, 1898, in-8º, p. 43, nota 1) pensa que Abelly se
engana. A carta seria, segundo ele, um simples encorajamento para os exercícios espirituais de um retiro, que deveria
ser acompanhado de uma confissão geral.
Somos, porém, do parecer de Abelly. Se houvesse em Luísa de Marillac apenas o desejo de fazer um retiro
espiritual e uma revisão de sua vida, São Vicente não lhe teria escrito: “Não saberia exprimir-vos como meu coração
deseja ardentemente ver o vosso, para saber como isso aconteceu nele” e “Oh! Que árvore parecestes hoje aos olhos
de Deus, já que produzistes tal fruto!”. Trata-se, tudo indica, de uma grave decisão tomada por Luísa de Marillac. A
explicação de Abelly é mais natural. É a que adotamos.
1
Os exercícios do retiro.
22
Esta carta foi escrita no sétimo domingo de Pentecostes, porque é neste dia que se lê, na missa, o evangelho da
árvore boa e da árvore má. Por outro lado, pode-se conjecturar que Luísa de Marillac tomou a resolução de se
consagrar ao serviço dos pobres antes de se oferecer a São Vicente para a visita às Confrarias da Caridade, por
conseguinte, antes de 06 de maio de 1629. Estas duas observações nos levam a pensar que a carta acima poderia
muito bem ser de 30 de julho de 1628.

Carta 28. ─ C. as. ─ Arquivo da Propaganda, III, Lettere di Francia, Avignone e Suizzera, 1628, nº 130, fº 36, antigo
60, original em pergaminho.
Devemos também a descoberta deste documento ao Padre Jean Parrang. Enquanto se estudava sua primeira
súplica em Roma, São Vicente, acatando, talvez, os pareceres de pessoas doutas e amigas, a revisava e corrigia. Com
75

Sanctissimo Patri Nostro Papae,

Supplicant humiliter... et supradictae dominae confessario, urbium incolas omni


auxilio spirituali celebrium doctorum proborumque religiosorum qui in iisdem
civitatibus morantur, sufficienter adjuvari, solum populum rure degentem ignorantia et
paupertate oppressum iisdem auxiliis quibus alii in urbibus abundant, destitui,
proptereaque eumdem populum... deponere non audent; huic tam ingenti malo
remedium aliquod adhiberi posse arbitrati sunt supranominati, si missiones quae tunc in
oppidis et pagis intra eorum dominia contentis a dicto Vincentio cum aliis ecclesiasticis
probitate et doctrina conspicuis factae sunt, sub beneplácito et obtenda facultate a
Reverendissimis DD. ipsorum locorum Episcopis, continuarentur. Quod adeo feliciter,
cógnito et praesentia sua comprobato fructu et emolumento ad gloriam Omnipotentis
Dei emergenti ex confessionibus generalibus de integra vita, quas multa oppida et pagi
integri amplexi sunt, cum emendatione vitae et meliore fruge in posterum, imo etiam
conversione quarumdam haereticorum, successit, ut supramemorati domini Emmanuel
et Francisca, hoc pium opus missionum perpetuum reddere cupientes, eleemosynam
quadraginta quinque [millium] francorum in sustentationem et alimoniam aliquot
sacerdotum, qui, relictis gradibus et ecclesiasticis quae in urbibus haberi solent officiis,
imo spe ad illa in posteru rejecta, simul habitare, necnon in congregatione vivere
salutique pauperis populi rusticano ex professo incumbere vellent, sub directione dicti
Vincentii de Paulo supplicantis, largiti sint, anno Domini millesimo sexcentésimo
vigesimo quinto.
Qua fundatione a Reverendissimo D. Domino Archiepiscopo Parisiensi approbata
et confirmata, supradictus Vincentius de Paulo, ab eodem superior constitutus,
associavit et aggregavit sibi supramemoratos sacerdotes, qui, ut facilius utiliusque bono
animarum ruri degentium intendere valerent, prius relictis beneficiis quibus quidam
illorum fruebantur et aliis conditionibus quarum munere fungentes i urbibus
retinebantur, simul congregati sunt in societatem sacerdotum Missionis aut
Missionariorum sic nuncupatorum, in qua vivunt sub directione dicti Vincentii de Paulo,
toti incumbentes in salutem populi ruri commorantis; quo se conferunt de oppido in
oppidum, de pago in pagum transeuntes, et, conciones exhortationesque ad populum
habendo, edocent unumquemque, publice et privatim catechisando, circa mysteria fidei
ad salutem necessária... terminant lites, odia sedant, dissidia et inimicitias conciliant,
exceção de duas adições, que assinalaremos no devido lugar, o novo texto não difere do precedente a não ser em
algumas modificações de pura forma. O Núncio a enviou a 15 de agosto de 1628 ao Cardeal-Prefeito da Propaganda,
com uma carta de recomendação. As razões levantadas por esta Congregação, a 22 de agosto, para a rejeição da
requisição precedente, atingiam esta última. Assim sendo, São Vicente soube, sem se assustar, que ela fora por sua
vez rejeitada. Conforme uma nota, o julgamento foi emitido a 25 de setembro. Se a ata da reunião realizada nesse dia
não faz menção dele, deve-se isso, provavelmente, ao fato de não ter havido deliberação sobre o assunto, uma vez que
a segunda súplica ficava virtualmente repelida, pelas considerações da decisão tomada contra a primeira.
São Vicente não era homem de se deixar levar ao desânimo. Aguardou, refletiu, preparou uma outra
requisição, cujo texto não temos, movimentou pessoas de influência e obteve enfim, a 12 de janeiro de 1632, tudo o
que desejava. E mais ainda, pois não pensava que o Soberano Pontífice haveria de declarar seu Instituto “muito
agradável a Deus, muito útil e mesmo necessário aos homens”, Deo acceptissimum, hominibus utilíssimum
prorsusque necesssarium (Bula Salvatoris Nostri).
Julgamos inútil reproduzir as passagens comuns com a súplica de junho (carta 26). O leitor poderá com
facilidade referir-se a esta última, quanto às partes omitidas.
76

confraternitatem Charitatis ad subneniendum saluti corporis et animae pauperum morbo


detentorum, ubi necessitas expetit, instituunt; haecque omnia pia opera Jam non modo
in pagis et oppidis ad dominum et dominam fundatores pertinentibus quae loca singulis
quinquenniis adire, ibique praedicta officia exercere tenentur, verum etiam in multis
aliis partibus hujus regni Franciae felici sucessu exercent, adjuvante Dei gratia, ut in
archiepiscopatibus Parisiansi et Senonensi, in dioecesibus Catalaunensi... et incredibili
omnium satisfactione; quae omnia pia opera semper suscipiunt sumptibus et impesis
dictae congregationis, quae nullam laborum suorum mercedem et compensationem
temporalem recipit aut expectat.
Quapropter, Sanctissime Pater, et quia perpetuitas hujus pii operis ad salutem et
conversionem proximi multum conferre videtur, placeat Sanctitati Vestrae... propriae
perfectioni et saluti incolarum ruri degentium totaliter incumbere, eundo de pago in
pagum, illicque concionando, catechisando, ad anteactae totius vitae conscientiae onus
deponendum inducere, poenitentium confessionem generalem excipere, parvulos ad
sacrosanctae synaxis primam susceptionem dignanter instruere, necnon, ut necessitati
pauperum aegrotantium subveniatur, confraternitatem Charitatis instituere, et hoc grátis,
necsusceptis directe aut indirecte muneribus1: cum plena et omnimoda facultate...
summopere expedito, praedictam congregationem hujusmodi...personarum et bonorum
spiritualium et temporalium... tum circa admissionem, numerum, aetatem ...
instructionem et disciplinam, correctionem, exercita, modum et formam divinorum
officiorum... et alia ipsis congregationibus utilia atque necessária, quaecumque statuta,
ordinationes et capitula licita et honesta... Omnesque alias ad instar supradictae
canonice erigendas congregationes ab ipsa Parisiensi et a dicto praeposito generali...
Dictosque praepositum, presbyteros et quascumque personas dictae congregationis a
jurisdictione suorum Ordinariorum liberare, a Sancta Sede Apostolica dependere placeat
Sanctitati Vestrae; ita nihilominus ut dictae personae Reverendissimis Dominis
Episcopis et Dioecesanis suae residentiae circa missiones obedire teneantur, etiam
quocumque et ad quoscumque eos mittent... novas vires requiret, reservata tamen
electione mittendorum ipsorum presbyterorum superiori domus necnon reservata
praeposito dictae congregationis potestate instituendi superiores et officiales in aliis
etiam congregationibus erigendis eosque deponendi, inhabiles vero ab ipsis
congregationibus expellendi, itemque dictos presbyteros et alios transferendi de uma
domo in aliam, sicut et accersendi eos quocumque in loco aut quacumque in domo
fuerint, si mandatum Vestrae Sanctitatis ad aliquam Missionem aut necessitas quaedam
istud postulaverit2.
Et postremo eisdem congregationibus, ex nunc prout postquam institutae et
erectae fuerint... tam per dictum dominum Gondium et dictam dominam Franciscam
Margaritam de Silly, fundatores... ita quod dicto Vincentio... libere apprehendere liceat
et perpetuo retinere... vel cujusvis alterius licentia minime requisita, et etiam perpetuo
applicare.

11
Estas oito linhas, de eundo de pago até muneribus, faltam na súplica de junho.
22
Esta passagem, desde reservata tamen electione, é especial a esta segunda súplica; é provavelmente a única razão
de ser, dela, pois as outras mudanças são todas de importância secundária.
77

Et ad augendam fidelium devotionem animarumque saluti consulendum, utque


christifideles… dicti oratores ut sibi placeat allis elargiri omnes facultates quas solita est
concedere religiosis et sacerdotibus saecularibus quos Sua Sanctitas ad partes Infidelium
in missionem mittit:
Potestatem Apostolicam scilicet concionandi, catechisandi, excipiendi
confessiones, confraternitatem Charitatis ubique locorum instituendi, semper tamen sub
beneplacito Reveredissimorum DD. Episcoporum;
Absolvendi ab omnibus censuris acclesiasticis et dispensandi de irregularitatibus
occultis, commutanti vota et absolvendi ab omnibus casibus Vestrae Sanctitati etiam in
Bula Coenae Domini reservatis;
Disputandi contra haereticos, conversos ab haeresi absolvendi, eorum libros
legendi, applicandi plenariam indulgentiam omnibus confessionem generalem
facientibus, idque non modo missionariis, sed etiam ecclesiasticis qui ad missiones ab
illis in casu necessitatis assumuntur;
Instituendi orationem quadraginta horarum...;
Sacrum Missae sacrificium super altaria portatilia celebrandi, etiam ante auroram
et post meridiem;
Moderandi et remittendi restitutiones debitas propter incursam simoniam;
Benedicendi ornamenta Ecclesiae.
J. DE LA SALLE, J. BECU, DU COUDRAY, A. PORTAIL, CALLON, J. DEHORGNY, J.
BRUNET, A. LUCAS, VINCENT DEPAUL.

Datum Parisiis, in collegio Bonorum-Puerorum, prima die augusti, Domini anno


millesimo sexcentesimo vigesimo-octavo.

TRADUÇÃO

Ao nosso Santíssimo Padre o Papa,

Vicente de Paulo, superior dos padres da Missão, fundada em Paris, mestre Luís
Callon, doutor na Sorbona, Antônio Portail, Francisco du Coudray, Jean de la Salle,
Jean Bécu, Antônio Lucas, José Brunet e Jean Dehorgny, das dioceses de Dax, Rouen,
Arles, Amiens, Paris, Clermont e Noyon, apresentam suas humildes súplicas e expõem
os fatos seguintes:
Filipe Emanuel de Gondi, Conde de Joigny, Marquês das ilhas de Ouro, Cavaleiro
das duas Ordens, Conselheiro do Rei, Capitão de cinquenta homens de armas, Lugar-
tenente Geral para o Rei da França nos mares do Oriente, Intendente Geral das Galeras
reais, recentemente admitido na Congregação do Oratório de Jesus na cidade de Paris, e
a falecida Francisca Margarida de Silly, então sua esposa, Baronesa de Mont-Mirail,
Trosnay e outros lugares, tendo considerado atentamente, desde vários anos, com o
referido Vicente de Paulo, então seu capelão e confessor da citada senhora, que os
habitantes da cidade estavam suficientemente providos de todo socorro espiritual por
distintos doutores e religiosos de vida santa nelas estabalecidos, enquanto os pobres dos
campos, privados dos mesmos socorros, tão abundantes nas cidades, permanecem na
78

ignorância e na pobreza, ignorando, até à sua velhice, os mistérios da fé necessários à


salvação, e morrem com frequência nos pecados de sua juventude, por vergonha de
revelá-los aos párocos ou aos vigários que lhes são conhecidos e familiares;
considerando isso, para remediar a tão grande mal, os supracitados julgaram que as
missões até agora pregadas nos povoados e aldeias situadas em suas terras pelo dito
Vicente e outros eclesiásticos conhecidos por sua probidade e doutrina, sob o
beneplácito e com o consentimento dos Reverendíssimos Senhores Bispos dos mesmos
lugares, deveriam ter continuidade.
Graças às confissões gerais, cuja prática, espalhada em muitos povoados e aldeias
para a glória de Deus todo poderoso, provocou o retorno à virtude de um grande número
e até mesmo a conversão de alguns hereges, e leva a esperar mais para o futuro, as
missões têm sido coroadas de tanto êxito que os referidos senhor Emanuel e
Dona Francisca, testemunhas desses felizes frutos e desejosos de perpetuar a obra
salutar das missões, doaram 45.000 francos no ano do Senhor de 1625, para a
manutenção e subsistência de alguns padres decididos a viver em comum e a se unir em
congregação, depois de ter abandonado, com os títulos e empregos eclesiásticos obtidos
de ordinário na cidade, a própria esperança de procurá-los no futuro, e isso, para fazer
profissão de se congregarem, sob a direção do dito Vicente de Paulo, à salvação do
pobre povo do campo.
Tendo esta fundação sido aprovada e confirmada pelo Reverendíssimo Senhor
Arcebispo de Paris, o súbdito Vicente de Paulo, estabelecido como superior pelo mesmo
Arcebispo, associou e agregou a si os padres acima denominados. Para se entregarem
mais fácil e utilmente ao bem espiritual dos habitantes do campo, renunciaram aos
benefícios de que vários gozavam nas cidades e a outros cargos que nelas os retinham,
se reuniram formando juntos a sociedade conhecida sob o nome de Padres da Missão
ou de Missionários, para se aplicarem inteiramente, sob a direção do dito Vicente de
Paulo, à salvação do povo do campo, indo de povoado em povoado, de aldeia em aldeia,
pregando, exortando, ensinando, em público e em particular, os mistérios da fé
necessários à salvação, os quais a maior parte ignora completamente, dispondo os fiéis a
fazerem uma confissão geral de toda a vida, ouvindo-os no tribunal da Penitência,
convertendo os hereges, pondo fim aos processos, apaziguando os ódios, as discórdias e
as inimizades, estabelecendo a Confraria da Caridade onde foi necessária, para o bem
espiritual e corporal dos pobres doentes. Exercem seu piedoso ministério com grande
êxito, com a graça de Deus, não somente nos povoados e aldeias situadas nas terras dos
referidos senhor e senhora fundadores (terras que devem evangelizar de cinco em cinco
anos), mas também em muitas outras partes deste reino de França, como nos
arcebispados de Paris e de Sens, nas dioceses de Châlons, na Champanha, em Troyes,
Soissons, Beauvais, Amiens e Chartres, onde executam seus trabalhos para o maior bem
do povo pobre, com grande satisfação dos Reverendíssimos Senhores Arcebispos e
Bispos e contentamento incrível de todos, aos custos e despesas da dita Congregação,
sem receber nem esperar recompensa ou compensação alguma temporal.
Por estes motivos, Santíssimo Padre, e porque a perpetuidade desse piedoso
empreendimento parece muito útil à salvação e à conversão do povo, praza a Vossa
Santidade aprovar e confirmar a dita Congregação e, na medida em que for necessário,
79

erigi-la de novo, dispensar-lhe vossa bênção e nomear o dito Vicente fundador e


superior geral dos referidos padres, dos que desejam se juntar a eles e das pessoas
indispensáveis para garantir os serviços domésticos na Congregação, chamada “da
Missão”, à qual se unem para levarem juntos vida comum, a exemplo dos religiosos, se
colocarem humilde e piedosamente a serviço do Altíssimo, tenderam antes de tudo e
com todas as forças, à busca da própria perfeição e à salvação do pobre povo do campo,
indo de aldeia em aldeia para pregar, catequisar e exortá-los a aliviar a consciência do
peso dos pecados de toda a vida, ouvir-lhes a confissão geral, preparar dignamente as
crianças para a primeira comunhão, estabelecer as Confrarias da Caridade para o
socorro aos pobres doentes, tudo isto às suas próprias expensas, e sem aceitar ofertas
que se poderiam fazer direta ou indiretamente.
Digne-se Vossa Santidade conceder, ao mesmo Vicente, que o senhor Arcebispo
de Paris já escolheu para esta obra e que os senhores fundadores desejaram, permissão,
poder e autoridade plena e total para estabelecer a dita Congregação tanto na Cidade de
Paris como em todas as outras cidades, povoados, terras e lugares onde os bispos a
chamarem e somente lá notificar e impor, com vistas a procurar o feliz estado e o bom
governo das pessoas e dos bens espirituais e temporais desta mesma congregação e das
casas que forem instaladas, e com o desejo de submetê-los à aprovação e confirmação
da Santa Sé, todos os estatutos, regulamentos e decretos lícitos, honestos e conformes
aos Sagrados Cânones, às Constituições apostólicas e aos decretos do Concílio de
Trento, obrigatórios para o superior, os padres, os oficiais, ministros e coadjutores das
casas, submetidos a eventuais penas impostas sobre a admissão, o número, a idade e as
qualidades dos que forem recebidos e admitidos nessa Congregação, a instrução, o
governo, a correção e os exercícios, o modo e a forma dos ofícios divinos, das orações,
das preces e outros sufrágios a recitar, e todas as outras coisas úteis e necessárias.
Que Vossa Santidade haja por bem conceder ainda ao dito Vicente pleno poder de
corrigir, limitar, modificar e retocar as regras, quando forem redigidas, publicadas e
editadas, sempre que as disposições e as mudanças das pessoas, das coisas e dos tempos
o exigirem, quando parecer conveniente, de fazer e estabelecer novas regras, de impor-
lhes a observância e a prática, e de fazer e executar todas as coisas gerais e particulares
que se fazem e se executam ordinariamente em virtude do direito ou do costume, de um
privilégio e de outra maneira, pelos fundadores ou pelos superiores, mesmo gerais, de
semelhantes congregações e ordens aprovadas, sejam quais forem.
Praza a Vossa Santidade dar aprovação e confirmação, com sua autoridade e para
sempre, desde agora, no sentido de que as casas que forem erigidas em outros lugares,
sejam eles quais forem, à maneira da súbdita casa, pela casa de Paris e pelo dito
Superior Geral, dependam deles, em todas as coisas.
Praza a Vossa Santidade isentar o superior, os padres e todos os membros da dita
congregação da jurisdição de seus ordinários e torná-los dependentes da Santa Sé
Apostólica, de tal sorte, porém, que as referidas pessoas sejam obrigadas, no que
concerne às missões, a obedecer aos Reverendíssimos senhores Bispos e Ordinários do
lugar onde residem, a ir para onde e para quem serão enviados, sem excusa nem
pretexto, salvo contudo no caso de doença ou de fadiga excessiva, proveniente de um
trabalho anterior e necessitando de algum repouso para recobrar novas forças, ficando
80

confiada ao superior da casa toda a liberdade de escolher os missionários para as


missões e ao Superior Geral a de nomear e dispor os superiores e os oficiais, mesmo nas
casas a se fundarem no futuro, de retirar dessas casas os que não forem aptos, de
transferir os ditos padres e outros de uma casa para outra e de os chamar de volta, seja
qual for o lugar ou a casa onde estejam, se Vossa Santidade o autorizar, para uma
missão, se o exigir alguma necessidade.
Enfim, que seja permitido, dede logo, que essas mesmas casas, durante o tempo
em que estiverem estabelecidas e erigidas (como foi dito antes), aceitem como doação,
para manutenção do dito Vicente, do superior geral dos padres que as compõem, e para
ajudá-las a suportar os encargos que lhes incumbirem, todas as coisas, em geral e em
particular, recursos, bens, frutos, rendas e dons, já feitos ou a se fazerem, seja pelo dito
senhor de Gondi e a dita senhora Francisca Margarida de Silly, fundadores, seja pelos
outros fiéis, para serem distribuídos, dados e concedidos por acordo, às referidas casas,
seja pela qual for a maneira.
Seja permitido ao dito Vicente e a qualquer outro superior geral, e aos padres que
fazem parte das referidas casas, receber livremente, em nome das ditas casas, por si
mesmo, por um outro ou por outros, a posse corporal, real e atual de todos esses bens e
de conservar-lhes perpetuamente os frutos, rendas e produtos, perceber-lhes, exigir,
revogar e recuperar-lhes os direitos, as rendas, os interesses, empregá-los para o uso e
utilidade das ditas casas e mesmo aplicar-lhos em caráter perpétuo sem a necessidade de
munir-se da permissão do bispo da localidade ou de qualquer outro lugar.
E para aumentar a devoção dos fiéis, procurar a salvação das almas e levar os
cristãos a praticar os exercícios implantados pelos membros desse Instituto os ditos
padres suplicam que Vossa Santidade haja por bem conceder-lhes todos os poderes que
costuma conceder aos religiosos e aos padres seculares que Sua Santidade envia em
missão aos países infiéis, a saber, o poder apostólico:
De pregar, catequizar, ouvir confissões, instituir a Confraria da Caridade em todos
os lugares, sempre, contudo, com o beneplácito de nossos Reverendíssimos senhores
Bispos;
De absolver de todas as censuras eclesiásticas e de dispensar das irregularidades
ocultas, de comutar votos e absolver todos os casos reservados a Vossa Santidade,
mesmo os consignados na Bula In Caena Domini (Na Ceia do Senhor);
De disputar contra os hereges, de absolver os que abjurarem seus erros, de ler os
livros dos hereges, de aplicar a indulgência plenária a todos que fizerem uma confissão
geral (poderes pedidos também em favor dos que ajudarem os missionários em caso de
necessidade);
De implantar a oração das Quarenta Horas nos lugares onde o julgarem útil e de
aplicar a indulgência plenária aos que se confessarem e comungarem durante esse
tempo;
De celebrar o santo sacrifício da missa sobre altares portáteis, mesmo antes da
aurora e depois do meio dia; de diminuir ou mesmo de perdoar inteiramente as
restituições devidas por se ter incorrido em simonia;
De benzer os ornamentos da Igreja.
81

J. de la Sale, J. Bécu, du Coudray, A. Portail, Callon, J. Brunet, A. Lucas, Vicente


de Paulo.
Dado em Paris, no Colégio dos Bons-Enfants, a 01 de agosto do ano do Senhor de
mil seiscentos e vinte e oito.

29. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

Não tendes razão, minha querida filha1, para pensar que supus que não aceitaríeis
de bom grado a proposta da senhorita; nunca pensei em tal coisa. Nela não pensei,
porque estou seguro de que o vosso querer ou não querer está ligado ao que Deus quiser
ou não quiser, e que estais na disposição de só querer e não querer o que vos dissermos
que nos parece que Deus quer ou não quer. Reconhecei, portanto, vossa culpa por este
pensamento e jamais o admitais para o futuro. Procurai viver contente em meio aos
vossos motivos de descontentamento e honrai sempre o não fazer e a vida oculta do
Filho de Deus. Nisto estais centrada, e é o que ele pede de vós para o presente e para o
futuro, para sempre. Se sua divina Majestade não vos der a conhecer, de uma maneira
sem possibilidade de engano, que ele quer de vós outra coisa, não penseis e não ocupeis
vosso espírito com essa outra coisa. Confiai em mim, penso nisso o bastante, por nós
dois.
Mas passemos ao irmãozinho Miguel. Não há dúvida, minha cara filha, que isto
me toca; os sofrimentos dele me são sensíveis, como os que tendes também pelo amor a
ele. Oh! com certeza! Tudo é para um maior bem.
Que vos direi agora daquele a quem vosso coração quer tanto bem em Nosso
Senhor? Está um pouco melhor, parece-me, mas sempre sentindo um pouco seus
pequenos calafrios. De resto, propõem-lhe e o pressionam a ir a Forges2, e para partir
amanhã. O médico o aconselha a não perder a ocasião, se ela se apresentar, de viajar
num coche. É certo, minha cara filha, e me pesa mais do que vos poderia exprimir seja
necessário fazer tanto por uma pobre carcassa. Mas, se não o fizer, nossos padres 3 se
queixarão de mim. Fazem sobre mim grande pressão, porque lhes disseram que essas
águas minerais me foram proveitosas nos anos passados, em semelhantes enfermidades.
Enfim, propus-me deixar-me levar, pela maneira como me parece que o faria nosso
bem-aventurado Pai4. Já que vou partir, despeço-me de vós, minha cara filha, e me
recomendo a vossas preciosas orações. Quanto a vós, permanecei no estado de que
1
Carta 29. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Vemos pelo conteúdo da carta que Luísa de Marillac não se fixara ainda em sua vocação e que a Congregação da
Missão estava quase nos seus inícios.
22
Forges-les-Eaux, povoado situado a seis léguas de Neufchâtel (Seine inférieure). Esta localidade possui três fontes
de águas minerais ferruginosas com fama de muito tônicas e muito eficazes contra obstruções intestinais e
hidropisias. Luís XIII, a Rainha Ana d’Austria e o Cardeal Richelieu foram lá em 1632.
33
Os padres da Missão.
44
São Francisco de Sales, Bispo de Genebra, falecido em Lyon, a 28 de dezembro de 1622. Distinguia São Vicente
com sua amizade. “Muitas vezes tive a honra de gozar da intimidade de Francisco de Sales”, dizia o Santo no
processo de beatificação do seu ilustre amigo, a 17 de abril de 1628. São Vicente sempre falava do Bispo de Genebra
com sentimentos de admiração; julgava-o digno das honras reservadas aos santos. São Francisco de Sales, por sua
vez, segundo o testemunho de Coqueret, doutor da Sorbona, dizia que “ele não conhecia padre mais digno e mais
santo do que o Padre Vicente” (Carta postulatória do Bispo de Tulle, de 21 de março de 1706). Por isso mesmo, tendo
de designar um superior para o convento da Visitação de Paris, sua escolha recaiu sobre Vicente de Paulo.
82

falamos acima. Não direis isso a ninguém, por obséquio, porque não sei se vai dar certo.
Meu coração não foi capaz de ocultá-lo ao vosso, como também não ao de nossa Madre
de Santa Maria5 e ao da senhora du Fay. Eia pois, a conversa com a filha já se estendeu
bastante. É preciso terminar dizendo-lhe que meu coração guardará mui terna
recordação do seu, no de Nosso Senhor e só pelo de Nosso Senhor, no amor do qual e
no de sua Santa Mãe, sou seu muito humilde servo.

30. ─ A FRANCISCO DU COUDRAY, PADRE DA MISSÃO

Senhor Padre,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Chegamos a esta cidade há três dias, em boa disposição, graças a Deus. O exame
dos ordinandos1 começou ontem e continuará hoje, sexta-feira, e amanhã. Domingo
próximo, começará o retiro espiritual, do qual Deus deu a primeira ideia ao senhor
Bispo de Beauvais2. A ordem é que todos os referidos ordinandos fiquem hospedados
juntos no colégio3. O Padre Duchesne4, o jovem, deve ir para lá e ficar com eles, para
fazê-los observar o regulamento que lhes foi prescrito sobre o emprego do dia. O senhor
55
Foi a conselho do Cardeal de Saboia, durante sua permanência conjunta com ele em Paris, que São Francisco de
Sales estabeleceu nesta cidade um convento da Visitação. A seu apelo, Santa Chantal, então ocupada com a fundação
de Bourgues, veio a Paris, a 06 de abril de 1619, com três de suas filhas. O próprio Bispo de Genebra as instalou, a 01
de maio, numa casa de aluguel do arrabalde Saint-Michel. A comunidade se mudou em 1620 da rua de la Cerisail
para o edifício do Petit-Bourbon, que santa Chantal comprara, e em 1628, do edifício Petit-Boubon para o edifício du
Cossé, rua Santo Antônio, onde o Comendador de Sillery mandou construir, por sua conta, uma capela magnífica, da
qual ele mesmo lançou a primeira pedra, a 31 de outubro de 1632 (Cf. Fundação do primeiro mosteiro da visitação
Santa Maria de Paris, ms conservado na Visitação de Angers; História cronológica das fundações de toda a ordem
da Visitação de Santa Maria, Bibl. Maz., ms. 2430; Félibien, História da cidade de Paris, Paris, 1725, 5 vol., in-fº, t.
III, p. 1312).
O primeiro Mosteiro tinha à frente, em 1629, Helena Angélica Lhuillier, nascida em 1592 de Francisco,
senhor de Interville, e de Ana Brachet, dama de Frouville, casada em 1608 com Thomas Gobelin, senhor de Val,
titular ordinário do Tribunal de Contas, admitida na Visitação de Paris a 02 de julho de 1620, depois da anulação do
seu casamento e a conselho de são Francisco de Sales, professa a 12 de fevereiro de 1622, por várias vezes reeleita
superiora. São Vicente de Paulo dizia que “ela era uma das mais santas almas que ele conhecera” ( Santa Joana
Francisca Frémiot de Chantal. Sua vida e obras, Paris, 1874-1880, 8 vol., in-8º, t. V, p. 65, em nota). Ele a pôs em
contato com o Comendador de Sillery, na esperança de que ela acabaria de reconduzi-lo a Deus. Esta santa religiosa
faleceu, a 25 de março de 1655, no mosteiro du Chaillot, do qual foi a primeira superiora. Seu nome aparece com
frequência na vida de sua irmã, Madame de Villeneuve, pelo P. de Salinis, Paris, 1918, in-8º (Vida manuscrita de
Madre Helena Angélica Lhuillier, Arq. das Filhas da Cruz de Fréguier).
1
Carta 30. ─ Coleção do processo de beatificação.
1
Foi em julho de 1628, diz Abelly (op. cit.,t. I, cap. XXV, p. 117), durante uma viagem, depois de uma conversa com
São Vicente, que o Bispo de Beauvais resolveu receber em sua casa os ordinandos, no mês de setembro, para mandar
ministrar-lhes os conhecimentos necessários a seu novo estado e instrui-los nas virtudes que deveriam praticar. O
Santo preparou um regulamento escrito e foi preparar tudo quinze dias antes da ordenação. Tal foi a origem dos
retiros dos ordinandos, que deviam atrair a São Lázaro Bossuet, o Comendador de Sillery e tantos outros ilustres
personagens.
22
Agostinho Potier , senhor de Blancmesnil, sagrado em Roma a 17 de setembro de 1617, renovou sua diocese, com
a ajuda de São Vicente e de Adriano Bourdoise. Chamou as Ursulinas para Beauvais e Clermont, promoveu missões
nas quais ele próprio tomava parte, estabeleceu um seminário no seu palácio episcopal e multiplicou as Confrarias da
Caridade. Tornou-se Capelão-Mor da Rainha e fez parte do Conselho de Consciência. Nomeado primeiro ministro
quando da morte de Luís XIII, ia receber o chapéu de cardeal quando a influência de Mazarino prevaleceu
definitivamente sobre a sua. Morreu a 20 de junho de 1650 (Cf. História da diocese de Beauvais, por Delettre,
Beauvais, 1842-1843, 3 vol., in-8º, t. III, pp. 377-438; Agostinho Potier, por Fernando Potier de la Morandière, Paris,
1902, in 8º).
33
Le Clerc, amigo íntimo de Bourdoise, era o principal do colégio. A época das férias lhe ensejava toda facilidade de
dispor do colégio em favor dos ordinandos.
83

Bispo de Beauvais fará a abertura do retiro, domingo de manhã. O Padre Messier 5 e o


Padre Duchesne6 e eu7 devemos falar, alternadamente, cada um por sua vez, obedecendo
ao assunto julgado conveniente. O Padre Duchesne, o jovem, e um outro bacharel,
pároco daqui, devem ensinar as cerimônias requeridas para cada ordem. Praza a Nosso
Senhor conceder sua santa bênção a esta boa obra, que parece ser útil a sua Igreja! Peço-
vos recomendá-la a Nosso Senhor.
Como vai a comunidade? Estão todos passando bem? Todos estão bem alegres?
Estão sendo fiéis aos pequenos regulamentos? Estão estudando e se exercitando na
controvérsia? Mantendes aí a ordem prescrita? Suplico-vos, senhor Padre, que todos
aprendam bem o pequeno Bécan8. Nunca é demais dizer quanto este livrinho é útil.
Foi do agrado de Deus servir-se deste miserável para a conversão de três pessoas,
depois de minha partida; mas preciso confessar que a mansidão, a humildade e a
paciência, no tratamento com esses pobres desviados, é a alma deste bem. As duas
primeiras pessoas não me deram trabalho, porque estavam bem dispostas; mas precisei
de dois dias com a terceira. Fiz questão de dizer isso para confusão minha, a fim de que
a Companhia veja que, se aprouve a Deus servir-se do mais ignorante e miserável dos
seus componentes, ele se servirá com muito mais eficácia de qualquer um da referida
Companhia.
O senhor Bispo de Beauvais não determinou o dia do início da missão nesta
diocese, no mês de outubro. Deseja ele que eu esteja presente nesta primeira. Procurarei,
contudo, num intervalo, aproveitar o tempo para ir estar convosco, a fim de estar
presente na prestação de contas interna da comunidade, a partir da última realizada, o
que servirá de preocupação para o próximo exercício.
Como anda o Padre Lucas e o seu trabalho? Esse trabalho lhe convém? Ele volta
para a ceia e o repouso noturno no colégio 9? Está presente nas festas1010 e nas
conferências?
Suplico-vos saudar toda a nossa comunidade, em comum e em particular, e dizer
ao Padre Lucas que certifique ao senhor Bispo de Bazas 1111 de meu muito humilde
serviço. Quanto a vós, peço-vos velar pela vossa saúde e me informar se o padre de
Saint-Martin12 12 veio ao colégio e se vai estar com o senhor Bispo de Bazas, com o
Padre Lucas.

44
Bernardo Duchesne, doutor da Sorbona, fazia parte da comunidade de Bourdoise desde a sua origem. Tomou parte
ativa nas obras deste santo homem.
55
Luís Messier, um dos primeiros companheiros de Bourdoise, do qual foi o braço direito, arcediago de Beauvais e
doutor na Sorbona. Seu irmão foi pároco de Saint-Landry e deão da faculdade de Teologia na Sorbona.
66
Jerônimo Duchesne, doutor pela Sorbona e membro da Comunidade Saint-Nicolas desde 1612, tornou-se arcediago
de Beauvais. Pregava uma missão em Montmirail em 1621, em companhia de São Vicente (Abelly, op. cit.,t. I, cap.
XXIII, p. 55).
77
São Vicente explicou o decálogo. Jerônimo Duchesne vinha assistir a suas palestras. Ficou tão tocado que se sentiu
impelido a fazer sua confissão geral com o Santo (Abelly, op. cit., t. I, cap. XXV, p. 118).
88
Martin Bécan, jesuíta belga, escreveu contra os calvinistas um grande número de opúsculos. Compôs, além disso,
uma Suma Teológica, uma Analogia ao Antigo e do Novo Testamento, um manual de controvérsias e um resumo
desse manual. Bécan era muito apreciado em seu tempo, sobretudo por sua clareza e seu método.
99
Colégio dos Bons-Enfants.
1010
Palavra de leitura duvidosa.
1111
Jean Jaubert de Barrault de Blaignae, Bispo de Bazas (1611-1630), posteriormente Bispo de Arles (1630-30 de
julho de 1643).
12 12
Compatriota do santo.
84

Esqueci-me de vos dizer que julgo ser bom sondar o alfaiate que trabalha na casa,
para ver se ele tem intenção de pertencer à casa 13.13 Ele a teve, há tempos. Mas sua
miopia e a dificuldade que tinha às vezes de cozinhar o reteve, como também a mim.
Adeus, meu caro padrezinho1414. Sou, no amor de Nosso Senhor e de sua Santa
Mãe, senhor Padre, vosso muito humilde e obediente servo,

Vicente de Paulo.

Beauvais, 15 de setembro de 1628.

Destinatário: Ao senhor Padre du Coudray, eclesiástico, no colégio dos Bons-


Enfants, anexo à porta de São Vitor, em Paris.

31. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Cerca de 16291].

Senhora,

Desejo-vos boa noite e também que não choreis mais pela felicidade do vosso
pequeno Miguel, como também que não vos aflijais pelo que será de nossa Irmã...
Meu Deus, minha filha, como há imensos tesouros ocultos na santa Providência e
como honram de modo soberano a Nosso Senhor os que a seguem sem jamais
ultrapassá-la! Sim, dir-me-eis, mas é por Deus que me aflijo. Não é mais por Deus que
vos afligis, se entrais em aflição para servi-lo.

32. ─ A LUÍSA DE MARILLAC1

Oh! como há grandes tesouros ocultos na santa Providência e como honram


sobremodo a Nosso Senhor os que a seguem e não lhe ultrapassam os passos 2. Estava
ouvindo ultimamente um dos grandes do reino a dizer que aprendera esta verdade por
experiência própria, pois jamais empreendera por conta própria a não ser quatro coisas,
e estas, em vez de lhe aproveitarem, só lhe causaram prejuízo. Não é verdade que
quereis, como é razoável, que vosso funcionário nada faça à vossa revelia ou sem vossa
13.13
Em 1628, não houve entrada alguma de Irmão Coadjutor na Congregação da Missão.
1414
Esse título muito familiar São Vicente dá em outras cartas a Francisco du Coudray.
1
Carta 31. ─ Manuscrito São Paulo, p. 84.
1
Nas cartas, com toda certeza posteriores a esta data, São Vicente não chama mais Santa Luísa de “minha filha”.
1
Carta 32. ─ Abelly, op. cit., t. III, cap. III, sec. III, p. 24.
1
O destinatário desta carta, conforme Abelly, é uma mulher piedosa, a que recebeu a carta 53, cujo tom e conteúdo
lembram as cartas dirigidas a Luísa de Marillac.
22
É a mesma frase da carta 31. Essas duas cartas não seriam dois fragmentos de uma única carta, ou a frase comum
seria uma interpolação numa ou noutra?
85

ordem? Ora, se isto é razoável no caso de uma pessoa humana em relação a outra, com
quanto maior razão o será em se tratando do Criador em relação à criatura!

33. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Cerca de 16291].

... Paciência, portanto, ainda, minha cara filha, eu vos peço, assegurando-vos que
pensei, ainda esta manhã, em vós, bastante demoradamente, e que sou e serei, toda a
minha vida, no amor de Jesus e sua Santa Mãe, vosso servo.

34. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Cerca de 16291].

Meu Deus, minha cara filha, como vossa carta e vossos pensamentos que me
enviastes me consolam! Na verdade, preciso confessar-vos que tal sentimento se
espalhou por todas as partes de minha alma, com tanto maior alegria quanto me fazem
ver que estais no estado que Deus vos pede. Ânimo, pois! Continuai, minha cara filha, a
vos manter nestas boas disposições e deixar Deus agir. Mas, com certeza, minha
consolação ficou ferida pelo que me comunicais do estado de vossa doença e que tínheis
escondido. Mas, tudo bem, bendito seja Nosso Senhor por tudo! Cuidai bem de vossa
saúde, por amor a Ele, e perdoai-me por ter ficado tanto tempo com o tal senhor, em
razão do embaraço2 de uma quantidade de visitas. Quanto ao mais, estou melhor, graças
a Deus. Resta-me ainda alguma pequena sensação de febre; mas vai diminuindo,
enquanto aumenta o desejo que tenho de que sejais muito santa.
Adeus, minha filha, Deus vos dê uma boa noite!

35. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Perto de 16291].

1
Carta 33. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Ver carta 31, nota 1.
1
Carta 34. ─ C. aut. ─ Dosssiê das Filhas da Caridade, original.
1
Ver carta 31, nota 1.
22
É frequente em suas cartas referir-se ao “embaraço” em que se encontra e que “aumenta todos os dias” (II, 253).
Certamente, trata-se da multidão dos trabalhos, cartas, compromissos, etc. Poderíamos traduzi-lo tanto por embaraço,
quanto, eventualmente, por empecilhos, trabalhos, atropelos, etc (N. do T.).
1
Carta 35. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Ver carta 31, nota 1.
86

Louvo a Deus, Senhora, por estardes de tal modo submissa à santa vontade de
Deus, e lhe peço que vós e eu tenhamos sempre um mesmo querer e não querer com Ele
e n’Ele, pois isto é um paraíso antecipado. Agradeço-vos, além disto, pelo vosso bom
remédio e vos prometo usar dele amanhã, com o auxílio de Deus, e com toda boa
vontade; e vos suplico, em nome de Deus, tratar de vos curar e nada omitir do que for
preciso para isso. Quanto ao vosso estado interior, ficai em paz; ele não deixa de estar
na disposição que importa, embora no momento não vos pareça.
Adeus, minha cara filha. Sou, em seu amor (de Jesus) e de sua Santa Mãe, vosso
etc.

36. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Cerca de 16291].

... o segredo de vosso coração, que eu desejo na verdade seja todo de Nosso
Senhor, e peço à Santíssima Virgem tomá-lo e levá-lo até ao céu e colocá-lo junto ao
seu e ao de seu caro Filho. Não penseis, porém, que tudo está perdido por causa das
pequenas revoltas que sentis interiormente. Acaba de chover fortemente e troveja de
modo espantoso: o tempo é menos belo por isso? Inundem vosso coração lágrimas de
tristeza, trovejem e ronquem os demônios quanto quiserem, ficai certa, minha cara filha,
de que nem por isso sois menos cara a Nosso Senhor. Vivei, portanto, feliz no seu amor
e ficai certa de que me lembrarei de vós amanhã, apesar de indigno, no sacrifício que
ofertarei ao soberano Sacrificador. Se não estivesse com muita pressa...

37. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Cerca de 16291].

Se não fosse tão tarde como já é, iria estar convosco esta noite, para saber de vós,
mais detalhadamente, o que me comunicais. Fá-lo-ei amanhã, se Deus quiser. Honrai,
entretanto, o sofrimento da Santa Virgem vendo o do seu Filho, e acrescentai a esta
honra a do consentimento do Pai Eterno à vista dos sofrimentos do seu Filho único.
Espero que vos mostrará e dará a conhecer quanto deveis ser grata à sua divina
Majestade, por vos dar a honra de referir vossos sofrimentos aos dele, e quanto a carne e
o sangue vos afastam da perfeição do verdadeiro amor que o Pai Eterno e a Santíssima
Virgem tinham por seu Filho. Pensai nisto, minha cara filha, e consolai-vos.
Desejo-vos um bom dia, muita fortaleza de ânimo, e que me creiais, no amor de
Nosso Senhor, v. s.
1
Carta 36. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original. Faltam o começo e o fim da carta.
1
Ver carta 31, nota 1.
1
Carta 37. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original. No dorso estão estas palavras, escritas pela mão de
Luísa de Marillac: “Toda sobre instrução a respeito de meu filho”.
1
Ver carta 31, nota 1.
87

38. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Abril ou maio de 16291].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


O R. P. de Gondy2 me pede que vá encontrá-lo em Montmirail3, de carruagem.
Isso me impedirá talvez de ter a honra de estar convosco, porque partirei amanhã de
manhã. Vosso coração vos pede para ir até lá, Senhora? Se assim for, seria necessário
partir quarta-feira próxima, pelo coche de Châlons, na Champanha 4, estacionado no
Cardinal, face a Saint-Nicolas-des-Champs5; e teremos a felicidade de vos ver em
Montmirail.
Peço-vos dizer-me o que há na Caridade de nossa estimada senhorita6.
Se nessa tarde eu chegar cedo, poderei ter a ventura de vos dizer uma palavra; se
não, sou, no amor de Nosso Senhor, vosso servo.

Destinatário: À senhora Le Gras.

39. ─ A LUÍSA DE MARILLAC1

Senhora,

Envio-vos as cartas e o relatório de que precisais para a vossa viagem. Ide, pois,
Senhora, ide, em nome de Nosso Senhor. Peço a sua divina bondade que vos
1
Carta 38. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Esta carta parece preceder de poucos dias a carta 39.
22
Filipe Emanuel de Gondi, antigo General das Galeras, que ingressara nos Oratorianos a 06 de abril de 1627.
33
Pequena cidade de Brie, no Marne. Era uma das terras do R. P. de Gondi. São Vicente ficara ali muitas vezes em
companhia do senhor e da senhora Gondi. Pregara lá uma missão em 1621 (Abelly, op. cit., t. I, cap, XIII, p. 55, e ali
fundara sua quarta Confraria da Caridade (ibidem, cap. X, fim, p. 47), cujo regulamento ainda temos. O Duque de
Retz fundou nesta localidade, em 1644, um estabelecimento de missionários.
44
Châlons-sur-Marne.
55
Luísa de Marillac conhecia bem a igreja Saint-Nicolas-des-Champs, que ela frequentara quando morava na rua
Cours-au-Vilain, na paróquia Saint-Sauveur. É nesta igreja que ficou livre de graves tentações contra a fé e que, por
uma espécie de iluminação vinda do alto, vislumbrou o que Deus faria dela mais tarde ( A Vida da Senhora Le Gras,
por Gobillon, Paris, 1676, in-12, p. 17).
66
A Senhora Du Fay.
1
Carta 39. ─ Manuscrito São Paulo, p. 5.
1
Luísa de Marillac se preparava para partir para Montmirail , onde se encontrava São Vicente. Era o seu primeiro
giro apostólico, sua primeira viagem de mulher missionária (Gobillon, op. cit., p. 32). Viajava de ordinário em
companhia de algumas piedosas senhoras, levando consigo ampla provisão de roupas e remédios. Logo ao chegar a
uma localidade que tinha Confraria da Caridade, reunia seus membros, estimulava-lhes o zelo. Tomava conhecimento
dos resultados obtidos e recrutava novos adeptos. Visitava os doentes, distribuía esmolas, reunia as crianças e as
instruía sobre as verdades da fé. Se houvesse uma professora na localidade, dava-lhe conselhos úteis, se não, formava
uma do lugar (Gobillon, op. cit., pp. 33-35).
88

acompanhe, seja vosso consolo no caminho, vossa sombra contra o ardor do sol, vosso
abrigo nas chuvas e no frio, vosso leito macio no cansaço, vossa força no trabalho, e
enfim, vos reconduza em perfeita saúde e plena de boas obras2.
Comungareis, no dia da partida, em honra da caridade de Nosso Senhor e das
viagens que ele fez, movido por semelhante caridade, bem como em honra dos
sofrimentos, das contradições, das fadigas e dos trabalhos que padeceu, a fim de que lhe
seja do agrado abençoar vossa viagem. Conceda-vos seu espírito e a graça de agir no
mesmo espírito e de suportar vossas dores como suportou as suas.
Perguntais-me se eventualmente permanecereis mais tempo do que vos dissemos
em um ou outro lugar. Penso que será suficiente ficar um ou dois dias em cada lugar,
nesta primeira vez, com a condição de retornar no próximo verão, se Nosso Senhor vos
mostrar que lhe podeis prestar algum outro serviço. Quando digo dois dias, vossa
caridade poderá empregar mais tempo, se for necessário e me fará a caridade de
escrever-me.
Quanto ao que se refere à Caridade da senhora Guérin, tomai, por favor, o nome
de sua paróquia. Se passarmos por Chartres, trataremos de ir prestar-lhe serviço, por
causa da Caridade, pois não conheço ninguém daquele bairro que tenha relação com
este estabelecimento.
Adeus, Senhora, lembrai-vos de nós em vossas orações e tende, acima de tudo,
cuidado de vossa saúde, que peço a Deus vo-la conserve. Sou, em seu amor...

Montmirail, 06 de maio de 1629.

40. ─ A LUÍSA DE MARILLAC, EM SAINT-CLOUD

Paris, 19 de fevereiro de 1630.

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Louvo a Deus pela saúde que tendes para trabalhar na salvação de sessenta
pessoas. Peço-vos, entretanto, informar-me exatamente se vosso pulmão não se acha
afetado com tantas falas, nem vossa cabeça com tanta confusão e barulho1.
22
São Vicente se inspira aqui nesta passagem do Itinerário dos Clérigos: “Sede para nós, Senhor, auxílio nas lutas,
consolo no caminho, sombra no calor, abrigo nas chuvas e no frio, carruagem no cansaço, guarda na adversidade,
bastão no perigo, porto no naufrágio, a fim de que, tendo-vos como guia, cheguemos felizes ao nosso destino e,
enfim, voltemos para casa sãos e salvos” (Tradução da citação latina pelo tradutor).
1
Carta 40. ─ Manuscrito São Paulo, p. 6.
1
Lemos nos Pensamentos de Luísa de Marillac, p. 124: “Parti no dia de Santa Ágata, 05 de fevereiro, para ir a Saint-
Cloud. Na santa comunhão, pareceu-me que Nosso Senhor me inspirava recebê-lo como o esposo de minha alma, e
89

Quanto a vosso filho, vou estar com ele; mas ficai tranquila, suplico-vos, porque
podeis esperar que ele está sob a proteção especial de Nosso Senhor e de sua Santa Mãe,
em razão de tantos donativos e ofertas que fizestes em favor dele. Além disso, ele é
amigo de pessoas de Deus e assim nada de mal lhe acontecerá.
Mas o que diremos desta demasiada ternura? Na verdade, Senhora, parece-me que
deveis trabalhar, diante de Deus, para vos livrar dela. Ela só serve para vos perturbar o
espírito e vos privar da serenidade que Nosso Senhor deseja no vosso coração e do
desapego de toda afeição fora dele. Fazei-o pois, vos suplico, e dareis honra a Deus, que
é responsável pelo soberano e absoluto cuidado do senhor vosso filho e que deseja dele
vos interesseis apenas de maneira dependente e suave.
Chegamos de volta, há três ou quatro dias, com boa saúde. Nossa comunidade
partiu hoje para Chelles2, para onde espero me dirigir dentro de dois dias.
Encaminhei-vos uma moça de Maisons3, por algum tempo. Suplico-vos, Senhora,
fazer-lhe a caridade que vos solicitei, em vista da que ela vos puder prestar, e
colaborareis para a salvação de duas almas, ao mesmo tempo; dizei-me se ela foi
encontrar convosco. Informai-me também quando pensais terminar o trabalho em Saint-
Cloud e se a jovem de Suresnes4, que esteve convosco outrora e se aplica a ensinar as
moças, foi estar convosco, como me prometeu domingo passado, quando esteve aqui5.
Aguardando notícias vossas, rogo a Nosso Senhor vos fortaleça cada vez mais,
Senhora, e sou, em seu amor...

41. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Fevereiro de 16301].

Senhora,

A graça de Nosso senhor esteja sempre convosco!


Louvo mil vezes a Deus e o bendigo de todo o meu coração por vos ter devolvido
a saúde, e lhe peço vo-la conserve e vos traga de volta em bom estado 2. Voltai, portanto,

esse ato era para mim como uma espécie de esponsais. Senti-me mais fortemente unida a Deus com esta
consideração, para mim extraordinária, e tive o pensamento de deixar tudo para seguir meu Esposo, de estimá-lo
doravante como tal e de encarar as dificuldades que encontrasse como uma partilha da comunidade de seus bens.
Deus permitiu que, desejando mandar celebrar a missa naquele dia, por ser o aniversário de minhas núpcias, e me
contendo para fazer um ato de pobreza, querendo permandecer em total dependência de Deus na ação que ia fazer,
sem nada revelar ao meu confessor, ele celebrou a missa na qual comunguei; e subindo ao altar, teve o pensamento de
celebrá-la na minha intenção, como oferta gratuita, e de celebrar a missa dos esponsais”.
22
Antiga residência real em Seine-et-Marne.
33
Maisons-Alfort, perto de Paris.
4,4
Localidade da periferia de Paris.
55
Margarida Naseau, que São Vicente chama de primeira Filha da Caridade e cuja tocante história ele relata em
vários de seus colóquios com as irmãs (Ver em particular a Conferência de 24 de fevereiro de 1653). As Irmãs do
Hospital Saint-Eloi de Montpellier doaram, há alguns anos, à Casa-Mãe das Filhas da Caridade, um quadro que a
representaria, como dizem. Mas esta crença não se baseia em nada.
1
Carta 41. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Dois detalhes, a presença de um grupo de misssionários em Chelles e a de Luísa de Marillac numa localidade
vizinha de Paris e ribeirinha do rio Sena ou de um dos seus afluentes, levam-nos a aproximar esta carta da carta 40.
22
Luísa de Marillac estava muito provavelmente em Saint-Cloud.
90

Senhora, pelo fim da semana e até mais cedo, se aparecer a oportunidade, não por água,
mas numa charrete bem fechada. A senhora du Fay me avisou que não pôde achar um
coche. Enviei-lhe vossa carta; mas nada falei ao senhor vosso filho, por uma razão que
vos direi.
Ó bom Deus, Senhora, como é bom ser como criança nos braços de Deus, pois ele
ama com mais ternura ainda os que têm a felicidade de possuir esta qualidade para com
ele em grau maior do que a tendes com o vosso filho, embora tenhais para com ele mais
ternura do que qualquer outra mãe para com seus filhos! Muito bem! Falaremos disso
quando voltardes. Entretanto, tende plena confiança de que aquela a quem Nosso
Senhor agraciou com tanta caridade para com os filhos dos outros, merecerá de Nosso
Senhor que ele tenha um amor todo especial pelo seu, e vivei, por favor, em paz, nesta
confiança. Digo mesmo, vivei na alegria de um coração que deseja ser em tudo
conforme ao de Nosso Senhor.
Nossa pequena Comunidade está em Chelles, e eu aqui, imóvel. Há um padre
jesuíta que faz maravilhas em vossa paróquia 3. A senhora de Villars vos escreve, e eu
me recomendo a vossas orações e sou, no amor de Nosso Senhor, vosso muito humilde
servo,

Vicente de Paulo.

42. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[16301].

Senhora,

Quanto a vossa Caridade2, não posso exprimir-vos quanta consolação eu sinto por
ela. Peço a Deus abençoe vosso trabalho e perpetue esta santa obra. É preciso se
precaver totalmente de entregar a guarda do dinheiro ao senhor vigário, por causa de
uma quantidade de inconvenientes daí resultantes, dos quais vos poderei falar em uma
outra vez. Posso dizer-vos, de antemão, que a experiência mostrou que, de todos os
meios usados na Caridade, os mais seguros são os que vos vieram ao espírito. Se agora
subtrairdes de cada Caridade o cuidado de mandar cozinhar a carne, nunca mais o
havereis de recuperar; quanto a mandar cozinhá-la em outro lugar, se alguém o assumir,
por caridade, no momento, em pouco tempo isso se lhe tornará pesado; e se pagardes
por esse trabalho, ficará muito caro; com o tempo, além disso, as damas da Caridade
dirão que é preciso mandar a mulher que a prepara trazer a marmita aos doentes; desse
modo, vossa Caridade deixará de existir. A experiência nos faz ver que é absolutamente

33
Saint-Nicolas-du-Chardonnet.
1
Carta 42. ─ Manuscrito São Paulo, p. 42.
1
Data na ereção da Caridade de Saint-Nicolas, à qual esta carta parece fazer alusão.
22
Provavelmente, a Caridade de Saint-Nicolas-du-Chardonnet.
91

necessário que as mulheres não dependam nisso dos homens, sobretudo no que diz
respeito ao dinheiro.
Eia pois, Senhora, isso não vos conforta? Direis, depois disso, que sois inútil no
mundo?

43. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Cerca de 16301].

... e saberá, quanto ao vosso filho, que o senhor du Ch. 2 me relatou maravilhas a
seu respeito. Falar-vos-ei disso ao voltar e vos agradecerei pelo que me dizeis da jovem
da qual vos falei, e por terdes pensado nela, suplicando-vos instantemente aplicar-vos
nisso.
Alegro-me com o estabelecimento dessas jovens 3, louvo vosso desejo de lhes dar
algum quadro, mas não o fato de dardes espaço aos pensamentos que vos ocupam sobre
esse assunto. Pertenceis a Nosso Senhor e a sua Santa Mãe; apegai-vos a eles e ao
estado em que vos colocaram, aguardando que eles testemunhem desejar de vós outra
coisa.
Sou, no amor de Nosso Senhor e de sua Santa Mãe, vosso muito humilde servo,

Vicente de Paulo.

[Peço-vos apresentar minhas] humildes recomendações à senhora du Fay e ao


senhor Bliar.

44. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[16301].

Eis que tendes poucas operárias para muito trabalho. Muito bem! Nosso Senhor
trabalhará convosco. A proposta de alimentar, cada uma a seu dia, os doentes, às

1
Carta 43. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original. Falta o começo da carta.
1
Esta carta precede a instituição das Filhas da Caridade e parece ser do tempo em que Michel Le Gras estudava em
Saint-Nicolas-du-Chardonnet.
22
Talvez Gerônimo Duchesne, um dos eclesiásticos da comunidade fundada por Bourdoise.
33
Talvez jovens colocadas à disposição das damas de uma Caridade de Paris, para ajudá-las no serviço aos pobres.
1
Carta 44. ─ Manuscrito São Paulo, p. 41.
1
Data da ereção da Confraria de Saint-Nicolas-du-Chardonnet, à qual São Vicente parece fazer alusão aqui.
92

próprias custas, me parece oportuna; e assim se faz em outras partes até o dia da ereção
da Confraria.

45. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[16301].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Agradeço pelo trabalho que tivestes de me escrever sobre o estado da Caridade 2.
Quando aprouver a Nosso Senhor que eu esteja convosco, falar-me-eis sobre o interesse
da comunidade.
Será na verdade conveniente apliqueis estas ofertas em favor dessa pobre gente.
Acho que sois boas administradoras pois só gastastes cerca de meio escudo.
Se fordes retirar a permissão de estabelecer a Caridade no cartório do senhor de
Paris, ser-vos-á necessário pagar alguma coisa; se for o Monsenhor Guyard 3 a vo-la
liberar, nada pagareis. Poderíeis colocar nela o pequeno selo, que custará apenas cinco
soldos.
Aí estarão mais de cinco mulheres. Rogo a Deus vos envie outras. Quanto aos
recursos, Nosso Senhor proverá.
Com relação a vosso negócio, acho bom que faleis com a senhora du Fay. Mas
quanto ao resto que ele está exigindo de vós, procurai conselho, por favor, sobre que
resposta tereis de dar.
Fazei-me o obséquio de agradecer à senhora du Fay pela geleia e dizer-lhe que
estou melhorando cada vez mais, e lhe peço rogar a Deus para que eu faça bom uso
desta melhor disposição. Quanto a essa pobre filha, o que ela está pedindo?
Cuidai de vossa saúde.
Sou vosso muito humilde servo,

V. D. P. (Vicente de Paulo).

46. ─ A LUÍSA DE MARILLAC, EM VILLEPREUX1

1
Carta 45. ─ Manuscrito São Paulo. P. 41.
1
Ver nota 2.
22
Luísa de Marillac fundou e organizou, em 1630, na paróquia Saint-Nicolas-du-Chardonnet, com a aprovação do
pároco e o concurso de algumas damas, uma Confraria da Caridade, de que foi presidente (Abelly, op. cit., t. I, cap.
XXIII, p. 109). É provavelmente desta Confraria, ainda em seus inícios, que fala São Vicente. Era a segunda
confraria estabelecida em Paris. Nada demonstra que Luísa de Marillac tenha tido alguma parte na fundação da de
Saint-Sauveur, que já funcionava há alguns meses.
33
Luís Guyard, Vigário Geral de Paris.
1
Carta 46. ─ Manuscrito São Paulo, p. 14.
1
São Vicente tinha tido frequentes ocasiões de ir a esta localidade, quando estava com os Gondi. Pregou nela uma
missão em 1618 e nela estabeleceu, nesta ocasião, sua segunda Confraria da Caridade (Cf. Abelly, op. cit., t. I, cap.
X, fim, p. 47).
93

[Abril de 16302].

É muito difícil, Senhora, fazer algum bem sem sofrer contradição. E como
devemos, quanto nos for possível, aliviar o sofrimento dos outros, penso que faríeis um
ato agradável a Deus visitando o senhor pároco 3, pedindo-lhe desculpas por terdes
falado, sem o parecer dele, às irmãs da Caridade 4 e às jovens auxiliares. Dizei-lhe que
pensáveis fazê-lo simplesmente, em Villepreux, como fizestes em Saint-Cloud e outros
lugares, mas que isso vos ensinará vosso dever em uma outra vez; e se ele não julgar
conveniente, não continuareis mais. Meu parecer é que procedais assim. Nosso Senhor
vai tirar maior glória de vossa submissão do que de todo bem que pudésseis fazer. Um
belo diamante vale mais do que uma montanha de pedras, e um ato de virtude de
acatamento e submissão vale mais do que numerosas boas obras praticadas em favor
dos outros5.

47. ─ A LUÍSA DE MARILLAC, EM VILLEPREUX

Bendito seja Deus, Senhora, por ter eu recebido a notícia de vossa cura e não de
vossa doença! Peço-lhe vos fortaleça, plenamente, de tal modo que se possa um dia
dizer de vós que as seguintes palavras da Sagrada Escritura vos dizem respeito:
Mulierem fortem quis inveniet1 Compreendeis este latim, por isso não vos dou a
tradução.
Quanto ao tempo que dizeis que as crianças ficam na escola e que não é suficiente
para que possam ser intruídas com proveito2, ainda mais quando têm dois dias de folga,
não vejo inconveniente em que prolongueis um pouco aquele tempo e que, pelas razões
alegadas, as ocupeis naqueles dois dias, e nem também que procureis chamar para a
escola as crianças que não estão acostumadas a frequentá-la. Mas penso que será bom
buscar a aprovação do Padre Belin3 e de informar aos fizerem algum comentário, que
agis deste modo pelo pouco tempo de permanência de que dispondes, dizendo-lhes
também que não se trata propriamente de uma escola, mas antes de um exercício de
piedade durante alguns dias.

22
É a data sugerida por Gobillon, p. 39, e pela carta que se segue.
33
O pároco de Villepreux.
44
Nome dado às componentes das Confrarias da Caridade.
55
O ato de submissão aconselhado por São Vicente conquistou inteiramente o pároco de Villepreux para as intenções
de Luísa de Marillac, que se entregou com tanto ardor ao trabalho que acabou caindo doente (Gobillon, op. cit., p.
39).
1
Carta 47. ─ Manuscrito Sain-Paul, p. 13.
1
Pr 31,10. Quem poderá encontrar uma mulher de valor?
22
Luísa de Marillac ensinava-lhes o catecismo.
33
Capelão da casa do R. P. de Gondi em Villepreux. Conhecera São Vicente na residência do General das Galeras e o
substituía em sua ausência, junto aos forçados do subúrbio Saint-Honoré (Abelly, op. cit., t. I, cap. XIV, p. 60).
Tivera, diz alhures São Vicente (carta de 16 de dezembro de 1634), “uma das mais importantes partes na concepção,
na gestação, no nascimento e no progresso da Missão”. O copista do Manuscrito São Paulo leu “Prelin” em vez de
“Belin”.
94

Quanto ao pequeno Miguel, ficai tranquila; há apenas dois ou três dias eu o vi


indo para a aula e estava passando bem.
Mandei entregar vossa carta à senhora du Fay e animei a senhora du Fresne 4 a ir a
Villepreux; e ela está muitíssimo motivada a fazê-lo. Com certeza, porém, sua
indisposição não lhe permitirá esta satisfação que deseja ao extremo. Recomendo-a a
vossas orações, e a vós, de velar muito por vossa saúde e de não vos impor trabalho
demasiado. Receio que o façais, não querendo tomar algum momento de descanso
nesses dois dias nem vos atendo ao tempo habitualmente empregado na escola. Em
razão disso, apesar do que vos disse acima, e com esse temor, peço-vos limitar-vos ao
tempo ordinário. Penso que esse procedimento agradará mais ao Padre Belin. Se com
isso observardes um notável prejuízo, escrevei-me, por favor, outra vez, depois de ter
começado.

Paris, 04 de maio de [16305].

48. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Maio de 16301].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Bendito seja Deus por estardes melhor e pelo gosto que tendes em trabalhar na
salvação das almas! Mas receio muito não estejais vos desdobrando demais; e para que
vejais que o digo com razão, vede, por favor, o que me escreve o Padre Belin. Tende
cuidado, eu vos suplico, senhora. Nosso Senhor quer que o sirvamos com ponderação; o
contrário se chama zelo indiscreto.
Quanto às irmãs da Caridade 2, penso ser conveniente as convoqueis todas para
uma reunião, leiais juntas o regulamento e procureis que sejam colocadas todas as
coisas em prática, conforme o regulamento que é diferente dos outros, por ser o segundo
estabelecimento3. Mas podeis relatar-lhes a prática dos outros lugares e convencê-las a
agir da mesma maneira, em especial no que concerne à perpetuidade das irmãs 4, a
confessar-se e comungar no dia de sua morte, a ir pessoalmente visitar os doentes, o
mais que puderem, a frequentar mais assiduamente os sacramentos. Finalmente, no que
diz respeito à carne, recomendai à açougueira5, que é a superiora, distribua bem a carne.

44
Irmã de Charles du Fresne, senhor de Villeneuve.
55
Data consignada por Gobillon, op. cit., p. 39.
1
Carta 48. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Esta carta foi escrita poucos dias após a carta 47.
22
Nome dado aos membros da Confraria da Caridade.
33
A Confraria da Caridade de Villepreux remontava ao ano 1618; a de Châtillon-les-Dombes era de 1617.
44
Os membros da Confraria não eram vitalícios.
55
Nome dado à Irmã encarregada de distribuir a carne aos pobres.
95

Minha indisposição, com a qual vejo que estais preocupada, é das menores; e se
não me tivessem dado remédio hoje, eu teria saído de casa. Agradeço-vos pelos vossos
cuidados.
Não temos água (virtuosa). Vou mandar buscar no senhor Deure. O senhor du
Fresne e a senhora sua irmã estão indo sexta-feira para Villepreux. Quem sabe vossas
considerações não apressem um pouco a viagem.
O pequeno Miguel está bem. O Irmão Robert foi estar com ele de minha parte. Ele
lhe disse que está muito alegre e contente. Sede-o também assim, Senhora, porque é do
agrado de Deus que o sejais.
Sou, no seu amor e no de sua Santa Mãe, vosso muito humilde servo,

Vicente de Paulo.

Meio-dia de terça-feira.

Nossas recomendações a vossa Marta.

Destinatário: À senhora Le Gras, em Villepreux.

49. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Cerca de 16301].

Bendito seja Deus por vos ter desapegado da primeira afeição. Falaremos da outra
no primeiro encontro; refiro-me à de vosso confessor2. Cumpri, entretanto, o que vos
aconselha e tudo o que vosso fervor vos inspira, exceto a disciplina; esta, só três vezes
por semana. Lede o livro do amor de Deus 3, em particular onde trata da vontade de
Deus e da indiferença. Quanto a todos esses 33 atos em honra da Santa Humanidade 4 e
aos demais, não vos aflijais quando faltardes a eles. Deus é amor e quer que vamos a ele
pelo amor. Não vos tenhais por obrigada a todos esses bons propósitos.
Suplico-vos escusar-me por não vos ter podido escrever a não ser esta noite e
rogar a Deus por nós.
Sou, em seu amor e do de sua Santa Mãe, Madame5, vosso muito humilde servo,

1
Carta 49. ─ C. aut. ─ Original com as Filhas da Caridade de Somma Vesuviana (Itália).
1
A natureza dos conselhos que o Santo dá a Luísa de Marillac nos leva a considerar esta carta como anterior à
fundação das Filhas da Caridade.
22
Luísa de Marillac se colocara sob a direção de São Vicente desde 1624. Sentia-se bem com sua direção e sofria
muito com as ausências do diretor. O Santo desejava mais indiferença de sua parte. Le Camus, Bispo de Bellay, já
escrevia a Luísa a 26 de julho de 1625: “Perdoai-me, minha mui querida irmã, se vos digo que vos apegais um pouco
demais aos que vos conduzem e vos apoiais um pouco demais sobre eles. É só o Padre Vicente se ausentar e a
senhora Le Gras se sente logo sem apoio e desorientada” (Dossiê das Filhas da Caridade, original).
33
O Tratado do Amor de Deus [por São Francisco de Sales].
44
Em memória dos trinta e três anos que Nosso Senhor passou sobre a terra.
55
Esta palavra escapou da pena do Santo. Luísa de Marillac não tinha direito ao título de “Madame”. Aliás, a carta é
dirigida a “senhora” Le Gras.
96

V. D. P.

A prática para com Maria me agrada, conquanto procedais com suavidade.

Destinatário: À senhora Le Gras.

50. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Cerca de 16301].

Parece-me que bastaria colocar no vosso e nosso quadro2 as mesmas palavras do


original3. Colocai-as, portanto, Senhora, e eu colocarei no meu coração as palavras que
me escreveis sobre vossa generosa resolução de honrar a adorável vida oculta de Nosso
Senhor, conforme o desejo que Nosso Senhor vos deu desde vossa juventude 4. Ó minha
querida5, como este pensamento recende o perfume da inspiração de Deus e como ele se
distancia da carne e do sangue! Muito bem, é a disposição de espírito necessária a uma
querida filha de Deus. Permanecei firme nele, Senhora, e resisti corajosamente a todos
os sentimentos contrários, que por acaso vos ocorrerem. Ficai certa de que estareis
assim no estado que Deus vos pede, para passar a um outro, em vista de sua maior
glória, se Ele o julgar conveniente; se assim não for, estareis sempre segura de que
fazeis incessantemente neste estado a santa vontade de Deus, que é o fim a que
tendemos e para o qual tenderam os santos e sem o qual ninguém pode ser feliz.
Peço-vos perdão por ter retido por tanto tempo vosso emissário, por causa de uma
quantidade de outros afazeres que me sobrevieram. Desejo para vós uma das mais
perfeitas imagens6 feitas à semelhança de Deus7..., eu que tenho, em seu amor, parece-
me, um mesmo coração convosco, e sou vosso muito humilde servo,

V. D. P.

51. ─ A ANTÔNIO PORTAIL, PADRE DA MISSÃO, EM CROISSY1


1
Carta 50. ─ C. aut. ─ Dossiê das filhas da Caridade, original.
1
A carta é anterior à fundação das Filhas da Caridade.
22
“Vosso”, porque fora pintado por Luísa de Marillac; “nosso”, porque ela o destinava ao Santo. A fundadora tinha
gosto por pintura. Temos ainda quadros feitos por ela: “pequenas aquarelas de desenho delicado, de afresco colorido,
mas antes imagens ingênuas do que verdadeiras obras de arte” (A Venerável Luísa de Marillac, por Monsenhor
Baunard, Paris, 1898, p. 8).
33
O Santo se refere ao quadro que Luísa de Marillac copiava. Maynard não soube compreender esta frase. Ele supõe
(São Vicente de Paulo, terceira edição, Paris, 1886, 4 vol. in-12, t. III, p. 239) que Luísa de Marillac tinha resumido
num quadro as resoluções e os sentimentos contidos no ato de consagração que ela fez pouco depois da morte do seu
marido.
44
Em sua juventude, Luísa de Marillac tivera a ideia de entrar para as Capuchinhas; e teria dado proseguimento ao
seu projeto se o precário estado de sua saúde não lhe tivesse colocado obstáculo.
55
Expressão inusitada na pena do Santo, que sem dúvida quis escrever: Ó minha cara filha!
66
Alusão à imagem que Luísa de Marillac preparava para São Vicente.
77
Estes pontos substituem uma palavra que não soubemos ler.
1
Carta 51. ─ Reg. 2, p. 273.
97

Quinta-feira, 27 de junho de 1630.

Bendito seja Deus, senhor Padre, por terdes subido ao púlpito e praza a sua divina
bondade abençoar o que nele ensinardes de sua parte! Começastes tarde. Assim
aconteceu com São Carlos2. Desejo-vos uma participação no seu espírito, e espero que
Deus vos concederá uma nova graça, nessa ocasião. Peço-lhe de todo meu coração seja
aquela (graça) de que me escreveis no fim de vossa carta, a de ser exemplo para a
Companhia, na qual nos faltam a santa modéstia, a mansidão e o respeito em nossa
conversação. A atenção à presença de Deus é o meio de adquirí-las. Preciso delas mais
do que todos. Implorai-as, por favor, a Deus para mim.

52. ─ A UMA SENHORA

01 de julho de 1630.

Madame,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Desde ontem, quando respondi a vossa última carta, veio-me a lembrança de que
não vos dei resposta ao parecer que me destes a honra de pedir-me, sobre se deveis
receber no número das irmãs da Caridade e no lugar da falecida Madame Brunel, uma
parenta dela. Dir-vos-ei, então, Madame, que se a falecida a nomeou e apresentou antes
de morrer, e se ela tem as qualidades requeridas por esta boa obra, penso que fareis bem
em recebê-la, até mesmo no caso em que a falecida não a tivesse nomeado. Julgo,
porém, ser conveniente advertir as Irmãs que se lembrem de indicar alguma outra para o
seu lugar, quando aprouver a Deus dispor delas, porque é o único meio de perpetuar esta
santa Confraria. Suplico-vos, Madame, ficar atenta a isso e mentalizá-las neste sentido.
Saudai essas bondosas irmãs da Caridade e vosso procurador, de minha parte, e
certificai vosso esposo de que sou e serei, por toda a minha vida, dele e de vós, no amor
de Nosso Senhor, Madame, muito humilde servo,

Vicente de Paulo.

53. ─ A LUÍSA DE MARILLAC1

1
Localidade de Seine-et-Oise.
22
Os biógrafos de São Carlos Borromeu contam que este prelado teve de lutar por muito tempo contra uma timidez
excessiva que o fazia tremer quando pregava. Durante anos, falava do altar, para ficar mais longe dos ouvintes; não
ousou subir ao púlpito senão bem mais tarde.

Carta 52. ─ Reg. I, fº 8 vº. O copista nota que o original era inteiramente escrito por São Vicente.
1
Carta 53. ─ Abelly, op. cit.,t. III, cap. III, sec. III, p. 23.
1
Abelly se contenta em dizer que esta carta foi dirigida a uma pessoa piedosa. O tom e o conteúdo mostram que esta
piedosa pessoa não é senão Luísa de Marillac.
98

[Cerca de 16302].

Aliviai vosso espírito de tudo que vos aflige; Deus cuidará. Não poderíeis
apressar-vos, sem contristar, por assim dizer, o coração de Deus, porque ele veria que
não o honrais bastante pela santa confiança. Confiai nele, eu vos suplico, e vereis a
realização do que vosso coração deseja3. Digo-vos de novo, repeli todos os pensamentos
de desconfiança que por vezes admitis em vosso espírito. E por que vossa alma não
estaria plena de confiança, se ela é a querida filha de Nosso Senhor, por sua
misericórdia?

54. ─ AO SENHOR DE SAINT-MARTIN1

01 de setembro de 1630.

São Vicente pede ao senhor de Saint-Martin providenciar roupas para seu irmão e seus
sobrinhos e mandar reparar um lado de sua casa, que ameaçava ruir. Diz-lhe, depois, a respeito
do sobrinho, recentemente de partida de Paris 2, que este recebeu dez escudos, antes de deixar a
capital e que este dinheiro viera de uma esmola, não dos bens destinados às missões. Depois
acrescenta:
Suplico-vos, senhor Cônego, se algum outro dos meus parentes se tocar do desejo
de vir estar comigo, dissuadi-lo disto, porque, não tendo com que lhes dar algum
auxílio, terão muito trabalho, sem proveito.

55. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Setembro de 16301].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


22
Ver nota 3.
33
Parece que, escrevendo estas palavras, São Vicente tinha em vista a vocação de Luísa de Marillac.
1
Carta 54. ─ Processo de Beatificação, deposição de Jean-Jacques de Castedja, neto de Jean de Saint-Martin e pároco
de Saint-Paul (Landes), que detinha o original em 1706.
1
O Cônego de Saint-Martin estava então em Paris; trata-se aqui, cremos, de Luís de Saint-Martin, esposo de Catarina
de Comet.
22
Foi este sobrinho que levou a carta de São Vicente. Viera consultar seu tio sobre uma promessa de casamento.
Abelly dá detalhes interessantes sobre sua visita (op. cit., t. III, cap. III, sec. I, p. 208; cap. XIX, p. 292); encontramos
outros nas deposições do processo de beatificação, feitos por Jean-Jacques Castedja, Jean de Paul, Charles Le Blanc,
Anne Varin e Jacques d’Apremont.
1
Carta 55. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Esta carta foi escrita por ocasião das férias, antes da instalação de São Vicente em São Lázaro e quando Luísa de
Marillac estava à frente da Caridade de Saint-Nicolas, em 1630, por conseguinte, porque, em setembro e outubro de
1631, Luísa não estava em Paris.
99

Não é ir sem motivo, quando se trata de ir ver uma pessoa da qualidade dessa que
vos solicita2 e que talvez tenha necessidade de vosso conselho para se resolver a algo de
muito bom. Ide pois, Senhora, ide, em nome de Nosso Senhor e com sua bênção. Se se
apresentar a ocasião de fazer alguma coisa pelas crianças desse lugar3, fazei-o com
cautela; é algo muito necessário naquela diocese. Contudo, a autoridade de dama do
lugar será a vossa, com a de Nosso Senhor, sem fazer alarde.
Quanto à comunhão, penso que fareis bem em vos contentar com o que estais
acostumada. E quanto ao vosso filho, será muito benvindo, após a saída dos ordinandos,
daqui a dez ou onze dias, porque não teríamos nem cama nem quarto onde colocá-lo.
Mande-o vir por esse tempo, por favor.
O Padre Dehorgny irá falar convosco sobre o jovem que desejam enviar para aqui.
E eu vos peço perdão se não tenho a honra de vos ver antes de vossa partida, por causa
dos embaraços em que estamos por aqui.
Suplico-vos informar-me se vossa Caridade4 é suficientemente rica e se tendes
necessidade de dinheiro, e de crer que, graças a Deus, estou passando bem, e que sou
vosso servo,

Vicente.

É preciso não chegar muito perto das Caridades da diocese de Beauvais sem as
visitar com a necessária folga. Talvez a senhora d’Attichy5 quisesse ir à mais próxima.

Destinatário: À senhora Le Gras.

56. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Recebi vossa última carta sábado passado, ao sair para Maubuisson 1, e pedi ao
Padre de La Salle para vos dar a resposta. Ora, a presente carta é para vos garantir de
novo que vosso filho passa bem. O Padre Bourdoise 2 me certificou disso. Quero
22
Provavelmente Genoveva de Attichy, esposa de Scipion d’Aquaviva, duque de Atri.
33
Provavelmente Attichy, na diocese de Soissons, não longe da diocese de Beauvais.
44
A Caridade de Saint-Nicolas.
55
Valência de Marillac, tia de Luísa, esposa de Otaviano Doni, senhor de Attichy, superintendente das finanças e
madrinha de Michel, tivera oito filhos: Aquiles se fez jesuíta; Luís entrou para a ordem dos Mínimos e se tornou
Bispo de Riez (1628) e depois, de Autun (1652); Antônio, marquês de Attichy, foi morto no exército em 1637, com a
idade de vinte e cinco anos; Genoveva se casou com o Duque de Atri; Ana tornou-se a esposa do Conde de Maure;
Henriqueta entrou para o Carmelo; Madalena tomou o hábito das Ursulinas. Privados do seu pai em 1614, de sua mãe
em 1617, os filhos, ainda pequenos, foram socorridos por Luísa de Marillac e seu marido (Cf. Cartas de Luísa de
Marillac, p. 150).
1
Carta 56. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Perto de Pontoise (Seine-et-Oise).
22
Adriano Bourdoise, nascido a 01 de julho de 1584, em Brou (Eure-et-Loir), falecido em Paris a 19 de julho de
1655, foi um dos mais zelosos reformadores do clero no século XVII. Fundou uma comunidade de padres, os padres
100

também expressar-vos a consolação que recebo com vossa melhora e como desejo com
ardor vossa perfeita cura; mas como será possível, falando tanto, como vos importa falar
e com vosso resfriado, e um clima tão insidioso! Sem dúvida, se recobrardes vossa
perfeita saúde, será preciso dizer que Deus vos curou. Aguardo hoje e amanhã maiores
notícias. A senhora du Fay acaba de enviar no momento sua criada para saber notícias
vossas, e desejaria muito prometer-me que teremos boas notícias para lhe enviar.
Comuniquei-lhe no sábado passado o que me escrevestes sobre ela, e ficou muito
contente. E vosso coração, Senhora, está também contente por vos ver que foi julgado
digno, diante de Deus, de sofrer ao servi-lo? Com toda certeza, deveis-lhe um
agradecimento particular, e o máximo empenho em lhe pedir a graça de fazer bom uso
desse sofrimento.
Desejais saber se deveis falar para a Caridade toda reunida. Na verdade, eu estaria
de acordo; mas não sei se é fácil e conveniente. Seria proveitoso para elas. Falai com a
senhora Champlin e fazei o que Nosso Senhor vos inspirar.
Sou, em seu amor, e no de sua Santa Mãe, Senhora, vosso muito humilde e
obediente servo,

Vicente de Paulo.

Paris, 22 de outubro de 1630.

Destinatário: A senhora Le Gras, em Montmirail3.

57. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

29 de outubro de 1630.

Senhora,

Bendito seja Deus porque estais curada e porque aquele clima insidioso não vos
prejudicou! Sendo assim, podeis continuar, por favor, até obter o fruto que conseguistes
em outros lugares. Mas se experimentardes alguma sensação de recaída, tomai as
devidas precauções, por favor, e cuidai de vosso restabelecimento. Deixo tudo isso a
vossa discrição, enquanto faço uma pequena viagem de quinze dias a Beauvais.

de Saint-Nicolas-du-Chardonnet ou Nicolaítas, nome tirado da paróquia de Paris na qual residia. Fez um de seus
retiros em São Lázaro. Este fato e o conselho que deu ao Duque de Liancourt, patrono de vários benefícios, de
acolher o parecer de Vicente de Paulo na escolha dos beneficiários, mostra em que alta estima ele tinha este último.
São Vicente, por sua vez, tinha para com ele grande apreço: “Ó senhores padres, dizia ele um dia aos seus
missionários, como um bom padre é uma grande coisa! O que não pode fazer um bom eclesiástico! Que conversão
não será ele capaz de conquistar! Veja o Padre Bourdoise, esse excelente padre, quanto bem faz ele e quanto poderia
fazer!” (Abelly, op. cit., t. II, cap. V, p. 298).
Haveria muito o que dizer sobre as relações entre esses dois homens. Pode-se consultar com proveito uma
vida manuscrita do Padre Bourdoise, de 1694 (Bibl. Maz., ms. 2453), pp. 2, 667, 671, 673, a obra do abade
Schoenher, op. cit., t. I, pp. 96, 111, 113, 118, 129; Le Saint Abbé Bourdoise, por Jean Darche, Paris, 1883, 2 vol., in-
8º, t. I, p. 536; t. II, pp. 25, 284). Como sempre, a lenda se misturou com a história; mas não é aqui o lugar de
determinar a parte de uma e de outra.
33
Embaixo do endereço, a própria Luísa de Marillac escreveu “Villiers-le-Bel”. Teria ela ido a esta localidade antes
ou depois de sua permanência em Montmirail? É possível.
101

Proponde ao senhor Prior1, por obséquio, o que me escrevestes sobre a eleição das
Oficiais.

58. ─ A LUÍSA DE MARILLAC, EM BEAUVAIS1

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Bendito seja Deus por terdes chegado com boa saúde! Oh! tomai todo cuidado em
conservá-la, pelo amor a Nosso Senhor e de seus pobres membros, e acautelai-vos
contra o exagero do trabalho. É astúcia do diabo, com que ilude as boas almas, incitá-las
a fazer mais do que podem, para acabar não podendo fazer nada. O Espírito de Deus
incita suavemente a fazer o bem que razoavelmente se pode fazer, para fazê-lo com
perseverança e por longo tempo. Procedei, portanto, assim, Senhora, e estareis agindo
segundo o espírito de Deus.
Respondamos agora a tudo o que me perguntais em vossa carta. Parece-me na
verdade conveniente que a Madame Tesoureira2 fique desincumbida da tarefa de
entregar o vinho e que a confiem a uma outra; quanto à hospedaria, há que se pagar “o
oitavo” (taxa). Poderá muito bem fazê-lo alguma viúva de Basse-Oeuvre3 ou de Saint-
Sauveur. Julgo, pois, que é algo necessário, a fim de que a Tesoureira possa dedicar-se
ao andamento da obra, à recepção e ao despedimento dos doentes; com efeito, quanto à

1
Carta 57. ─ Manuscrito São Paulo, p. 9.
1
Muito provavelmente o Prior de Montmirail.
1
Carta 58. ─ C. aut. ─ Original em Mans, no tesouro da igreja de Notre-Dame de la Couture.
1
O Santo acabava de passar quinze dias em Beauvais, onde pôde perceber que a visita de Luísa de Marillac seria útil
às Confrarias da Caridade estabelecidas nesta cidade. A história da fundação das Caridades em Beauvais merece ser
conhecida.
Antes de 1629, se podia encontrar em toda Beauvais, nas ruas, nas portas das igrejas, nas próprias igrejas,
grupos de mendigos atrevidos que pediam, ou antes, exigiam esmolas, ameaça nos lábios. Agostinho Potier, Bispo da
diocese, se inquietou com a situação. Mandou fazer a lista de todos os indigentes, informou-se sobre a magnitude de
suas necessiadades e julgou que seria útil criar uma caixa, alimentada por esmolas e o produto das coletas, e constituir
uma agência central para recolher e distribuir os socorros. A 16 de abril de 1629, convocou a palácio os cônegos, os
jurados e os notáveis da cidade e lhes apresentou seu plano, o qual foi aprovado. Para a execução, apelaram para São
Vicente, que acorreu e imediatamente meteu mãos à obra. Subiu ao púlpito, falou das Caridades, do seu
funcionamento, da sua utilidade e teve logo a alegria de ver a obra estabelecida em cada uma das dezoito paróquias.
Feito isto, dividiu a cidade em bairros, para facilitar a distribuição das esmolas (Cf. Abelly, op. cit., t. I, cap. XXIII, p.
108; Delettre, op. cit., t. III, p. 407; Regulamento para a Caridade dos pobres doentes estabelecida em Beauvais a 11
de novembro de 1630, Beauvais, 1669, in-18). Entretanto, não faltaram obstáculos. Alfonso Feillet descobriu, nos
Arquivos do Comitê de História da França, um projeto de requisitório, redigido pelo lugar-tenente de Beauvais, no
sentido de se queixar de “que há quinze dias, aproximadamente, chegara a esta cidade um certo padre chamado
Vicente, o qual, desprezando a autoridade real, teria, sem comunicação alguma aos oficiais reais ou a algum corpo da
cidade interessado no caso, reunido um grande número de mulheres às quais perssuadira organizarem-se em
confraria, a que dá o nome especial de Caridade e que desejava erigir para socorrer e fornecer víveres e outras coisas
necessárias aos pobres doentes da referida cidade de Beauvais e ir cada semana fazer coleta do dinheiro que queriam
empregar para este fim; o que teria, posteriormente, sido executado pelo dito Vicente, sendo erigida a confraria, na
qual teria recebido 300 mulheres, ou próximo disto, as quais, para realizar seus trabalhos e funções acima, se reúnem
com frequência, o que não deve ser tolerado”. E o lugar-tenente da cidade, indignado com a ousadia “do padre
chamado Vicente”, requer que um relato informativo seja feito e enviado ao procurador geral do Rei. Graças ao santo
homem, a cidade ficou logo completamente transformada.
22
As Confrarias da Caridade tinham à frente uma superiora, assistida por uma tesoureira, uma moveleira e um
procurador.
33
Nome de um bairro da cidade.
102

enfermeira, não é de modo nenhum oportuno que ela faça isto e nem que lhe deem seis
soldos por dia! Ó meu bom Deus! ela ficaria com a renda líquida da Caridade.
Praza a Deus que Madame de la Croix possa fazer o que lhe aconselhais! Teria
isso para ela o valor de um dever religioso. Quanto aos remédios, fizestes bem em
entregá-los; mas vossa tesoureira não deveria fazer comércio com eles; ela não sabe até
onde poderia isso chegar. Seria bom remediar tal coisa com a intermediação do Senhor
Vigário Geral4 e a intervenção do senhor du Rotoir. Quando o senhor Bispo de Beauvais
estiver de volta, será bom comunicar-lhe as coisas principais, se notardes que isso lhe
agrade. Algumas vezes ele o deseja. Mas quanto a ir pedir-lhe a bênção, parece-me não
ser conveniente, porque não gosta de cerimônias e prefere que se trate com ele com
naturalidade, embora com respeito.
Quanto a vossa hospedagem, se ficastes na casa do senhor Ricardo 5, não poderia
ter sido melhor; é a melhor pessoa e das mais distintas que conheço; e Madame sua
esposa, que conheço só de fama, é muito piedosa. Meu Deus! penso que ficarão ambos
muito satisfeitos. Gostaria muito que ficásseis aí com eles.
Quanto à dúvida do senhor Rotoir, ele tem razão; e penso que será bom colocar no
regulamento que as irmãs do bairro Basse-Oeuvre assistirão os pobres que morrerem em
Basse-Oeuvre e em Saint-Gilles; mas, quanto aos outros bairros, penso que basta que as
damas de uma paróquia assistam apenas ao enterro dos pobres de sua paróquia, porque
as irmãs do bairro Saint-Sauveur, de Saint-Etienne e de Saint-Martin têm doentes e
moribundos demais para que possam assistir a todos os enterros, e as outras paróquias
são subúrbios que constituem, cada um, um bairro.
Quanto às coletas, será dito, antes de partirem, que elas empregarão quantos dias
for preciso para fazê-las.6 Gostaria muito de saber o que conseguiram em cada coleta
feita. Importa, porém, advertir, no que toca ao que eu disse sobre os enterros, que é
necessário o pronunciamento do senhor Bispo sobre o assunto.
Quanto a mim, prometo-vos escrever a Villepreux sobre a eleição da oficial e falar
ao R. P. Gondy para conseguir lenha para Montmirail. Prometo-vos, além disso,
informar-vos sobre a disposição do senhor vosso filho, na próxima viagem. Não pude
fazê-lo nesta, por não tê-lo previsto.
Entretanto, ficai em paz e uni vosso espírito às zombarias, aos desprezos e maus
tratos que sofreu o Filho de Deus, quando vos manifestarem honrarias e estima. Com
certeza, Senhora, um espírito verdadeiramente humilde se humilha tanto diante das
honrarias quanto em face dos desprezos e faz como a abelha que tira seu mel tanto do
orvalho, que cai sobre o absinto, como do que cai sobre a rosa. Espero que procedais
assim e me obtenhais o perdão de nossa cara Madre Superiora das Ursulinas, porque
volto sem receber-lhe as ordens. Garanti às Madames oficiais e ao senhor du Rotoir que
sou deles e vosso, no amor de Nosso Senhor e de sua Santa Mãe, Senhora, muito
humilde servo,

44
Nicolau Levésque, que foi depois o primeiro superior do seminário de Beauvais.
55
Raul Ricardo, procurador no presidial. Ficou trinta anos como procurador da Caridade de Beauvais.
66
As irmãs faziam coletas na igreja e em domicílio. O dinheiro arrecadado era colocado num cofre com duas
fechaduras, das quais a superiora tinha uma chave e a tesoureira, outra.
103

Vicente de Paulo.

Não estou pronto para partir para a nossa grande viagem; alguns negócios
importantes nos retêm aqui; e ainda o Padre Lucas, que esteve gravemente enfermo na
missão de Berry7, está chegando de volta para aqui8.

Paris, 07 de dezembro de 1630.

Destinatário: À senhora Le Gras, na casa do senhor du Rotoir, em Beauvais.

59. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[1630 ou 16311].

Acabo de receber agora a carta de Germana2 que segue anexa. Suplico-vos,


Senhora, dar-lhe resposta no meu e no vosso nome. Mas suplico-vos, ainda, mais
humildemente, que me perdoeis por não ter ido estar convosco, nem vos ter pedido para
vir aqui. O contínuo embaraço em que me encontro mo impediu.
Estamos procurando instalar a Caridade em Saint-Benoît; mas não sei em virtude
de que espírito acontece que cada paróquia de Paris quer ter algo de particular e
recusam o relacionamento com as outras. É como se fosse ofensa dizer-lhes: em outros
lugares, se faz assim. Ou então procuram fazer uma miscelânia, tomando alguma coisa
de Saint-Sauveur3, alguma outra de Saint-Nicolas, nossa paróquia, e ainda algo de Saint-
Eustache4.
Falarão de vós na assembleia de Saint-Benoît. A senhora Tranchot relata
maravilhas daí. Vede se não vos será conveniente dar-vos ao trabalho de estar com esta
jovem senhora, para estabilizar o seu espírito, a fim de que possa fortalecer as outras. Se
já estivestes com ela em outras ocasiões, serviria isso facilmente de pretexto a ser usado.
Ela não precisará falar-vos sobre esse assunto, nem eu vos dizer que sou, no amor de
Nosso Senhor e de sua Santa Mãe, vosso muito humilde servo,

Vicente de Paulo.

77
Berry-au-Bac, pequena aldeia do Aisne, distrito de Laon.
88
A visita de Luísa de Marillac a Beauvais produziu abundantes frutos. Numerosas damas vieram aos seus colóquios;
os homens conseguiram ouvi-la escondidos. Quando partiu de volta para Paris, o povo a acompanhou até longe, no
caminho, louvando e bendizendo a Deus por tê-la enviado. Conta Gobillon (op. cit.,p. 43) que uma criança que caira
sob as rodas da charrete que a conduzia se levantou ilesa, graças às suas preces.
1
Carta 59. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Lemos em Abelly (op. cit., t, I, cap. XXIII, p. 109): “No mesmo ano e no seguinte, 1631, esta confraria (a Confraria
da Caridade) foi fundada pelo Padre Vicente, com a permissão do Arcebispo de Paris e o consentimento dos senhores
párocos, nas paróquias de Saint-Médéric (Saint-Merry), Saint-Benoît e Saint-Sulpice”.
22
Umas das jovens que Luísa de Marillac empregava nas escolas. Ela foi por muito tempo professora em Villepreux,
onde a encontramos ainda em 1637.
33
Temos ainda o regulamento da confraria estabelecida na paróquia Saint-Sauveur.
44
Lendo Abelly (op. cit., t. I, cap. XXIII, p. 109), seríamos levados a crer que Confraria Saint-Benoît precedeu a de
Saint-Eustache. Vê-se aqui que não foi assim.
104

Estou indo amanhã a Montreuil5 e volto no mesmo dia, assim o espero. Lembrai-
vos de nós em vossas orações. Desejo-vos boa noite.

Destinatário: À senhora Le Gras.

60. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Antes de 16341].

Se Germana se acostumou a comungar, não vejo dificuldade em que façais o


mesmo. Fazei-o pois, Senhora2. Se não podeis usar a disciplina e se porventura tendes
uma cinta de pequenas rosetas de prata, que a senhora du Fay me sugeriu de outras
vezes, usai-a, em vez da disciplina, e em lugar da cinta de pelo de cavalo, porque as
desta natureza aquecem demais3.

61. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Março de 16311].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


A carta do vosso filho me parece muito judiciosa. Penso que o ajudaram a
escrevê-la; mas, se for de sua lavra, há motivo para esperar que ele vai ter bom
discernimento. Penso que será bom adiar seu retorno até o vosso e que não deixeis de
fazer vossa viagem. Dai-lhe, portanto, prazo de até 15 dias e dizei-lhe que, ao voltar, o
55
Montreuil-sous-Bois, comuna populosa situada às portas de Paris. São Vicente estabeleceu nela, a 11 de abril de
1627, uma Confraria da Caridade, da qual temos ainda a ata de ereção.
1
Carta 60. ─ Manuscrito São Paulo, p. 83.
1
Os conselhos dados a Luísa de Marillac nos parecem convir melhor ao tempo que precedeu a instituição das Filhas
da Caridade.
22
Num regulamento de vida que parece ser de 1630 ou 1631, Luísa de Marillac se propõe comungar os “dias de
domingo, terça-feira [o manuscrito aqui está rasgado] a não ser que surjam festas durante a semana que” a
“obrigassem a receber a comunhão em outros dias” (Pensamentos, p. 4). Como a própria fundadora nos adverte
alhures (Pensamento, p. 376) que recebera de seu confessor a ordem de comungar todos os sábados, pensamos que no
local do rasgão, estava escrito e sábados.
33
O regulamento de vida assinalado na nota 2 traz estas palavras: “Farei uso, em espírito de penitência, da disciplina
por duas ou três vezes, rezarei um Pater, em honra de J. C., uma Ave, em honra da Santa Virgem, e o De Profundis
pelas almas do purgatório; e todos os dias da sagrada comunhão usarei, pela manhã, a cinta de penitência, e, nas
sextas-feiras, a trarei durante todo o dia” (Pensamentos, p. 4). São Vicente corrigiu o regulamento e substituiu a
disciplina por “uma cinta de pequenas rosetas de prata”.
1
Carta 61. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Esta carta precede de um ou dois dias, no máximo, a partida de Luísa de Marillac para Montreuil, onde ela se
encontrava a 31 de março de 1631.
105

mandareis buscar2, e comunicai-lhe que decidistes colocá-lo nos jesuítas como


pensionista, para poder estudar3; e será conveniente, quando voltardes, falar com esses
padres e reservar sua vaga antes do seu retorno, para encaminhá-lo da Comunidade 4
para os jesuítas, com sua batina, sem se hospedar em vossa casa. Vai ficar mais caro
para vós; mas que fazer! É preciso acreditar que aquela que se afeiçoa tanto à santa
pobreza até um soberano grau, não se consideraria com isso mais pobre.
Quanto a minha viagem, está agora fora de cogitação; até a maior está suspensa ou
claramente adiada e não tenho em mente, no momento, viagens mais curtas. Ficai,
portanto, em paz quanto a isso e ide com a bênção de Deus, que peço a Nosso Senhor
vos cenceder. Honrai a tranquilidade de sua alma e a de sua Santa Mãe e permanecei na
alegria durante vossa viagem, pois que tendes grande motivo para isso, dada a missão a
que Nosso Senhor vos aplica.
Podeis dizer, por favor, ao senhor pároco 5 que, se for do seu agrado que ministreis
instrução às jovens durante alguns dias de vossa permanência em Montreuil, vós o
faríeis de bom grado. Ele viajou antes de vós para vos providenciar a hospedagem;
entrementes, descei e ficai na hospedaria. Se ele urgir convosco para ficar em outro
lugar, aceitai-o in nomine Domini. A hospedaria onde ficaríeis mais à vontade seria na
casa da viúva.
Adeus, Senhora, lembrai-vos de mim em vossas orações.
Sou vosso muito humilde servo,

Vicente de Paulo.

62. ─ A LUÍSA DE MARILLAC, EM MONTREUIL

Dizei-me, vos suplico, como estais de saúde, e quanto tempo pretendeis ficar em
Montreuil. Lembrai-vos de modo especial de rezar a Deus por mim: ontem, diante da
alternativa de cumprir uma promessa feita, e um ato de caridade para com uma pessoa
que pode fazer-nos bem ou mal, deixei o ato de caridade, para cumprir a promessa, e
com isso desagradei muito essa pessoa; isto não me aborrece tanto, mas sim o fato de ter
seguido minha inclinação, procedendo assim.
Sou, no amor de Nosso Senhor e de sua Santa Mãe, Senhora, vosso muito humilde
servo,

Vicente de Paulo.

22
O pequeno Miguel não estava satisfeito em Saint-Nicolas; ele escrevera a sua mãe. São Vicente é de parecer que
ele fique no seminário até que sua mãe esteja de volta de Montreuil.
33
Os jesuítas mantinham então, em Paris, um célebre colégio, o Colégio Clermont, posteriormente Liceu Luís, o
Grande.
44
O Seminário de Saint-Nicolas-du-Chardonnet.
55
Martin Le Marinel, padre da diocese de Coutances, nomeado pároco de Montreuil em 1627, falecido em 1637.
106

Paris, último dia de março de 1631.

Destinatário: À senhora Le Gras.

63. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Fiquei muito contente por ter sabido notícias de vossa saúde e de vosso trabalho e
rogo a Deus abençoe cada vez mais uma e outra coisa e que seja vossa consolação
quando eu vos contristar, como na semana passada, e durante os pequenos sofrimentos
interiores com que aprouver a Deus vos afligir.
Acho bom tudo que me dizeis da Caridade e vos peço propor às irmãs tudo que
julgardes conveniente em favor dela, e fazer as determinações para o que for melhor,
tanto sobre o que me escrevestes, quanto sobre o que vos ocorrer ao pensamento.
Enviar-vos-ei o modelo do regulamento daqui1 até domingo.
Quanto ao vosso filho, ficai tranquila2. Quando voltardes, falaremos sobre ele, e
farei o que for necessário. Sou, no amor de Nosso Senhor, Senhora, vosso muito
humilde servo,

V. de Paulo.

Dia de São Francisco de Paula [02 de abril de 16313].

Destinatário: À senhora Le Gras, em Monteruil.


64. ─ A LUÍSA DE MARILLAC, EM MONTREUIL

[Abril de 16311].

Bendito seja Deus, Senhora, pelas bênçãos e saúde que vos concede! Enviar-vos-
ei, pelo senhor pároco ou por algum outro, o regulamento da Caridade que eu adaptei ao
que convém a Montreuil. Lede-o, e se houver algo a suprimir ou acrescentar,
comunicai-mo, por favor.

1
Carta 62. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade da rua Alexandre-Parodi, 10, Paris.
Carta 63. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Esta carta é de quarta-feira.
22
Ver a carta 61.
33
Esta carta tem seu lugar ao lado das cartas 62 e 64.
1
Carta 64. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
A comparação desta carta com a carta 63 nos mostra que é aqui seu lugar. Pensamos que foi escrita no domingo
seguinte ao dia 6 de abril.
107

Será difícil fazer a coleta percorrendo a aldeia 2; Deus remediou a isso pelas da
igreja. Há motivo para se esperar a mesma coisa3 para o futuro. Nessa região, há muitos
zombeteiros e as mulheres poderiam abandonar tudo. A ação4 se poderia fazer pela
intermediação do senhor Vigário, conforme o regulamento. Falei disso ao senhor
pároco5, o qual, não podendo ir até aí, vos envia o Padre Bécu.
Em vez de excluir alguma irmã, penso que seria melhor tolerar todas as que
prometerem cumprir devidamente o seu dever, e reduzir o número a sessenta, com a
morte das que virão a falecer. As que forem recebidas na Caridade serão consideradas
como pertencentes à Confraria do Nome de Jesus; não será necessário afiliar-se
primeiro entre as irmãs desta última para pertencer às da outra6.
Há três coisas a fazer hoje: propor-lhes o regulamento com a autorização do
senhor Arcebispo7 e do senhor Pároco, para proceder à nova eleição e, em terceiro lugar,
limitar o número às que forem de boa vontade. Quanto às excedentes, podeis admiti-las
depois de revê-las domingo. É preciso obter delas o compromisso de se reunirem nesse
dia, ou então, ao menos as oficiais, às quais inculcareis, por favor, o dever delas e o da
confraria.
Vosso filho está bem, segundo informação do Padre Le Juge8 que lhe entregou
vossa carta. Ficai, pois, tranquila quanto a isso. Entrementes, vou conversar com o
colégio dos jesuítas, em favor dele9.
Estamos atarefados com as ordenações1010. Recomendo às vossas orações o bom
êxito desses exercícios e vos peço ter cuidado com vossa saúde.
A senhora Sevin1111 falava ontem em ir estar convosco, se ela puder, juntamente
com Madame de Châteaufort1212.

65. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

22
Por causa das zombarias que poderiam desalentar coletoras.
33
O mesmo resultado.
44
A coleta.
55
Martin Le Marinel.
66
Lemos na ata de ereção da Confraria: “Para evitar a multiplicidade das confrarias, com o consentimento das
coirmãs da confraria do Santo Nome de Jesus, reunimos e incorporamos, e estamos reunindo e incorporando a
referida Confraria da Caridade à Confraria do Santo Nome de Jesus estabelecida em Montreuil”.
77
João Francisco de Gondi, irmão do antigo General das Galeras, Filipe Emanuel de Gondi, e primeiro Arcebispo de
Paris, fez muito por São Vicente durante toda a duração do seu episcopado (1622-1654). Concedeu-lhe o cargo de
principal do Colégio dos Bons-Enfants, aprovou o tratado da fundação e os primeiros regulamentos da Congregação
da Missão, permitiu-lhe estabelecer-se em São Lázaro, resumindo, secundou-lhe todas as boas obras. Seu nome,
como o do seu irmão e de sua cunhada, está entre os primeiros na lista de benfeitores da Congregação da Missão.
88
Thomas Le Juge foi um dos principais auxliadores do Padre Bourdoise. Membro da Comunidade de Saint-Nicolas-
du-Chardonnet desde 1621, tornou-se ecônomo do seminário a 27 de janeiro de 1647 e foi reeleito a 25 de julho de
1650. Morreu cego, em 1653 (Schoenher, op. cit., t. I, p. 182; Darche, op. cit.,t. I, pp. 433, 479).
99
Ver a carta 61.
1010
Aconteciam nos Bons-Enfants os exercícios dos ordinandos.
1111
A senhora Sevin, cujo primeiro nome era Maria Véron, era irmã do sábio pároco de Charenton, Francisco Véron,
muito famoso controversista do seu tempo, e a mãe de Gertrude Elisabeth Sevin, que acabava de entrar no mosteiro
da Visitação. Seu marido, Jacques Sevin, corretor no Tribunal de Contas, falecera em dezembro de 1615. Foi ela
quem fez adotar em todas as paróquias de Paris o uso da marmita, para a distribuição dos auxílios aos pobres. Sua
grande caridade e a proximidade do seu domicílio colocaram-na em relação com São Vicente, que recorria
frequentemente aos seus conselhos (Année sainte,t. IV, p. 263-264).
1212
Talvez Honorata ou Honorada de Forbin, mulher do senhor d’Aiguillenqui, senhor de Châteaufort.
108

Senhora,

A pequena viagem que fiz, da qual voltei anteontem, à tarde, como também as
tarefas com os ordinandos, impediram-me de ocupar-me do negócio do senhor vosso
filho. Disseram-me que Deus abençoa vosso trabalho. Agradeço-lhe de todo meu
coração e lhe peço vos reconduza em plena saúde e cheia de boas obras no dia da
próxima semana que julgardes conveniente, para estar aqui quando dos ofícios
religiosos da Semana Santa.

Paris, sexta-feira, 11 de abril de 1631.

66. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Abril de 16311].

Recebi, Senhora, vossa carta de quarta-feira, no meu retorno da missão, da qual


voltei no mesmo dia2, e vos dei a resposta3, que enviei ao senhor pároco de Montreuil.
Dizia-vos na carta que garanti um lugar, prometido a mim, para o vosso filho, entre os
pensionistas. O próprio responsável principal mo prometeu, e com muita gentileza.
Além disso, enviei ao Padre Yart4 a carta que lhe escrevestes, a qual me dá esperança de
que o senhor vosso filho estará logo aqui.
Já que não foi do agrado de Deus tenhais feito algo mais pela Caridade, é preciso
louvá-lo e aceitar de bom coração que ele não queira outra coisa por agora. Ora, se
vossas meninas já receberam a instrução, o que resta fazer e de que depende não
regresseis amanhã? Estão precisando muito de vós aqui, na Caridade de São Sulpício,
onde começaram os trabalhos; mas, pelo que me dizem, a coisa vai tão mal que faz dó.
Talvez Deus vos reserve a ocasião de trabalhar lá.
Estou partindo hoje para ir, se possível, até seis léguas daqui, donde espero voltar
amanhã. Sou, no amor de Nosso Senhor, vosso muito humilde servo,

Carta 65. ─ Manuscrito São Paulo, p. 11. O original foi posto à venda pelo senhor Charavay que o anuncia nesses
termos, em seu catálogo: “Carta autógrafa endereçada à senhora Le Gras em Monteruil. De Paris, sexta-feira, 02 de
abril, 1 página in-4º. A pequena viagem que fez ao interior, donde voltou anteontem à tarde, o impediu de ocupar-se
do negócio do senhor seu filho. Conseguiu contudo a palavra do R. P. Lateman, principal do colégio dos jesuítas, de
que o receberia como pensonista, etc”.
O senhor Charavay leu mal o dia do mês. É impossível que a carta tenha sido escrita a 02 de abril, porque:
1º, Nós temos, datada deste mesmo dia, uma carta que é anterior a esta; 2º, 02 de abril de 1631 era uma quarta e não
uma sexta-feira; 3º, de acordo com o conteúdo, a carta é da semana santa; ora, em 1631, a semana santa começava a
13 de abril.
O dia 11 de abril caía numa sexta-feira, dois dias antes do domingo de Ramos. Esta data, portanto, se
impõe, ao que tudo indica.
1
Carta 66. ─ C. aut. ─ Dossiê das Fillhas da Caridade, original.
1
Esta carta foi escrita no início da semana santa, no mais tardar na terça-feira santa, 15 de abril.
22
A ausência do Santo fora curta; fora se inteirar dos resultados de uma missão pregada pelos seus.
33
É a carta 65, da qual só fornecemos um fragmento.
44
Francisco Wiart ou Wyart, padre do seminário de Saint-Nicolas-du-Chardonnet, nascido em Marles, na diocese de
Laon, falecido em 1661, em Laon, onde trabalhava para fundar o seminário. Foi ecônomo ou superior dos Nicolaítas,
de 1639 a 1647.
109

V. de Paulo.

Destinatário: À senhora Le Gras, em Montreuil.

67. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

Sábado, 9 horas [Abril de 16311].

Senhora,

Prometera-me a consolação de ir estar convosco; mas fui obrigado a partir de


repente para o bosque de Vicennes2. Vosso querido coração me perdoará. Na volta, se
Deus quiser, falaremos de tudo, antecipando, porém, por precaução, que estou muito
contente porque o pequeno se decidiu pelo colégio 3. Por outro lado, quanto a ficar como
pensionista, não há remédio. É preciso entrar por essa porta, para acostumá-lo. As
pensões, a meu ver, são de duzentas libras por pessoa; e penso que há quem pague mais;
mas creio que vão se contentar com isso.
Quanto à pessoa que desejais afastar, não há perigo, porque tendes uma outra,
segundo vosso coração; mas aquela de que me falais não vos será adequada, segundo
penso. Ser-vos-á necessária uma totalmente nova e dedicada, que vos respeite e honre,
ou que tenha os mesmos pensamentos que vós. Pedi a Deus uma com estes predicados.
Quanto à penhora de que me falais, não há inconveniente em fazer conforme me
dissestes.
Adeus, minha querida filha; mantende-vos bem alegre. Na volta, falaremos de
todo esse projeto e de vossa viagem à zona rural. Proibi vosso coração de murmurar
contra o meu, porque vou viajar sem falar convosco: eu nada sabia sobre a viagem, pela
manhã. Espero rever-vos dentro de oito ou dez dias. Enquanto o aguardo, sou vosso
servo4.

68. ─ A ISABEL DU FAY

[Entre 1626 e 16321].

Senhora,
1
Carta 67. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Esta carta parece ser escrita antes do reinício das aulas, talvez no primeiro sábado que se segue à semana da Páscoa,
a saber, a 26 de abril.
22
Localidade do subúrbio leste de Paris.
33
Ao colégio de Clermont.
44
Provavelmente a carta estava assinada; um recorte inepto eliminou a parte inferior ao original.
1
Carta 68. ─ Reg. 1, f° 4. O copista nota que a escrita do original era da mão do Santo.
1
Por um lado, o nome da Senhora du Fay não aparece em nenhuma carta certamente anterior a 1626; por outro,
parece que a presente foi escrita antes de São Vicente mudar para São Lázaro (08 de janeiro de 1632).
110

A graça de Nosso Senhor esteja convosco!


Eis-me de volta; mas me encontro na dúvida sobre a necessidade de retornar aos
campos por sete ou oito dias. Como temos alguns negócios que me ocuparão hoje e me
impedirão a felicidade de ir estar convosco, suplico-vos muito humildemente fazer-me o
favor, se vierdes para estes lados daqui, por volta das quatorze horas, de mandar buscar-
me na casa da senhora Le Gras, e irei encontrar-vos. Mas caso eu não possa chegar até a
senhora Le Gras por essas horas, suplicar-vos-ia vir até Santa Maria do subúrbio. Vede
bem, Senhora, a confiança que tenho em vosso coração, o qual abandonando a própria
vontade, se deixa conduzir, disposta a tudo. Oh! feliz disposição de um coração que está
neste estado!
Bom dia, Senhora. Sou, no amor de Nosso Senhor e de sua santa Mãe, vosso
muito humilde servo,

Vicente de Paulo.

69. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Maio de 16311].

Minha pequena indisposição não é a febrezinha ordinária, mas uma pequena dor
nas pernas, por causa da contusão de um coice de cavalo e de um pequeno tumor,
começado há oito ou quinze dias. Isso é tão pouco que, não fosse certa moleza de minha
parte, não deixaria de ir à cidade. Agradeço-vos a solicitude a respeito, e vos peço não
vos afligir por isso, pois não é nada grave.
Quanto ao sofrimento interior que vos afastou hoje da sagrada comunhão, não
agistes muito bem. Não vedes que é tentação? E é justo, nesse caso, ceder ao inimigo da
santa comunhão? Pensais tornar-vos mais capaz de vos aproximar de Deus, afastando-
vos dele do que dele se aproximando? Oh! com toda certeza, trata-se de uma ilusão.
E quanto ao pequeno Miguel, não é uma outra tentação o perturbar-vos com o
medo dos limites aos quais será preciso submetê-lo? Oh! sem dúvida, fez muito bem
Nosso Senhor em não vos tomar como sua própria mãe, já que não pensais em ver a
vontade de Deus, na solicitude maternal que ele requer de vós para com vosso filho; ou
talvez penseis que isso vos impedirá de fazer a vontade de Deus em outra coisa; nada
menos correto, ainda nesse caso, pois que a vontade de Deus não se opõe à vontade de
Deus. Honrai, portanto, a tranquilidade da Santíssima Virgem, em semelhante caso.
Folgo em saber que nos enviareis esse bom garoto amanhã e que ele passará a
manhã aqui. Espero igualmente que lhe permitireis trabalhar aqui em pintura e que
havereis de honrar a tranquilidade de alma de Nosso Senhor, por uma inteira submissão
à sua santíssima vontade, em tudo.

1
Carta 69. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
São Vicente não teria esperado mais tempo para dizer a Luísa de Marillac que mandasse uma carta de
agradecimento ao Padre Bourdoise.
111

Quanto à Comunidade2, será conveniente dar-vos ao trabalho de agradecer-lhes


muito afetuosamente.
Mas não há necessidade de presente algum. Não penso que estejais em tão boa
situação a ponto de poder ser muito generosa. Honrai a santa pobreza de Nosso Senhor 3.
Aliás, nada os contentará tanto como algumas palavras de agradecimento. E se o
pequeno Miguel escrevesse uma pequena carta de gratidão ao Padre Bourdoise, a mim
me parece que ficaria muito bem.
Lembrai-vos, por favor, em vossas orações, de São Sulpício 4 e de mim que sou
vosso servo.

Destinatário: À senhora Le Gras.

70. ─ A ANTÔNIO PORTAIL, PADRE DA MISSÃO, NAS CEVENAS

21 de junho de 1631.

Senhor Padre,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Espero muitos frutos da bondade de Nosso Senhor, se a união, a cordialidade e o
suporte reinar entre vós dois. Em nome de Deus, senhor Padre, esteja nisso vosso
grande esforço. E como sois o mais antigo, o segundo da Companhia e o superior,
suportai tudo, digo-vos, tudo, do bom Padre Lucas. Digo ainda tudo, de tal modo que,
despojando-vos da condição de superior, vos acomodeis a ele, na caridade. É o meio
pelo qual Nosso Senhor conquistou e dirigiu os apóstolos e o único pelo qual ganhareis
o Padre Lucas. Assim sendo, dai espaço ao seu humor, sem nunca contradizê-lo de
imediato. Adverti-o, cordial e humildemente, depois. Que não apareça, sobretudo,
nenhuma cisão entre vós. Estais numa situação na qual um ato de azedume é capaz de
estragar tudo. Espero que procedais assim e que Deus se servirá de um milhão de atos
de virtude que praticardes a esse respeito, como base e fundamento do bem que deveis
fazer nesse lugar.

71. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Antes de 16321].
22
A Comunidade dos padres de Saint-Nicolas-du-Chardonnet. O pequeno Miguel ficara com eles perto de três ou
quatro anos.
33
Riscaduras encobrem esta frase e a precedente. A qualidade da tinta permite crer que são de São Vicente, a partir da
palavra muito (em francês: beaucoup).
44
Confraria da Caridade da paróquia São Sulpício – Confraria São Sulpício – em Paris.
Carta 70. ─ Coleção das exortações e cartas de São Vicente, segunda parte, p. 110.
1
Carta 71. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original. Não é fácil captar bem o sentido dessa carta; a
interpretação dada por Abelly (t. I, cap. XXIV, p. 113) parece um pouco contraditória.
1
Esta carta foi escrita antes da fundação das Filhas da Caridade e da aquisição do priorado de São Lázaro.
112

Agradeço-vos pelo dinheiro que me enviastes, Senhora, e vos peço aceitar o


sacrifício de não assistir amanhã à missa aqui, porque eu a celebrarei a partir das quatro
horas, e não poderíeis levantar-vos nessa hora, sem vos expor ao perigo de recaída.
Quanto ao resto, suplico-vos, uma vez por todas, não pensar nisso até que Nosso
Senhor manifeste que Ele o quer, pois, no momento, Ele sinaliza o contrário. Desejamos
muitas coisas boas com um desejo que parece conforme a Deus, e contudo nem sempre
é assim. Deus o permite, pelo contrário, em vista da preparação do espírito para aquilo
que se deseja. Saul procurava uma mula e encontrou um reino; São Luís buscava a
conquista da terra santa, e encontrou a conquista de si mesmo e a coroa do céu.
Procurais tornar-vos a serva dessas pobres moças2, e Deus quer que sejais a serva dele, e
talvez de mais pessoas do que seríeis desse modo. E ainda que fôsseis unicamente sua
serva, não bastaria para Deus que vosso coração honrasse a tranquilidade do de Nosso
Senhor? Desta maneira, se tornaria apto e em estado de servi-lo. O reino de Deus é paz
no Espírito Santo. Ele reinará sobre vós se vosso coração estiver em paz. Permanecei,
portanto, em paz, Senhora, e honrareis soberanamente o Deus da paz e do amor.
Recomendo-me a vossas orações e vos desejo uma boa noite com tanta ternura de
meu coração que me declaro, no amor de Nosso Senhor, vosso servo.

Destinatário: À senhora Le Gras.

72. ─ A FRANCISCO DU COUDRAY, PADRE DA MISSÃO, EM ROMA1

20 de julho de 1631.

Eis-vos, enfim, em Roma, onde está o chefe visível da Igreja militante, onde estão
os corpos de São Pedro e São Paulo e de tantos outros mártires e santos personagens,
que outrora derramaram o sangue e deram a vida por Jesus Cristo. Ó senhor Padre,
como sois feliz por caminhar sobre a terra por onde andaram tão grandes e santos
personagens! Este pensamento me comoveu de tal modo quando estive em Roma, há
trinta anos2, que, embora carregado de pecados, não deixei de me enternecer, parece-me,
até às lágrimas. Penso, senhor Padre, que foram tais considerações que vos sustentaram

22
As jovens que Luísa de Marillac empregava na instrução das crianças, nas aldeias, e no cuidado com os doentes,
nas Confrarias da Caridade.
1
Carta 72. ─ Reg. 2, p. 1.
1
Conhecemos as tentativas inúteis feitas pelo Santo, em 1628, para obter a aprovação do seu Instituto. O único meio
de consegui-lo era enviar a Roma um procurador encarregado de representá-lo e de negociar em seu nome. Francisco
de Coudray foi escolhido e partiu em maio de 1631. A 12 de janeiro de 1632, a Congregação da Missão era
oficialmente reconhecida e os favores solcitados em favor dela, concedidos.
22
A viagem que São Vicente fez a Roma em 1607, depois do seu cativeiro, não era a primeira. O Santo afirma
repetidas vezes, em suas conferências aos missionários (Conf. de 17 de outubro de 1659, 2º ponto) e às Filhas da
Caridade (Conf. de 30 de maio de 1647 e de 19 de setembro de 1649) ter estado com Clemente VIII, que ocupou a
Sede de São Pedro de 1592 a 1605).
Carta 73. ─ Reg. 2, p. 1.
113

e fortaleceram, na noite que em chegastes a Roma, onde, moído de cansaço, após uma
caminhada de trinta milhas a pé, fostes obrigado a deitar-vos em chão duro e trabalhar
todo o dia seguinte, sob o ardor do sol, para entrar na cidade. Oh! quanto mérito
adquiristes por esse meio!

73. ─ A FRANCISCO DU COUDRAY, PADRE DA MISSÃO, EM ROMA

1631.

Deveis mostrar que o pobre povo se condena, por não saber as coisas necessárias à
salvação e não se confessarem. [Mostrai] que, se Sua Santidade tivesse conhecimento
desta necessidade, não teria descanso enquanto não tivesse feito o possível para dar
providência a isso; que foi o conhecimento desta situação o motivo da ereção da
Companhia, a fim de remediá-la, de alguma forma; que, para realizá-lo, importa viver
em Congregação e observar cinco pontos fundamentais desse projeto: 1º, deixar aos
bispos o poder de enviar os missionários para onde lhes aprouver, na sua diocese; 2º,
que os referidos padres fiquem sujeitos aos párocos dos lugares onde forem pregar
missão, durante a sua realização; 3º, que não recebam nada desse pobre povo, mas
vivam às suas expensas; 4º, que não preguem, não catequizem, não confessem nas
cidades onde houver arcebispado, bispado ou presidial, exceto no caso dos ordinandos e
daqueles que fizerem os exercícios espirituais na casa; 5º, que o superior da Companhia
tenha a inteira direção dela; enfim, que estas cinco máximas devem ser tidas como
fundamentais nesta Congregação.
Notai que o parecer do Padre Duval1 é de que é preciso nada mudar,
absolutamente, no projeto cujos relatórios vos envio. Basta quanto às palavras; mas,
quanto à substância da coisa, é necessário que permaneça em sua integridade; por outras
palavras, não se poderia mudar nada, nem suprimir algo, sem causar um grande prejuízo
ao que está em jogo. Este parecer é totalmente dele, sem que eu tenha nele interferido.
Sede firme, portanto, neste intento e mostrai que refletimos nele longos anos, e
temos experiência de tudo.

74. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[16311].
11
André Duval, célebre doutor da Sorbona, autor de várias obras sábias, amigo e conselheiro de São Vicente de
Paulo, nascido em Pontoise, a 15 de janeiro de 1564, falecido em Paris, a 09 de setembro de 1638. O Santo não
tomava nenhuma decisão importante sem recorrer a suas luzes. Pediu-lhe o parecer, antes de aceitar a casa de São
Lázaro (Abelly, op. cit.,t. I, cap. XXII, p. 97) e de introduzir os votos na Congregação da Missão (carta de 04 de
outubro de 1647). O humilde doutor se comoveu um dia, ao ver seu retrato em uma das salas de São Lázaro. Insistiu
tanto que São Vicente teve de retirar o quadro (Vida de André Duval, doutor da Sorbona, por Robert Duval, seu
sobrinho, ms.; Um confessor de São Vicente de Paulo, por J. Calvet, nos Pequenos Anais de São Vicente de Paulo,
maio de 1903, p. 135).
1
Carta 74. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Esta carta foi escrita pouco tempo depois da fundação da Caridade de Saint-Nicolas-du-Chardonnet, quando a peste
grassava em Paris. Estas duas circunstâncias juntas indicam claramente o ano 1631.
114

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Sois uma mulher corajosa por ter adaptado o regulamento da Caridade 2. Julgo que
ele está muito bom. Quanto ao senhor Procurador Geral 3, não sei se há perigo em dizer-
lhe que se trata da mesma (Confraria da Caridade) que estabeleço onde vamos pregar
missão, e que ele testemunhou em outras vezes desejar muito fosse fundada em Paris,
mandando-me trocar ideia com o senhor pároco de Saint-Nicolas4 e o falecido pároco de
Saint-Sauveur5 sobre os meios de pô-lo em prática; mas o projeto não teve êxito.
Não me dissestes se o pároco de Saint-Nicolas esteve no bispado.
Gostaria muito de saber se há contágio 6 nos arredores desta paróquia ou no
interior dela e se vossas damas7 estão com medo.
Bem logo vou beber da água do senhor Deure. Queira Deus possa eu fazer bom
uso dela, se me for proveitosa.
Esquecia-me de dizer-vos, a respeito do senhor Procurador Geral que, se ele vos
disser que vem falar comigo, podeis dizer-lhe que não estou saindo de casa. Se ele não
levantar dificuldade para o empreendimento, não tereis nada a falar sobre mim que sou,
no amor de Nosso Senhor e de sua Santa Mãe, vosso muito humilde e obediente servo,

Vicente.

75. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[02 de setembro de 16311].

22
A Caridade de Saint-Nicolas.
33
Mateus Molé, nascido em 1584, Procurador Geral em 1614, primeiro presidente em 1641. Nomeado Ministro da
Justiça a 03 de abril de 1651, demissionário a 13 de abril, nomeado de novo a 09 de setembro, conservou o cargo de
primeiro presidente até o dia em que a Rainha regente o chamou para a corte fora de Paris. Mateus Molé morreu a 03
de janeiro de 1656 (Cf. O Parlamento e a Fronda. A Vida de Mateus Molé, Paris, 1859, in-8º).
44
Era o manso e zeloso Georges Froger, doutor da Sorbona, pároco de Saint-Nicolas desde 1603. Dirigia a
Comunidade das Filhas da Cruz durante cinco anos e morreu a 03 de setembro de 1656.
55
Hollandre, doutor da Sorbona, substituído, a 05 de maio de 1628, por Jacques Fournier, originário de Mans.
66
A peste de 1631 causou assustadoras devastações. Numa coleta feita em domicílio para remediar a miséria dos
hospitais, cometeram a imprudência de aceitar lençóis e roupa. Estes donativos repartidos com o Hospital Geral, que
ficou com dois terços, e os hospitais dos pobres doentes, multiplicaram o contágio. O Hospital São Luís encheu-se de
pestilentos; o da Saúde lhes abriu também suas portas. Em outubro de 1631, o Hospital Geral e os Hospitais São Luís
e São Marcelo tinham mais de 2.400 doentes. O Hospital Geral levantou um empréstimo de 20.000 libras; o
Arcebispo de Paris mandou seus padres estimular e recolher as ajudas. Foi nos meses de setembro e outubro que o
flagelo causou os mais violentos estragos. Paris já fora provada pelo terrível mal em 1623 e 1625. Em 1636 e 1638, a
peste tornará a aparecer, mas durará pouco tempo e poderá ser localizada (Cf. Michel Félibien, op. cit., t. V, pp. 69,
80, 82).
77
As damas da Caridade de Saint-Nicolas.
1
Carta 75. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Esta carta está assinalada na página do original deixada em branco. Sua exatidão pode ser contestada. A carta, com
toda certeza, não é anterior a 29 de agosto.
115

Estas linhas são para dizer-vos adeus, de novo, e pedir-vos ter muito cuidado com
vossa saúde. Quanto à saúde de vosso filho, não vos preocupeis, estamos cuidando
disso2. Escrevei-nos com frequência, por favor.
Escrevo ao R. P. Gondi que me parece bom que comeceis em Mesnil 3, e,
conforme o êxito do empreendimento, pensaremos em outro lugar; se eu não vos
escrever outra carta, adianto-vos que Bergier4, ao que me parece, seria o mais indicado;
depois dele, Loisy5. O senhor Ferrat, juiz das terras6, atualmente em Vertus7, vos
encaminhará para todos os lugares. Escreverei ao referido senhor Ferrat e ao senhor
pároco de Mesnil. Recebereis as cartas sexta-feira pela manhã, em Montmirail.
Apagai, entretanto, de vosso espírito, a razão que me alegastes, pela qual ides
fazer essa viagem. Não poderíeis imaginar que isso contristou meu coração. Oh! não,
não sou assim, graças a Deus; pelo contrário, Deus sabe o que Ele colocou no meu
coração a vosso respeito; vê-lo-eis no céu.
Desejo um bom dia para a senhora du Fay, e para vós, que regresseis carregada de
méritos e de boas obras.
Sou, no amor de Nosso Senhor, v. s.

V. P.

76. ─ AO PÁROCO DE BERGÈRES

Senhor Padre,

O Reverendo Padre Gondi, vendo o grande bem que a senhora Le Gras realiza em
Montmirail e em Villepreux com a instrução das jovens, desejou proporcionar o mesmo
bem às de vossa paróquia e pediu a essa bondosa senhora tivesse a bondade de ir estar
convosco para esse fim, o que ela com toda caridade aceitou. Quanto a mim, suplico-
vos muito humildemente dar-me a certeza de que vós, senhor Padre, ficareis contente
com a oportunidade que Nosso Senhor vos apresenta, para o bem das almas que Ele vos
confiou. Espero que vós, senhor Padre, e vossos paroquianos, experimentareis com isso
grande consolação, se aprouver a Deus conceder-lhe em vossa paróquia as mesmas
bênçãos que lhe tem dado em outros lugares por onde tem passado. Ora, a fim de que
vosso povo fique ciente da intenção do Reverendo Padre Gondi, tende a bondade, por
favor, de avisá-los no púlpito e de estimulá-los a mandar suas filhas até a casa onde está
22
Era tempo de férias.
33
Le Mesnil-sur-Orger (Marne).
44
Hoje, Bergères-lès-Vertus (Marne).
55
Loisy-en-Brie, onde o Santo pregara uma missão em 1626.
66
Juíz das terras do R. P. Gondi. O juiz administrava a justiça em nome do proprietário.
77
Hoje centro administrativo do cantão de Marne.
116

a senhora, nas horas que ela vos propuser. Ela está igualmente muito bem informada
sobre a Confraria da Caridade. Suplico-vos, senhor Padre, fazer com que ela se encontre
com as mulheres da confraria e de vos lembrar de mim em vossas orações. Sou no amor
de Nosso Senhor...

Paris, 02 de setembro de 1631.

77. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Vão aí as cartas para os senhores párocos da Champanha e para o senhor Ferrat.
Fechai-as, se julgardes conveniente entregar-lhas, pois acredito não haver nenhum
incoveniente no que escreve o R. P. Gondi. Ele me escreveu sobre a afeição com que
vos aguardava. Espero que ficareis contente com isso.
Persevero ainda na minha opinião de que deveríeis começar por Mesnil e de lá ir
para Bergier1, Loisy, Soulières2, Souderon3 e Villeseneux4, se o senhor Bispo5, o senhor
Padre Ferrat ou vossa prudência não julgarem seja melhor fazer de outro modo.
Não vos envio outro relatório, por não julgá-lo necessário. O espírito de Nosso
Senhor será vossa regra e vosso guia. Quanto a mim, recomendo-me a vossas orações,
como também o nosso retiro6 que vou começar imediatamente depois de terminar de
escrever a presente carta. Entrementes, sou, no amor de Nosso Senhor e de sua Santa
Mãe, vosso muito humilde servo,

Vicente de Paulo.

Paris, 02 de setembro de 1631.

Destinatário: À senhora Le Gras, em Montmirail.

78. ─ A FRANCISCO DU COUDRAY, PADRE DA MISSÃO, EM ROMA

04 de setembro de 1631.

1
Carta 76. ─ Manuscrito São Paulo, p. 15.
Carta 77. ─ Original com as Filhas da Caridade da rua Gaudissart, 12, em Amiens.
1
Hoje, Bergères.
22
Comuna de Marne.
33
Hoje, Soudron (Marne).
44
Outra Comuna do mesmo departamento.
55
Henrique Clausse, Bispo de Châlons-sur-Marne (1624-1640).
66
São Vicente e os membros de sua comunidade tinham o hábito de fazer seu retiro anual em comum, ordinariamente
em setembro.
117

Um grande personagem, de doutrina e piedade, me dizia ontem que era da opinião


de Santo Tomás: quem ignora o mistério da Trindade e o da Encarnação, se morrer
neste estado, morre em estado de condenação. Sustenta que isso é da base da doutrina
cristã. Ora, isso me tocou tão profundamente e ainda me toca de tal modo que receio ser
eu mesmo condenado, por não estar incessantemente ocupado na instrução do povo
pobre. Que motivo de compaixão! Quem nos excusará diante de Deus pela perda de tão
grande número de pessoas, que poderiam ser salvas pelo pequeno socorro que lhes
poderíamos prestar? Praza a Deus o façam tantos bons eclesiásticos que no mundo os
podem assistir. Rogai a Deus, senhor Padre, nos conceda a graça de redobrar nosso zelo
pela salvação dessas pobres almas.

79. ─ SANTA CHANTAL A SÃO VICENTE

Setembro de 1631.

Sois sempre admirável em vossa humildade, da qual recebo mui grande e mui
particular consolação, como também a recebo, de modo todo especial, pela satisfação
que dizeis ter experimentado na visita feita a nossa casa do subúrbio. Nossa Irmã
superiora1 me escreve também que ela e todas as suas filhas ficaram muito contentes
com a visita. Deus seja bendito, louvado e glorificado por tudo e se digne conceder a
meu caríssimo Padre uma grande coroa por todos os trabalhos e caridade que exerce
para com nossas boas irmãs! Meu Deus! Meu caríssimo Padre, como sois sempre bom
para comigo! Eu o sei por essas poucas lágrimas que derramastes, vendo o conjunto de
nossas últimas respostas.

80. ─ A FRANCISCO DU COUDRAY, PADRE DA MISSÃO, EM ROMA

12 de setembro de 1631.

Vivemos em Paris uma vida quase tão solitária quanto a dos Cartuchos, porque,
não pregando, nem catequizando, nem confessando na cidade, quase ninguém tem a ver
conosco, nem nós com ninguém.

81. ─ A LUÍSA DE MARILLAC, EM MONTMIRAIL


Carta 78. ─ Reg. 2, p. 2.
1
Carta 79. ─ Abbely, op. cit., t.II, cap. VIII, 1ª ed., p. 317.
1
Maria Jaqueline Favre, que foi “ a primeira religiosa, a segunda professa e a segunda Mãe”, da Visitação (Ano Santo
das Religiosas da Visitação Santa Maria,Annecy, 1867-1871, 12 vol. in-8, t. VI, p. 346). Sua biografia foi publicada
nas Vidas das primeiras Religiosas da Visitação Santa Maria, por M. de Chaugy, Paris, 1852, 2 vol. in-8, t. I, pp. 3-
120.
118

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Já que a Providência vos obriga a ficar em Montmirail, é preciso adorá-la e fazer o
que Deus vos propõe. Não importa que esta pessoa tenha má reputação; talvez seja sem
motivo, ou então ela se corrigirá. Madalena, desde o momento de sua conversão,
tornou-se companheira de Nossa Senhora e seguidora de Nosso Senhor. Como sou um
grande pecador, não posso rejeitar os que o foram, desde que tenham boa vontade.
Ademais, talvez tenha sido o senhor Prior 1 que sugeriu esse pensamento ao R. P. Gondi,
ao qual nada direi sobre o negócio; com efeito, penso que ele o fará, sem que eu lhe
fale. Caso contrário, escrevei-me, por favor.
Quanto a irdes a alguma aldeia dos arredores de Montmirail, elas são por demais
distantes. Não parece haver algo a fazer nelas, em razão mesmo da estação atual.
Uma indisposição minha, quando da vinda aqui do filho de Madame Rousseau,
não me permitiu falar com ele; ofereci-lhe, porém, os meus préstimos, e o cumprirei.
Assegurai disso a senhora sua mãe, por favor.
Quanto ao vosso filho, ele passou o dia de ontem aqui, de modo muito educado.
Está passando bem, graças a Deus. No tempo oportuno, dar-lhe-emos um purgante.
Passou para o terceiro grau2. O Padre Dehorgny vos comunica que ele vos está
escrevendo; mas o pouco tempo que tivemos para lembrá-lo disso fará com que não
tenhais cartas, desta vez. Ficai tranquila com relação a ele.
Madame Laurent3 voltou indisposta de Villepreux, há quatro ou cinco dias. O
Padre Belin vai dar as aulas para as moças. Avisei-o que será aliviado desse trabalho
dentro de sete ou oito dias e falei a respeito com uma jovem competente que só poderá
ir para lá no tempo a que aludi.
Nada sabia sobre as toalhas de que me falais. Agradecerei por elas à senhora du
Fay. Quanto à senhora Guérin, vou procurar saber se ela nos enviou alguma. Ela veio
esta manhã dizer-me adeus. Foi para Chartres porque a doença, disse-me, está
aumentando aqui. Entre vossa casa e aqui há duas casas infestadas. O senhor Guérin e
seu filho mais velho permanecem, porém, aqui.
A senhora du Fay não está de modo nenhum indisposta. O senhor de Vincy veio
ver-me ontem e me garantiu que não é nada. Digo-vos o mesmo de mim, que não tive
nem mesmo minhas pequenas sensações4, há dois dias.
Hoje passou por aqui o irmão de Germana; entreguei-lhe a carta dela e a roca de
fiar; está indo para Villepreux, onde dará notícias dela.
Como vai a Caridade? As mulheres estão trabalhando bem? Têm muitos doentes e
dinheiro? A senhora du Fresne está em Montmirail? Como está passando? Saúdo-a de
1
Carta 80. ─ Reg. 2, p. 34.
Carta 81. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Jean Fosse, nascido em Château-Thierry cerca de 1583, Prior de Montmirail, de 1620 a 23 de setembro de 1636, dia
de sua morte (História de Montmirail-en-Brie, pelo abade Boitel, Montmirail, 1862, in-12, p. 75).
22
O ano escolar acabava de ser aberto no Colégio de Clermont, onde Michel Le Gras, então com a idade de dezoito
anos, era pensionista.
33
Dama da Caridade. Ela dava aulas, provavelmente, para as jovens de Villepreux, em lugar de Germana que
acompanhava Luísa de Marillac em sua viagem.
44
São Vicente se refere aos arrepios da febre de que sofria frequentemente.
119

todo meu coração, como também a sua mãe. Não digo nada do senhor du Fresne: penso
que está na Corte; mas saúdo Germana e vos direi que Madame Marechala de Marillac 5
está muito doente, com disenteria aguda, em Roule6. Honrai em tudo isso a paciência da
Santíssima Virgem; oferecei o sofrimento dela a Deus. Não seria ela feliz por deixar
esta terra de miséria e ir gozar da glória do céu?
A senhora Guérin está vos escrevendo e eu sou, no amor de Nosso Senhor, vosso
muito humilde servo,

Vicente de Paulo.

Paris, 13 de setembro de 1631.

82. ─ A ISABEL DU FAY

[16311].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Sois muito gentil para comigo, Senhora, comunicando-me o estado em que vos
encontrais. Agradeço-vos e vos peço procurar todo alívio possível e o mais cuidadoso
tratamento para recobrar vossas forças, poupando-as depois com empenho, para servir a
Deus; Nosso Senhor o quer assim, Senhora, e eu vo-lo suplico. Ó meu Deus! como são
admiráveis e adoráveis os caminhos por onde conduz os seus, Senhora! Com toda
certeza, nada lhe custa, quando se trata da salvação de uma alma. Entrega o corpo e o
espírito à fraqueza, para fortalecê-los no desprezo das coisas da terra e no amor a sua
Majestade; fere e cura; crucifica em sua cruz para glorificar em sua glória; em resumo,
entrega à morte para fazer surgir a vida, na eternidade. Acolhamos essas aparências de
males, Senhora, para lograr os bens que produzem, e seremos bem-aventurados, neste
mundo e no outro.
De resto, agradeço à Mãe das jovens, pela honra com que me distingue,
lembrando-se de mim, e lhe prometo escutar suas queixas. Ó meu Deus! prometo de
coração dedicar um bom quartozinho de hora a lhe ouvir o relato do procedimento de
suas filhas com ela e do modo como a comunidade se comportou 2! Desejo muito,
porém, que não seja para logo, porque as doenças estão aumentando, ou ao menos não
estão diminuindo. Disseram-me hoje que foram retirados três corpos de uma casa
55
Catarina de Médicis, prima da Rainha, esposa do marechal Luís de Marillac, tio de Luísa. O Marechal definhava
nas prisões do Estado desde o final de 1630, vítima dos ressentimenntos de Richelieu. Dizem que o desgosto
contribuiu muito para a doença da Marechala, que morreu no próprio dia em que São Vicente escrevia esta carta.
66
Era então um lugarejo situado fora de Paris. Foi incorporado à capital em 1722 (História da Cidade e de toda a
diocese de Paris, por Lebeuf, Paris, 1883-1893, 7 vol. in-8º, t. VI, p. 515).
1
Carta 82. ─ Reg. 1, fº 13 vº. O copista nota que o original era todo da mão do Santo.
1
Ano em que a peste recrudesceu com intensidade em Paris.
22
Parece, de acordo com esta carta, que a senhora du Fay tinha uma pousada fora de Paris numa comunidade,
provavelmente no convento das Dominicanas de Poissy (Cf. carta 13).
120

próxima da senhora Le Gras e que morreu um padre do Oratório em Saint Jacques 3 e um


outro em Notre-Dame-des-Vertus4.
Desejo-vos boa noite e sou vosso servo,

Vicente de Paulo.

83. ─ A LUÍSA DE MARILLAC, EM MESNIL

Senhora,

Se o senhor Bispo de Châlons1 não vos mandou buscar e se se encontra aí perto,


parece-me que faríeis bem em ir estar com ele e dizer-lhe, com toda a simplicidade e
confiança, por que o R. P. Gondi vos pediu de vos dar o trabalho de ir até a Champanha
e o que estais fazendo. Colocai-vos em disponibilidade para suprimir o que lhe aprouver
em vosso modo de proceder e para deixar tudo, se for do seu agrado. Age assim quem
tem o espírito de Deus. Acho que só pode haver bênção de Deus com este
procedimento. O senhor Bispo de Châlons é um santo personagem. Deveis considerá-lo
como o intérprete da vontade de Deus, no caso presente. Se ele achar conveniente que
mudeis alguma coisa em vosso modo de agir, acolhei-o com toda exatidão, por favor. Se
julgar que deveis voltar, fazei-o tranquila e alegremente: estareis fazendo a vontade de
Deus. Se estiver longe e vos deixa trabalhar, continuai, por favor, a ensinar vossas
mocinhas. Se houver aí mulheres para esse trabalho, ótimo. Mas não mandeis falar no
púlpito; que elas o façam, por favor. Antes, mandai avisar apenas as irmãs da Caridade
para estarem convosco todas juntas. Honrai com este procedimento a humildade do
Filho de Deus, em seu proceder.
Nossa comunidade está atualmente em Bergier2. Não vos será oportuno, penso eu,
ir para lá. Permanecei, pois, em Mesnil, por favor, até que a missão chegue aí. Podereis
então ir a Bergier e aos outros lugares.
Escrevei-me, por obséquio, o resultado do vosso entendimento com o senhor
Bispo de Châlons.

15 de setembro de 16313.

84. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

33
Saint-Jacques-du-Haut-Pas.
44
Aubervilliers, lugar de peregrinação muito frequentado com o nome de Notre-Dame-des-Vertus, ou des Miracles
(Nossa Senhora das Virtudes ou dos Milagres). Os Padres do Oratório tinham ali um estabelecimento.
1
Carta 83. ─ Manuscrito São Paulo, p. 14. O senhor Charavay, que pôs à venda o original, a 28 de março de 1874,
nos diz que ele é todo da mão do Santo. O resumo que fez dele mostra que o texto do Manuscrito São Paulo está
incompleto. Na passagem supressa, São Vicente dá a Luísa de Marillac notícias do seu filho, que voltara na véspera
para o colégio todo pesaroso, tal era o prazer que sentia no meio dos padres da Missão.
1
Henrique Clausse de Fleury (1624-1640).
22
Bergères.
33
Data fornecida por Charavay.
121

[22 ou 23 de setembro de 16311].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Escrevi-vos, há 8 dias, enderecei minhas cartas para o R. P. Gondi. Envio-vos
agora estes três pacotes de camisas com a carta anexa.
O senhor vosso filho está passando bem, graças a Deus, e me parece que seu
espírito se abre cada vez mais. Logo que o tempo refrescar, virá aqui tomar purgante.
Madame Laurent ainda está doente. Mandei visitá-la. A senhora du Fay esteve
também um pouco doente, mas, graças a Deus, está melhor. Madame Marechala de
Marillac foi receber no céu a recompensa de seus trabalhos 2. Eia pois! ficareis triste.
Mas que fazer? Se foi a vontade de Nosso Senhor, é preciso adorar sua Providência e
trabalhar para nos conformar, em todas as coisas, aos seus desígnios. Com certeza, sei
muito bem que vosso coração não pede outra coisa, e se no íntimo se comove, logo se
acalmará. O Filho de Deus chorou Lázaro, porque não haveríeis de chorar essa boa
senhora? Não há mal nisso, contanto que, como o Filho de Deus, vos conformeis
interiormente com a vontade do pai. E é o que estou certo que fareis.
Mas como estais passando? Estes ares insidiosos não vos causam indisposição?
E Germana não lamenta muito suas filhas que ela sabe estarem à mercê do Padre
Belin3? Quando ireis para a Champanha? A jovem moça está progredindo? Há algum
bem a esperar? Uma palavra sobre tudo isso, por favor.
Nada de novo vos posso dizer daqui, a não ser que a doença está rondando
entorno de nós e que Nosso Senhor nos conserva a todos com boa saúde, graças a Deus,
exceto no caso da minha febrezinha. Estou certo de que não nos esqueceis em vossas
orações4, e que credes de coração que eu sou, no amor de Nosso Senhor e no da
Santíssima Virgem, Senhora, vosso muito humilde servo,

Vicente de Paulo.

Enganei-me, dizendo-vos que vos envio alguns pacotes, porque pensava que os
três pacotes de pano que encontrei sobre vossa mesa fossem camisas e para vós.

85. ─ A LUÍSA DE MARILAC

A graça de Jesus Cristo Nosso Senhor esteja sempre convosco!


1
Carta 84. ─ C. aut. ─ Original com as Filhas da Caridade de Montluçon.
1
A carta 83 sendo de 15 de setembro, esta, escrita oito dias após, é de 22 ou 23.
22
A 13 de setembro.
33
Ver carta 81.
44
Depois de vossas orações, o Santo escrevera Boa noite, Senhora. Riscou estas três palavras para continuar a frase
como acima.
122

Envio-vos enfim uma carta de vosso filho. Espero fazer com que ele tome um
purgante e lhe seja aplicada uma sangria, na próxima segunda-feira, conforme vossa
ordem.
A senhora Sevin me deteve anteontem, perto de vossa casa, com essa moça jovem
e gorda que está de luto e que deseja entrar em Santa Maria, como irmã serviçal. Disse-
me que estava procurando uma casa para vós, porque o senhor Véron 1 precisa de vosso
quarto e que o seu filho, detentor atual de um cargo, precisa de uma sala para receber as
pessoas. Disse-lhe, então, que ficaríeis muito aborrecida por incomodá-lo e lhe pedi
empenhar-se por vos encontrar uma residência e vos avisaria para saber de vós se tendes
preferência por algum quarteirão2. Espero, pois, resposta vossa sobre isso. Dizei-me
também se precisais de dinheiro, pois vos trouxeram as oitenta e tantas libras de vossa
renda.
A senhora Tranchot3 vos deseja muito em Ville-Neuve-Saint-Georges4, onde a
Caridade vai mal, e penso eu que Nosso Senhor vos reserva o feliz êxito desta boa obra.
A senhora du Fay passa bem. Também ela ainda está à procura de uma casa.
Um padre de Saint-Nicolas5 foi levado ontem para o hospital São Luís6. Trata-se
de um dos novos. Mandei hoje essa jovem de Saint-Sauveur para Villepreux7.
Mas então, onde estais atualmente? O que faz Nosso Senhor de vós? Disseram-me
que encontraram o Padre de Gondi a caminho da Champanha. Julgo que estais aí
também. Praza a Nosso Senhor abençoar vosso trabalho e fortalecer-vos para ele!
Sou, em seu amor e no de sua Santa Mãe, Senhora, vosso muito humilde e
obediante servo,

Vicente de Paulo.

Paris, 12 de outubro de 1631.

86. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

Senhora,

1
Carta 85. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Recordemos aqui que a senhora Sevin, viúva de Jacques Sevin, corretor do Tribunal de Contas, era, de nascimento,
Maria Véron.
22
Luísa de Marillac deixara, por volta de 1619, a paróquia Saint-Merry para se estabelecer, com seu marido e seu
filho, na paróquia Saint-Sauveur, rua Cours-au-Villain ou Courteau-Villain, formada hoje pela parte da rua
Montmorency que se estende da rua Beaubourg à rua du Temple. Em 1626, ela veio morar na rua Saint-Victor, perto
dos Bons-Enfants (Gobillon, op. cit., p. 46, nota 2); em outubro de 1627, uma carta lhe foi endereçada na rua Saint-
Victor, na casa do senhor Tiron Saint-Priest (Madame de Richemont, op. cit., p. 46, nota 2); em 1629, estava na casa
do senhor Guérin, auditor de contas, sempre na rua Saint-Victor (Carta de Alexandre Regourd; Arq. das Filhas da
Caridade). Encontramo-la agora na casa do Senhor Véron. Como este último precisava de compartimentos que ela
ocupava, ela procurou outro local no mesmo quarteirão.
33
Dama da Caridade.
44
Em Seine-et-Oise.
55
Da Comunidade de Adriano Bourdoise.
66
Hospital fundado em 1607, para receber os pestilentos, tratados, até então, no Hospital Geral.
77
Margarida Naseau. Ela deixara as funções de professora em Villepreux, para vir ajudar em Saint-Sauveur as Damas
da Caridade. São Vicente a mandava de volta, provisoriamente, para Villepreux, a fim de substituir o Padre Belin.
123

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Louvo a Deus por vossa saúde, por vosso trabalho e por tudo que me comunicais.
O senhor vosso filho veio aqui com uma pequena dor de cabeça, há quatro ou cinco
dias. Submetemo-lo à sangria e o mandamos ficar de cama. O senhor Quartier disse-nos
que era necessário não dar-lhe purgativo, antes que passasse sua dor de cabeça. Ele o
fez depois de três dias, de tal sorte que não lhe resta distúrbio intestinal algum; assim,
pudemos ministrar-lhe seu remediozinho esta manhã. É alegre e ajuizado entre nós, de
modo que ficamos todos edificados. Se continuar assim, haverá motivo para louvar a
Deus e esperar que possais ter muita consolação com ele. Depois de receber o purgarivo
e estiver passando bem três dias após, permitir-lhe-emos o retorno ao colégio. Digo, se
estiver passando bem três dias depois, e entendo também dizer, se não voltar sua dor de
cabeça, de que está livre, no momento.
Enviarei hoje o dinheiro do vestido à senhora Sevin, e a carta a nossa irmã
Germana, que deverá vir em hora muito oportuna.
Se esta jovem de dezoito anos tem bom senso e firmeza de espírito, não façais
dificuldade em lhe deixar o cuidado das meninas 1. Um bom espírito nesta idade é
melhor do que um mau aos cinquenta.
Vou entregar a coberta ao senhor vosso filho e fazer tudo que me dizeis.
É verdade que seria de se desejar que as pessoas dispostas a se aplicarem a essa
boa obra não tivessem outro projeto ou outra coisa a fazer, senão isso. Vou a Pontoise
muito brevemente. Falaram-me de uma pessoa com essas disposições, que lá se
encontra. Vou reservá-la para Sartrouville2, onde Madame de Villeneuve3 a deseja.
Nossa pequena comunidade partirá dentro de dois ou três dias.
Peço-vos dizer ao senhor lugar-tenente que o saúdo muito humildemente e sou seu
servo e que lhe suplico reservar-nos três leitos na hospedaria. Saúdo, além do mais, a
Germana, à qual direis, por favor, que mandei entregar sua carta ao seu irmão.
Sou, entretanto, no amor de Nosso Senhor, vosso muito humilde servo,

Vicente de Paulo.

Paris, véspera da festa de São Lucas4, 1631.

Destinatário: À senhora Le Gras, em Mesnil.

87. ─ AO PADRE COLLETOT

1
Carta 86. ─ C. aut. ─ Original na casa central dos padres da Missão, em Nápoles.
1
Como professora em Mesnil.
22
Comuna de Seine-et-Oise no cantão de Argenteuil.
33
Viúva de Claude-Marcel de Villeneuve, referendário, irmã da Madre Helena Angélica l’Huillier, da Visitação,
amiga da senhora Le Gras e de Madame Lamoignon e fundadora das Filhas da Cruz, que ela instituiu em 1641.
Morreu a 15 de janeiro de 1650, com a idade de cinquenta e três anos ( Madame de Villeneuve, pelo Rvdo, Padre de
Salinis, Paris, 1918, in-8º).
44
17 de outubro.
124

Senhor Padre,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


A Confraria da Caridade, cujo regulamento vos enviei, não tem por finalidade
assistir os doentes contagiosos. Há alguns lugares onde as servas dos pobres, isto é,
essas senhoras de sociedade pertencentes à Caridade, se propuseram, não a ir visitar os
referidos doentes contagiosos, mas, antes, levar-lhes alguns víveres, num determinado
local, a tal distância de onde se refugiou essa pobre gente, que não se exponham ao
perigo de contrair o mal. E isso, se entende, nos lugares onde não há organização em
favor dos referidos pobres pestíferos. Mas a dita confraria não é diretamente para os
pestíferos, mas só indiretamente em situação eventual. Se vossa paróquia está afligida
por essa doença, seria necessário que a Caridade delegasse alguma mulher humilde e
generosa ou algum homem caridoso que levasse os víveres, sem ser necessário que as
servas dos pobres vão, cada uma em seu dia, como o fazem para com os outros doentes.
Aí está, senhor Padre, tudo que vos posso dizer como resposta a vossa carta. Peço
a Deus que abençoe a santa obra que empreendeis, que santifique vossa alma, que seja
ele próprio vossa recompensa neste mundo e no outro, e me torne digno de ser, em seu
amor e no de sua Santa Mãe, vosso muito humilde servo,

Vicente de Paulo.

Destinatário: Ao senhor Padre Colletot, prior da Forêt-le-Roi1.

88. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Mostrei ao Padre de Gondi a vossa carta, assim como as do senhor Bispo de
Châlons para vós, e mostrei a vossa carta para o senhor Bispo 1. Ora, tudo bem pesado, e
com grande pesar de sua parte, ele é de parecer que obedeçais ao senhor Bispo de
Châlons, porque estima que Deus o quer assim, já que é ordem daquele que é o
intérprete da sua vontade no lugar onde estais. Ora, sendo tal a vontade de Deus, voltai
para casa, por favor. Não deixareis de ter a recompensa que teríeis, se tivésseis instruído
todas as meninas dessa região daí. Oh! como sois feliz por vos assemelhar ao Filho de
Deus, ao ter sido, como Ele, obrigada a vos afastar de uma província onde, pela graça de
Deus, não estáveis fazendo mal algum! O R. Padre Gondi vos agradecerá aqui pelo
1
Carta 87. ─ C. aut. ─ Original no British Museum, foreign private letters, Egleton 27, fº 166.
1
Palavra de leitura duvidosa.
1
Carta 88. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
O Santo quer dizer evidentemente: Mostrei ao Padre Gondi a carta que me escrevestes, as que o Bispo de Châlons
vos escreveu e a vossa resposta a este Prelado (a frase da mão do Santo dá margem a ambigüidade – N. do T.).
125

esforço que fizestes e vos testemunhará o pesar que sente por tudo isso. Quanto a mim,
peço-vos, não vos ocorra o pensamento de que foi por vossa culpa que isso aconteceu.
Não, não se trata disso, mas de uma pura disposição de Deus, para sua maior glória e o
maior bem de vossa alma. O que é mais notável na vida de São Luís é a tranquilidade
com que voltou da Terra Santa sem obter o êxito por ele desejado. Talvez não tenhais
jamais ocasião de vos entregar mais a Deus do que esta. Usai dela na medida da graça
que Nosso Senhor sempre manifestou em vós.
A senhora Sevin vos escreve pedindo-vos que procureis uma outra residência
para vós. Podereis ficar com a senhora du Fay e lá permanecer até arranjar uma casa que
vos seja adequada. A bondosa senhora Sevin vai trabalhar nesse sentido2.
Quanto aos cinquenta escudos, guardai-os. Resolvereis aqui como usá-los. O
senhor vosso filho foi para o colégio; está passando bem e procedendo bem.
Saúdo muito humildemente o senhor pároco, o Padre Ferrat, assim como
Germana. Sou, no amor de Nosso Senhor, Senhora, vosso muito humilde servo,

V. de Paulo.

Paris, véspera de Todos os Santos [16313].

Destinatário: À senhora Le Gras, em Mesnil.

89. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[16311].

Senhora,

Madame Laurent vai estar convosco. Julguei-a a mais indicada no momento.


Envio-vos as cartas que tinha escrito para ela. Usai delas conforme vossa prudência.
Louvo a Deus por sabê-la em melhor estado do que quando partistes e lhe rogo vos
cumule de paz e tranquilidade. Tenho minhas dúvidas de que o Sr... seja o indicado para
o que dizeis, assim como a moça, para vos acompanhar. Penso ser preciso adiar a
decisão a respeito.
Quando estareis de volta? Esta semana? Certamente quando o estabelecimento da
bondosa Madame Laurent vo-lo permitir. Penso começar amanhã a visita ao subúrbio 2.

22
Teve ela porventura o tempo para trabalhar nisso? Morreu no fim de dezembro e foi sepultada no dia 31 desse mês
na igreja de Saint-Nicolas, diante do púlpito do pregador (Bibl. Nac., ms, fr. 32.590).
33
31 de outubro. O ano é requerido pelo conteúdo.
1
Carta 89. ─ Manuscrito São Paulo, p. 81.
1
Esta carta tem laços estreitos com as cartas 79 e 81. Demo-nos conta tarde demais que ela precedeu as duas. É do
mês de julho ou do mês de agosto. Luísa de Marillac a recebeu provavelmente de Villepreux.
22
Isto é, do segundo mosteiro da Visitação, fundado pela Madre de Beaumont, a 13 de agosto de 1626, na casa do
senhor Le Clère, no subúrbio Saint-Jacques, graças à generosidade da marquesa de Dampierre e de Madame de
Villeneuve. São Vicente era superior e Maria Jacqueline Favre, a superiora (História cronológica das fundações de
toda a ordem da Visitação de Santa Maria, Bibl. Maz., ms. 2439).
126

Escrevem-me a respeito de uma jovem das proximidades de Pontoise, muito capaz, e


que tem um grande desejo de servir a Deus, instruindo as crianças. Quanto a mim, sou
no amor de Nosso Senhor...

90. ─ A JEAN DE LA SALLE, PADRE DA MISSÃO, EM MESNIL

11 de novembro de 1631.

Não há dificuldade quanto a receber a caridade do Revmo. Padre Gondi. Se já a


recusastes, escusai-vos com o senhor Ferrat. É nosso fundador. Não temos o direito de
recusar o que ele nos dá por amor a Deus, como também de nenhum outro que não seja
do local onde estivéssemos pregando missão. São Paulo procedeu assim e não recebia
nada no lugar onde estava trabalhando; mas recebia de outras igrejas para trabalhar nas
recentes, quando o produto de suas mãos não era suficiente, ou quando a pregação e as
conversões o impediam de trabalhar com as próprias mãos para ganhar sua vida.
Spolians Ecclesias Macedoniae, ut non essem vobis oneri (Despojei as Igrejas de
Macedônia para não vos ser pesado), diz ele aos Coríntios 1, embora falasse que sua
glória na pregação do Evangelho era a de nada receber.

91. ─ A GUILHERME DE LESTOCQ, PÁROCO DE SAINT-LAURENT1

[16312].

Senhor Padre,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Passei ontem pela casa do senhor Procurador Geral 3 e encontrei quatro ou cinco
carruagens diante de sua porta; como era muito tarde e teria de esperar por muito tempo,
pensei que seria melhor deixar para hoje, depois do almoço. Irei, portanto, estar com ele
bem logo, conforme a ordem do senhor Prior 4, com quem não terei a honra de me
encontrar esta manhã, tanto porque me parece ser desejo seu tenhamos a palavra do
referido senhor Procurador Geral, antes de concluir5, como a fim de que nos façais a
1
Carta 90. ─ Reg. 2, p. 196. O copista nota que o original era da mão do Santo.
1
2 Co 11, 8-9. O Santo não reproduz textualmente a frase de São Paulo.
1
Carta 91. ─ Coleção do processo de beatificação.
1
Esteve à frente da paróquia Saint-Laurent, então perto de Paris, de 1628 a 09 de maio de 1661, dia de sua morte. Foi
ele o principal instrumento da união do Priorado de São Lázaro à Congregação da Missão. Fez desta união um relato
detalhado incorporado na obra de Abelly (op. cit., t. I, cap. XXII, p. 95 e seguintes).
22
Ver nota 5.
33
Mateus Molé.
44
Adriano Le Bon, cônego regular de Santo Agostinho, nascido em Neufchâtel (Seine-Inferieure), falecido em São
Lázaro a 09 de abril de 1651, aos 74 anos.
55
Adriano Le Bon foi levado a resignar o priorado de São Lázaro por causa da desinteligência reinante entre ele e
seus religiosos. O rumor dos felizes frutos recolhidos em seus giros apostólicos por São Vicente e seus companheiros,
127

caridade de lhe relatar algumas dificuldades que se encontram nas propostas que me deu
a honra de fazer-me, ontem.
O senhor Prior teve a bondade, portanto, de me dizer ontem à tarde que
conversara com seus religiosos6 sobre nosso modo de proceder no coro, sobre a
residência, os móveis, e a pensão que pagariam os que quisessem viver entre nós. Ora,
posso dizer-vos, quanto à última dificuldade, a de que cada um dos senhores religiosos
só pagará duzentas libras de pensão, que estou plenamente de acordo, embora, tendo
calculado com exatidão a despesa do que nos custou, no presente, ficará mais caro para
nós. As próprias pensões dos alunos são de noventa libras.
Quanto à moradia, temo que aconteçam alguns percalços com o tempo, se
viéssemos a ficar juntos no dormitório. Isto, porque nós observamos o silêncio, à noite,
após a oração, até o dia seguinte, depois do almoço, quando temos uma hora de
recreação; continuamos em silêncio depois da recreação até após a janta, quando,
novamente, temos ainda uma hora de recreação. Terminada esta última recreação,
voltamos a observar o silêncio, durante o qual só falamos o necessário e em voz baixa.
Ora, quem suprime isso de uma comunidade introduz nela uma desordem e uma
confusão inexprimível, o que levou um santo personagem a afirmar com segurança, ao
ver uma comunidade na observância exata do silêncio, que ela era regular em tudo mais.
Ao contrário, vendo uma outra onde o silêncio não era observado, dizia ser impossível a
observância dos demais pontos da regularidade. Assim, senhor Padre, há sérios motivos
para se temer que esses senhores religiosos não queiram se obrigar a isso e, não o
fazendo, acabássemos por arruinar uma prática tão necessária, que temos procurado
observar até o presente, o menos mal possível. Sendo assim, parece-me ser conveniente
voltar às propostas que me fizeram esses senhores religiosos na presença do senhor
Prior, a saber, que eles ficarão com alguns aposentos particulares, os quais nós
acomodaremos aos seus usos, com as chaminés. No que diz respeito aos móveis,
poderão ficar com os seus, dos seus quartos. Para a roupa branca e a louça, nós lhas
forneceremos ou lhe daremos a cada um cinquenta libras para esse fim. Longe de ver
nisso simonia, pelo contrário, parece-me mais razoável proceder assim, já que esses

assim como os conselhos do cura da paróquia, fizeram-no lançar os olhos sobre eles. O próprio Padre Lestocq o
conduziu até os Bons-Enfants. A oferta generosa do bondoso Prior assombrou a humildade de são Vicente. Recusou-
a. Adriano Le Bon persistiu no seu intento. Seis meses depois, voltou ao Colégio e renovou, ainda em vão, sua
proposta. Durante seis outros meses, aconteceram novas insistências, cada vez mais pressionantes. Enfim, houve o
acordo no sentido de recorrerem e se aterem à decisão de André Duval. Este último pendeu para o parecer do Prior. O
maior obstáculo fora descartado. Restava o acordo sobre as cláusulas do contrato. Não foi fácil. A carta de São
Vicente ao Padre Lestocq nos dá a conhecer alguns pontos debatidos entre as partes. O contrato foi passado a 07 de
janeiro de 1632. No dia seguinte, São Vicente e os seus vinham habitar São Lázaro. Esse relato, confirmado pelas
declarações do Santo (Cf. Carta de 30 de janeiro de 1656 a Nicolau Etienne), merece total confiança, ao contrário do
relato contido na História dos cônegos regulares da ordem de Santo Agostinho da Congregação de França, Bibl.
Santa Genoveva, 4 vol. in-fº, ms. 611-614, t. III, fº 57 vº. O autor desta obra pretende que a doação a São Vicente do
priorado de São Lázaro foi o resultado de suas manobras. Para se manter na posse de seu bem, São Vicente de Paulo
teve de sustentar mais de um processo. Seu direito foi sempre reconhecido. A união foi aprovada a 08 de janeiro pelo
Arcebispo de Paris; alguns dias depois, foi aprovada pelo Rei; a 24 de março, pelo preposto dos comerciantes e pelos
almotacéis da cidade de Paris; a 07 de setembro, pelo Parlamento; a 15 de março de 1635, pelo Papa Urbano VIII.
São Lázaro ficava fora de Paris. As edificações e o recinto abrangiam o vasto quadrilátero compreendido atualmente
entre a rua du Paradis e a rua do subúrbio Saint-Denis, a avenida de la Chapelle e a rua do subúrbio Poissonnière (Cf.
São Lázaro, por Jean Parrang, nos Pequenos Anais de São Vicente de Paulo, 1903, pp. 13-30).
66
Os religiosos eram nove: Adriano Le Bon, Prior; Nicolau Maheut, Sub-prior; Cláudio Coussin, recebedor; Cláudio
Gothereau, despenseiro; Ricardo Levasseur, sacristão; Adriano Descourtils; Jacques Lescellier; Francisco Caigne e
Claúdio de Morennes (Cf. Arq. Nac. M 212).
128

senhores nos deixarão seus móveis comuns. Desta maneira, portanto, deixar-nos-ão o
dormitório, onde poderemos, sem dificuldade alguma, observar nosso silêncio.
Quanto ao coro, o senhor Prior propõe as fileiras em ordem, e que usemos a
camalha7 negra desde a festa de Todos os Santos até a Páscoa, e ainda a murça8.
Dir-vos-ei sobre isso, senhor Padre, que, embora não faça dificuldade alguma
quanto à Companhia ceder-lhes as primeiras fileiras, quando houverem por bem
participar do coro, penso, contudo, não ser conveniente pedir-nos o porte da murça, nem
da camalha. Evitaremos assim a confusão e a suspeita, por parte do Parlamento, de que
estaríamos começando a nos tornar cônegos e, por conseguinte, renunciando tacitamente
ao nosso projeto de trabalhar incessantemente para o pobre povo do campo. É de toda
conveniência, repito, não nos imponham o uso nem da camalha nem da murça e nos
deixem celebrar os ofícios religiosos de acordo com nossa consciência, como consta na
concordata.
Ora, o modo como me proponho fazê-lo, e como o senhor Prior achou bom
outrora, é o de rezar o ofício com voz mediana, sem canto, exceto nas missas solenes e
nas vésperas dos domingos e festas.
Eis, senhor Padre, as dificuldades que encontro nas propostas que o senhor Prior
deu-me a honra de fazer-me, ontem à tarde, e que vos suplico muito humildemente
apresentar-lhe esta manhã, comunicando-me o parecer dele.
Tenho perfeita confiança em que ele, considerando principalmente a glória de
Deus e a salvação do povo nessas questões, e vendo os possíveis inconvenientes se as
coisas se passassem conforme ele propôs, haverá por bem a muito humilde
representação que lhe faço a respeito, disposto a permanecer antes em nossa pobreza do
que nos desviar dos desígnios de Deus sobre nós. Tenho vergonha de vos importunar a
tal ponto. Vossa caridade me perdoará, por favor.
Sou, no amor de Nosso Senhor e de sua Santa Mãe, vosso muito humilde e
obediente servo,

Vicente de Paulo.

Sábado de manhã.

92 ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[16311].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


77
Espécie de capinha (peregrineta) com capuz pretos.
88
Espécie de cabeção usado pelos cônegos por cima da sobrepeliz.
1
Carta 92. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
A Carta não é posterior ao ano 1631, já que nela se faz menção da senhora Sevin, falecida no mês de dezembro
desse mesmo ano. Por outro lado, vários indícios nos impedem de recuar para antes.
129

Mandarei buscar o pintor amanhã e farei como me dizeis. Do mesmo modo,


informarei aos guardas dos pobres doentes de Saint-Sauveur o que a senhora Tranchot
vos mandou dizer em favor do vosso filho. Iremos estar com ele, quando vos aprouver.
Mas penso que não deveis levá-lo a receber as ordens tão cedo. Ele não tem idade para
as ordens sacras2. Quanto às quatro ordens menores, não há utilidade, nem necessidade
por enquanto e ser-lhe-ia necessário afastar-se dos estudos para se preparar para elas, o
que seria um grande prejuízo para ele.
Como sofro com vossos sofrimentos! Mas que fazer! Se tal é a ordem da
Providência, qual o remédio? Aliás, poderíeis ficar apreensiva de que haja nisso
verdadeiro mal? Muito bem! Um tal senhor diz que vos prometestes a ele em
casamento3; mas não é verdade. Queixam-se de vós sem razão. Sofreis em vosso interior
inutilmente e sem motivo. Temeis que falem de vós? Seja! estais certa, porém, de que
está aí um dos grandes meios que poderíeis ter na terra de se colocar em conformidade
com o Filho de Deus e de adquirir assim conquistas sobre vós mesma, como jamais
pudestes conseguir. Oh! quantas vãs complacências são assim aniquiladas e quantos
atos de humildade são produzidos por esse meio! Oh! vamos pois! Só vos poderá
acontecer com isso todo bem, já neste mundo, e em vista do outro. Fortalecei-vos,
portanto, nessa ocasião, contra os sentimentos da natureza, e virá um dia em que
bendireis a hora em que Nosso Senhor vos exercitou neste campo. Quanto a mim, sou,
no seu amor, vosso muito humilde servo,

V. D.

Suplico-vos escusar-me se não vos mandei levar esta resposta hoje. O embaraço
que me causa nosso negócio4 está me impedindo. Peço-vos informar-vos junto à senhora
Sevin sobre o que sabe da questão e mo comunicar. Acabo apenas de chegar da cidade,
onde estive desde esta manhã.

Tarde de terça-feira.

Destinatário: À senhora Le Gras.

93 ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Antes de 16341].

Encaminho-vos esta moça que veio para vos servir, se achardes bom. Ela passa
bem, graças a Deus, salvo uma pequena sensação de febre, na hora em que ela tinha o
22
Michel Le Gras tinha apenas cerca de 18 anos.
33
Luísa de Marillac tinha então 40 anos.
44
Não se trataria aqui das negociações em curso para a união do priorado de São Lázaro à Congregação da Missão?
1
Carta 93. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Esta carta é certamente anterior à instituição das Filhas da Caridade (Novembro de 1633), porque, depois dessa data,
Luísa de Marillac não tinha empregada a seu serviço.
130

costume de senti-la. Creio que estareis bem servida. Caso concorde, podeis devolvê-la
para a sua casa por sete ou oito dias.
Quanto à água2, bebei dela sem medo algum. Jamais fez mal a alguém e há muitos
por ela curados. Madame Portnal começa a melhorar depois de beber dela. Mandarei
dizer ao senhor Deure que vo-la envie, ou melhor, peça à senhora Deure que lho diga.
Partirei amanhã, às pressas. Se puder, estarei convosco. Estarei fora apenas dez ou
doze dias, como espero. Ajudai-nos com vossas orações e consolai-vos com o objeto de
vosso amor, Nosso Senhor sofredor. Sou, no amor de Nosso Senhor e de sua Santa Mãe,
vosso servo,

V. D.

94. ─ A FRANCISCO DU COUDRAY, PADRE DA MISSÃO, EM ROMA

23 de dezembro de 1631.

... Quanto aos relatórios que desejaríeis fossem apresentados por outros, com
menos interesse na coisa do que nós, também eu quereria, embora isso me pareça
bastante ingênuo. Qual o remédio, então? Quando alguém diz as coisas com toda
simplicidade, como são, e se coloca em atitude de submissão, Deus aceita, como creio,
este procedimento. A verdade e a humildade se combinam juntas muito bem1.

95. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

Senhora,

Bendito seja Deus cuja bondade vos confirma cada vez mais em seu amor e no
cumprimento de sua santa vontade. Será de fato muito bom fazer alguma peregrinação
para a finalidade que me dizeis. Mas, pelo amor de Deus, Senhora, não vos ponhais a
caminho doente. É preciso aceitar a doença como um estado todo divino1. É verdade
que Nosso Senhor vos ajuda de modo todo especial. Parece-me que sois inimiga mortal
de vós mesma, pelo pouco cuidado que tendes de vossa saúde. Sede bem alegre,
suplico-vos. Oh! como as pessoas de boa vontade têm grande motivo para isso!

96. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

Para maior segurança, é preciso um atestado médico sobre a conveniência de que


vós e vosso filho comais carne, e que o encaminheis ao escrivão de Paris, chamado
22
Água mineral purgativa.
1
Carta 94. ─ Reg. 2, p. 2.
1
Francisco du Coudray negociava em Roma a aprovação da Congregação da Missão.
1
Carta 95. ─ Manuscrito São Paulo, p. 66.
1
A nosso ver, uma frase fora do contexto (N. do T.).
131

Baudouin. Ele colocará em forma, sem dificuldade, a permissão. Posto isto, não ponhais
dificuldade em comê-la. Antes, na medida em que depender de mim, eu vo-lo ordeno,
como também vos ordeno rejeitar os receosos pensamentos que andais permitindo em
vosso coração. Tende plena confiança de que sois a querida filha de Nosso Senhor, por
sua misericórdia.
Ordeno-vos, além disso, procureis adquirir uma santa alegria para o vosso coração
por meio de todas as diversões que vos forem possíveis e me perdoar se não tive a honra
de estar convosco, por causa da multidão de negócios que me ocupam. Ficai certa,
Senhora, de que terei esta felicidade, quanto antes me for possível, e que sou vosso
servo,

V. D.

Peço-vos tratar amanhã de manhã dessa permissão, para que possais comer carne
desde amanhã, pois o uso do peixe vos é totalmente prejudicial.

Destinatário: À senhora Le Gras.

97. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Cerca de 16321].

Por favor, Senhora, peço-vos que façais o que vos disser o senhor Bouvard 2, com
a confiança de que Deus abençoará seus remédios. Não digo que tomeis todos. Espero
que não seja necessário. Vamos, é preciso, portanto, fazê-lo. Quanto ao resto, será feito
a seu tempo. Tende, sobretudo, o cuidado de vos manter bem alegre. Estarei com o
senhor Bouvard e lhe falarei sobre vós e sobre o opiato3.
Quanto às outras coisas de que falamos ontem, não vos aflijais. Aquele que dispõe
dos tempos disporá desse negócio, no tempo que previu como conveniente, desde toda a
eternidade.
Cuidai logo, portanto, do vosso tratamento, suplico-vos, e serei, no amor de Nosso
Senhor e de sua Santa Mãe, vosso muito humilde e obediente servo,


Carta 96. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Carta 97. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
A carta parece escrita antes da instituição das Filhas da Caridade.
22
Primeiro médico de Luís XIII, falecido a 22 de outubro de 1658, com a idade de 86 anos. Várias filhas suas
entraram na Visitação, entre outras, Maria Augustina que foi superiora do mosteiro do subúrbio.
33
Droga farmacêutica – eletuário – em que entra ópio (N. do T.).
132

V. D.

98. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Cerca de 16321].

Não vos dizia ontem, Senhora, que era necessário conceder-vos o que pedíeis,
pois que vosso coração não teria descanso, enquanto isso não fosse feito? Fazei-o, pois,
agora, calmamente e sem pressa alguma. Dareis motivo a que eu providencie um para
mim, numa dessas manhãs. Mas, depois disso, ide ver o senhor Bouvard. Tratai logo de
vossa cura, para servir a Deus. Oh! como meu coração deseja que isso aconteça, e
prontamente! Eia pois, fazei de vossa parte o que é necessário. Permanecei, entretanto,
na alegria e fazei alegremente o que tendes de fazer e eu serei, no amor de Nosso
Senhor e de sua Santa Mãe, vosso muito humilde servo,

V. D.

Gostaria muito de saber se o senhor Meynard é procurador no Châtelet ou na


Corte.

99. ─ A ISABEL DU FAY

[Entre 1626 e 16351].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Estas linhas se destinam a dar-vos nossas notícias e saber das vossas. Quanto às
nossas, graças a Deus, estou passando sempre cada vez melhor. Não fossem algumas
pequenas sensações de febre, que me tornaram a pegar durante um ou dois dias, teria
ido agradecer-vos por tanta caridade que me dispensastes.
Quanto a vós, como estais indo, Senhora? Saúde melhor que nestes dias passados?
Mais forte? Administrai, porém, vossa saúde, mais do que no passado. E o coração, está
bem generoso? Não se deixa abater vez por outra? Pelo amor de Deus, Senhora,
fortalecei-vos bem, de um e de outros modos, para servirdes a Deus, em santidade e
justiça, por longos anos.

1
Carta 98. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
A menção do senhor Bouvard que foi, ao que parece, durante pouco tempo, médico de Luísa de Marillac, nos levou
a aproximar esta carta da carta 97.
1
Carta 99. ─ Reg. 1, fº 69. O copista anota que a escrita do original era da mão do Santo.
1
O nome da senhora du Fay não aparece em nenhuma das cartas que são, com certeza, posteriores ao ano de 1635, ou
anteriores a 1626.
133

Quanto ao mais, suplico-vos dizer-me onde se compram as disciplinas, pois tenho


necessidade de umas doze. Não há necessidade de responder-me imediatamente. Basta
que o seja dentro de um ou dois dias.
Saúdo de todo coração o bom senhor de Vincy2 e sou, vosso e dele, no amor de
Nosso Senhor e de sua Santa Mãe, servo humilde,

Vicente de Paulo.

100. ─ A FRANCISCO DU COUDRAY, PADRE DA MISSÃO, EM ROMA

Senhor Padre,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


O senhor Jarriel, banqueiro, nos fez a caridade de enfrentar a expedição das bulas
de união de São Lázaro à nossa pequena Congregação e o comunicou ao senhor
Marchand1. Tende a bondade, senhor Padre, por favor, logo ao receber a presente, de ir
encontrar o senhor Marchand e começar a trabalhar nesse negócio, a fim de obter-lhes a
expedição, o mais cedo possível, porque ela nos é absolutamente necessária, em razão
das oposições que nos fazem2, e pelas quais vos pressionam daqui. Ouso ainda esperar
da caridade dos senhores cônegos le Bret 3 e de Luzarches que darão prosseguimento a
sua caridade nessa ocasião que interessa ao nosso estabelecimento. Devemos a um e
outro o que só Deus pode retribuir. Podeis endereçar vossas cartas ao referido senhor
Jarriel como a um antigo amigo nosso e ao qual, depois de Deus, devemos boa parcela
do benefício desse negócio.
Resta-me pedir-vos ter cuidado, acima de tudo, de vossa saúde. Entrementes,
praza a Nosso Senhor abençoar o êxito de vossos trabalhos. Sou, em seu amor, senhor
Padre, vosso muito humilde e obediente servo,

Vicente de Paulo.

22
Irmão da senhora du Fay.
1
Carta 100. ─ C. aut. ─ Original no asilo São Nicolau de Metz.
1
Banqueiro encarregado de expedição na corte de Roma.
22
A oposição vinha dos religiosos de São Vitor, de Luís de Mesgrigny, abade de Quincy, e dos párocos dos
arrabaldes e do subúrbio de Paris. Chamados para São Lázaro, no início do século XVI, por Etienne de Poncher,
bispo de Paris, que esperava conter os abusos mudando a administração, os religiosos de São Vitor não
interromperam posteriormente a ocupação do priorado que acabaram por considerar como seu bem próprio. Sem
razão, contudo. Todas as provisões testemunhavam que os bispos de Paris se reservavam o direito de destituir o prior
e até de chamar outros eclesiásticos para o lugar deles. Além disso, a 05 de dezembro de 1625, os religiosos da abadia
de São Vitor tinham decidido que as diversas casas da Ordem seriam desde então independentes da abadia. Isto
significava, pelo mesmo fato, uma renúncia a seus direitos sobre São Lázaro. Roma tomou tempo antes de acolher a
súplica de São Vicente. A bula de união foi assinada por Urbano VIII, a 15 de março de 1635. Mas a expedição não
aconteceu. Alexandre VII concedeu uma nova, a 18 de abril de 1655 (Cf. Arq. Nac. MM 534).
33
Jacques le Bret, cônego de Toul, auditor da Rota e clérigo da Câmara apostólica, estava em Paris. Ele foi
preconizado para a diocese de Toul, a 24 de abril de 1645, e sagrado em Saint-Louis-des-Français. O Rei da França,
que não fora informado diplomaticamente, recusou reconhecê-lo. A desavença foi eliminada com a morte do
interessado, ocorrida em Roma, a 15 de junho do mesmo ano. Jacques le Bret prestou muitos serviços à Congregação
da Missão.
134

Paris, 02 de março de 1632.

101. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Folgo muito em saber que recebestes, como importa, a notícia da doença da
senhora de Potrincourt1, da qual eu não tinha noticias, desde cinco ou seis dias, a
respeito disso. Mas fiquei desolado porque vos deixastes mergulhar em vãs apreensões,
que servem mais de obstáculo do que de progresso em vossa salvação. Colocai-vos,
Senhora, eu vos peço, inteiramente, na santa dileção que opera a confiança em Deus e a
desconfiança de si mesma. Abandonai este temor que, por vezes, me parece servil,
próprio daqueles a quem Deus não concedeu, como a vós, os sentimentos de afeto para
com ele. E, sobretudo, desprezai esses pensamentos que parecem debilitar a fé santa que
Deus colocou em vós2, e mais ainda, desprezai o autor do qual procedem, que só terá o
poder que lhe permitirdes. Ora, absit (Deus vos livre) de que jamais lho tenhais dado!
As lágrimas de dor que derramais por isso são outros tantos testemunhos do que vos
digo. Ficai, pois, em paz a esse respeito.
Quanto ao Senhor de Marillac 3, estarei de acordo com tudo que julgardes bom;
cuidai, porém, para não vos complicar. Nessas coisas, parece-me que é preciso se dispor
a solicitar o parecer dado por aquele com quem se busca, de ordinário, conselho; e
quando vos disser algo contrário a vossa opinião, é preciso não insistir duas vezes.
Fazei, contudo, o que Nosso Senhor vos sugerir. Uma coisa posso muito bem garantir-
vos: ele só vos aconselhará o que for mais perfeito, como também vos garanto que sou,
no amor de Nosso Senhor e de sua Santa Mãe, vosso muito humilde servo,

V. de Paulo.

Destinatário: À senhora Le Gras.

102. ─ A N***

[16321].
1
Carta 101. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Francisca de Mornay, esposa de Jacques de Biancourt, senhor de Potrincourt.
22
Luísa de Marillac fora acometida outrora por dúvidas sobre a imortalidade da alma e a existência de Deus. Essas
tentações teriam voltado?
33
Os biógrafos de Luísa de Marillac supõem que se trata aqui de Michel de Marillac, preso em Châteaudun, e que sua
sobrinha queria tentar alguma diligência no sentido de obter-lhe a liberdade (Cf. Madame de Richemont, op. cit.,p.
100; Mons. Beaunard, op. cit., p. 144; M. de Broglie, La Vénérable Louise de Marillac, Paris, 1911, in-12, p. 65). É
apenas uma hipótese. Poderíamos levantar outras. Nem é tranquilo que se trate do antigo Ministro da Justiça. São
Vicente poderia do mesmo modo ter em vista um outro Marillac, o marechal, por exemplo, ou o neto de Michel.
1
Carta 102. ─ Abelly, op. cit., t. I, cap. XXII, fim, p. 101.
1
Ver nota 02.
135

Sabeis bem que os religiosos de [São Vitor] nos contestam São Lázaro 2. Não
poderíeis imaginar os deveres de submissão que lhes prestei, segundo a ordem do
Evangelho, embora, na verdade, não estejam fundados em razão, como me garantiu o
senhor Padre Duval e pelo que me dizem todas as pessoas que sabem de que se trata.
Acontecerá o que for do agrado de Nosso Senhor que sabe a verdade de quanto sua
bondade me tornou indiferente, a esse respeito, como em nenhum outro negócio que eu
jamais tenha tido. Ajudai-me a agradecer-lhe por isso, por favor.

103. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

É melhor, portanto, proceder como me escreveis, Senhora, e adiar as coisas, para


não correr risco algum. Se daqui até o meu retorno encontrardes alguma pessoa de
confiança, podeis agir; se não, adiai 1; Nosso Senhor a tudo proverá, sobretudo se vos
sentirdes bem ao pé da cruz, onde vos encontrais no momento, e que é o melhor lugar
onde podereis estar neste mundo. Permanecei nele, portanto, com amor, Senhora, e não
tenhais temor algum.
Não nos esqueçais em vossas orações e cuidarei de vos recomendar ao nosso bom
povo do campo.

Destinatário: À senhora Le Gras.

104. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Antes de 16341].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Este bilhete tem três finalidades: dar-vos bom dia, agradecer-vos pelo tão belo e
vistoso ornamento sagrado que vossa caridade nos enviou. Ele fez ontem o meu coração
arrebatar-se de alegria, vendo o vosso coração presente nele e isso, instantaneamente, ao
entrar na capela, sem saber que ele estava ali. Esta satisfação perdurou ontem e perdura

22
Os religiosos de São Vitor tinham feito uma primeira requisição, a 17 de dezembro de 1631, para impedir o
contrato de união. Apresentaram uma segunda, a 13 de maio de 1632, para mandar cassá-lo. Apesar do apoio que lhes
prestaram o abade de Quincy e os párocos de Paris e do subúrbio, não conseguiram ganho de causa. O Parlamento
decidiu, a 21 de agosto, que examinaria a concordata, e a 07 de setembro ordenou-lhe o registro, mas exigindo dos
padres da Missão que “recorressem ao senhor Arcebispo de Paris para obter cartas de estabelecimento em caráter
perpétuo na citada casa de São Lázaro” (Arq. Nac. M 212, março nº 4).
1
Carta 103. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Podemos, com os biógrafos de Luísa de Marillac, interpretar essas palavras com referência aos passos que ela queria
dar no sentido de libertar, seja Michel de Marillac, antigo Ministro da Justiça, seja o Marechal Luís de Marillac.
1
Carta 104. ─ C. aut. ─ Cópia do século XVII ou XVIII, no hospital de Pernambuco (Brasil).
1
Tudo leva a crer que a carta precedeu a instituição das Filhas da Caridade. A insistência do Santo em falar de São
José não indicaria que ele estaria escrevendo a 19 de março?
136

ainda, com ternura inexplicável. Ela suscita em mim vários pensamentos que, se Deus o
permitir, poderei comunicar-vos. Contento-me, entretanto, em vos dizer que peço a
Deus vos adorne a alma com seu perfeito e divino amor, enquanto embelezais sua casa
com tão belos ornamentos.
A terceira finalidade é a prece que vos faço de não ir hoje aos pobres e assim
honreis o não-fazer do Filho de Deus, e o de São José, o qual, tendo o poder do céu e da
terra sob sua conduta e sob seu poder, quis, entretanto, parecer destituído de poder.
Enviai em vosso lugar Madame Richard. Talvez Deus lhe comunique então alguma
graça de que ela precisa. Quanto a vós, vos comunique Ele a graça de algum grau de
humildade, de compaixão para com os enfermos e de conhecimento de vós mesma e da
vossa impotência de tender para onde vosso fervor vos leva a desejar.
Enfim, ganhareis com isso, se o fizerdes, porque Nosso Senhor o quer assim. No
seu amor e no de sua Santa Mãe e de São José, sou vosso muito humilde servo,

Vicente de Paulo.

105. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Março de 16321].

Senhora,

O que me dizeis a respeito do senhor Marechal de Marillac me parece digno de


grande compaixão e me aflige2. Honremos nisso o beneplácito de Deus e a felicidade
dos que honram o suplício do Filho de Deus, por meio dos seus. Não nos importam os
caminhos pelos quais nossos parentes chegam a Deus, contanto que a Ele cheguem. Ora,
o bom uso desse gênero de morte é um dos caminhos mais seguros para a vida eterna.
Não o lamentemos, portanto; conformemo-nos, antes, com a adorável vontade de Deus.

106. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Entre 1632 e 16361].

1
Carta 105. ─ Manuscrito São Paulo, p. 74.
1
A carta é do dia 08, 09 ou 10 de maio (Cf. nota 2).
22
Luís de Marillac, conde de Beaumont-le-Roger e Marechal de França, Michel de Marillac, Ministro da Justiça, e
Luís de Marillac, pai de Luísa de Marillac, eram filhos de um mesmo pai. O primeiro, o mais jovem dos três, foi
embaixador na Saboia, na Itália e também na Lorena e na Alemanha, Comissário Geral dos exércitos de Luís XIII,
Marechal de campo, capitão geral dos soldados da Rainha, lugar-tenente geral para as dioceses de Metz, Toul e
Verdun, governador da cidade e da cidadela de Verdun e Marechal de França. Ele se notabilizou no cerco de
Montauban, onde foi ferido, no combate da ilha de Ré, no cerco de la Rochelle, na tomada de Privas e em outros
lugares. Era lugar-tenente geral do Rei, no exército da Itália, quando Richelieu decidiu prendê-lo. O Cardeal-ministro
mandou capturá-lo pelos seus comissários, a 30 de outubro de 1630, no Campo de Filizzo, no Piemonte, e o manteve
logos meses na prisão. A senteça de morte contra ele foi lavrada em Rueil e executada dois dias depois na praça de
Grève, em Paris.
1
Carta 106. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
137

Senhora,

A graça de Jesus Cristo Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Estou como vosso vizinho desde o meio-dia2. Mandei ver se estáveis em casa
pelas duas horas, mas tínheis saído para um ato de piedade. Se amanhã, logo após o
almoço, quiserdes ter a bondade de vir até aqui, tomaremos conhecimento, de viva voz,
do que me escreveis. Entretanto, suplico-vos honrar as desolações interiores nas quais
os santos, até mesmo o Santo dos santos, se encontraram algumas vezes, e a união mais
estreita com Deus a que chegaram depois.
Desejo-vos uma boa tarde e sou, no amor de Nosso Senhor, vosso muito humilde
servo,

V. D. P.

Não posso deixar de dizer-vos que me proponho censurar-vos muito amanhã por
vos deixar levar assim a essas vãs e frívolas apreensões. Oh! preparai-vos para ser bem
repreendida!

Destinatário: À senhora Le Gras.


107. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Maio de 16321].

Senhora,

Quanto ao vosso pequeno retiro2, fazei-o bem suavemente, conforme a Introdução


do senhor Bispo de Genebra3. Mas fazei apenas duas orações por dia, uma hora pela
manhã e meia hora na parte da tarde. Lereis no intervalo alguma coisa de Gerson 4 ou
das vidas das santas viúvas para com as quais tendes particular devoção. O resto do
tempo empregá-lo-eis em pensar na vida passada e na que vos resta. Mas fazei tudo isto

1
Esta carta é do tempo em que São Vicente já estava estabelecido em São Lázaro (depois de 1631) e Luísa de
Marillac morava perto do Colégio dos Bons-Enfants (antes de 1636).
22
São Vicente ia frequentemente ao Colégio dos Bons-Enfants.
1
Carta 107. ─ C. aut. ─ Original com as Filhas da Caridade da casa central de Turin.
1
Esta carta foi escrita por ocasião de uma mudança de Luísa de Marillac. Alguns indícios nos levam a crer que foi em
maio de 1632, poucos dias antes do seu retiro da Festa da Ascensão. A mudança de domícilio projetada para o fim do
ano de 1631 fora adiada, ou então Luísa arranjaria uma casa provisória.
22
“Desejaria muito oito ou dez dias de retiro, duas vezes por ano, a saber, nos dias da Ascensão e de Pentecostes,
para honrar a graça que Deus fez a sua Igreja, dando-lhe o Espírito Santo para conduzi-la, e a eleição dos apóstolos
para anunciar seu santo Evangelho. Para fazê-lo, teria particular atenção em ouvi-lo, como também a devoção para
com a lei de Deus, que são seus mandamentos. Os outros dias de retiro serão no Advento” (Pensamentos, p. 5). Um
rasgão impede decifrar o resto do texto.
33
Introdução à Vida Devota, por São Francisco de Sales.
44
Luísa escreve em uma de suas cartas ao Abade de Vaux (carta 63): “Depois da confissão, a leitura de Gerson ou de
outro livro semelhante que excite ao amor de Deus”. A obra literária Gerson é considerável. Entre as obras escritas ou
traduzidas em Francês cuja leitura podia ser recomendada a Luísa de Marillac, assinalaremos o Opus tripartitum, o
Dénat espiritual, A Doutrina do bem viver neste mundo, As regras do bem viver, o tesouro da Sabedoria e A
mendicância espiritual. Notemos que São Vicente atribui em outros lugares a Imitação de Jesus Cristo a Thomás de
Kempis.
138

com toda suavidade, por favor, depois da mudança de casa, e contentai-vos em fazê-lo
durante seis dias. Não me esqueçais em vossas orações. Talvez faça o meu (retiro) no
mesmo tempo. Deus nos conceda a graça de fazê-lo bem!
Sou, no seu amor e no de sua Santa Mãe, vosso muito humilde servo,

Vicente de Paulo.

Destinatário: À senhora Le Gras.

108. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Maio ou junho de 16321].

Senhora,

A graça de Jesus Cristo esteja convosco!


Se julgais conveniente, juntamente com o Padre Compaing 2, despachar esta
mulher, fazei-o. Se for necessário algum dinheiro para isso, eu darei. E como estou
afogado até a cabeça com uma quantidade de exercitantes3, um bispo nomeado, um
primeiro presidente, dois doutores, um professor de teologia e o Padre Pavillon 4, além
dos nossos exercícios internos, tudo isto, digo-vos, me impede de ir estar convosco5. Por
isso, peço-vos enviar-me, por obséquio, o relatório de que falais.
Fico muito contente com vossa bela residência e direi uma dúzia de palavras a
Germana, quando lhe aprouver. O Padre Belin está aqui. Quanto a esse cavalheiro para
o Padre Renouard, é preciso mandá-lo fazer o pedido, por intermédio do pequeno
1
Carta 108. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Esta carta foi escrita, ao que parece, quando Luísa de Marillac acabava de mudar de casa e quando ainda estava na
paróquia Saint-Nicolas-du-Chadonnet.
22
Guilherme Compaing, filho do senhor de Estang, teve a honra de ser auxiliado em sua primeira missa por São
Francisco de Sales. Cedeu sua casa aos padres de Saint-Nicolas-du-Chardonnet e entrou ele próprio para sua
comunidade, em 1621. Fez muitos benefícios à paróquia Saint-Nicolas, da qual ficou como vigário durante quarenta e
três anos, como também às Filhas de Santa Genoveva, das quais foi diretor. A reconstrução da igreja paroquial lhe
custou muitas despesas e até mesmo a vida: morreu a 21 de agosto de 1665, esmagado pela queda de um andaime
(Jean Darche, op. cit., t. I, pp. 348-351).
33
Pessoa que faz os exercícios espirituais, isto é, o retiro espiritual (ver verbete em Dic. Aurélio) N. do T.
44
Nicolau Pavillon, nascido em Paris, a 17 de novembro de 1597, se colocou, quando ainda padre muito jovem, sob a
direção de São Vicente que lhe confiou o ministério da catequese, o aplicou à obra das missões, o enviou às
Caridades, quando sua presença foi julgada útil, confiou-lhe mais de uma vez a direção das conferências e dos retiros
eclesiásticos. Nomeado bispo em 1637, para a diocese de Alet, Pavillon só aceitou por causa das instâncias do Santo.
Esta elevação não o desviou dos seus trabalhos apostólicos. Pregou uma missão em Rueil, a convite de Richelieu,
depois, em Saint-Germain-en-Laye, a pedido do Rei. Foi sagrado em São Lázaro, a 22 de agosto de 1639 e dirigiu-se
para sua diocese em companhia de Estêvão Blatiron, padre da Missão. Bispo zeloso, inteligente, reformador,
justificou as esperanças nele depositadas. Seu episcopado teria sido mais fecundo se ele se tivesse precavido mais
contra as ideias jansenistas. São Vicente suplicou-lhe em vão que assinasse o formulário (anti-jansenista – N. do T.).
O Bispo de Alet morreu a 08 de dezembro de 1677. Temos várias vidas impressas e manuscritos deste prelado. A
última foi composta por Estêvão Dejean, sob o título de “Um prelado independente no século XVII, Nicolau Pavillon,
Bispo de Alet, Paris, 1909, in-8º.
55
São Vicente escancarava as portas de sua casa às pessoas que desejavam fazer nela seu retiro espiritual. A
hospitalidade que lhes dava era gratuita. Só Deus sabe o número incalculável de eclesiásticos e leigos, de todas as
regiões e de todas as condições, que recebeu, seja nos Bons-Enfants, seja em São Lázaro (Abelly, op. cit.,t. I, cap.
XXVI, p. 119 e seg.).
139

Hermite. Ele o conhece. Importa dizer-lhe que é aquele ex-comerciante em cujo crédito
ele quis introduzir-nos.
Vosso filho está aqui. Volta cada vez melhor.
Adeus, Senhora. Sou vosso muito humilde servo.

Vicente de Paulo.

Subsrição: À senhora Le Gras.

109. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Junho de 16321].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Meu Deus, Senhora, como cometo faltas a vosso respeito! Garantira-vos ontem
que teria a ventura de ir ver hoje vosso belo e devoto paraíso 2 e que estaria com a
presidente Madame Goussault3 e a senhora Poulaillon4, e no entanto não fiz nem uma
coisa nem outra, e me mandei para os campos, donde acabo de voltar. Foi para trabalhar
na Caridade de Champigny5, que requer muito vossa presença. Suplico-vos muito
humildemente perdoar-me e que vades amanhã a Villeneuve, se Madame Goussault e a
senhora Poulaillon vos puderem levar até lá. Para isso, peço-vos escrever-lhes esta
manhã. Se não puderem ir, nem uma nem outra, não sei se passaríeis mal no barco de
Joigny6, que parte sábado às oito horas. Penso contudo que não, porque ele é coberto.
Chegando a Villeneuve, devereis ficar na casa da senhora Tranchot 7 e entregar ao
1
Carta 109. ─ C. aut. ─ Dossiê dos padres da Missão, original.
1
Esta carta exige ser aproximada da carta 110. Ela é anterior à partida de Luísa de Marillac para Villeneuve, onde
estava a 27 de junho.
22
O novo domicílio de Luísa de Marillac.
33
Genoveva Fayet desposara, em 1613, Antônio Goussault, senhor de Souvigny, conselheiro do Rei e presidente do
Tribunal de Contas de Paris, e tivera cinco filhos de seu casamento. Viúva em 1631, consagrou-se com incansável
dedicação às obras de caridade. Foi quem teve a primeira ideia de uma associação de damas para o alívio dos doentes
do Hospital Geral e foi a primeira superiora da instituição. Graças a ela, as Filhas da Caridade foram chamadas para o
hospital de Angers. Seu nome volta incessantemente nas cartas de São Vicente a Luísa de Marillac. Morreu no
exercício da Caridade a 20 de setembro de 1639.
44
Maria de Lumague, viúva de Francisco de Pollalion, fidalgo ordinário da casa de Luís XIII, era do número dessas
piedosas viúvas que São Vicente aplicava aos trabalhos do apostolado. Nascida em Paris, a 29 de novembro de 1599,
casada aos 18 anos, viúva pouco depois, fez voto de continência e se colocou sob a direção do Santo. Em companhia
de Luísa de Marillac ou de outras damas caridosas, visitava as Caridades, instruía as meninas, levava esmolas para os
pobres. Tinha sobretudo a peito recolher e reabilitar as moças desviadas e fundou para isso as Filhas da Providência.
São Vicente trabalhou nas regras desse instituto, providenciou-lhe socorros, bons diretores e obteve sua aprovação
pelo Rei e o Arcebispo de Paris. A senhora de Pollalion morreu a 04 de setembro de 1657 (Vida da Venerável Serva
de Deus Maria de Lumague, viúva do senhor Pollalion, por Colin, 1754, in-12; História da União Cristã de
Fontenay-le-Comte, pelo Padre Teillet, Fontenay-le-Comte, 1898, in-8). São Vicente escreve sempre Poulaillon, em
lugar de Polaillon.
5,5
Champigny-sur-Marne (Seine).
66
Cidade situada às margens do rio Yonne, um dos afluentes do rio Sena.
77
Luísa de Marillac escreveu ao lado do endereço essas palavras emprestadas da carta de 12 de outubro de 1631: “A
senhora Tranchot vos deseja muito em Villeneuve, onde a Caridade vai mal”.
140

senhor Pároco a carta que lhe escrevo, de cujo teor tomareis conhecimento. Não haverá
perigo, se fordes instruir somente as moças. Isso vos proporcionará o meio de
conquistar-lhes as mães para Deus. Quanto à Caridade, encontrareis apenas nove irmãs
da Confraria. Tratareis de conseguir outras. Se pudermos, enviar-vos-emos o Padre
Pavillon, para pregar num domingo.
Nada vos direi a mais. Nosso Senhor vos aconselhará o que tereis de fazer.
Cuidareis, por favor, de vossa saúde e de honrar a alegria do coração de Nosso Senhor.
Quanto a mim, rogo a Deus vos reconduza em perfeita saúde, plena de méritos e
carregada dos despojos do inimigo do império de Deus, em cujo amor sou v. s.

V. D. P.

Destinatário: À senhora Le Gras.

110. ─ A LUÍSA DE MARILLAC, EM VILLENEUVE-SAINT-GEORGES

Senhora,

Vossa carta do dia 27 me foi entregue aqui. Escrevi ao mesmo tempo ao Padre
Pavillon, para pedir-lhe fosse estar convosco e lhe enviei vossa carta. Não me deu
resposta. Logo que a tiver, vo-la enviarei. Se não der certo, vai o Padre [Soufliers 1], que
foi bastante apreciado no catecismo que ministrou em Villeneuve, mesmo porque o
Padre de la Salle não está aqui.
Não duvidava, com certeza, de que encontraríeis mui grande dificuldade no
restabelecimento da Caridade, e maior do que me falais. Bendito seja Deus, porém,
porque há motivo de esperar que a restabeleçais!
Quanto às dificuldades de que me falais, acho bom que procedais conforme me
dizeis.
A senhora Poulaillon me disse que espera ir dormir em vossa casa no sábado, e
escrevi a Madame Goussault que faziam caso nessa cidade de que ela fosse estar com

1
Carta 110. ─ Manuscrito São Paulo, p. 29.
1
O copista escreveu Soudier; mas foi uma distração evidente, porque os dois irmãos Le Soudier só entraram na
Congregação da Missão em 1638. – Francisco Soufliers, nascido em Montmirail em 1606, recebido nos Bons-Enfants
em agosto de 1629, ordenado padre em setembro de 1631, foi superior em Notre-Dame de la Rose de 1642 a 1644.
São Vicente recomenda imitar sua maneira de tratar com os hereges.
Carta 111. ─ Manuscrito São Paulo, p. 31.
141

Deus! Que companhiazinha excelente! Rogo a Nosso Senhor que ligue os vossos
corações em um só, que seja o coração dele e que vos fortaleça em vossos trabalhos.

Paris, 07 de julho de 1632.

111. ─ A LUÍSA DE MARILLAC, EM VILLENEUVE-SAINT-GEORGES

São Lázaro, 10 de julho de 1632.

Senhora,

Bendito seja Deus, Senhora, porque estais passando bem no meio de tanto
trabalho e porque abençoou vossos afazeres! Penso na verdade que seria oportuno
estabelecer em Villeneuve uma professora. Mas onde ir buscá-la? Germana não ficaria
aborrecida se fosse para lá, pelo que julgo a partir de uma carta que o Padre Belin me
escreveu. Mas de que modo tirá-la de Villepreux, se não colocarmos outra em seu
lugar? E depois, onde acharemos essa outra? Por certo, não vejo como fazê-lo,
sobretudo nesse pouco tempo que tendes para estar com a senhora de Attichy. Quando
estiverdes aqui, pensaremos nisso; o que pode acontecer num dos dias da próxima
semana. Nesse ínterim, por favor, deixai para as mães de vossas alunas a esperança de
que lhes enviareis uma professora, o mais cedo que puderdes, e que ireis vê-las para
combinar o meio de hospedar e sustentar a professora. Esperar-vos-emos, portanto,
durante esse tempo.
Informai-vos, por obséquio, sobre como vai a Caridade de Crosnes 1. É uma
pequena aldeia afastada de [Villeneuve2] como a porta de Saint-Victor o é de Notre-
Dame, ou coisa semelhante. Se dispusésseis de um animal para ir até lá, não perderíeis
tempo com isso.

112. ─ A FRANCISCO DU COUDRAY, PADRE DA MISSÃO, EM ROMA

12 de julho de 1632.

Logo que receber os testemunhos que a Congregação deseja do senhor Núncio 1 e


do senhor Arcebispo2, eu vo-los enviarei, se é que conseguiremos obtê-los. Na verdade,
procuram nos atrapalhar, como me escrevestes, e isso, até a pessoa da qual deveríamos
esperar a maior assistência, depois de Deus. Mas nada disso me assustaria, não fossem
11
Em Seine-et-Oise, distrito de Corbeil, a dois quilômetros de Villeneuve.
22
O copista do Manuscrito São Paulo escreveu Villepreux, por distração.
1
Carta 112. ─ Reg. 2, p. 2.
1
Alexandre Bichi, nascido em Sena, falecido em Roma, a 25 de maio de 1657. Foi bispo de Isola (1628), de
Carpentras (1630), núncio apostólico na França (1630), cardeal (1633), legado de Avinhão (1634). Mazarino confiou-
lhe missões importantes (Cf. Tamizey de Larroque, O Cardeal Bichi, bispo de Carpentras. – Cartas a Peiresc, Paris,
1885).
22
João Francisco de Gondi.
142

meus pecados que me dão motivo para temer, não o êxito da coisa, que cedo ou tarde
acontecerá lá como aqui; mas não poderia exprimir-vos como os artifícios me espantam.
O R. P. Geral3 desaprova, porém, tudo isso e me prometeu escrever ao Cardeal Bagni 4,
ao senhor Embaixador5 e ao R. P. Renê6. Logo que tiver em mãos suas cartas eu vo-las
enviarei. Aguardando, procedereis, por favor, da maneira mais cristã possível, com
aqueles que nos criam embaraços. Encontro-me com eles aqui também, com frequência,
e cordialmente, graças a Deus. E me parece que, pela graça de Deus, não somente não
lhes tenho aversão, mas, pelo contrário, os venero e os estimo mais. E vos direi mesmo
que não me queixei até o momento com o Padre de Gondi 7, receando indispô-lo em sua
vocação. É verdade o que escreveram aí, que o P. B.8 foi pregar missão na Normandia,
com seis ou sete, desde cerca de quinze dias depois da Páscoa, e que lhes ofereci o
Padre Renar9, pois insistiram comigo, a fim de se conformarem conosco. É também
verdade que, depois, um dos seus veio passar dois ou três dias em uma de nossas
missões dessa diocese, para ver como procedemos nelas. E se for do agrado deles
retornar para mais tempo, serão benvindos: eu não me creria cristão, se não procurasse
participar do utinam omnes prophetarent (oxalá todos profetizassem) de São Paulo1010.

33
Charles de Condren, nascido em Vauxbuin, perto de Soissons, a 15 de dezembro de 1588, entrou no Oratório a 17
de junho de 1617, depois de ter tirado o doutorado na Sorbona. Foi fundar o seminário de Langres em 1619, o de
Saint-Magloire em 1620, depois, estabeleceu uma Casa de sua Ordem em Potiers, onde permaneceu mais de um ano.
De volta a Paris, adquiriu grande reputação como diretor de almas, o que atraiu até ele Gastão, duque de Orléans,
irmão do Rei, Meyster, Amelote e outros personagens eminentes. Governou o Oratório de 30 de outubro de 1629 a 07
de janeiro de 1641, dia de sua morte (Vida do Padre Charles de Condren, por Amelote, Paris, 1643, in-4º). São
Vicente o tinha em grande estima. “Falou-me dele em termos que pareceriam incríveis, escreve Jean-Jacques Olier
(Memórias autógrafas, t. II, p. 255), e me lembro tê-lo ouvido dizer a seu respeito: Não se encontrou um homem
semelhante a ele, non est inventus similis illi, e mil outras coisas semelhantes. Chegou ao ponto de, ao saber de sua
morte, lançar-se de joelhos e bater no peito, acusando-se, com lágrima nos olhos, de não ter reverenciado esse santo
homem como ele o merecia”.
44
Jean-François Bagni, vice-legado de Avinhão, núncio nas Flandres, depois, na França (1627), cardeal em 1629,
falecido a 24 de julho de 1641.
55
O Conde d’Avaux.
66
O Padre Renê Barrême, discípulo preferido do Padre de Condren, nascido em Arles, recebido no Oratório em 1623,
falecido em Arles, a 16 de janeiro de 1685. Tinha um gosto muito especial pelas missões, e se destacava na maneira
de dar catecismo, que ensinava por meio de grandes quadros, representando os principais mistérios e os sacramentos
(Biblioteca Oratoriana, pelo Padre Ingold, 3 vol. in-12, Paris, 1880-1883, t. I, p. 246, nota 1).
77
Oratoriano desde 1627.
88
Talvez Francisco Bourgoing, que precedeu São Vicente na paróquia de Clichy e devia suceder Francisco de
Condren, como superior do Oratório.
99
São Vicente não tinha, talvez, entre os membros da Conferência das Terças-feiras, auxiliar mais zeloso e mais útil
que Francisco Renar, nascido em Paris, a 25 de abril de 1604. Este santo sacerdote dividia seu tempo entre a direção
das almas e as obras de caridade. Todas as manhãs, das seis horas ao meio-dia, se colocava à disposição dos
penitentes, em cujo número estava Jeanne Potier, esposa de Michel de Marillac. Viam-no no Hospital Geral, junto aos
doentes, que visitava e instruía. Pregava nos hospitais e nas prisões, dava catecismo às crianças, ia anunciar o
Evangelho nas aldeias, com frequência, com os padres da Missão. Tomou parte nas missões pregadas nos Quinze-
Vingts, na Pitié, no Refuge, em La Chapelle, onde se encarregou de dar o catecismo aos pobres lorenenses. Onde não
o encontravam? Levou a boa palavra às populações de Poitou, da Touraine, de Saintonge, da Auvérnia, da
Champanha, da Borgonha, de “quase todas as províncias da França”, diz seu biógrafo. São Vicente o convidou para
fazer os colóquios com os ordinandos, em São Lázaro. Como muitos outros, Francisco Renar teve a curiosidade de ir
ver, no próprio local, as possessas de Loudun, das quais se falava por toda parte. Celebrou a missa na capela delas,
constantemente distraído por suas vociferações e blasfêmias. No fim da vida, quando as enfermidades não lhe
permitiam mais a mesma atividade, tornou-se diretor das religiosas de Saint-Thomas. A morte pôs fim aos seus
trabalhos, a 14 de janeiro de 1653 (A ideia de um verdadeiro padre da Igreja de Jesus Cristo e de um fiel diretor de
almas, expressa na vida do Padre Renar, diretor das religiosas do Mosteiro de Saint-Thomas, pelo Padre Luís
Abelly, doutor pela Faculdade de Teologia, Paris, in-12; os opúsculos espirituais do Padre Renar, diretor das
religiosas do Mosteiro de S.Thomas, recolhidos pelos cuidados de Luís Abelly, Bispo de Rodez, Paris, 1698, in-8).
1010
São Vicente não pretende fazer uma citação textual. Encontramos o equivalente a essas palavras na primeira Carta
aos Coríntios, cap. 4, versículo 39, e sobretudo em Nm 11, 29.
143

Meu Deus! Senhor Padre, a região do campo é tão vasta! Há milhares de povos que
enchem o inferno1111. Todos os eclesiásticos com mais todos os religiosos não seriam
suficientes para prestar socorro a esta infelicidade. Precisaríamos ser muito miseráveis
para ter ciúmes dessas pessoas que se aplicam ao auxílio a essas pobres almas, que sem
cessar se vão perdendo! Oh! sem dúvida, seríamos culpados de estorvar a realização da
missão de Jesus Cristo na terra. E se estão querendo impedir-nos a nós, é-nos preciso
orar, humilhar-nos e fazer penitência pelos pecados que temos cometido nesse santo
ministério. Suplico-vos, assim, senhor Padre, não deixeis de estar com esses padres e de
fazer para com eles o que Nosso Senhor aconselha seja feito para com os que nos
exercem a paciência e nos levantam obstáculos, como também, lembrai-vos de pedir
àqueles, a quem Deus concedeu o dom da caridade para conosco, que não os
prejudiquem, nem com palavras, nem com atos.

113. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Por volta de 16321].

Senhora,

Será bom entrar em comunicação com Madame Goussault e a senhora Poulaillon,


a respeito de Germana, para ter o parecer delas. Há apenas três dias, comecei a prestar
atenção neste modo de agir, que me parece de cordialidade e deferência. Talvez eu lhes
tenha causado algum desgosto, levando-vos a tomar a última decisão de vosso ofício,
sem lhes falar.

114. ─ A ISABEL DU FAY

[Entre 1626 e 16351].

Senhora,

1111
A afirmação é tributária, como é natural, da teologia do tempo, segundo a qual a salvação estava ligada ao
conhecimento das grandes verdades da fé (N. do T).
1
Carta 113. ─ Manuscrito São Paulo, p. 42.
1
Esta carta parece pouco distante do tempo em que se estabeleceram as primeiras relações entre São Vicente,
Madame Goussault e a senhora de Poulaillon.
1
Carta 114. ─ Reg. 1, fº 68. O copista nota que a escrita original era do próprio São Vicente.
1
Mesma observação da carta 99, nota 1.
144

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Um íntimo amigo meu, tendo um negócio do qual o senhor de Villenosse é
comissário, meu coração não lhe pôde esconder que esperava poder prestar-lhe algum
serviço, com o vosso favor. Suplico-vos, humildemente, Senhora, fazer-me o obséquio
de vos empenhar nisso e de lhe apresentar o papel anexo, com vossa recomendação. A
muito notável virtude da pessoa, sua necessidade e vossa caridade para comigo me dão
a confiança de vos importunar. E o motivo para confusão que tenho de vos importunar
me fará mais ponderado e reservado, uma outra vez, com a condição de que não vos
deis ao trabalho de vir aqui e de que não me poupareis no que me julgardes digno de vos
servir, a mim que sou, no amor de Jesus e de sua Santa Mãe, Senhora, vosso...
O negócio deve ser julgado amanhã. Suplico-vos, Senhora, tê-lo por
recomendado, hoje.

115. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[16321].

Senhora,

A caridade para com esses pobres forçados é de um incomparável mérito diante de


Deus. Fizestes bem em assisti-los e fareis bem em continuar da maneira como vos for
possível, até que eu tenha a ventura de estar convosco, dentro de dois ou três dias. Pense
um pouco sobre a possibilidade de vossa Caridade de Saint-Nicolas, se dispor a se
encarregar deles, ao menos durante algum tempo. Vós os ajudareis com o dinheiro que
vos resta. Mas qual! Isto é difícil, e é o que me faz lançar-vos no espírito, ao acaso 2, este
pensamento.

116. ─ A LUÍSA DE MARILLAC


1
Carta 115. ─ Abelly, op. cit., t. I, cap. XXVIII, começo, p. 128.
1
Ver nota 2.
22
A partir do dia em que foi nomeado capelão geral das galeras da França, São Vicente se empenhou por melhorar,
sob o duplo ponto de vista corporal e espiritual, a sorte dos pobres forçados que aguardavam nas masmorras dos
cárceres anexos ao Palácio da Justiça de Paris, ou em outras prisões da cidade, serem mandados para as galeras. Em
1622, alugou para eles uma casa no arrabalde Saint-Honoré, perto da igreja Saint-Roch. No contrato, passado a 17 de
abril de 1625, entre Filipe Emanuel de Gondi, sua esposa e São Vicente, é estipulado que os missionários serão
obrigados em caráter perpétuo “a assistir espiritualmente os pobres forçados, a fim de poderem tirar proveito de sua
pena corporal”. Em 1632, o Santo obteve do Rei e dos almotacéis da cidade que uma velha torre quadrada, situada
perto da ponte Tournelle, entre a porta São Bernardo e o Sena, seria preparada para receber os galés doentes. São
Vicente cumpria para com eles todos os deveres de capelão. Não contente de ir pessoalmente visitá-los, exortava as
pessoas piedosas a irem levar-lhes palavras de consolação. Luísa de Marillac e suas filhas se associaram a esta boa
obra como às demais (Abelly, op. cit., t. I, cap. XVIII). Seria injusto não lembrar aqui que os padres da paróquia
Saint-Nicolas, cujo papel foi tão bem posto a lume pelo abade Schoenher (op. cit., t. I, p. 127), rivalizaram com São
Vicente e Santa Luísa no zelo em favor dos galés estabelecidos em sua paróquia. Desde 1634, talvez antes, é certo
que a capelania da casa dos galés lhes foi confiada. A Companhia do Santíssimo Sacramento, estimulada
provavelmente por São Vicente, que precisava de apoio, tomou a peito a mesma obra ( Anais da Companhia do
Santíssimo Sacramento, pelo Conde Renê de Voyer d’Argenson, publicados e anotados pelo R. P. Dom H. Beauchet-
Filleau, Marselha, 1900, in-8°, pp. 54-56).
145

[Entre 1632 e 16351].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Acho bom tudo o que me dizeis. E como Madame Goussault está nos campos e a
Senhora du Fay não tem carruagem, tratarei de ir estar convosco amanhã ou depois.
Entrementes, fortalecei-vos bem.
Desejo-vos um bom dia e sou, no amor de Nosso Senhor, Senhora, vosso muito
humilde servo,

Vicente de Paulo.

São Lázaro, domingo de manhã.

É necessário que a moça que arranjareis em Villeneuve 2 seja bem decidida. Terá
de sofrer muito3.
117. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

Louvo a Deus, Senhora, por não estardes doente, como me fez temer a Senhora du
Coudray1, esta manhã. Mas será verdade, conforme dizeis, que não o estais de fato?
Oxalá! peço a Nosso Senhor que assim seja.
Adiaremos, portanto, para o dia da Santíssima Virgem, a confissão da Senhora du
Coudray, já que parece que assim o desejais tacitamente, como também (desejais) estar
presente na ocasião. Além disso, estarei ocupado aqui, amanhã de manhã. Desejo-lhe
uma boa tarde, como também a vós, e ao senhor vosso filho a graça de cumprir bem o
que me comunicais.
Não vos respondi mais cedo, porque acabo apenas de chegar da cidade.
Boa tarde, Senhora. Oferecei a Deus, por favor, as necessidades interiores daquele
que é, no amor de Nosso Senhor, vosso muito humilde servo.

Destinatário: À Senhora Le Gras.

118. ─ A ISABEL DU FAY

[Entre 1626 e 16351].


1
Carta 116. ─ C. aut. ─ Original no Colégio de Antoura, perto de Beirute.
1
Datas da tomada de posse de São Lázaro (08 de janeiro de 1632) e da morte da Senhora du Fay. A carta parece mais
de 1632 ou 1633.
22
Villeneuve-Saint-Georges (Seine-et-Oise).
33
Trata-se provavelmente de uma jovem destinada a dar aula nessa localidade (Cf. carta 111).
1
Carta 117. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Amiga íntima de Luísa de Marillac.
1
Carta 118. ─ Reg. 1, fº 68 vº. O copista nota que a escrita do original era da mão do Santo.
146

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Não fosse a graça que aprouve a Deus fazer-me de me reter em casa, por conta de
algumas febrezinhas que me sobrevieram desde domingo passado, eu não teria levado
tanto tempo sem vos ver, a fim de vos agradecer por tantos benefícios que tivestes a
bondade de fazer à nossa capela e a nós, ou, para dizer melhor, a Nosso Senhor e sua
Santíssima Mãe. Recebei o agradecimento por estas linhas, Senhora, por abséquio,
assim como a garantia de que meu coração, parece-me, ficaria muito contente por ver o
vosso. Mas já que Nosso Senhor não o quer, por enquanto, seu santo nome seja bendito!
Não deixarei contudo de vos apresentar a Nosso Senhor em minhas indignas preces,
recomendando-me do mesmo modo às vossas e suplicando-vos que honreis a santa
tranquilidade da alma de Nosso Senhor, pela confiança de que sois sua filha querida e
Ele vosso querido Pai, e eu, no seu amor, vosso muito humilde servo,

Vicente de Paulo.

119. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Antes de 16341].

Já que vossa consciência vos autoriza [levar em frente o negócio sem temor
algum2] e vedes que em caso de omissão colocaríeis em risco um negócio desejado por
tanta gente, peça ao senhor Clichun para vos redigir esse ofício, e ele o fará de bom
grado. Se estais atormentada em razão de dúvidas que tendes quanto ao proceder deste
modo no negócio, tranquilizai-vos e não penseis mais nisto. Mas se vossa inquietação
vem do tratamento que recebeis de vossos auditores de contas, pensai qual seria o temor
daqueles que prestam conta diante de Deus, no momento da morte, e procuremos agir
com tanta retidão que tenhamos motivo de confiança na bondade infinita do auditor das
contas de nossa vida e nosso soberano juiz.
Agradeço-vos pelo livro que me enviastes e vos peço cuidar de vossa saúde, que
não vos pertence mais, pois a entregastes para Deus 3. E meu coração não é o meu
coração, mas o vosso, no de Nosso Senhor, que desejo seja o único objeto de nosso
amor. Lembrai-vos de apresentar a Deus uma questão que nos diz respeito, por favor.

1
Mesma observação que na carta 99, nota 1.
1
Carta 119. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Carta escrita antes da instituição das Filhas da Caridade.
22
As palavras entre colchetes foram rasuradas com tanto cuidado que não ousamos dá-las como absolutamente
exatas.
33
Luísa de Marillac aguardava ainda a decisão do seu diretor. Lemos em seus escritos: “Devo perseverar na
expectativa do Espírito Santo, embora não saiba o tempo de sua vinda. Mas, aceitando esta ignorância e a dos
caminhos pelos quais Deus quer que o sirva, devo abandonar-me inteiramente a sua disposição, para ser inteiramente
dele e preparar minha alma. Devo renunciar voluntariamente a tudo para segui-lo” (Pensamentos, p. 18).
147

120. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

Senhora,

Saúdo Madame presidente1, juntamente com o senhor Vigário de Asnières 2 à2 e


todas as bondosas mulheres da Caridade, e me recomendo s suas orações.
Peço-vos dizer à referida Madame que lhe peço, como a vós também, ajudar-nos a
agradecer a Deus o fato de que nosso negócio daqui 3 foi analisado anteontem no
Parlamento.

121. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Entre 1632 e 16361].

No vosso entender, Senhora, não sou eu muito rude convosco? Vosso coração não
murmurou um pouco contra o meu porque, estando tão próximo de vós, não fui estar
convosco e nem vos informei sobre nossas notícias? Eia pois, um dia heis de ver a razão
de tudo isso diante de Deus.
Retirei-me para aqui2 desde ontem, para trabalhar em algo que tinha de escrever, e
talvez esteja ainda aqui amanhã. Mas não deixarei de passar pela cidade e nem deixarei
de estar convosco, talvez na missa.
Desejo-vos, entretanto, uma boa tarde. Quase não dei ainda orientação ao vosso
filho. Eis que o sino me tira a pena da mão.
Boa tarde, Senhora. Sou, no amor de Nosso Senhor, vosso muito humilde servo,

V. D.

Destinatário: À senhora Le Gras.

122. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Por volta de 16321].

1
Carta 120. ─ Pémartin, op. cit.,t. I, p. 141, carta 140.
1
A presidente da Caridade.
2 à2
Localidade vizinha de Paris. Luísa de Marillac visitara em fevereiro de 1630 a confraria de Asnières
(Pensamentos, p. 123), para onde tinha talvez voltado, depois.
33
Talvez a união do priorado de São Lázaro.
1
Carta 121. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Mesma observação da carta 106, nota 1.
22
No Colégio dos Bons-Enfants.
1
Carta 122. ─ Gossin, SãoVicente de Paulo espelhado em seus escritos, Paris, 1834, in-12, p. 376.
1
Data da entrada de Maria Joly para a comunidade.
148

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


É preciso esperar a decisão dessa jovem. Madame Goussault deseja viajar em
companhia de Maria2, antes de vo-la entregar.
Redigi a minuta do regulamento. Vê-lo-ei depois, e farei o que me dizeis.
Esclarecei-me esses impecilhos que andais temendo.
Começo hoje meu retiro e deixo tudo mais para depois. Rezai a Deus por mim,
por favor.
Sou, no seu amor,

V. D. P.

123. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

Não podendo estar convosco pessoalmente, dir-vos-ei, Senhora, que rogo a Nosso
Senhor haja por bem vos dizer Ele próprio o que deveis fazer. Ide, pois, e fazei in
nomine Domini o que vos parecer que Nosso amável e sempre adorável Salvador pede
de vós. Peço-lhe com todo meu coração vos conduza e reconduza, seja a luz de vosso
coração e seu suave calor, lhe dê a conhecer e afeiçoar-se ao que deseja de vós e, em
especial, que sejais a consolação dessas queridas moças, e elas a vossa, em seu perfeito
amor.
Os padres jacobinos são, um deles, o padre prior e outro o padre mestre dos
noviços, os dois há dois anos no ofício.
Quanto aos candelabros que vossa caridade ofertou a Santa Maria, eu vos louvo,
se não forem de prata.
Lembrai-vos de mim diante de Deus, em cujo amor e no de sua Santíssima Mãe,
sou, da superiora a ser eleita de vossa companhia 1 e de suas filhas, muito humilde e
obediente servo.
O Padre Clichun voltou ontem, meia hora depois de vós.

22
Maria Joly. Foi colocada a serviço do Hospital Geral, na Caridade de Saint-Paul, na de Saint-Germain-l’Auxerrois,
e foi a primeira superiora da casa de Sedan, onde ficou de 1641 a 1654. Chamada de volta desta cidade, deixou-se
levar pelo desalento e fugiu da Casa-mãe. Readmitida a seu pedido, alguns dias depois, reparou por um procedimento
exemplar sua fraqueza momentânea. A 05 de agosto de 1672, era superiora em Saint-Jacques-du-Haut-Pas.
1
Carta 123. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
A superiora da Caridade estabelecida na paróquia Saint-Nicolas-du-Chardonnet.
Carta 124. ─ C. aut. ─ Dossiê da Missão, original.
149

124. ─ A FRANCISCO DU COUDRAY, EM ROMA

Senhor Padre,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


O senhor Coudray, vosso irmão, quis que eu anexasse a presente à que ele vos
escreve, e minhas preces às suas, a fim de que tenhais a bondade de terminar os
negócios que tendes juntos. Peço-vos, muito humildemente, senhor Padre, fazê-lo
quanto antes, caso não estejais em condição de partir logo e que vossos negócios
possam ser finalizados por um outro, ao qual podeis enviar vossa procuração e os
relatórios. Peço-vos, porém, não seja em meu nome, porque estou cheio de embaraços e
não entendo dos negócios. Sei que me direis que não dependeu de vós e que o
procurastes várias vezes para isso, e invocareis a mim mesmo como testemunha, por ter
sido intermediário entre vós dois, para vos conciliar. Mas a isso vos direi que a
plenitude dos tempos não chegara ainda, na ocasião, como parece ter chegado no
momento, em face da disposição que vejo, ao que me parece, no vosso irmão.
Aguardando, pois, vossa resposta favorável sobre isso, recomendo-me a vossas orações
e sou, no amor de Nosso Senhor e de sua Santa Mãe, senhor Padre, vosso muito
humilde e obediente servo,

Vicente de Paulo.

Paris, 19 de setembro de 1632.

O referido senhor vosso irmão deseja duas cópias de anatas 1 de dois diferentes
correspondentes, do senhor Marchand e de um outro, e que sejam bem garantidas e
exatas. Suplico-vos, senhor Padre, muito humildemente, enviar-lhas.

Destinatário: Ao senhor Padre Coudray, padre da Missão.

125. ─ A ANTÔNIO PORTAIL

Senhor Padre,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Recebi ontem vossa carta de 17 deste mês. Ela me fez ver a bênção que apraz a
Nosso Senhor continuar a dispensar à vossa missão, motivo pelo qual podeis imaginar
quanto me sinto feliz. Ó senhor Padre, como as palavras que me escreveis sobre o
sucesso de Courboin1 e as necessidades de Viffort2 me tocaram! Muito bem! A Deus a
11
Taxa paga à Santa Sé por quem recebia um benefício, calculado pelo rendimento de um ano do benefício.
1
Carta 125. ─ C. aut. ─ Original na Bibl. Nac., n. a. fr. 22.819.
1
Pequena localidade de Aisne, onde São Vicente estabelecera, a 19 de junho de 1622, uma confraria da Caridade,
composta de homens e mulheres, para a qual redigiu ele mesmo um regulamento que ainda possuímos.
22
Pequena localidade de Aisne.
150

glória de tudo e a vós outros, senhores, o reconhecimento da gratidão que lhe deveis por
ser do seu agrado servir-se de vós para isso. Para mim, a humilhação por me ver indigno
de cooperar para este bem!
De resto, estou em dívida por não vos ter escrito por todos os coches. Atribuí a
culpa disto a um embaraço um pouco extraordinário que me ocupa aqui. Que vos direi
sobre o modo como ir para Joigny, senão que façais como achardes melhor? Mas se
fordes a pé e só pegardes um cavalo, peço-vos duas coisas: fazei pequenas andadas e os
que se cansarem, montem alternadamente a cavalo.
Se ainda não enviastes ninguém a Soissons, não precisais enviar mais. O senhor
Bispo de Soissons3 deverá estar nesta cidade, bem cedo. Farei o que for preciso.
Se ainda falta alguma aldeia a missionar, que vos parece, senhor Padre, se
deixardes os Padres Bécu e Miloir 4 para isso? Todavia, se é questão de três ou quatro
dias, esperai-os e parti, por favor, depois de terem terminado.
Precisam de vós em Joigny, onde encontrareis o Padre Pavillon, o Padre Renar, os
Padres Morel5, Massé6 e um outro, de Saint-Nicolas7, além dos Padres de Sergis e de
Renel8. O Padre de la Salle não está lá; ficou doente aqui.
A ordem que demos é a de que o Padre Pavillon faça as pregações e os Padres
Renar, Roche9 e Grenu1010 e de Sergis expliquem: o primeiro, o símbolo dos apóstolos;
o segundo, os mandamentos de Deus; o terceiro, as orações do Pai Nosso e Ave Maria;
e o quarto1111, os sacramentos. Quanto ao pequeno catecismo, os Padres Roche e Sergis
devem ser aliviados, quando derem o grande catecismo. Vós, senhor Padre, vos
ocupareis da direção da comunidade. Peço a Nosso Senhor vos faça, para este fim,
largamente participante do seu espírito e de sua conduta.
Eia pois, empreendei esta santa tarefa com este espírito, senhor Padre. Honrai a
prudência, a previdência, a mansidão e a exatidão de Nosso Senhor, neste ofício.
Agireis bem, se fizerdes cumprir o regulamento como importa. Grande bênção de Deus
acompanha esta fidelidade. Começai pelo levantar, o deitar-se, a oração, o ofício, a
entrada e saída da igreja na hora exata. Ó senhor Padre, como o hábito criado destas
coisas é um rico tesouro, e como o contrário acarreta inconvenientes! Ah! Meu Deus!
por que não nos esforçar nisso por causa de Deus, quando vemos a maior parte das
pessoas serem exatas na observância da ordem que se propuseram no mundo? Jamais,

33
Simão Le Gras (1624-1656).
44
Francisco Miloir , padre da Missão, nascido em Abbeville, aceito, por volta de novembro de 1630, na Congregação
da Missão, onde permaneceu por pouco tempo.
55
Talvez Cláudio Morel, célebre doutor da Sorbona, nascido em Vitry-le-François, que se tornou pregador do Rei em
1640, teologal da diocese de Paris em 1642, decano da faculdade de teologia. Morreu, a 30 de abril de 1679, depois
de ter tomado parte ativa na luta contra os jansenistas.
66
Não se trata nem de João Batista, nem de Renê Macé, padres de São Sulpício, os dois jovens demais, em 1632, para
tomar parte numa missão.
77
Comunidade de Saint-Nicolas-du-Chardonnet, fundada por Adriano Bourdoise.
88
Jacques de Renel, padre da Missão, nascido em 1606, na diocese de Amiens, recebido na Congregação da Missão,
em agosto de 1629, ordenado padre em 1631, no dia da Páscoa. Seu nome aparece aqui pela primeira e última vez.
99
Nicolau Roche, padre da Missão, nascido em Amiens, recebido na Congregação em 1629, ordenado padre em
1631.
1010
Daniel Grenu, nascido em Abbeville, a 01 de janeiro de 1606, ordenado padre em 1630, recebido na Congregação
da Missão em setembro de 1631, missionário muito ativo que veremos irradiar pela Champanha, pela Gasconha e
pelo Delfinado.
1111
Texto original: “e o 3º. A retificação se impõe.
151

ou muito raramente, o pessoal da justiça deixa de se levantar e de se deitar, de ir e voltar


do palácio na mesma hora. Só nós outros, os eclesiásticos, somos tão amantes de nossas
comodidades que não andamos senão ao impulso de nossas inclinações. Pelo amor de
Deus, senhor Padre, trabalhemos para nos libertar dessa mesquinha sensualidade que
nos torna cativos de suas vontades.
Escrevi bastante longamente ao Padre de Sergis sobre o que tendes a fazer, na
dúvida sobre se a presente carta vos encontre em Montmirail. Ide pois, in nomine
Domini, saudai, abraçai mesmo nomine meo (em meu nome) nossos padres, por favor.
Escrevei-me com frequência. Dizei aos nossos padres que, de todas as missões que
fizemos, não há nenhuma mais difícil e mais importante do que a de Joigny, tanto por
causa da índole dos espíritos do lugar, quanto pelo império que, de alguma maneira, o
maligno ali detém, e porque hoc genus daemoniorum non ejicitur nisi oratione, maxima
modestia et prudentia et humilitate (este gênero de demônios não se expulsa a não ser
com oração, máxima modéstia, prudência e humildade). Ademais, as pessoas de que a
comunidade se compõe o requerem. Ela deve se precaver contra dois notáveis defeitos
que foram observados na missão precedente, isto é, a sensualidade, para não dizer
intemperança e amor próprio1212, para não dizer grande vaidade, nas pregações e nos
discursos sobre esse assunto. Suplico-vos, senhor Padre, advertir a comunidade, para
que cuide em não cair nesses defeitos. No capítulo 1313, não esqueçais de admoestar a
comunidade em geral, assim como aos particulares que virdes cair nessas faltas. Crede-
me, com efeito, senhor Padre, que, se não tomarmos cuidado, cairemos nelas. E se isto
acontecer, ó Deus, a que ponto teríamos chegado? Que será de uma comunidade tão
importante, mas composta de pessoas sensuais, efeminadas e pouco mortificadas? Quem
não vê que ela não vai longe e que esses vícios são a fonte de uma multidão de outros?
Vamos pois, senhor Padre, pelo amor de Deus, rezai e ficai atento. E como, miserável
que sou, tenho motivo para temer seja eu a causa de todos esses defeitos, pois que se
encontram todos em mim, como seu princípio. De mim se espalham pela Companhia ou
sobre parte dela (pois, graças a Deus, há os que não são assim; pelo contrário, se
mortificam e se humilham em tudo). Orai a Deus por mim, para que me perdoe e me dê
a graça de me corrigir, eu que sou, entretanto, no amor de Nosso Senhor e de sua Santa
Mãe, senhor Padre, vosso muito humilde e obediente servo.

Vicente de Paulo.

São Lázaro, 28 de novembro de 1632.

Destinatário: Ao senhor Padre Portail, padre da Missão em Montmirail.

126. ─ A LUÍSA DE MARILLAC


1212
São Vicente escreve philaphtie, hoje philautie (o nosso filáucia), amor exagerado de si mesmo.
1313
Capítulo era, na Congregação da Missão, um exercício comunitário penitencial, no qual cada um se acusava de
suas faltas e alguns, por sua vez, solicitavam ser advertidos dos seus defeitos. O superior dava avisos de ordem geral
e eventualmente a algum coirmão particular (N. do T.).
152

[Por volta de 16321].

Senhora,

Louvo a Deus por não terdes passado mal na viagem, nem na rápida passagem por
Serain2 e lhe rogo vos fortaleça plenamente, para poderdes prestar serviço em favor das
pequenas almas, aí onde estais.
Quanto ao que me dizeis de Santa Benedita, deveis venerar nela o espírito de
Nosso Senhor, pela relação de vosso trabalho com o dela e o afastamento, como o dela 3,
de vossa morada ordinária. Se não o fazeis em tudo, bendito seja Deus por fazê-lo em
alguma coisa, esperando mais, se for do agrado da bondade divina! Quem é fiel no
pouco, diz Nosso Senhor, será constituído num ofício muito maior. Sede fiel nesse
pouco e talvez Nosso Senhor vos conduzirá a fazer mais. Deus sabe se isso não servirá
para a glória do senhor Le Gras, por cuja alma desejais que eu reze, assim como pela
vossa.

127. ─ A N***

[Por volta de 16331].

O senhor Arcebispo2, de acordo com a antiga prática da Igreja pela qual os bispos
mandavam dar instruções em suas residências, durante vários dias, aos que desejavam
ser promovidos às ordens sacras, ordenou que, de ora em diante os de sua diocese que
tiverem esse desejo retirar-se-ão, por dez dias antes de cada ordem, à casa dos padres da
Missão. Nela farão um retiro espiritual, exercitar-se-ão na meditação, tão necessária aos
eclesiásticos, farão uma confissão geral de toda sua vida passada, receberão explicação
da teologia moral e particulamente a explanação de tudo que diz respeito ao uso dos
sacramentos. Aprenderão a realizar bem as cerimônias de todas as funções das ordens e,
enfim, serão instruídos de todas as outras coisas necessárias aos eclesiásticos. Ficam
hospedados na casa, e recebem alimentação durante todo esse tempo. Disso resulta tal

1
Carta 126. ─ C. aut. ─ Manuscrito São Paulo, p. 9.
1
A frase final pode levar a crer que a carta foi escrita por volta de 21 de dezembro, dia aniversário da morte do
senhor Le Gras. O que precede parece indicar que a Companhia das Filhas da Caridade não fora ainda fundada.
22
Localidade situada em Aisne, perto de Orsigny-Sainte-Benoîte.
33
Santa Benedita, virgem e mártir, é venerada pela Igreja a 08 de outubro, dia aniversário de sua morte. Seus
biógrafos relatam que era filha de um senador romano e que viera estabelecer-se com doze companheiras em
Orsigny-Oise, hoje Orsigny-Sainte-Benoîte, perto de Saint-Quentin, em cima de uma colina, fora do povoado e do
lado do rio. Saía todos os dias de sua cela para exortar familiarmente os habitantes do lugar e arredores. As
conversões que operava atraíam sobre ela a cólera dos perseguidores, que lhe mandaram cortar a cabeça, a 08 de
outubro do ano 362. Luísa de Marillac imitava Santa Benedita por seus trabalhos, e, como a Santa, habitava sem
dúvida num local afastado do povoado. O que se disse aqui de Santa Benedita não levaria a supor que Luísa se
encontrava em Orsigny-Sainte-Benoîte?
1
Carta 127. ─ Abelly, op. cit., t. II, cap. II, sec. II, início, p. 215.
1
Abelly diz que esta carta foi escrita “cerca de dois anos depois” da determinação episcopal relativa aos ordinandos
que data de 21 de fevereiro de 1631.
22
João Francisco de Gondi.
153

fruto, pela graça e Deus, que se veem todos os que fizeram esses exercícios, levar uma
vida verdadeiramente eclesiástica e até mesmo a maior parte deles se aplicar de modo
todo particular às obras de piedade, o que começa a ficar evidente para o público3.

128. ─ A LUÍSA DE MARILLAC1

Receei que não tivésseis preparado vosso negócio, porque a senhora Delamare
permaneceu muito tempo em vossa casa. Foi por isso que escrevi o bilhete que vos
mandei, e não para vos distrair dessa tarefa. Ora, já que vossa discrição procedeu desse
modo, esperar-vos-emos então amanhã, logo após a uma hora. Entrementes, fareis
amanhã de manhã a [oração] do nascimento de Nosso Senhor, e repeti-la-eis, às 10
horas; em seguida, após a janta, a dos pastores; a última será a da purificação da Santa
Virgem.
Adeus, Senhora, lembrai-vos de nossas necessidades espirituais e de que sou
vosso servo.

Destinatário: À senhora Le Gras.

129. ─ A UM PADRE DA MISSÃO1

[15 de janeiro de 16332].

Soube de várias pessoas a bênção que a bondade de Deus se digna derramar sobre
vossa missão de [Mortagne]3. Ficamos todos muito felizes. E como reconhecemos que
essa graça abundante vem de Deus, que continua a dispensá-la apenas aos humildes, os
quais têm consciência de que todo bem por eles feito vem de Deus, peço-lhe de todo
33
De 1631 a 1643, houve todos os anos seis retiros de ordinandos na Casa-mãe dos padres da Missão. Depois de
1643, o retiro do meio da quaresma foi supresso. A partir de 1638, aos ordinandos da diocese de Paris se ajuntaram os
ordinandos estrangeiros que vinham receber as ordens nessa cidade. O número dos hóspedes de São Lázaro oscilou
desde então entre setenta e cem. Todo este povo era recebido gratuitamente. Para ficar em condição de cobrir os
gastos, o Santo interessou nessa obra as damas da Caridade, que fizeram doações com liberalidade, sobretudo a
presidente Herse e a marquesa de Maignelay. A Rainha também fez doações generosas. Tudo caminhou bem até
1645. Nessa época, as doações se tornaram mais raras, e a casa de São Lázaro foi obrigada a suportar quase todas as
despesas. Ela o conseguia com dificuldade; mas os frutos dos retiros eram tão grandes que São Vicente jamais
consentiu em interrompê-los ou em reduzir o número dos ordinandos. Ele chama a São Lázaro, para pregar nos
retiros, padres e até mesmo bispos, os mais recomendáveis por suas virtudes, seus talentos e seu zelo. Por ali
passaram Pavillon, Caullet, Perrochel, que a Rainha veio escutar, Sevin e Bossuet (Abelly, op. cit., t. II, cap. II, sec. I-
V).
1
Carta 128. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
No lado reservado ao endereço, Luísa de Marillac escreveu: “Na segunda-feira de manhã, o que Nosso Senhor fez
na terra, dos doze aos trinta anos; às dez horas, o batismo de Nosso Senhor; às duas, a conversão de Madalena; às
cinco, o lava-pés dos apóstolos. Na terça-feira, a primeira prece do jardim; a segunda, a prisão de Nosso Senhor; a
terceira, Nosso Senhor diante de Pilatos e Herodes; a quarta, Nosso Senhor com Pilatos”.
1
Carta 129. ─ Abelly, op. cit., t. II, cap. I, sec. I. § 2, p. 8.
1
Provavelmente Roberto de Sergis ou Lambert aux Couteaux. Os dois, sabemo-lo por outros textos, trabalhavam
juntos pelos lados de Bordéus, no ano 1633.
22
A data e o nome da localidade onde acontecia a missão são conhecidos por Collet (op. cit., t. I, p. 244) que cita um
trecho desta carta.
33
Provavelmente Mortagne-sur-Gironde (Charente-Inférieure).
154

meu coração vos conceda cada vez mais o espírito de humildade em todas as vossas
funções. Com efeito, deveis crer com toda a certeza que Deus vos há de retirar esta
graça, tão logo venhais a dar lugar em vosso espírito a alguma vã complacência,
atribuindo-vos o que só a Deus pertence. Portanto, humilhai-vos muito, senhor Padre,
vendo que Judas recebera maiores graças do que vós, que essas graças tinham produzido
mais resultados que os vossos, e que, não obstante, acabou se perdendo. O que
aproveitará, com efeito, ao maior pregador do mundo e dotado dos talentos mais
excelentes, o ter feito repercutir suas pregações com o aplauso de toda uma província, e
mesmo o ter convertido para Deus vários milhares de almas, se, apesar de tudo isso, vier
a se perder a si próprio?!
Não vos digo isto, senhor Padre, por algum motivo particular que eu tenha de
temer a presença dessa vã complacência, nem em vós, nem no Padre... 4, que trabalha
convosco; mas apenas para que, se o demônio vos atacar desse lado, como o fará, sem
dúvida, presteis grande atenção e fidelidade em rejeitar as sugestões e em honrar a
humildade de Nosso Senhor.
Nesses dias passados, eu tinha como assunto de meu colóquio, a vida comum que
Nosso Senhor quis levar na terra. E considerava que ele amava tanto esta vida simples e
desprezível dos demais homens que, para se conformar com ela, ele se rebaixara tanto
quanto pôde, até mesmo (ó coisa maravilhosa e que ultrapassa toda capacidade do
entendimento humano) ao ponto de que, embora fosse a sabedoria incriada do Pai
eterno, quis, não obstante, pregar sua doutrina num estilo muito mais simples e humilde
do que o dos próprios apóstolos. Vede, eu vos peço, quais foram suas pregações e
comparai-as com as cartas e pregações de São Pedro, de São Paulo e dos outros
apóstolos. Pareceria que o estilo de que usa é o de um homem de pouca ciência, e o dos
seus apóstolos, o de pessoas de muito mais ciência do que ele. E o que é mais admirável
é que ele quis que suas pregações tivessem muito menos repercussão que as dos
apóstolos. Realmente, podemos ver no Evangelho que ele conquistou seus apóstolos e
discípulos quase um a um, e isto com trabalho e fadiga, ao passo que São Pedro
converteu cinco mil já na sua primeira pregação. Na verdade, isso me trouxe mais luz e
conhecimento, como me parece, da grande e maravilhosa humildade do Filho de Deus,
do que qualquer outra reflexão que jamais tenha ouvido sobre esse assunto.
Dizemos todos os dias na santa missa estas palavras: In spiritu humilitatis (em
espírito de humildade), etc. Ora, um santo personagem me dizia um dia, como tendo
aprendido do bem-aventurado Bispo de Genebra, que este espírito de humildade que
pedimos a Deus em todos os nossos sacrifícios, consiste principalmente em nos manter
numa contínua atenção e disposição para nos humilhar incessantemente em todas as
ocasiões, tanto interior quanto exteriormente. Mas, senhor Padre, quem nos dará este
espírito de humildade? Meu Deus! será Nosso Senhor, se lho pedirmos e nos tornarnos
fiéis a sua graça e diligentes em frutificá-la em atos. Façamo-lo, pois, eu vos suplico, e
procuremos para isso lembrar-nos um do outro, quando pronunciarmos essas mesmas
palavras no santo altar. Eu o espero de vossa caridade.

44
Lambert aux Couteaux ou Roberto de Sergis.
155

130. ─ SANTA CHANTAL A SÃO VICENTE

[11 de fevereiro de 16331].

Meu honoratíssimo e querido Padre,

Ah! como vosso coração é bom e paternal para comigo, e, como quero crer,
para consolação minha, fidelíssimo em continuar lembrando-se de mim, diante da
bondade divina, do que tenho extrema necessidade, na idade e tormento em que estou.
Louvada seja eternamente a bondade divina, pelas misericórdias que lhe apraz
derramar sobre as almas, por meio da suavidade santa e eficaz do espírito de seu fiel e
verdadeiro servo, nosso santíssimo pai. Com efeito, eu vo-lo confesso, meu caríssimo
Padre, que o espírito de nosso digno e verdadeiro irmão e pai 2 caiu nas suas malhas. E
não creio que nenhuma outra mão, além da desse bem-aventurado, o pudesse conduzir
com tanta sabedoria, tanta suavidade, nem tanta força, como fez nesse retiro tão
extraordinário. Ei-lo em um absoluto desapego do mundo, com edificação e consolação
de todos, e o que é mais, para a suprema glória de Deus e alegria de sua querida alma,
e, com certeza, para a utilidade, honra e satisfação das Filhas da Visitação que lhe
devem favores infinitos. Em especial, nossas caras irmãs da cidade têm o privilégio da
grande honra de tê-lo tão perto delas. Ah! Deus nos dê a graça de corresponder
fielmente à sincera amizade e total caridade que nutre para conosco este bom senhor!
Posso garantir-vos, meu caríssimo Pai, que o amo, o venero e o reverencio com toda a
amplidão e forças da minha alma.
Vejo que agora permaneceis mais em Paris. Ó meu Deus, velai muito por esta
querida e digna pessoa e não lhe permitais uma vida demasiado severa, nem austera
demais. Sei que ele tem grande confiança em vós.
Parece-me que me torno rude com a idade.
É preciso terminar indo a esse bendito parlatório. Meu caríssimo Padre, Deus
vos torne cada vez mais segundo o seu coração! Rezai muito para que sua bondade me
faça misericórdia, a fim de que, com nosso bem-aventurado Pai e todos vós, nossos
caros amigos, eu possa louvá-lo eternamente. Amém.
Meu honoratíssimo Padre, sou de coração vossa muito humilde e muito obediente
filha e serva em Nosso Senhor.

131. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Entre janeiro de 1632 e fevereiro de 16331].

1
Carta 130. ─ Santa Joana Francisca Frémyot de Chantal, sua vida e suas obras, Paris, 1874-1880, 8 vol., in-8, t.
VIII, p. 313, conforme cópia do original conservado na Visitação de Chartres.
1
O Comendador de Sillery começou a morar, em julho de 1632, perto do mosteiro da Visitação.
22
O Comendador de Sillery.
1
Carta 131. ─ Abelly, op. cit., t. I, cap. XXIII, fim, p. 109. A primeira metade desta carta até a palavra
“Acreditaríeis” torna a aparecer no Manuscrito São Paulo, p. 82. E como o texto desse manuscrito é mais puro do que
o de Abelly, preferimos segui-lo nessa parte.
156

Senhora,

Acabo de saber agora, há apenas uma hora, do acidente acontecido com a moça 2
que vossos guardas dos pobres retiravam, a opinião do médico a respeito, e como a
visitastes. Confesso-vos, Senhora, que, de início, meu coração ficou de tal modo tocado
que, se não fosse noite, teria partido imediatamente para estar convosco. Mas a bondade
de Deus para com os que se dedicam a ele no exercício da Confraria da Caridade, na
qual jamais as pessoas a ela filiadas foram castigadas pela peste, leva-me a nutrir
perfeita confiança de que não sereis atingida pelo mal. Acreditaríeis, Senhora, que não
somente visitei o falecido Padre sub-prior de São Lázaro3, que morreu da peste, mas
também senti o seu hálito? E, no entanto, nem eu, nem nosso pessoal que o assistiu até
ao último suspiro pegamos a doença. Não, Senhora, não tenhais medo. Nosso Senhor
quer servir-se de vós para algo que diz respeito a sua glória e estimo que ele vos
conservará para esse fim. Vou celebrar a santa missa em vossa intenção. Iria estar
convosco amanhã, não fosse a entrevista que tenho com alguns doutores, na Madalena,
em favor de negócios que dizem respeito ao estabelecimento daquela casa4.

132. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Podeis imaginar, Senhora, como meu coração sente o sofrimento do vosso. Perigo
para vós não há, graças a Deus. Quanto a Margarida1, seria bom providenciar-lhe a
1
Esta carta foi escrita depois da tomada de posse de São Lázaro (08 de janeiro de 1632) e antes da morte de
Margarida Naseau (fevereiro de 1633).
22
Esta moça, talvez Margarida Naseau, estava acometida pela peste.
33
Nicolau Maheut, cujo nome se encontra em baixo do contrato passado, a 07 de janeiro de 1632, entre os padres da
Missão e os religiosos de São Lázaro.
44
Em abril de 1618, Roberto de Montry, comerciante de Paris, tendo sabido que duas moças extraviadas desejavam
mudar de vida, ofereceu-lhes asilo no arrabalde Saint-Germain, numa casa que lhe pertencia. Outras moças,
torturadas pelo remorso, acompanharam as primeiras. Assim, se formou a pequena comunidade. O virtuoso
comerciante acudiu-lhes as necessidades até que a marquesa de Maignelay, irmã de Filipe Emanuel de Gondi,
consentiu em se encarregar da obra nascente. Adquiriu-lhe uma casa, rua des Fontaines, a 16 de julho de 1620,
manteve as moças durante sua vida e lhes deixou em testamento um legado de 101.600 libras. O novo
estabelecimento foi autorizado em maio de 1625 por Luís XIII, que o dotou com uma renda anual de 3.000 libras,
aprovado por Urbano VIII, a 15 de dezembro de 1631 e confirmado de novo por cartas reais, a 16 de novembro de
1634. São Vicente compreendeu logo a sua utilidade e aceitou de bom grado trabalhar na organização do Instituto.
Pode-se dizer que foi sua alma. As moças de má vida que se recolhiam à Madalena, conservavam o hábito secular e
tomavam lugar entre as penitentes. Várias estavam lá contra a vontade, a mando da justiça. Depois de alguns anos de
prova, as penitentes revestiam-se de um hábito cinzento muito grosseiro e passavam para a categoria das
arrependidas. Quando não houvesse mais dúvida da firmeza de sua conversão, tornavam-se religiosas, assumiam o
hábito de Santo Agostinho e faziam os votos solenes. À frente da comunidade se encontravam, com os títulos de
priora, sub-priora, ecônoma e porteira, quatro irmãs da Visitação, escolhidas pelo Arcebispo de Paris. Tinham o
manejo de todas as rendas. Eram mudadas de tempos a tempos, para o próprio alívio, pois a tarefa era rude. A
primeira superiora foi a irmã Maria Ana Bollain, que começou a exercer as funções a 20 de julho de 1629. (Cf.
Relatório verdadeiro do nascimento e progresso do Mosteiro de Santo Maria Madalena, por Montry, Paris, 1649, in-
24; Abelly, op. cit., t. II, cap. VII, p. 328 e seg.; Félibien, op. cit., t. V, p. 152; História cronológica das fundações de
toda Ordem da Visitação Santa Maria, t. I, pp. 264-272, Bibl. Maz., ms 2430).
1
Carta 132. ─ Original com os padres da Missão de Rongy (Bélgica).
157

visita pelo cirurgião da Saúde2, caso o médico faça dificuldade em ir vê-la 3. O senhor
Cotti se assusta com facilidade; e contudo penso que seria bom acudir ao caso, quanto
antes. O Padre Bourdoise4 dará ordens neste sentido. Mandai pedir-lho, por favor, ele
sabe que medidas é preciso tomar; já passou por lá outras vezes.
Quanto aos pobres doentes, penso que seria necessário protelar as atividades. É de
se temer que, se lhes derem dinheiro, as damas venham depois a se contentar com fazer
isso. Contudo, proponde-o ao senhor pároco e segui-lhe a ordem.
Se esta pobre moça for levada ao São Luís, é preciso fornecer dinheiro à outra e
mandá-la passear.
Quanto a vós, não sei se não seria conveniente fosseis distrair um pouco nos
campos5 e visitar as Caridades de Vernueil 6, Pont7, Gournay8 e as outras9. Encarreguei
ao (Irmão) Jordão1010 de ir encontrar-se convosco e vos dizer quando o coche de Senlis
vai partir. Ele vos prestará serviço no que vos aprouver.
O senhor Arcebispo pede-me que eu vá encontrar-me com ele. Logo que puder,
procurarei estar convosco. Escrevei-me, entretanto, vossa opinião sobre o que vos
proponho. Se precisardes de dinheiro, pagai vossa viagem com o fundo da vossa
Caridade, por obséquio, e vos peço que o façais sempre assim, e permaneçais sempre na
alegria.
Sou, entretanto, no amor de Nosso Senhor, Senhora, vosso muito humilde e
obediente servo,

Vicente de Paulo.

O Padre Dehorgny vai estar convosco imediatamente após a janta.

1
Por ter mandado deitar um pestífero em seu leito, Margarida Naseau, empregada então na confraria de Saint-
Nicolas, contraíra o terrível mal. Morreu dele no hospital São Luís.
22
Hospital da Saúde ou Hospital Santa Ana , construído em 1607-1608 para receber os pestíferos.
33
Pelo temor do contágio.
44
Ele não morava longe da casa onde ficava Margarida Naseau.
55
O Santo queria afastar Luísa de Marillac da epidemia.
66
No Oise.
77
Pont-Sainte-Maxence (Oise).
88
Gournay-sur-Aronde (Oise).
99
Luísa de Marillac foi também a La Neufville-Roy e a Bulles (Oise). Temos ainda suas anotações de viagem e o
relatório de suas visitas, que endereçou a São Vicente (Pensamentos, p. 127, onde o relatório está falsamente datado
de 1631). Em Verneuil, hospedou-se na casa de um padeiro. A visita aos doentes deixava a desejar. A confraria
possuía alguns recursos que não sabiam como empregar. A Madame marquesa queria comprar uma casa para
agasalhar os doentes, enquanto outros preferiam a compra de uma área de terra, “por causa da mortalidade que
acometia algumas vezes o gado”. As irmãs de Pont-Sainte-Maxence só recebem elogios. Luísa de Marillac descera
até Fleur-de-Lis. Em Gournay, as irmãs são um pouco mais grosseiras do que em outras partes; os doentes sem teto
são hospitalizados na casa de uma mulher que cuida deles e recebe pelo trabalho cinco soldos por dia. Em Neufville-
Roy e Bulles, as confrarias são mais ricas; possuem ovelhas, cordeiros e dinheiro; mas a união entre as irmãs estava
longe de ser perfeita. Em La Neufville-Roy, Luísa de Marillac pousou na hospedaria.
1010
João Jordão, nascido em Galluis-la-Queue (Seine-et-Oise) em 1587, foi o primeiro irmão coadjutor da
Congregação da Missão, na qual entrou a 13 de fevereiro de 1627. Era escudeiro e mordomo na casa da marquesa de
Maignelay na época em que o Santo exercia as funções de capelão dos Gondi e ambos começaram desde então a se
conhecer. De temperamento impulsivo, o irmão João Jordão era levado a fazer advertências a cada instante; mas se
recompunha logo, e os que ofendera o viam, instantes depois, a seus joelhos. Morreu a 25 de abril de 1657 ( Notícias,
t. I, pp. 373-375).
158

São Lázaro, dia de São Matias [16331111].

133. ─ A MICHEL ALIX, PÁROCO DE SAINT-OUEN-L’AUMONE1

01 de março de 1633.

Senhor Padre,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Aquele a quem entregareis vossa paróquia é homem de bem? Poderá ele fazer à
vossa paróquia o bem que nela fazeis? Podereis vos manter com quatrocentas ou
quinhentas libras? O primeiro me parece de preço elevado, a segunda, de preço
considerável. Estive nesse lugar. Parece-me muito agradável, porém maior que o vosso.
Seria muito conveniente que um pároco tivesse com que fazer o bem aos pobres. Penso
que os há, e muitos. Em todo caso, poderíeis reservar-vos 200 libras de pensão; nesse
caso, e não se tratando da primeira dificuldade, é preciso tomeis tempo para pensar, e
até mesmo vos deslocar para os lugares, a fim de saber qual é a pessoa. E ver se o lugar
vos agrada. Seja como for, peço-vos não apressar. É negócio de grande importância.
Dir-vos-ei que lamentaria se tomasse decisão sem antes mandar rezar a Deus e consultar
o Padre Duval ou o Padre Coqueret2, ou os dois. Com efeito, trata-se de saber se Deus
quer que deixeis a esposa que assumistes ou, para falar melhor, que o próprio Deus vos
deu.
Sou, em seu amor, senhor Padre, vosso muito humilde servo,

Vicente de Paulo.

Respondi-vos logo após ter recebido a vossa carta.

1111
A festa de São Matias cai, nós o sabemos, no dia 24 ou 25 de fevereiro, conforme o ano for bissexto ou não. Para
determinar o dia, temos de conhecer o ano. Todos os biógrafos de Luísa de Marillac remontam a morte de Margarida
Naseau ao ano 1631. Não podemos aceitar esta data, porque a carta acima é certamente posterior a 8 de janeiro de
1632, dia em que São Vicente e seus missionários entraram para São Lázaro, e também posterior à morte do sub-prior
dessa casa (Cf. carta 131). Supondo que o sub-prior tenha falecido alguns dias apenas depois da tomada de posse
desse estabelecimento pelos padres da Missão, a carta 132 poderia ser de 25 de fevereiro de 1632. Mas, nesta
hipótese, a carta 131 teria sido escrita pouco depois da morte do sub-prior; e isto é muito pouco provável, porque esta
morte não aparece nela de modo algum como um acontecimento da véspera. Por tais motivos, preferimos crer que a
carta 132 é de 24 de fevereiro de 1633.
1
Carta 133. ─ Reg. 1, fº 8 vº. O copista observa que a escrita original era do próprio São Vicente. N. do T.: A nosso
ver, P. Coste se omite. A carta 133 parece muito obscura. Vejam a frase: “O primeiro me parece de preço elevado, e a
segunda, de preço considerável”; primeiro, segunda, de que se trata? Vejam ainda a frase: “Nesse caso, não se
tratando da primeira dificuldade – de que dificuldade se trata? O valor da carta está em mostrar como São Vicente era
consultado e sua prudência, sinceridade, e clarividência nas respostas.
1
Em Seine-et-Oise.
22
Jean Coqueret, doutor de Navarra, principal do Colégio des Grassins e superior das Carmelitas descalças da França,
amigo de São Francisco de Sales, de André Duval e de São Vicente de Paulo, com quem pregara uma missão em
Villepreux em 1618, nascido em Pontoise em 1592, falecido em Marselha, a 7 de outubro de 1655. São Vicente a
consultou antes de introduzir os votos na Companhia e o convidou para as conferências realizadas em São Lázaro a
respeito do jansenismo.
159

134. ─ A ISABEL DU FAY

[Entre 1626 e 16351].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Agradeço-vos muito humildemente pelos terços e as imagens que nos enviastes, e
peço a Deus sejam de proveito para as pessoas a quem vamos distribuí-los, e que ele
seja vossa glória, como é aquele que vos inspirou essa devoção. De resto, Senhora, sois
bem fiel ao que vos foi ordenado, no tocante à maneira de viver a quaresma? Suplico-
vos, se não o sois, vos tornar fiel e me dizer como estais passando.

Vicente de Paulo.

135. ─ MADAME GOUSSAULT A SÃO VICENTE

Meu reverendo Padre,

Pela misericórdia de Deus, temos assistido todos os dias à santa missa. Logo ao
subirmos à carruagem, eu dizia In viam pacis, e todos me respondiam. Depois, lhes
lembrava os pontos da oração, após a qual rezávamos o Angelus.
Algumas vezes as nossas primeiras conversas eram os pensamentos de nossa
oração, e depois, alguns discursos mais recreativos, sobre nossas distrações ou nossos
sonhos; outras vezes, travávamos guerra a quem dissesse algo atravessado; depois,
Grandnom1 lia meia hora do Peregrino de Lorette; em seguida, duas de nossas jovens
cantavam as Ladainhas do Santo Nome de Jesus e respondíamos a mesma coisa que
tinham cantado. Ao passarmos por alguma aldeia, saudávamos o anjo da guarda. Na
aldeia onde devíamos parar, eu pedia o auxílio particular de Nosso Senhor.
Em Etréchy2, nosso primeiro jantar. Fui à igreja e perguntei se havia um Hospital
Geral. Encontrei algumas crianças cujo raciocínio eu estimulei; e me veio ao espírito o
pensamento de que eram filhos de Deus. Senti alegria com eles ao fazê-los rezar o Pai
Nosso que dissipou a pequena tristeza que experimentara na manhã de minha partida.
Todas as horas que meu relógio batia, na carruagem ou fora, rezávamos uma Ave
Maria, colocando-nos na presença de Deus e pedindo o cumprimento de sua santa
vontade.

1
Carta 134. ─ Reg. 1, fº 24. O copista observa que a escrita original era de São Vicente.
1
Mesma observação da carta 99, nota 1. A carta foi escrita na quaresma.
1
Carta 135. ─ C. aut. ─ Bibl. Santa Genoveva, em Paris, ms. 3277, fº 283 e seg.
1
Intendente de Madame Goussault.
22
Comuna dos arredores de Etampes.
160

Em Etampes, nossa primeira dormida. Ao passar diante da igreja, desci e mandei


perguntar onde estava o Hospital Geral, situado, aliás, muito longe. Contudo, fui até lá
a pé com apenas minha jovem e meu criado. Dirigi-me a uma jovem religiosa, por
sinal, era a superiora. Aproximei-me para conversar, enquanto o criado fora comprar
alguma coisa para dar aos doentes; e ao lhe falar da necessidade de um diretor, ela me
olhou no rosto. Eu trajava gola baixa, sem almofada em rodilha 3, como uma
empregada. Ela me perguntou: que mulher sois vós? Sois casada? Ouvi falar muito de
uma tal senhora Acarie4, mas penso que sois outra pessoa. E começou a me falar que
tinha tido vontade de entrar nas hospitaleiras, que a tinham escolhido para ser
superiora de seis religiosas, que estão lá, sem a reforma, mas que desde dois anos
ainda não tinha feito nada. Animei-a muito. Disse-me que seria necessário ir a Paris.
Ofereci-lhe minha casa. Tinha um grande desejo de rezar por ela. Na hospedaria, ouvi
dizer que a hospedeira tinha muita aflição por causa do seu filho. Depois da ceia,
passei a conversar com ela; em seguida, apresentei o assunto da oração e do exame,
como de ordinário.
No dia seguinte, no almoço, em Angerville5, não soube de Casa de Caridade. Fui
à igreja, enquanto preparavam o almoço, depois do qual desci e encontrei uma
quantidade de pobres que me esperavam, como também crianças e pessoas
importantes, o que causava admiração. Comecei por mandá-los fazer o sinal da cruz
que a maior parte não soube fazer, o que me causou muita piedade. Eles me pareciam
de boa amizade.
Fui dormir em Artenay6, onde dei o grande catecismo na igreja, creio vo-lo ter
dito. Em seguida, jantei em Orléans, onde cheguei em jejum até a casa dos padres
jesuítas , para comungar, pois era quinta-feira. Admirei como por toda parte encontrei,
no ponto, tudo no ponto em que eu poderia desejar, tanto para a alma como para o
corpo. O seu Hospital Geral é rico, pelo que me dizem, mas os doentes nem por isso
estão em melhor condição. Há poucas religiosas; elas têm empregadas a seu serviço e
se fiam demais nelas. Tinha-me proposto permanecer ali algum tempo a negócio. Não
sei como, fiquei muito desgostosa. Estava hospedada com huguenotes. Deixei tudo lá e
fui dormir em Cléry7, onde fiz visitas e mandei celebrar a santa missa em Notre-Dame,
e jantei em Saint-Dyé8, onde encontrei a igreja muito bem arranjada, os pobres e as
crianças mais bem instruídos do que em qualquer outro lugar.
Fui dormir em Blois, onde encontrei muitas devoções, mas o Hospital Geral sem
visitas e sem ordem. Falei com uma de minhas primas, muito devota, que me disse que
o Padre Lallement, superior dos jesuítas9, os tinha exortado muito a visitá-lo, mas que
33
Usada por mulheres sob a saia para inflá-la.
44
Bárbara Avrillot, que se tornou Madame Acarie e, por sua entrada em religião, Maria da Encarnação, foi fundadora
das Carmelitas reformadas da França, mulher célebre por suas virtudes e milagres, que lhe valeram as honras da
beatificação. Falecera em Pontoise a 18 de abril de 1618, com a idade de cinquenta e três anos. Sua vida, escrita em
1621, por André Duval, doutor da Sorbona, tentou a pena de muitos outros biógrafos, até nossos dias.
55
Comuna dos arredores de Etampes.
66
Hoje centro administrativo do Cantão de Loiret.
77
Em Loiret.
88
Em Loir-et-Cher.
99
Jerônimo Lallemant, nascido em Paris, a 27 de abril de 1593, recebido no noviciado dos jesuítas a 02 de outubro de
1610, falecido em Québec, a 26 de janeiro de 1673. Depois de ter abraçado as letras e a filosofia e desempenhado as
funções de reitor em Blois e em La Flèche, tornou-se superior da Missão do Canadá. Deixou sobre esta Missão
161

talvez Deus tenha permitido fosse eu até lá, para crerem que em Paris as mulheres de
condição o visitam e sejam assim estimuladas a visitá-lo.
Não me detive ali, por causa da rubéola, na casa do meu tio, e fui jantar em
Veuves1010 e dormir em Amboise, onde Deus me concedeu muitas graças. Seu Hospital
Geral é pobre; levam para lá todos os transeuntes estropiados e órfãos, mas não os
doentes. Há ali um comerciante que fez uma fundação para uma professora, diante da
qual fiz perguntas a alguns pobres, e pedi-lhe me viesse ver no dia seguinte. Ela o fez, e
fiquei muito edificada com ela. Era o primeiro domingo do mês. Confessei-me e
comunguei nos Padres Mínimos, e depois da janta não deixei de voltar para dormir em
Tours, onde vi o mais belo Hospital Geral e o mais bem organizado de todos; no dia
seguinte, comunguei em São Francisco de Paula, onde havia indulgências e grande
afluxo de povo. Depois da janta, parti e fui dormir em Angers. No dia seguinte, vim
assistir à santa missa em Chouzé 1111, pertencente a esta diocese; o bom padre que
celebrou a missa teria muita necessidade, penso eu, de uma missão; veio-me até mesmo
ao espírito falar algo sobre isso ao senhor bispo de Angers. As criancinhas tão pouco
catequizadas!
De lá, fui para Saumur, onde fiquei aquele dia, a quarta-feira inteira, e ainda
comunguei ali na quinta-feira. Todo meu pessoal se entregou a muitas devoções, nesse
lugar. Depois de avisarmos o povo do lugar, cantamos o Te Deum.
Estava-me esquecendo de falar sobre o que fazíamos após a refeição: rezamos
algumas vezes nosso terço em dois coros, as Ladainhas da Santíssima Virgem todos os
dias. As pessoas respondiam a cada invocação e assim as rezávamos duas vezes.
Nossa recreação se prolongava bastante, assim como nossas preces. Algumas
vezes, brincávamos de não dizer nem sim nem não. Quem o dissesse, pagava uma Ave
Maria a quem o pegasse. Cantávamos o Aleluia e outros hinos, mas tudo com tanta
alegria que um dos meus caseiros a cavalo ficava admirado ao nos ver. Queria mostrar
a Catarina como ler bem, com boa pronúncia. Ela dava respostas, pronunciava
discursos de fazer rir até às lágrimas. Enfim, meu Padre, é muito prazeroso servir a
Deus, pagando tal preço.
Chegando aqui, vieram dois senhores ao meu encontro e me impediram de ir ao
Hospital Geral e à igreja; também era muito cedo. Cheguei direto para aqui, onde
encontrei uma ceia magnífica e tanta gente para me receber que enfim estavam me
tratando como gente grande.
No dia seguinte, só tive tempo para assistir à missa. Os senhores da Justiça e os
principais da cidade vieram visitar-me; e ainda no dia seguinte tive grande dificuldade
para me esquivar e ir visitar o Hospital Geral, que encontrei em muito boa ordem. Há
uma piedosa burguesa que fez voto de nele terminar seus dias, a serviço dos doentes, e
que é para eles de grande valia; tem principalmente grande zelo pela salvação deles.
Em seguida, estive duas vezes visitando os prisioneiros, com o sentido no que dizia
Nosso Senhor no Evangelho: estive preso. Dei-lhes estampas e terços e resgatei pobres

relatos interessantes que foram publicados em Québec, em 1858.


1010
Comuna du Loir-et-Cher.
1111
Comuna de Indre-et-Loire.
162

prisioneiros que me causaram grande piedade. O que é desagradável é que tudo se


comenta na cidade e sempre na realidade se aumenta.
Domingo, assisti às vésperas numa comunidade religiosa, onde, contra meu
costume, estive duas horas diante do Santíssimo Sacramento. Nessa ocasião, pensei em
meu espírito como poderia eu falar para estas moças daqui sobre o catecismo, do qual,
conforme eu tinha em mente, elas tinham grande necessidade. Decidi ir aos pobres, às
granjas, levando-as comigo, interrogando as crianças, aliás bem instruídas: há um bom
eclesiástico com grande zelo por elas. Senhor Padre, houve tanto êxito nesse trabalho
que a senhora Le Fèvre, casada com um conselheiro, que tinha quatro filhos, me disse,
na volta, ter experimentado nessa ocasião uma grande satisfação, e que ela não sabia
quase nada de tudo aquilo, e acrescentou: “Vê-se que amais muito os pobres e que
vosso coração está cheio de alegria no meio deles. Parecíeis duas vezes mais bela, ao
lhes falar”. É admirável, meu Pai, como Deus me deu a ousadia de falar na presença
do eclesiástico e, no mínimo, de cem pessoas que me escutavam, e ainda depois me
pagavam com tantos elogios; até esse bom padre me disse que se julgava muito feliz
por poder terminar seus dias perto de mim, sem salários, nem recompensa, mas apenas
por ouvir as palavras saídas de minha boca. São os seus próprios termos.
Eia pois, meu Pai, é a vós que escrevo, na confiança de que louvareis a Deus e o
amareis por sua misericórdia infinita. Ele me concedeu graças, em Saumur e aqui, que
não vos posso exprimir, e não obstante minha extrema infidelidade, e é o que me
arrebata de amor por ele. Meu Pai, rogai-lhe rebaixe meu orgulho por qualquer meio
que for do seu agrado. Sou pronta para tudo perder e tudo deixar, preferindo a
humildade a todas as consolações e bens. O exemplo do meu Salvador é muito
poderoso, ele que deixou o seio do seu Pai para viver aqui, na pobreza e
aniquilamento.
Mas voltemos ao catecismo. Acontece que, depois dele, estas jovens vêm orar a
Deus comigo quando apresento o assunto da oração; principalmente uma, que é
religiosa. Achei-a bastante sensibilizada. Posso dizer que a conquistei. Uma piedosa
senhora veio ver-me e disse-me que se eu ficasse aqui um ano, converteria toda a
cidade. Confesso-vos que me fez rir muito. Duas coisas lhes agradam aqui: que não
atuo como uma reformada intransigente, que rio a bom rir e vou a minha paróquia.
Ultimamente, pressionam-me fortemente para eu me deixar pintar. Há aqui um
senhor que o faz com perfeição. Ele que pintou o falecido senhor 1212, e é o costume. Até
a menor burguesinha o faz. Depois da morte, colocam o retrato na igreja, junto ao
túmulo. Eu porém recusei. Mas me arrependi, pois me pareceu que era por falsa
humildade de não querer mostrar-me como alguém tão fútil a ponto de se deixar pintar,
e que teria havido mais virtude em fazê-lo por condescendência.
Ultimamente, brinquei uma hora de triquetraque e me decidi a lhes obedecer no
que não fosse pecado, isto é, até que obtenha uma resposta, pois que farei tudo que
quiserdes.
Sabeis que sou, no amor de Nosso Senhor e de sua Santa Mãe, meu Reverendo
Pai, vossa muito humilde e obediente serva.

1212
Nome dado, antes da Revolução, ao mais velho dos irmãos do Rei.
163

Angers, 16 de abril de 1633.

Destinatário: Ao senhor Padre Vicente de Paulo, superior dos Padres da Missão,


em São Lázaro.

136. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Abril de 16331].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Não vos escrevo de próprio punho, porque tirei sangue por causa de minha
febrezinha. Esqueci-me de vos enviar logo o médico Dr. Figeard. Suplico-vos perdoar-
me como também por não vos ter enviado a relação dos exercícios espirituais. Aceitai
que vos diga que não devíeis enviar vossas moças ao lugar que me dizeis, sem saber do
médico se há perigo2. Espero, contudo, da bondade de Deus que não permita vos
aconteça algum mal, pois sabeis da proteção especial que exerce sobre as pessoas da
Caridade.
Recebi uma carta de Madame Goussault sobre as bênçãos de Deus sobre sua
viagem3. Quando receber outras notícias a respeito, eu vo-las comunicarei.
Vossa carta de ontem se perdeu e não me recordo do que continha, a não ser sobre
o jovem4 do qual me faláveis. Dir-vos-ei a respeito que não penso deva ele deixar a
batina, na incerteza da escolha da condição em que está. Meu parecer é de que é preciso
deixá-lo no estado em que está, até que ele se tenha firmemente decidido. E que sua
bondosa mãe não o ajude demais a se resolver. Possivelmente o estado eclesiástico é o
melhor para ele. Se ele se inclina para ele, penso que é preciso apoiá-lo.
Quanto a essa moça que faz o retiro 5, já que ela deverá fazer a confissão geral,
podereis vos servir de Busée6, em francês, e lhe expor, depois da confissão geral, no
primeiro dia, a primeira oração, sobre a Encarnação; a segunda, sobre o Natal, que ela
repetira na terceira oração; a quarta, sobre os pastores. No segundo dia, a primeira
oração será sobre a Circuncisão; a segunda, sobre os Magos; a terceira, sobre a
Purificação e a quarta, sobre a vida de Nosso Senhor dos 12 aos trinta anos. No terceiro
dia (a primeira oração), a vocação dos Apóstolos; a segunda, a primeira pregação de
1
Carta 136. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Ver nota 3.
22
Perigo de contágio.
33
Provavelmente a carta 135.
44
Trata-se evidentemente de Michel Le Gras, que o Santo não nomeia por delicadeza.
55
Sem dúvida, é uma das moças que se aplicavam ao serviço dos pobres, sob a orientação de Luísa de Marillac, ou
que propunham abraçar esse estado.
66
O Padre Jean Busée, da Companhia de Jesus, é o autor de uma obra de meditações, muito apreciada, publicada em
Douai, em 1624, sob este título Enchiridion piarum meditationum in omnes dominicas, sanctorum festa, Christi
passionem et caetera, (Compêndio de piedosas meditações para todos os domingos, as festas dos santos, a paixão de
Cristo e mais), traduzido para o francês pelos padres jesuítas e, em 1644, pelo Padre Antônio Portail, que acrescentou
várias meditações.
164

Nosso Senhor; a terceira e a 4ª, sobre as Bem-aventuranças. No quarto dia (A primeira


meditação será sobre o juízo, na qual acentuareis a felicidade dos que se compadeceram
dos pobres, e esta meditação será feita duas vezes; a terceira e a quarta serão sobre
algum mistério da Paixão, e no final pedir-lhe-eis que redija sua regra de vida, isto é,
sua atividade diária. As horas de fazer a oração: a primeira, ao levantar; a segunda, às
dez horas; a terceira, às duas; e a quarta, às cinco horas. Ela pode ler Granada 7 e as vidas
dos santos que se distinguiram pela caridade.
Eis o que vos posso dizer no momento, acrescentando que amanhã de manhã vos
enviarei o Padre Brunet, ou melhor, depois de amanhã. Isso não vos impedirá de seguir
a ordem dessas meditações. Dir-me-eis, entretanto, por favor, o que pensa o médico da
doença do padre vigário. Sou, no amor de Nosso Senhor, vosso muito humilde servo,

Vicente de Paulo.

Se a moça só tem costume de fazer três meditações por dia, não lhe ofereça mais,
por favor. Penso que só poderei enviar-vos o Padre Brunet depois de amanhã, após a
janta.

Destinatário: À senhora Le Gras, em Paris.

137. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


A queda do cavalo por cima e debaixo de mim foi das mais perigosas e a proteção
de Nosso Senhor das mais particulares. A bondade de Deus fez com que me tratasse
assim, e o mau uso de minha vida fez com que ele me apontasse seus chicotes. Suplico-
vos ajudar-me a obter a graça de me corrigir para o futuro, e de começar uma nova vida.
Do acidente, só me restou uma pequena distenção dos nervos de um pé, que no presente
me causa um pouco de dor.
Devo receber sangria amanhã, e depois de amanhã poderei sair de carruagem para
ir a uma légua daqui. Quarta-feira, devo ir a Santa Maria da Cidade. Se puder, darei uma
esticada de lá para ir estar convosco. Dir-vos-ei, entretanto, a respeito das palavras que
dissestes desse médico, que faríeis bem, se expressastes algo que possa ter consequência
na diminuição de sua reputação, em realçar o bem que sabeis dele, para com a mesma
pessoa e duas ou três outras.

77
O Padre Luís Granada pertencia à Ordem de São Domingos. Ficou célebre por sua santidade, seus sermões e
escritos. Devemos a ele obras muito apreciadas, cheias de eloquência e piedade: O guia dos pecadores, O memorial
da vida cristã, um Catecismo, Meditações, a Vida de Dom Bartolomeu dos Mártires. Seus sermões foram publicados.
Gregório XIII dizia que Luís Granada, com seus escritos, operara mais milagres do que se tivesse ressuscitado mortos
e dado a vista aos cegos. Este piedoso religioso era, com Tomás de Kempis e São Francisco de Sales, um dos autores
favoritos de Luísa de Marillac (Cf. Gobillon, op. cit., p. 13) e de São Vicente.
165

Sou, entrementes, no amor de Nosso Senhor e de sua Santa Mãe, Senhora, vosso
muito humilde e obediente servo,

Vicente de Paulo.

São Lázaro, 01 de maio de [16331].

Envio-vos uma carta de Madame Goussault, a presidente; devolvei-ma amanhã de


manhã, por favor, depois de lê-la.

138. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Maio de 16331].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Não acredito que o senhor Comendador2 tenha feito doação ou testamento em
favor de quem quer que seja. Estarei hoje com o tabelião e vos comunicarei a resolução.
Entretanto, se vos aprouver traçar a minuta de vossa viagem, faríeis bem. Com efeito,
numa eventualidade, se for necessário, poderíeis estar aqui de um dia para o outro.
Preparai-vos, pois, por favor, para depois de amanhã. Gostaria muito que fôsseis de
carruagem, por causa do grande calor.
E no que concerne à questão do vosso emprego 3, não tenho ainda o coração
bastante esclarecido diante de Deus, sobre a dificuldade que me impede ver se é da
vontade de sua divina Majestade. Suplico-vos, Senhora, recomendar-lhe este negócio
durante esses dias nos quais comunica as graças do Espírito Santo, ou antes, o próprio
Espírito Santo. Insistimos, pois, nas orações, e permanecei na alegria.
O que receais sobre vossas pernas não é de se temer; é minha perfeita esperança.
Sou v. s.

V. D.

1
Carta 137. ─ C. aut. ─ Original em Xangai, na casa dos padres da Missão.
1
O texto traz 1623, data evidentemente equivocada, já que o Santo só tomou posse da Casa de São Lázaro em 1632.
A carta foi escrita num domingo e durante uma ausência de Madame Goussault, circunstâncias compatíveis com o dia
01 de maio de 1633.
1
Carta 138. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Esta carta foi escrita, ao que parece, pouco antes da instituição das Filhas da Caridade (Cf. nota 3) e nas
proximidades, ou depois, da festa de Pentecostes que, em 1633, caiu em 15 de maio.
22
Embora as palavras o senhor Comendador designem em quase todos os outros lugares, nos escritos de São Vicente,
o Comendador de Sillery, falecido a 26 de setembro de 1640, trata-se aqui de outro comendador. O Comendador de
Sillery fez de fato numerosas liberalidades por testamento, e São Vicente não as ignorava.
33
Abelly cita esta frase (op. cit., t. I, cap. XXIV, p. 133), referindo-a à instituição das Filhas da Caridade, e é este,
efetivamente, o sentido mais natural (São Vicente fala de “emploi” – emprego, ofício, aplicação. Aqui se trata
certamente de sua futura missão ou vocação – N. do T.).
166

Destinatário: À senhora Le Gras.

139. ─ A MICHEL DE ALIX, PÁROCO DE SAINT-OUEN-L’AUMONE

Dia de São Barnabé1, 1633.

Senhor Padre,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Afinal, a vossa pequena assembleia dos senhores párocos se poderá reunir
segunda-feira, duas horas depois da janta, aqui 2. Aceitareis de coração estar presente,
senhor Padre? Dei muita esperança à Companhia. Aguardando, pois, a felicidade de
estar convosco nesse dia, antes da janta, e ainda que recomendeis esse assunto a Nosso
Senhor, sou, no seu amor, senhor Padre, vosso muito humilde e obediente servo,

Vicente de Paulo.

140. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Entre 1633 e 16361].

Senhora,

Não vos obedeci ontem à tarde, nem mesmo no resto do dia, com relação ao
remédio. Não foi, com certeza, por falta de respeito, nem de condescendência com
vossos caridosos avisos, mas por um empecilho particular. Quero prometer-me que me
perdoareis, como também por não ter a satisfação de estar convosco, antes do meu
retorno a São Lázaro, por causa de uma assembleia de párocos, que temos hoje aqui.
Ficai certa, Senhora, de que cuidarei de usar os remédios que me aconselhais, em São
Lázaro, e que voltarei aqui2, se Deus quiser, depois, e então vos daremos orientação 3
mais detalhada do que pudemos fazer desta vez.

1
Carta 139. ─ Reg. 1, fº 9. O copista nota que a escrita do original era do próprio São Vicente.
1
11 de junho.
22
Tratava-se de organizar as conferências eclesiásticas, que se tornaram, em pouco tempo, tão célebres, e atraíram a
São Lázaro os padres mais eminentes em santidade e doutrina. Abelly relatou (op. cit., t. II, cap. III, sec. I, p. 246 e
seg.) o que foi a assembleia em questão.
1
Carta 140. ─ C. aut. ─ O original está exposto numa das salas da Sociedade de São Vicente de Paulo, em Paris, rua
de Furstenberg, nº 6.
1
Esta carta foi escrita depois da instituição das Conferências das Terças-feiras e antes da mudança para La Chapelle
da Casa-Mãe das Filhas da Caridade.
22
No Colégio dos Bons-Enfants.
33
São Vicente emprega por vezes o termo gouverner (que traduzimos por orientar – N. do T.) para falar de direção
espiritual.
167

Entretanto, cuidai, por favor, de vos preservar, nessa vossa constipação e de não
exagerar no trabalho, de outra vez. Digo-vos de novo adeus com essa confiança, e sou,
no amor de Nosso Senhor, vosso muito humilde servo,

Vicente de Paulo.

141. ─ A UM ECLESIÁSTICO

[09 de julho de 16331].

Deus seja bendito, senhor Padre, por todas as graças e bênçãos que derrama sobre
vossa missão! Não vos parece que tantos operários ociosos ficariam muito bem
empregados na grande messe em que agora trabalhais e que os que conhecem a
necessidade que o Senhor da messe tem de operários serão culpados do sangue do seu
Filho, que deixam inútil, por falta de aplicação ao trabalho? Oh! como o pensamento
que tivestes a bondade de me comunicar esses dias passados foi bem acolhido pelos
senhores eclesiásticos, por todos com quem falamos em comum e com quem falamos
em particular! Estivemos com eles, há quinze dias2, em reunião, e decidiram o que
propusestes, numa concordância de espírito que parecia toda de Deus. Comecei minha
fala com as palavras que me dissestes, sem vos nomear, a não ser quando foi preciso
acrescentar-vos ao número deles e conservar vosso lugar entre eles. Eles devem reunir-
se hoje3, de novo, aqui. Ó, senhor Padre, como temos motivo de esperar muito dessa
associação! Sois o promotor dela e tendes interesse em que tenha êxito para a glória de
Deus. Rezai-lhe para esse fim, por favor, senhor Padre, e por mim, em especial.

142. ─ A FRANCISCO DU COUDRAY, EM ROMA1

[Julho de 16332].

Precisais saber o que penso não vos ter ainda escrito, isto é, que aprouve à
bondade de Deus conceder uma bênção toda especial e inimaginável aos exercícios
espirituais de nossos ordinandos. Ela é tão extraordinária que todos que por eles

1
Carta 141. ─ Abelly, op. cit., t. II, cap. III, sec. I, p. 248.
1
A carta foi escrita no dia da segunda assembleia dos párocos, que Abelly situa no dia acima.
22
A 11 de junho.
33
Abelly escreve: “Esses senhores eclesiásticos, tendo-se reunido de novo, no dia nove do mês de julho seguinte,
aprovaram a ordem que deveriam observar em suas conferências. Escolheram alguns oficiais para manter essa ordem
e determinaram a terça-feira de cada semana... O Padre Vicente lhes deu, como assunto da primeira conferência, que
se realizou no dia 16 do mesmo mês, o do espírito eclesiástico”. Mais de duzentos e cinquenta eclesiásticos
frequentaram as conferências das terças-feiras, durante a vida de São Vicente, e entre eles vinte e dois foram
nomeados bispos, entre outros, Bossuet.
1
Carta 142. ─ Abelly, op. cit., t. II, cap. II, sec. V, começo, p. 233.
1
Abelly se contenta em dizer que a carta foi dirigida a um padre da Missão em Roma. Esse padre da Missão não pode
ser outro a não ser o Padre Coudray.
22
Esta carta foi escrita pouco depois do dia 16 de julho, data da primeira conferência eclesiástica.
168

passaram levam uma vida tal como deve ser a dos bons e perfeitos eclesiásticos. Entre
eles, há muitos notáveis pelo seu nascimento e outras qualidades que Deus lhes
concedeu, os quais vivem em suas casas, e são tanto e até mais interiores do que muitos
dentre os nossos, do que eu, sobretudo. Têm seu tempo bem organizado, fazem oração
mental, celebram a santa missa, fazem os exames de consciência todos os dias, como
nós. Aplicam-se às visitas aos hospitais e às prisões, onde dão catecismo, pregam,
confessam, assim como nos colégios, com bênçãos muito especiais de Deus.
Entre muitos outros, há doze ou quinze, em Paris, vivendo desta maneira e que são
pessoas de condição; isto começa a ser conhecido pelo público 3. Nesses dias passados,
um dentre eles, comentando a maneira de viver dos que tinham passado com ele pelos
exercícios dos ordinandos, propôs a ideia que tivera de se reunirem, à maneira de
assembleia ou de associação; e isto foi levado a efeito, com particular contentamento de
todos os outros. O fim dessa assembleia é de se aplicarem todos à própria perfeição, se
empenharem pessoalmente para que Deus não seja ofendido, que seja conhecido e
servido em suas famílias, e procurarem sua glória nas pessoas eclesiásticas e entre os
pobres. Tudo sob a direção de uma pessoa daqui, onde deverão reunir-se de oito em oito
dias. E, como Deus abençoou os retiros que vários párocos dessa diocese fizeram aqui,
esses Senhores quiseram fazer o mesmo, e de fato já começaram. Assim, há motivo para
se esperarem grandes bens de tudo isto, se aprouver a Nosso Senhor abençoar a sua
obra, que recomendo particularmente a vossas orações.

143. ─ A ISABEL DU FAY

[Entre 1626 e 16351].

... a dureza do seu coração. Ó Senhora, como este gênero de pecado escraviza
tiranicamente os corações e como são felizes os que dele se libertam! No fundo, fizestes
nisso o que estava ao vosso alcance. Diante de Deus, tereis a recompensa como se
fôsseis absolutamente a causa da salvação daquelas almas. Com efeito, Deus não olha a
realização do bem que fazemos, mas a caridade com que a ele nos entregamos. Praza à
sua divina bondade perdoar-me a minha falta de caridade, a mim que sou, no seu amor,
vosso muito humilde e obediente servo,

Vicente de Paulo.

144. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Entre 1632 e 16391].

33
Acabavam de pregar uma missão aos operários que construíam a igreja da Visitação (Abelly, op. cit., t. II, cap. III,
sec. I, p. 247).
1
Carta 143. ─ Reg. 1, fº 4, vº. O começo da carta se perdeu. O copista observa que a escrita do original era a do
próprio São Vicente.
1
Mesma observação da carta 99, nota 1.
1
Carta 144. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
169

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Como estais passando, Senhora? Estaríeis de partida para a viagem a Pontoise? Se
assim for, deveis estar preparada para as duas horas de hoje, domingo, e podereis fazer
vossa confissão amanhã de manhã.
Bom dia, Senhora. Escrevei, por favor, a Madame Goussault o que tiverdes
decidido. Desejo-vos de novo bom dia e sou, no amor de Nosso Senhor, vosso servo,

V. D.

Destinatário: À senhora Le Gras.

145. ─ A UM PADRE DA MISSÃO

1633.

Ó senhor Padre, como somos felizes por honrarmos a parentela pobre de Nosso
Senhor com a nossa pobre e humilde! Dizia com satisfação, dias passados, pregando
para uma comunidade, que sou filho de um pobre lavrador e, em uma outra
comunidade, que fui guarda de porcos. Poderíeis crer, senhor Padre, que temo ter
sentido nisso vã satisfação por causa da dificuldade que a natureza padece com isso? É
verdade que o diabo é muito esperto e astuto, mas quem se sente honrado com a pobre
condição do Menino de Belém e da dos seus santos pais, o é ainda mais do que ele.

146. ─ A ALAIN DE SOLMINIHAC1

Senhor Padre,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


1
Datas dos primeiros contatos de São Vicente com Madame Goussault e da morte dela.
Carta 145. ─ Abelly, op. cit., t. III, cap. XIX, p. 289.
1
Carta 146. ─ C. aut. ─ Arquivo do Cabido de Cahors, maço I, nº 25, original.
1
Alain de Solminihac, nascido no castelo de Belet, em Périgard, a 25 de novembro de 1593, tinha apenas vinte e dois
anos quando um de seus tios resignou em seu favor a abadia de Chancelade (Dordogne), que dependia da Ordem dos
cônegos regulares de Santo Agostinho. Ele substituiu os velhos edifícios por novas construções e fez reviver a
disciplina. A 21 de janeiro de 1630, o Cardeal de la Rochefoucauld conferiu-lhe plenos poderes para visitar as casas
que os cônegos de Santo Agostinho possuíam nas dioceses de Perigueux, Limoges, Saintes, Angoulême e Maillezais.
Alain de Solminihac foi solicitado em diversos lugares para estabelecer a reforma. Nomeado para o bispado de
Cahors, a 17 de junho de 1636, ele se consagrou de corpo e alma à Igreja de que era o pastor. Buscou para o seu povo
o benefício das missões, visitou regularmente as paróquias de sua diocese, fundou um seminário para a formação do
seu clero, confiando-lhe a direção aos filhos de São Vicente. Por ocasião da sua morte, ocorrida a 21 de dezembro de
1659, a diocese de Cahors estava inteiramente renovada. Tendo Deus manifestado a santidade de Alain por vários
milagres, sua causa foi introduzida em Roma, a pedido do próprio clero da França ( A vida de Dom Alain de
Solminihac, pelo R. Padre Leonardo Chastenet, nova edição, Saint-Brieuc, 1817, in-12; História de Alain de
Solminihac, por Abel de Valon, Cahors, in-12, 1900).
170

Não duvidei de modo algum de vossa caridade para conosco, senhor Padre. Com
certeza, porém, eu me lamento, porque esta virtude toda divina resplandece com outro
brilho no uso que dela fazeis, ao contrário do que acontece comigo. A maneira como
acolhestes estes jovens eclesiásticos2 e o tratamento que lhes dispensastes me
transmitem o esplendor da bondade de Deus, pela vossa bondade, e me alertam sobre o
meu modo grosseiro e sem vida na acolhida e tratamento dado aos servidores de Deus!
Oh! com certeza, desejo muito corrigir-me, se for do agrado de Nosso Senhor conceder-
me esta graça, pelas preces que vos suplico fazer por mim para esse fim. Eles me
comunicam ademais não só a refeição corporal, mas também a espiritual que lhes
provestes. E o fazem com grandes sentimentos de apreço que transmitem para mim, de
tal sorte que me proponho fazer disso o assunto de um bom colóquio com a nossa
Companhia. Que bom, senhor Padre! Continuai, por obséquio, em nome de Nosso
Senhor, a dispensar-lhes vossos favores.
O Padre Lambert3 é, em suma, ótima pessoa. O outro4, não é mau, graças a Deus,
mas tem alguma pequena resistência, para não dizer aversão, às práticas religiosas, e
pouca submissão e humildade nas coisas que chocam aos seus sentimentos. Ele adquiriu
no seminário de Rouen5 certa espécie de espírito dissimulado e de oposição à direção
individual. Quando se encontra numa conversa onde se trata de tais assuntos ele não
consegue deixar de transparecer sempre alguma coisa a respeito, em seu discurso, o que
chegou a prejudicar as duas pessoas aqui. Mas, apesar disso, sempre obedeceu
perfeitamente a todos que lhe dei como superiores no campo, assim como também a
mim, sem ato algum de desobediência.
Julguei, senhor Padre, que devia dizer-vos isto, pois espero que a presente carta
vos será entregue, penso eu, durante o tempo em que o empregareis nos exercícios
espirituais.

22
Lambert aux Couteaux e Roberto de Sergis. Por ato de 20 de janeiro de 1632, São Vicente se empenhara em deixar,
em caráter perpétuo, na juridição dos Parlamentos de Tolosa, Bordéus e da Provença, para ali pregar missões, dois
missionários e um serviçal. Recebia, em troca, de Nicolau Vivien, conselheiro do Rei, a soma de 10.000 libras, das
quais precisava para cobrir os gastos gerados pelo remanejo do priorado de São Lázaro (Arq. Nac. MM 538, fº 292
vº).
33
Lambert aux Couteaux, nascido em Fossemanat (Somme) em 1606, pertencia à Congregação da Missão desde o
mês de agosto de 1629. Pregava nesse tempo no sul da França, com Roberto de Sergis, e aproveitava alguns dias de
folga para se recolher junto ao abade de Chancelade, para onde São Vicente lhe dissera que fosse. Fundou a casa de
Toul em 1635 e nela permaneceu como superior até 1637. Em janeiro de 1638, dava início ao estabelecimento de
Richelieu (Indre-et-Loire), onde cumpriu as funções de pároco e de superior, durante quatro anos. A Assembleia
Geral de 1642 o nomeou assistente do Superior Geral. Encontramo-lo de novo em Richelieu em 1645, 1650 e 1651.
Foi por pouco tempo superior dos Bons-Enfants (1646-1649) e, depois, de São Carlos (1650). O Santo tinha tal
confiança nele que o encarregou de fazer a visita na casa de São Lázaro. Enviou-o para o mesmo serviço aos
missionários de La Rose e de Toul, assim como às Irmãs de Angers e de Nantes. Pressionado pela Propaganda, em
1647, para designar alguém para a coadjutoria da Babilônia, não encontrou ninguém mais digno do que Lambert aux
Couteaux. Na resposta a Monsenhor Ingoli, exprimiu-se nos seguintes termos: “Confesso-vos, Monsenhor, que a
privação dessa pessoa equivale a arrancar-me um olho e a cortar-me um dos braços”. O projeto não chegou a termo.
Foi ainda sobre ele que o Santo lançou os olhos para estabelecer a Congregação na Polônia, para onde a Rainha
chamava os missionários. Lambert aux Couteaux foi para lá em 1651. Tudo estava para ser criado nesse país
atormentado pela guerra e devastado pela peste. Seus trabalhos foram por Deus abençoados, mas de curta duração.
Morreu a 31 de janeiro de 1653, vítima do seu devotamento aos pestilentos (Notícias, t. II, pp. 1-28).
44
Só pode ser Roberto de Sergis, pois, à exceção de Jacques Mouton, recentemente recebido em São Lázaro e talvez
ainda simples clérigo, era ele o único membro da Congregação da Missão originário da diocese de Rouen.
55
Sobre o seminário de Rouen, ver nas Memórias da Sociedade dos antiquários da Normandia, t. XXVI, Paris, 1867,
p. 404 e seg., o estudo de Ch. R. Beaurepaire intitulado Pesquisas sobre os estabelecimentos de instrução pública na
antiga diocese de Rouen.
171

Falemos agora da questão de Pébrac6.


Fui encontrar-me com o senhor Arcebispo de Arles 7, expressamente para isso, e
lhe entreguei a carta que lhe tínheis escrito, assim como entreguei ao senhor Padre
Fontaine a dele. Em seguida, conversamos sobre o caso Pébrac. Envio-vos o parecer do
referido senhor Arcebispo.
Ele é de opinião que deveis primeiramente atender ao senhor Arcebispo de
Bordéus8 e depois ao senhor Padre Olier9. Mas se o senhor Arcebispo ainda não
resolveu a questão de Sablonceaux1010, nem está a ponto de fazê-lo presentemente, ele
pensa que faríeis bem em vos ocupar com a de Pébrac. Resta então saber da intenção do
senhor Arcebispo de Bordéus. Se não visa a nenhuma execução no momento, será
preciso tratar com o bondoso senhor Padre Olier. Há dezoito religiosos nessa abadia.
Ele oferece agora mil francos, dos quais se desincumbirá proporcionalmente ao
falecimento dos religiosos. Caberá a vós, senhor Padre, comunicar-nos o que tiverdes
resolvido com o senhor Arcebispo de Bordéus que está se dirigindo para vossa região e
informar vossa vontade.
Quanto ao senhor Cardeal de la Rochefoucauld 1111, o senhor Arcebispo de Arles
julgou não ser ainda conveniente falar-lhe disso1212.

66
Jean-Jacques Olier, abade comendatário dos cônegos regulares de Pébrac, na diocese de Saint-Flour, rogara ao
abade de Chancelade, com a intermediação de São Vicente, aceitasse estabelecer a reforma nessa abadia. Alain teria
aceito de boa vontade, mas uma carta ao Arcebispo de Bordéus lhe solicitava o mesmo serviço em favor da abadia de
Sablonceaux (Charente-Inférieure). Impunha-se a escolha. Alain, não sabendo para que lado pender, pedira conselho
a São Vicente, rogando-lhe recorrer ao Arcebispo de Arles, Jean Jaubert de Barrault, prelado esclarecido, no qual
tinha grande confiança. É a esta carta que o Santo responde.
77
Jean Jaubert de Barrault (1630-1643).
88
Henri d’Escoubleau de Sourdis, Arcebispo de Bordéus (1629-1645).
99
Jean-Jacques Olier, o célebre fundador do Seminário São Sulpício, que São Vicente chama de “um homem
entregue à graça de Deus e totalmente apostólico”, foi um dos principais restauradores da disciplina eclesiástica no
século XVII. Nascera em Paris, a 20 de setembro de 1608. Depois de algumas hesitações, que São Vicente acabou
dissipando, ingressou nas ordens sacras e recebeu o sacerdócio a 21 de maio de 1633. Os inícios de carreira
sacerdotal de Jean-Jacques Olier foram consagrados à obra das missões. Tomou parte nos trabalhos dos padres de São
Lázaro, que ele edificou por seu zelo e humildade. Por motivos ainda inexplicados, talvez, como se disse, por causa
da divergência de pontos de vista sobre a questão de saber se ele devia aceitar o episcopado, Olier passou da direção
de São Vicente, seu confessor, há três anos (1632-1635), para a do Padre Condren. Não foi ruptura, longe disso. “Nos
negócios extraordinários, escrevia ele, em 1649, não deixamos de estar com o Padre Vicente. Para os ordinários,
convocamos a assembleia de todos os nossos irmãos”. Não começou o seminário de Vaugirard e não aceitou a
paróquia de São Sulpício senão depois de pedir o parecer do Santo. “O Padre Vicente é nosso pai”, dizia ele
frequentemente aos eclesiásticos do seu seminário. Jean-Jacques Olier morreu a 02 de abril de 1657, assistido por seu
santo amigo. Este último consolou os padres de São Sulpício em sua aflição, e acredita-se ainda na existência de um
fragmento da alocução que ele pronunciou diante deles, nessa ocasião (Vida do Padre Olier, por Faillon, 4ª ed., Paris,
1873, 3 vol. in-8º, Vida de Jean-Jacques Olier, por Frederico Monier, Paris, 1914, in-8º).
1010
Henri de Sourdis era abade comendatário da abadia situada nessa localidade; Alain de Solminihac enviou para lá
dois religiosos para estabelecer a reforma.
1111
Francisco de la Rochefoucauld nasceu em Paris, a 08 de dezembro de 1558. Tornou-se bispo de Clermont, 06 de
outubro de 1585, cardeal em 1607, bispo de Senlis, em 1611, abade comendatário de Santa Genoveva de Paris, em
1613. Pediu demissão de sua diocese, em 1622, para se consagrar inteiramente à reforma das abadias dependentes das
Ordens de São Bernardo, e obteve, para esse fim, a 08 de abril, do Papa Gregório XV, o título de comissário
apostólico, com poderes especiais. Auxiliado por homens como São Vicente, o Padre Tarrisse e o Padre Charles
Faure, fez reflorescer nos mosteiros a ordem e a disciplina. O Cardeal morreu a 14 de fevereiro de 1645, na presença
de São Vicente, que o preparou para comparecer diante de Deus. Seu corpo foi enterrado em Santa Genoveva e seu
coração doado aos Padres Jesuítas (As virtudes do verdadeiro prelado representadas na vida do Eminentíssimo
Cardeal de la Roche Foucauld, pelo Padre La Morinière, Paris, 1646, in-4º; A Vida de Reverendo Padre Charles
Faure, abade de Santa Genoveva de Paris, por Lallemand e Chatonnet, Paris, 1698, in-4º).
1212
O abade de Chancelade foi obrigado a adiar a reforma da abadia de Pébrac. Olier renovou seu pedido, a 01 de
junho de 1639, agora com mais êxito. Alain de Solminihac veio a Pébrac. Um acordo foi concluído entre ele, Olier e
os religiosos da abadia. Tudo parecia arranjado quando dificuldades imprevistas deitaram ao chão as disposições
tomadas e retornaram a abadia ao estado em que antes se encontrava.
172

Está aqui também o senhor Abade de Foix 1313, que é um excelente jovem e vem
com frequência e confiança estar conosco. Sua abadia pertence a vossa Ordem, cuja
renda dos religiosos, incluindo os ofícios e benefícios dela dependentes, vale dez mil
libras. Ele quer a reforma a qualquer preço e já começou os entendimentos daqui. Mas
como lhe falaram de Chancelade, a vizinhança lhe faz desejar esse serviço. Sabeis que
Foix é perto de Tolosa. E Deus sabe que sois uma das pessoas do mundo na qual Nosso
Senhor mais me fez confiar e que sou, em seu amor e no de sua Santa Mãe, senhor
Padre, vosso humilde e obediente servo,

Vicente de Paulo.

Paris, 23 de agosto de 1633.

Destinatário: Ao senhor Abade de Chancelade.

147. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Cerca de 02 de setembro de 16331].

Senhora,

Maria me respondeu com muita habilidade, ternura e humildade que está pronta
para fazer o que quiserdes e do modo como quiserdes. Diz apenas que está triste por não
ter bastante discernimento, força e humildade para esse serviço, mas que lhe direis o que
ela precisa fazer e que seguirá inteiramente vossas intenções. Oh! como me parece uma
boa jovem! Com certeza, Senhora, penso que Nosso Senhor vo-la deu ele próprio, para
servir-se dela por vosso intermédio.
Que vos direi do resto de vossa carta, a não ser que louvo a Deus por vos ter
consolado no dia de São Lázaro2, nos Bons-Enfants, e que, ao que me parece, ele vos
pede honrar sua santa Providência em vossa conduta, sem vos atormentar, nem vos

1313
Francisco Estêvão de Caulet, nascido em Tolosa, a 19 de maio de 1610, foi provido em 1627 da abadia Saint-
Volusien de Foix. Ele se ligou a Jean-Jacques Olier, o acompanhou em suas missões na Auvérnia, na diocese de
Chartres e em outros pontos do reino, o auxiliou no seu ministério paroquial e fundou, com ele e o Padre Ferrier, o
Seminário de Vaugirard. São Vicente, que conhecia o abade de Saint-Volusien, julgou que ele ficaria bem à frente de
uma diocese. Graças a ele, Francisco de Caulet foi sagrado bispo de Pamiers a 05 de março de 1645. Ele depôs, em
1638, contra o abade de Saint-Cyran. Como bispo, continuou por muito tempo a combater o jansenismo, proibiu em
sua diocese a leitura dos livros do partido e se esforçou para reconduzir ao caminho da verdade os que dele se tinham
afastado. A convivência com Nicolau Pavillon, Bispo de Alet, acabou por conquistá-lo para outras ideias. O Bispo de
Pamiers morreu a 07 de agosto de 1680, sem ter feito o ato de submissão à Igreja ( Vidas dos quatro bispos
comprometidos com a causa de Port-Royal, por Jerônimo Besoigne, Colônia, 1756, 2 vol. in-12; Um prelado
jansenista, por G. Doublet, Paris, 1895, in-8º). O Padre Gazier, cuja competência é notória em tudo que diz respeito
ao jansenismo, possui em sua biblioteca, tão rica em livros e manuscritos raros, uma História resumida da vida de
Dom Francisco de Caulet, bispo de Pamiers, pelo Padre Gabaret, ms.
1
Carta 147. ─ Manuscrito São Paulo, p. 79.
1
A frase final, se não estiver interpolada, nos obriga a situar esta carta antes das cartas 161 e 163, que são dos
primeiros meses do ano 1634. Poderia ser de 1632. Mas cremos, antes, ser de 1633. Seja como for, foi escrita com
certeza muito poucos dias depois de 02 de setembro (ver nota 2).
22
São Lázaro era festejado a 02 de setembro.
173

apressar? Vou procurar saber dos sentimentos que Nosso Senhor vos concedeu sobre
isso. Mas, quanto a Chartres3, não vejo como chegar até lá, porque estamos nos
momentos fortes de nossos importantes negócios.
Quanto ao que me dizeis que precisais de correção para vos prevenir de vossas
recaídas, nós o faremos, com a graça de Deus.
Meus embaraços me fizeram reter Maria até o presente. Enviai-a todos os dias
para visitar as moças do Hospital Geral, se puderdes disponibilizar-lhe este tempo 4. Mas
que ela aja de tal modo que essa jovem senhora não fique aborrecida, por favor.
Madame Forest5 deseja muito ter ligação convosco; é uma senhora de bem e
virtuosa.
Quanto a mim, sou, no amor de Nosso Senhor...

148. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

É preciso entender, Senhora, que é conveniente observar os afetos mais vivos que
vos agitam o coração, a fim de fazer o possível para situá-los ao nível da santa e sempre
adorável vontade de Deus. Procedestes bem, nessa dúvida, procurando esclarecimento
no sentido de fazer o que Nosso Senhor pede de vós, sem o temor de me sobrecarregar
com isso. Sabei, uma vez por todas, Senhora, que uma pessoa designada por Deus, em
seu conselho, para ajudar a outrem, não se sobrecarrega com os esclarecimentos por ela
solicitados, do mesmo modo como um pai não fica sobrecarregado com seu filho.
Quanto a esta bondosa mulher, Madame Sarvoisy, penso que seria prudente
buscar informações junto a esses senhores de lá, antes de qualquer decisão ou medida a
tomar. Mas não chegamos ainda a esse ponto, porque propusemos a Santa Maria
examiná-la para saber se tem vocação para entrar nesta casa santa. Se por acaso for
abordada e aconselhada a desistir, faremos então o que propondes.
Ficai segura, Senhora, do coração daquele que é no de Nosso Senhor e em seu
amor, vosso muito humilde servo, e permiti-me acrescente a isso a recomendação da
santa indiferença, embora a natureza resmungue o contrário, e que vos diga que tudo é
de se temer até que lá cheguemos. Nossas inclinações são tão malignas que em tudo
procuram se buscar. Vamos pois, Nosso Senhor esteja em vosso coração e nosso
coração no dele, a fim de que sejam três em um e um em três e que não queiramos senão
o que ele quiser.

Destinatário: À senhora Le Gras.

33
São Vicente e Luísa de Marillac iam algumas vezes fazer suas devoções a Nossa Senhora de Chartres. Talvez, na
véspera do dia em que deveria nascer a Companhia das Filhas da Caridade, os fundadores quisessem colocar seu
projeto sob a proteção de Maria.
44
Se esta frase pertence realmente à carta, é difícil compreender quem são as “bondosas filhas” de que fala aqui São
Vicente. É pouco provável tenha ele usado essas palavras para designar as religiosas agostinianas.
55
Uma das testemunhas do processo de beatificação de São Vicente, Alexandre Antônio de Francelle, pároco de
Saint-Jean-en-Grève, em Paris, apresentou ao tribunal 27 cartas do Santo a Madame Forest, sua dirigida. Todas essas
cartas se perderam.
Carta 148. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
174

149. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Entre 1632 e 16361].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Acabo de ler agora, apressadamente, vossa carta. Ela me coloca um pouco em
aflição, por causa de vossa frebrezinha. Suplico-vos mandar chamar o doutor Le Sourd.
A senhora se empenhou demais em se tornar a purgar. Espero porém que não seja nada.
Dir-vos-ei, entretanto, que a intenção de Madame Goussault é que esta filha de
Montdidier pertença à Caridade. Considerai-a portanto como tal, por favor.

V. D.

Dez horas.

Destinatário: À senhora Le Gras, rua de Versailles, em frente a Epée- Royale2.

150. ─ A MICHEL ALIX, PÁROCO DE SAINT-OUEN-L’AUMONE

16 de setembro de 1633.

Senhor Padre,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


O bem da paz e o acordo nos processos é coisa tão grande e agradável a Deus que
ele diz a cada um de nós: Inquire pacem et persequere eam (Buscai a paz, procurai-a
com insistência). Não diz apenas que a aceitemos, esta paz divina, quando no-la
oferecem, mas que a busquemos e a persigamos. Ora, louvo a Deus porque quereis fazer
isto, deixando todos os vossos negócios, para ir terminar uma contenda que tendes em
vossa região. Mas penso ser importante para a glória de Deus que adieis vossa viagem
até segunda-feira depois do domingo do mês1. Tendes aqui conosco vossos dois vigários
que estão indo bem, graças a Deus, e muito nos edificam. Os exercícios espirituais que
fazem não lhes eram de certo modo menos necessários do que úteis. Não poderíeis

1
Carta 149. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Data da transferência para La Chapelle da Casa-Mãe das Filhas da Caridade.
22
Esta pequena rua, paralela à rua d’Arras, ligava, como esta, a rua Saint-Victor à rua Traversière ou Traversine. A
casa em frente ao pavilhão Epée-Royale estava no meio da rua de Versailles. Sua localização se encontra atualmente,
pouco mais ou menos, no centro do triângulo formado pelo cruzamento das ruas Monge, d’Arras e des Ecoles. Foi lá
provavelmente que teve início, a 29 de novembro de 1633, a Companhia das Filhas da Caridade.

Carta 150. ─ Reg. I, f. 14. O copista nota que a escrita do original era do próprio São Vicente.
11
Mais abaixo, há referência ao primeiro domingo do mês (N. do T.).
175

chamá-los de volta antes dos oito dias, sem prejudicar a Igreja em geral e a vossa em
particular e a eles próprios.
Além disso, a próxima assembleia dos senhores párocos requer absolutamente
vossa presença, e não poderíeis faltar a ela sem prejudicar o bem geral da Igreja e tantas
Igrejas particulares quantos são os párocos.
Em razão disto, senhor Padre, penso que faríeis bem em escrever ou à pessoa com
quem deveis vos entender ou a alguma outra intemediária no acordo. Dir-lhes-eis que
estais impedido por estas duas razões de partir mais cedo, mas que não deixareis de
fazê-lo, quinta-feira depois do primeiro domingo do mês, indo para o local que for
preciso para proceder ao acordo, no espírito de paz que Nosso Senhor vos deu.
O que vos digo, contudo, senhor Padre, é com toda a submissão e deferência que
vos devo e que desejo prestar-vos toda a minha vida, em Nosso Senhor. Falo-vos ainda
na confiança de que não há ninguém no mundo tão difícil, se tiver disposição para um
acordo, que não aceite vossas razões e não adie até esse tempo, durante o qual, aliás, a
justiça não funciona.
Enfim, senhor Padre, espero que si quaerimus sic primo regnum Dei, omnia
adjicientur nobis in bonum (se buscarmos assim em primeiro lugar o reino de Deus,
tudo mais nos será acrescentado, para o nosso bem).
Sou, em seu amor, senhor Padre, vosso muito humilde e obediente servo,

V. D. P.

151. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Agosto ou setembro1, cerca de 16332].

Madame3,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Acabo de receber vossa carta que me trouxe certa preocupação por causa de vossa
recaída. Temo muito que não vos tenhais exposto cedo demais. Muito bem! Bendito
seja Deus! Suplico-vos, Senhora, em nome de Nosso Senhor, fazer todo o possível para
vos poupar, não mais como pessoa particular, pelo contrário, como alguém cuja saúde
interessa a muitas pessoas.
Estamos no oitavo dia de nosso retiro. Espero poder ir no décimo, se Deus quiser.

1
Carta 151. ─ C. aut. ─ Original com os padres da Missão de São Silvestre, em Roma.
1
Época do ano escolhida habitualmente pelo Santo para fazer seu retiro anual.
22
Esta carta parece escrita pouco antes da instituição das Filhas da Caridade.
33
Esta palavra é evidentemente fruto de uma distração.
176

Penso que vosso bom anjo fez o que me comunicais pela carta que me escrevestes.
Há quatro ou cinco dias ele se comunicou com o meu no tocante à Caridade de vossas
filhas. Com efeito, ele me sugeriu, na verdade, com frequência, a lembrança delas, e
pensei seriamente nessa boa obra. Falaremos disso, se Deus quiser, sexta ou sábado, se
não o propuserdes mais cedo.
Quanto a essa moça de Beauvais, não a envieis quinta-feira, por favor. Seria ela
indicada para ensinar as mocinhas das aldeias? É disto sobretudo que precisareis. Nosso
Senhor, sobre os passos de cuja Providência caminhais, será quem providenciará isso.
Deixai-lhe este cuidado e ficai em paz.
Estivestes com algum médico? Não gostaríeis vos enviasse o nosso? Disponde.
Sou, no amor de Nosso Senhor, Senhora, vosso muito humilde e obediente servo,

Vicente de Paulo.

Terça-feira, 02 horas.

152. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Setembro ou outubro de 16331].

Senhora,

A graça de Jesus Cristo esteja sempre convosco!


Disseram-me com certeza que nada faríeis no presente por essas bandas de
Villeneuve2, durante esse tempo da vindima. Muito bem! Ireis no tempo devido, por
favor. Se entrementes desejais ir ao bosque de Vincennes, há muita necessidade disso.
Mas como! Essas bondosas mulheres estarão ainda impedidas. Penso ser bom adiar
ainda um pouco.
É preciso na verdade que nos encontremos antes de reter as moças. E isso só será
possível no fim da semana. Entretanto, remetei-as, por favor, para daqui a doze ou
quinze dias. Nesse tempo, mandar-lhes-eis o aviso por um estudante. Será bom,
enquanto isso, comunicar-lhes que é preciso permanecer no espírito de indiferença. Ora
pois! É preciso formá-las no conhecimento das virtudes sólidas, antes de lançá-las no
trabalho.
Tiram-me a pena da mão. Está aqui um bom senhor abade a me solicitar, o que me
faz terminar agradecendo-vos o cuidado que tendes com minha saúde, e vos garanto que
o terei tal como desejais.
Bom dia, Senhora. Sou v. s.

1
Carta 152. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Esta carta é do tempo das vindimas e parece muito próxima do dia (29 de novembro de 1633) em que Luísa de
Marillac reteve consigo em São Nicolau um certo número de jovens, antes de enviá-las ao trabalho, para “formá-las
no conhecimento das sólidas virtudes”.
22
Villeneuve-Saint-Georges.
177

V. D.

Destinatário: À senhora Le Gras.

153. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Cerca de 16331].

Senhora,

Envio-vos a jovem que a Madame presidente Goussault foi de parecer vos


mandasse2. Suplico-vos ter a bondade de encarregar alguém de instruí-la. O Padre
Compaing3 vos poderá fornecer algum eclesiástico para esse fim. Ou então, se for
necessário, o Padre Véron4 fará o obséquio de lhe falar sobre isso. Espero que seja uma
boa moça e que procederá bem.
A Madame presidente vos dá bom dia e eu sou, no amor de Nosso Senhor...

154. ─ AO LUGAR-TENENTE DE GANNES1

19 de dezembro de 1633.

Senhor,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Chegou o tempo em que somos obrigados a ir trabalhar em vossas terras da
Picardia2. O R. P. de Gondi achou bom que tenhamos adiado até o presente. Eis portanto
seis eclesiásticos de nossa pequena Companhia a caminho para o trabalho. Eu vo-los
recomendo e vos suplico fornecer-lhes dinheiro, se precisarem. Pagar-vos-ei
pontualmente e entregarei o dinheiro a quem indicardes.

1
Carta 153. ─ Manuscrito São Paulo, p. 73.
1
Esta carta parece anterior à instituição das Filhas da Caridade.
22
Para dar aula.
33
Vigário em Saint-Nicolas-du-Chardonnet.
44
Talvez Francisco Véron, controversista de renome, nascido em Paris, cerca de 1575, membro da Companhia de
Jesus de 1595 a 1620, grande adversário dos protestantes e jansenistas, falecido em Charenton, onde era pároco, a 06
de dezembro de 1649 (Cf. Um pároco de Charenton no século XVII, por Pierre Féret, Paris, 1881, in-8º).
1
Carta 154. ─ Reg. 1, fº 1, vº. O copista observa que a escrita do original é a do próprio São Vicente.
1
Foi depois da confissão geral de um camponês de Gannes (Oise) que São Vicente e Madame Gondi tiveram a
primeira ideia de estabelecer a obra das missões.
22
O contrato passado a 17 de abril de 1625 entre São Vicente e os esposos de Gondi estipula que os padres da Missão
“serão obrigados a ir de 5 em 5 anos por todas as terras dos citados senhor e senhora, para nelas pregar, confessar,
catequizar e realizar todas as boas obras” mencionadas no mesmo contrato.
178

Voltei anteontem à tarde de Villepreux, onde fui estar com Madame General3,
uma das mais perfeitas senhoras que vi em sua idade. Espero que seguirá os exemplos
de nossa bondosa Madame falecida.
Certificaram-me de que o senhor Duque de Chaulnes 4 prometeu ao senhor
General5 vigiar para que suas terras fiquem isentas de gendarmes. A sua nova credencial
de Duque de Retz não vai trazer prejuízo nesse sentido.
Estive com Martin em Villepreux. Ele pode certamente dizer-vos toda espécie de
notícias. Ficarei, por isso, por aqui, com as afetuosas e humildes recomendações a
Madame lugar-tenente, ao senhor vosso filho, e a Madame vossa nora, e sou, no amor
de N. S. e de sua Santa Mãe, Senhor, vosso muito humilde e obediente servo,

Vicente de Paulo.

155. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Entre 1632 e 16361].

Senhora,

A Caridade de Jesus Cristo, que vos impele em meu favor, seja vossa saúde!
Acabo de saber que estais um pouco indisposta. Estou um pouco preocupado com
isso, e vos peço fazer o possível para vos curar, para servir ao Senhor.
Agradeço-vos muito humildemente pelos cuidados e pela caridade que exerceis
para comigo: vosso pão tão gostoso, vossos doces, vossas maçãs e pelo que acabo de
saber que me enviastes. Oh! com certeza, Senhora, é demais. Deus sabe com que
coração recebo tudo. Mas também tenho sempre em vista e temo que vos priveis a vós
mesma do necessário, para fazer tal caridade. Em nome de Deus, não o façais mais.
Saí hoje e não me senti mal. Amanhã devo ir a São Lázaro 2. Confesso que
trabalhei bastante aqui nesses dias; mas graças a Deus cheguei ao fim.
Nosso despacho partiu enfim para Roma. Como nos resta trabalhar em algumas
coisas menos urgentes, poderei vir amanhã dormir aqui e permancer por aqui alguns
dias. Teremos então mais tempo de tratar convosco. Tinha-me proposto estar convosco
aqui amanhã, por ocasião da missa, mas vosso resfriado exige permaneçais no quarto.
Peço-vos não sair dele. Ver-nos-emos na volta. Se não estiver convosco amanhã de
manhã em vossa casa, antes de partir, será para praticar a pequena regra dos

33
Catarina de Gondi, Duquesa de Beaupréau e mulher de Pierre de Gondi, que desposara a 03 de agosto de 1633.
44
Honoré d’Albert, senhor de Cadenet, par e marechal de França, vidama de Amiens, feito Duque de Chaulnes por
cartas de janeiro de 1621, governador da Picardia desde 03 de julho de 1633. Tornou-se depois governador da cidade
e da cidadela de Amiens e, em seguida, da província da Auvérnia. Comandou o cerco de Arras em 1640. Faleceu a 30
de outubro de 1649.
55
Pierre de Gondi, filho mais velho do R. P. de Gondi e antigo aluno de São Vicente, sucedera ao pai nos títulos e
dignidades. Era, como ele, General das Galeras e senhor de Gannes.
1
Carta 155. ─ Dossiê da Missão, original.
1
Mesma observação da carta 106, nota 1.
22
São Vicente estava no Colégio dos Bons-Enfants, há alguns dias.
179

missionários com as pessoas da Caridade 3. Se, contudo, o desejardes, é só dizer, se por


acaso estiverdes indisposta.
Não falei com a Madame Chanceler4. Achei melhor fosse a Madame presidente
Goussault ou Madame Poulaillon, com as quais falarei sobre isso. Desejo-vos entretanto
boa noite e sou, no amor de Nosso Senhor, v. s.

V. D.

Destinatário: À senhora Le Gras.

156. ─ A FRANCISCO DU COUDRAY, PADRE DA MISSÃO EM ROMA

17 de janeiro de 1634.

Que vos direi desses eclesiásticos da Provença 1? Vistes, pela carta que me
escreveram, como se ligaram à Congregação do Padre Paulo Motta 2, que eles me dizem
ter o mesmo fim que nós; se por acaso quisermos unir-nos a eles, poderão conversar a
respeito e vir com alguém da citada congregação do R. P. Paulo a esta cidade para
trocarmos ideias juntos. Louvo a Deus por ser do seu agrado suscitar neste século tantas
boas e santas almas para a assistência ao povo pobre, e peço-lhe, com todo o meu
coração, abençoe as intenções desses santos eclesiásticos e os faça alcançar o maior
êxito, em favor de sua glória. Quanto à união, seria de se desejar; mas as uniões
requerem um mesmo fim, os mesmos meios e ainda um mesmo espírito. Embora
tenham os mesmos objetivos, não deixa de haver desunião entre comunidades distintas.
Todas as Ordens da Igreja têm o mesmo fim, a Caridade; mas por não terem os mesmos
meios, nem sempre entram em acordo. Uma Ordem tem o mesmo fim, os mesmos
meios e o mesmo espírito, e nem por isso deixam de aparecer desordens.
Digo isto, senhor Padre, para que vejais quanto importa, se nos unirmos, tenhamos
o mesmo fim, os mesmos meios e o mesmo espírito e que, antes da união, nos
informemos reciprocamente sobre as mesmas pretensões, sobre os meios de chegar até
33
São Vicente traçara para seus missionários uma regra: não estar com as Irmãs e as Damas da Caridade a não ser em
caso de necessidade ou utilidade.
44
Pierre Séguier tornara-se Ministro da Justiça a 28 de fevereiro de 1633. Sua mulher, Madalena Fabri, nascida a 22
de novembro de 1597, faleceu em Paris, a 06 de fevereiro de 1683. Ajudou São Vicente e Luísa de Marillac com seu
crédito e sua fortuna.
1
Carta 156. ─ Reg. 2, pp. 87 e 3.
1
A Congregação dos Padres Missionários do Santíssimo Sacramento, fundada na cidade de Avinhão em 1632 e
aprovada por Inocêncio X, em 1647. Tinha por fim a obra das missões e a direção dos seminários. Seu fundador,
Cristóvão d’Authier de Sisgau, nascera em Marselha, em 1609. Tornou-se bispo de Belém, em 1651, e morreu em
Valência, em 1667 (Vida de Dom Cristóvão d’Authier de Sisgau, bispo de Belém, por Nicolau Borely, Lyon, 1703,
in-12). Veremos mais adiante as novas tentativas de d’Authier de Sisgau para unir sua congregação à de São Vicente
e as diligências desse último no sentido de lhes mudar o nome de Padres Missionários, por causa da confusão que
dele poderia resultar.
22
Paulo Motta, nobre milanês, fundara em Roma, em 1620, a Congregação de São José, que Paulo V aprovou e à
qual concedeu um oratório próximo da igreja colegial de São Lourenço in Damaso. Antes de 1646, os padres a ela
pertencentes não levavam vida comum. Instruíam o povo, atendiam confissões, pregavam a palavra de Deus,
espalhavam a prática dos exercícios espirituais. O Padre Paulo Motta faleceu a 22 de janeiro de 1650. Da
Congregação de São José saíram alguns personagens ilustres; entre outros, o Cardeal Miguel Ângelo Ricci ( História
das Ordens religiosas e militares, pelo R. P. Hélyot, nova ed., Paris, 1792, 8 vol. in-8º, t. VIII, p. 25).
180

lá e sobre se temos um mesmo espírito. Ora, para essa informação, eles têm razão ao
propor estar conosco. Se nos fizerem esta caridade, Deus sabe com que coração os
receberemos, e com que singeleza e simplicidade daremos procedimento ao caso.
Estou respondendo a esse bom eclesiástico. Vereis a resposta. Se ele estiver na
mesma disposição que me comunicou e o Padre Paulo também, entregar-lha-eis. Mas se
apenas ele estiver disposto e o Padre Paulo não partilhar da mesma disposição, vereis se
é conveniente entregar-lha. Se, na verdade, desejam unir-se a nós, tender ao mesmo fim,
adotar nossos meios e enviar alguns para aqui, a fim de assimilar o espírito deste fim,
penso que não há nada a reprovar.
Acabo de me lembrar de uma grande falta, da qual me dei conta tarde demais. É
que, na parte expositiva de nossas bulas 3, fala-se, de maneira injuriosa, ao que me
parece, dos párocos. Como remediar a isto? Suplico-vos informar-vos sobre a questão e
mandar retirar essa parte.

157. ─ A ISABEL DU FAY

[Entre 1626 e 16351].

Senhora,

A graça de N. S. esteja sempre convosco!


Agradeço-vos muito humildemente por todo o conteúdo de vossa carta e fiquei
muito consolado pelo que me comunicais por ela. Conto sobremaneira, com efeito,
encontrar-vos com toda fortaleza e generosidade. Eia pois, Senhora, entremos nessas
disposições e tiremos nossa força de nossa fraqueza, motivo para Nosso Senhor se
tornar ele próprio nossa força.
Louvo a Deus pelo que me dizeis de vosso irmão2, Senhora, e suplico-lhe vá se
firmando cada vez mais na fidelidade que N. S. pede de nós.
Ando passando melhor do que nesses dias anteriores. O médico, que acaba de sair
daqui, me aconselha ir para a missão, no primeiro tempo bom que surgir, e isso a duas
léguas daqui, onde será realizada. Não deixarei entretanto de me lembrar de vós no
Santo Sacrifício que ofertarei a Deus, em vossa intenção, sendo, em seu amor, vosso...

158. ─ A JACQUES PERDU1

33
Bula Salvatoris Nostri – (Acta Apostólica in gratiam Congregationis Missionis – Atas Apostólicas em favor da
Congregação da Missão – Paris, Chamerot, p. 3; Arq. Nac., M 209, nº 6). Embora datada de 12 de janeiro de 1632,
esta bula ainda não fora promulgada no momento em que São Vicente escrevera esta carta. A passagem que chocava
o Santo foi supressa.
1
Carta 157. ─ Reg. 1, fº 68 vº. O copista observa que a escrita do original era do próprio São Vicente.
1
Mesma observação da carta 99, nota 1.
22
O Padre de Vincy.
1
Carta 158. ─ Coleção do processo de beatificação.
1
Padre da Missão, nascido em Grandvilliers (Oise), a 19 de abril de 1607, recebido na Congregação da Missão em
1630, ordenado padre em 1632, colocado em Richelieu em janeiro de 1638, falecido em setembro de 1644.
181

Senhor Padre,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Bendito seja Deus pelas dificuldades que permite estejais encontrando! É bom, em
tais ocasiões, honrar as dificuldades por que passou seu Filho na terra. Ó senhor Padre,
eram elas muito maiores, pois que, por aversão a ele e a sua doutrina, proibiram-lhe a
entrada em muitos lugares. Essa aversão acabou custando-lhe a vida! Acredita-se que
foi a partir daí que ele preparou seus discípulos quando lhes disse que os enviava como
ovelhas para o meio dos lobos, que zombariam deles, que seriam injuriados, lhes
cuspiriam no rosto, que os pais se levantariam contra os filhos, os filhos perseguiriam
seus pais. Finalmente, teria sido nessa ocasião que ele justificou o gesto de sacudir as
vestes quando se encontrassem entre povos que não lhes aceitassem os ensinamentos.
Aproveitemo-nos dessas ocasiões, senhor Padre, e soframos como eles as
contradições que nos sobrevierem no serviço de Deus. Alegremo-nos mesmo quando
nos acontecerem, como se fosse um grande bem, e comecemos, nessa oportunidade, a
fazer delas o uso delas feito pelos apóstolos, a exemplo do seu mestre, Nosso Senhor. Se
o fizermos, oh! ficai certo de que os mesmos meios, pelos quais o diabo quis combater-
vos, servirão para abatê-lo. Alegrareis todo o céu e as boas almas da terra que o virem
ou escutarem. Aquelas mesmas com quem tiverdes de defrontar acabarão por bendizer-
vos e vos reconhecerão como cooperador de sua salvação. Mas (lembrai-vos) de que
hoc genus daemoniorum non ejicitur nisi in oratione et patientia (esta espécie de
demônios só se expulsa com oração e paciência).
A santa modéstia e o recolhimento interior próprios da Companhia serão meios
igualmente para isso, de modo particular a circunspecção nas perguntas que não se
fazem sem dificuldade, durante a confissão.
Pelo amor de Deus, senhor Padre, reflitam bem, em comum, sobre o que
perguntar e como fazê-lo. O Padre Renar tem grande experiência nesse assunto.
Combinai em como vencer a aversão que esse povo tem dos missionários, a fim de vos
abster do que os tiver escandalizado, ou de agir de outro modo, se for o caso. Suplico-
vos, senhor Padre, informar-vos sobre isso e mo comunicar, como também sobre o lugar
de onde vem o boato desse escândalo.
Tendo pesado todas as razões que me trouxestes, julgo bom não fazer daqui para
frente senão um pequeno catecismo, no qual todos os meninos e meninas se
encontrarão, salvo alguma decisão contrária, se a multidão o exigir. Como pois a
saturação da palavra de Deus dat illis nauseam (causa-lhes enjoo), segui o parecer do
Padre Renar, por favor, sobre a interrupção das pregações, nos domingos e festas e, até
mesmo nos outros dias, se ele o julgar conveniente juntamente com o senhor Prior. Foi a
partir do parecer deste último que ele vos disse o que expressou, a respeito das
pregações, como creio e com sabedoria, pois que contraria contrariis curantur (os
contrários se curam pelos contrários). Ó senhor Padre, como é importante concordar de
boa vontade com o parecer de outrem! São Vicente Ferrer aduz esta prática como meio
de perfeição e santidade. Ora, se isto é bom quando se trata de um particular, por que
não quando a respeito de uma Companhia? Não há por que dizer que ela não foi
182

educada para isso: o beneplácito de Deus é que nos acomodemos às disposições dos
personagens, em seus lugares e tempos. Oh! procedamos, portanto, desta maneira e
vereis sempre o que isto vos valerá diante de Deus.
Envio-vos os realejos e vos enviarei para devolvê-los, se o Padre Régnier 2 não
tiver tempo para se dedicar a eles, ou no caso de este padre não ser bastante modesto e
que sejais de opinião que o chame de volta. A esse respeito, peço-vos observá-lo bem,
assim como a Leleu3, e de me informar com exatidão sobre seus maus procedimentos.
Quanto à lenha e outras coisas, temo muito que o senhor Prior vos recuse o
pagamento. Procurai saber, por favor, onde podereis obtê-los e se há possibilidade de
consegui-los em outros lugares, embora custem muito caro.
Louvo a Deus pelo fato de o bom senhor Prior d’Aigue comer com a comunidade,
algumas vezes. Demonstrai-lhe satisfação e agradecei-lhe com afeto e humildade.
Suplico-vos, ademais, recomendar muito à comunidade a santa modéstia, como
sendo talvez um dos meios mais eficazes para conquistar esse povo.
É o que posso dizer-vos no momento, senhor Padre. Acrescento a tudo minhas
muito humildes recomendações ao senhor Prior, ao Padre Renar, ao Padre Flaham.
Peço-vos ainda mande recomendar a Deus um negócio importante e dizer ao Padre
Renar que será talvez conveniente que ele assista quarta-feira próxima, às duas horas, à
assembleia dos senhores párocos, onde se tratará do catecismo. Ele poderá partir no
mesmo dia e estar de volta no dia seguinte, ao meio dia.
Boa tarde, senhor Padre. Sou vosso servo,

Vicente de Paulo.

Fevereiro de 1634.

Destinatário: Ao senhor Padre Perdu, padre da Missão, em Poissy.

159. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Entre janeiro e março de 16341].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!

22
Jacques Régnier, padre da Missão, nascido na diocese de Bolonha, recebido da Congregação da Missão no mês de
agosto de 1627.
33
Este nome não se encontra no catálogo da Missão.
1
Carta 159. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Collet (op. cit., t. I, p. 232) recua a primeira assembleia das damas do Hospital Geral até depois de 27 de julho de
1634. A carta 177 não nos permite reportá-la a tal distância. Os historiadores recentes de Luísa de Marillac,
baseando-se nessa mesma carta 177, colocam a instituição das damas no mês de junho de 1634. Não perceberam que
a carta 163, posterior à presente, é, no mais tardar, do começo de abril.
183

A assembleia se reuniu ontem na casa de Madame Goussault 2. Madames de


Villesabin3, Bailleul4, Dumecq5, Sainctot6 e Poulaillon estavam presentes. A proposta
foi aceita e resolveram fazer uma outra reunião na próxima segunda-feira 7. Entrementes,
ofereciam o negócio a Deus e comungariam na intenção dele. Cada uma tratará de
propor a coisa às outras damas e senhoras do próprio conhecimento. Que vos parece da
senhora Guérin? Madame de Beaufort 8 fará parte. Precisarão de vós e de vossas filhas.
Estimam que serão necessárias quatro. Por isso é preciso pensar como obter algumas
capazes. Pensai na irmã dessa filha que está convosco. Falai disso com Michelle. Não
sei se a viúva des Clayes9 o desejaria e seria apropriada. Mas o que se faria dos seus
filhos? Vou a São Lázaro e volto talvez à tarde para dormir aqui1010.
Madame Goussault me falou ontem da revogação do banimento desta mulher
viúva que lhe enviastes. Disse-lhe que teria dificuldade de consciência em me envolver
nessas coisas, se não conhecesse a pessoa tão bem como vos conheço. Madame Ministra
da Justiça tem muita dificuldade em se imiscuir nisso. Se quiserdes ouvir-me, vos
desincumbireis de tais trabalhos. A justiça não dispôs de tal maneira sem razões sérias.
Eia pois, vedes que vai se alargando o arco de vossos trabalhos. Fortalecei-vos o
quanto vos for possível.
Sou, no amor de Nosso Senhor, v. s.

V. D.

Destinatário: À senhora Le Gras.

160. ─ A LUÍSA DE MARILLAC


22
Em suas visitas aos doentes do Hospital Geral, Madame Goussault notara que havia muito a fazer para o seu alívio.
Falou disso a Vicente de Paulo, que não ousou ocupar-se de uma boa obra da qual outros estavam encarregados. O
Hospital Geral dependia dos cônegos de Notre-Dame e, mais particularmente, de um deles, o mestre, ao qual
confiavam sua administração. As Irmãs Agostinianas prestavam seus cuidados aos doentes. Eram cerca de cem
professoras e cinquenta noviças, se devotando com um desvelo digno de elogios. Compreende-se que, nessas
condições, São Vicente não tinha querido empreender nada. Mas Madame Goussault se manteve firme. Confiou seu
projeto ao Arcebispo de Paris, pensando que ele teria autoridade suficiente sobre o Santo, a fim de levá-lo à decisão
de assumir a direção de uma sociedade de damas que socorressem as necessidades dos doentes do Hospital Geral. O
que previra se realizou. Vicente de Paulo reuniu algumas damas piedosas e caridosas no palácio de Madame
Goussault, rua du Roi-de-Sicile. A carta acima nos diz o que ali se decidiu.
33
Madame de Villesabin, nome de nascimento Isabeau Blondeau,viúva de Jean Phelippeaux de Villesabin ou
Villesavin, secretário das ordens de Maria de Médicis e conde de Bousançais, se fazia notar por sua elegância, sua
polidez e sua caridade. Era cerimoniosa ao excesso. A afetação que trazia em suas maneiras fizera com que a
chamassem de a serva muito humilde do gênero humano. Recebia em seu magnífico palácio da Praça Real o que
Paris tinha de mais distinto. Morreu a 26 de fevereiro de 1687, com a idade de noventa e quatro anos.
44
Elisabeth Maria Mallier, esposa de Nicolau de Bailleul, senhor de Vattetot-sur-Mer e de Soisy-sur-Seine.
55
Este nome volta por vezes nas cartas do Santo a Luísa de Marillac, sobretudo a propósito da obra do Crianças
Expostas.
66
Maria Dalibray, viúva de J. B. Sainctot, tesoureiro de França, mulher muito culta e relacionada com os mais ilustres
personagens das letras e artes. Recebia em sua casa Pascal e em sua família. Voiture lhe dedicara sua tradução de
Roland furieux.
77
Esta segunda assembleia foi mais numerosa que a primeira. Madame Goussault foi eleita presidente. Deram-lhe
como auxiliares uma assistente e uma tesoureira (Abelly, op. cit., t. I, cap. XXIX, p. 133).
88
Talvez Suzana de Fournel, viúva de Gilles de Beaufort, senhor de Mondicourt, Montdiès, Malmaison e outros
lugares, falecido em 1631.
99
Pequena comuna de Seine-et-Oise.
1010
Nos Bons-Enfants.
184

[Entre janeiro e março de 16341].

Senhora,

Agradeço-vos muito humildemente pela caridade que dispensastes a esta viúva 2.


Penso que não solicitarão vossas filhas para o Hospital Geral. Estimam que jovens da
cidade serão mais apropriadas para representar as damas em sua ausência. E penso que
têm razão.
Mas como estais passando? Peço-vos dizer-me alguma palavra. Louvo a Deus
com todo meu coração pelos mais ternos afetos que vos concede no sentido de ser toda
para ele e sou, em seu amor, vosso muito humilde servo,

V. D. P.

Perdoai-me se sou tão breve. Estou com muita pressa.

Destinatário: À senhora Le Gras.

161. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[1634, cerca do mês de março1].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Vieram ontem de Argenteuil2 três moças jovens e corajosas oferecendo-se para a
Caridade. Foram encaminhadas pelo eclesiástico ao qual mandara falar a respeito delas
e que deverá vir estar comigo amanhã, para tratar do caso. Não vo-las enviei, porque era
tarde demais quando chegaram. Mas irão estar convosco sexta-feira, conforme me
disseram.

1
Carta 160. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Nenhuma dúvida de que esta carta segue de perto a carta 159.
22
Talvez a viúva de que fala a carta precedente.
1
Carta 161. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Esta carta parece preceder de pouco a carta 163, de março ou abril de 1634.
22
Hoje centro administrativo de Cantão, em Seine-et-Oise.
185

Não vejo maior incoveniente na ida de Jacqueline3 para as bodas de seu irmão.
Margarida, de Saint Paul4, fará o mesmo. Ela deverá encaminhar-vos também uma
jovem alta e recomendável, pelo que diz. A senhora de la Bistrade 5 e Madame Forest
deverão ir rogar-vos para aliviá-las de Nicole, por causa de suas enfermidades. Dir-vos-
ão que Maria, que sustenta o peso todo, está a não poder mais, se não lhes enviardes
uma substituta de Nicole6. Elas vos suplicarão, portanto, em favor de ambas e a Senhora
de la Bistrade vos prometerá pagar-vos o sustento de Nicole. Disse-lhe que vos
escreveria sobre isso. Vede, portanto, Senhora, se esta pobre filha tão doente e
imprópria para a Caridade poderia ganhar sua vida na costura ou outro ofício, quando
estiver mais restabelecida. E fazei vosso possível, em nome de Deus, para vos curar.
Fico contente por não terdes saído ontem.
Tomai alguma coisa antes, no dia em que sairdes. Nosso Senhor é comunhão
contínua com os que se unem a seu querer e não-querer.
Sou, em seu amor, vosso muito humilde servo,

Vicente de Paulo.

São Lázaro, manhã de segunda-feira.

Destinatário: À senhora Le Gras.

162. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Entre janeiro e março de 16341].

Minha Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Tudo vem a ponto, para quem pode esperar. No comum, isso é verdade, mais
ainda nas coisas de Deus do que nas outras. Não é conveniente seja eu quem vá falar
com o senhor le Maître2, por algum motivo particular, a não ser no caso de um encontro
casual. Se a Madame presidente Goussault o achar oportuno, poderá dizer-lhe uma
palavra, se não vos aprouver falar com ela e caso não veja inconveniente nisso. É

33
Em suas cartas, São Vicente, com maior frequência, só designa as Filhas da Caridade pelo seu primeiro nome. Às
vezes, para evitar toda confusão, acrescenta o nome da localidade ou paróquia onde se encontrarão. Seria difícil hoje,
à distância, dar o correspondente nome de família, seja porque jamais o encontramos na pena do Santo ou de Luísa de
Marillac, seja porque várias irmãs usavam o mesmo primeiro nome.
44
A Caridade da paróquia Saint-Paul, em Paris, remontava ao ano de 1632 ou 1633. Lá, como alhures, Luísa de
Marillac colocara suas filhas a serviço das damas.
55
Talvez a esposa de Jacques de la Bistrade, senhor dos Morets, que foi nomeado referendário, a 01 de agosto de
1647, e morreu, a 20 de dezembro de 1650. Talvez, também, uma parente de Nicolas Pavillon, o futuro Bispo de Alet,
que tinha por mãe Catarina de la Bistrade.
66
Ver carta 163.
1
Carta 162. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Esta carta foi escrita poucos dias depois da instituição das Damas do Hospital Geral.
22
Nome dado ao cônego administrador do Hospital Geral.
186

verdade que é conveniente estar ainda uma vez com as damas 3, tanto para alertá-las
sobre essa questão, quanto para passar para elas como devem ensinar os doentes a
fazerem o exame de consciência e a pensar nos próprios pecados.
Não pude ainda ir a Madeleine. Irei amanhã, se puder; perdoai-me. Quanto a
Nicole, é de se temer que jamais venha a mudar, por causa da sua idade. Por outro lado,
teria dificuldade ainda em dar meu voto para despedi-la. Tentai um pouco com a
privação da comunhão. Talvez essa medida possa ajudá-la. Se não, in nomine Domini.
Depois de ter feito o que vos for possível, se não se corrigir, só resta despedi-la.
Saúdo-vos, entretanto, e peço a Deus vos conserve em perfeita saúde e em seu
amor. Sou, nesse mesmo amor de Nosso Senhor, vosso muito humilde...

Destinatário: À senhora Le Gras.

163. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Março ou abril de 16341].

Não posso deixar de dizer-vos, Senhora, como estou indo a contra gosto a Villers2,
em companhia do senhor Lumague3, pela razão de não ter tido a consolação de estar
convosco, por causa de nossos ordinandos, entre os quais está o Comendador de
Sillery4. Asseguro-vos que, se soubésseis o aborrecimento que experimento por isto,
sentiríeis piedade.
Muito bem! suplico-vos fazer o possível pela vossa saúde. Espero voltar segunda-
feira próxima.
Madame Forest veio aqui agradecer-nos pela filha corpulenta que lhe queríeis
enviar, porque Nicole está melhor. Sendo assim, penso que faríeis bem mandando
Jacqueline ou Jeanne para o Hospital Geral. A que ficar poderá socorrer vossa
Caridade5, com a de Grigny6.
Madame Goussault está de acordo que se pense em vos alojar em torno de Notre-
Dame. Vede isto, por favor, e fazei o possível para ficar bem de saúde.
Bom dia, Senhora. Estou partindo dentro de uma hora e sou v. s.

V. D.

Destinatário: À senhora Le Gras.

33
As damas do Hospital Geral.
1
Carta 163. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Ver nota 5.
22
Villiers-sous-Saint-Leu (Oise).
33
Jean André Lumague, senhor de Villers-sous-Saint-Leu, pai da senhora Pollalion e grande amigo de São Vicente.
44
O Comendador celebrou sua primeira missa na quinta-feira santa, 13 de abril de 1634, alguns dias após sua
ordenação.
55
A Caridade de Saint-Nicolas-du-Chardonnet.
66
Comuna de Seine-et-Oise.
187

164. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Antes de 16401].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Eis-me de volta da missão de Villers 2, desde ontem à tarde, com boa saúde, graças
a Deus. Peço-vos dizer-me o estado da vossa e se concordais que tragam duas moças de
porte, escolhidas pela senhora Poulaillon, para a Caridade e que me parecem muito
recomendáveis. Comuncai-me por este portador vosso sentimento, por favor, pois devo
dar a resposta à senhora Poulaillon. Ela vos saúda e só voltará aqui sábado.
Terei a felicidade de estar convosco, tão logo os vinte e cinco ordinandos mo
permitirem.
Sou, entretanto, Senhora, vosso servo,

V. D.

Manhã de quarta-feira.

Destinatário: À senhora Le Gras.

165. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Entre 1634 e 16361].

Senhora,

Acabo de chegar da cidade, há cerca de um quarto de hora. Ao retornar, encontrei


a carta inclusa. Vereis que assumi o compromisso de estar amanhã, antes das sete horas,
em São Lázaro, o que me privará da consolação de ir amanhã de manhã, como eu me
prometera a mim mesmo. Perdoar-me-eis, por favor. Quinta-feira, se Deus quiser, vou
reparar a falta. Não o posso amanhã por causa da assembleia dos eclesiásticos em São
Lázaro2.

1
Carta 164. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Depois de 1634, São Vicente teria escrito as palavras “manhã de quarta-feira”, no início da carta.
22
Villers-sous- Saint-Leu.
1
Carta 165. ─ Manuscrito São Paulo, p. 73.
1
Esta carta foi escrita depois da instituição das Damas do Hospital Geral e antes da mudança das Filhas da Caridade
para La Chapelle.
22
Para a conferência semanal.
188

Estive esta manhã com Madame Saunier e achei-a plena de entusiasmo e ardor
pela Caridade, e disposta a pertencer a ela. Mas aconteceu uma dificuldade a esse
respeito. Em consequência, julgou-se conveniente adiar a assembleia das damas,
marcada para quinta-feira, para outro dia. Suplico-vos, Senhora, avisá-la e fazer o
possível pela vossa saúde. Para este fim, ser-vos-á de grande valia não vos afligir tanto
por vossas filhas, alimentar-vos bem e não sair para fora tão cedo.
Desejo-vos um bom dia e sou, no amor de Nosso Senhor...

166. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[1633 ou 16341].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Como minha febrezinha ainda continua, resolvi dar prosseguimento ao vosso
conselho, isto é, fazer como outrora, indo respirar o ar dos campos. Vou portanto
procurar visitar algumas Caridades. Caso me sinta bem, vou dar uma ida até Liancourt 2
e Montmorency3, para esboçar o que podereis terminar depois. Entretanto, suplico-vos
procureis fortalecer-vos. Prometo-vos fazer o mesmo de minha parte.
Saúdo-vos e sou, no amor de Nosso Senhor, Senhora, vosso muito humilde
[servo4].

Vicente de Paulo.

Terça-feira, uma hora.

167. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Cerca de 16341].

Senhora,
1
Carta 166. ─ Dossiê da Missão, cópia tirada do original na casa do senhor Corregio, de Sainte-Colombe (Loire).
Este original é da mão do Santo.
1
Esta carta parece preceder de pouco a carta 171, que é de 1634.
22
Localidade do Oise, célebre no século XVII pelo magnífico castelo do Duque de Liancourt. O Duque e a Duquesa
fundaram ali um estabelecimento das Filhas da Caridade e um seminário que Adriano Bourdoise dirigiu em pessoa
durante vários anos.
3,3
Grande comuna de Seine-et-Oise, célebre outrora por seu castelo, seu parque e pelo Eremitério, moradia de Jean-
Jacques Rousseau.
44
Na cópia, consta principal, título ao qual o santo tinha direito, mas que não utilizou em nenhuma de suas cartas.
Não há dúvida de que o copista se equivocou.
1
Carta 167. ─ Original em Madrid, na casa central francesa das Filhas da Caridade.
1
Esta carta parece escrita nos inícios da Companhia das Filhas da Caridade e pouco depois da carta 161.
189

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Estive com a jovem Madeleine. Penso que haverá algo a trabalhar nela. Suas
paixões são um pouco fortes. Mas qual! quando têm força para se vencerem, fazem
maravilhas depois. Recebê-la-eis, portanto, por obséquio; e falarei com a Madame
Ministra da Justiça2.
Quanto à jovem melancólica de Argenteuil, julgo que tendes razão em fazer
dificuldade para recebê-la. Com efeito, o espírito de melancolia é muito estranho.
Parece-me que já tendes bastantes candidatas para durante algum tempo. Aplicai-as com
empenho no exercício da leitura e no trabalho com agulha, a fim de poderem trabalhar
no campo.
Esperar-vos-ei terça-feira. Bom dia, Senhora. Sou vosso muito humilde servo,

Vicente de Paulo.

Mandareis de volta, portanto, a companheira dela, por favor.

168. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[16341].

Recebi ontem vossa carta. Ela me sensibilizou um pouco o coração, vendo por ela
a pequena indisposição que vos obrigou a ficar de cama, de volta a casa. Peço muito a
Deus, Senhora, que vos fortifique, para poder servi-lo, na obra para a qual vos envia.
Envio-vos vosso regulamento de Saint-Nicolas e o de Saint-Sauveur. Servi-vos,
porém, por favor, em Beauvais, do regulamento desse lugar, e procurai colocar ali em
prática, como em outros lugares, as coisas que ainda não estão sendo cumpridas.

169. ─ A LUÍSA DE MARILLAC, EM BEAUVAIS

22
Madame Séguier.
1
Carta 168. ─ Manuscrito São Paulo, p. 35.
1
Se, como parece, Luísa de Marillac recebeu as cartas 168, 169, 170, 171, 172, 173 e 174 no decorrer de uma única e
mesma viagem pela diocese de Beauvais, esta data é a única compatível. A ausência de Luísa aconteceu, com
verossimilhança, entre os meses de abril e julho.
190

[16341].

Senhora,

Insistia em vos dizer, Senhora, que encontraríeis grandes dificuldades na questão


de Beauvais. Bendito seja Deus, por tê-la encaminhado com tanta felicidade! Quando
foi estabelecida a Caridade em Mâcon2, todos zombavam de mim e me apontavam com
o dedo, pelas ruas. Quando começou a funcionar, todos derramavam lágrimas de
alegria. Os almotacéis (espécie de vereadores) da cidade me tributaram tanta honra na
partida que, não podendo suportá-lo, fui constrangido a partir, às escondidas, para evitar
esses aplausos. É uma das Caridades mais bem estabelecidas. Espero que a humilhação
que vos foi preciso sofrer no início se converterá em consolação, e que a obra ficará por
isso mais sólida.
Aprovo o que dizeis a respeito de erigir a confraria e acomodá-la ao estilo das
outras da diocese. Enviei, esta manhã, vossa carta ao senhor Bispo de Beauvais para
esse fim. Estará indo a partir de hoje, e poderá chegar até sábado a Beauvais. Falar-lhe-
eis sobre isso e tomareis precaução em vos poupar, dada a pouca saúde que tendes.
Temo muito que essa fadiga muito intensa venha a vos prostrar.
Saúdo de todo meu coração e sou um muito humilde servidor de Madame
Villegoubelin, vossa bondosa e caridosa hospedeira. Foi desígnio da Providência
conduzi-la para Beauvais, a fim de fazer o bem que aí está fazendo. Oh! como lhe
desejo uma melhor saúde e uma bem longa e feliz vida!
Tende cuidado com vossa saúde, Senhora, digo-vos ainda de novo.

170. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[16341].

Senhora,

Sinto-me pressionado, pela esmola da Madame Ministra da Justiça 2, a fazer o


possível para estabelecer a Caridade em Saint-Laurent 3. Aguardo, porém, vossa chegada
para trabalhar nisso.
1
Carta 169. ─ Manuscrito São Paulo, p. 35.
1
A data de 25 de julho de 1635 que o Manuscrito São Paulo atribui a esta carta tem contra ela a carta 201. Abelly
mantém o ano de 1635 (op. cit., cap. XV, p. 62); Collet compreendeu que ela deve ser de 1634 (1. II, p. 105). Ela se
liga às cartas 168, 170, 171 e seguintes.
22
Era por volta de 1620. O Santo passava por Mâcon. O grande número de pobres o impressionou. Percebeu que a
sua penúria material era pouca coisa em face da carência espiritual. Deteve-se ali: havia muito bem a fazer. Os
homens e mulheres da classe abastada, respondendo ao seu apelo, se associaram em duas confrarias distintas. Aos
primeiros, ele confiou a assistência aos pobres; às segundas, o cuidado dos doentes. O bispo, os cônegos e o lugar-
tenente geral o apoiaram do melhor modo que lhes foi possível. Um regulamento foi redigido e aplicado. O Santo deu
a primeira esmola e se retirou, saudado pelo reconhecimento de todos (Abelly, op. cit., t. I, cap. XV, p. 61 e seg.).
1
Carta 170. ─ Manuscrito São Paulo, p. 35.
1
A Caridade de Saint-Laurent foi fundada em 1634 (ver carta 179).
2,2
Madame Séguier.
33
Nome da paróquia onde estava situada a casa de São Lázaro.
191

Ainda estou com vossa carta para a senhora Guérin e estive com Margarida 4, de
Saint-Paul, que está achando insuportável o peso desta paróquia. O motivo é a sua
extensão e quantidade de doentes, e a ausência das damas.

171. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[16341].

Agradeço-vos pelo informe que tivestes a bondade de me transmitir, sobre a


Caridade de Beauvais. O senhor Bispo de Beauvais 2 deve ir pregar aí a missão, no mês
de outubro. Talvez então se possa dispor de mais gente para nela se engajarem.
O referido senhor Bispo de Beauvais está indo fazer missão em Liancourt. Talvez
chegueis lá antes. Evitai apressar-vos, contudo, para que isso não aconteça. Segui a
ordem da Providência. Oh! como é bom deixar-se conduzir por ela!
Cuidai bem de vossa saúde e nada poupeis para vos alimentar, durante vosso
grande trabalho. Tenho sempre a impressão de que não vos alimentais bem.
Suplico-vos saudar mui afetuosamente, de minha parte, a bondosa senhora du
Coudray e todas as boas irmãs da Caridade de Bulles, sem esquecer a senhora Toinette,
em Clermont, se o tempo vos permitir estar com ela.

172. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[16341].

Estou muito admirado, Senhora, por não terdes recebido duas cartas minhas, das
quais uma eu entreguei ao teologal de Beauvais. A outra, eu lha enviei, para vo-las
entregar em mãos. Ora, ele me escreveu que vos enviara a primeira e, quanto à segunda,
que já tínheis partido para Bulles2. Trataria de fazê-la chegar até vós. Na verdade, não
posso impedir-me de pensar sei lá o quê. Muito bem! Não é nada. Importa aquiescer a
todas as eventualidades da Providência.
Quanto a Gournay3, se a Madame presidente estiver lá 4 – o que não sei e nem
tenho condição de saber – é tarde demais para enviar alguém até lá. Digo pois que, caso
44
Filha da Caridade.
1
Carta 171. ─ Manuscrito São Paulo, p. 36.
1
Ver carta 168, nota 1.
22
Agostinho Potier, Bispo de Beauvais.
1
Carta 172. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Ver carta 168, nota 1.
22
Em Oise.
33
Gournay-sur-Aronde (Oise). Renê de Marillac , primo irmão de Luísa de Marillac, se casara com Maria de Creil,
filha do senhor de Gournay.
44
Provavelmente a presidente da Caridade.
192

lá esteja, precisará pelo menos de dois dias. Concedei-lhe, por favor, quantos dias
julgardes necessários.
O Padre de la Salle esteve com a mulher que Madame de Longueville 5 mandou
confinar em Creil, conforme o desejo de Madame de Liancourt 6. Direis, por obséquio, à
citada dama que ele não foi capaz de obter outra palavra dessa senhora a não ser a de
que ela fará tudo que quiserem, contanto que ela seja deixada em liberdade, e que não
recairá mais no mal. Quanto aos confinados, o referido Padre de la Salle pensa que ela
jamais vai entender isso.
Saúdo muito humildemente a citada dama e sou seu servidor.
Recebi a carta e as chaves que Madame de Longueville me enviou.
Quanto à dificuldade que tivestes, da qual me falais no fim da carta,
conversaremos depois.
Saúdo a senhora Poulaillon.
A presidente Madame Goussault já voltou, há dois dias.
Sou v. s.

V. D.

Destinatário: À senhora Le Gras, em Liancourt.

173. ─ A LUÍSA DE MARILLAC, EM LIANCOURT

[16341].

Bendito seja Deus, Senhora, pelas bênçãos que vos dispensou em Beauvais e em
Bulles, e praza à sua bondade vo-las continuar concedendo onde vos encontrais.
Parece-me boa a proposta do estabelecimento da Caridade, mas temo muito que a
proposta de uma casa seja a sua ruína 2. As irmãs da Caridade se desincumbirão, dentro
de pouco tempo, do cuidado de ir encontrar os doentes em suas próprias casas, e se
contentarão com trazer o rancho para o Hospital Geral. Os enfermeiros dos doentes

55
Luísa de Bourbon, irmã do último conde de Soisson, esposa de Henrique II, duque de Longueville. Faleceu a 09 de
setembro de 1637, deixando uma filha, Maria de Orléans, senhora de Longueville.
66
Jeanne de Schomberg, filha do Marechal Henrique de Schomberg, esposa de Roger de Liancourt du Plessis, tinha
piedade e talentos. Temos dela um opúsculo intitulado Regulamento dado por uma dama de alta qualidade a
Madame*** (a princesa de Marsillac), sua neta, editado pelo Padre Jean Jacques Boileau, Paris, 1698, in-12. O
castelo de Liancourt era famoso pela beleza dos seus jardins e seus admiráveis jatos d’água. Era uma morada
verdadeiramente principesca, conhecida por toda a alta sociedade. Madame de Liancourt recebeu nela, mais de uma
vez, Luísa de Marillac, que chamava de cara amiga. Ela a auxiliou prodigamente em suas obras de caridade,
secundou o zelo de Adriano Bourdoise e tomou sob sua proteção as Filhas da Providência. Pascal, Arnauld e Le
Maistre de Sacy acabaram conquistando-a totalmente para o jansenismo, ela e seu marido. Morreu no castelo de
Liancourt, a 14 de junho de 1674, com a idade de 74 anos. O Padre Boileau escreveu sua vida no cabeçalho do
opúsculo acima mencionado. Encontra-se também notícia sobre ela na obra jansenista do Padre Leclerc, Vidas
interessantes e edificantes de religiosas de Port-Royal e de várias pessoas ligadas a elas, 1750-1752, 4 vol. in-12, t.
I, p. 411 e seg.
1
Carta 173. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Ver carta 168, nota 1.
22
Madame de Liancourt fazia questão de que houvesse uma casa comum onde se faria a distinção dos auxílios e
remédios. Com isso, ficariam prejudicadas as visitas a domicílio.
193

contribuirão para isso, a fim de se livrarem do mesmo incômodo. Desse modo, elas e
eles, colaborando para essa desordem, em breve ela acaba acontecendo. A experiência
que temos de Joigny me faz temê-lo com razão. O que se pode fazer, no presente, é
instituir o estabelecimento e trabalhar para conseguir Irmãs. Daria minha aprovação no
sentido de que liberásseis Maria para começar, não fosse a necessidade que tendes dela.
Se Madame3 ou então a senhora Pavillon vos pudessem disponibilizar alguma pessoa
própria para isso, poderíeis liberá-la, preparando aqui as que Madame vos arranjar. Há
também a irmã do estudante que os enfermeiros de Saint-Nicolas mantêm. Ela veio estar
comigo e se ofereceu para vir todas as vezes e quantas quisermos. Parece uma boa
jovem.
Enviar-vos-ei o Padre de la Salle. Ele poderá chegar a Liancourt sábado à tarde ou
domingo de manhã. Entretanto, vereis com a Madame o que for melhor. Mas é preciso
não se esquecer de obter a permissão do senhor Bispo de Beauvais para o
estabelecimento, se é que ele ainda não a concedeu. Caso tenha dito à Madame que o
deseja muito, é o bastante. Mas se Madame não dispõe dessa permissão, e vier a
escrever ao senhor Bipo, e este quiser enviar o Padre Duchesne 4 para fazer a pregação
no domingo, o Padre de la Salle fará o resto. Ele poderá fazer também a pregação, caso
o Padre Duchesne tenha começado seus remédios. Como, porém, o Padre de la Salle
está com uma espécie de dor ciática na coxa, que o impede de caminhar, a Madame fará
a caridade, por obséquio, de lhe mandar um cavalo, que deverá estar aqui amanhã, à
tarde.
Quanto ao que falta para fazer em Beauvais, penso ser necessário passeis de novo
por lá. Ao chegar, pedireis ao padre teologal a carta que vos escrevi domingo passado,
com o endereço dele, caso não vo-la tenha enviado.
É tudo que vos tenho a dizer no presente, acrescentando que o Padre de la Salle
vos levará notícias de vosso filho.
Sou, entretanto, no amor de Nosso Senhor, Senhora, vosso muito humilde servo,

V. D.

São Lázaro, sexta-feira, 02 horas.

174. ─ A LUÍSA DE MARILLAC, EM LIANCOURT

[16341].

Senhora,

33
Madame de Liancourt.
44
Jerônimo Duchesne, arcediago de Beauvais.
1
Carta 174. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Ver carta 168, nota 1.
194

Receio pela casa2, se a Madame3 colocar nelas as moças4. Dentro de algum tempo
ela verá se é conveniente encaminhar os doentes para lá. A estação não é nada adequada
para o estabelecimento da Caridade, em vários lugares. Se a Madame não se contentar
com Liancourt, penso ser conveniente limitar-se a duas ou três aldeias mais próximas.
O senhor Bispo de Beauvais deseja que falemos, com toda clareza, da união da
Caridade à Confraria do Rosário5, em toda a sua diocese. A Madame poderá, nesse caso,
estabelecer e unir o Rosário e a Caridade, conforme for decidido.
O senhor Bispo me pede lhe escreva meu pensamento. Nesse ínterim, vai
conversar com o R. P. Prior dos Jacobinos 6. Talvez seja necessária uma reunião para
esse fim, pois os Padres desta cidade estão fazendo dificuldade.
Tudo bem pesado, julgo não ser conveniente que volteis a Beauvais, no momento.
Quando tiverdes terminado o trabalho em Liancourt e, se for necessário, em Gournay,
para onde a senhora Poulaillon poderá convidar-vos, se estiverdes de acordo, será então
necessário descansar um pouco. Estando aqui, trabalharemos no regulamento de
Beauvais. Penso também que não convém redigir, no momento, o de Liancourt, por
causa dessa casa e das moças. Entregai-lhes o que se faz de ordinário, sem assinatura,
porque a experiência mostrará, talvez, que será preciso acrescentar ou diminuir alguma
coisa.
Nosso Senhor nos deu a lei da graça, sem escrevê-la. Façamos, no caso, o mesmo,
por algum tempo.
Sou, entretanto, v. s.

Destinatário: A senhora Le Gras.

175. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Entre 1632 e 16361, provavelmente a 22 de julho2].

Sou como vós, Senhora. Nada me aflige tanto como a incerteza. Na verdade,
porém, desejo muito que a bondade de Deus me dê a graça de tornar-me totalmente
indiferente, como também a vós. Eia, pois, trabalharemos, com a graça de Deus, a fim
de adquirir esta santa virtude da indiferença.
Estive ontem, até às cinco da tarde, em Saint-Victor 3, com o senhor Arcebispo4,
que me intimara a ir até lá. Fez-me então subir a uma carruagem, para ir à cidade com
22
Ver carta precedente, nota 2.
33
A Duquesa de Liancourt.
44
As moças de boa vontade que deviam ajudar as damas nas obras de caridade.
55
A Confraria do Rosário estava então muito difundida pelas cidades e aldeias. São Vicente a tinha estabelecido em
Clichy, quando era pároco de lá (Abelly, op. cit., t. I, cap. VI, fim, p. 27).
66
Os religiosos de São Domingos, diretores da Confraria do Rosário, não eram geralmente favoráveis à união desta
confraria a outras.
1
Carta 175. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Esta carta vem depois da tomada de posse de São Lázaro (08 de janeiro de 1632) e precede o estabelecimento das
Filhas da Caridade em La Chapelle (março de 1636).
22
Ver nota 6.
33
Na abadia de Saint-Victor.
44
João Francisco de Gondi.
195

ele. De lá voltei para dormir aqui5, sem ir ao Colégio. Por esta razão, não tivestes
notícias minhas. Se, logo imediatamente após o almoço, vos derdes ao trabalho de ir até
ao Colégio, falaremos de tudo, e serei, no amor de Nosso Senhor, de sua Santa Mãe e de
Santa Madalena6, vosso servo.

176. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Entre 1634 e 16361].

Eis, portanto, enfim, a primeira vítima que Nosso Senhor quis levar de vossas
Filhas da Caridade2. Bendito seja Deus para sempre! Espero, Senhora, que ela esteja
muito feliz, porque morreu no exercício de uma virtude com a qual não era possível
perder-se: morreu no exercício do amor divino, já que morreu no exercício da Caridade.
Peço a Nosso Senhor seja neste momento vossa consolação e a de nossas caríssimas
Irmãs. Suplico-vos transmitir a todas, de minha parte, meu bom dia.
Parece-me que é muito adiar o sepultamento para amanhã, visto que não tendes
outro quarto para colocá-lo3, e que é de se temer não cause isto incômodo demais para
as nossas filhas enfermas e para vós. Podeis trocar uma palavra com Saint-Nicolas 4, se
for possível, esta tarde. Se não, tudo bem, enviareis o bilhete como está, mas as oficiais
não poderão ser encontradas tão cedo.
Quanto aos trajes da Irmã, não vejo inconveniente em entregá-los para sua mãe.
Não impedirá isto a caridade que lhe fareis, de vinte soldos, por exemplo, ou de meio
escudo por mês. Penso que bastará enviar para as Irmãs e não para as oficiais das
paróquias.
Quanto ao restante do fim de vossa carta, estou totalmente de acordo, e sou, no
amor de Nosso Senhor...

177. ─ A FRANCISCO DU COUDRAY, PADRE DA MISSÃO, EM ROMA

25 de julho de 1634.

Senhor Padre,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!

55
Em São Lázaro.
66
Esta palavra leva a supor que São Vicente escrevia a carta a 22 de julho, festa de Santa Maria Madalena.
1
Carta 176. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Esta carta foi escrita entre a fundação das Filhas da Caridade (29 de novembro de 1633) e a mudança da casa-mãe
delas para La Chapelle (maio de 1636).
22
Com toda certeza não se trata de Margarida Naseau, falecida de peste no Hospital São Luís.
33
O corpo da defunta.
44
Com o pároco de Saint-Nicolas.
196

Recebi ontem vossa carta do dia 02 deste mês, na qual me faláveis de São Lázaro
e como habilitastes esta questão. Falais-me, além disto, da versão da bíblia siríaca para
o latim e do jovem maronita, e me enviais a cópia de uma parte dos privilégios que
conseguistes.
Em face disso, dir-vos-ei que, a respeito de São Lázaro, estive ontem com o
senhor Bignon, advogado geral, reputado na cristandade como dos homens mais sábios
e piedosos, e dos mais competentes1. Seu parecer é que, embora não julgue necessário
nosso recurso a Roma, o façamos contudo, para arrancar, como ele se exprime, todos os
pretexos que mais adiante poderiam ter para nos inquietar; que, entretanto, é preciso
tratar de fazê-lo, ao preço mais barato possível; que mil escudos é muito e que vos
esforceis, para obtê-lo nas condições mais em conta possível; que os leveis a
compreender que este benefício não depende do Papa e que não pertencia aos religiosos
de Santo Agostinho; que era da alçada da cidade de Paris, e sua colação sempre
pertenceu ao Bispo de Paris; que os priores lhe têm, todos os anos, prestado conta da
administração da renda; que esta administração foi confiada aos priores, há apenas cem
ou cento e vinte anos; que este bem foi administrado, antes, por padres seculares e,
algumas vezes, por leigos, pois é um leprosário; que aconteceu que, há cerca de
trezentos anos, um bispo de Paris, chamado Fulco 2, tirou esta administração de alguns
padres seculares, que viviam em comum na casa, dos quais um era o administrador, e o
passou para outros, apenas com sua autoridade; que Poncher, também Bispo de Paris 3, o
tirou das mãos dos padres seculares que viviam também em comum, dos quais um era o
prior, que o bispo nomeava ad nutum, atenção a isto, e o entregou aos Cônegos
Regulares de Santo Agostinho, no ano de mil quinhentos e dezessete, e confiou a
administração dele a um deles, que nomeou prior, susceptível de ser deposto, também
ad nutum, sem a autoridade do Papa, nem outra, senão a sua, nem mesmo a do Rei ou da
corte; que as provisões desses priores foram sempre ad nutum; que todos têm prestado
conta ao Bispo de Paris e, finalmente, que jamais prior algum buscou provisão da corte
romana, a não ser este, para procurar perpetuar-se, oito ou dez anos depois de ter sido
feito prior pelo senhor Bispo de Paris. Constatareis exatamente isso pelas suas
provisões, cujas datas vos enviei. Peço-vos prestar atenção e considerar bem esta
observação que vos fiz aqui, sobre a natureza de São Lázaro e levá-la à consideração
dos oficiais da corte daí.
Mas, embora o benefício não dependa do Papa, contudo, pela devoção que temos
de nada possuir a não ser com sua autoridade, desejamos tanto a sua aprovação quanto
1
Carta 177. ─ Coleção do processo de beatificação.
1
Jerônimo Bignon, advogado geral no Parlamento de Paris, Conselheiro de Estado e bibliotecário do Rei, era,
segundo o testemunho de Moreri (O grande Dicionário hitórico, Paris, 1718, 5 vol. in-fº), “um desses gênios
extraordinários que os últimos séculos podem ousadamente confrontar com os maiores personagens da
antiguidade”. Aos quatorze anos, já era autor dos Discursos da cidade de Roma, suas principais antiguidades e
singularidades. No ano seguinte, aparecia o Tratado sumário sobre a eleição do Papa. Sua grande ciência jurídica
fez dele o conselheiro escutado por Ana d’Austria. Trabalhou no tratado da aliança com a Holanda (1649) e no
tratado concluído com as cidades Hanseáticas (1654). Faleceu a 07 de abril de 1656, com a idade de 70 anos.
22
Fulco de Chanac, bispo de Paris, de 1342 até 25 de julho de 1349, dia de sua morte.
33
Estêvão de Poncher ocupou a sede de Paris de 1503 a 1519. Por um ato de 20 de fevereiro de 1518, “promete, tanto
a si mesmo como para seus sucessores, nomear, para o referido priorado e casa hospitaleira de São Lázaro, um
religioso da Congregação do citado Saint-Victor, enquanto estiverem em processo de reforma; no caso em que a dita
reforma venha se relaxar, os citados bispos de Paris retornam ao seu direito de estabelecer nela, como antes, outros
eclesiásticos que quiserem” (Arq. Nat. MM 534).
197

sua bênção. O senhor Advogado Geral, que conhece a corte romana, por ter estado lá,
acredita que, se tornais tudo isso bem claro junto aos oficiais, saireis dessa dificuldade,
em breve, e a bom preço; e ainda mais, se depois de tudo, não puderdes levar a questão
a termo, dentro de um mês depois da recepção das presentes cartas, ele é de opinião que
isto não vos impede de voltar daí. Com efeito, a confiança que devemos ter na boa
vontade do senhor Marchand, e as recomendações que faremos daqui, nos propiciarão
conseguir nosso objetivo, em condição razoável, como se procede em coisas
semelhantes, a longo termo.
Por esta razão, senhor Padre, suplico-vos muito humildemente proceder deste
modo e de não vos deter aí para isso, como também não pela proposta que vos fazem de
trabalhar na versão da Bíblia siríaca para o latim. Sei muito bem que a versão serviria à
curiosidade de alguns pregadores, mas não, como penso, ao proveito das almas do pobre
povo, ao qual a Providência de Deus vos predestinou desde toda a eternidade. Deve
bastar-vos, senhor Padre, que, pela graça de Deus, tenhais empregado três a quatro anos
para aprender o hebraico e que o saibais suficientemente, para defender a causa do Filho
de Deus em sua língua original e confundir seus inimigos, neste reino. Imaginai,
portanto, senhor Padre, que há milhões de almas a vos estender a mão e a vos dizer:
Meu Deus! Senhor Padre du Coudray, que fostes escolhido desde toda a eternidade,
pela Providência de Deus, para ser nosso segundo redentor, tende piedade de nós.
Estamos chafurdando na ignorância das coisas necessárias à nossa salvação e nos
pecados que jamais ousamos confessar. Sem vosso socorro, estaremos infalivelmente
condenados. Imaginai ainda, senhor Padre, que a Companhia vos diz que, há três ou
quatro anos, está privada de vossa presença; que começa se aborrecer por isso; que sois
dos primeiros da Companhia e que, nesta qualidade, tem necessidade de vossos
conselhos e exemplos. Escutai, por favor, senhor Padre, o que meu coração diz ao
vosso: ele se sente extremamente pressionado pelo desejo de ir trabalhar e morrer nas
Cevenas e que irá para lá, se não vierdes logo para essas montanhas. O bispo de lá
clama por socorro. Ele diz que essa região, outrora das mais devotas do reino, perece
agora de fome da Palavra de Deus; que não há aldeia onde não haja católicos entre
huguenotes, exceto cinco ou seis; e há outras, em quantidade, nas quais não há padre,
nem igrejas, que talvez esperem de vós e de mim sua salvação.
Vinde, pois, senhor Padre. Não tardeis, por favor, a não ser por um mês ou seis
semanas, em função dos esforços em favor da questão de São Lázaro. Esperar-vos-ei, no
mais tardar, para o fim de novembro. Trazei convosco, nesta ocasião, por obséquio, o
Padre Gilioli4 e esse rapaz maronita, se pensais que ele deseja dar-se a Deus nesta
pequena Companhia. Na volta, peço-vos exercitar-se no grego vulgar, para ensiná-lo
aqui, se for necessário. Quem sabe?
O senhor Embaixador da Turquia5 me fez a honra de escrever-me, e reclama
padres de Saint-Nicolas e da Missão. Ele pensa que poderão fazer lá mais do que vos
ousaria dizer. Eia pois, veremos o que convirá fazer quando estiverdes aqui, tanto neste
sentido quanto em todas as outras coisas que dizem respeito a nossa consolidação.

44
Gilioli, padre da Missão, inscrito por distração no catálogo dos Irmãos Coadjutores, nascera em Ferrara, por volta
de 1606 e entrara na Congregação da Missão, em julho de 1629.
55
O Conde de Marcheville.
198

Mas, em nome de Deus, senhor Padre, fazei vosso possível para obter as
indulgências que Sua Santidade concedeu aos Reverendíssimos Padres Jesuítas e do
Oratório, quando vão em missão para o campo. Indulgência plenária para os que
assistem às suas instruções, confessando-se e comungando com eles no campo. Praza a
Deus o consigais também para as Confrarias da Caridade, que estão fazendo maravilhas,
com a graça de Deus! Nós a estabelecemos em várias paróquias desta cidade e
instituímos uma, há pouco, composta de cem ou cento e vinte damas de alto gabarito 6.
Visitam diariamente e assistem, quatro a quatro, oitocentos ou novecentos pobres ou
doentes, com geleias, canjas, sopas, doces e toda sorte de guloseimas. Não falamos da
alimentação ordinária que a casa lhes fornece, para dispor esta pobre gente a fazer a
confissão geral da vida passada. Procuram também ajudar aos que irão morrer, no
sentido de partirem deste mundo em bom estado, e, aos que estão para se curar, a tomar
a resolução de nunca mais ofenderem a Deus. Acontece assim, com bênção especial de
Deus, não só em Paris como também em outras aldeias. É para esta Confraria da
Caridade que a senhora Aubry de Vitry vos encomenda as indulgências para as
mulheres que pertencem ao corpo da Confraria e para os que cuidam das esmolas.
Eis, senhor Padre, uma longa carta. Mas que fazer? Não há meio de deixar a pena
mais cedo: é tão grande a minha satisfação em falar convosco!
Peço-vos ainda trazer-nos cinco ou seis livros semelhantes aos três primeiros que
nos enviastes, relativos às paróquias da Congregação dos padres da Assunção de Nossa
Senhora, dos jesuítas de Nápoles, instituída pelo Padre Savona, jesuíta, assim como
algum outro que nos possa servir nas missões e nos exercícios dos ordinandos.
No mais, o senhor de Creil7 não me pediu dinheiro. Vou esperar que o faça,
porque já mandei procurá-lo e não o encontraram. Acredito que, se tivesse recebido a
ordem de pagamento, já nos teria pedido a soma.
Sou, entretanto, recomendando-vos o cuidado com a saúde, no amor de Nosso
Senhor, vosso muito humilde servo,

Vicente de Paulo.

Esquecia-me de dizer-vos que não recebi as Bulas e que louvo a Deus por tê-las
corrigido, o que me trouxe indizível alegria.

Destinatário: Ao senhor Padre du Coudray, em Roma.

178. ─ AO PAPA URBANO VIII

[Entre julho e novembro de 16341].

66
As Damas do Hospital Geral.
77
Jean de Creil, senhor de Gournay, secretário do Rei, pai de Madame de Marillac.
1
Carta 178. ─ Coleção parisiense da beatificação e Canonização do Venerável Servo de Deus Vicente de Paulo.
Sobre a dúvida: conta porventura o relato das virtudes teologais... Sumário de resposta, p. 43 e seg.
1
Cf. cartas 177 e 188.
199

Beatissime Pater,

Adest in suburbio Sancti-Dionysii civitatis Parisiensis quaedam domus hospitalis


Sancti-Lazari, leprosaria nuncupata, ab infrascriptis praeposito et scabinis, pro
habitatoribus civitatis Parisiensis lepra afflictis alendis curandisque, priscis temporibus
instituta et donata, quae, tractu temporis, prioratus nomen seu denominationem sortita
est, et etiam nunc prioratus appellatur, quaeque, prout ejus reditus, ab ipso illius
fundationis primordio, a quibusdam presbyteris saecularibus seu regularibus, aut forsan
etiam laicis, a pro tempore existente Episcopo Parisiensi poni et amoveri solitis,
administrati fuerunt, donec de anno millesimo quingentesimo decimo tertio aut
millesimo quingentesimo decimo quarto bonae memoriae Poncher 2, tunc Episcopus
Parisiensis, administrationem hujusmodi canonicis regularibus reformatis Ordinis
Sancti-Augustini demandavit, illosque in dictum prioratum introduxit, cum onere horas
canonicas in acclesia ipsius prioratus recitandi et missam cantatam quotidie celebrandi
et pauperes leprosos advenientes recipiendi eisque necessaria subministrandi, et, cum
hoc, quod is ex dictis religiosis quem dictus et pro tempore existens Episcopus
Parisiensis in priorem deputaret, ad ejus nutum prioratus seu domus hospitalis et
redituum hujusmodi administrator esset, cum onere administrationis suae rationem
quotannis eidem episcopo reddendi.
Nuper vero Adrianus Le Bom, presbyter ejusdem Ordinis expresse professus,
modernus prior seu administrator, ad nutum a bonae memoriae Henrico de Gondy, dum
vixit, Sanctae Romanae Ecclesiae Cardinali de Retz nuncupato et Ecclesiae Parisiensis
praesule3, deputatus, et alii ejusdem prioratus seu hospitalis domus religiosi, devoti
Sanctitatis Vestrae oratores, considerantes in praesentiarum et a multo jam tempore in
dicto prioratu seu leprosaria nullos adfuisse nec adesse leprosos atque ita reditus a
fundatoribus relictos destinatis usibus amplius non inservire et operae pretium fore
eosdem reditus iis operariis assignare qui, si non corporali, sane animarum lepra afflictis
spiritualia pabula et medicamina porrigunt; inter caetera vero instituta maxime
conspicuum esse institutum congregationis presbyterorum Missionis, non ita pridem in
civitate Parisiensi apostolica auctoritate erectae, cujus alumni, pro suo proprio et
peculiari instituto, instructionem rusticorum in villis et pagis habitantium, in rebus quae
ad salutem animarum pertinerent, gratis et amore Dei, laborum suorum mercedem a solo
Deo expectantes, sibi proposuerunt; quo in opere exercendo eos tantam tamque sedulam
operam indefessis animarum corporumque studiis impendisse et impendere notum est,
ut, eorum doctrina, multi in diversis Galliae regionibus atque provinciis, tum vero
praecipue in Montis-Albani dioecesi, haeresis labe infecti, ut per Galliam vulgata fama
est, abjurata haeresi, catholicam fidem amplexi sint.
Atque ita existimantes a fundatorum intentione alienum nom fore, si dicti reditus,
corporali leprae curandae destinati, animarum lepram curantibus assignentur, eisque
suppetentibus sibi facultatibus corporalia etiam pabula praebituris, cum devoto etiam
Sanctitatis Vestrae oratore Vincentio de Paul, ipsius congregationis superiore, nomine
ejusdem congregationis superiore, nomine ejusdem congregationis stipulante et
22
Estêvão de Poncher (1503- 1519).
33
Henrique de Gondi, primeiro Cardeal de Retz, ocupou a sede de Paris de 1598 a 1622.
200

acceptante, sub Sanctitatis Vestrae et Sedis Apostolicae ac Archiepiscopi Parisiensis


beneplácito, contractum inierunt, per quem idem Adrianus, prior seu administrator, et
religiosi prioratus seu domus hospitalis hujusmodi pro omni suo jure et interesse
consenserunt quod dictus prioratus, una cum ecclesia et aedificiis ac omnibus et singulis
suis bonis, juribus, fructibus, pertinentiis et dependentiis, concederetur seu uniretur
dictae congregationi, et omni cuicumque juri eis in dicto prioratu seu leprosaria vel ejus
administratione competenti cesserunt, cum infradictis tamen conditionibus,
reservationibus et pactis, videlicet quod tota habitatio quam in dicto prioratu occupabat
dictus Adrianus, prior seu administrator ille, vita illius durante, atque etiam denominatio
prioris remaneret, et a dicta habitatione quacumque causa vel occasione amoveri non
posset, liberumque ei esset ad ecclesiam prioratus seu domus hospitalis hujusmodi
accedere divinisque officiis in suo loco seu sede assistere in capitulo et refectorio, cum
ei liberet intervenire, eisque reservata intelligeretur, vita sua durante, terra de
Rougemont4 a dicto prioratu seu hospitali domo dependens, cum omnibus ejus
pertinentiis, et cum hoc quod presbyteri dictae congregationis eidem Adriano pro sua
portione seu loco pensionis, quamdiu vixerit, bis mille et centum libras monetae illarum
partium ab omnibus decimis ordinariis et extraordinariis, reparationibus, pensionibus
religiosorum et aliis oneribus et impositionibus liberas, annis singulis, in quatuor
terminis, nempe Paschalis Resurrectionis Dominicae, Nativitatis sancti Joannis-
Baptistae, sancti Remigii et Nativitatis Domini Nostri Jesu Christi festivitatibus, primo
solutionis termino in altera dictarum festivitatum apprehensioniem possessionis dicti
prioratus seu domus hospitalis per dictos presbyteros immediate seqüente, incipientes
solvere; et pro hujusce solutionis securitate, ultra obligationem et hypothecam omnium
bonorum et redituum ipsius prioratus seu domus hospitalis aut leprosariae, etiam omnia
et singula ejusdem congregationis bona obligare, et praeterea devotus vester Philippus
Emmanuel de Gondy, presbyter Oratorii, se fidejussorem praestare et constituere
teneretur; item omnia credita dicti prioratus seu domus hospitalis, omniaque illi debita
et usque ad possessionem dictae congregationis debenda in commodum dicti Adriani
cederent, ipseque illa a debitoribus exigere et ad hunc effectum omnibus remediis
necessariis, etiam sub nomine dictae congregationis, uti posset, dictique presbyteri illi
pretium provisionum et munitionum frumenti, vini et lignorum per ipsum pro usu
domus ejusdem prioratus seu domus hospitalis provisionaliter emptorum, pro rata parte
quae tempore dictae possessionis inibi reperietur, juxta aestimationem a peritis
faciendam reficere tenerentur; ipseque Adrianus a redditione residuorum computorum
administrationis suae, a tempore quo ei commissa fuit usque ad diem dictae
possessionis, liberetur, et reciproce iidem prioratus seu hospitalis domus presbyteri erga
ipsum Adrianum, qui prioratum seu domum hospitalis hujusmodi tempore dictae
possessionis ab omnibus debitis liberum redderet, exonerati remanerent; quo vero ad
reditus seu census ab ipso Adriano, durante sua administratione, ad favorem prioratus
seu domus hospitalis hujusmodi emptos, ipse illis, vita sua durante, gauderet, illis autem
post ejus obitum in commodum dictae congregationis cessuris; et quia pretium

44
A quinta de Rougemont, situada na floresta de Bondy (Seine) abrangia grande extensão de mata e terras cultivadas.
Adriano Le Bon doou-a a São Vicente a 11 de fevereiro de 1645 “por causa da boa amizade e afeição” que tinha para
com os Padres e Irmãos de São Lázaro (Arq. Nac., S6698, peças 1 e 2).
201

affictuum bonorum prioratus seu domus hospitalis hujusmodi et major pars illius
censuum et redituum non solvebantur nisi in festis sanctorum Remigii et Martini, et hoc
ínterim pro supportandis illius oneribus tam pro manutentione illius ecclesiae et
aedificiorum affictuum, dicto Adriano magni sumptus faciendi erant et aes alienum
contrahendum, convenerunt quod dictus Adrianus se ad proportionem a se expensorum
tempore dictae possessionis super dictis affictibus et censibus praevalere posset.
Occurente vero obitu Adriani et religiosorum praedictorum, iidem presbyteri illos, uti
suos benefactores, ecclesiasticae sepulturae tradere, et, die obitus dicti Adriani et
duobus sequentibus non impeditis, tria sacra, et deinde quolibet anno in perpetuum
simili die pro ejus animae refrigério in ecclesia prioratus seu domus hospitalis
hujusmodi unum anniversarium celebrare, et ad similis obligationis memoriam
posteritati relinquendam, epitaphium seu monumentum aliquod in dicta ecclesia cum
hujus obligationis inscriptione apponere, et duo servitia solemnia pro fundatoribus,
benefactoribus et religiosis, unum videlicet primo die vacante post octavam Epiphaniae
et alterum die lunae post festum Sanctissimae Trinitatis; pro singulis vero religiosis dicti
prioratus unum servitium in fine anni cujuslibet illorum obitus celebrare tenerentur;
liceret quoque aliis religiosis praedictis in eodem prioratu seu hospitali domo manere et
habitare, prout antea fecerunt, donec sub jurisdictione dicti archiepiscopi viverent, et pro
sua habitatione appartamentum super magna via suburbii existens et alia ipsius prioratus
seu domus hospitalis loca convenientia occuparent; dormitorium vero et loca clericalia
penitus libera eisdem presbyteris relinquerent, dictique presbyteri cuilibet ex dictis
religiosis quolibet anno quingentas libras pro eorum victu et vestitu, et cujuslibet eorum
vita durante, in praedictis terminis aut alteris, prout eisdem religiosis placeret aut eorum
necessitas exigeret, solvere obligati essent; et pro harum portionum tam Adriani prioris,
quam aliorum religiosorum solutionis facilitate, dicti presbyteri religioso receptori5
continuationem exactionis redituum usque ad pacificam dictae congregationis
possessionem permitterent, et ad hunc effectum ei necessariam procurationem
concederent. Quod si religiosis praedictis placeret in communi cum dictis presbyteris
vivere, id eis liceret, solvendo ex dicta quingentarum librarum summa cuilibet illorum,
ut praefertur, solvendo ducentas libras pro cujuslibet eorum victu, reliquis trecentis
libris eis pro aliis eorum necessitatibus liberis remanentibus; in casum vero infirmitatis
tam Adriani quam religiosorum hujusmodi, in infirmaria communi curari eisque cibus et
potus ac medicinae a dictis presbyteris praestari ipsisque de medico, chirurgo et
pharmacopola solvendo pro rata temporis ad rationem ducentarum librarum etiam
provideri deberet; liberumque iisdem religiosis esset seorsim et particulariter in dicto
prioratu seu domo hospitali vivere aut ad alium regularem locum, de licentia dicti
archiepiscopi, absque ulla diminutione dictae summae, se recipere; eveniente vero obitu
alicujus ex dictis religiosis, iidem presbyteri ab illius portionis seu pensionis
praestatione liberi remanerent, nec in demortui seu demortuorum locum alii religiosi seu
novitii reciperentur; et in casum talis obitus, supellex demortui usibus superstitum
religiosorum in dicto prioratu seu hospitali domo personaliter residentium inserviret,
illis omnibus, post obitum omnium religiosorum praedictorum, in comodum dictorum
presbyterorum cessuris.
55
O recebedor era então Cláudio Cousin.
202

Item, statim apprehensa per praedictos presbyteros dicta possessione, ipsi apud
dictum prioratum seu hospitalem domum personaliter residere illiusque ecclesiae servire
in eaque divino cultui ad Dei gloriam et exonerationem suarum conscientiarum
diligenter vacare ac sub inventario omnia ornamenta, relíquias, supellectilia eis a dictis
religiosis tradenda et assignanda recipere; domos, possessiones dicti prioratus seu
hospitalis domus manu tenere in eisque reparationes necessárias suis sumptibus, absque
ulla dictorum religiosorum contributione, facere; leprosos venientes recipere eisque
omnia necessária, tam spiritualia quam corporalia, subministrare deberent. Si autem
presbyteri dictae congregationis, alias quam facto aut culpa dictorum religiosorum,
dictum prioratum seu hospitalem domum desererent, occasione solutionum
anticipatarum dictis Adriano et aliis religiosis, aut reparationum forsan factarum aut
sumptuum quovis alio modo supportatorum, nihil repetere possent; et in casum
desertionis seu discessus hujusmodi, idem contractus nullus nulliusque effectus esset, et
iidem religiosi ad sua primaeva jura et privilegia redirent. Quae quidem pacta,
conditiones et omnia superius expressa Vincentius, superior praedictus, nomine quo
supra, casu quo dictae congregationi idem prioratus cum omnibus suis pertinentiis et
dependentiis concedatur, acceptavit illaque adimplere promisit, et alias, prout in
contractu seu conventione hujusmodi ac publico desuper confecto instrumento plenius
continentur.
Deinde vero devota creatura vestra Joannes Franciscus de Gondy, modernus
Archiepiscopus Parisiensis, ad quem, prout ad ejus praedecessores, ut supra dictum est,
positio et amotio prioris seu administratoris dicti prioratus seu leprosariae pertinet,
provide animadvertens introductionem presbyterorum dictae congregationis in dictum
prioratum seu hospitalem domum illiusque ac rerum ejus, proprietatum ac fructuum
eidem congregationi concessionem in majorem Dei gloriam et animarum salutem
cessuram, de dicto contractu omnnibusque in eo contentis plenissime informatus,
prioratum seu hospitalem domum hujusmodi, de consensu serenissimi principis
Ludovici, Francorum et Navarrae Regis christianissimi, et praepositi mercatorum et
scabinorum dictae civitatis, ipsius prioratus seu domus hospitalis fundatorum, cum ejus
ecclesia omnibusque et singulis illius aedificiis, hortis, bonis, pertinentiis, rebus et
fructibus et emolumentis quibuscumque, necnon omnibus et singulis libertatibus,
franchisiis et privilegiis ei competentibus, eidem congregationi, cum obligatione pacta
et conventiones in dicto contractu contenta observandi, in perpetuum ordinaria sua
auctoritate concessit, univit, annexuit et incorporavit, sub infradictis etiam
conditionibus, videlicet quod dictus Adrianus etiam deinceps in dictos religiosos
superioritatem exerceat ipsique religiosi illi obedientiam quam professi sunt, praestent,
quodque pro tempore existens Archiepiscopus Parisiensis in dictum prioratum et
presbyteros dictae congregationis inibi pro tempore degentes omnem jurisdicionem ac
jus visitandi in spiritualibus et temporalibus habeat; ipsique presbyteri, quorum unus ab
ipsa congregatione in superiorem eligatur, divinum officium canonicale in choro
recitare voce mediata, sine cantu, et januis chori clausis, ac sanctum missae sacrificium,
submissa voce, ne in eorum labore percurrendi pagos ibique docendi retardentur
celebrare; omnes fundationes dicti prioratus seu domus hospitalis adimplere, leprosos
dictae civitatis ejusque suburbiorum excipere in dicto prioratu; duodecim saltem dictae
203

congregationis alumnos, quorum ad minimum octo presbyteri sint, qui in percurrendis


pagis Dioecesis Parisiensis, sumptibus ipsius congregationis, occupentur, et in singulis
pagis unum vel duos menses, pro locorum necessitate, commorentur, et ibi fidei
mysteria doceant, confessiones praecipue generales audiant, auditores in rebus
christianis instituant, animas ad dignam sacrosanctae Eucharistiae sumptionem
praeparent, pacem inter dissidentes componant; retinere teneantur, temporibus quibus de
more Parisiis conferantur ordines, canditatos ordinum Parisiensis Dioecesis ab
archiepiscopo mittendos in dicto prioratu seu domo hospitali, eisque, spatio quindecim
dierum ante ipsos dies ordinationum, necessaria ad victum et habitationem apud se
subministrendi, illos in exercitiis spiritualibus, utpote confessione generali, quotidiano
conscientiae examine, meditationibus mutationis status et vitae et eorum quae propria
sunt cujusque ordinis et viros ecclesiasticos decent, ac in caeremoniis Ecclesiae rite
servandis occupent; hisque supportatis oneribus, quidquid ex fructibus dicti prioratus
superfuerit in communes dictae congregationis usus convertant. Quibus mediantibus,
idem Joannes Franciscus archiepiscopus, suo suorumque successorum nominibus,
praedictos presbyteros congregationis a redditione computorum et administrationis
redituum ipsius prioratus seu domus hospitalis ejusque annexorum et dependentium in
perpetuum liberavit et exoneravit, prout in ipsius Joannis Francisci archiepiscopi litteris
desuper confectis etiam plenius continetur.
Cum autem, Pater Sancte, praedicta omnia pro majori Dei gloria facta fuerint
dictique oratores illa pro eorum subsistentia S[anctitatis] V[estrae] et Sedis Apostolicae
patrocinio communiri cupiant, supplicant humiliter eidem Sanctitati Vestrae oratores
praedicti, quatenus in praemissis opportune providentes eosque specialis gratiae favore
prosequentes, contractum inter dictos oratores initum, necnon concessionem seu
unionem prioratus seu domus hospitalis hujusmodi, illiusque ecclesiae, bonorum, rerum
proprietatum, et dependentium quorumcumque per dictum Joannem Franciscum
archiepiscopum eidem congregationi Missionis, ut praefertur, factam, omniaque et
singula in illis dictisque litteris contenta, licita tamen et honesta et inde legitime secuta
quaecumque, apostolica auctoritate perpetuo approbare et confirmare, illisque perpetuae
et inviolabilis apostolicae firmitatis robur adjicere, ac omnes et singulos tam juris quam
facti, et solemnitatum etiam, quantumvis substantialium et de jure requisitarum,
defectus, si qui desuper intervenerint, supplere, ipsosque oratores ad contractus
hujusmodi et contentorum in eo observationem obligatos esse et ab illis recedere non
posse, irritumque decernere nihilominus praevia, quatenus opus sit, et quatenus, ob
praedictam introductionem et permanentiam religiosorum dicti Ordinis in prioratu seu
domo hospitali hujusmodi illiusque fructuum administrationem, aliqua regularitas
inducta sit aut inducta dici vel censeri possit in eo seu in ea omnibusque ejus membris et
pertinentiis, non tamen personis dictorum religiosorum praedicti Ordinis, omnisque
regularitatis, necnon cujusvis status, naturae, essentiae, dependentiae et denominationis
regularis, ita ut ex nunc deinceps regularia esse desinant suppressione, extinctione
illorumque ad statum saecularem reductione, prioratum seu hospitalem domum
hujusmodi, qui seu quae titularis ac beneficium ecclesiasticum non est, sed simplex
administratio, ad nutum pro tempore existensis Archiepiscopi Parisiensis amovibilis,
etiam una cum ejus ecclesia omnibusque illius membris et pertinentiis, ac cum omnibus
204

et singulis oneribus, reservationibus, pactis et conditionibus tam in contractu ac


instrumento, quam in litteris dicti Joannis Francisci archiepiscopi contentis, quae, hic
pro plene et sufficienter repetitis, Sanctitati Vestrae habere placeat eidem congregationi
Missionis, ita quod possessionem illius superiori et presbyteris prioratus seu domus
hospitalis hujusmodi, illius ecclesiae ac bonorum, jurium et dependentium quorumque
realem et actualem liceret, per se vel alium seu alios, ejusdem congregationis nomine
seu nominibus, propria auctoritate libere apprehendere, retinere illorumque fructus,
reditus, proventus, jura, obventiones et emolumenta quaecumque recipere, exigere,
locare, arrendare; et, supportatis oneribus et adimpletis pactis et conditionibus in
contractu et instrumento, necnon dicti Joannis Francisci archiepiacopi litteris praedictis
contentis, residuum in communes usus et utilitatem dictae congregationis convertere,
dioecesani loci vel cujusvis alterius licentia desuper minime requisita, apostolica
auctoritate eidem perpetuo concedere et assignare, seu unire, annectere et incorporare;
praesentes quoque et desuper conficiendas litteras sub quibusvis similium vel
dissimilium gratiarum revocationibus, suspensionibus, limitationibus aut illis contrariis
dispositionibus non comprehendi, sed semper ab illis excipi, et quoties illas revocari,
suspendi, limitari aut contra illas aliquid disponi contigerit, toties illas in pristinum et
validissimum statum restitutas, repositas et plenarie reintegratas esse et fore, sicque per
quoscumque judices, etc. judicari, etc. debere, irritumque, etc. decernere dignemini de
gratia speciali, non obstantibus praemissis, ac vestra de exprimendo vero valore, ac
Lateranensis Concilii novissime celebrati uniones perpetuas, nisi in casibus a jure
permissis fieri prohibentis, aliisque constitutionibus et ordinationibus apostolicis,
dictorumque domus hospitalis seu prioratus ac Ordinis, etiam juramento, etc., roboratis,
statutis, etc., priscis quoque Indultis et Litteris Apostolicis, etc., caeterisque contrariis
quibuscumque cum decretis opportunis6.

TRADUÇÃO

Santíssimo Padre,

No bairro Saint-Denis da cidade de Paris se encontra a casa hospitaleira ou


leprosaria de São Lázaro, assim denominada porque foi outrora fundada e dotada pelo
preposto e os almotacéis para a manutenção e o alívio dos leprosos de Paris. Com o
tempo, tomou o nome de priorado, que traz até agora. A administração foi confiada,
desde o princípio, a padres seculares ou regulares, eventualmente até a leigos,
exoneráveis a critério do Bispo de Paris. Posteriormente, em 1513 ou 1514, foi confiado
aos cônegos regulares da reforma de Santo Agostinho. Chamando estes religiosos,
Poncher, bispo de Paris, de feliz memória, impôs-lhe a obrigação de recitar as horas

66
Lê-se depois da súplica: “Aprovado nos termos da petição, com absolvição das censuras para a devida efetivação
etc.” (Segue-se texto complexo e, a nosso ver, dispensável – I, 266, nota 6). “Dado em Roma junto à Sé de Pedro, nos
idos de março do décimo segundo ano”.
A súplica foi portanto aprovada a 15 de março de 1635.
Depois das palavras acima, o copista acrescentou: “Extraído registro das súplicas apostólicas. Colacionado
por mim, Francisco Causeum, mestre do referido registro, no verso, livro 22, folha 223”.
205

canônicas na igreja do priorado, de celebrar missa cantada todos os dias, de receber e


manter os leprosos indigentes que se apresentassem. Decidiu, ademais, que o prior seria
por ele escolhido, ou pelos seus sucessores, e teria, até quando o bispo o julgasse bom, a
administração do priorado ou do hospital, e de suas rendas, e prestaria anualmente conta
de sua gestão ao Bispo de Paris.
Recentemente, Adriano Le Bon, padre professo da mesma Ordem, último prior ou
administrador de São Lázaro, nomeado por Henrique de Gondi, de feliz memória, Bispo
de Paris, Cardeal da Santa Igreja Romana, chamado Cardeal de Retz, e os outros
religiosos do mesmo priorado ou casa hospitaleira, todos servos devotos de Vossa
Santidade, considerando que agora, e já há longo tempo, não há leprosos nesse priorado
ou leprosaria, que assim é impossível aplicar as rendas aos fins da fundação, e que
convém atribuí-las aos operários dedicados a alimentar e a medicar espiritualmente as
pessoas atingidas pela lepra do pecado; considerando além disso que entre os Institutos
se recomenda muito especialmente o Instituto dos padres da Missão, erigido em Paris,
com autoridade apostólica, há poucos anos, e que os membros que o compõem têm por
fim especial percorrer os povoados e aldeias, a fim de instruir os habitantes das
verdades necessárias à salvação, sem pedir salário algum, esperando só de Deus a
recompensa devida a seus trabalhos, desempenham suas funções com tanto ardor e zelo
que, graças a eles, em diversas regiões e províncias da França, na diocese de Montauban
sobretudo, bom número de hereges, conforme notícia disseminada pela região,
abjuraram a heresia e abraçaram a fé católica; em razão disso, os supracitados
religiosos, estimando permanecer na intenção dos fundadores, empregando na cura da
lepra espiritual e no alívio corporal dos que por ela são afligidos, rendas deixadas para a
cura da lepra corporal, acordaram o que segue, com Vicente de Paulo, humilde
suplicante de Vossa Santidade, superior do referido Instituto, estipulante e aceitante em
nome desta mesma Congregação, sob o beneplácito de Vossa Santidade, da Sé
Apostólica e do Arcebispo de Paris.
Adriano Le Bon, prior ou administrador de São Lázaro, e os religiosos do
priorado, agindo na medida dos seus direitos, aceitaram a união, à dita Congregação, do
dito priorado, com sua igreja, seus edifícios, seus bens, direitos, frutos, pertences e
dependências, e cederam todos os seus direitos sobre o dito priorado e sua
administração nas condições, reservas e acordos que tais:
O prior ou administrador Adriano Le Bon permanecerá, durante sua vida, nos
apartamentos que ocupa no priorado; não poderá ser destituído de sua posse por motivo
algum, nem tão pouco de sua qualidade de antigo prior, que deverá reter até a morte,
com toda a liberdade de ir à igreja, de assistir aos ofícios e neles manter seu posto, do
mesmo modo que no cabido e no refeitório, quando a ele quiser ir. Reserva também
para si a quinta de Rougemont, dependente do dito priorado, com todas as suas
dependências, e uma pensão de 2.100 libras, isenta dos dízimos ordinários, reparações,
pensões dos religiosos e outros encargos e imposições, tudo a ser pago pelos padres da
referida Congregação a este prior, durante sua vida, cada ano, nos quatro prazos
habituais, a saber, nas festas de Páscoa, de São João Batista, de São Remígio e de Natal,
o primeiro deles começando na festa, dentre as citadas, que se seguir imediatamente à
tomada de posse do priorado pelos ditos padres. Para a garantia desta pensão, não
206

somente os frutos do citado priorado ficarão hipotecados a ela, mas também todos os
bens da dita Congregação, e, além disso, o devotado servo de Vossa Santidade, Felipe
Emanuel de Gondi, padre do Oratório, se constituirá avalista da referida pensão.
Quanto ao resto das contas de sua administração, desde o tempo em que lhe foi
confiada até ao dia da referida posse, o prior será isentado delas. Os padres da Missão,
por seu lado, ficarão exonerados em relação ao prior que entregará o priorado, no tempo
da dita posse, livre de qualquer dívida. No que toca às rendas constituídas durante o
tempo do atual prior em proveito do dito priorado, delas gozara em vida e as deixará
depois da morte aos padres da Missão.
E na medida em que o aluguel das quintas do dito priorado e a melhor parte dos
foros e rendas devidos a este sejam pagos e entregues só nos dias de São Remígio e de
São Martinho, e que, entrementes, o senhor prior tenha precisado tomar empréstimo
para os adiantamentos dos encargos do dito priorado, tanto relativos à manutenção da
igreja, da casa e das quintas dele dependentes, quanto para a nutrição dos religiosos,
convencionou-se que o dito Adriano receberá o reembolso com os recursos do aluguel
das quintas e foros, na proporção do adiantamento que possa ter feito quando da tomada
de posse dos ditos padres da Missão.
Acontecendo a morte do dito senhor Adriano e dos religiosos supracitados, os
referidos padres da Missão ficarão obrigados a fazer-lhes o sepultamento, como a seus
benfeitores. Oferecerão o santo sacrifício da missa pelo dito senhor Adriano, no dia do
seu falecimento e nos dois primeiros dias livres. Todos os anos, no dia aniversário da
morte, celebrarão, em caráter perpétuo, pelo repouso de sua alma, um serviço religioso
solene na igreja do priorado: e para perpetuar a lembrança desta obrigação para a
posteridade, erigirão na referida igreja um monumento, encimado com uma inscrição
comemorativa. Além do mais, os referidos padres serão obrigados a mandar celebrar
cada ano dois serviços religiosos solenes na intenção dos fundadores, benfeitores e
religiosos do dito São Lázaro, um, no primeiro dia vago depois da oitava dos Reis, o
outro, na segunda-feira depois da festa da Santíssima Trindade, e de celebrar um serviço
para os religiosos de São Lázaro no final do ano da morte de cada um.
Será permitido aos religiosos de São Lázaro morar no priorado, como no passado,
durante a vida, sob a jurisdição do Arcebispo de Paris, ocupar os apartamentos que dão
para a avenida do bairro e outros lugares convenientes ao dito priorado. Quanto ao
dormitório e as áreas dos claustros, deixá-los-ão à livre disposição dos padres da
Missão.
Estes últimos deverão fornecer todos os anos quinhentas libras aos religiosos de
São Lázaro, tanto para a alimentação como para o vestuário, nos termos prescritos ou de
outra forma, conforme o desejo ou as necessidades dos ditos religiosos. Para facilitar o
pagamento das pensões do prior e dos outros religiosos, os ditos padres consentem que
o religioso ecônomo continue a receber a renda do priorado até à pacífica posse dos
padres da Missão. Para isto, passar-lhe-ão todas as procurações necessárias. Se os
religiosos desejarem viver em comum com os padres, serão cobradas, para a
alimentação, duzentas libras, descontadas das quinhentas que lhes são devidas. O
excedente os ajudará a prover as outras necessidades.
207

Em caso de doença, tanto do prior quanto dos outros religiosos, poderão tratar-se
na enfermaria comum, às expensas dos ditos padres quanto aos médicos, boticários,
cirurgiões, remédios e víveres.
Esses mesmos religiosos poderão viver vida particular no priorado ou em
qualquer outro lugar regular, com a permissão do Arcebispo, sem que por isso lhes
deixem de ser pagas as quinhentas libras. No caso da morte de um deles, os padres da
Missão ficarão desincumbidos do pagamento da soma correspondente, não sendo
permitida a admissão, no seu lugar, de outros religiosos, nem noviços. Os móveis do
defunto permanecerão disponíveis ao aproveitamento e uso dos religiosos
sobreviventes, no dito priorado, e, depois da morte do último sobrevivente, ao proveito
e uso dos padres da Missão.
Os referidos padres, a partir do instante da dita posse, residirão pessoalmente no
dito priorado, responderão pela igreja, nela celebração com dignidade o serviço divino
para a glória de Deus e o desencargo de sua consciência, receberão todos os paramentos,
relíquias, móveis, que serão inventariados e entregues pelos ditos religiosos, manterão
as casas e quintas do dito priorado, nele farão os reparos necessários, às próprias custas,
sem onerar os supraditos religiosos de qualquer modo que seja, nele acolherão os
leprosos que se apresentarem e lhes proverão as necessidades espirituais e corporais.
Os referidos padres da Missão, caso venham a deixar o priorado de São Lázaro,
não poderão requerer coisa alguma dos adiantamentos das quantias que tiverem feito
aos ditos senhores prior e religiosos, assim como dos gastos de reparação e outras
despesas quaisquer, a não ser que o tenham deixado por alguma façanha e culpa dos
ditos religiosos. No caso de saída, a presente concordata ficará sem efeito e os ditos
religiosos retornarão aos respectivos direitos e privilégios primitivos.
Vicente, o referido superior, aceitou e prometeu, em seu próprio nome, no caso de
o priorado ser concedido à dita Congregação, com todos os seus pertences e
dependências, as convenções, condições e tudo que está escrito acima e ainda o que está
definido com mais detalhes num outro contrato deste gênero e no ato público feito e
relatado acima.
Assim sendo, João Francisco de Gondi, Arcebispo atual de Paris, devotado servo
de Vossa Santidade, ao qual pertence, assim como aos seus predecessores, como foi
dito, o direito de nomear ou de depor o prior do dito priorado, tendo considerado
maduramente que era vantajoso, para a glória de Deus e o bem das almas, introduzir os
padres da Missão nesse priorado e entregar-lho com seus bens, dependências e rendas,
conhecendo, por outro lado, o contrato e todas as suas cláusulas, tendo em vista o
consentimento do sereníssimo príncipe Luís, Rei cristianíssimo da França e de Navarra,
do preposto dos comerciantes e dos almotacéis da dita cidade, fundadores do priorado,
fez, com sua autoridade ordinária, a concessão, a união e incorporação dele à mesma
Congregação, juntamente com a igreja, os prédios, os bens, jardins, coisas anexas, frutos
e emolumentos quaisquer, sem excetuar as liberdades, franquias e privilégios ligados ao
priorado, conquanto a mesma Congregação observe para sempre os acordos e
convenções expressos no contrato. Colocou nele as seguintes condições:
O prior será, como no passado, o superior dos seus religiosos, e estes terão a
obrigação de lhe obedecer. O Arcebispo de Paris exercerá sua jurisdição e terá direito de
208

visita, tanto para as questões espirituais como para as temporais, sobre o priorado e os
padres da dita Congregação. Estes padres estarão sujeitos a um superior por eles
escolhido, recitarão o ofício canônico no coro, em voz mediana, sem canto, a portas
fechadas, contentar-se-ão com celebrar missas simples, para terem tempo para percorrer
as aldeias e nelas instruir o povo, executarão todas as fundações do priorado e receberão
nele os leprosos da cidade e do bairro. Os membros da dita Congregação serão ao
menos doze, entre os quais oito padres ou mais. Percorrerão, às custas da Congregação,
as aldeias da diocese de Paris, permanecerão em cada uma um ou dois meses, conforme
a necessidade, nelas ensinarão os mistérios da fé, ouvirão confissões, sobretudo
confissões gerais, introduzirão os ouvintes no hábito das práticas da religião cristã,
prepará-los-ão para a recepção da Santa Eucaristia e promoverão a reconciliação dos
inimigos. Hospedarão e alimentarão no priorado, durantes os quinze dias que precedem
a ordenação, nas épocas aceitas na diocese de Paris para a colação das ordens, os
ordinandos da diocese que o Arcebispo de Paris lhes enviar, prepará-los-ão mediante os
exercícios espirituais: confissão geral, exame diário de consciência, meditação sobre a
mudança de estado, as prerrogativas de cada uma das ordens ou da vida eclesiástica,
instruções sobre a observância das cerimônias da Igreja.
Tendo arcado com estes encargos, o que restar da renda do priorado servirá às
necessidades comuns da dita Congregação. Mediante isso, o mesmo Arcebispo de Paris,
agindo em seu nome e no de seus sucessores, dispensou e desincumbiu para sempre os
padres da dita Congregação da prestação de contas relativa à administração das rendas
do priorado, dos seus anexos e dependências, como testemunham, de modo mais amplo,
as cartas de João Francisco, Arcebispo.
Considerando, Santíssimo Padre, que as supraditas convenções tendem para a
maior glória de Deus e que o alto patrocínio de Vossa Santidade e da Santa Sé
Apostólica contribuirá para torná-las mais firmes, os ditos suplicantes julgam oportuno
pedir-vos, como um favor todo especial, que vos digneis aprovar e confirmar para
sempre, com vossa autoridade apostólica, o contrato passsado entre eles, a união à
Congregação da Missão do priorado de São Lázaro, com sua igreja, bens, coisas,
propriedades e dependências, feita, como se disse acima, pelo Arcebispo João
Francisco, o conteúdo destas cartas e das supraditas cartas, no conjunto e nos detalhes,
caso contudo só conste nelas o que é honesto e o que delas decorre com legitimidade.
Rogam-vos ainda suprir, se for necessário, a todas as irregularidades cometidas ou a
cometer, tanto de direito quanto de fato, mesmo sobre pontos substanciais e
absolutamente requeridos em direito; declarar que os suplicantes são obrigados à
observação deste contrato e de todas as suas cláusulas; de anular, na medida em que for
necessário, os contratos precedentes, em especial aquele pelo qual os religiosos da dita
Ordem foram introduzidos no priorado ou casa hospitaleira, para administrá-la, o que
faz com que seja, ou se julgue ser, com seus membros e dependências, um
estabelecimento de regulares. Pedimos a Vossa Santidade haja por bem seja transferido
para a Congregação da Missão, por supressão, extinção e retorno ao estado secular, este
priorado ou esta casa hospitaleira, que não é um benefício eclesiástico, mas uma simples
administração, revogável ao arbítrio do Arcebispo de Paris, com seus membros, sua
igreja, suas dependências, seus encargos, em geral e em particular, levando em conta as
209

reservas, os acordos e as cláusulas mencionadas, tanto no contrato como nas cartas de


João Francisco, Arcebispo, e aqui plena e suficientemente relembrados. Por
conseguinte, que o superior e os padres da dita Congregação possam, por si mesmos ou
por delegados, em nome de seu Instituto e de sua própria autoridade, tomar livremente
posse real e atual do dito priorado ou casa hospitaleira, de sua igreja, de seus bens,
direitos e depedências, quaisquer que sejam; perceber, exigir, alugar todos os frutos,
rendas, produtos, ganhos eventuais e emolumentos; e, depois de ter quitado os encargos
impostos pelo contrato e pelas cartas do Arcebispo João Francisco, destinar o restante às
necessidades da dita Congregação, sem que seja necessário obter permissão do
Ordinário do lugar, ou de quem quer que seja. Praza a Vossa Santidade, com sua
autoridade, tornar perpétua esta união e fazer com que as cartas de incorporação não
sejam nem revogadas, nem suspensas, no todo ou em parte, pela revogação, suspensão,
limitação de graças semelhantes ou dissemelhantes, ou por qualquer outra disposição,
mas que permaneçam sempre válidas em todo seu conteúdo, etc.

179. ─ LUÍSA DE MARILLAC A SÃO VICENTE

Senhor Padre,

Estou vos devolvendo o regulamento de Saint-Sauveur; não o tinha examinado.


Parece-me que o início faz depender toda a Confraria do senhor pároco. Não sei
se isto seria conveniente.
Não há dúvida de que os senhores párocos de Beauvais ficariam muito contentes;
mas isto os levaria incontinênti a não quererem mais que alguém tome conhecimento do
que se passa em cada confraria. Creio, contudo, senhor Padre, ser necessário que as
oficiais lhes comuniquem o internamento dos doentes ou, pelo menos, lhes digam quais
pretendem receber. Seja dito no regulamento que, quando houver eleições, os votos
serão recolhidos por eles e que a tesoureira prestará contas diante deles, sem nada
falar do Vigário Geral, como constava no regulamento. Seja determinado o número das
senhoras; os postos vacantes, preenchidos por aquelas que a confraria aceitar,
apresentando-as, depois, aos senhores párocos, a fim de serem admitidas e receberem
sua bênção.
Quanto ao que se refere ao procurador, não sei se seria fácil conseguir um para
cada confraria, porque jamais elas aceitariam que as coletas fossem anotadas por ele.
Creio que as próprias irmãs poderão fazer as contas. Para o procurador, restaria
apenas mandar executar os legados, se os houver, em proveito das confrarias e, nesse
caso, parece-me que bastaria um para todas. Refiro-me, senhor Padre, somente a
Beauvais, porque o regulamento ordinário de Liancourt é bom, principalmente quando
recomenda a amizade entre elas e por outras recomendações como os exercícios da
tarde, da manhã, a lembrança da presença de Deus durante o dia, e também, senhor
Padre, que as vagas sejam preenchidas como se disse acima. Por toda a parte há bons
procuradores.

Carta 179. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
210

Vereis, por favor, senhor Padre, se será bom acrescentar um artigo especial para
esse oficial que pede com tanta instância ser admitido, para buscar o bem da confraria,
e se deverá constar no regulamento que haverá duas moças nomeadas por Madame
Liancourt para serem enfermeiras, habitando na casa que a referida senhora doa para
esse fim. Ficarão com a responsabilidade de preparar e levar os medicamentos tanto
aos doentes de Liancourt, como aos de La Bruyère, de Cauffry e Rantigny1. Cuidarão de
visitar os referidos doentes ao menos duas vezes na semana e farão tudo que for
estipulado na escritura de ereção e na fundação que se criará para esse fim.
A coleta, nesses lugares, se faz, aos domingos, nas casas, e, por ocasião das
festas solenes, nas igrejas. Os procuradores mantêm um livro onde anotam as receitas
de cada coleta, e assim também o faz a tesoureira. Os cofres terão duas fechaduras.
Penso ser necessário fazer constar que as pessoas encarregadas deles serão membros
da confraria.
Creio, senhor Padre, que será muito conveniente que em cada cofre haja um
registro como aquele que deixei convosco, a fim de que nele fique consignado tudo que
acontece na confraria. No início do livro, penso que se deve escrever a ata da ereção;
em seguida, o regulamento; depois, o nome das irmãs, a eleição do procurador e das
oficiais; no final, podem ser relatadas as novas eleições.
Lá pela metade do livro, se poderia indicar que aquele espaço fica destinado ao
registro dos nomes das irmãs falecidas e os das que as forem sucedendo. Do outro lado
do livro, poderiam ser anotados os legados piedosos e donativos extraordinários. Numa
outra parte, os móveis pertencentes aos pobres. O livro que trouxe é o de La Bruyère,
porque tem a escritura de ereção assinada por todos.
Penso que a Superiora deveria ter um livro no qual fizesse anotar os nomes dos
pobres doentes, o dia de sua admissão e o do seu falecimento, ou então, o dia em que
deixaram de ser assistidos pela confraria.
Se não me tivésseis pedido para fazer tais anotações, não me teria atrevido nem a
pensar nisso. Não sei por que adiei tanto fazê-lo. Certamente, é porque sinto que meu
espírito está ficando muito lento para o bem, tanto no que se refere ao próximo, quanto
nos meus exercícios particulares.
A irmã Joana de Saint-Benôit 2 acaba de me trazer três jovens de Colombes 3, de
muito boas maneiras, com grande desejo de servirem os pobres em qualquer lugar para
onde forem enviadas. Creio que irão estar convosco por estes dias.
Lamento muito haver perdido o dia que vossa caridade queria reservar-me.
Penso que houve culpa de minha parte. Preciso muito de alguns dias para pensar um
pouco em mim, para renovar-me um pouco. Por isto, senhor Padre, quando for
necessário alguém para trabalhar nos ministérios da Caridade de Saint-Laurent, se
quiserdes dar-me a honra de empregar-me neles, seria necessário me deixásseis ali por
alguns dias, quando poderia aproveitar a ocasião para aquele fim, se o julgardes
conveniente. Mas, pelo amor de Deus, senhor Padre, rogai à sua misericórdia vos dê a
conhecer minhas necessidades. De outra forma, chegarei a persuadir-me de que ele

1.1
Pequenas comunas do Cantão de Liancourt.
22
Paróquia de Paris.
33
No subúrbio de Paris.
211

queira abandonar-me completamente, uma vez que vos permite ter semelhantes
sentimentos.
Envio-vos o relatório do que foi feito em cada uma das assembleias de Beauvais.
Parece-me conveniente que o regulamento que fareis redigir seja para Saint-Sauveur,
e, ao enviá-lo, soliciteis a essa paróquia o remeta às outras, para que possam copiá-lo.
Se quiserdes ter a bondade de reler a carta que vos enviei de Liancourt, talvez
encontreis nela algo além do que hoje vos digo. Perdoai-me, por favor, a falta de
ordem dos assuntos desta carta. Gostaria até de me excusar por minha pouca memória.
Mas vós sabeis como sou e como serei sempre, senhor Padre, vossa muito humilde filha
e mui grata serva,

L. de Marillac.

04 de setembro [16344].

As coletas de Beauvais se fazem todas as segundas-feiras, mas creio ser bom


realizá-las na igreja, nos dias de festa solene. Penso que se se fizer o estabelecimento
da Caridade logo após a missão que o senhor Bispo de Beauvais tem intenção de
mandar pregar lá, será fácil conseguir tudo quanto se possa desejar para o bem da
Confraria. Não me ocupei em propor essa coleta.

Destinatário: Ao senhor Padre Vicente.

180. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Cerca de 16341].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor Jesus Cristo esteja sempre convosco!


O Senhor de Cordes2 manifestou o desejo de que vos pedisse, como faço
humildemente, ter a bondade de ir passar o dia de amanhã em Quinze-Vingts 3, para
estar com as oficiais da Caridade, pela manhã, e todos os dias depois do almoço. Pensa
44
Esta carta tem elos estreitos com as cartas 168, 170, 171, 173 e 174. De acordo com uma outrora acrescentada no
dorso do original, ela seria de 1627; mas esta data com toda certeza é errônea: a Confraria de Saint-Sauveur foi
erigida mais tarde e Luísa de Marillac só começou a se ocupar com as Caridades no decorrer do ano de 1629.
1
Carta 180. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Ver nota 2.
22
Denis de Cordes, conselheiro em Châtelet. Foi a seu pedido e do Senhor Lamy que São Vicente estabelecera a
Caridade nos Quinze-Vingts, quando da missão que ali pregaram, no fim de 1633, os membros da Conferência das
Terças-Feiras (Cf. Abelly, op. cit., t. I, cap. XXIII, fim, p.109). (A ideia do bom magistrado na vida e na morte do
Senhor de Cordes, conselheiro no Châtelet de Paris), por Gordeau, bispo de Grasse, Paris, 1645, in-12.
33
Asilo fundado por São Luís, Rei de França, para trezentos (15x20) cegos pobres. Em 1779, o Cardeal de Rohan
transferiu o asilo da rua Saint-Honoré para o palácio dos Mosqueteiros negros, rua de Charenton, nº 38. A instituição
foi supressa durante a Revolução e restabelecida em 1814.
212

também que a presença da Senhora Poulaillon não prejudicaria e que isso levaria ânimo
para essas bondosas mulheres. Naquele lugar, há certas práticas ausentes em outras
partes: os doentes devem ser admitidos por ordem dos senhores administradores do
hospital, dos quais fazem parte o Senhor de Cordes e o Senhor Lamy. O referido Senhor
de Cordes me propôs hoje que é preciso doravante receber os mais confortados dentre
aqueles que o pedem e dão ofertas para manter a Caridade, vinte famílias ou cerca disso;
mas pensam que é preciso não receber os incuráveis, como os tuberculosos, os doentes
de gota e outros. Seria bom propor a essa boa gente a oferta de vinte ou vinte e cinco
galinhas à Caridade, cujo trato ficaria a cargo de uma das irmãs. A finalidade é produzir
ovos, pois são vendidos muito caro lá dentro.
Bom dia, Senhora. Sou, no amor de Nosso Senhor, vosso muito humilde servo,

V.D.P.

Destinatário: À Senhora Le Gras.

181. ─ A ISABEL DU FAY

[Entre 1620 e 16351].

Senhora,

Vossa entrada em Santa Maria foi adiada para amanhã. Suplico-vos, Senhora,
remeter vossa devoção até lá, ou então confessar-vos com vosso confessor e ir
comungar depois de amanhã na Visitação, porque preciso celebrar lá a missa, entre 7 e
8; depois disto, entrarei no mosteiro. Antes de entrar, farão sair todo mundo da igreja e
mandarão fechar a porta. Sendo assim, ficareis sujeita a muita pressa. Estou vos
avisando tarde demais. Vossa caridade me perdoará.
Quanto a mim, serei, no amor de Nosso Senhor e de sua Santa Mãe, vosso...

182. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Entre 1634 e 16381].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!

1
Carta 181. ─ Reg. 1, fº 68 vº. O copista observa que a escrita do original era de São Vicente.
1
Mesma observação da carta 99, nota 1.
1
Carta 182. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
A carta foi escrita depois da fundação das Filhas da Caridade (29 de novembro de 1633) e antes da partida de
Roberto de Sergis para o sul.
213

Recebi ontem vossa carta e o vosso relatório sobre o regulamento de vossas


filhas, que não tive ainda tempo de ler. Fá-lo-ei o mais breve possível. Quanto ao que
me comunicais sobre elas, não duvido de que sejam tais como me descreveis. É preciso,
porém, esperar que elas vão se adaptando e que a oração as fará ver os próprios defeitos
e as estimulará a se corrigirem. Será bom dizer-lhes em que consistem as virtudes
sólidas, especialmente a da mortificação interior e exterior do juízo, da vontade, das
lembranças, da vista, do ouvido, da fala e dos outros sentidos; a mortificação também
das afeições que temos para com coisas más, inúteis e até mesmo boas, por amor a
Nosso Senhor, que procedeu assim. Será necessário firmá-las solidamente em tudo isso,
mas em especial na virtude da obediência e da indiferença. E como falar muito vos faz
mal, fazei-o apenas de tempos a tempos. Será bom dizer-lhes que é necessário sejam
ajudadas a adquirir e exercer esta virtude da mortificação. Vou falar também para elas a
respeito, a fim de que se disponham para isso.
Permitamos por enquanto a esta filha as práticas da Ordem Terceira a que
pertence. Mandai-a fazer suas devoções à parte, na quarta-feira, por favor.
Gostaria muito que essa viúva de Colombes 2 soubesse ler. Dizei-lhe que venha
estar comigo, por obséquio. Mas qual! acabo de ver, relendo vossa carta, que ela tem
dois filhos. Sendo assim, como então admiti-la?
Esqueço-me sempre de mandar comprar as imagens de vossas filhas. O Padre de
Sergis está de volta. Vou pedir-lhe que o faça.
Estou enviando ao R.P. Faure3 quatro linhas para o filho do senhor Gallois 4.
Gostaria de ter para isso mais crédito junto dele. Ele verá.
Eia, pois! Terminemos com o pedido que vos faço de cuidar de vossa saúde.
Sou, nesta esperança, no amor de Nosso Senhor, vosso muito humilde servo5.

V. D.

183. ─ A MADAME GOUSSAULT

22
Comuna das cercanias de Paris.
33
Charles Faure, nascido em Lucienes, perto de Saint-Germain-en-Laye, a 29 de novembro de 1594, recebeu o hábito
de cônego regular na Abadia de Saint-Vincent de Senlis e fez profissão a 01 de março de 1615. Os exemplos de
relaxamento que tinha sob os olhos não retardaram seu progresso na virtude. Sua reputação de santidade chegou aos
ouvidos do Rei, que lhe confiou a delicada missão de estabelecer a reforma no Mosteiro de Santa Genoveva, em
Paris. O êxito foi tão completo que o Cardeal de la Rochefoucauld, para difundir a reforma, agrupou numa
congregação, com o nome de Congregação de França, diversas casas dos cônegos regulares espalhadas por todas as
províncias do reino, colocou-as sob a dependência da Abadia de Santa Genoveva e nomeou o Padre Faure como
Vigário Geral do novo Instituto. O Padre Faure visitou os estabelecimentos, impôs-lhe regulamentos, fundou
seminários. A Congregação da França foi erigida canonicamente por uma Bula de 03 de fevereiro de 1634. A 17 de
outubro, o capítulo geral elegeu o Padre Faure superior geral, por um período de três anos. Foi reeleito em 1637. As
Constituições não permitiam uma terceira eleição. Cedeu então lugar em 1640 ao Padre Boulart, mas conservou
poderes tão extensos que seu sucessor nada podia fazer, a não ser com seu conselho. O triênio do Padre Boulart tendo
terminado, o Padre Faure foi novamente posto à frente da Congregação de França. Caiu doente no mesmo ano e
morreu, a 04 de novembro de 1644. Suas relações com São Vicente foram antes frias e reservadas. Deixou várias
obras ascéticas (Cf. Lallement e Chartonnet, op. cit.).
44
Talvez o filho de Felipe Gallois, notário de São Vicente.
55
São Vicente termina a carta com as iniciais v. s. V.D., sem se dar conta de que a fórmula vosso servo está repetida.
214

[1634 ou 16351].

Madame,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Penso que é conveniente pedir a Madame Fortia 2 para ir, às três horas, a vossa
assembleia das oficiais, onde estarei presente, para pensarmos o que será necessário
fazer, com respeito à dificuldade por que passa o Hospital Geral. Ela tem grande
conhecimento daquela casa, tem bom espírito e faz o bem que é possível. Tende a
bondade, igualmente, Madame, por obséquio, de rogar à senhora Poulaillon e à senhora
du Fay para irem também e de me enviar vossa carruagem a la Madeleine, em torno de
duas horas e meia.
Desejo-vos entretanto um bom dia e sou, Madame, vosso muito humilde servo,

Vicente de Paulo.

Segunda-feira, às 10 horas.

Embaixo da primeira página: Madame Goussault.

184. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Depois de 16311].

Senhora,

Estou vos encaminhando a Senhora Brou2, tesoureira de Saint-Barthélemy 3. Na


impossibilidade de ter a honra de conversar mais longamente com ela, porque estou com

1
Carta 183. ─ C. aut. ─ Original em Marselha, com as Filhas da Caridade da rua Vincent-Leblanc, 22.
1
A carta foi escrita quando a Senhora du Fay estava em vida (antes de 1636) e depois da instituição das Damas do
Hospital Geral (1634).
22
Provavelmente Ana de la Barre, viúva de Francisco de Fortia, conselheiro do Rei, referendário dos requerimentos
ordinários do palácio.
1
Carta 184. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Não havia, antes desta data, Confraria da Caridade em Saint-Barthélemy (Cf. Abelly, op. cit., t. I, cap. XXIII, p.
109).
22
A Senhora Brou tinha provavelmente parentesco com Madame de Brou, que fez parte da Associação das Damas do
Hospital Geral e chamou as Filhas da Caridade para Bernay, onde as manteve com seus generosos donativos.
Madame de Brou era prima do Senhor de Vincy.
33
Paróquia de Paris.
215

pressa, peço-vos fazê-lo e considerá-la como boa serva de Deus e digna de um bom
trabalho para a sua glória.

185. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[1634 ou 16351].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


A senhora Poulaillon está reclamando a jovem. Vós a enviais, por obséquio,
acompanhada por seu lacaio. Poderia ela ir a pé ou seria bom emprestar-lhe vosso
cavalinho? A primeira alternativa seria mais edificante. São nove léguas daqui. Se não
puder fazer a viagem num dia, ela o faria em dois. Mantende-a pronta, portanto, por
favor, para quando o lacaio chegar. Peço a Nosso Senhor abençoar a bondosa moça.
A Senhora du Fay está gravemente enferma. Não vos peço para recomendá-la a
Nosso Senhor: estou certo de que o fareis.
Bom dia, Senhora. Sou, no amor de Nosso Senhor, Senhora, vosso muito humilde
servo,

V. de Paulo.

Tarde de terça-feira.

Mandarei dizer ao lacaio que venha amanhã de manhã.

Destinatário: À Senhora Le Gras.

186. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Cerca de 16341].

Penso, Senhora, que é oportuno chamar de volta a moça que está com Madame de
Suivry, e que a mandeis buscar. Veremos, entretanto, o que será preciso fazer.
Estou indo para o Colégio2 e tratarei de estar com o Senhor Le Gras.
A irmã Alix vos trouxe uma jovem e fala de uma outra. Ficastes com a primeira?
Bom dia, Senhora. Sou v. s.

V.D.
1
Carta 185. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Data provável da morte de Isabel du Fay, cuja grave enfermidade São Vicente anuncia aqui a Luísa de Marillac.
1
Carta 186. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Esta carta parece ter sido escrita no início das Filhas da Caridade.
22
Ao Colégio dos Bons-Enfants, onde estava então Miguel Le Gras.
216

i. p. d. la M3.

187. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

Senhora,

Vossa carta me parece sensata. O espírito maligno se infiltra na intenção da


assistência espiritual dessas pobres mulheres. O Senhor Chenevis me falou disso ainda
esta manhã e diz que os Chevitanos se melindram muito com isso e diz que elas não são
da comunidade. Rogo-vos esclarecer o caso. O pior que pode acontecer é ter de deixar
tudo. Se isso ocorrer, tudo bem. Importa contudo reconhecer de mansinho donde vem o
mal e pensar nos remédios. Estou indo ver a presidente Madame Goussault, na qual não
transparece o que dizeis: que lhe faláveis com liberdade demasiada. Sede sempre muito
simples e sincera, e rogai a Deus me conceda estas duas virtudes.
Sou, no seu amor...

São Lázaro, 29 de outubro de 1634.

188. ─ A FRANCISCO DU COUDRAY

Senhor Padre,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Recebi vossa carta, de 08 de outubro, parece-me, na qual me comunicais o que o
senhor Padre Le Bret vos disse, a saber, que D. Lebret, seu primo, lhe escreveu a
respeito de vosso retorno. Ora, é necessário que vos diga diante de Deus, em cuja
presença eu falo, que não sei de que se trata. Não disse uma palavra nem nada parecido,
que eu saiba, a D. Lebret, que lhe tenha dado motivo para escrever aquilo. Talvez tenha
isso surgido do fato de lhe terem falado por lá que não tínheis mais nada a fazer em
Roma, e que tenhais dito que deveríeis partir dentro de quinze dias. Eis tudo o que sei
disso e o que posso dizer-vos, por conjectura, pois este bom Padre nada me disse sobre
o que escreveu.
Quanto ao que dizeis que ele vos disse, e antes, de coisas no mesmo espírito, dir-
vos-ei que, falando com esse bom Padre de nossos negócios de Roma – já que o senhor
Padre Le Bret lhe escreve tudo que ocorre – falando, digo, de nossa permanência em
Ferrara, testemunhei-lhe o pesar em que me encontrava por isso, sem lhe ter dito nada
que não pudesse dizer em vossa presença, sem vos dar motivo para aborrecimento
algum. Esse bom padre tem, na verdade, um tal zelo por nós que chego a duvidar se o
tenho tão grande pela Missão quanto ele; ele me diz que queria escrever a seu primo,
padre, que levasse as bulas, na vossa ausência. Ora, como me disse isso, de imediato, à

33
Iniciais das palavras: indigno padre da Missão (indigne prêtre de la Mission).

Carta 187. ─ Manuscrito São Paulo, p. 33.
Carta 188. ─ Coleção do processo de beatificação.
217

primeira vista, não prestei tanta atenção a suas palavras; mas repassando-as em meu
espírito, mandei encontrá-lo expressamente para lhe pedir nada fizesse, no caso, porque
temia causar-vos desgosto e via que era conveniente fosse isso feito por vós. Não
obstante, soube depois que ele escrevera alguma coisa a respeito, pelo que fiquei
extremamente pesaroso.
Eis, senhor Padre, tudo que posso dizer no tocante a isso, com toda a liberdade e
simplicidade a mim possível. Ficai certo de que esse bom padre nutre por vós, graças a
Deus, apenas bons sentimentos, cheios de estima e afeição, e certamente com razão.
Por esse motivo, vos suplico muito humildemente não dar azo a pensamento
algum contrário ao que vos digo e afastar de vós o que, pela vossa carta, vejo que
concebestes a meu respeito e desse bom padre. Sabeis que a bondade de vosso coração
me deu, pela graça de Deus, a liberdade de vos falar com toda a confiança, e sem nada
vos esconder nem disfarçar. Aliás, parece-me que sabeis e acreditais nisso, até o
presente, pelo meu modo de proceder convosco. Jesus, meu Deus! estaria eu reduzido a
tal desgraça, a ponto de precisar fazer ou dizer algo a vosso respeito, contra a santa
simplicidade! Oh! guarde-me Deus de tal coisa, e a respeito de quem quer que seja! É a
virtude que mais amo e à qual dou mais atenção em minhas ações, como me parece; e,
se me for permitido dizê-lo, di-lo-ei que é com algum progresso, pela misericórdia de
Deus.
Em nome de Deus, meu Padrezinho, rejeitai esses pensamentos como tentações
que o espírito maligno lança em vosso espírito e crede que meu coração não é tanto o
meu, mas o vosso, e que sois para mim, maior motivo de prazer e consolação do que eu
mesmo o pudesse ser para mim. E é esse o motivo que me faz esperar vosso regresso.
Mas não desejo que o seja no rigor do inverno e com tal perigo, mas da maneira como
vos escrevi, em minha última carta, isto é, pelo mês de fevereiro ou março, a não ser
que pegueis as galeras de França que devem levar o Cardeal de Lyon 1 a Roma. Ele deve
partir pelo Advento. Nesse caso, seria bom pedir ao Padre Gilioli para ir encontrar-se
convosco em Roma, ou então ir buscá-lo, a fim de irem esperar as galeras em Livourne
(Livorno), porto de mar, de Florença.
Nada vos digo sobre a questão de São Lázaro, porque já vos comuniquei que
pedísseis a assinatura da súplica pelo Papa, para dar sólida firmeza à questão, para
sempre, como me escreveis. E se fosse possível o despacho a bom preço, seria preciso
providenciá-lo.
Eia, pois, senhor Padre, tudo o que vos direi, no presente, a meu respeito,
acrescentado que vos saúdo com toda ternura do meu coração e vos peço cuidar de
vossa saúde.
Sou, no amor de Nosso Senhor, senhor Padre, vosso muito humilde e obediente
servo,

11
Afonso de Richelieu, irmão do Cardeal Ministro. Ia a Roma dar mão forte ao embaixador ordinário, Henrique de
Noailles, para obter do Papa a declaração de nulidade do casamento que Gastão de Orléans acabava de contrair com
Margarida de Lorena. A lentidão das negociações acabou por impacientar o ministro de Luís XIII, que escrevia a 03
de outubro de 1635: “Seria importante que o Rei enviasse a Roma alguma pessoa de condição, na qualidade de
embaixador extraordinário, que fosse de natural mais vigorosamente ativo do que o Senhor de Noailles e que o
Cardeal de Lyon” (Cartas, instruções diplomáticas e papéis de Estado do Cardeal Richelieu, Paris, 1853-1877, 8 vol.
in-4, t. IV, p. 307).
218

Vicente de Paulo.

São Lázaro, 06 de novembro de 1634.

Destinatário: Ao senhor Padre du Coudray, padre da Missão, em Roma.

189. ─ A JEAN DE FONTENEIL1

07 de dezembro de 1634.

Senhor Padre,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


O Padre de la Salle me escreveu várias vezes sobre a afeição que Nosso Senhor
vos inspirou por nossa pequena maneira de viver, por ele e pelo Padre Brunet, e sobre a
que tendes no trabalho pela salvação do pobre povo. Escreveu-me também, em certas
ocasiões, sobre vossa afeição pos nós2. Por tudo isso vos agradeço, senhor Padre, muito
humildemente, e rogo a Nosso Senhor seja ele mesmo nossa gratidão para convosco e
vossa recompensa. Derrame sobre vós cada vez mais a abundância de suas graças e
bênçãos.
Ó senhor Padre, como meu coração fica repleto de consolação, todas as vezes que
o referido Padre de la Salle me escreve sobre o vosso zelo pela savação das almas, vossa
assiduidade no esforço por conquistá-las, as bênçãos que Nosso Senhor vos concede e a
virtude sólida que está em vós! Com certeza, senhor Padre, tudo isso produz em mim
uma alegria, que não sou capaz de vos exprimir, e um fervor todo especial, ao pedir a
Deus que lhe apraza continuar a conceder-vos as mesmas graças, e a aumentá-las.
É essa, senhor Padre, a recompensa que podeis esperar de nós por tantos atos de
caridade, incessantemente praticados aí em nosso favor. Acrescento a mais, senhor
Padre, a oferta que vos faço de nossa pequena Companhia e dos seus serviços, com todo
afeto e humildade a mim possíveis. Minha particular afeição por vós me dá a confiança
de me recomendar a vossas santas orações.
Sou, no amor de N. S., senhor Padre, vosso muito humilde e obediente servo,

1
Carta 189. ─ Reg. 1, fº 14 vº. O copista observa que o original era da escrita de São Vicente.
1
Jean de Fonteneil, nascido em Bordéus, cerca de 1605, foi amigo e imitador de São Vicente. Suas grandes
qualidades fizeram-no obter as mais altas dignidades da diocese. Foi nomeado Cônego de Saint-Seurin em julho de
1623, Vigário Geral arquiepiscopal particular, a 01 de novembro de 1639, vigário perpétuo da igreja paroquial de
Sainte-Colombe, depois, de Saint-Siméon, em Bordéus, Arcediago-mor, Chanceler da Universidade de Bordéus, em
1650, Vigário Geral da diocese, a 10 de setembro de 1655. Convencido, como seu amigo São Vicente, do grande bem
que eram destinados a fazer os seminários, as missões, os retiros e as reuniões semanais dos eclesiásticos para tratar
juntos de questões de teologia, de disciplina ou de piedade, fundou, para esse fim, a Congregação dos Missionários
do Clero, que dirigiu o seminário dos ordinandos de Bordéus, os seminários de Aire e de Sarlat e foi empossada da
capela de Notre-Dame-de-Montuzet, das paróquias de Saint-Louis-du-Marais e de Saint-Simon-Cardonnat (Gironde).
A Congregação durou pouco. Sobreviveu apenas três anos ao seu fundador, falecido em Bordéus, a 02 de março de
1679 (Cf. Bertrand, História dos Seminários de Bordéus e de Bazas, Bordéus, 1894, 3 vol., t. I, p. 207 e seg.).
22
Não havia muito tempo que os Padres de la Salle e Brunet trabalhavam na diocese de Bordéus, porque o poder de
nela pregar e confessar lhes fora conferido a 21 de outubro precedente (Bertrand, ibid., p. 215).
219

Vicente de Paulo
p. d.l. M. i.3

190. ─ AO SENHOR PADRE BELIN

16 de dezembro de 1634.

Senhor Padre,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Chegou enfim o tempo de irmos respigar, depois das grandes ceifas que Nosso
Senhor fez, por vosso intermédio, nessa região. Suplico-vos, senhor Padre, dar
continuidade à vossa caridade para com a Companhia e de adverti-la de tudo que for
oportuno in Domino (no Senhor). Vereis gente totalmente nova, em todos os sentidos.
Mas o que fazer? São as vicissitudes a que nos submete a Providência.
Peço-vos falar de coração aberto e sem reservas com o Padre Grenu e cada um dos
outros, no tocante a avisos que julgardes oportuno dar-lhes, em dadas circunstâncias. De
outra forma, tanto eles como os homens mais prudentes poderiam cometer erros.
E se vossa caridade puder, aceitaríeis ir a Saint-Nom 1 ou a Clayes dar catecismo e
confessar? Fazei-o, vos suplico, e escolhei onde. Sabeis bem que Nosso Senhor vos fez
missionário, que fostes vós, na verdade, quem mais participou da concepção, da
gestação, do nascimento e do progresso da Missão, e que, não fossem os testemunhos
evidentes dados por Deus, de que vos queria em Villepreux, estaríeis totalmente na
Missão. Para mim, eu vos considero como um perpétuo e perfeitíssimo missionário.
O bom Padre Pillé2 está nos Bons-Enfants, sofrendo um pouco do estômago. O
Padre Portail está doente da vista e eu, das pernas. Mas os três vos queremos bem, de
todo o nosso coração. Cuidai, senhor Padre, em nome de N. S., de rogar a Deus nos
conceda a graça de lhe fazer a vontade em tudo, e sou, no seu amor, senhor Padre, vosso
muito humilde servo,

Vicente de Paulo.

Suplico-vos que mandeis arranjar um moço para levar e preparar a comida para o
Saint-Nom. Será pago lá.

191. ─ A LUÍSA DE MARILLAC


33
A inicial “i” está no final, ao contrário da carta 186. O sentido é o mesmo, ficando trocada apenas a ordem das
palavras: “padre da Missão, indigno” (N. do T.).
1
Carta 190. ─ Reg. 1, fº 1, vº. O copista nota que o original é da escrita de São Vicente.
1
Saint-Nom-la-Bretèche (Seine-et-Oise).
22
Padre da diocese de Sens, admitido na Congregação da Missão por volta de outubro de 1631, superior do Colégio
dos Bons-Enfants de 1635 a 1638, falecido em Paris, a 07 de outubro de 1642. São Vicente retratou-lhe a vida e fez o
elogio de suas virtudes, numa longa carta circular que será inserida bem mais adiante. Encontra-se nos Arq. Nac. M
211, masso 1, uma cópia do seu testamento.
220

[Antes de 16401].

...se achardes conveniente fazer-lhe a proposta, fazei-a. Se não, não lhe digais uma
palavra a respeito. Estou vos devolvendo a carta de Madame de Villegoubelin 2.
Falaremos, depois do vosso retiro, sobre o seu conteúdo. Muito bem. Como estais
agindo? Não vos estais apressando? Em nome de Deus, ide com suavidade, da maneira
como podeis imaginar que faria nosso bem-aventurado Pai, o senhor Bispo de Genebra3.
Bom dia, Senhora. Sou, no amor de Nosso Senhor, Senhora, vosso muito humilde
e obediente servo,

Vicente de Paulo.

Manhã de terça-feira.

Destinatário: À Senhora Le Gras.

192. ─ JEAN DE LA SALLE E JEAN JOSÉ BRUNET A SÃO VICENTE1

As pregações estão sendo muito frequentadas na diocese de Bordéus. Os fiéis vêm de


longe. É tão ardente seu desejo de fazer uma confissão geral que esperam a vez semanas
inteiras, sem voltar para casa. Prefeririam morrer a perder a ocasião de se reconciliarem com
Deus. Há alguns que se acusam em voz alta, para melhor se humilharem.

193. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Entre 1634 e 16391].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Falei com a Madame Ministra da Justiça 2 sobre a Caridade das filhas. Ela
entregou cem escudos à presidente Madame Goussault, que vo-los enviará hoje; e o que
é mais, deseja ir ao campo convosco.
Bom dia, Senhora. Sou v. s.
1
Carta 191. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original. O início da carta foi cortado e se perdeu.
1
Depois de 1639, as palavras “Manhã de terça-feira” figurariam no cabeçalho da carta.
22
Ver carta 169.
33
São Francisco de Sales.
1
Carta 192. ─ Abelly, op. cit., t. II, cap. I, sec. II, § 8, 1ª ed., p. 50.
1
Esta carta, diz Abelly, é de missionários que São Vicente enviou em 1634 “para trabalhar na diocese de Bordéus”;
esses missionários, a carta 189 no-los dá a conhecer.
1
Carta 193. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
A carta foi escrita entre a instituição das Filhas da Caridade e a morte de Madame Goussault.
22
Madame Séguier.
221

V. D.

Destinatário: À senhora Le Gras.

194. ─ A CHARLES CHRÉTIEN DE GOURNAY, BISPO DE TOUL1

19 de janeiro de 1635.

São Vicente roga a Charles Chrétien de Gournay, que lhe pede uma entrevista, ter a
bondade de aguardar alguns dias, porque deveria começar no dia seguinte a visita das Filhas de
la Madeleine, que se estenderá durante ao menos uma semana e que é esperado no domingo
seguinte, festa do Santo Nome de Jesus, em Montreuil, onde deve fazer uma pregação e se pôr a
par do funcionamento da confraria estabelecida naquele lugar.

195. ─ A N***

[Por volta de 16351].

Caí doente com perigo, há dois ou três dias, o que me fez pensar na morte. Pela
graça de Deus, adoro sua vontade e a ela me submeto com todo meu coração.
Examinando-me sobre o que poderia causar algum pesar, encontrei apenas o fato de não
termos ainda redigido nossas regras2.

196. ─ A GUY FRANCISCO DE MOTHOLON1

[1635, depois de 28 de março2].

Exmo. Senhor,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!

1
Carta 194. ─ Collet, op, cit., t. I, p. 355, em nota, conforme o original, encontrado em Toul.
1
Nomeado em 1634, falecido em Nancy, a 14 de setembro de 1637.
1
Carta 195. ─ Abelly, op. cit., t. I, cap. II, p. 252.
1
Abelly diz que este fragmento de carta foi escrito pelo Santo mais de vinte e cinco anos antes de sua morte,
ocorrida, como se sabe, a 27 de setembro de 1660.
22
São Vicente só começou prepará-las em 1642.
1
Carta 196. ─ Boletim do Bibliófilo e do Bibliotecário, 1872, p. 382. O original, do qual pudemos ter informação, é
propriedade da família de Montholon. Encontra-se em Quevillon, perto de Rouen, no Castelo de la Rivière-Bourdot.
1
Senhor de Vivier e de Aubervilliers, advogado no Parlamento e Conselheiro de Estado, falecido a 24 de janeiro de
1679, com a idade de 78 anos.
22
Lambert aux Couteaux informava Guy Francisco de Montholon, a 28 de março de 1635, que seu irmão estava há
dois dias num estado semelhante ao da loucura (Arquivos do Príncipe de Montholon de Umbriano, Inventário dos
Títulos da casa de Montholon (1200-1900), Paris, 1901, in-4º, nº 490).
222

Dir-vos-ei, com extremo pesar, que sou indigno da honra de vossa benevolência,
por não ter sabido guardar o senhor vosso irmão3, que fugiu esta tarde por uma pequena
porta isolada, que serve para o nosso leproso4, enquanto conversava com vosso
escriturário, que veio de vossa parte encontrar-se comigo, sobre o assunto de uma carta
que vos tinha escrito. Acabava de deixá-lo com um religioso daqui5 no jardim...
Ele veio estar comigo e só fiz conduzi-lo até a porta, lá onde me disseram que
vosso escriturário me chamava. Mal estive com ele e vieram dizer-me: o cavalheiro está
fugindo. Na mesma hora, fui ao jardim e de lá à pequena porta pela qual me disseram
que ele acabava de sair e que estava com um dos religiosos daqui. Acredito piamente
que ele não lhe tinha ensinado o lugar por onde se safou. Quanto a mandar correr atrás,
não temos pessoal próprio para isso. Aliás os soldados o teriam infalivelmente
socorrido6. Não consigo expressar, Senhor, em que aflição isso me colocou, sendo esse
o primeiro serviço que me solicitastes. Só Deus sabe que pungente incômodo esse mau
serviço me traz. Não fosse a esperança de que vossa bondade me perdoe e de que vos
servireis desse transtorno para guardá-lo com mais segurança, não sei quem poderia
cosolar-me. Recorro, pois, de novo, à vossa bondade, Senhor, e suplico-vos, por amor
de Nosso Senhor, queira perdoar-me.
Na certeza de vossa bondade, sou, no amor de Nosso Senhor e de sua Santa mãe,
Senhor, vosso muito humilde e muito obediente servo,

Vicente de Paulo.

São Lázaro, sábado, à tarde7.

197. ─ A ANTÔNIO PORTAIL, PADRE DA MISSÃO

Senhor Padre,

33
Por ter desposado clandestinamente, a 29 de julho de 1632, Jeanne Jeannesson, cuja posição social não batia com a
sua, Jean de Montholon fora preso a 05 de dezembro de 1634 e encerrado na prisão de São Lázaro, a pedido do seu
irmão e tutor Guy Francisco, depois da sentença da Prepositura de Paris. Tinha vinte e um anos quando do seu
encarceramento (Arq. do Príncipe de Montholon de Umbriano, nº 480 e 483).
44
São Lázaro era uma antiga leprosaria. Na concordata passada, a 07 de janeiro de 1632, entre São Vicente e os
antigos religiosos de São Lázaro, está dito que a casa não abrigava no momento leproso algum. Foi feito um
compromisso pelo Santo de acolher e abrigar gratuitamente os leprosos que se apresentassem. A presente carta é, de
nosso conhecimento, o único documento que assinala a presença de um leproso em São Lázaro, depois de 1632. Em
sua súplica ao Papa Urbano VIII, São Vicente observava (C. 178), que não havia, há muito tempo, leprosos no
priorado.
55
Um religioso do antigo São Lázaro.
66
A prisão de São Lázaro recebia loucos e incorrigíveis. Quando São Vicente tomou posse do priorado, ela continha
apenas dois ou três pobres aliendados. O número aumentou depois. O bondoso Santo velou por eles com afeto de um
pai. Um dia em que, ameaçado de ser espoliado de São Lázaro por ávidos competidores, ele se perguntava o que mais
lhe custaria ao sair, seu pensamento se voltou para os alienados dos quais tinha a guarda. “Parece-me, nessa hora,
disse ele em um colóquio, que seria não ver mais essa pobre gente e ser obrigado a abandonar-lhe o cuidado e o
serviço”. (Cf. Abelly, op. cit., t. II, cap. VI, p. 305 e seg.). O único catálogo dos detidos que nos resta vai de 1692 a
1734 (Arq. Nac. MM 543). Nele encontramos mais de um nome ilustre.
77
Jean de Montholon desposou legalmente depois Jeanne Jeanesson. Assumiu o serviço no exército , adquiriu em
1640 o senhorio de Bordes-Cocherets e desposou em segundas núpcias, em 1647, a Senhorita Luísa de Chesneton
(Arquivo do Príncipe de Montholon de Ubriano, nº 551, 568, 605).
223

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Recebi duas de vossas cartas desde vossa partida, melhor dizendo, três, uma de
Brie-Comte-Robert1, a outra, de Lion e a última, no dia seguinte a Quasimodo 2, de
Luzarches3, vossa primeira missão. Não vos dei resposta à primeira, porque só a recebi
oito dias após, ou mais ou menos isto, e pensei que minha carta não vos alcançaria em
Lion; nem à segunda, porque não o julguei oportuno. Envio-vos a resposta às três.
Digo-vos pois, quanto à primeira, que penso não terdes necessidade de outra
licença além da que vos dei; quanto à segunda carta, louvo a Deus pelo que me
comunicais no bilhetinho.
Falemos da terceira. Na verdade, senhor Padre, ela me trouxe uma consolação
maior do que vos posso exprimir, pelas bênçãos que foi do agrado de Deus derramar
sobre vossos humildes trabalhos de catequese e sobre as boas pregações do Padre Lucas,
como me dissestes, e sobre tudo mais que se seguiu.
Ó senhor Padre, como foi bom que tenhais sofrido humilhação! Primeiro, porque,
de ordinário, os êxitos obtidos são marcados por essas provações, e é deste modo que
Nosso Senhor prepara aqueles de quem deseja se servir para sua glória! Quanto foi ele
mesmo humilhado desde o início de sua missão! Como extrema gaudii luctus occupat4
(a alegria termina em tristeza), também se diz dos que trabalham em meio a angústias e
aflições que tristitia eorum vertetur in gaudium (a tristeza deles se transformará em
alegria). Amemos este último dito e temamos o primeiro. Em nome de Deus, senhor
Padre, peço-vos, a vós e ao Padre Lucas, entrar nesses sentimentos e nada pretender em
vossos trabalhos, a não ser vergonha, ignomínia e, enfim, a morte, se aprouver a Deus.
Um padre não deve morrer de vergonha por pretender fama no serviço que presta a
Deus e falecer tranquilo na cama, vendo Jesus recompensado por seus trabalhos com o
opróbrio e o patíbulo?! Lembrai-vos, senhor Padre, que vivemos em Jesus Cristo pela
morte de Jesus, e que devemos morrer em Jesus Cristo pela vida de Jesus Cristo, e que
nossa vida deve permanecer escondida em Jesus Cristo e plena de Jesus Cristo, e que,
para morrer como Jesus Cristo, é preciso viver como Jesus Cristo. Ora, postos estes
fundamentos, entreguemo-nos ao desprezo, à vergonha, à ignomínia e rejeitemos as
honras que nos prestam, a boa reputação e os aplausos que nos dão, e tudo façamos para
viver neste espírito.
Trabalhemos humilde e respeitosamente. Não desafiemos os ministros5 no púlpito.
Não digamos, a não ser raramente e com espírito de humildade e compaixão, que eles
não seriam capazes de demonstrar passagem alguma dos seus artigos de fé com a
Sagrada Escritura. Com efeito, de outro modo, Deus não abençoará nosso trabalho.
Afastaremos o pobre povo de nós. Vão pensar que houve vaidade em nossa atitude, e

1
Carta 197. ─ Coleção do processo de beatificação.
1
Hoje, centro administrativo de Cantão em Seine-et-Marne. Esta localidade já tinha recebido a visita dos
missionários e do próprio São Vicente. Possuía sua Confraria da Caridade, desde quatro anos. Graças a uma fundação
do Comendador de Sillery, de cinco em cinco anos, será pregada, nesse lugar, uma missão.
22
Quasimodo, de Quasi modo, palavras iniciais do antigo introito latino da missa do domingo da oitava da Páscoa.
Daí vem o cálculo, a partir do ano de 1635, para se chegar a 16 de abril, data constante na nota 2 de P. Coste. O texto
latino é tirado de 1 Pd 2,2: Quasi modo geniti infantes. Como crianças recém-nascidas... (N. do T.).
33
Hoje, centro administrativo de Cantão, em Seine-et-Oise.
44
Pr, 14, 13.
55
Trata-se de pastores protestantes, assim denominados na época.
224

não acreditarão em nós. Cremos num homem não por ser muito sábio, mas porque nós o
estimamos bom e o amamos. O diabo é muito sábio e nada cremos, contudo, do que diz,
porque não o amamos. Foi preciso a Jesus Cristo dar o primeiro passo no amor àqueles
que ele quis cressem nele. Façamos o que quisermos, jamais acreditarão em nós, se não
dermos testemunho de amor e compaixão para com os que desejarmos que acreditem
em nós. O Padre Lambert e o Padre Soufliers, por terem agido assim, passaram por
santos pelos dois partidos6, e Nosso Senhor fez grandes coisas por eles. Se procederdes
deste modo, Deus vos abençoará os trabalhos; se não, fareis apenas barulho e fanfarras,
mas pouco fruto.
Não vos digo isto, senhor Padre, por ter sabido que fizestes o mal de que falo, mas
a fim de vos acautelar e para que trabalheis constante e humildemente com espírito de
humildade7. Que o Padre Lucas continue, portanto, nas pregações e vós, no catecismo.
Duvido muito que o Padre Olier8 e Perrochel9 vão estar convosco. O primeiro já
tinha partido e o outro devia acompanhá-lo alguns dias depois. Mas o Padre Olier ficou
retido pela insistente proposta que o senhor Bispo de Langres 10p10 mandou-lhe fazer de
assumir sua diocese. Estão em negociações. A coisa ainda é duvidosa por causa das
condições. Há mais robabilidade de que venha a acontecer do que o contrário 1111. O
referido senhor Padre Olier não deixará, contudo, talvez, de fazer uma pequena viagem
até Pébrac, para fazer o contrato do seu arrendamento. Se o Padre Perrochel tivesse
algum companheiro, não deixaria talvez de ir estar convosco. Veremos. Suplico-vos,
entretanto, escrever-me com frequência e informar-me a quem endereçarei minha carta,
em Mende.
Enviei esta tarde a carta do Padre Lucas ao senhor Tinien, como também ao Padre
Olier, a dele, pois só recebi a vossa nesta manhã.
Que vos direi de nossas notícias? Todos estão bem, graças a Deus. Recebemos,
depois de vossa partida, um cavalheiro de Limoges que pertencera à Reforma, parente

66
Partido Devoto (católicos) e Partido Huguenote (protestantes).
77
São Vicente sabia que Antônio Lucas, companheiro de Antônio Portail, era de temperamento ardoroso e inclinado a
controvérsias, para as quais, aliás, tinha grande talento.
88
O Padre Olier se arrependeu por não ter ido em socorro dos dois padres da Missão. O pesar que experimentou foi
tão vivo que a saúde quase lhe ficou abalada: dois anos de remorsos pungentes, contínuos escrúpulos, acompanhados
de “aridez e densas trevas”, de lágrimas e suspiros (Faillon, op. cit.,t. I, pp. 158, 180, 181).
99
Francisco Perrochel, nascido em Paris, a 18 de outubro de 1602, era primo do Padre Olier. Foi do número dos
eclesiásticos piedosos e zelosos que se agruparam em torno de São Vicente para se estimular com o seu espírito e
trabalhar sob sua direção. Pregou missões em vários lugares, especialmente na Auvérnia, em Joigny e no bairro Saint-
Germain. Fez parte da Conferência das Terças-Feiras e assistiu às reuniões nas quais se organizou a obra dos retiros
dos ordinandos. Nomeado Bispo de Boulogne, foi convidado a fazer os colóquios para os ordinandos reunidos nos
Bons-Enfants e o fez tão bem que a Rainha quis ouvi-lo. Sensibilizada com suas palavras, deixou generosas esmolas
para o Santo, a fim de ajudá-lo a cobrir uma parte dos gastos feitos com os retirantes. Francisco Perrochel foi sagrado
na igreja de São Lázaro, a 11 de junho de 1645. O episcopado deste santo prelado é um dos mais fecundos e gloriosos
que a diocese de Boulogne conheceu. Quando, combalido pela idade e as enfermidades, o Bispo de Boulogne se viu
na impossibilidade de governar convenientemente a diocese, deu sua demissão. Era o ano de 1675. Coroou sua
carreira a 08 de abril de 1682, com uma morte digna de sua vida (Cf. Van Drival, História dos bispos de Boulogne,
Boulogne-sur-Mer, 1852, in-8º).
10p10
Sebastião Zamet, nascido em 1588, sagrado em 1615, falecido em seu castelo de Mussy a 02 de fevereiro de
1655. O abade Prunel publicou sua vida (Sebastião Zamet, bispo-duque de Langres, par de França, Paris, in-8º,
1912) e suas cartas espirituais (Cartas espirituais de Sebastião Zamet, precedidas dos Avisos espirituais, Paris, 1911,
in-8º).
1111
Esta carta é o único documento que faz menção da oferta do Bispo de Langres a Jean-Jacques Olier. Sua
descoberta pôs fim às conjecturas dos biógrafos do fundador de São Sulpício (Cf. Frederico Monier, op. cit., t. I, p.
128, nota 3).
225

do senhor de Saint-Angel, e um estudante da Auvérnia12;12 por outro lado, conseguimos


convencer o Padre Flahan que estaria melhor fora da Companhia. Acaba de ir embora,
há, aproximadamente, uma hora. Penso que vamos receber também um primo do Padre
Meyster1313, anteriormente irmão Etienne 1414. O Padre de la Salle recebe grande
assistência de Deus em sua missão1515. Também os que estão na Normandia. Escrevi ao
Padre Coudray para voltar com o Padre Gilioli1616.
São estas as notícias. Ainda não li vossa carta para a comunidade. Fá-lo-ei,
amanhã, com a graça de Deus, em cujo amor saúdo e abraço afetuosamente o Padre
Lucas e também a vós. Não quero esquecer o Irmão Felipe e nem a simplicidade com
que vos falei. Sou, senhor Padre, vosso muito humilde e obediente servo,

Vicente de Paulo.

Paris, 01 de maio de 1635.

Destinatário: Ao senhor Padre Portail.

198. ─ A ANTÔNIO LUCAS

28 de junho de 1635.

O Santo repreende com suavidade a Antônio Lucas, por seu modo de proceder
com os hereges, que ele tratava com desprezo e provocava para disputas.

12;12
Annet Savinier, nascido em Clermont-Ferrand, ordenado padre em março de 1637.
1313
Etienne Meyster foi um dos maiores missionários do século XVII. O Padre du Ferrier dizia dele que era “o
primeiro homem do mundo nas missões” e o Padre de Condren, que “era um homem a opor ao anticristo”. Nascera na
cidade de Ath (Bélgica), da antiga diocese de Cambrai. A reputação de São Vicente o atraiu. Entrou na Congregação
da Missão no fim de 1634, depois de recebido o subdiaconato. Foi ordenado padre em 1635 e deixou São Vicente em
1636, para se associar a Jean-Jacques Olier e se colocar sob a direção do Padre de Condren. Pregou em diversos
lugares com grande sucesso. A missão de Amiens foi particularmente célebre. Conquistara tal ascendência sobre o
povo, disseram, que teria podido entregar a cidade aos espanhóis. O Padre de Condren escrevia um dia ao padre
Olier: “Temos que venerá-lo e nos humilhar por não sermos dignos da graça que Deus lhe faz... Tenho a impressão de
reconhecer nele algo da graça apostólica, da qual suplico a Nosso Senhor nos tornar participantes”. E acrescentou
mais adiante: “É preciso que ele não sirva de regra para os outros”. O Padre Meyster não trilhava, com efeito, por
caminhos comuns. Seu juízo não estava à altura do seu grande talento. “Tinha pouco bom senso e era muito
visionário”, escreveu o Padre Rapin (Memórias do Padre Renê Rapin, ed. Aubineau, Lyon, 3 vol. in-8º, t. I, p. 50).
Acometido subitamente de alienação mental, no meio de um sermão que pregava ao ar livre em Metz, sob um sol
ardente, terminou miseravelmente os seus dias, pouco depois. Encontram-se bem numerosas informações sobre
Meyster na Vida do Padre Olier, por Faillon. São Vicente diz em sua carta que um primo do Padre Meyster pedia sua
admissão na Congregação da Missão; era Charles Aulent, nascido a 01 de fevereiro de 1614, em Ath, recebido entre
os missionários no fim de 1636, ordenado padre em 1640 e admitido aos votos a 11 de dezembro de 1644.
1414
Era e ainda é uso na Congregação da Missão dar aos clérigos o nome de irmãos e reservar aos padres o de
Messieurs (senhores). Quando o Padre Portail deixou São Lázaro para ir pregar missão, Estêvão Meyster ainda não
era padre. Chamavam-no comumente de Irmão Etienne. Depois da ordenação, acontecida há poucos dias, tornou-se
Padre Meyster.
1515
Jean de la Salle e Jean Brunet pregavam missões pelos lados de Bordéus.
1616
Os dois estavam em Roma, ou talvez a caminho de Paris.

Carta 198. ─ Collet, op. cit.,t. I, p. 247.
Carta 199. ─ C. aut. ─ Biblioteca Nacional, n. a. f. 22.741, fº 285, original.
226

199. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Junho ou julho de 16351].

Senhora,

Ontem, na conferência dos eclesiásticos, falei do que a presidente Madame


Goussault me comunicara, a respeito do estado do Hospital Geral. No final, porém,
resolveu-se adiar ainda por alguns dias. É melhor deixar o povo falar, do que expor
tantas pessoas, pois o desgaste de uma só delas pode aniquilar totalmente a obra. Além
disso, dizem dessas jovens que não são tão dignas de fé, nessa matéria!
Meu Deus! como estou preocupado com vossa filha Bárbara 2 e com a outra,
doente no Hospital Geral, assim como com Madame Mussot! Não vo-las recomendo,
pois sei que tendes para com elas todo cuidado. Mas me sinto, sobretudo, aflito pelo que
me dizeis, a saber, que é pena, porque podeis fazer tão pouca coisa. Temo, porém, que
vós própria não estejais doente. Dizei-mo, vos suplico. E se for o caso, não retornareis
ao Hospital Geral; Maria3 suprirá vossa falta. Se não o for, penso que fareis bem em dar
uma volta por lá amanhã, talvez para dormir, e voltar de lá no dia seguinte, para Saint-
Nicolas, a fim de levar, pouco a pouco, Maria a se acostumar com essas filhas, e elas,
com Maria.
Mas o que dizer-vos da senhora Laurent? Parece de bom espírito, mas sua idade
me causa temor. Contudo, se julgais conveniente mandá-la vir ao Hospital Geral, para
passar dois ou três dias com ela, e, depois disso, ir e vir de uma casa para outra,
aguardando o tempo oportuno para ir ao campo, fazei-o. Ela verá como é vossa vida e
vós a observareis. Mas levai-a a compreender que é apenas uma experiência, e ao vosso
coração, que sou, no amor de Nosso Senhor, vosso muito humilde servo,

V. D.

Destinatário: À senhora Le Gras.

200. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Junho ou julho de 16351].

11
Esta carta precede de pouco a carta 201, que é de 13 de julho de 1635.
22
Bárbara Angiboust ocupa um lugar importante na história das Filhas da Caridade dos vinte e cinco primeiros anos,
o mais importante, sem dúvida, depois de Luísa de Marillac. Entrou na Comunidade a 01 de julho de 1634, com a
idade de vinte e nove anos. Fez os votos a 25 de março de 1642. O Santo Fundador colocou-a à frente das casas
fundadas em Saint-Germain-en- Laye (1638), Richelieu (1638), Saint-Denis (1645), Fontainebleau (1646), Brienne
(1652), Bernay (1655) e Châteaudun (1657), onde morreu a 27 de dezembro de 1658. Em 1641, era responsável pelas
Irmãs empregadas no serviço dos galerianos. Nada mais edificante que a conferência feita sobre suas virtudes, na
Casa Mãe, a 27 de abril de 1659.
33
Maria Joly.
1
Carta 200. ─ C. aut. ─ Original com os Padres de Picpus de Braine-le-Comte (Belgica).
1
A passagem relativa a Maria leva-nos a colocar esta carta depois da carta 199.
227

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


O Padre Holden2 não veio jantar aqui; dizei-me a razão; eu o esperava.
Falarei com o vosso filho. É preciso que ele não deixe levianamente a batina. Se o
fizer, haverá motivo para vos afligir. Contudo, Deus que tudo faz para o melhor, tirará
disso sua glória. É importante estar sempre resignada com sua divina vontade, em tudo.
Ele é mais filho de Deus do que vosso. Deus fará o que for melhor. Permanecei portanto
disposta a qualquer acontecimento, mantendo-vos sempre firme. Se deixar a batina,
haverá zombaria, mesmo naquele colégio; se for para outro lugar, ele se perderá, ou
pelo menos, correrá muito risco.
Conversei com Madame Goussault. Ela não se espanta com a proposta. Diz que
Maria3 não fará a oração como de costume, nem fará a partilha. Mas não importa,
podereis estar com ela algumas vezes.
Recomendo-me, entretanto, a vossas orações e sou, no amor de Nosso Senhor,
vosso muito humilde servo,

Vicente de Paulo.

Destinatário: À senhora Le Gras.

201. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[13 de julho de 16351].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Refletis demais sobre vós mesma. É preciso levar a vida com singeleza e
simplicidade. Nada me dissestes, ultimamente, contra a caridade; na verdade, teríeis
agido mal, se fosse o contrário, levando em consideração a pessoa e a questão de que se
trata. Vamos caminhando com boa fé e simplicidade, eu vos suplico, e nada temais, no
caso.
Recebi vosso pacote destinado à senhora de que me falais; mas julguei
conveniente não lho entregar.

22
Henri Holden, nascido no condado de Lancaster (Inglaterra), em 1586, veio para a França com a idade de 22 anos.
Passou cinco anos no colégio de Navarra, onde terminou a teologia. Michel de Marillac, Ministro da Justiça e tio de
Luísa, o recebeu em sua casa como capelão, em 1626, e lhe confiou a direção de sua consciência. Henri Holden tirou
o doutorado em 1636. Faleceu a 14 de março de 1662, na comunidade de Saint-Nicolas-du-Chardonnet. Temos dele
um compêndio de argumentos sobre a religião católica, com o título de Divinae fidei analysis, “Análise de fé divina”
(Paris, 1652, in-12), um discurso sobre a graça (Francfort, 1656) e duas cartas a Antônio Arnauld, cuja doutrina ele
combate.
33
Madame Goussault a enviara a Luísa de Marillac.
1
Carta 201. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Ver nota 2.
228

Não sei o que vos dizer da Caridade, se começou no mesmo ano. Vou saber de
Madame Chantal, que estará aqui dentro de doze dias2, em que ano deixaram as
atividades. A Caridade começou, parece-me, no ano de 16173. Vamos pensando, e
falaremos disso na primeira ocasião, se isso contribuir para a edificação4.
Madame Goussault vai mandar fazer o bilhete para Madame Lagault. Oh! como
me sinto aborrecido por não ter estado com ela, nem com Madame Mussot, que está
melhor! Mas em que se funda vossa abjeção nessa obra? Eia, pois! Nosso Senhor
permite os sentimentos que lhe apraz em seus servidores.
Que vos direi da senhora Laurent? Não sei. Temo algum confronto. Madame
Mussot se abriu com o Padre Messier, de Beauvais, e lhe disse anteontem que ela pende
para o outro lado. Muito bem, refleti, por favor, no que é preciso fazer, e comunicai-me
vossa opinião sobre isso.
Saúdo Bárbara5 e me alegro com sua melhora.
Nossa assembleia vai começar. É o motivo da minha pressa. Adeus, portanto,
Senhora. Sou, no amor de Nosso Senhor, v. s.

V. D.

Destinatário: À senhora Le Gras.

202. ─ A ANTÔNIO PORTAIL, PADRE DA MISSÃO, NAS CEVENAS

10 de agosto de 1635.

Peço-vos dizer a nosso Irmão Felipe que estou muito alegre pelo que me dizeis
sobre seu zelo na instrução dos pobres, segundo sua pequena capacidade. Com certeza,
senhor Padre, o que me comunicais, na verdade, muito me consolou, especialmente
quando dissestes que, ao enviá-lo a uma pequena aldeia, ele viu um pastor no alto de
uma montanha e foi lá encontrá-lo e catequizá-lo. Ora pois, Deus seja bendito por se
poder dizer que Idiotae rapiunt caelum! (Os ignorantes arrebatam o céu).
Que vos direi de nossas notícias? A comunidade está quase toda reunida aqui.
Vamos fazer nossos retiros e depois recomeçar o exercício das controvérsias e
pregações. Quanto aos jovens, talvez os mandemos ler o Mestre das Sentenças1.

22
Santa Chantal fez quatro viagens a Paris: a 06 de abril de 1619, para fundar o primeiro mosteiro da Visitação desta
cidade, em janeiro de 1628, a 25 de julho de 1635 e a 04 de outubro de 1641. Só pode tratar-se aqui da terceira
viagem. Em 1641, Madame Goussault estava morta. Em 1628, Luísa de Marillac não tinha ainda Bárbara em sua
Companhia. A data de 1619 é evidentemente muito distante: São Vicente ainda não conhecia Luísa de Marillac.
33
Foi, de fato, em 1617 que São Vicente, então pároco de Chatillons-les-Dombes, fundou a primeira Confraria da
Caridade.
44
Seria difícil dizer a quê o Santo faz alusão aqui. Sabe-se que a visita aos doentes foi, no início, um dos fins do
Instituto da Visitação (Cf. Conferência de São Vicente às Filhas da Caridade, de 03 de agosto de 1655). D. Bonard
supõe (op. cit., p. 276) que Luísa de Marillac perguntara ao Santo quando as Filhas da Visitação abandonaram essa
obra, e que o Santo responde à questão.
55
Bárbara Angiboust.
1
Carta 202. ─ Reg. 2, p. 196. O copista nota que o original era da escrita de São Vicente.
1
Sententiarum libri IV (Livros das Sentenças IV), obra do Célebre Pedro Lombard, Bispo de Paris.
229

203. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[16351].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Penso que é oportuno começar a falar com esta filha do Hospital Geral, sobre a
sua elegância e amabilidade. Mas como o fareis? Dizer-lhe para deixar sua maneira de
se trajar não me parece viável, nem conveniente. Parece que seria bom dissuadi-la do
apego a se aparentar bem vestida e convencê-la a caprichar menos nesse ponto. Vereis.
Quanto ao Hospital Geral, estar sempre por lá não convém; mas quanto a ir e
voltar, é conveniente mantê-lo. Não temais empreender coisas demais ao fazer tudo que
poderíeis, sem tanto ir e vir. Temei apenas o pensamento de fazer mais do que fazeis e
de que Deus não vos dê condições de trabalhar. Entregai-vos a sua divina Majestade,
para só fazer o que estais fazendo. O pensamento contrário me faz tremer de medo,
porque me parece um crime contra os filhos da Providência. Louvo a sua divina
bondade por me terdes tirado ontem desta aflição.
Irei estar com vossas filhas: com cada uma em particular, e, depois, em conjunto,
e me direis tudo que for de vosso agrado, o mais cedo possível.
Não temais por essa viagem maior. Parece-me que as oportunidades estão
diminuindo. Talvez eu possa fazer uma de apenas três ou quatro dias, para ir ver duas
granjas que Madame de Herse2, presidente, nos deixou, a doze léguas daqui3.
Entrementes, orai a Deus por mim.
Sou, no amor de Nosso Senhor, vosso muito humilde servo,

Vicente de Paulo.

Destinatário: À senhora Le Gras.

1
Carta 203. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Ver nota 3.
22
Madame de Herse, cujo primeiro nome era Carlota de Ligny, era filha de Jean de Ligny, senhor de Ranticey,
referendário, mãe de Félix Vialart – bispo de Châlons, parente de Jacques Olier – viúva de Michel Vialart, senhor de
la Forest de Herse, conselheiro do Rei, na corte parlamentar, presidente dos requerimentos do palácio, embaixador na
Suíça, falecido em Soleure, a 26 de outubro de 1634. Era muito estimada por São Francisco de Sales, que tinha
querido ser padrinho do seu filho. Alistou-se na Confraria das Damas da Caridade e tornou-se uma das principais
auxiliares de São Vicente. Fez muitos donativos para os pobres de Paris, da Picardia, da Champanha, sustentou com
suas liberalidades a obra dos ordinandos e a do Crianças Expostas, estabeleceu as Filhas da Caridade em Chars
(Seine-et-Oise). Durante as guerras que desolavam a capital, a Rainha mãe a encarregou, com outras damas, de
distribuir suas próprias esmolas. A presidente de Herse morreu em 1662.
33
O contrato é de 23 de julho de 1635. A presidente de Herse doava à casa de São Lázaro duas granjas situadas, uma,
em Mespuits, a outra, em Fréneville, pequeno lugarejo da comuna de Valpuiseaux (Seine-et-Oise). Pedia em troca
que fosse pregada, em caráter perpétuo, uma missão em suas terras, de cinco em cinco anos e que dois missionários
ficassem à sua disposição, ou à disposição do seu segundo filho, Felix Vialart, prior de Bu, para trabalharem durante
três meses, de quatro em quatro anos, nas localidades que lhes fossem indicadas.
230

204. ─ A JEAN DE FONTENEIL

29 de agosto de 1635.

Senhor Padre,

A graça de N. S. esteja sempre convosco!


Não posso exprimir-vos, senhor Padre, os sentimentos que Nosso Senhor me
inspira, pelo infinito número de favores que vos devo, por tanta afeição que
testemunhais aos Padres de la Salle e Brunet, e pela tamanha assistência que lhes
prestais, nos nossos negócios daí.
Sinto-me ainda confuso pela caridade que exercestes e continuamente exerceis
para com meu pobre irmão1. Como tudo fizestes por amor a Deus, e como o
reconhecimento por tantos benefícios está acima de nossas possibilidades, rogo a N. S.,
senhor Padre, seja ele mesmo nosso agradecimento e vossa recompensa. Conservarei
por toda minha vida esse sentimento, procurando sempre as ocasiões para vos honrar e
servir. Considerai-nos, portanto, doravante, senhor Padre, como pessoas sobre as quais
adquiristes absoluto e soberano poder. Disponde assim de nós e fazei-nos a caridade, em
nome de Nosso Senhor, de ficar em nossa casa, quando vierdes, neste outono, a esta
cidade. Entretanto, se quiserdes que vos enviemos o dinheiro que aí nos adiantastes ou
que vo-lo entreguemos aqui, dizei-o, senhor Padre, e vos obedeceremos, nisso como em
tudo mais. E se puderdes, além do mais, adiantar o que meu pobre irmão vier a precisar,
em razão da multa a que foi condenado, tanto para as despesas de sua parte, como para
o seu retorno, reembolsar-vos-ei com os acréscimos. Como me disseram que ele tem
intenção de vir a esta cidade para estar comigo, suplico-vos, senhor Padre, dissuadi-lo,
tanto em razão de sua idade avançada, como porque, estando aqui, nada lhe poderia dar,
pois de nada disponho que lhe possa dar.
Falo ao bondoso Padre Fonteneil como ao coração do meu coração, e como àquele
a quem quero maior bem do que posso exprimir, eu que sou, no amor de Nosso Senhor
e de sua Santa Mãe, seu muito humilde e muito obediente servo,

Vicente de Paulo.

205. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

Senhora,

Meu Deus, como sois uma mulher valente, por ter feito tudo que me comunicais!
Eia, pois, não há necessidade de continuar em tão belo caminho. Se as dificuldades que
vos opõem acontecerem e impedirem o sucesso, ficai livre de abandoná-lo. Não há

1
Carta 204 ─ Reg. 1, fº 5. O copista nota que o original era da escrita de São Vicente.
1
Bernardo ou Gayon de Paulo.

Carta 205. ─ Manuscrito São Paulo, p. 41.
231

obrigação, nem sob pena de pecado mortal, nem venial. Os pobres, entretanto, terão
recebido esse alívio, e as pessoas que os tiverem assistido, o mérito. Gostaria muito que
fôssemos desse bem-aventurado corpo e vos agradeço por nos fornecerdes pessoas para
isso.

206. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Entre 1632 e 16501].

Senhora,

A graça de Jesus Cristo Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Bendito seja Jesus Cristo sofredor, por vos devolver a saúde! Sim, Senhora,
ajudar-vos-ei, com certeza, a considerá-la como vontade de Deus, mediante sua graça e
o bom uso que vos será preciso fazer dela. Penso, com efeito, que vos será bom ir aos
campos, quando estiverdes mais forte, para completar vosso fortalecimento, praticando
o bem.
Temos aqui2 trinta e cinco ou trinta e seis externos, ordinandos e exercitantes.
Espero que restará um pequeno casebre para colocar vosso filho. Nós o faremos purgar
e receber sangria na segunda-feira. Com efeito, quanto aos Bons-Enfants, há três jovens
que ali fazem seu retiro e que ocupam todos os nossos leitos.
Temos conosco uma jovem luterana da Alemanha, trajada a lacaio, que nos
enviaram da missão de Gonesse3, com o consentimento de um cavalheiro que a
mantinha. Está querendo se converter, tanto em relação aos costumes quanto à
religião...4

207. ─ A CLEMENTE DE BONZI, BISPO DE BÉZIERS

[Setembro ou outubro de 16351].

Senhor Bispo,

1
Carta 206. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Datas da entrada dos padres da Missão em São Lázaro e do casamento de Michel Le Gras.
22
Em São Lázaro.
33
Em Seine-et-Oise.
44
A sequência da carta foi cortada e se perdeu.
1
Carta 207. ─ Reg. 1, fº 13. O copista nota ter tido sob os olhos uma minuta escrita da mão de São Vicente.
1
Ver carta 209.
232

Soube pelo irmão de um eclesiástico de vossa cidade de Béziers, chamado Cassan,


que gostaríeis de saber três coisas de nós. Como não pude ter a honra de vos dar a
resposta na ocasião, porque estava indo ao campo, propuz-me fazê-lo agora.
Dir-vos-ei, senhor Bispo, primeiramente, que nós somos totalmente sujeitos à
obediência aos nossos senhores prelados, no sentido de ir para todos os lugares de suas
dioceses para onde quiserem nos enviar, a fim de pregar, catequizar e exortar o povo
pobre a fazer a confissão geral. Nas mesmas condições, nos dispomos a ensinar a oração
mental, a teologia prática de que precisam, as cerimônias da Igreja àqueles que devem
receber as ordens, durante 10 ou 15 dias, antes da ordenação. Depois de padres, os
recebemos em nossas casas, para renovarem o fervor que Nosso Senhor lhes concedera,
ao receber as ordens.
Em resumo, somos, em relação aos senhores prelados, como os empregados do
centurião do Evangelho2: se nos disserem, vão, somos obrigados a ir; se nos disserem,
vinde, somos obrigados a vir; fazei isso, somos obrigados a fazê-lo. Somos, além disso,
sujeitos a suas visitas e correções, como os párocos e vigários dos campos, embora, para
a manutenção da uniformidade do espírito, haja um Superior Geral, ao qual os
missionários obedecem quanto à disciplina interna.
Eis, senhor Bispo, como vivemos, em relação aos senhores prelados.
Quanto a saber se vos podemos enviar dois missionários, senhor Bispo, temos
dificuldade, porque somos pouco numerosos e de pouca virtude. Crede, contudo, senhor
Bispo, que, se pudéssemos fazê-lo para algum prelado do reino, seria para vós, senhor
Bispo, tanto pela vida exemplar que levais na Igreja, quanto pela necessidade que
imagino tenha vosso pobre povo das montanhas.
Quanto ao terceiro item, dir-vos-ei, senhor Bispo, que vamos sem receber nada do
povo pobre ou dos eclesiásticos, nem para a nossa subsistência nem para nossas vestes.
Seriam então necessárias 800 ou 1000 libras, para a manutenção de dois padres e um
Irmão.
Eis, senhor Bispo, o que vos posso responder no tocante às coisas que desejais
saber de mim. Se eu tivesse a felicidade de vos poder prestar algum serviço, eu o
assumiria, senhor Bispo, com toda certeza, como uma bênção especial de Deus3.
Disponde, inteiramente, de mim, por favor, como quem é, no amor de Nosso
Senhor, vosso muito humilde e obediente servo.

208. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Antes de 16401].

22
Mt 8, 5-9.
33
Um padre despedido dos Bons-Enfants ou de São Lázaro, tomando conhecimento das iniciativas do Bispo de
Béziers, foi até aquela cidade, dizendo-se enviado por São Vicente. Conseguiu enganar o Prelado, que o recebeu. A
conduta pouco edificante desse eclesiástico causou em Clemente de Bonzi uma ideia pouco favorável dos
missionários (ver carta de 21 de dezembro de 1651, a Aquiles Le Vazeux, tomo IV).
1
Carta 208. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Depois de 1639, o Santo teria escrito as palavras: “Domingo de manhã” no começo da carta.
233

Peço-vos perdão por não ter podido ir encontrar-me ontem convosco, por causa de
uma dificuldade em que me encontrava. Fá-lo-ei esta semana, se Deus quiser. Acontece,
com frequência, que me aguardam para as confissões anuais em Santa Maria, durante
mais de um mês. Uma delas me espera ainda para isso. Espero que vosso coração me
fará a mesma caridade.
Verei vossos pés2 hoje e vo-los enviarei amanhã. Bom dia, Senhora. Sou v. s.

V. D.

Manhã de domingo.

Destinatário: À senhora Le Gras.

209. ─ A ANTÔNIO PORTAIL, PADRE DA MISSÃO, EM CEVENAS

16 de outubro de 1635.

Rogo a Nosso Senhor, senhor Padre, continue a vos dar o espírito da santa
mansidão e da condescendência com o que não é pecado, nem contrário a nossos
pequenos regulamentos. Se fosse o caso, com efeito, seria crueldade ter mansidão. Mas
ainda assim, para aplicar o remédio, é preciso ter o espírito de suavidade.
Monsenhor de Mende1 me testemunhou muita satisfação com vossos serviços. O
senhor Bispo de Béziers2 me escreveu pedindo operários como vós, senhores Padres.
Mas como arranjar-lhos? O Bispo de Viviers3, igualmente, veio estar conosco para o
mesmo fim. Só Deus pode estar em toda parte.
A Companhia está em muito boa disposição de espírito, com a graça de Deus.
Deus lhe comunicou muitas graças nos exercícios espirituais4, e todos saíram deles com
muito fervor.
O número dos que entraram para nós, depois de vossa partida, é de seis 5. Ó senhor
Padre, como eu temo multidão e propagação, e como temos motivo para louvar a Deus
que nos dá a graça de honrar o pequeno número dos discípulos do seu Filho, no qual
sou...

210. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

22
É a palavra (pieds) que consta no original. Esta palavra tem tantos sentidos que não há como supor uma distração.
1
Carta 209. ─ Reg. 2, p. 217.
1
Silvestre de Cruzy de Marcillac (1628-1659).
22
Clemente de Bonzi (1629-1659).
33
Luís Francisco de la Baume de Suze (1621-1690).
44
O retiro anual.
55
Annat Savinier, Estêvão Bourel, Guilherme Perceval, Nicolau Marceille e um cavalheiro limusino, clérigos, Simão
Chartel, Irmão Coadjutor.
234

[Entre 1634e e 16361].

Senhora,

A graça de Jesus Cristo Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Agradeço-vos muito humildemente pelo trabalho que tivestes de me dar vossas
notícias, e peço a Nosso Senhor vos fortaleça cada vez mais.
Vossa carta me encontrou ainda de cama, com alguns surtos de sudorese, que me
impediram de vos dar resposta, assim como um remédio que me fizeram tomar depois.
E ontem, não vos pude também responder, em razão de algumas pessoas que vieram
estar comigo.
Dir-vos-ei, pois, quanto a vosso filho, Senhora, que julgo não haver inconveniente
em que ele apresente teses a vossos mais íntimos amigos e parentes próximos. Mas
penso que, para honrar a humildade de Nosso Senhor, é preciso que o faça aos poucos e
que seja para se livrar de muitas inquietações. Quando passar para a teologia, será outra
coisa.
Quanto a essa jovem de que me falastes ontem, peço-vos ficar com ela, se virdes
que tem bom espírito. Este entrar e sair de comunidade religiosa denota certa leviandade
e sobre isto deveis ficar alerta. Se houver possibilidade de recebê-la, para examinar
melhor sua vocação por algum tempo, converse sobre o caso com Madame Goussault.
Quanto a Italienne, seria de grande vantagem enviá-la à mãe dessa bondosa filha
da senhora Poulaillon, em Villers2. Meu Deus! como gostaria que vossas filhas se
aplicassem a aprender a ler e que soubessem bem o catecismo que ensinais! A pobre
Germana faz mal em não ficar convosco. Ela vos aliviaria muito nisso. Mas, em nome
de Deus, tratai de vos curar, antes de ir trabalhar com elas.
Minhas febrezinhas ainda não se foram. Sabeis que elas costumam prolongar-se.
Mas temos o pobre Padre de la Salle perigosamente enfermo em Bordéus. Recomendo-o
a vossa caridade. Mas vos suplico, sobretudo, para ter cuidado com vossa saúde.
Sou, no amor de Nosso Senhor, v. s.

V. D.

211. ─ SANTA CHANTAL A SÃO VICENTE

Embora meu coração, meu caríssimo Pai, seja insensível a qualquer outra coisa
que não seja a dor, jamais esquecerá, contudo, a caridade que lhe fizestes, no dia de
vossa partida. Com efeito, meu caríssimo Pai, ficou ele aliviado em seu mal e até
mesmo fortalecido, nas ocasiões surgidas e que chegam de um lado e de outro.

1
Carta 210. ─ C. aut. ─ Original com as Filhas da Caridade de Colonges (Haute-Savoie).
1
Duração da permanência de Jean de la Salle no sul.
22
Villers-sous-Saint-Leu.
235

Prostro-me em espírito a vossos pés, pedindo-vos perdão do incômodo que vos


causei com minha falta de mortificação. Abraço e amo afetuosamente a humilhação que
dela me resulta. Mas a quem poderia revelar e tornar ciente de minhas enfermidades, a
não ser a meu muito único Pai, que saberá suportá-las? Espero de vossa bondade não
vos canseis delas.

212. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

Louvo a Deus por essa mudança, Senhora, e lhe suplico, de todo meu coração, que
ela perdure e que vos aperfeiçoe e santifique a alma, cada vez mais, nesses sofrimentos.
No mais, agradeço-vos a notícia que dela me destes, que me trouxe grande alívio. Com
efeito, quem não sentiria com compaixão a dor que aflige essa pessoa ativa e sofredora!
Com certeza, não poderia ser de outro modo.
Desejo-vos boa tarde e sou, no amor de Jesus e de sua Santa Mãe, vosso muito
humilde servo.

213. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Eis-me de volta, com muito boa saúde, graças a Deus. Estou preocupado com a
vossa. Irei estar convosco o mais cedo possível, ainda hoje, se puder. Fazei, entretanto,
o possível para passar bem, eu vos suplico.
Não vos posso dizer quanto o pobre povo precisa de que vivais por muito tempo, e
jamais o vi melhor do que agora.
Essa boa jovem1 me parece ter bastante bom espírito e boa vontade. A única
dificuldade é ter ela pertencido a outra Comunidade. Disse-me, porém, que foi induzida
a entrar lá, mas tinha o coração na Caridade. Por isto, penso não haver perigo em fazer a
experiência. Quanto à boa viúva que a acompanha, parece-me rude, muito melancólica e
grosseira. Penso que é necessário despedi-la com toda suavidade e dizer-lhe que é
preciso refletir mais, durante muito tempo.
Bom dia, Senhora. Sou, no amor de Nosso Senhor, vosso muito humilde servo,

V. de Paulo.

Destinatário: À senhora Le Gras.


Carta 211. ─ Abelly, op. cit., t. II, cap. VII, 1ª ed., p. 316.
Carta 212. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
Carta 213. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
11
Talvez a de que fala a carta 210.
236

214. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

Dia de Ramos [16 de março de 16361].

Senhora,

Não mais de quatro ou cinco linhas. Todos os dias pensava em ir estar convosco,
para trocarmos ideias. Os negócios me impediram. Trata-se de vossa residência.
Conversai com a presidente Madame Goussault. Meu coração se comove pela
consolação que imagino Nosso Senhor vos tenha concedido, às duas, em vossa viagem e
no bom trabalho que fareis. Sou, entretanto, aguardando a felicidade de estar convosco,
amanhã ou depois, aqui ou nos Bons-Enfants, vosso servo,

Vicente de Paulo.

215. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[16361].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Tinha-me proposto ir ver-vos, mas não pude fazê-lo, em razão de alguns
embaraços. Peço-vos dizer-me se fechastes com alguma casa e onde a conseguistes.
Talvez penseis que tenho alguma razão referente a vós, em virtude da qual eu pense não
ser conveniente que moreis nesses quarteirões2. Oh! não, de modo algum, vos asseguro.
A razão é apenas a seguinte: estamos no meio de pessoas que reparam tudo e fazem
juízo de tudo. Não nos veriam entrar três vezes em vossa casa, sem acharem do que
falar e tirarem a conclusão de que não haveria por que censurá-los, onde quer que
chegassem. Não é que nós os observemos, mas ao contrário, só quem tem o poder de
fazê-lo. Quando tiver a oportunidade de estar convosco, falar-vos-ei disso mais
particularmente.
Dizei-me, entretanto: quando estareis em condição de ir aos campos visitar
algumas Caridades? Peço-vos dizer-mo, e que venhais passeando numa dessas manhãs
até aqui, se o puderdes comodamente.
Honrai a santa alegria de Nosso Senhor e a de sua Santa Mãe, em cujo amor, sou,
v. s.

1
Carta 214. ─ Gossin, op. cit. P. 410.
1
A palavra do Santo, relativa à mudança de residência, mostra que esta carta é de 1636.
1
Carta 215. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
A mudança de casa de que aqui se trata não deixa outra escolha, a não ser entre os anos 1636 e 1641. A primeira
data convém, melhor que a segunda, ao conjunto da carta.
22
Perto de São Lázaro.
237

V. D.

Destinatário: À senhora Le Gras.

216. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[16361].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Fizestes bem em chamar de volta esta jovem. Já há quatro vigorosas e grandes em
Sucy-en-Brie2, das quais me falou o Padre Renar. Mostrar-vos-ei a petição que elas lhe
apresentaram. Importa tomar, o mais cedo possível, providência no sentido de que
aprendam a ler.
Nada vos direi da carta dessa senhorita. Não pude lê-la ainda e estou tão apressado
que não posso fazê-lo, no momento, para vos dar a resposta: estou indo para Madeleine
para presidir, hoje, ao capítulo. Oferecei a Deus esta ação, vos suplico, como, com todo
meu afeto, peço a Deus seja ele o coração de vosso coração e sou, em seu amor, v. s.

V. D.

Destinatário: À senhora Le Gras.

217. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[16361].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


A casa de que falava Madame Goussault não é aquela de que vos falei. A primeira
é a mais bela, avaliada em 40 ou 50 mil libras, e a segunda, de 7 ou 8 libras. A primeira
seria escandalosa para pobres filhas, e a segunda, muito afastada da igreja. Vereis. Não
acho incoveniente em honrar igualmente a prudência e a simplicidade de Nosso Senhor;
mas há menos inconveniência em faltar à última prática do que à primeira,
especialmente no vosso caso.
Farei como me pedis para o vosso filho, e de coração.
1
Carta 216. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Esta carta precede de poucos dias a carta 218.
22
Localidade de Seine-et-Oise.
1
Carta 217. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Esta carta precede de pouco tempo a transferência da Casa Mãe das Irmãs para La Chapelle.
238

Envio-vos a moça; fazei a experiência.


Tendes dinheiro? Surgiu-nos um negócio no qual precisaremos de mil e
quinhentas libras. Se as tiverdes à disposição, em pouco tempo, vo-las restituiremos. Se
não, obséquio não vos afligir por isso.
Bom dia, Senhora. Sou v. s.

V. Depaulo.

Destinatário: À senhora Le Gras.

218. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Pouco antes de maio de 16361].

Senhora,

Pressenti o que me comunicastes sobre o Padre Massé. Fiz, entretanto, a proposta


com o Padre Caignet, confessor de Madame Goussault 2. Mas não sei se haverá decisão
num ou noutro caso. Um destes padres me fez uma terceira proposta, ao mesmo tempo;
falo desses padres de Notre Dame. Isto é segredo3.
Acho muito boa a ideia que me apresentais, a respeito do vosso filho, conquanto
lhe façais a proposta com toda simplicidade, deixando-lhe a liberdade de usar dela como
lhe aprouver.
É bom deixar de lado, portanto, as moças de Sucy 4. Quanto à outra, ela e sua mãe
desejaram, contudo, que façais a caridade com a moça de la Retaux, até Pentecostes,
não tanto para entrar em vossa Caridade, na qual, contudo, fará aquilo em que a
empregardes. Seu desejo é aprender alguma coisa para se tornar capaz de ensinar, com o
tempo, as crianças em Sucy. Far-lhe-eis pois a caridade, por favor, de aceitá-la para a
experiência, Senhora, e cuidaremos de vos mandar repassar o que for preciso para isso.
Esqueci-me ontem de falar do caso à Madame, Ministra da Justiça5.
Se vierdes com vossas filhas terça-feira próxima, pela manhã, iremos a La
Chapelle. É uma aldeia próxima daqui na direção de quem vai a Saint-Denis 6. Mas será
necessário lembrar-mo segunda-feira de tarde.

1
Carta 218. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Mesma observação da carta 217, nota 1.
22
Antônio Caignet, doutor em teologia, mais tarde cônego, chanceler, teologal e Vigário Geral de Meaux, pregador
solicitado, falecido em 1669. É autor de obras apreciadas: O Ano Pastoral (Paris, 1659, 7 vol. in-4) e O Dominical
dos Pastores ou o Triplo ministério dos Curas (Paris, 1675, 2ª ed., in-4).
33
Tratava-se de organizar um corpo de capelães para os doentes do Hospital Geral.
44
São Vicente passa aqui bruscamente de um assunto a outro. O período original dá margem a bastante obscuridade
(N. do T.).
55
Madame Séguier.
66
A antiga aldeia de La Chapelle é hoje um dos quarteirões da capital.
239

Queira Deus não venha a lamentar o que disse às filhas! Penso que faríeis bem em
ir visitar as de Saint-Paul. Gostaria muito que pudésseis também estar com as desta
paróquia.
Sou, entretanto, Senhora, vosso muito humilde servo,

V. de Paulo.

Sábado, nove horas.

Destinatário: À senhora, senhorita Le Gras.

219. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[16361].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Suplico-vos perdoar-me por não ter estado convosco, antes de ir aos campos por
quatro ou cinco dias. O senhor vosso filho começou muito bem. O Padre Sergis o
recebeu ao voltar dos campos e o ajuda no seu retiro. Disse-me que ele descarta as
armas. Resta saber sobre a condição do estado eclesiástico e a do palácio. Refletirá
sobre as duas e se decidirá.
Escrevi à presidente Madame Goussault que penso faríeis bem em ir ver a casa de
La Chapelle e de se informar sobre o que pretendem do aluguel. Isso vos distrairá
muito; pois ela acredita, como também eu, que o ar do campo é bom para vós.
Entretanto, permanecei na alegria e cuidai de vossa saúde.
Suplico-vos dar nossas notícias à bondosa senhora Viole2 e apresentar-lhe nossas
escusas. Dizei-lhe que espero estar com ela ao voltar. Oh! como estou contente e
edificado com essa senhora!

V. D.

Estive com a jovem de Sedan. Mora em vosso bairro. Meu Deus! como me parece
fraca e volúvel!

Destinatário: À senhora Le Gras.

1
Carta 219. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Mesma observação da carta 217, nota 1.
22
A senhora Viole, viúva de Jacques Viole, conselheiro no Châtelet de Paris, cumpria, ou antes, cumprirá mais tarde
entre as Damas da Caridade do Hospital Geral o ofício de tesoureira. Seu nome volta com frequência na
correspondência de São Vicente, que lhe apreciava muito a caridade, a inteligência e a atividade. Morreu em Paris a
04 de abril de 1678.
240

220. ─ A UM PADRE DA MISSÃO

[16361].

Não sei se vos comuniquei as aflições com que aprouve a Deus visitar nossa pobre
pequena Companhia. O Padre Bourel2 2 morreu na missão de Mesnil, e santamente,
como viveu. Todos dizem que jamais se observou nele alguma imperfeição, nem
mesmo o Padre Boudet3, seu diretor no seminário.

221. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[16361].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Jamais vi uma mulher como vós, que leva as coisas tanto para o lado da
culpabilidade. A escolha de vosso filho, dizeis, é um testemunho da justiça de Deus
sobre vós. Com certeza não tendes razão de dar lugar a tais pensamentos e mais ainda
de expressá-los. Já vos disse outras vezes para não mais falar desse modo. Em nome de
Deus, Senhora, corrigi-vos disso e sabei uma vez por todas que esses pensamentos
ácidos vêm do maligno e que os de Nosso Senhor são doces e suaves. Lembrai-vos que
os defeitos dos filhos nem sempre são imputáveis aos pais, especialmente quando lhes
ensinaram o bem e lhes deram exemplo, como fizestes, pela graça de Deus. Nosso
Senhor permite em sua admirável Providência que pais e mães santos sejam dilacerados
em suas entranhas. Abraão o foi por Ismael; Isaac, por Esaú; Jacó, pela maior parte de
seus filhos; Davi, por Absalão; Salomão, por Roboão; e o Filho de Deus, por Judas. Pela
graça de Deus não é vosso caso. Ao contrário, tendes motivo de louvar a Deus pelo que
vos disse o Padre Holden, porque vos disse a verdade. O senhor vosso filho veio ontem
encontrar-se com o Padre de Sergis, se confessou com ele e lhe disse que está
absolutamente decidido a servir a Deus no estado eclesiástico e algumas outras
circunstâncias que muito me consolaram, das quais agora não me lembro. Agradecei
pois a Deus por isso e permanecei em inteira alegria.

1
Carta 220. ─ Manuscrito de Lyon.
1
Ver nota 2.
22
Estêvão Bourel, nascido na Saboia, recebido na Congregação da Missão em julho de 1635, falecido em 1636.
3,3
Jacques Boudet, padre da Missão, nascido em Epinay-sur-Seine, recebido na Congregação da Missão em 1634,
ordenado padre em 1635. Pregou missões na Bretanha com o Padre Olier (Faillon, op. cit., t. I, p. 219), na região de
Tolosa, na Champanha e em outras partes. “É uma santa alma”, dizia dele São Vicente.
1
Carta 221. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Ver nota 2.
241

Madame Goussault me disse ontem como passou o contrato da casa 2. Ser-vos-á


preciso estar comigo para ver quem levareis. Acho muito conveniente adiar o caso dessa
moça até então. Não conheço a outra de que me falais, que ainda não está convosco.
Estou na dúvida se poderei ir domingo até vossos quarteirões e, caso eu vá, se
deveria falar convosco na capela, tão insalubre. Procuremos que o seja na casa de
Madame Goussault, embora me pareça, contudo, ser conveniente que eu esteja
convosco, em particular, antes disso.
Muito bem! Desejo-vos a paz de Nosso Senhor e sou v. s.

V. D.

É preciso adiar também a proposta de vossa casa 3. O que me dizeis sobre realugá-
la de comum acordo me agrada.

Destinatário: À senhora Le Gras.

222. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Entre 1635 e 16381].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Vou providenciar-vos um relato de assuntos de oração, de exercícios e de
emprego do dia, e vo-los enviarei.
É preciso deixar as paróquias2 durante essa conjuntura3, e voltar, se essa filha tiver
tempo, depois que tiver cessado. Nada faça durante esse tempo.
Uma pequena febrezinha me impedirá de atender essa filha. Enviar-vos-ei alguém
para isso, se mo lembrardes na véspera, à tarde.
Com toda certeza, podeis escrever-me sobre vosso filho. Ele esteve ultimamente
nos Bons-Enfants. Mandei dizer ao Padre Pillé que o mandasse de volta suave e
prontamente, porque ocorreu um caso com o homem do senhor Doignon4.
Fizestes bem em enviar essa filha no lugar da doente.

22
A casa de La Chapelle foi alugada. Não a compraram. Luísa de Marillac e suas filhas, nos diz Gobillon ( op. cit., p.
74), nela se estabeleceram em maio de 1636. Talvez se refiram a esta mudança de residência às seguintes linhas da
fundadora: “Ir para a nova residência com a intenção de honrar a divina Providência que a ela nos conduz, colocar-
nos na disposição de lá fazer o que a mesma Providência permitir lá tenhamos de fazer. Por esta mudança de casa,
honrar a de Jesus e a da Santa Virgem de Belém para o Egito, e em outros lugares, posteriormente, não querer, a
exemplo deles, ter moradas próprias na terra” (Pensamento, p. 41).
33
Povavelmente a casa que as irmãs iam deixar para se estabelecerem em La Chapelle.
1
Carta 222. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Esta carta foi escrita enquanto Jean Pillé dirigia a casa dos Bons-Enfants (1635-1638). Parece anteceder de muito
poucos dias a carta 223.
22
A visita aos pobres nas paróquias de Paris.
33
O Santo parece fazer alusão a uma recrudescência da peste.
44
Provavelmente um caso de peste.
242

Vou celebrar a santa missa e rezar por vós e por vossas boas intenções.
Recomendo-me igualmente a vossas preces e sou vosso muito humilde servo,

V. D.

Destinatário: À senhora Le Gras.

223. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Maio de 16361].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


É verdade que parto esta manhã para Pontoise e Beauvais; mas posso certificar-
vos de que é com pesar de não ter estado convosco, nem ter visto vossa nova casa.
Seríeis muito mais últil do que eu, em Beauvais. Darei às Damas da Caridade a
esperança de que ireis lá, pois não estou contando com a possibilidade de reuni-las. A
razão de minha viagem não é razão que me satisfaça; é para visitar as Ursulinas 2. Ó
Senhora, como isso me aborrece e como esse tempo me parece perdido para um homem
que o deve totalmente ao povo pobre! Mas que fazer, há pelo menos oito meses que o
senhor Bispo de Beauvais me pressiona. E como adiei tanto, ele não vem mais aqui em
casa, quando vem e volta da cidade, como costumava fazer, nem o Padre Messier 3 me
escreve mais. Agora são apenas as filhas4, das quais só recebi duas cartas neste sentido,
na semana passada. Deixemos isso e digamos: meu Deus! Senhora, como me aflijo ao
vos ver durante tanto tempo sem passear ao ar livre, entregue continuamente ao trabalho
no Hospital Geral!
Não estive com a Madame Superiora da Saint-Sauveur 5 para obter a resposta
sobre Maria6. Não poderíeis ir a Grigny7 por 7 ou 8 dias e deixar Maria olhando essas
filhas? Ela é bastante séria e rigorosa para isso. Fazei-o, vos peço, durante a minha
ausência. Direi a Madame Goussault, que vem a Pontoise, para vos pegar. A senhora
Poulaillon poderá também vez por outra ficar com vossas filhas. Se for assim, ser-vos-á
bom ir visitar, com a Madame presidente8, a Caridade de Villeneuve-Saint-Georges,
encorajá-las e dispensar a resolução que Madame Guérin as fez tomar, depois da minha

1
223. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
A “nova casa” de que fala o Santo só pode ser a instalação de Santa Luísa de Marillac em La Chapelle.
22
Collet afirma que São Vicente visitou duas vezes as Ursulinas de Beauvais: em 1643, antes da primeira assembleia
das damas do Hospital Geral, que presidiu na volta (op. cit., t. I, p. 232), e em 1641 (ib.,p. 337). Ou se engana quanto
à data, ou esquece a visita de 1636.
33
Luís Messier, arcediago de Beauvais.
44
As Ursulinas.
55
A presidente da Confraria da Caridade estabelecida em Saint-Sauveur.
66
Maria Joly.
77
Pequena localidade de Seine-et-Oise.
88
Madame Goussault.
243

partida, de que não iriam visitar os doentes, quando houver apenas um. O motivo é que
ela não consegue entender que se possa fazer uma boa sopa com cinco onças de carne.
Esta bondosa dama é boa e vantajosa em palavra, se intromete lá dentro, embora não
seja do corpo da entidade.
Passando por Grigny, se quiserdes mandar pegar o que comprastes para aquele
lugar nos Bons-Enfants, ótimo. Caso não o façais, direis à tesoureira que encarregue
alguém para pegá-lo. Nesse caso, seria necessário recorrer ao banqueiro.
Remeto-vos de volta as regras das filhas. Está tudo tão [bem 9] que nada quis
acrescentar. Lede-as, portanto, logo, para elas, se não julgardes necessário esteja eu
presente. Nesse último caso, prometo-vos que será uma das primeiras coisas que farei,
quando voltar, se Deus quiser. Será necessário que as dessa paróquia 1010 estejam
presentes ao mesmo momento, em vista da uniformidade.
Eia, pois, termino rogando-vos honreis a paz e a tranquilidade da alma de Nosso
Senhor, e recomendando-me a vossas orações.
Sou, no amor de Nosso Senhor, Senhora, vosso muito humilde servo,

Vicente de Paulo.

Nada vos direi sobre Madame de Liancourt, a não ser que, se ela vos acompanhar
por sete ou oito dias somente, fareis como vos aprouver. Mas como os grandes são
muito incertos do que devem fazer, se ela não esteve convosco, fareis bem em
aproveitar a oportunidade de Grigny.

224. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Envio esse portador expressamente para saber de vossas notícias, na esperança de
que no-las traga, e boas. Em nome de Nosso Senhor, Senhora, fazei o possível para isso.
Tendes motivo para vos queixar por não ter dado resposta à carta que me escrevestes,
quando de vossa partida para Gournay1. Mas que quereis? É o problema de minhas

99
Palavra esquecida, no original.
1010
A paróquia Saint-Laurent.
1
Carta 224. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Luísa de Marillac estava em Gournay-sur-Aronde (Oise) a 18 de maio de 1636, festa da Santíssima Trindade. Nesse
dia, reuniu os membros da Confraria da Caridade no castelo da dama do lugar, inquiriu sobre a observância do
regulamento, procedeu à eleição das oficiais, recebeu novas candidatas, entre outras, Madame Gournay, e resolveu
244

faltas ordinárias. Espero de Nosso Senhor a graça de me corrigir, se me fizerdes a


caridade de me perdoar.
Vamos pois, falemos de vossa inspiração, não tendes necessidade de um médico?
Se for o caso, comunicai-mo. Enviar-vos-ei um. Tendes um muito competente em
Senlis, médico do Rei, que vai frequentemente a Liancourt, por causa da confiança que
o senhor Bispo e Madame de Liancourt têm nele, e com razão. Nada poupeis para
consegui-lo e para ser bem tratada. Talvez não tenhais levado dinheiro suficiente. Se
assim for, dizei-mo e vo-lo enviaremos.
O senhor vosso filho passou um dia aqui, durante essas festas, e foi fazer-se
purgar nos Bons-Enfants. Está muito bem, graças a Deus. Madame Goussault foi para
Grigny2 e de lá vai visitar algumas Caridades fundadas, há pouco, nos arredores de
Etampes.
Vossas filhas do Hospital Geral trabalham sempre bem. Só Henriqueta3 está
sempre esmorecida. Maria diz que é por causa de vossa ausência. Isso impediu que ela
fosse a Saint-Nicolas, e Bárbara4 a São Sulpício5. Isabelle6 está melhor. A filha da
senhora Viole que lhe colocaram como companhia, as escandaliza, por causa de suas
maneiras de tratar com os rapazes que vêm estar com ela. Por causa deles, a mestra a
despediu. Trata-se de Normanda, em favor da qual escrevestes à senhora Viole que
pedisse a Madame Goussault tomasse conta dela, espírito aborrecido e perigoso. Mandei
chamá-la ontem, para lhe dizer que não levasse rapazes para dentro de casa. Ela não
aceitou bem, e disse que preferia ir embora. Devemos ficar em paz, depois de termos
feito o que era possível no caso.
Estão aí as notícias que vos dizem respeito. Mas nos perguntamos agora: quando
estareis de volta? Ó meu Deus! esquecia-me de dizer-vos sobre Madame Mussot, que eu
a espero esta manhã, para saber, na verdade, quando ela vai partir.
Madame de Liancourt me comunicou que virá estar comigo 7. Mas soube, depois
do que acima está escrito, que houve engano. E como o embaraço em que estou não me
permite um giro maior, vou mandar pedir-lhe que passe por aqui na minha volta.
Madame Mussot me garantiu ontem que ela vai partir no final desta semana. O Padre
Prior fala em ir com ela e de ser um dos capelães de Liancourt, juntamente com um
outro eclesiástico8.
algumas dificuldades relativas, sobretudo à escolha dos doentes que a Confraria deveria assistir. O relatório que fez
dessa assembleia nos foi conservado (Pensamentos, p. 99).
22
Pequena localidade de Seine-et-Oise.
33
Henriqueta Gesseaume, filha da Caridade, muito inteligente e cheia de qualidades, mas de caráter muito
independente. Hábil farmacêutica, foi de grande ajuda ao hospital de Nantes, onde ficou de 1646 a 1655. Uma de suas
sobrinhas a acompanhou, entrando para as Filhas da Caridade. Um irmão e um sobrinho entraram na Congregação da
Missão.
44
Bárabara Angiboust.
55
Maria Joly e Bárbara Angiboust estavam encarregadas, na ausência de Luísa de Marillac, das irmãs empregadas nas
Confrarias dessas paróquias.
66
Isabelle ou Elisabeth Martin foi, entre as primeiras Filhas da Caridade, uma das mais completas. Superiora do
hospital de Angers em 1640, em Richelieu em 1641, no hospital de Nantes em 1646, voltou a Richelieu em 1648,
para morrer aí no ano seguinte. Sua saúde deixou sempre a desejar.
77
São Vicente interrompeu a carta neste lugar, para retomá-la só no dia seguinte.
88
O Duque e a Duquesa de Liancourt tinham concebido, desde 1606, o projeto de chamar capelães para suas terras de
Liancourt. Deveriam ser em número de três, levar vida comum na casa construída expressamente para eles, perto da
igreja, ajudar os párocos de Liancourt e das paróquias vizinhas dependentes do senhorio. Os vencimentos oferecidos
eram mínimos, por isso ninguém se apresentava. Alguns padres da Provença acabaram aceitando. Depois de dois
245

Ontem Madame de Combalet9 insistiu comigo para lhe enviar a filha, e disse que
era para ela. Falei com Maria Denyse, porque me parecia a mais indicada para isso. Mas
ela me deu uma resposta digna de uma jovem que tem vocação de Deus para a
Caridade: deixara pai e mãe, disse-me ela, para se doar ao serviço dos pobres, por amor
a Deus, e me suplicava perdoá-la, se não podia mudar de propósito, para ir servir a uma
grande dama. Depois disso, falei a Bárbara, a maior 1010, sem lhe dizer para quem nem
para quê, e mandei-a esperar-me junto à dita dama Combalet. Disse-lhe que esta boa
senhora a empregaria ora a seu serviço e ora a serviço dos pobres da paróquia. Ela se
pôs a chorar e, tendo consentido, coloquei-a nas mãos de uma senhorita da referida
dama. Mas fiquei muito admirado quando, imediatamente depois, ela voltou à casa do
abade de Loyac1111, onde eu estava, e me disse que ficara espantada por ver tão grande
palácio e não saberia como viver ali. Pedia-me retirá-la de lá, pois Nosso Senhor a
destinara aos pobres e rogava-me devolvê-la a eles. O abade ficou muito impressionado
ao ver tal desprezo da grandeza do mundo. Mandou-me dizer a essa boa filha que
voltasse para a casa da citada dama e, se dentro de quatro ou cinco dias não se sentisse
bem, voltasse para Saint-Nicolas.

anos, eles se retiraram. Adriano Le Bon, de quem São Vicente fala em sua carta, não levou à frente seu projeto. O
Duque recorreu a São Vicente como também ao Padre Georges Froger, pároco de Saint-Nicolas-du-Chardonnet, e os
dois o encaminharam para Adriano Bourdoise. Bourdoise deixou-se conquistar. Deixou Paris a 01 de setembro de
1642 e trabalhou tão bem em Liancourt que, em pouco tempo, agrupou em torno dele toda uma Comunidade ( O santo
sacerdote Bourdoise, por Jean Darche, t. II, p. 184).
99
Maria de Wignerod de Pontcourlay, nascida em 1604, no castelo de Glénay, perto de Bressuire, de Renê de
Wignerod e de Francisca de Richelieu, irmã mais velha do grande Cardeal, casou-se, muito jovem, no aposento de
Ana d’Austria, com o sobrinho do Duque de Luynes, Antônio de Beauvoir de Grimoard du Roure, cavalheiro, senhor
de Combalet, que jamais tinha visto e que não amava. Durante os dois anos que durou a união, os esposos só viveram
seis meses juntos. O Maquês de Combalet, retido fora do lar por exigências da guerra, caiu ferido de morte, a 03 de
setembro de 1622, no cerco de Montpellier. Viúva com 18 anos, a Marquesa de Combalet deixou a corte e retirou
para o Carmelo de Paris. Foi admitida ao noviciado. Depois de um ano de clausura recebeu o hábito religioso das
mãos do Padre Bérulle e pronunciou os primeiros votos. Richelieu, que muito a amava, usou todos os recursos para
reconduzi-la à corte. Foi por solicitação sua que o Papa proibiu o claustro para a jovem Marquesa, que Maria de
Médicis a escolheu, a 01 de janeiro de 1638.
Nesse dia, o Cardeal levou-a para que fixasse lá sua residência, num pequeno palácio preparado para ela, na
rua de Vaugirard, nas dependências do pequeno Luxemburgo, onde ele mesmo morava. A Duquesa de Aiguillon fez
um nobre uso de sua imensa fortuna e de sua grande influência. Freqüentou e protegeu os homens de letras e se pôs à
frente de todas as obras de caridade. Estabeleceu os padres da Missão em Notre-Dame de La Rose e em Marselha,
onde lhes confiou a direção de um hospital que mandara construir para os galerianos enfermos. A casa de Richelieu e
a de Roma viveram de suas liberalidades. Foi ela quem mandou dar à Congregação da Missão os consulados de Argel
e de Túnis. Contribuiu para a fundação do Hospital Geral e da Sociedade das Missões Estrangeiras, tomou sob sua
proteção as Filhas da Cruz e as Filhas da Providência e foi a grande benfeitora do Carmelo. Foi presidente da
Confraria da Caridade de São Sulpício e substituiu Madame Lamoignon, à frente das Damas do Hospital Geral. A
Duquesa de Aiguillon deve ser colocada com Luísa de Marillac, Madame de Gondi e Madame Goussault, na primeira
fileira das colaboradoras de São Vicente. Ninguém, talvez, lhe tenha feito mais donativos. Poucas pessoas lhe foram
tão apegadas. Velou por sua saúde com solicitude maternal. A carruagem e os cavalos, de que se servia o Santo em
sua idade avançada, provinham de suas cavalariças. A morte do servo de Deus a feriu profundamente. Mandou
confeccionar um relicário vermelho, em forma de coração, encimado com uma chama, para nele guardar o coração do
Santo. A Duquesa de Aiguillon morreu a 17 de abril de 1675, com a idade de setenta e um anos e foi sepultada com o
hábito carmelita. Os Padres Brisacier e Fléchier pronunciaram sua oração fúnebre (A Duquesa de Aiguillon, pelo
Conde de Bonneau-Avenant, segunda edição, Paris, 1882, in-12). Le Long refere-se, em sua Biblioteca histórica da
França, ed. Fontette, Paris, 1768-1778, 5 vol. in-fº, t. III, nº 30.854, a um resumo manuscrito de suas cartas, hoje
perdido.
1010
Bárbara Angiboust.
1111
Jean de Loyac, protonotário apostólico, honrava o clero por suas virtudes e talentos. Era conselheiro, capelão e
pregador ordinário do Rei. Teria sido elevado à Sé de Toulon, quando da morte de Augusto de Forbin, se Richelieu
não tivesse impedido a expedição das bulas. Escreveu a vida de Pierre de Sacjan, prior comendador da Ordem de
Santo Antônio em Paris, e a vida de São João de Deus.
Carta 225. ─ Collet, op. cit., t. I, p. 355.
246

Que vos parece, Senhora? Não ficais extasiada ao ver a força do espírito de Deus
nessas duas pobres filhas e o desprezo que lhes inspira pelo mundo e suas grandezas?
Não imaginais a coragem que este fato me trouxe em favor da Caridade, nem o desejo
que tenho de que volteis logo, e em boa saúde, para trabalhar nela com todo empenho e
decisão.
Fazei, pois, o possível para recuperar bem a saúde, Senhora, eu vos suplico, e
trazei essas boas filhas, se reconhecerdes nelas vocação e aptidão.
Muito bem! Termino rogando a Deus vos devolva perfeita saúde, como espero de
sua bondade.
Sou, em seu amor e no de sua Santa Mãe, Senhora, vosso muito humilde e
obediente servo,

Vicente de Paulo.

São Lázaro, manhã de terça-feira do dia 27 de maio de 1636.

Estive ontem com vossas filhas do Hospital Geral. Estão trabalhando bem. Se
estiverdes precisando dos meus serviços, abandonarei tudo por isso. Mas espero que
possais passar sem eles.

Destinatário: À senhora Le Gras.

225. ─ A LAMBERT AUX COUTEAUX, SUPERIOR, EM TOUL

13 de junho de 1636.

Pressionado por Charles-Chrétin de Gournay, bispo de Toul, a autorizar os padres da casa


dessa cidade a confessar as religiosas de São Domingos, que dificilmente poderiam encontrar
confessores, por causa das turbulências da Lorena, Vicente de Paulo roga ao superior do
estabelecimento ir lançar-se aos pés do prelado e levá-lo a compreender quanto o serviço
solicitado está em oposição com os fins da Companhia.

226. ─ JEAN JACQUES OLIER A SÃO VICENTE E AOS PADRES DA


CONFERÊNCIA DAS TERÇAS-FEIRAS

Quem tem Deus tem tudo.


Jesus, Maria, José.

Senhores Padres,

Não posso permanecer por mais tempo fora de vossa Companhia sem vos prestar
conta, como sou obrigado, de minhas ações. Dir-vos-ei, senhores Padres, que estivemos
247

onze dias a caminho até chegar ao local da missão chamada Saint-Ilpize 1. O favor de
Deus foi tão grande que, durante aquele tempo, não tivemos duas horas de sol, nem de
chuva, caminhando sempre ao abrigo de nuvens. E todos, pela graça de Deus, lá
chegamos em boa disposição.
Começamos a missão no domingo depois da Ascensão. Durou até 15 deste mês,
dia de Saint-Ilpize, festa deles, quando quiseram que eu me despedisse à tarde, na
presença do Santíssimo Sacramento. Assim aconteceu, com toda reverência pela
majestade de Deus, que a tudo presidia, e também com tantas lágrimas e suspiros que
acredito, senhores Padres, teria sido necessário estar lá para crê-lo. Deus seja bendito
por tudo!
Quase a mesma coisa aconteceu na procissão das crianças e na comunhão delas,
realizada com toda a reverência imaginável. A multidão, assim como no resto das
festas, era tão grande que foi preciso mandar correr vinho dentro da igreja, para
socorrer os mais enfraquecidos. Houve uma pessoa, entre outras, que esteve doente
mais de três semanas.
O povo, no início, ia chegando conforme desejávamos, isto é, tantos quantos os
pudéssemos confessar. Mas isso, senhores Padres, com tais movimentos de graça que,
de todos os lados, era fácil saber onde os padres estavam confessando. Os penitentes,
com seus suspiros e soluços, se faziam ouvir de todas as partes. Por tudo, seja louvado
Jesus Cristo.
Mas, para o final, o povo nos pressionava tão vivamente, e a multidão era tão
grande que foi preciso, às vezes (a saber em todas as festas), contar com doze ou treze
padres para atender ao ardor desse zelo. Podia-se vê-los desde o amanhecer até a
última pregação, sem beber nem comer.
Algumas vezes, em favor dos estrangeiros, era preciso dar duas horas a mais de
catecismo, donde saíam tão famintos como quando entravam. Ficávamos totalmente
confusos. Era-nos necessário ministrá-lo do púlpito. Não havia lugar vazio na igreja. O
entorno do cemitério estava totalmente repleto, as portas obstruídas e as janelas
apinhadas de gente. O mesmo acontecia no sermão da manhã, e no da tarde, chamado
de grande catecismo. Depois de tudo, só posso dizer: Benedictus Deus! Benedictus
Deus! (Deus seja bendito) ele se comunica tão generosamente a suas criaturas, mas,
sobretudo, a seus pobres. Com efeito, senhores Padres, pudemos verificar que é onde
ele reside e pede o auxílio das criaturas para completar o que ele não costuma fazer
sozinho, isto é, a instrução e a conversão total do seu povo.
Senhores Padres, não recuseis esse auxílio a Jesus. É grande demais a glória de
trabalhar submissos a ele, de contribuir para a salvação das almas que a ele pertencem
e para a glória que delas vai retirar por toda uma eternidade. Começastes com muita
felicidade, e vossos primeiros exemplos me mandaram para fora de Paris. Prossegui
nesses divinos ministérios, pois é certo que não há nada semelhante sobre a terra.
Paris, Paris, tu reténs pessoas que converteriam vários mundos! Meu Deus!
quantas boas obras sem fruto, falsas conversões e santos discursos perdidos, por falta
das disposições que Deus derrama em outras partes! Uma única palavra aqui é uma
1
Carta 226. ─ Arquivo de São Sulpício, cópia antiga.
1
Comuna do entorno de Brioude (Haute-Loire).
248

pregação, e nada nos parece inútil. Aqui não degolaram os profetas; quero dizer, sua
pregação não foi desprezada como nas cidades. Assim, senhores Padres, todos esses
pobres, com muito pouca instrução, se veem repletos das bênçãos e das graças de
Deus. É o que posso desejar, pois que, em seu amor, sou, senhores Padres, vosso muito
humilde, obediente e grato coirmão,

OLIER.

Em Vieille-Brioude2, dia de São João3, 1636.

227. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[16361].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Bendito seja Deus por tudo que me dizeis de Madame Turgis 2! Poderei atendê-la
em confissão sábado depois da janta, se Deus quiser. Passai para ela as meditações
sobre o nascimento e a vida de Nosso Senhor, daqui até lá, por favor. Continuar depois
com as meditações sobre a paixão e algumas das aparições, sem esquecer as santas bem-
aventuranças por duas ou três vezes. Se não for possível passar todas, passe o que for
possível durante o tempo do seu retiro.
Não saberia o que dizer-vos dessas filhas de São Vitor [nem da 3] M[adre]
Gabrielle4, a não ser que peço a Deus remediar a tudo.
Não sei se poderei estar com esta moça que me dizem estar vindo para se
apresentar. Fá-lo-ei, se puder. Se não puder, peço-vos escusar-me e que vos lembreis de
mim em vossas orações. Recomendo-vos também à Madre Superiora de Santa Maria da
cidade5, que está muito doente.
Bom dia, Senhora. Sou v. s.

Vicente de Paulo.

Quinta-feira, 10 horas.
22
Comuna do entorno de Brioude.
33
24 de junho.
1
Carta 227. ─ C. aut. ─ Original com o Marquês de Pierre à Aulteribe (Puy-de-Dôme).
1
Data da entrada de madame Turgis para a Comunidade.
22
Elisabeth Le Gouteux, viúva do Senhor Turgis, deixou o mundo, onde ocupava bela posição, para se consagrar a
Deus nas Filhas da Caridade. Desempenhou as funções de superiora no hospital de Angers (1639-1640, 1644), no
Crianças Expostas (1642), em Saint-Denis (1645), em Chars, perto de Pontoise (1645,1647) e em Richelieu (1646-
1647). Morreu em Chantilly, em outubro de 1648, depois de longa e cruel enfermidade.
33
O original está rasgado neste local.
44
Se a palavra “Madre” é exata, trata-se aqui de Madre Gabrielle de Condren, religiosa carmelita, irmã do Padre de
Condren.
55
A Madre Angélica Lhuillier.
249

228. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[16361].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Acho muito oportuno tudo que me dizeis, a respeito do serviço dos pobres, do
Hospital Geral, da sala2 e da senhora Viole, assim como de uma conversa mais a fundo
sobre os meios de conseguir uma perfeita caridade entre as vossas filhas.
Quanto a Madame Turgis, será bom que, primeiro, lhe peçais que aceite a
observância de tudo que as filhas fazem, fazer como as outras e que a trateis como a
uma delas; enfim, faça um noviciado de alguns meses: 1º, para honrar infância de
Nosso Senhor; 2º, para dar exemplo a essas filhas de como agir bem, e às que virão
depois, seja qual for a condição, de como fazer o mesmo e, enfim, para que as filhas
tenham para com ela maior respeito quando lhe confiarmos algum serviço de direção 3.
Para esse fim, que ela se coloque, à mesa, indiferentemente, sem qualquer lugar entre
elas. Foi assim que Nosso Senhor quis se acomodar aos pobres, dando-nos o exemplo,
para fazermos o mesmo.
Se puder, irei sábado, bem cedo, para confessar vossas filhas e colocá-las na
prática da confissão, da qual vos falei.
Bom dia, Senhora. Sou v. s.

V. D.

Destinatário: À senhora Le Gras.

229. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Entre 16341 e 1639]2.

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!

1
Carta 228. ─ C. aut. ─ Original no segundo Mosteiro da Visitação de Paris, rua de Vaugirard, 110.
1
Ver carta 227, nota 1. Acrescentamos que a carta parece posterior à transferência da Casa Mãe para La Chapelle.
22
Muito provavelmente a sala das irmãs em Saint-Nicolas.
33
A Palavra autoridade foi a que se apresentou primeiro à pena do Santo. Refletindo mais, preferiu a palavra serviço
de direção (conduite, que traduzimos por serviço de direção).
1
Carta 229. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Esta carta é posterior à fundação das Filhas da Caridade.
22
Depois de 1639, São Vicente teria escrito as palavras: “Manhã de sábado”, no começo da carta, não no final.
250

Eis, portanto, de partida, nossa muito querida irmã. Bendito seja Deus por querer
libertá-la de tantos sofrimentos e recompensá-la por todos os serviços que lhe prestou!
Um pequeno incômodo me impede de ir dizer-lhe o último adeus; fá-lo-ei no altar, onde
espero vê-la em Nosso Senhor, mais perfeitamente do que entre nós. Tendo pensado e
repensado sobre a proposta que me fizestes, relativa à disposição do seu corpo, penso
que não é conveniente enterrá-la aqui3; dir-vos-ei a razão. Honrai nisso a diferença dos
sepulcros de Nosso Senhor e da Santíssima Virgem e consolai-vos, na entrega ao
adorável beneplácito de Deus, por favor. Confesso que é fácil dizê-lo, mas as lágrimas
de Nosso Senhor sobre Lázaro, mostram que é difícil. Se chorardes, que seja pouco;
mas fortalecei-vos depois. Admiro algumas vezes a atitude tranquila dos bons religiosos
e religiosas na morte dos seus. Oh! quem nos dará partilhar da disposição da Santíssima
Virgem na morte do seu Filho! Vou pedir para vós no santo altar alguma participação
nela. Se ela estiver em estado em que seja possível recomendar a pequena Companhia a
suas orações, peço-vos fazê-lo. Quero dizer a Companhia das filhas e a nossa humilde
Companhia. Recomendar também a mim, em especial, que mais preciso, e que sou, no
amor de Nosso Senhor, Senhora, vosso muito humilde servo,

Vicente de Paulo.

Manhã de sábado.

Destinatário: À senhora Le Gras.

230. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Entre 1634 e 16391].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Fico sensivelmente aflito por não poder ir estar convosco, por causa do pessoal
que está conosco e de outros que aguardo. Suplico-vos escusar-me e não vos deixar
levar por alguma dor. É o beneplácito de Deus, que tanto amais! Ó Deus! que motivo, o
do prazer de Deus! Que motivo ainda, o de pensar que esta filha goza no presente da
felicidade de sua glória! Mergulhai nisso, sem mais sair, vos suplico.
Enviar-vos-ei quatro padres para o ofício religioso e tratarei de estar com Madame
Goussault para comunicar-lho da maneira como me assinalais. Espero, se Deus quiser,
estar convosco amanhã de manhã. Dar-me-íeis grande consolação se permanecêsseis de
cama, em repouso, durante esses dois dias.
Bom dia, Senhora. Sou vosso muito humilde servo,

33
Em São Lázaro.
1
Carta 230. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Esta carta foi escrita entre a instituição das Filhas da Caridade e a morte de Madame Goussault.
251

V. D. P.

Destinatário: À senhora Le Gras.

231. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Agosto de 16361].

Senhora,

Eis-me de volta com melhor disposição, graças a Deus. Mas estamos em meio às
armas que se distribuem aqui aos soldados2.
Se trouxerem de Liancourt essas pobres moças, não vejo incoveniente em que as
recebais, por enquanto, em vossa casa, como também esta bondosa viúva, com o fim de
instruí-la; depois disso, Madame de Liancourt as poderá colocar em outros lugares.
Parece-me melhor. Qual é o vosso parecer?
Nada respondo à queixa que me fizestes, no tocante à minha viagem e minha
permanência em La Chapelle, sem antes estar convosco, mas recorro, pela segunda vez,
a vossa caridade e espero que ela não há de aguardar a terceira vez para me perdoar.
Tenho a esperança de que teremos a honra de estar convosco dentro de dois ou três dias
e sou, entretanto, no amor de Nosso Senhor...

232. ─ A ANTÔNIO PORTAIL, PADRE DA MISSÃO, EM PÉBRAC

Paris, 15 de agosto de 1636.

Longe de ser conveniente chamar de volta para aqui o irmão Felipe 1. Ao contrário,
se aqui estivesse, teríamos de mandá-lo para outro lugar. Paris aguarda o cerco dos
espanhóis que entraram na Picardia e a devastam com poderoso exército, cuja
vanguarda se estende a 10 ou 12 léguas daqui. O pessoal dos campos foge para Paris.
Paris está tão apavorada que muitos fogem para outras cidades. O Rei trata, contudo, de
1
Carta 231. ─ Manucrito São Paulo, p. 68.
1
Esta carta e a carta 232 são do mesmo dia, ou quase.
22
A notícia de que os espanhois, donos de algumas praças-fortes na Picardia, tinham entrado em Corbie, a 05 de
agosto, lançara o pavor entre as populações ameaçadas. Os habitantes dos campos se refugiaram nas cidades com
seus pertences. Os religiosos e religiosas saíram dos seus mosteiros. Paris recebeu uma quantidade de infelizes,
partidos precipitadamente de suas casas, e cuja miséria inspirava piedade. O Rei se apressou em preparar um novo
exército e pôr a capital em estado de defesa. Ele próprio partiu para a Picardia, à frente de seus soldados, e retomou
em pouco tempo as praças perdidas. Corbie se entregou a 14 de novembro. A 21, Luís XIII entrava em Paris, como
vitorioso.
1
Carta 232. ─ Reg. 2, p. 221.
1
Ver carta 202.
252

formar um exército para se opor àquele outro, já que os seus exércitos estão fora, ou nas
extremidades do reino. E aqui é o lugar onde as companhias estão sendo preparadas e
recebem as armas. O estábulo, a estância de lenha, as salas e o claustro estão lotados de
armas, e os pátios, de soldados. O dia da Assunção não ficou isento desse embaraço
tumultuoso. O tambor começa a bater, embora sejam apenas sete horas da manhã. De
oito para cá, formaram-se aqui 72 companhias. Contudo, embora a situação seja essa, a
comunidade inteira não deixa de fazer seu retiro, exceto três ou quatro. Mas deverão
partir para trabalhar em lugares distantes, para que, caso aconteça o cerco, a maioria
fique isenta de risco que se corre em semelhantes ocasiões. Escrevo ao senhor Abade 2
que poderei enviar-lhe quatro ou cinco padres da Companhia e lhe peço a caridade para
esse fim. Enviarei alguns outros aos senhores Bispos de Arles e Cahors, e espero fazê-
los partir logo, antes que os negócios se compliquem mais. Recebi ordem de nosso
Superior3 para proceder assim, com aprovação de nossos amigos, já que não poderiam
trabalhar nestes quarteirões presentemente tumultuados. Julgai, pois, e pedi ao bom
irmão que julgue se é conveniente que ele retorne.
Sou de vosso parecer, e sempre suspeitei que ele é de natureza preguiçosa, e é
tentado de indolência pelo demônio. Ele pode bem lembrar-se de que eu lhe disse isso.
Suplico-vos encorajá-lo a que lhe resista, mas pelo caminho da mansidão e da
persuasão, não da imposição, como é costume nosso agir. Os espíritos enfermos
precisam ser mais delicada e cuidadosamente tratados do que os doentes de corpo.
Quanto à aversão que M. Le P. testemunha ter contra os exercícios da Missão, é
preciso honrar a mansidão, a paciência e a humildade de Nosso Senhor para com
aqueles que discordam de sua pessoa e doutrina, e proceder da maneira como ele
procedia.

233. ─ AO SENHOR DE SAINT MARTIN

Prezado Senhor,

Aproveitando a oportunidade da ida do senhor Touschard a Dax, envio-vos o


pequeno quadro que encomendei para vós1 ao senhor Brentel. O presente é de pouco
22
Jacques Olier, abade de Pébrac.
33
Provavelmente o Arcebispo de Paris.
1
Carta 233. ─ Arquivos da Missão, cópia do original, que era todo da mão do Santo.
1
Eis a descrição que dele nos faz Firmino Joussemet, que o teve sob os olhos (Carta de São Vicente de Paulo sobre o
cativeiro de Tunis, na Revista das províncias do Oeste, setembro de 1856, p. 230 e ss.): “Esta pintura do mais fino
toque foi executada em pergaminho por um artista chamado Francisco Brentel. Representa a fuga para o Egito. A
Virgem, sentada à sombra de grandes árvores, amamenta o Menino Jesus, enquanto José os comtempla. Mais ao
longe, o jumento procura seu alimento. No fundo da paisagem, está uma cidade decorada com belos edifícios e
construída no meio de um lugar severo. Dois anjos em prece, transportados pelas nuvens, ocupam o alto do conjunto.
No entorno, sobressai uma orla em cor negra e dourada e embaixo se encontra uma faixa purpúrea, sobre a qual se lê
253

valor, mas espero que seja apreciado por vós, vindo de uma pessoa que, há tanto tempo,
é quem mais vos deve favores. Ao olhar para ele, não esquecereis em vossas orações o
mais humilde de vossos servos.

Vicente de Paulo.

Paris, 16 de agosto de 1636.

234. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Agosto de 16361].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Ao voltar, soube de vossa indisposição. Isso me contristou. Peço a Nosso Senhor
vos devolva aquela perfeita saúde da qual me alegrei, quando da última vez que vos vi.
Enfim, sois filha da Cruz. Oh! que felicidade! Dizei-me, vos peço, se essa pequena
recaída vos perturbou um pouco. Não parece bom deixar-vos ainda nesses sobressaltos.
É melhor retirar-vos2. Isso não impedirá, caso as coisas se abrandem, que volteis para
onde estais, para gozar desses bons ares. Não temo o exército espanhol, mas alguma
circunstância semelhante à que aconteceu. Agradeço-vos pelo cuidado que tendes de
nós, e vos suplico tê-lo de vossa saúde, que peço a Nosso Senhor vos conceder, sendo,
em seu amor, vosso muito humilde servo,

Vicente de Paulo.

235. ─ A ROBERTO DE SERGIS, PADRE DA MISSÃO, EM LUZARCHES1

01 de setembro de 1636.

em caracteres romanos: Amai a Deus e vosso próximo, legenda que resume a doutrina do doador. Embaixo, está a
assinatura do artista e a data 1636. O conjunto tem 0,14m de altura e 0,10m de largura. Este pequeno quadro,
perfeitamente conservado, se recomenda sobretudo pela extrema fineza da pincelada. Parece ser a cópia de uma obra
de um artista da escola de Carrache”. Arthur Loth a reproduziu em sua bela obra São Vicente de Paulo e a sua missão
social, Paris, 1880, in-8, p. 74. Aquele que Firmino Joussemet chama de Francisco Brentel não é provavelmente
senão o estraburguense Frederico Brentel, falecido em Augsburgo em 1651, artista de grande talento, de desenho
correto, colorido brilhante e agradável, autor de diversos quadros da história, de retratos, de várias gravuras e das
miniaturas de um manuscrito intitulado: Officium B. Mariae Virginis (Ofício da Bem-aventurada Virgem Maria), in-
8, 1647 (Bibl. Nac. f. 1. 1. 10.567-10.568). (Cf. Schreiber, Das Münster zu Strassburg, Carlsruhe, 1828).
1
Carta 234. ─ Manuscrito São Paulo, p. 77.
1
A alusão à guerra com os espanhóis exige esta data.
22
Provavelmente: retirar-vos de La Chapelle e voltar a Paris.
1
Carta 235. ─ Reg. 2, p. 273.
1
Nessa localidade estava acampado o regimento do qual Roberto de Sergis era capelão.
254

O senhor Chanceler2 me escreveu antes de ontem, por portador expresso, que lhe
enviasse hoje ou amanhã vinte missionários para Senlis. Ele nos transmitiria a ordem
que teríamos de observar e velaria por nós. Comuniquei-lhe que não tínhamos como
enviar-lhe tão grande número, mas no máximo doze ou quinze, e que lhe encaminharia
algum para lhe receber as ordens e passá-las para os outros. Proponho-me enviar para
esse fim o Padre Coudray, já amanhã de manhã 3. Peço-vos escrever-me de imediato.
Disseram-me que deveis deixar a casa amanhã de manhã.
A carta anexa vos dará notícias do Padre Lambert e de como se comportou com os
RR. PP. Capuchinhos! Oh! como isso é cristão e como gostaria que todos agissem da
mesma forma!
Essa boa gente de Clichy reclama seus filhos que estão em vosso regimento.
Oferecem homens ou dinheiro a seu capitão, ao qual escrevo sobre isso. Trata-se do
senhor Marin. Fiz o mesmo pedido ao senhor Piscot.

236. ─ A UM PADRE DA MISSÃO

[Entre setembro e novembro de 16361].

Bendito seja Deus pela bênção que concede a vosso trabalho! Ó Jesus! Senhor
Padre, como me parece uma grande bênção! Como não! Já levou, por vosso intermédio,
a boas disposições, trezentos soldados que comungaram com toda devoção, como
também a soldados que falecem! Só quem sabe do rigor de Deus nos infernos, ou que
conhece o preço do sangue de Jesus Cristo derramado por uma alma, pode compreender
a grandeza desse bem. E embora eu conheça mal uma coisa e outra, apraz contudo a sua
bondade dispensar-me alguma luz a respeito e uma estima infinita do bem que fizestes a
esses 300 penitentes. Terça-feira passada, chegava já a 900 as confissões feitas em todas
as missões do exército, sem contar as vossas, além do que se fez depois. Ó Deus!
Senhor Padre, como isso ultrapassou minha esperança! É preciso humilhar-se, louvar a
Deus, continuar com coragem e prosseguir, se não houver contra-ordem.

237. ─ LUÍSA DE MARILLAC A SÃO VICENTE

[Antes de 16451].

22
Pierre Séguier.
33
Abelly conta (op. cit.,t. I, cap. XXXIII, p. 154) que o próprio São Vicente se dirigiu para Senlis, a fim de oferecer
seus serviços ao Rei. Deixou lá um de seus padres para transmitir as ordens do monarca aos outros missionários do
exército e mandou enviar-lhes uma tenda, móveis e víveres. Conservou-nos o regulamento que o santo traçou para
eles nessa ocasião. Alguns missionários voltaram depois de seis semanas. Os outros ficaram no exército até o fim de
novembro.
1
Carta 236. ─ Abelly, op. cit., t. I, cap. XXXIII, p. 156.
1
Ver carta 235, nota 3.
1
Carta 237. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Ver notas 4 e 7.
255

Senhor Padre,

Madame Traversay2 encarregou-me, ontem, de vos avisar que a reunião das


Damas será quinta-feira no local que conheceis e que Madame Chanceler 3 estará
presente.
Fiquei pesarosa porque não pude fazer-vos entender o procedimento do Padre
d’Attichy4 numa visita que fez à senhora Duquesa 5, a respeito do meu filho. Ele a
planejara, há muito tempo, sem que eu soubesse. Encontrando-o nas Carmelitas, onde
a Madame Condessa de Maure6 pediu-me que fosse, para um assunto seu, ele me
repreendeu, indagou-me sobre a fortuna do meu filho e disse-me que nada fazia por ele.
Madame de Maure o apoiava dizendo-me que eu conhecia bastante o senhor de
Noyers7, por já ter conversado com ele. Tudo o que fiz foi escrever dois dias depois ao
Padre d’Attichy e dizer-lhe que a única falta que eu pensava ter cometido em relação
aos meus deveres de boa mãe para com meu filho era de não tê-lo informado de que
meu falecido marido consumira todo o seu tempo e sua vida cuidando dos negócios da
casa (d’Attichy), negligenciando completamente os seus próprios negócios. Para
recuperar esse erro, eu lhe pedia, já que estava decidido a se interessar por ele, sem
que eu o soubesse, que ele se desse ao trabalho de dizer à referida senhora, que o
senhor de Noyers me conhecia por me ter visto com frequência na casa do senhor
Marillac, o ministro da justiça, e que eu tinha certeza de que vossa caridade daria
informações sobre meu filho, se fossem pedidas.
Diante de Deus, essa é toda a minha intervenção nesse assunto. Rogo-vos muito
humildemente que o acrediteis. De maneira alguma a teria feito sem essa inesperada
ocasião, preparada por essas pessoas. Meu filho nada sabia a respeito.
Suplico a nosso bom Deus vos ilumine sobre sua vontade nesse assunto e vos dê a
conhecer que preferiria morrer a vos simular alguma coisa, posto que sou, senhor
Padre, vossa muito agradecida serva e muito humilde filha,

L. de Marillac.

Terça-feira.

22
Ana Petau, viúva de Renê Regnault, senhor de Traversay, Conselheiro no Parlamento de Paris, irmã do presidente
Méliand. Foi uma das damas da Caridade mais dedicadas a São Vicente e suas obras. Fundou o Mosteiro da
Concepção, rua Saint-Honoré, e se ocupou das Filhas da Cruz, depois da morte da fundadora, Madame de Villeneuve.
33
Madame Séguier.
44
Aquiles d’Attichy, jesuíta, irmão da Condessa de Maure, nascido a 23 de abril de 1596, falecido em 1645.
55
Talvez A Duquesa de Atri.
66
Os trabalhos históricos de Cousin atraíram a atenção dos eruditos sobre Ana d’Attichy, prima de Luísa de Marillac,
esposa de Luís de Rochechouart, conde de Maure, conhecido sobretudo pelo papel desempenhado durante a Fronda.
A Condessa de Maure, diz a Duquesa de Montpensier, “tinha muitíssimo espírito, capaz, instruido, extraordinário
conhecedor em tudo. Era necessário possuir grande polidez para ser do seu castelo; com efeito, o que havia de
pessoas de bem, de qualquer sexo, de todas as partes, convergiram para lá” ( Relation de l’île imaginaire. Histoire de
la princesse de Paphlagonie, Paris, 1805, in-12, p. 64). Nos seus mais avançados dias, tornou-se extremamente
original; a ocupação com a saúde lhe roubava toda tranquilidade de espírito (Ibidem, p. 72; Le Dictionnaire des
Précieuse, pelo senhor de Sommaize, Paris, 2 vol. in-16, t. I, p. 167).
77
Francisco Soublet, senhor de Noyers, barão de Dangu, Secretário de Estado, falecido a 20 de outubro de 1645, com
a idade de cinquenta e sete anos. Seu tio, o senhor de Champigny fora superintendente das finanças ao mesmo tempo
que Michel de Marillac, tio de Luísa.
256

Destinatário: Ao senhor Padre Vicente.

238. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Antes de 16451].

Tratarei de ir quinta-feira, se Deus quiser, à sala das Irmãs 2. Mas não sei por que
ficais preocupada pelo que fizestes pelo vosso filho, como se não fosse razoável para
u’a mãe procurar o bem do seu filho. Provesse a Deus pudesse fazê-lo eu mesmo! Sabe
sua bondade com que coração o faria eu, que sou v. s.

V. D.

Destinatário: À senhora Le Gras.

239. ─ A ANTÔNIO PORTAIL, PADRE DA MISSÃO

Paris, 20 de setembro de 1636.

É-nos impossível enviar-vos tão cedo esses missionários que aguardais, porque os
que tínhamos preparado receberam a ordem de acompanhar os regimentos que estavam
em Luzarches, para Pont1, Saint-Leu2 e La Chapelle-Orly. Devem acampar com eles no
exército, onde quatro mil soldados já cumpriram o dever no tribunal da Penitência, com
grande efusão de lágrimas. Espero que Deus tenha misericórdia de vários, com esse
pequeno socorro (espiritual) e que isso não prejudique o bom êxito dos exércitos do Rei.

240. ─ A MADAME GOUSSAULT

Senhora Madame,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Bendito seja Deus pela bênção que concedeu a vossa missão e por terdes de
voltar, em razão do acidente acontecido! Não vos faltará trabalho aqui. Sugiro-vos um
afazer a caminho: passar em Estival1, a abadia sobre a qual me escrevestes que a
abadessa está mal com suas religiosas e com sua mãe, para tentar levá-la à conciliação.
1
Carta 238. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Esta carta responde à carta 237, depois da qual foi escrita.
22
Provavelmente a sala que as Irmãs se tinham reservado no seu antigo alojamento da paróquia Saint-Nicolas-du-
Chardonnet.
1
Carta 239. ─ Abelly, op. cit., t. I, cap. XXXIII, fim, p. 156.
1
Pont-Sainte-Maxence (Oise).
22
Saint-Leu-d’Esserent (Oise).
1
Carta 240. ─ Dossiê da Missão, cópia.
257

Há um eclesiástico que a põe a perder-se e a leva assim a viver mal com sua mãe. Seria
de se desejar que ela aceitasse alguma arbitragem ou que saísse de lá, passando de sua
abadia para uma outra. Com efeito, os processos levarão à perda e ao abandono do
estado de reforma, em vez de levá-lo adiante. A transferência de abadia não deve ser
proposta por vós, se ela não tocar no assunto. Resta a conciliação. Se puderdes dispô-la
efetivamente a fazê-la, seria uma boa obra. Madame Borrain, sua tia, me falou da
questão com grande sentimento, mas não convém dizê-lo.
Termino, esperando-vos com grande afeição, e sou, no amor de Nosso Senhor,
Madame, vosso muito humilde o obediente servo,

Vicente de Paulo.

São Lázaro, Paris, 20 de setembro de 1636.

Destinatário: À senhora Madame presidente Goussault, em Angers.

241. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[16361].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Madame presidente Goussault não esteve em Beauvais. Está de volta para
Neufchâtel2 e penso que, no momento, está em Groslet 3, com Madame sua mãe. Não
poderá assim fazer o que desejais para Liancourt. Sinto-me envergonhado por não
termos ainda feito o regulamento para esse lugar. Precisamos trabalhar nisso, com a
graça de Deus.
Quanto à Casa de Saint-Nicolas 4, suplico-vos ter paciência e pagar todo o aluguel
das rendas comuns; com efeito, talvez tenhais necessidade dela para vossas filhas.
Que vos direi desta filha que está com o senhor Lhoste 5, senão que é excelente
caridade? Mas precisamos nos guardar de fazer disso um procedimento habitual. Não
seria melhor, já que estais comprometida no caso, que coloqueis lá Jeanne com essa
pobre Suzana? Duas juntas subsistiriam melhor, e talvez isso não as prejudique.

1
Estival en Charnie (Sarthe). Havia nessa localidade uma abadia de beneditinas, na qual São Vicente fez introduzir a
reforma (Cf. Dom Piolin, Histoire de l’Eglise du Mans, Paris, 1851-1871, in-8, t. VI, p. 248).
1
Carta 241. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Ver nota 4. Esta carta é anterior à carta 253.
22
Neufchâtel-en-Bray (Seine-Inférieure).
33
Respeitamos intencionalmente a ortografia do original, não sabendo se se trata de Groslay em Seine-et-Oise ou de
Grosley em Eure.
44
A casa que as irmãs acabavam de deixar no mês de maio precedente, para se instalar em La Chapelle.
55
Talvez Jean-Marie Lhoste que, depois de ter sido advogado no Parlamento, tornou-se administrador do Hospital
Geral, dos Incuráveis, da Casa de Caridade e de Saint-Jacques aux Pèlerins, e morreu a 17 de fevereiro de 1762.
258

Mandei apresentar minhas escusas a Madame de Ligin6, que está melhor, como
também eu, graças a Deus.
E vós, Senhora, como foi vossa pequena recaída? Oh! como é verdade, Senhora,
que o mundo está cheio de miséria! Eia pois, importa contudo suportá-las, as nossas e as
dos outros, enquanto aprouver a Deus. Meu Deus! a bondosa Madame Mesnard 7, ó
Deus, como a julgo feliz e suplico-lhe de coração reze a Deus por mim! Quero esperá-lo
com certeza de sua bondade. Rogo ao vosso coração não se deixar levar pela comoção a
seu respeito, nem por coisa alguma, a não ser pelo puro amor de Deus.
Sou, nesse mesmo amor, v. s.

V. D.

Destinatário: À senhora Le Gras.

242. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Setembro de 16361].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Parece que não podereis fazer no momento vosso pequeno retiro. Tratai primeiro
de vossa cura e veremos depois. Fazei, entretanto, vosso jubileu 2, mas sem jejuar, pois
estais doente. O pároco vos dispensará. Podereis fazer vossa confissão, e se quiserdes
fazê-la a partir da última confissão geral e que eu vos atenda, estou pensando em deixar
uma pequena viagem de sete ou oito dias para a próxima semana.
Mandei de volta Jeanne de Bult. Receio realmente, como vós, que haja alguma
coisa. Se assim não fosse, não a teriam deixado tanto tempo sem enviá-la para as visitas,
ou sem me comunicar nada. Importa satisfazê-la durante algum tempo.
Madame Goussault deve estar de volta brevemente. Vosso filho me falou, sábado
passado, do lugar em que deve estudar. Não concordei com universidades muito
distantes, ao que ele aquiesceu de boa vontade. A razão é que penso estar isso mais de
acordo com o sentimento dele, ou que vós lhe havíeis dado a conhecer que era também
o vosso.
Estive ontem à tarde com o senhor de Liancourt.
Curai-vos e poupai cuidadosamente vossa saúde.
Sou, no amor de Nosso Senhor...
66
Dama da Caridade.
77
Talvez Ana Le Roux, esposa de Antônio Mesnard, senhor de Toucheprès e outros lugares.
1
Carta 242. ─ Manuscrito São Paulo, p. 79.
1
Houve jubileu em 1634 e 1636. O conjunto da carta parece convir melhor ao ano 1636 e ao período das férias.
22
Quando do jubileu de 1634, uma das velhas pontes de madeira sobre o rio Sena se rompeu sob o peso da multidão
que passava em procissão. Para evitar semelhante acidente, ficou decidido, a 13 de setembro de 1636, que seriam
colocadas barreiras na entrada das pontes, de maneira a permitir a entrada de apenas pouca gente, de cada vez (Cf.
Michel Félibien, op. cit., t. V, p. 99).
259

243. ─ A ROBERTO DE SERGIS, PADRE DA MISSÃO

Setembro de 1636.

O Padre Coudray mandou-me dizer que é necessário apenas um da Companhia,


para ir a cavalo para o exército, juntamente com um rapaz, a fim de se juntar ao Padre
Lambert na cavalaria, e que o Padre Grenu pensa que Deus poderá servir-se de vós para
isso.
Suplico-vos fazê-lo, senhor Padre, e partir, ao receber a presente, com o irmão
Alexandre1, que vos estou enviando, e que vos está levando algumas roupas de que me
disseram tereis precisão. Pegai o mulo do Padre Callon ou nossa mula e levai convosco
as cem libras que vos mandei fornecer.
O bom Deus que, de ordinário, vos dá tudo no momento próprio, não vos
abandonará nessa ocasião. Encontrareis na cavalaria da vanguarda o senhor Moulan,
que conheceis. Ele vos dará bons conselhos.
Quando vos encontrardes com o Padre Grenu, deixareis as iniciativas a cargo dele
e vos dirigireis a ele para receber ordem do senhor d’Argenson 2, e lhe entregareis a carta
inclusa. Ele está vivendo em conjunto com o senhor d’Argenson e tem cerca de
cinquenta libras. Se porém precisar de mais dinheiro, fornecei-lho e vos enviarei mais.
Vamos pois, senhor Padre; ei-vos, portanto, chamado pela Providência para fazer um
ato de Caridade que maior não pode haver, o de assistir vosso próximo em extrema
necessidade. Reparai bem que felicidade para vós ter Deus pensado em vós para isso e
as bênçãos com que podereis contar nessa missão. Ide pois, in nomine Domini, com o
mesmo espírito com que São Francisco Xavier foi para as Índias, e conquistareis, como
ele, a coroa que Jesus Cristo vos mereceu por seu sangue precioso e que ele vos
concederá, se honrardes lá sua caridade, seu zelo, sua mortificação e humildade.
Abraço-vos com todo o meu coração com a ternura que podeis imaginar. Levai
roupa para vós e para o Padre Grenu, pegando da que está em Pont 3 e que tinham
mandado para a Companhia, e levar também convosco a maleta de celebração. Rogo
novamente a Nosso Senhor seja vossa consolação, vossa força, vosso exemplo, e vossa
glória.

1
Carta 243. ─ Reg. 2, p. 273.
1
Alexandre Veronne, irmão coadjutor, nascido a 15 de maio de 1610, em Avinhão, recebido na Congregação da
Missão a 22 de julho de 1630. Exercia em São Lázaro as funções de enfermeiro com uma dedicação e uma habilidade
que lhe valiam a estima de todos, e particularmente de São Vicente. Sua morte, ocorrida a 18 de novembro de 1686,
foi comunicada a toda a Companhia por uma circular do Superior Geral. O irmão Chollier lhe escreveu a vida,
publicada no Miroir du frère coadjuteur de la Congrégation de la Mission (Espelho do irmão coadjutor da
Congregação da Missão), Paris, 1875, in-8, p. 145 e seg., e que serviu para a composição de sua biografia, aparecida
nas Notícias, t. III, pp. 528-548.
22
Renê de Voyer d’Argenson, intendente na Picardia. Tornou-se superintendente da justiça na Provença, a 04 de abril
de 1646, embaixador em Veneza, a 14 de julho do mesmo ano, com a idade de 54 anos. De sua esposa Helena de la
Font, que perdera em 1638, tinha tido Marcos Renê, autor dos Anais da Companhia do Santíssimo Sacramento,
publicados em 1900 pelo R. P. dom H. Beauchet-Filleau.
33
Pont-Sainte-Maxence.
260

244. ─ A ROBERTO DE SERGIS

Senhor Padre,

Bendito seja o santo nome de Deus, senhor Padre, por vos ter a Providência retido
junto a sua Excelência, o senhor Chanceler1, em razão do seu propósito de me solicitar
lhe enviasse alguém para acompanhá-lo! Ó senhor Padre, como os desígnios de Deus
são adoráveis e admiráveis! José ia para o Egito sofrer as misérias da escravidão e lá
encontrou a felicidade sua e dos seus. Vós ireis para a guerra sujeito a lhe sofrer as
calamidades e Nosso Senhor vos deteve junto ao chefe da justiça do reino e de um dos
melhores homens de bem. Praza a Nosso Senhor vos dê a graça de fazer nisso a
experiência do desgosto pelas coisas do mundo, através do conhecimento maior que
ireis adquirir da sua vaidade, e que partilheis isso conosco em vosso retorno. Sem
dúvida, essa experiência é um bem mais estimável do que todas as honrarias e bens da
terra! Acolhei-o pois com tranquilidade, senhor Padre, pois não fostes vós que o
procurastes, mas foi tudo por pura Providência, que assim o dispôs.
Não estou entendendo bem em que qualidade sois convocado, se para servir como
capelão, na ausência do senhor Padre Peleüs, ou para servir os soldados que o
acompanham. No primeiro caso, nada tenho a vos dizer com relação à confissão, à santa
missa e outros favores. Sabeis o que é preciso fazer quanto às duas primeiras coisas.
Quanto à terceira, informar-vos-eis do que for necessário fazer. Mas, no primeiro caso,
dir-vos-ei apenas que basta estar atento, sem mais, ao que nos dizem as pessoas de bem,
pois, quod supra nos nihil ad nos (o que está acima de nós, nada tem a ver conosco), diz
um grande personagem. Há algumas cerimônias a fazer, no fim da missa, em relação
aos grandes, como voltar-se, depois de retirar a casula, para fazer-lhes uma inclinação.
Vi nosso bem-aventurado senhor Bispo de Genebra 2 fazer este ato de reverência para
com o senhor General das Galeras3. Vossa condição está infinitamente abaixo da desse
grande prelado. Parece-me, além disso, que é costume levar-lhes o corporal para
beijarem, e a água benta, depois da missa. Jamais o fiz e nada sei sobre isso. Procurai
sabê-lo. Se tomardes refeição à mesa do mordomo, tratai, senhor Padre, de ocupar
sempre o último lugar. Os mordomos jamais deixam os próprios lugares e os nobres
nela têm a precedência sobre os capelães, na maior parte dos lugares, mesmo na casa
dos prelados. Eu tinha por máxima considerar o senhor General em Deus, e Deus nele, e
obedecer-lhe nesse mesmo espírito, assim como à falecida Madame, como se fosse à
Virgem Maria, e não me apresentava a eles a não ser que fosse chamado ou no caso de
um negócio urgente, de importância4. Em nome de Deus, senhor Padre, procedei desse
modo. Quanto aos empregados, importa tratá-los com toda honra e suavidade, cordial e
muito respeitosamente e, sobretudo, algumas vezes, falai-lhes algo sobre Deus. Guardai-
vos de inquirir sobre notícias da casa ou relativas ao Estado.

1
Carta 244. ─ Coleção do processo de beatificação.
1
Pierre Séguier.
22
São Francisco de Sales.
33
Filipe Emanuel de Gondi.
44
São Vicente de Paulo exerceu de 1613 a 1625, as funções de capelão na família do General das Galeras.
261

Se for na segunda condição, vereis a possibilidade de fazer algumas exortações


catequéticas na igreja, em um ou outro dia da semana. Lembrai-vos do que fazia São
Francisco Xavier no navio, em viagem para as Índias, e procurai imitá-lo e fazer o que
supondes, diante de Deus, que ele faria, se estivesse em vosso lugar. Tomai-o, por favor,
como vosso especial protetor.
O pároco da cidade5 é o que vistes nos Bons-Enfants. Escrevereis com frequência
ao Padre Grenu, para confortá-lo, e lhe enviareis mais ou menos seis escudos.
Comunicar-me-eis vossas necessidades e como estais vivendo. Tomarei as providências
cabíveis, com a graça de Deus, a quem suplico vos faça participante do zelo das almas e
da humildade do seu Filho.
Conheceis a ordem do senhor Chanceler a respeito dos doentes, e lhe mostrareis
que no presente, mais do que nunca, tereis necessidade de vos inteirardes dela.
Sou, em seu amor, senhor Padre, vosso muito humilde servo,

Vicente de Paulo.

29 de setembro de 1636.

Julguei oportuno dizer-vos ainda, no dorso desta carta, estes dois provérbios: com
relação ao patrão, ut in igne sit cum principe 6 (ao lado do príncipe, ao lado do fogo);
com relação aos empregados, nimia familiaritas parit contemptum7 (familiaridade
exagerada gera desprezo).

Destinatário: Ao senhor Padre de Sergis, padre da Missão, em Roye.

245. ─ A ROBERTO DE SERGIS, PADRE DA MISSÃO, EM AMIENS

19 de outubro de 1636.

Fiquei consolado ao receber uma de vossas cartas e igualmente aflito, vendo o


perigo pelo qual julgais estar passando. Em nome de Deus, senhor Padre, recorrei a
todas as precauções que vosso ofício vos permitir, na confiança de que, aquele que,
desde toda a eternidade, vos escolheu para a assistência dos pobres desses quarteirões
daí, vos conservará como a pupila de seus olhos, enquanto sua glória e o vosso bem o
exigirem. Sendo assim, quem haveria de querer ou pretender alguma coisa nessa terra,

55
Roye (Somme).
66
Célebre provérbio de Sócrates relatado sob esta forma latina por Lactâncio em suas Divinae Institutiones, 1. III,
cap. 20, popularizado pelos Adágios de Erasmo (ed. H. Estiene, s. 1., 1578, p. 215).
77
Este provérbio aparece pela primeira vez em Santo Tomás Commest. Joan., Cap. IV, lect. VI, nº 2.
262

ou quem, percebendo em si afetos contrários, não os mortificaria, sabendo que nossos


dias estão contados e que não podemos acrescentar um único momento, em nossa vida,
ao último que Deus nos determinou? Por isso, senhor Padre, abandonemo-nos à divina
Providência; ela saberá propiciar-nos o que precisamos.
Falando da Providência, não vedes que de tal modo ela vela sobre vossa pessoa
que parece ter para conosco um cuidado especial? Se assim não fosse, como explicar
vos tenha escolhido entre tantas almas santas do exército, para vos confiar um dos mais
importantes ministérios para a glória de Deus e o bem dos pobres? Estamos todos
extasiados de admiração por ver como pensa no que vos diz respeito e provê a tudo que
vos é necessário. Seja tudo isso um motivo, por favor, para vos entregar plenamente a
ela.
Dizeis que a caridade se resfria. Oh! como esta palavra me sensibiliza! Precisamos
da graça para começar, e ainda mais para perseverar até o fim. Peçamos a Deus que a
conceda aos que devem remediar a tais necessidades. O Padre Desclaux 1, confessor de
Sua Eminência o senhor Cardeal, pode colaborar muito nessa tarefa e tem bastante
caridade para isso. Se estiverdes com ele, peço-vos saudá-lo de nossa parte e de
certificá-lo de nossa obediência.

246. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Penso que fareis bem, Senhora, em estar com Madame Fieubet 1, se ela for da
associação do Hospital Geral, para dizer-lhe o que me comunicais. Receio muito não
haja alguma falta da parte dessas moças, ao menos indiretamente. É preciso priorizar as
pobres aldeias, porque nas cidades será sempre assim; iludir-se com isso é lisonjear-se.
Abraço e aceito com amor essas contradições; e não penseis que isso me aborreça, falo
do projeto das aldeias, e jamais me aborrecerei de ser, no amor de Nosso Senhor, vosso
muito humilde servo,

V. D. P.

Destinatário: À senhora Le Gras.

247. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

1
Carta 245. ─ Reg. 2, p. 275.
1
Pierre Desclaux, falecido a 07 de outubro de 1637.
1
Carta 246. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Provavelmente Cláudia Ardier, falecida a 29 de agosto de 1657. Desposara Gaspard de Fieubet, senhor de Launac-
em-Guyenne e outros lugares, secretário do Rei, falecido como tesoureiro de Epargne, a 12 de agosto de 1647, com a
idade de 70 anos.
263

Senhora,

Dir-vos-ei, portanto, hoje que, se tiverdes a bondade de vir até a sala de vossas
filhas de Saint-Nicolas, amanhã, depois da janta, terei a graça de estar lá convosco, caso
não vos veja amanhã de manhã, em La Chapelle, ou não vos mande o contrário. Por
isso, tomareis de empréstimo a carruagem para vir, se dela precisardes. Mandarei
avisar-vos amanhã, o mais cedo que puder, e vos peço perdoar-me por vos falar assim,
em termos de dúvida. O motivo são as diversas ocorrências que acontecem de um
momento para outro.
Estou preocupado com a aflição de nossa pobre filha em Saint-Louis 1 e do que
aconteceu com as outras, pois não estão em sua sala. Peço-vos dizer-me o que sabeis a
respeito. Tivemos um acidente quase igual em São Lázaro 2, onde ainda não estive para
conversar, sem dificuldade, com algumas pessoas com as quais tenho a ver.

Colégio dos Bons-Enfants, 21 de outubro de 1636.

248. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

02 de novembro de 1636.

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Estou vos escrevendo de Fréneville, voltando de Orléans. Na casa que a
presidente Madame de Herse nos doou, recebi vossa carta. Trouxe-me maior consolação
do que posso exprimir, vendo a resolução que me dizeis ter tomado vosso filho. Bendito
seja Deus para sempre, por vos ter dado, a vós e a mim esta consolação. Receava por
ele, de todo modo, em qualquer outra condição! Que ele estude, portanto,
decididamente, a teologia. Peço a Deus lhe dê participar do zelo pela salvação das almas
concedido a sua mãe e da graça que lhe confiou para este fim, embora pobre e
insignificante como é. Rendo graças a Nosso Senhor, além disso, por vos ter conservado
vossa querida filha doente em Saint-Louis. Não poderíeis imaginar, Senhora, quanta
consolação sinto por isso.
Que vos direi da proposta do senhor Drouard 1? Com certeza, parece-me plena de
piedade. É de se desejar que tenha êxito, se houver eclesiásticos com zelo suficiente.
Quanto à manutenção deles, não duvido de que as Madames oficiais da Caridade do
Hospital Geral venham a consentir que se retire, do pouco que há de disponível, o que
1
Carta 247. ─ Manuscrito São Paulo, p. 41.
1
Para esse hospital eram levados os pestíferos.
22
Um caso de peste.
Carta 248. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
11
Bertrando Drouard, escudeiro, fidalgo do senhor Duque de Orléans, cuidou, com São Vicente, das Filhas da
Providência, após a morte da Senhora Pollalion. Collet diz dele, a respeito da segunda missão pregada em La
Chapelle para os refugiados lorenenses: “Um leigo, chamado Drouard, difundiu ali o fogo da caridade” (op. cit., t. I,
p. 309).
264

lhes for necessário, aguardando a assembleia das damas. Falai disso, por favor, com a
presidente Madame Goussault2.
Talvez passe por Grigny, dentro de dois ou três dias, indo para mais longe ainda.
Se ela estiver lá, falarei com ela sobre o assunto.
Termino, entretanto, com vivo desejo de que estejais passando bem e sou, no
amor de Nosso Senhor, vosso muito humilde servo,

V. Depaul.

Espero estar em Paris dentro de oito ou dez dias, com a graça de Deus.

Destinatário: À senhora Le Gras, em La Chapelle.

249. ─ A ROBERTO DE SEGIS, PADRE DA MISSÃO, EM AMIENS

Novembro de 1636.

Nossos doentes estão todos sem febre, e pela graça de Deus não aconteceu mais
aqui acidente algum. Todos estão passando bem, nos quatro lugares onde se realiza
missão, como também aqui. Parece assim que Nosso Senhor terá piedade desta pequena
Companhia, pela intercessão da Santíssima Virgem que mandamos visitar, para esse
fim, pelo Padre Boudet, em Chartres. Tudo, porém, está nas mãos da Providência, que
poderá dispor de outro modo, se for do seu agrado. Seja bendito seu santo nome! Deus é
o Senhor, e tudo faz para o nosso bem. Entreguemos-lhe a condução de tudo1.
Quis dizer-vos isto antes de tudo, porque acredito que é o que mais vos pode
contentar neste mundo. E vos confesso que o que me dizeis por vossa carta me mostra
claramente a parte que vosso coração tomou nesse acidente. Parece-me que nunca
conheci melhor do que nesta ocasião as raízes profundas que a caridade para com as
pessoas da Companhia lançou em vós. Não posso exprimir-vos quanto isso me
enterneceu.
Eia, pois, bendito seja Deus por tudo, e por ter querido tornar-se o cimento que
vos ligou mais estreitamente à Companhia, e por ela a ele! Agradeço-lhe de todo o meu
coração pelos ministérios que vos confia e pela maneira como, estou convencido, deles
vos desempenhais. Realço em especial a maneira como conduzis a questão dessas boas
religiosas reformáveis, que poderão de fato ser reformadas pelo conselho e pela ordem
que sua Eminência o senhor Cardeal2 estabeleceu para isto em Paris. Dir-vos-ei apenas
que, em semelhante caso, devemos contentar-nos em propor o bem a se fazer àqueles
22
Trata-se provavelmente do projeto de colocar dois padres no Hospital Geral, para as necessidades espirituais dos
doentes. O número foi elevado a seis, em 1642. Recebiam quarenta escudos por ano e tinham no Hospital Geral
alojamento e alimentação (Cf. Abelly, op. cit., t. I, cap. XXIX, p. 139; Alexis Chevalier, O Hospital Geral de Paris e
as Irmãs Augustinianas, Paris, 1901, p. 320, in-8).
1
Carta 249. ─ Reg. 2, p. 276.
1
A peste se tinha declarado em São Lázaro, no decorrer do mês de outubro (Cf. carta 247).
22
O Cardeal Richelieu.
Carta 250. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.`
265

dos quais ele depende, sem nos persuadir de que, por tê-lo apresentado, temos de levá-lo
forçosamente a bom êxito. Os anjos bons se contentam em propor, deixando o resto a
Deus e às pessoas a quem de direito.
Saúdo o Padre Grenu e a vós também, com toda a ternura possível...

250. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

Como andais passando, Senhora, em relação à vossa indisposição matinal?


Desejaríeis mandar visitar vosso filho? Se assim for, enviar-vos-ei alguém esta tarde.
Comunicai-me, contudo, com toda a simplicidade, vossa vontade, eu vos peço, e buscai
para vós a máxima alegria possível em união à da Santíssima Virgem, em tal caso.
Vosso filho está passando bem, como espero. Quanto a mim, sou vosso servo e
irei estar convosco se o portador da presente não me disser que estais passando bem.
Adeus, portanto, Senhora. Permaneça com muita alegria, em Nosso Senhor.

Destinatário: À Senhora Le Gras.

251. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

São Lázaro, manhã de quarta-feira [16361].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Eis que essa filha partiu sem dizer uma palavra. Bendito seja Deus! Oh! como
perde uma grande coroa! É preciso colocar outra em seu lugar. Que vos parece,
Senhora, tirar para esse fim a Irmã Genoveva do Hospital Geral, e colocar em seu lugar
Madame Pelletier2 ou Madame Turgis? É necessário uma pessoa de condição para
aquele lugar, tanto pelas dificuldades que ali acontecem, relativas às crianças3, quanto
para receber as damas. A primeira, Madame Pelletier, me parece mais apropriada para
aquele lugar, tanto porque tem mais dom para uma e outra coisa, quanto porque se trata
do quarteirão de Madame Turgis, o que lhe poderia ser motivo de tentação. Se
estiverdes de acordo, peço-vos comunicá-lo em meu nome a Madame Pelletier, e dizer-
lhe que lhe peço, convosco, para ir prestar este serviço a Deus, naquele lugar.

1
Carta 251. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
A palavra referente à Irmã Genoveva parece exigir seja a presente carta colocada ao lado da carta 255, que deve de
ter sido escrita logo após.
22
Não seria Catarina Vialart, esposa, desde 10 de agosto de 1632, de Nicolau Pelletier, sobrinho de Madame
Goussault, senhor de la Houssaye e contador, que recebeu as ordens sacras depois da morte de sua mulher? Se for ela,
e tudo leva a crê-lo, São Vicente, recebendo-a entre as Filhas da Caridade, onde não perseverou, fez em seu favor
uma exceção da qual não se encontra outro exemplo.
Catarina Vialart era filha de Madame de Herse.
33
As crianças expostas levadas para o Hospital Geral, de onde eram enviadas para o Dormitório.
266

Teria ido estar convosco, não fosse uma pequena indisposição que me sobreveio.
Se depois da janta eu puder, irei ver-vos.
Em todo caso, não percais tempo. Comunicai a presente carta a Madame Pelletier,
para que vá prestar serviço a Deus naquele lugar, o mais depressa possível. O pessoal da
Caridade tem a felicidade deste relacionamento com Nosso Senhor, de modo a ir, como
ele, ora para um lugar, ora para um outro, a serviço do próximo. Ó senhora, que
felicidade ter esta conformidade com o Filho de Deus, e que bem-aventurado sinal de
predestinação têm nisso as Filhas da Caridade! Praza a Deus conceder, a todas, as
disposições necessárias para isto! Eu o espero de sua bondade e sou, em seu amor,
Senhora, vosso muito humilde e obediente servo,

Vicente de Paulo.

Destinatário: À senhora Le Gras.

252. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[16361].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Já que conseguistes levar vossas damas a concordarem com a privação de
Genoveva, transferi-a, por favor. Mas se for para ela ir a pé, é de se temer venha a
contrair alguma doença, por causa do seu incômodo. Por isto, penso ser conveniente
mandá-la na carruagem de Senlis, que parte amanhã, ou na charrete de Clermont 2. Se for
pelo coche de Senlis, poderá ir de lá a Verneuil3, que está diretamente no caminho, e de
lá a Liancourt. Envio-vos um escudo para esse fim e vos peço alimentar-vos bem,
servindo-vos de todos os vossos recursos, porque, na verdade, acredito que vossos
incômodos só vos acontecem por falta disso. Fazei-o pois, por obséquio, por amor de
Deus.
Quanto a essas jovens, não saberia o que vos dizer, porque não estive com elas.
Procurarei levar nossa boa Irmã Maria4 a compreender a importância de preferir as mais
apropriadas, e à Senhora de la Bistrade, quando do seu retorno de Borgonha, o vosso
juízo sobre suas damas, com a condição de que me escuseis por não ter podido trabalhar
em nosso regulamento de Liancourt. Fá-lo-ei logo que puder, conforme vosso relatório.
Sou, entretanto, no amor de Nosso Senhor, Senhora, vosso muito humilde servo,

1
Carta 252. ─ C. aut. ─ Original com os padres da Missão do Colégio São Vicente em Castleknock, perto de Dublin.
1
As cartas 241, 252, 255 têm elos comuns que nos permitem aproximá-las. Ora, a carta 241 é, sem sombra de dúvida,
de 1636.
22
Em Oise.
33
Em Oise.
44
Maria Joly.
267

Vicente de Paulo.

253. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[16361].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Esta pequena Maria, de Péronne, dá testemunho de que prefere ser da Caridade a
ir prestar serviço a essa bondosa senhora. Ela deve vir encontrar-se comigo amanhã ou
depois. Se perseverar e se tiverdes esperança de que ela agirá bem, ficai com ela se vos
parecer bom. O costume é pagar oito ou dez soldos pela moedura de um serteiro de
trigo. Quando me avisardes, enviar-vos-ei o moageiro dos nossos moinhos.
Se não for muito custoso para o vosso filho defender as teses de toda filosofia, não
há perigo em deixá-lo tentar. Seria obrigado a estudar mais e ousar mais na disputa2.
O bom uso que deveis fazer, no presente, de vossa saúde, é conservá-la e
fortalecê-la, a fim de empreender outra coisa dentro de algum tempo, conforme vosso
médico vos ordena.
É conveniente mandar nossa irmã Isabelle 3 comer alguns ovos. Meu Deus, como
esta boa filha me sensibiliza! Saúdo-a com todo o meu coração e proponho-me celebrar
a santa missa amanhã na intenção dela, com a graça de Deus.
Meu Deus, que prazer terei em ir estar convosco, se algum embaraço não me
impedir! Corre o boato de que foi o Hospital Geral 4 que levou à morte Madame Ligin.
Há...5

Destinatário: À senhora Le Gras.

254. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[16361].

1
Carta 253. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Ver nota 2. A palavra relativa a Madame de Ligin mostra que esta carta é posterior à carta 241, a qual deve de ter
seguido de perto.
22
Michel Le Gras terminou sua filosofia em 1636. No mês de novembro deste mesmo ano, se dipôs a fazer teologia
(Cf. carta 248).
33
Elisabeth Martin.
44
A frequentação do Hospital Geral, onde ia visitar os doentes.
55
A parte inferior da carta foi cortada e se perdeu.
1
Carta 254. ─ C. aut. ─ O original foi doado ao Seminário Maior de Dijon, por Dom Rivet, bispo da diocese.
1
É a data que a retomada dos trabalhos das Irmãs no Hospital Geral sugere.
268

Gostaria muito, Senhora, que pudésseis convencer a essa pobre Nicole a ir morar
em Saint-Benôit ou outro lugar. Se ela consentir, seria preciso escrever a respeito a
senhora Viole, para que a aceite. Estive ontem com a Irmã dessa paróquia 2, que pede
uma outra. Oh! como faríeis uma boa obra se a isso désseis providência! Mas, resolvê-lo
de modo autoritário não convém, ao que me parece; produziria maus efeitos. Quanto a
falar com ela, eu não saberia.
Vou começar a visita a Santa Maria do subúrbio, que estou adiando, há dois dias.
Quanto a Saint-Jacques, veremos depois. A jovem de que vos falara, de
Fréneville, não virá, conforme penso. Procedei segundo o desejo de Madame Goussault
a propósito da senhora sua filha 3. Se forem começar no Hospital Geral e fordes até lá,
peço a Deus vos conserve em perfeita saúde, e abençoe ali vossos trabalhos4.
Madame Bourdin, de Villepreux, me escreveu duas ou três vezes e me mandou
dizer por seu irmão, o capuchinho, que se sente inclinada à proposta que lhe fiz. Não lhe
dei resposta por escrito; mas disse a seu irmão que ela reflita e que nos encontremos.
Pensai um pouco no assunto, por favor, e cuidai de vossa saúde.
Sou, Senhora, vosso servo.

V. D.

Manhã de terça-feira.

255. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[16361].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Meus coirmãos me pressionaram para ir para os campos por causa da minha
pequena febrezinha, que me parece prematura para uma cura muito rápida. Veremos o
que for do agrado de Nosso Senhor. Tenho sensível pesar e ao mesmo tempo vergonha
por partir sem ir estar convosco. Vossa caridade ordinária me perdoará e cuidará de sua
saúde, por favor, pelo amor de Deus e da obra que lhe confiou.
Vossa Genoveva pode estar indisposta, talvez mesmo vossas outras filhas. Talvez
seja necessário enviá-la a Hersé2. Talvez eu vá até lá antes de voltar ou logo depois, se
Deus quiser. Dizia ela que um pouco de vinho às vezes lhe faria bem. Não penso,
porém, que seja bom acostumá-la com isso.

22
Saint-Benoît.
33
Madame Goussault pensava no casamento da sua filha Maria Marta.
44
Ver nota 1 da carta 258.
1
Carta 255. ─ Arq. da Missão, cópia do original, o qual era todo da mão do Santo.
1
Ver carta 252, nota 1.
22
Talvez Hercé em Mayenne.
269

Quanto a Liancourt, entreguei o regulamento ao Padre de La Salle3.


Seria bom ir ver essa viúva de Villepreux 4, se ainda não o fizestes. Fora disso, não
sei quem vos encaminhar. Vereis. Se Bárbara5 fosse encarregada disso, talvez tivesse
êxito. Só a mudança dela6 é que me preocupa. Fazei como Nosso Senhor vos inspirar.
Quanto a vosso filho, se quiser vir para aqui, por falta de outro lugar que lhe
agrade mais, disponde de nós e permanecei alegre em Nosso Senhor.
Sou, em seu amor e no de sua Santa Mãe, Senhora, vosso muito humilde servo,

Vicente de Paulo.

Manhã de segunda-feira.

256. ─ LUÍSA DE MARILLAC A SÃO VICENTE

[Dezembro de 16361].

Senhor Padre,

Madame de Beaufort disse-me que é esta a época mais favorável para se tratar do
estabelecimento da Caridade de Saint-Etienne2 e que o senhor pároco muito o deseja.
Por esssa razão, achou conveniente que ela e outra senhora realizassem a coleta nessas
festas. E assim o fizeram.
Peço-vos humildemente, senhor Padre, fazer o obséquio de me dizer como devo
proceder. Havia pensado, se bom vos parecesse, em mandar dizer-lhe que as senhoras
mais interessadas nesta santa obra fossem estar com o senhor pároco e lhe dissessem
que, para começar bem e perseverar, é necessário prever-se um bom número de
pessoas que se associem para a execução deste santo trabalho. Serão senhoras tanto de
classe alta como de condição mais modesta: umas contribuirão, generosamente, com
seu dinheiro e as outras se entregarão, de modo especial, à visita aos pobres doentes,
cada uma no seu dia. Para ninguém ficar sobrecarregada, seria conveniente dividir a
paróquia em dois setores. Entretanto, para que o resultado seja satisfatório, será
preciso, antes de tudo, pedir ao senhor pároco que tenha a bondade de encomendar a
um padre, bom conhecedor de seus paroquianos, que faça uma relação escrita, quanto
possível completa, e depois, mandar que, na sua igreja, haja uma prática sobre o
assunto, no fim da qual se poderiam reunir todas as senhoras. Também na missa seria
avisado que todas as que quiserem entrar na Confraria – sem distinção de posição

33
Voltara para São Lázaro no decorrer do ano, depois de ser empregado de mais um ano em pregar missões no sul.
44
Madame Bourdin.
55
Bárbara Angiboust.
66
De Bárbara Angiboust.
1
Carta 256. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
O ano está indicado no dorso do original.
22
Paróquia de Paris.
270

social – poderiam assistir à reunião. Nela se proporia o regulamento já observado em


outras paróquias.
Digo-vos tudo isso, senhor Padre, a fim de economizar tempo, porque, desde há
muito, essas senhoras procuram se encorajar para tal realização. Creio ser preciso
malhar o ferro enquanto está quente. Mas, por favor, se pensardes diferentemente do
que vos proponho, não duvideis em mo dizer, pois, conheceis melhor o que convém
fazer.
Agradeço-vos muito humildemente, senhor Padre, por vossa caridade. O bom
Deus bem sabe que precisava desse auxílio e por isso conseguiu-me o endereço de uma
leiteira. Há três dias, já nos fornece o leite.
Estamos perto do fim do ano e, se Deus me conservar a vida para iniciar o outro,
desejo, ardentemente, empregá-lo, como devo, a seu serviço. Peço a vossa caridade
dar-me alguns conselhos para isso: os pobres se contentam com pouco. Mas o
estimarei, sobremaneira, por vir a mim da mão de Deus, por vosso intermédio, de quem
sou, senhor Padre, muito humilde serva,

L. de M.

Senhor Padre, todas as vossas filhas tomam a liberdade de se recomendarem a


vossa caridade.

Destinatário: Ao senhor Padre Vicente.

257. ─ SANTA CHANTAL A SÃO VICENTE1

[Dezembro de 16362].

Honoratíssimo e caro Pai,

Suplico ao divino menino de Belém cumule vossa alma de graças e bênçãos em


seu Natal. Há muito tempo não tenho a honra de vos escrever. Não creio, porém, que
me esquecestes diante de Deus e vos suplico a intenção de uma de vossas missas, pois
me encontro em extrema pobreza. A vida seria para mim um fardo intolerável, se não
visse nela o beneplácito de Deus, que me basta em termos de plena consolação. É o que
posso dizer de mim, meu caro Pai, não sabendo o que mais dizer.

1
Carta 257. ─ As cartas espirituais de Madame Joana Francisca Frémiot, baronesa de Chantal, Lyon, 1666, in-8, p.
185, carta 85.
1
O editor dá como destinatário “um padre religioso”; sem dúvida, trata-se do superior dos mosteiros de Paris, São
Vicente de Paulo.
22
A primeira frase da carta indica claramente a época do ano. A palavra sobre a recente estada de Santa Chantal em
Paris limita a escolha aos anos 1628 ou1636. A passagem referente ao Visitador dá mais peso à segunda hipótese,
porque a questão não se colocava ainda em 1628.
271

Nossa querida Irmã Superiora do subúrbio Saint-Jacques de Paris 3 me


comunicou o parecer que vos aprouve dar-nos a respeito de nossa união 4. Ele é bom e
sólido, mas não pude contudo aderir a ele de coração. Digo-vos isto com toda
franqueza, porque vossa bondade me dá essa confiança. Nosso espírito não poderia
suportar sobre nós autoridade alguma, a não ser a de nossos senhores prelados, como
também segredo algum contra eles. Se quisermos manter em repouso nossos espíritos,
precisamos tratar com eles com inteira confiança e simplicidade, pois, de outra forma
não seríamos mais filhas de nosso bem-aventurado Pai, que nos deixou este afeto
gravado no coração. Além disto, temos um certo gosto e reverência em relação a
nossos superiores, o que só pode proceder de sua graça e que me faz esperar grandes
bênçãos por esse caminho. Por isso, meu querido Pai, examinando todos os meios de
união a nós propostos, vendo que ferem de certa maneira essa autoridade, não
poderíamos aceitar nenhum. E tenho confiança de que Deus fará o que não se poderia
fazer por meio de formalidades ou prudência humana. Até aqui, a Providência nos
conduziu e manteve em perfeita unidade e conformidade. Espero que nos fará
perseverar nelas pelos mesmos meios. Nossos elos de santa caridade terão mais
eficácia e força, em sua suavidade e santa liberdade, do que todas as leis e obrigações
que se pudessem estabelecer. Eis meu sentimento, meu Reverendo Pai, que é
inteiramente conforme com o do nosso bem-aventurado Pai ao partir desta vida. Dizei-
me se não devo permanecer em paz a esse respeito. Escrevo a nossas Irmãs sobre isso e
as exorto, da melhor maneira a mim possível, a perseverar no caminho em que Deus as
colocou, e a conservar para o futuro, seus espíritos em união e conformidade, pelos
mesmos meios que praticaram ate agora. Eles as mantiveram unidas e ligadas entre si.
Penso, meu caro Pai, que é preciso manter a memória de nossa comunicação e
estimular a atenção de nossas superioras no sentido de nada mudar, nem inovar em
nossas instituições e costumes, e de conservar a santa união, em tudo que lhes for
possível, com as outras casas e especialmente com a de Annecy, como a mãe e mestra
de todas as outras, para se conformar com ela em tudo que recebeu de seu Santo
Fundador,como foi a prática até aqui. Se estiverdes de acordo, podereis dizer a nossas
irmãs para procederem assim, meu caríssimo Pai.
Dizei-me, entretanto, por favor, que simpatia vos despertaram nossas irmãs desse
lugar. A mim me pareceram muito bem, quando por aí passamos. Deus lhes dê a graça
de caminhar em seu caminho com sinceridade e simplicidade e de vos prestarem a mais
humilde obediência dentro desse espírito. Sede sempre para nós verdadeiro pai e
protetor, suplico-vos, e fazei, por vosso cuidado paternal, que as vontades daquele que
honrais no céu sejam fielmente guardadas por suas filhas, na terra. É todo bem que
lhes desejo, e a vós, meu caríssimo Pai, a mais elevada santidade que se possa adquirir
nesse mundo.

33
A Madre Inês Le Roy.
44
São Vicente temia que a ausência de um elo moral entre os conventos da Visitação, que eram autônomos e sob a
dependência dos Ordinários dos lugares, não trouxesse com o tempo um desvio profundo do espírito primitivo e
diversidade lamentável. Para prevenir o perigo, não via nada melhor que a instituição de Visitadores, que iriam, em
determinadas épocas, fazer a visita canônica dos mosteiros, para reprimir os abusos e velar pela conservação das
tradições da Ordem. Santa Chantal, por seu lado, repelia o projeto como atentando contra a autoridade episcopal. Um
e outro voltarão sobre a questão, sem conseguirem convencer-se mutuamente.
272

Fazei-me a honra de me ter para sempre (pois já o sou) como vossa muito
humilde...

258. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

Deus vos abençoe, Senhora, por terdes ido colocar vossas filhas como vigilantes
no Hospita Geral e por tudo que se seguiu a essa medida 1. Mas, em nome de Deus,
cuidai de vós mesma, Senhora. Conheceis a necessidade que temos de vossa humilde
presença e o que seria de vossa obra sem vós.
Além disso, rendo graças a Nosso Senhor pela graça concedida a vossas filhas de
serem tão boas e generosas. Torna-se evidente que sua bondade supre ao que dizeis
faltar-lhes de vossa parte. Não tenho conhecimento aqui de jovens próprias para essa
missão. Procurarei informar-me se duas ou três que se encontram a duas léguas daqui e
vivem de modo muito exemplar, desde há um ano, nesse trabalho, ou em semelhante
ocupação, gostariam, ou pelo menos alguma delas, de se dedicar a esse gênero de vida.
Quanto ao que me dizeis sobre o senhor vosso filho, penso que é preciso não dar,
de modo algum, ouvidos à proposta de sair de Paris. É inimaginável como a maior parte
dos que o fazem acabam contraindo vícios irremediáveis. Não seria a mesma coisa se os
próprios pais tomassem a iniciativa, em circunstâncias especiais, como no caso de se ter
um parente jesuíta ou doutor naquela região. Importa tratar com suavidade e paciência
de convencê-lo a assumir a responsabilidade de seus exercícios. Submeto contudo o que
vos digo a vosso melhor juízo e vos rogo ter cuidado com vossa saúde.
Sou, no amor de Nosso Senhor, Senhora, vosso muito humilde servo,

Vicente de Paulo.

Frénevile, 30 de dezembro de 1636.

Destinatário: À senhora Le Gras, em La Chapelle.

259. ─ A JEAN DE FONTENEIL

Senhor Padre,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Penso ter respondido a vossa última carta e ter-me alegrado convosco pela
conduta da bondade de Nosso Senhor sobre vós e sobre esses bons missionários de
1
Carta 258. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Embora trabalhando no Hospital Geral, já desde há algum tempo, as Filhas da Caridade não estavam ainda ali de
modo estável. Só se estabeleceram em dezembro de 1636, num apartamento alugado para elas, ao lado do hospital,
pelas Damas da Caridade.
273

vossa Congregação, que saúdo com toda afeição e reverência possíveis. Agradeço-vos
muito humildemente, senhor Padre, pela graça feita aos nossos missionários
d’Aiguillon1, escrevendo-lhes uma carta. Comunico-lhes que ainda não é tempo de irem
estar convosco. Isso há de acontecer dentro de alguns meses. Suplico-vos, entrementes,
senhor Padre, entregar a carta anexa ao senhor Cônego de Saint-Martin, em Dax.
O senhor Padre Nevelet, arcediago de Troyes, faleceu, há algum tempo, em
consequência do contágio. Isto causou certo afastamento das pessoas de sua companhia,
mas espero que será em vista de melhor aproximação. Fiz, nesse tempo, uma viagem a
Troyes, e Deus sabe quantas vezes o bom Padre Robé, este santo homem, me deu a
honra de concordar que falássemos sobre vós.
A assembleia dos senhores eclesiásticos desta cidade 2 continua sempre cada vez
melhor, a meu ver. Três bispos acabam de ser nomeados, dentre eles: Padre Godeau
para Grasse3, Padre Fouquet para Bayonne4, Padre Pavillon para Alet5. Barreau acaba de
ser nomeado pelo Rei como coadjutor de Sarlat, sem o consentimento do bispo6.
Deus dispôs do Padre Semusse7. Viveu como um santo e assim morreu.
Quanto a mim, sou, no amor de Nosso Senhor e de sua Santa Mãe, senhor Padre,
vosso muito humilde e obediente servo,

1
Carta 259. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Hoje, centro administrativo de cantão em Lot-et-Garonne.
22
A assembleia das Terças-Feiras.
33
Antônio Godeau, nascido em Dreux, a 24 de setembro de 1605, foi um dos familiares do Palácio de Rambouillet,
onde o apelidaram de o Anão de Júlia. Seus versos eram apreciados ali. Valeram-lhe os favores de Richelieu e um
lugar na Academia Francesa. Um ataque de apoplexia o levou a 17 de abril de 1672. Escreveu muito, em verso e
prosa, sobre história, a Sagrada Escritura, a disciplina e diversos assuntos de piedade. Suas obras proféticas formam
três volumes in-12 (Cf. G. Doublet, Godeau, bispo de Grasse e de Vence, 1605-1672, Paris, 1911, in-8).
44
Francisco Fouquet era filho de Francisco Fouquet, conde de Vaux, e da piedosa Maria de Maupeou, que foi, entre
as damas da Caridade, uma das mais admiráveis pelo seu zelo e devotamento a São Vicente. Nicolau Fouquet,
superintendente das finanças, e Luís Fouquet, Bispo de Agde, eram seus irmãos. Sua irmã Luísa Inês recebeu o hábito
religioso no primeiro mosteiro da Visitação. Francisco Fouquet, nomeado para a diocese de Bayonne em 1636, só foi
sagrado a 15 de março de 1639. Foi transferido para a diocese de Agde, em 1643, nomeado coadjutor de Narbona, a
18 de dezembro de 1656, e arcebispo dessa diocese em 1659. Relegado para Alençon em 1661, morreu no exílio, a 19
de outubro de 1673. Chamou para Agde e Narbona os padres da Missão e estabeleceu as Filhas da Caridade nesta
última cidade. Prelado muito zeloso, zeloso demais, talvez, tinha dificuldade em compreender a lentidão de São
Vicente, do qual, mais do que ninguém, ele admirava a virtude. A morte deste grande servo de Deus lhe foi muito
sensível. Logo que soube da notícia, escreveu aos padres de São Lázaro: “Por mais preparado que estivesse para a
morte do Padre Vicente, dada a sua avançada idade, eu vos asseguro que não pude saber do seu falecimento sem
surpresa e sem ficar tocado por uma dor muito viva, por ver a Igreja, humanamente falando, privada de tão digna
pessoa, a Congregação, de seu muito querido pai e eu, de um amigo tão caridoso, para com o qual devo tanta
obrigação. Penso que, entre todos que sua caridade fez abraçar como filhos, não há ninguém a quem tenha
testemunhado mais ternura e dado mais provas de amizade do que a mim”.
55
Pavillon ficou aterrorizado com a notícia de sua nomeação. A tristeza o fez adoecer. Queimando de febre,
definhava a olhos vistos. Veio-lhe a ideia de ir lançar-se aos pés de Richelieu, mas seus melhores amigos o
dissuadiram disso. Isolou-se e não queria ver mais ninguém, nem mesmo São Vicente. O bom Santo acabou contudo
por arrancar-lhe o consentimento. Chegou mesmo a dizer-lhe “que se levantaria contra ele no dia do último juízo,
com as almas da diocese de Alet, destinadas a morrer sem Deus”, se as abandonasse com sua recusa. Pavillon fez seu
retiro preparatório em São Lázaro, sob a direção de São Vicente. “Fiquei espantado, conta um de seus amigos, ao ver
entrar certa manhã em seu quarto o Padre Vicente com vários padres da Missão e se colocarem de joelhos, em
círculo. Ele dirigiu a palavra ao Padre Vicente e fez diante de todos uma confissão das faltas que reconhecia ter
cometido na conversação. Pediu-lhes perdão pelo escândalo dado, em termos tão humildes que fiquei confuso. A isso
São Vicente, em nome da assembleia, respondeu quase nos mesmos termos”. O Padre Pavillon foi sagrado na igreja
de São Lázaro, a 22 de agosto de 1639, pelo Arcebispo de Paris (Cf. Continuação dos relatórios para servirem à vida
do senhor Padre Nicolau Pavillon, bispo de Alet, 1733, p. 213; E. Dejean, op. cit. P. 15).
66
Luís de Salignac de Lamothe-Fénelon.
77
Um rasgão torna duvidosa a leitura da terceira letra da palavra.
274

Vicente de Paulo.

Paris, 08 de janeiro de 1637.

Destinatário: Ao senhor Padre Fonteneil, cônego de Saint-Seurin de Bordeaux.

260. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

Sexta-feira, 05 horas [cerca de 16371].

Senhora,

Peço-vos dizer-me se tendes filhas à disposição, a fim de mandar duas ao Padre de


Saint-Germain2, que as pede para a sua paróquia e insiste em tê-las quanto antes. Peço a
Nosso Senhor vos envie muito boas candidatas.

Vicente de Paulo.

261. ─ À IRMÃ MARIA EUFROSINA TURPIN1

Minha caríssima Irmã,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


O senhor Comendador2 e nossa cara Madre Superiora da cidade 3 me fizeram a
honra de propor-me o pensamento que Nosso Senhor lhes inspirou, a saber, que
prestaríeis precioso serviço a Deus em la Madeleine. Tendo considerado a coisa sob
todos os ângulos, dir-vos-ei, com toda a simplicidade, que me parece terem razão em
desejar que, depois de refletirdes diante de Deus, vos sintais atraída para a proposta. Eis
as razões que me inclinam para esta opinião.

1
Carta 260. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
É na carta 278, de 1637, que se faz menção, pela primeira vez, da Caridade de Saint-Germain-l’Auxerrois, paróquia
de Paris.
22
Pierre Colombet.
1
Carta 261. ─ C. aut. ─ Original na Visitação de Amiens, hoje transferida para Tournay.
1
Assistente e diretora da Visitação de Angers. Irmã Maria Eufrosina Turpin, nascida em Paris em 1605, abandonou o
mundo com 19 anos, apesar da oposição do pai, para entrar no primeiro mosteiro da Visitação, onde fez profissão, a
22 de fevereiro de 1625. Pertenceu ao número das Irmãs que passaram para o mosteiro do subúrbio, quando de sua
fundação. “Nossa digna Madre, lemos no livro das profissões do primeiro mosteiro (Arq. Nac. LL 1718, p. 6), nossa
digna Madre concebeu tão grande estima por ela, numa viagem que fez a Paris, que a adotou como filha de nossa
santa fonte e a escolheu para trabalhar sob sua direção, no acabamento do costumário, consultando-a a respeito das
dificuldades nele encontradas”. A Irmã Turpin só deixou o mosteiro de Angers em 1640, para ir fundar o de Amiens,
do qual foi a primeira superiora. Foi lá que morreu, a 20 de dezembro de 1651, com a idade de quarenta e seis anos
(Cf. Resumo da vida e das virtudes da honorabilíssima Madre Eufrosina Turpin no Ano Santo das Religiosas da
Visitação Santa Maria, Annecy, 1867-1871, 12 vol. in-8, t. XII, pp. 395-414).
22
Noël Brulart de Sillery, grande benfeitor da Visitação.
33
Helena Angélica Lhuillier.
275

Primeiramente, a obra, em si, é muito santa, já que consiste em estender a mão às


almas que estão se perdendo, que incessantemente desonraram a Deus e enchem os
infernos. Trata-se de retirá-las da massa de perdição, de levá-las a viver segundo Deus e
enfim de cumprir o ministério de seu segundo redentor e de conduzi-las como pela mão
à glória que Nosso Senhor lhes conquistou com seu precioso sangue. Este ministério é
tão grande diante de Deus, que o estimou digno do seu Filho e o único capaz de atraí-lo
a esta terra.
Em segundo lugar, pela razão de que este pensamento sobreveio ao espírito desse
grande servo de Deus, ao qual ele concede graça em favor de vossa santa Ordem e em
favor de la Medeleine. Veio igualmente ao espírito de nossa querida Madre, que
conheceis, embora não tanto quanto eu, talvez. Ele e ela têm por vós singular estima e
afeição.
Em terceiro lugar, porque me parece que Nosso Senhor vos concedeu grande
participação no seu espírito de modo a compreender a importância dessa obra, para vos
afeiçoar a ela e a ela vos entregar com proveito.
Em quarto lugar, parece-me que vossa vocação para aí, como dissestes, não é tão
importante para a glória de Deus como o chamado para aqui.
Aduzo apenas essas quatro razões, diante das quais deveis aplicar grande atenção
à proposta, embora pudesse levantar muitas outras.
Mas quero examinar algumas razões em contrário, que vos poderiam fazer
duvidar se se trata da vontade de Deus:
Primeiramente, quem vos envia é vossa superiora4 e para uma outra que vos
solicita. A isto respondo que sois filha desta casa 5 e não do subúrbio, embora nele
residais, e que esta casa tem o direito, ao que me parece, de vos chamar de volta em
caso de necessidade e que, no caso da intervenção de vossa superiora, sois obrigada a
voltar. Além disso, a bondosa Madre do subúrbio testemunha ao senhor Comendador
que o achava bom e que ela própria vos escreveria sobre o caso, como fez. Se vos
reclamam de lá, não sois menos solicitada por aqui.
Em segundo lugar, poderíeis dizer-me que o ministério de la Madeleine parece
não ser conveniente a filhas de Santa Maria. De minha parte, dir-vos-ei que o ministério
da salvação das almas é próprio dos filhos de Deus e que, se Nosso Senhor julgou o
cuidado de la Madeleine como digno de sua bondade e da de sua Mãe, a Virgem Maria,
é preciso não duvidar que seja filha de Santa Maria.
Em terceiro lugar, observar-me-eis que talvez façais falta a Angers. Respondo que
se dará providência a isso, por algum outro modo, que não será talvez menos agradável
e útil como no vosso caso.

44
A Madre Maria Inês Le Roy, superiora do segundo mosteiro, de onde Maria Eufrosina Turpin fora enviada para
Angers. Esta religiosa, nascida em Mons, em 1603, era, pelo lado da mãe, sobrinha de Filipe de Cospéan, bispo de
Lisieux. Entrou, em 1624, no primeiro mosteiro, que deixou, a pedido da Marquesa de Dampierre, para se unir ao
grupo das Irmãs que foram enviadas ao mosteiro do subúrbio, quando de sua fundação. Nele tornou-se diretora,
depois assistente. O sufrágio das Irmãs lhe confiou, até mesmo, por seis vezes, o cargo de superiora, que ela
desempenhou de 11 de junho de 1634 a 24 de maio de 1640, de 27 de maio de 1646 a 13 de maio de 1652 e de 06 de
junho de 1658 até o ano de 1664. Foi pessoalmente começar os mosteiros de Amiens e de Mons, onde ficou três
meses, fundou o de Angers e o terceiro de Paris. Teve grande parte no estabelecimento do mosteiro de Varsóvia. A
morte levou-a a 18 de maio de 1669 (Ano Santo, t. V, p. 547).
55
O primeiro mosteiro, onde a Irmã Turpin fizera o seu noviciado.
276

Em quarto lugar, poder-vos-á surgir no espírito a ideia de que não tereis bastante
competência para servir à condução de casa tão grande e tão difícil. A isso respondo que
sereis dois nesse serviço, Nosso Senhor e vós. E com ele tudo podereis.
Em quinto lugar, pensareis nos vossos pais e que talvez não o julguem bom. Mas
a isto respondo que vão sabê-lo antes de vossa decisão e que, embora haja repugnâncias,
parece-me que deveríeis passar por cima delas, como generosamente o fizestes no
tocante a vossa viagem para Angers.
Em sexto lugar, se o pensamento da estima do mundo ameaçasse de algum modo
atingir-vos, o que não penso, respondei-lhe, minha cara irmã, que, longe de estimar
menos Santa Maria, sua comunidade e suas filhas, por se terem aplicado ao cuidado
dessa casa, pelo contrário, jamais ouvi dizer tanto bem de vossa santa Ordem e das
Filhas de la Madeleine quanto depois de assumirem o cuidado dessas pobres criaturas, e
que devemos estimar honroso tudo que Nosso Senhor e a Santa Virgem fizeram. E
como se aplicaram ao cuidado de la Madeleine, podeis com honra servir, segundo Deus
e segundo o mundo, à salvação dessas filhas.
Eis minha cara Irmã, as objeções que, a meu ver, a carne e o sangue, o mundo e o
diabo vos poderiam apresentar. As respostas me parecem tão razoáveis e conformes ao
beneplácito de Deus que, se eu fosse minha Irmã Maria Eufrosina e uma pessoa
ocupasse em relação a mim o lugar que me cabe em relação a vós, e tivesse para comigo
a mesma caridade com que vos estimo e vos quero bem em Nosso Senhor, eu inclinaria,
a meu ver, a cabeça e acolheria esta proposta. E é o que espero, minha cara Irmã, que
fareis se Nosso Senhor não vos der a conhecer, manifestamente, que ele deseja o
contrário. Neste caso, estar de acordo com o que fizerdes, com toda cordialidade, eu que
sou, no amor de Nosso Senhor e de sua Santa Mãe, minha cara, vosso muito humilde
servo,

Vicente de Paulo,
indigno padre da Missão.

Peço-vos, apresentar nossas muito humildes recomendações a nossa cara Madre


Superiora de Orléans6 e me ajudar a agradecer-lhe pela caridosa acolhida a mim, em sua
casa, há algum tempo.

Paris, véspera da festa de São Matias7, 1637.

Destinatário: À querida Irmã Maria Eufrosina Turpin, religiosa de Santa Maria.

262. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

66
Cláudia Espérance Jousse. Foi superiora durante triênios consecutivos, de 21 de maio de 1634 a 24 de maio de
1640, e voltou a ser superiora mais tarde.
77
23 de fevereiro.
277

[24 de fevereiro de 16371].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Peço-vos muito humildemente perdão por duas coisas: a primeira, por não ter ido
ver-vos; urgentes trabalhos me impediram; a segunda, por me haver esquecido de
mandar fazer a lareira para o senhor Le Gras, vosso filho. Vede minha miséria e onde
estaria eu, se vosso coração não tivesse tanta caridade para comigo! Espero que me
perdoareis. Pedi ao Padre Soufliers acomodá-lo num quartinho quente, próximo de um
com fogo constante, o do Padre Morennes, religioso daqui2, onde poderá aquecer-se.
Estive ontem com essa boa moça sobre a qual me escrevestes. Não me lembrei de
falar-lhe sobre sua leitura, nem sobre sua aptidão para a costura. Não me pareceu tão
rude como a que a acompanhava. Por favor, escrevei-me sobre o que falastes com ela.
Disse à senhora Debordes3, tesoureira de Saint-Leu4, que era necessário uma
companheira para Bárbara, ao menos enquanto houver tantos doentes naquela paróquia.
É preciso pensar em quem poderíeis enviar-lhe e lembrar-vos dos Incuráveis 5. Madame
Fortia disse a Madame Goussault que estão querendo Irmãs, com a condição de vos
serem submissas e poderem ser transferidas.
Remeto-vos a carta que me mandastes por engano e vos prometo estar convosco o
mais cedo possível. Desejo-vos um bom dia e sou, Senhora, v. s.

V. D.

Dia de São Matias.

263. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Entre 1636 e 16391].

1
Carta 262. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Ver nota 5.
22
Cláudio de Morennes, religioso do antigo São Lázaro.
33
Parente talvez do senhor Debordes, auditor no Tribunal de Contas de Paris, com o qual Luísa de Marillac e São
Vicente se relacionavam (Cf. Cartas de Luísa de Marillac, cartas 267 e 272).
44
Paróquia de Paris.
55
Este hospital, fundado pelo Cardeal da Rochefoucauld, a 04 de novembro de 1634, para os doentes incuráveis,
estava quase terminado em abril de 1637. Não deram continuidade ao projeto de chamar para ele as Filhas da
Caridade. Pierre Camus, bispo de Belley, passou nele os últimos anos de sua vida, no exercício da caridade. Legou
seus bens ao hospital e foi sepultado nele, em 1652. Os homens foram transferidos, em 1802, para o subúrbio Saint-
Martin, no antigo Convento dos Recoletos. As mulheres também saíram, em 1870, para morar no novo hospital dos
Incuráveis de Ivry. O hospital, desocupado durante oito anos, foi cedido à Assistência Pública e voltou a funcionar
com o nome de Laënnec (Cf. Félibien, op. cit., t. IV, p. 98 e ss; Lebeuf-Bourbon, op. cit., t. VI, p. 255).
1
Carta 263. ─ Manuscrito São Paulo, p. 70.
1
Datas da instalação das Irmãs em La Chapelle e a morte de Madame Goussault. Foi em La Chapelle, no dizer de
Gobillon (op. cit., p. 78), que começaram os retiros das damas.
278

Folgo em saber do retiro que Madame de Liancourt deseja fazer convosco. A


senhora Lamy quer fazer o mesmo. Gostaria que ela se encontrasse aí com a presidente
Madame Goussault.

264. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Entre 1636 e 16391].

A presidente Madame Goussault e a senhora Lamy vão fazer em vossa casa o seu
pequeno retiro. Peço-vos prestar-lhes serviço neste sentido, dar-lhes a distribuição do
tempo conforme vos entreguei, marcar-lhes os assuntos das orações. Escutai a
comunicação que vos farão de seus bons pensamentos, uma em presença da outra,
mandai fazer a leitura à mesa, durante as refeições. Saindo delas, poderão distrair-se de
maneira alegre e modesta. O assunto poderá constar das coisas que lhes aconteceram
durante a solidão2, ou que terão lido nas histórias dos santos. Se o tempo estiver bom,
depois da janta, poderão passear um pouco. Fora destes dois tempos, observarão o
silêncio. Será bom que coloquem por escrito os principais sentimentos experimentados
na oração e que preparem sua confissão geral para quarta-feira. A leitura espiritual
poderá ser feita na “Imitação de Cristo” de Thomas de Kempis, detendo-se um pouco
em cada parágrafo. Poderão ler também alguma coisa de Granada3 que se relacione com
o tema da meditação. Poderão ainda ler alguns capítulos dos Evangelhos. Mas será bom
que, no dia da confissão geral, lhes apresenteis para a oração, a parte do “Memorial” de
Granada, própria para excitar a contrição. De resto, velai para que não se pressionem
com demasiado rigor nesses exercícios. Rogo a Nosso Senhor vos conceda para isso o
seu espírito.

265. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Entre 1636 e 16391].

Senhora,
1
Carta 264. ─ Abelly, op. cit.,t. I, cap. XXVI, p. 121.
1
Ver carta 263, nota 1.
22
Solidão: retiro.
33
O Reverendo Padre Luís Granada, dominicano (ver c. 136, nota 7, vol. I)
1
Carta 265. ─ C. aut. ─ Dossiê da Missão, original.
1
Ver carta 263, nota 1.
279

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Receio que a presidente Madame Goussault se sinta mal, dormindo do lado da
rua . Parece-me ter ouvido dela que fica incomodada, quando isto acontece. Além do
2

mais é de se temer que seus pais, sobretudo madame, sua mãe, não o aprovem.
Nada há que torne urgente o vosso retiro, e há pouco saístes de uma doença. Julgo
ser cedo demais para vos expor a esse esforço. Em nome de Deus, Senhora, vamos
devagar!
Lamento muito não poder ir a vossa casa e me aflige sobrecarregar-vos com o
trabalho de procurar um coche para vir até aqui. No entanto, se puderdes pegar o último,
amanhã às 8 ou 9 horas, sereis benvinda. Mas, em nome de Deus, não vos apresseis.
Quanto a tais moças, não atento bem o que delas me dizeis. Falaremos do assunto
ao nos encontrarmos, ocasião em que tereis a bondade, por obséquio, de nos trazer o
cordão. Enquanto isto, permanecei alegre, cuidai de vossa saúde e lembrai-vos de que
sou, no amor de Nosso Senhor3, v. s.

V. D. P.

Destinatário: À senhora Le Gras.

266. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Entre 1636 e 16421].

Senhora,

Parece-me que não poderíeis iniciar o vosso retiro em tempo mais adequado. A
maior parte dos religiosos e religiosas fazem-no agora. Começai-o, portanto, amanhã,
segunda-feira, por favor. Três meias horas serão suficientes para a vossa oração diária:
meia hora para cada oração, duas pela manhã, às oito e às dez horas e meia, e a outra às
16 horas.
De muito bom grado ouvirei a vossa confissão em La Chapelle. Poderíeis dispor
de um coche? Se não, tratarei de ir até Saint-Victor 2, mas com certa dificuldade.
Terminareis o retiro sábado, à tarde. Ireis à missa todos os dias. Avisareis que estais
ocupada e os que tiverem de tratar necessariamente convosco, recebê-los-eis após o
almoço, e abreviareis a conversa. Comungareis na próxima quinta-feira. Tomareis para
meditação apenas os temas que o senhor Bispo de Genebra3 apresenta no começo e no
22
Madame Goussault fazia seu retiro com Luísa de Marillac.
33
O Santo escrevera primeiro: “que sou, com toda a extensão do meu afeto”. Depois, julgando a frase terna demais,
riscou estas palavras e as substituiu pelas que se leem.
1
Carta 266. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Datas extremas da permanência de Luísa de Marillac em La Chapelle. Não podemos impedir-nos de observar que o
tom geral da carta causa admiração numa época tão tardia.
22
Provavelmente nos Bons-Enfants, rua Saint-Victor.
33
São Francisco de Sales.
280

final de sua Introdução4, dividindo-os de modo que vos sejam suficientes e possais
meditar sobre todos eles. Podereis fazer duas vezes a meditação sobre algum tema,
conforme a atração que Nosso Senhor vos inspirar. Lede o Novo Testamento, além das
outras leituras que vos propus. Escrevei-me de dois em dois dias, resumidamente, sobre
o que se passa e sobre vossa disposição de corpo e espírito. Cuidai, acima de tudo, de
não vos apressar. Fazei tudo com suavidade, conforme podeis imaginar que o faria o
bom senhor bispo de Genebra.
Não vos peço para lembrar-vos de mim em vossas preces, porque não duvido de
que, depois do pequeno Le Gras, me coloqueis no primeiro lugar. Não que eu o mereça,
mas pelo conhecimento que tendes da necessidade que tenho delas, e a caridade que
Nosso Senhor vos concedeu por mim me faz esperar.
Adeus, portanto, Senhora. Poupai-vos de tal modo, neste retiro, que nos deixeis
margem para vos aconselhar outros.
Esquecia-me de vos dizer que não vos sobrecarregueis com regras a praticar, mas
que vos esforceis em cumprir bem as que já tendes: vossas ações diárias, vossas
ocupações, em uma palavra, que tudo contribua para fazerdes bem o que fazeis.
Tampouco deveis admitir os pensamentos de singularidade que vos acometeram no
passado. É uma peça que o espírito maligno vos queria pregar.
Ora pois! Fico por aqui, suplicando a Nosso Senhor seja ele mesmo vosso guia no
retiro, assim como sua Santa Mãe. Sou, em seu amor, vosso muito humilde servo,

V. D. P.

Destinatário: À senhora Le Gras.

267. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

Senhora,

A devoção dos discípulos de Nosso Senhor, reunidos para pedir a vinda do


Espírito Santo, seja sempre muito sensível ao vosso coração!1
Gostaria imenso de atender essa jovem de Saint-Benôit2; mas como, se tenho de
fazer uma viagem? Certificai-a de que rogarei a Deus por ela e recomendai-me às suas
orações, por favor. Penso ser conveniente arranjar-lhe um confessor extraordinário. O
Padre Lambert ou o Padre Soufliers poderão prestar-lhe este serviço. Se pedirdes ao
Padre Lambert, o Padre Pillé poderia atender a esse pobre senhor da Picardia, na ocasião
em que um deles for atender à citada jovem. Retribua-vos Deus a caridade que lhe
fazeis!

44
A Introdução à vida devota.
1
Carta 267. ─ C. aut. ─ Dossiê da Missão, original.
1
A carta é do domingo que precede a festa de Pentecostes.
22
Paróquia de Paris.
281

Izabel3 trabalharia bem em Saint-Paul. Mas, se o que me falastes deve ser


comunicado por esse bom sacerdote ao Padre de Saint-Paul4, será preciso esperar o meu
regresso. Aliás, não há nada de urgente, conforme ele me disse.
Sinto-me consolado por vossa caridade para com Maria. Entretanto, peço-lhe o
obséquio de não vos expor. A prezada Irmã Izabel não poderia, por certo, fazer o que é
preciso?
Se os ordinandos vierem para São Lázaro, o Padre de la Salle vai fazer os
colóquios e ficará impedido; se não, poderá ele trabalhar no estabelecimento da
Caridade, em La Chapelle. Na sua falta, o Padre Lambert poderá fazer o trabalho, a não
ser que prefirais diferi-lo até a Festa do Corpo de Deus. Controlai-vos e permanecei
sempre em total alegria. Ficai certa de que tudo que me dissestes é tentação e que sou,
no interior e no exterior, agora e para a eternidade, no amor de Nosso Senhor, vosso
muito humilde servo,

Vicente de Paulo.

Tarde de domingo, 24 de maio de 1637.

Destinatário: À senhora Le Gras, em La Chapelle.


268. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Cerca de 24 de maio de 16371].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Acabo de chegar e já vou partir para Pontoise, para voltar amanhã para perto de
Dourdan2, de onde espero estar de volta, quinta ou sexta-feira da próxima semana. Neste
ínterim, recomendo-me a vossas orações.
Podeis chamar Maria de volta, sem nada dizer às damas. Será bom adiar o negócio
de Saint-Paul3. Peço-vos responder, em nome de nós dois, a Madame Pelletier.
Tiram-me a pena da mão. Adeus, Senhora. Sou v. s.

V. D.

Destinatário: À senhora Le Gras.

33
Elisabeth Martin, filha da Caridade.
44
Nicolau Mazure, cônego de Coutances, nascido na diocese de Avranches, ordenado padre a 17 de abril de 1632.
Substituiu seu tio Guilherme Mazure, falecido a 12 de março de 1633, como pároco da paróquia Saint-Paul. Trocou
sua paróquia em 1664 com André Hameau, doutor na Sorbona, pela abadia de Saint-Jean-en-Vallée, da diocese de
Chartres, e morreu a 25 de junho de 1685, como deão da Faculdade de Teologia.
1
Carta 268. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Esta carta parece dever ser colocada próxima da carta 267.
22
Hoje, centro administrativo do Cantão, em Seine-et-Oise.
33
Paróquia de Paris. Trata-se sem dúvida da Caridade.
282

269. ─ A ANTÔNIO COLÉE, SUPERIOR, EM TOUL1

1637.

Soube que vosso pão não estava sendo bem feito. Peço-vos mandar fazê-lo por um
padeiro, se encontrardes algum. É muito importante ter pão de qualidade. Será bom
também variar algumas vezes a alimentação... para aliviar a pobre natureza, que acaba
se enfastiando ao ver sempre as mesmas coisas. Fareis bem ainda em recomendar aos
Irmãos coadjutores o asseio e a limpeza, tanto na cozinha quanto no refeitório.

270. ─ A MADAME GOUSSAULT

[25 de agosto de 16371].

Madame,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Acabo agora mesmo de receber vossa carta, que me consolou ao me trazer boas
notícias de vossa saúde e da missão, e rendo graças a Deus pelas duas coisas. Agradeço
a Deus também porque quereis acrescentar a outras boas obras vossas, a de receber o
Padre Le Houx e a senhora Le Gras. Se esta estiver em condição de ir estar convosco,
penso que ele lhe prestará bom serviço, e lhe escreverei nesse sentido.
Quanto ao ofício de juiz, o senhor Prior o deseja para um sobrinho seu, homem
hábil e probo. Sabeis muito bem que, se a coisa dependesse só de nós, teríeis para isso
todo o poder2.
O Padre Cuissot3 coloca uma palavra em sua carta que me leva a duvidar se os
missionários se alimentam às próprias custas. Meu bom Deus! Madame, teríeis vós
aberto essa brecha na Missão, e o Padre [Cuissot] 4 se teria deixado levar a isso? Escrevo
1
Carta 269. ─ Collet, op. cit., t. II, p. 314, nota.
1
Collet diz, falando desta carta: “Eis como o Santo escrevevia em 1637 ao Padre Barry, que pouco antes era superior
da casa de Toul”. Ora, em 1637, o Padre Barry, que jamais foi superior nesta cidade, não era nem padre nem membro
da Congregação da Missão. A casa de Toul tinha então à sua frente Antônio Colée. Este último, nascido em Amiens,
a 28 de outubro de 1610, foi recebido na Congregação em 1630, ordenado padre em 1635, superior da casa de Toul
de 1637 a 1638. Saiu da Companhia em 1646.
1
Carta 270. ─ C. aut. ─ Dossiê da Missão, original.
1
Estas palavras “ele é ainda novo”, aplicadas a Gilberto Cuissot, não deixa dúvida quanto ao ano.
22
Trata-se do juizado de São Lázaro. De acordo com os termos do contrato de 07 de janeiro de 1632, São Vicente não
podia dar o cargo de juiz “a não ser na presença, com o parecer e o consentimento... do Prior”.
33
Gilberto Cuissot, nascido a 05 de novembro de 1607, era padre, há seis anos, quando entrou na Congregação da
Missão, a 14 de maio de 1637. Depois de ter dirigido o estabelecimento de Luçon, foi nomeado superior de La Rose
(1640-1644), depois, do Colégio dos Bons-Enfants (14 de outubro de 1644-1647). O Seminário de Cahors o teve
como superior de 1647 a 1662, e a Casa de Richelieu, de 1662 a 1666. Declarou por escrito que, quando da eleição do
sucessor de São Vicente, como hesitasse em votar em favor de Renê Alméras, cujo estado de saúde deixava muito a
desejar, o Santo lhe apareceu e decidiu sua escolha. Sabemos também dele que, em 1662, fazendo o exorcismo de
uma possessa, arrancou do demônio preciosas declarações sobre a santidade do Fundador e a recompensa reservada
por Deus aos missionários fiéis a sua vocação. Morreu em 1666.
44
Texto do Manuscrito: Buissot. A retificação se impõe. Antônio Buissot entrara na Congregação da Missão em
1630.
283

a ele e lhe peço que, recebida a minha carta, comece a agir conforme nossa humilde
tradição. Ele é ainda novo e não lhe falei a respeito antes de sua partida.
Temos aqui sete ou oito pessoas doentes, a maior parte, de disenteria. Uma prece
ao bom Deus nesta intenção, por favor.
Sou, em seu amor, conquanto sejais bem alegre, Madame, vosso muito humilde
servo,

Vicente de Paulo.

Paris, dia de São Luís.

Destinatário: À presidente Madame Goussault.

271. ─ LASCARIS, GRÃO-MESTRE DA ORDEM DE MALTA1, A SÃO VICENTE

Senhor Padre,

Avisaram-me que o venerável juiz de Sillery vos escolhera para ajudá-lo a fazer a
visita das igrejas e paróquias dependentes do priorado-mor. E já começastes a
empregar utilmente vossos cuidados e fadigas para a instrução daqueles que dela
tinham extrema necessidade2. Por este motivo, dirijo-vos estas linhas de muito afetuoso
agradecimento, pedindo-vos que prossigais nessa tarefa, que outro objetivo não tem
senão a promoção da glória de Deus e a honra e reputação dessa Ordem.
Suplico, com todo meu coração, a bondade de Deus, queira recompensar vosso
zelo e caridade, com suas graças e bênçãos, e dar-me a graça de poder testemunhar-
vos quanto me reconheço, por isso, vosso...
Grão-mestre Lascaris de Malta.

07 de setembro de 1637.

272. ─ A CHARLES DE MONTCHAL, ARCEBISPO DE TOLOSA1

[Setembro de 1637 ou 16382].

Senhor Arcebispo,

1
Carta 271. ─ Abelly, op. cit., t. I, cap. XXXII, 1ª ed., p. 151.
1
Paulo Lascaris, da família dos Lascaris, imperadores de Nicéia, nascido em Castellar, em 1560, eleito Grão-mestre
da Ordem de Malta em 1636, falecido em 1657.
22
Essas visitas foram acompanhadas da pregação de missões.
1
Carta 272. ─ Original em Paris, com as Filhas da Caridade da rua Villé-l’Evêque, 14.
1
Um dos prelados mais notáveis do século XVII, por sua piedade, seu zelo, sua ciência e firmeza na defesa dos
direitos da Igreja contra as arremetidas do Estado. Morreu em 1651.
22
Esta carta foi escrita depois da nomeação de Antônio Godeau para a diocese de Grasse e de Francisco Fouquet para
a de Bayonne, antes da sagração de Nicolau Pavillon e no mês em que São Vicente costumava fazer seu retiro anual.
284

Peço-vos muito humildemente perdão, se não posso ter a honra de estar convosco
esta tarde. Prometi ao senhor Bispo de Grasse3, ao senhor Bispo de Bayonne4 e ao
Monsenhor Pavillon passar a tarde com eles, embora eu esteja em retiro, e ao senhor
Comendador de Sillery um encontro à tardinha. Fico pesaroso, senhor Arcebispo, de ser
constrangido a proceder deste modo. Vossa caridade sem medida para conosco, estou
certo, me perdoará.
Acabo de escrever agora mesmo ao senhor Bispo de Beauvais5 e vos garanto,
senhor Arcebispo, que a metade da carta, ao menos, é sobre vós e o que Nosso Senhor
faz por vosso intermédio.
Sou, no amor do mesmo Senhor, senhor Arcebispo, vosso muito humilde e muito
obediente servo,

Vicente de Paulo.

Destinatário: Ao senhor Arcebispo de Tolosa.

273. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Cerca de novembro de 16371].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Se puderdes ceder uma de vossas filhas para o Hospital Geral, no lugar de
Henriqueta, penso que lhe faríeis não pequena caridade, porque, a menos que esteja
doente, não creio que possa suportar a não realização desta viagem 2. Se não tiverdes a
possibilidade de suprir-lhe a falta, parece ser da vontade de Deus que ela aguarde,
aconteça o que acontecer. Ao que me parece, ficaria, porém, consolado se ela puder ter
essa alegria.
Peço-vos perdoar-me, se não puder estar com vossas filhas. Fá-lo-ei quanto antes.
Nada me dizeis sobre vossa saúde. Se tendes apenas o que tivestes das outras vezes,
espero que isso há de trazer-vos algum benefício e ficareis perfeitamente curada.
Tampouco pude examinar o problema de Madame de Liancourt 3. Verei isso hoje à

33
Antônio Godeau.
44
Francisco Fouquet.
55
Agostinho Potier.
1
Carta 273. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Esta carta parece estreitamente ligada à carta 276 que, por sua vez, tem elos comuns com as cartas 274, 275 e 277.
Foram escritas no tempo em que a Casa-mãe estava em La Chapelle e durante a vida de Madame Goussault, isto é,
entre 1636 e setembro de 1639. Como a carta 275 é de 01 de novembro, e a 01 de novembro São Vicente não estava
em Paris, a escolha da data fica limitada aos anos 1637 e 1638. Comparando as cartas 272 e 276 com a carta 278, que
não pode ser de 1638, percebe-se, sem dificuldade, que é preciso aproximá-las, e, por conseguinte, que são de 1637.
22
Irmã Henriqueta Gessaume deseja ir a sua casa, em Villers-sous-Saint-Lou. Ver sobre Henriqueta a nota 3 da carta
224, I, 328.
33
Provavelmente a questão dos capelães de Liancourt: A Duquesa de Liancourt deseja ter uma equipe de capelães
morando nas suas terras. As condições que propõe são pouco aceitáveis: daí a dificuldade em encontrar padres.
285

tarde, que desejo seja para vós tão agradável quanto sou, no amor de Nosso Senhor,
Senhora, vosso muito humilde servo,

V. de Paulo.

Tarde de terça-feira.

Destinatário: À senhora Le Gras.

274. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Cerca de novembro de 16371].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Gostei muito de saber de vossas notícias e que estais melhor. Rogo a Nosso
Senhor complete vossa cura, e a vós que façais o possível para isso.
Madame Mussot disse-vos a verdade sobre a patroa de Joana, não, porém, sobre
esta boa jovem, que estava muito contente com esse encontro. Acho bom, no entanto, no
que se refere a Nicole, proporcionardes a Madame Mussot esta satisfação, aproveitando
a ocasião para enviar-lha hoje mesmo.
Mas, meu Deus, que diremos desta pobre Irmã que teve uma recaída? Nada, com
certeza, a não ser que é preciso adorar a amabilíssima providência de Deus.
Sou, em seu amor, vosso muito humilde servo,

V. de Paulo.

Penso que fareis bem em agir como me dissestes em vossa carta.

Destinatário: À senhora Le Gras.

275. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[01 de novembro de 16371].

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!

1
Carta 274. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Ver carta 273, nota 1.
1
Carta 275. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Ver carta 273, nota 1.
286

Estou muito feliz com o que me escrevestes sobre estas moças de Liancourt 2 e
especialmente com a que sabe fazer rendas. Ela poderá ensinar este trabalho às pessoas
pobres e isso servirá de atrativo para as coisas espirituais. Quando vos aprouver,
podereis no-las enviar.
Não vejo necessidade, no momento, de que Madame Goussault vos acompanhe
quando fordes conversar com Madame Mussot ou com essa pobre mulher. Se nenhuma
das duas tirar proveito do que lhes disserdes, então podereis recorrer à intervenção da
dita senhora, ou melhor, como estais hospedada em sua casa, as mandaríeis procurar-
vos lá. Mas, temo eu, seria retardar muito. No entanto, se a doçura de vosso espírito
necessitar de um fiozinho de vinagre, tome-o de empréstimo do espírito de Nosso
Senhor. Ó Senhora, como ele sabia usar o agridoce, quando era preciso!
Sou, em seu amor, Senhora, vosso muito humilde servo,

Vicente de Paulo.

Tarde da Festa de Todos os Santos.

Destinatário: À senhora Le Gras.

276. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Cerca de novembro de 16371].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Com relação aos padres para Madame de Liancourt, só posso responder-vos que
acredito que ela não os encontrará, por causa do pouco que lhes oferece. Se os
conseguir, irão deixá-la, ao encontrarem algo melhor, a não ser que o bom Padre
Bourdoise lhe ceda alguns dos seus e que apraza a Deus conservá-los sempre na
maneira como vivem atualmente, como espero de sua bondade. Para a perpetuidade da
obra, é preciso que a renda seja em bens. De outra maneira, dentro de cinquenta anos, a
fundação se reduzirá à metade.
Penso ser bom que escrevais uma vez ainda a Madame Mussot a respeito dessa
mulher, para que vos diga de que modo será a solução desse caso.

22
Jovens postulantes das Filhas da Caridade.
1
Carta 276. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Ver carta 273, nota 1.
287

Quanto a Henriqueta, estou esperando o senhor de Lamoignon 2 para


conversarmos, ou antes, tomareis logo a iniciativa de escrever à senhora Desbordes,
para pedir-lhe que vá estar convosco, a fim de comunicar-lhe um negócio sobre o qual
tendes dificuldade em escrever-lhe. Penso que é bom fazê-lo mais cedo do que tarde,
enquanto o padre ainda está doente.
Bom dia, Senhora. Estive ontem com vosso filho, que me parece mais inclinado
ao estado eclesiástico. Peço-vos informar-me se lhe dissestes o que me escrevestes a
respeito da senhora Poulaillon.
Sou, no amor de Nosso Senhor, Senhora, vosso muito humilde servo,

Vicente de Paulo.

Deparei ontem à tarde com esta carta, que pensava ter-vos enviado; escrevi-a há
três dias. Se o puder, dentro de pouco, terei a satisfação de estar convosco em La
Chapelle.

277. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

Bons-Enfants, manhã de segunda-feira.


[Cerca de novembro de 16371].

Senhora,

Pedem-me, com muita frequência, padres, de todos os lados, mas conheço


poucos que eu possa, honestamente, indicar, especialmente a Madame de Liancourt, nas
condições que deseja. Se o Padre Bourdoise não lhos pode arranjar, penso que fará bem
em pedi-los ao senhor bispo de Beauvais2, não porém, para La Roche-Guyon3, ao senhor
bispo de Rouen4. Há grande dificuldade de um bispo para outro.
Estou muito aborrecido por não ter podido conceder-vos o tempo que desejáveis
em La Chapelle e por não podê-lo tão pouco, se vierdes quarta-feira a Paris, à sala de
vossas filhas de Saint-Nicolas. Parto esta manhã para ir ver Madame presidente de
Herse, que se encontra adoentada e se queixa de mim. Fica a doze léguas daqui.

22
Guilherme Lamoignon, marquês de Basville e conselheiro no Parlamento de Paris, homem de insigne piedade e de
grande caráter. Tornou-se referendário em 1644 e, em 1658, primeiro presidente no Parlamento de Paris.
Anunciando-lhe a nomeação para primeiro presidente, Luís XIV lhe diz: “Se tivesse conhecido um superior homem
de bem, um súbdito mais digno, tê-lo-ia escolhido”. Foi amigo e protetor dos homens de letras, particularmente de
Boileau, que lhe dirigiu sua sexta epístola e escreveu o Lutrin a seu pedido. Era estreitamente ligado a São Vicente de
Paulo. Acolheu no seu palácio os missionários que caíram doentes em Etampes, socorrendo os pobres. Sua mãe e sua
irmã tomaram parte notável nas obras do Santo. Morreu a 10 de dezembro de 1677 ( Vida do senhor Lamoignon,
primeiro presidente, Paris, 1781, in-4).
1
Carta 277. Pémartin, op. cit., t. I, p. 28, carta 545.
1
Ver carta 273, nota 1.
22
Augustinho Potier.
33
O Duque de Liancourt era proprietário da terra de La Roche-Guyon (Seine-et-Oise) que foi erigida em ducado-
pariato, em 1643.
44
Francisco de Harlay.
288

Possivelmente, só voltarei dentro de quatro ou cinco dias. Quando voltar, podereis dar
uma chegada até a cidade ou então irei a La Chapelle.
Recomendo-me entretanto às vossas orações e sou, no amor de Nosso Senhor,
Senhora, vosso...
Louvo a Deus porque estais livre, sem pagar preço algum, dessa grande
dificuldade. Peço-vos, por Deus, que vos poupeis.

278. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Cerca de novembro de 16371].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


O senhor Padre du Coudray nada tinha a vos dizer a respeito de vosso filho, nem
eu também. Queremos apenas saber se ele aceita ficar hospedado nos Bons-Enfants. O
quarto com lareira em cima da porta está vazio, e a criada mandou perguntar-me se o
reservaríamos para ele. E o que vos digo é simplesmente isso: informai-me qual é vosso
desejo. O Padre du Coudray não estava encarregado de vos falar sobre esse assunto,
nem de outra coisa a respeito dele. Podeis estar certa de que não temos queixa alguma
do Miguel. Eu a teria se não aceitasse a hospedagem ou trocasse por outra, a não ser no
caso de uma melhor, o que, a meu ver, não creio que encontre.
Uma jovem cega de Argenteuil2, que dirige a Caridade daquele lugar, veio
procurar-me com uma prima de Bárbara de Saint-Leu, e insistiu comigo para que
consentisse em deixá-la3 entrar para as religiosas instaladas lá4, há pouco tempo. Fui
totalmente contrário à ideia. Mas ela passou por cima do meu parecer. Sua viagem para
o casamento do irmão serviu de pretexto. Bendito seja Deus. É preciso acatar a ordem
de sua Providência e rezar por essa jovem, a fim de que praza a Deus dar-lhe a
perseverança e pensar como substituí-la.
Parece-me, na verdade, que faríeis bem em transferir Maria 5, de Saint-Paul, para
Saint-Germain6. Julgo que é preciso não colocar Nicole, de Saint-Sauveur, em lugar
algum, por longo tempo. Mas quem teríeis para Saint-Leu, se Henriqueta for para
Villers7, como me dissestes e ela mo pediu ontem?

1
Carta 278. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Ver carta 273, nota 1. Francisco du Coudray e Benôit Bécu, dos quais se trata nesta carta, foram colocados em
janeiro de 1638, o primeiro, em Toul, o segundo, em Richelieu.
22
Localidade de Seine-et-Oise.
33
Bárbara, da paróquia Saint-Leu, em Paris.
44
Trata-se do convento das Bernardinas, fundado em 1635 por Denis Desnault, capelão da Rainha Ana d’Austria e
senhor de Robiolles.
55
Talvez Maria Joly.
66
Saint-Germain-l’Auuxerrois.
77
Villers-sous-Saint-Leu.
289

Hoje mandarei o Padre Benôit8 ir ver sua irmã9, que saúdo de todo meu coração.
Estou um pouco preocupado com essa boa Irmã e com a pobre Madame Goussault, com
quem estive, ontem à tarde, e estava com sua febre contínua e peso no estômago, mas
um pouco melhor que no dia anterior. Dizem, porém, que ela muda frequentemente de
estado. Iam aplicar-lhe uma sangria, dentro de meia hora. Não vos peço para entregá-la
a Deus; tenho certeza de que não deixais de fazê-lo. Disse-lhe que vossa indisposição
vos retinha de cama. Peço-vos continuar em repouso e não pensar em ir vê-la.
Graças a Deus, não estou preocupado convosco. Pensei em ir ver-vos, ontem.
Mas fiquei sobrecarregado com uma quantidade de gente, e foi preciso escusar-me com
duas senhoras por não ir a La Chapelle. Folgaria muito, entretanto, em saber como está
vosso estado de saúde no momento. O meu está melhor, graças a Deus. Proponho-me ir
para os campos, conforme vosso parecer; nossa assembleia de terça-feira e o retiro do
senhor de la Marguerie1010 mo impediram até o presente. Escrevestes-me que
desejáveis fosse antes estar convosco?
Bom dia, Senhora. Sou v. s.

V. D.

Não poderíeis ir à missa, hoje, sem piorardes. Assisti a ela no leito, por favor,
como ensina a Introdução à vida devota, mas suavemente, sem esforço. Não é em vossa
casa que Maria Bécu está doente?

Destinatário: À senhora Le Gras.

279. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Cerca de novembro de 16371].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Tenha a bondade de não me pedir desculpas por haverdes enviado o senhor
vosso filho ao Colégio2; tendes toda a faculdade para fazê-lo. Eu o recebo como graça
de Deus; sendo necessário, por favor, mandai-o para aqui. Tudo está à vossa disposição
e à disposição dele. Estou muito contente de ver-lhe o temor de perder aulas; isto é
muito bom.

88
Benôit Bécu.
99
Maria Bécu, Filha da Caridade.
1010
Elias Laisné, senhor de la Marguerie.
1
Carta 279. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Esta carta foi escrita pouco depois da carta 278.
22
Ao Colégio dos Bons-Enfants.
290

Estive ontem com o Padre Holden. Falamos um pouco sobre o espírito de


martírio. Mas, na próxima vez, o assunto será a caridade, tão necessária ao espírito
apostólico.
Se a irmã do Irmão Jean3 for apta, penso que o pobre rapaz estima-la-á feliz por
poder pertencer à Caridade. Falarei com ele sobre isso, como também com vossas filhas,
amanhã após o jantar, aqui, pois me será difícil ir a outro lugar.
Se Bárbara quiser entrar numa comunidade religiosa, levai-a com suavidade a
tomar a decisão, por favor. Bem cedo se cansará da comunidade religiosa ou a
comunidade, dela.
Quanto à outra jovem do Hospital Geral, é melhor dispensá-la, mais cedo do que
tarde; quanto mais esperardes, mais rumor provocará sua saída. Procurai saber direito o
que há e fazer as outras compreenderem que ela não está ai para ficar, mas que ficou
satisfeita com encontrar um abrigo durante algum tempo, até entrar para a vida
religiosa. E se Bárbara perseverar, agradeça a sua prima e lhe diga, como vos disse, que
ela se doou a Deus na pessoa dos pobres4. Não pude falar com Bárbara, estou atarefado
demais.
Gostei do roteiro das instruções e vou segui-lo. Mandarei chamar as Irmãs de
Saint-Laurent.
Penso que a longa viagem ficou adiada indefinidamente. Farei uma menor de
quatro ou cinco dias somente, daqui a dois ou três dias, se for do agrado de Nosso
Senhor.
Sou, em seu amor, Senhora, vosso servo,

V. D.

Destinatário: À senhora Le Gras.

280. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Novembro de 1637, aproximadamente1].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Hoje pelas três horas, tenho um encontro importante, em uma assembleia que
poderá durar até a noite. Vou passar, entretanto, na casa de Madame Goussault, que não
vejo, há três dias. Sua febre não está hoje tão alta. Fizeram-lhe uma sangria pela manhã.
É uma dupla-terçã, cujo dia mais incômodo é hoje.

33
Vários Irmãos coadjutores traziam esse pequeno nome. O Santo talvez tenha em vista Jean Jourdain ou Jean
Houlie, cunhado de Jean Bécu.
44
Ver carta 278.
1
Carta 280. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Esta carta veio pouco depois da carta 278.
291

Fico sentido por não poder ir ver a Irmã Maria 2. Irei amanhã, se Deus quiser.
Saúdo-a, entretanto, por intermédio do seu irmão, que estou enviando.
Tive receio de que, ao voltardes da casa de Madame Goussault, tivésseis uma
recaída, como aconteceu na primeira visita. Fortalecei-vos: tendes necessidade disso,
ou, melhor dizendo, todos nós.
Bom dia, Senhora. Sou v. s.

V. D.

Destinatário: À senhora Le Gras.

281. ─ O ABADE DE SAINT-CYRAN1 A SÃO VICENTE

De Dissay, 20 de novembro de 1637.

Senhor Padre,

Desde a última vez que tive a honra de estar convosco, tenho estado sempre
doente, durante o mês todo, de uma impressão maligna, deixada em mim, creio eu, por
uma pessoa moribunda, que eu assisti durante uma noite inteira 2. Sem saber para onde
me levaria a doença de que era portador, embora não ficasse de cama, acorreram-me
diversos pensamentos, caso aprouvesse a Deus conduzir-me às vésperas de minha

22
Maria Bécu.
1
Carta 281. ─ As relíquias do Padre Jean du Verger de Hauranne, abade de Saint-Cyran, por Francisco Pinthereau,
Louvain, 1646, in-8, p. 347 e segs.
1
Jean du Verger de Hauranne, abade de Saint-Cyran, nascido em Bayonne em 1581. O abade de Saint-Cyran
conheceu São Vicente em Paris, cerca do ano de 1622 e não tardou em se ligar de amizade com ele. No dizer de
Barcos, seu sobrinho, teria prestado assinalados serviços ao Santo. A Congregação da Missão, até certo ponto, seria
devedora para com ele de sua posse no Colégio dos Bons-Enfants e de São Lázaro ( Defesa do falecido Padre Vicente
de Paulo, p. 11), assim como da bula de aprovação obtida na corte romana. O que é de fato certo é que os encontros,
bastante frequentes no tempo em que o Santo morava nos Bons-Enfants, se tornaram mais raros, depois de 1632, e
quase cessaram a partir de 1634. Advinhava-se o motivo. Enquanto o Santo guardou alguma esperança de reconduzir
Saint-Cyran às ideias tradicionais da Igreja, ele consentiu em escutar propostas que lhe feriam os mais íntimos
sentimentos. Mas quando chegou à convicção de que esse espírito, profundamente perturbado, não se renderia a suas
instâncias e reflexões, preferiu espaçar as visitas. No mês de agosto de 1637, quase na véspera do dia em que o abade
de Saint-Cyran deveria partir para Poitou, São Vicente foi estar com ele em sua casa, suplicou-lhe que renunciasse a
quatro erros que lhe eram atribuídos, mas, face à emoção provocada por suas palavras, ele se escusou com mansidão
e pediu-lhe ter a bondade de aceitar um cavalo para a viagem. O Abade só se justificou a 20 de novembro de 1637
pela carta acima. Alguns meses depois, a 15 de maio de 1638, Saint-Cyran era preso e encerrado no castelo de
Vincennes. Entre os papéis encontrados com ele estava uma cópia da carta de 20 de novembro. Em seu desejo de
acumular provas de culpabilidade contra seu prisioneiro, Richelieu não poderia descuidar de ouvir uma testemunha
tão bem informada como era São Vicente. Mandou convocá-lo diante do senhor de Laubardemont, referendário.
Depois, com a recusa do Santo de responder a um juiz leigo, o próprio Cardeal o interrogou. Os jansenistas
pretenderam que o Santo tivesse comparecido, enfim, diante de Lescot, confessor do Cardeal, e publicaram um
relatório de sua deposição, escrita, dizem eles, de seu próprio punho. A prisão de Saint-Cyran era obra pessoal de
Richelieu. Logo que o Cardeal faleceu, Luís XIII permitiu ao prisioneiro comunicar-se com as pessoas de fora. Esta
medida de clemência foi logo acompanhada de outra: a 16 de fevereiro de 1643, Saint-Cyran foi posto em liberdade.
Não gozou por muito tempo do favor real; um ataque de apoplexia o levou a 11 de outubro de 1643. Apoiados numa
frase equívoca de Barcos, disseram que São Vicente assintiu-lhe aos funerais. O fato é inexato, e o próprio Barcos
declarou que o tinham compreendido mal (Cf. nosso estudo sobre as Relações de São Vicente de Paulo com o Abade
de Saint-Cyran, Tolosa, 1914, in-8).
2.2
Madame d’Andilly (Interrogatório de Saint-Cyran, questão 9).
292

morte. Como então guardasse presente em meu espírito as últimas conversas que
tivestes comigo, pensei em dar-vos a conhecer por escrito que, pela graça de Deus, eu
não tinha de modo algum meu coração atormentado por aquelas quatro coisas que me
viestes dizer em minha casa. Tinha, pelo contrário, outras coisas na alma que vós
ignorais3, pelas quais tenho motivo de temer os juízos de Deus. Elas recebem uma
espécie de alívio, com a acusação dessas verdades católicas, que passavam por
mentiras e falsidades entre os que preferiam o clarão e o brilho fulgurante à luz e à
verdade da virtude. A disposição interior de humildade, que tendes no fundo do
coração, para crer no que vos fizessem ver nos livros santos, me mostra com clareza
que nada haveria de mais fácil do que vos levar a consentir, pelo testemunho de vossos
próprios olhos, naquilo que agora detestais como erros. Mas quando vos ouço, depois
de vossa fraterna advertência, achar mal, e até acrescentar, às outras quatro, esta
quinta correção a respeito do que outrora vos dissera em particular, isto é, que eu tinha
grande desejo de vos prestar um bom serviço e a toda a casa, julguei que não era
tempo de me defender e de vos esclarecer, por provas até mesmo sensíveis e artificiais,
sobre estas coisas que julgais más, a ponto de ter a ousadia de condená-las, sem as
entender. Esta foi a razão de me manter como no alto de uma rampa, na grande paixão
e agitação, que sentia em mim, no sentido de falar convosco e vos mostrar a falsidade
das coisas de que me censurais, antes para vos escusar de me ter abandonado, no
momento de uma perseguição, como um criminoso, do que por algum mau conceito que
tivésseis de mim. Suportei facilmente isto de um homem que me tinha honrado desde
longo tempo com sua amizade e que tinha em Paris a credibilidade de um perfeito
homem de bem, a qual não se poderia desfazer sem ferir a caridade. Restou apenas em
minha alma a estranheza de que vós, que fazeis profissão de ser tão manso e tão
reservado em toda parte, buscastes motivo, a partir de um levante contra mim por uma
tríplice cabala4 por interesses notórios, de me dizer coisas em que antes não ousaríeis
pensar. Assim, em vez de esperar, como deveria, consolação de vossa parte, assumistes
desde então uma ousadia extraordinária, contra vossa inclinação e hábito, a ponto de
vos juntar aos outros para me rebaixar. E acrescentastes aos excessos dos outros o fato
de vir dizê-lo a mim mesmo, em minha própria casa, o que nenhum dos outros ousaria
fazer.
Julguei que faltaria à franqueza da amizade e mesmo à caridade do Evangelho,
se, depois de ter deixado passar o tempo necessário para evaporar o calor que me
subira à cabeça, não vos fizesse, unicamente a vós, esta queixa. E vos escrevo 5 do
interior da casa de um excelente bispo6, que dará testemunho totalmente diferente de
mim, se for necessário, em toda a Itália, onde é conhecido, sem falar da França, onde,
pela graça de Deus, não preciso disso. Com efeito, quando desaparecer essa trama e
passarem os interesses grosseiros, fonte das paixões e palavreados contra mim,
permanecerei, nessa história, tão limpo e irrepreensível diante dos homens, como
33
Seus pecados (Interrogatório, questão 12).
44
O Abade de Prières, Sebastião Zamet, bispo Langres, e os Padres jesuítas, aos quais se uniram alguns Oratorianos
(Interrogatório, questão 91).
55
Saint-Cyran escrevia sua carta de Dissay, comuna de la Vienne, perto de Poitiers. Luís Chasteigner tinha uma casa
de campo nesta localidade.
66
Henrique Luís Chasteigner de la Rocheposay, bispo de Poitiers.
293

pretendo estar diante de Deus. Sendo ele a verdade essencial, tem especial aversão a
toda sorte de ignorância, como também da falsidade que dela procede; é o que a
Madame Duquesa de Longueville 7, que tinham instigado contra mim, me dá motivo
para dizer, sem me bajular pela reparação copiosa que me fez de tudo, um mês antes de
sua morte, diante de uma pessoa de renome que tem a direção de várias outras que não
vos são desconhecidas. Depois dela, o senhor Cardeal de la Valette que, tendo sido
informado minuciosamente dessas acusações, desprezou-as, e sem que eu tivesse parte
em nada, deu um testemunho tão favorável a mim a respeito do que me imputam, e a
meu próprio respeito, que teria vergonha de expressá-lo. Prefiro indicar-vos um de
vossos amigos a quem ele o disse, se tiverdes desejo de sabê-lo. Ouso dizer que não há
nenhum desses senhores prelados que vos frequentam, com os quais eu não entraria em
acordo, e a quem não conseguiria passar todas as minhas opiniões e obter a
autorização dos seus sufrágios, quando me aprouver falar delas com eles com tempo e
calma. Com efeito, iluminados como são, e sendo a verdadeira fonte, por seus
predecessores, de toda a disciplina que se deve guardar para com as almas, longe de se
oporem, pelo contrário, ficarão encantados e me agradecerão. Só vos digo isto para
que saibais com que segurança estou falando, sem intenção alguma de vos perturbar na
honra que vos tributam e na paz de que gozais em seus colóquios e conversações. Na
verdade, a respeito de vossa casa, acreditastes prestar a ela um bom serviço, impedindo
aquele que eu lhe queria prestar. Longe de ficar aborrecido, agradeço-vos
afetuosamente me ter livrado deste trabalho, sem talvez ter diminuído com isto o
agrado de Deus pela boa vontade que me dera de vos servir, tanto no plano espiritual,
quanto no temporal. Sabeis, entretanto, muito bem que o fiz sem me imiscuir nas
diligências de vossa instalação nos lugares onde estais, das quais não teria gostado,
por nada neste mundo, de tomar parte alguma 8. Mais do que qualquer outra coisa,
deveria isto vos dar a conhecer quanto sou pouco apegado a meu sentimento e disposto
a me abaixar com meus amigos, contra o juízo de minha consciência, que jamais me
permitiria fazer tais coisas. Sustentei-as numa contestação pública, a ponto de levar a
mudar de parecer, pela força das razões e por importunações, aquele a quem deveis
todo reconhecimento9. Faço alusão a isto apenas por necessidade e só nesta ocasião,
para vos recordar minha condescendência e desfazer em vós a opinião que os outros
vos incutiram de minha inflexibilidade e severidade. Na verdade, ouso dizer que mereço
tão pouco essa reputação, no juízo dos que me conhecem e à luz da verdade, que se
propusesse a esse mesmo personagem e a seu colega as quatro ou cinco censuras que
me fizestes, eles ririam delas e apaziguariam assim, sem dizer palavra, toda cólera que
delas eu tivesse tido. Tenho grande motivo, senhor Padre, de vos perdoar, e de vos
dizer no meu coração parte das palavras que o Filho de Deus disse aos que o
maltrataram. Espero, e o digo com confiança, que não será isso o que me fará
envergonhar-me diante do seu julgamento. Pelo contrário, espero disso algum favor de
sua misericórdia, se persistir em manter e adorar no meu coração o que a sucessão da
77
Luísa de Bourbon, irmã do último conde de Soissons, esposa de Henrique II, duque de Longueville, grande amiga
de Port-Royal, falecida a 09 de setembro de 1637.
88
Em São Lázaro. Não é que a instalação de São Vicente em São Lázaro repugnasse Saint-Cyran, mas ele tinha por
princípio não se ocupar de negócios temporais dos outros (Interrogatório, questões 37 e 108).
99
Jerônimo Bignon, advogado-geral.
294

doutrina apostólica, pela qual vamos minando os hereges e sem a qual a Igreja não
pode subsistir, me ensinou pela voz da mesma Igreja universal e católica, desde 25 ou
30 anos.
Peço-vos aceitar que vos tenha dito o que eu tinha no coração; isso, o mais cedo
que pude e após uma dolorosa enfermidade que me acometeu em Cléry 1010 e que ainda
perdura. Foi intenção minha tratar-vos como amigo e como cristão e não deixar
sombra de amargura, no fundo da alma, que pudesse perturbar, por pouco que fosse, a
amizade que quero conservar para convosco, até o fim de minha vida. Disto vos dei
testemunho, após esse sensível desgosto, pela carta que escrevi ao senhor bispo de
Potiers. Ter-vos-ia dado um maior, se me tivesse sentido às portas da morte,
levantando-vos alguns artigos sobre coisas que julgo censuráveis em vosso Instituto, a
fim de vos fazer perceber, pelo menos depois da minha morte, as razões que eu tinha
nisso de vos oferecer meus serviços. Mas foi tal a vossa desconsideração, que tomastes
a simples proposta que vos fizera, como uma prova da verdade das quatro coisas de
que me acusastes. Com a condição de que Deus delas não me acuse, sou, por demais,
feliz por tudo. E que ele aceite como sua a caridade com que pretendia livrar-vos de
certas práticas que sempre tolerei em vossa disciplina, vendo o apego que a elas
tínheis, com tanto mais firme decisão de nelas permanecer, quanto mais legitimada
pelo parecer de grandes personagens que consultáveis 1111. Depois disso, estou livre
para vos dizer o meu pensamento: Deus, a meu ver, não as aprova. Com efeito, só com
uma autêntica simplicidade seria posssível fazê-la, o que é mais raro do que a graça
comum dos cristãos. E é tão rara que ousaria, na verdade, dizer dela o que um bem-
aventurado do nosso tempo1212 disse dos diretores de almas contemporâneos, a saber,
que de dez mil que disso fazem profissão, dificilmente seria possível escolher um que as
pudesse tornar escusáveis diante de Deus. Terei, entretanto, a paciência que ele
próprio tem de vos deixar indo em frente, e permanecerei na mesma vontade, de que
vos dei testemunho, de vos servir nesse assunto por condescendência, se não puder
fazê-lo com total aprovação, deixando de lado a condição de mestre, para assumir a de
muito humilde e muito obediente servo1313...

282. ─ AO PADRE BELIN

21 de novembro de 1637.

Senhor Padre,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!

1010
Cantão de Loiret.
1111
Saint-Cyran se refere aqui a André Duval (Interrogatório, questão 119).
1212
São Francisco de Sales.
1313
São Vicente não respondeu à carta de Saint-Cyran, mas logo que soube de seu regresso a Paris, foi agradecer-lhe
(Interrogatório, questão 34); Barcos, Defesa do falecido Padre Vicente de Paulo, 1668, p. 16).

Carta 282. ─ Reg. I, fº 64. O copista nota que o original era da mão de São Vicente.
295

Germana me escreveu sobre a dificuldade que tem de retornar a seu confessor ordinário.
Aconselhei-a a trocá-lo. Meu Deus, senhor Padre, como lamento por vós! Ó meu Deus! Nosso
Senhor vos recompensará por tudo que sofreis e suportais a seu respeito.
Retive comigo, por sete ou oito dias, um dos moços que me trouxeram a carta de
Germana. Farei o possível para arranjar-lhe um professor; do contrário, mandá-lo-ei de volta.
Peço-vos informar-me sobre que moço é esse, se há motivo para esperar que ele trabalhe bem, e
isto quanto antes.
Estou preocupado com os dois escudos que vos devo; mas não são mais de dois? Não
ousei entregá-los a esse portador. Entregarei ao primeiro que encontrar, no qual possa ter mais
confiança.
Sou, entretanto, no amor de Nosso Senhor, senhor Padre, vosso... 

283. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Cerca de novembro de 16371].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


É preciso suportar com paciência o estado de espírito do senhor vosso filho, esperando
que apraza a Nosso Senhor fazê-lo entrar no modo de vida conveniente ao que ele se propõe.
Quem suportará o filho senão a mãe? E a quem pertence colocar cada um em seu dever senão a
Deus? Uma vez que ele não estuda, nem se decide por coisa alguma, não vejo inconveniente em
que penseis em Dom Riez2. Não se trata de expediente para torná-lo melhor, mas para mantê-lo
um pouco ocupado e diminuir um pouco a ociosidade, mãe de todos os vícios, a fim de que ela
não venha a vencê-lo. Mas na qualidade de quê? É o que me embaraça. É preciso refletir um
pouco sobre isso e recomendá-lo a Deus, e depois conversaremos. Mandarei dizer a Madame
Moran que lhe providencie o quarto que está em cima da porta. Quanto ao resto de que falastes,
peço-vos não pensar nisso.
O que dizeis a respeito do voto da pequena Bárbara parece inútil, já que ela vai entrar na
vida religiosa para assistir os doentes que lhe dirão ser pobres e, por conseguinte, dentro dos
termos do seu voto. Se ficar pressionada por escrúpulo, pediremos ao bispo que a dispense.
Ficai certa de que sentirá com frequência arrependimento e exercerá com isso a paciência dessas
boas religiosas. E quando voltar, não sei se será conveniente recebê-la.
Não estive com Henriqueta, nem com Maria 3. É preciso rezar pelas Irmãs e, se tiverdes
oportunidade, ide para os campos, para recuperar as forças.
Estou um pouco preocupado com vossas doentes. Peço-vos alimentá-las bem e alegrá-
las. Saudai as duas, de minha parte.

Carta 283. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Esta carta foi escrita poucos dias depois da carta 278.
2
Luís Denis de Attichy, filho de Valência de Marillac e primeiro irmão de Luísa de Marillac, nascido em 1593, no
castelo de Attichy. Entrou em 1614 para a Ordem dos Mínimos, tornou-se provincial de Borgonha, foi elevado à Sé
de Riez, na Provença (1628). Foi depois transferido para Autun (1652), onde morreu de doença renal, a 30 de junho
de 1664. Temos dele muitas obras, entre as quais uma história geral da Ordem dos Mínimos e uma vida do Cardeal de
Bérulle.
3
Maria Bécu.
1

3
296

Madame Goussault passou anteontem à noite por uma grande crise de suor. Melhorou
depois, pelo que me disseram. Restabelecei-vos um pouco mais; ambas encontrar-se-ão mais
fortalecidas. Tenho sempre falado com ela de vossa indisposição. Ó meu Deus, Senhora, como a
aceitação da vontade de Deus em sua doença tem sido serena e firme! Parece a mesma coisa vê-
la com saúde e enferma. Mas quem opera tudo isto? Seria ela? Não seria Nosso Senhor?
Sou, em seu amor, v. s.

V. D.

Destinatário: À senhora Le Gras.

284. ─ À MADRE DA TRINDADE1

Minha muito cara e Reverenda Madre,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Sou muito indigno de vos agradecer, como todos o somos, pelos favores que,
incessantemente, tendes a bondade de nos proporcionar. Por isso, minha caríssima e
amabilíssima Madre, rogo à Santíssima Virgem, à qual me tendes recomendado de
modo especial, seja ela com seu Filho vossa recompensa e vosso agradecimento.
Lancei os olhos sobre vários eclesiásticos para vossa sacristia. Ainda não
aprouve a Deus tenha eu encontrado aquele de que precisais. Velarei por isto, mas
duvido muito que o faça com tanta eficácia quanto vossa bondade o faz em favor de
nossa insignificância. Farei contudo o possível, como também farei o possível para
escreverem as memórias do bem-aventurado Padre Gallement 2, ou um dos vigários3
dele que temos conosco, ou um eclesiástico do qual ele se servia, quando era garoto,
para responder aos catecismos que ele dava por onde passava. De minha parte, direi o
que sei a respeito. Não o fez após meu regresso, por causa dos meus embaraços. Sou,
minha caríssima e amável Madre, vosso muito humilde e grato servo,

Vicente de Paulo.

Paris, 28 de novembro de 1637.

1
Carta 284. ─ C.aut. ─ Original no convento da Visitação de Troyes.
1
Maria de Hanivel, filha do auditor-mor da França. Na juventude, só experimentava alegrias no mundo que a
adulava. Reconduzida a sérias considerações com a morte súbita de uma de suas amigas e pela palavra do famoso
padre capuchinho Ange de Joyeuse, recusou desposar o sobrinho do Duque de Villars e, a conselho do seu primo o
senhor de Brétigny e de Madame Acarie, entrou no Carmelo da rua Saint-Jacques desde o momento de sua fundação,
recebeu o nome de Maria da Trindade e fez profissão no convento de Dijon em 1605. Foi priora em Rouen, em
Pontoise e, por fim, em Troyes, onde morreu a 06 de março de 1647, com a idade de sessenta e oito anos (Plácido
Gallemant, op. Cit., PP. 329-339).
22
Jacques Gallement, doutor da Sorbona, primeiro superior dos Carmelitas da França, pároco de Aumale,
posteriormente de Aubervilliers, perto de Paris, falecido em Besançon, a 25 de dezembro de 1630, com a idade de
setenta e dois anos. O Padre Plácido Gallement publicou sua vida em 1653. Era provavelmente para ele que a Madre
da Trindade procurava informações biográficas.
33
Tratava-se de Jean Pillé, antigo vigário de Aubevilliers, ingressado na Congregação da Missão em 1631.
297

Destinatário: À minha Reverenda Madre da Trindade, superiora do segundo


monastério das Carmelitas de Troyes, em Troyes.

285. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Final de 16371].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Louvo a Deus por estardes passando melhor e vos peço comer ovos, pois, de
outra forma, é de se temer que venhais a recair. Quanto à pobre moça de Madri 2,
pensei em falar com todas as minúcias ao senhor Procurador-Geral 3 sobre este assunto,
e a maneira de socorrer essas pobres criaturas entre as crianças expostas 4. Madame
Goussault talvez vos tenha dito a proposta que me fizeram para isso. Falaremos
convosco disso daqui a três ou quatro dias, se vossa saúde vos permitir chegar até aqui.
Não sei o que vos dizer sobre as Irmãs de Saint-Paul 5, a não ser que não podeis
esperar nada mais do que aflições e dificuldades. Conversaremos sobre isso quando
vierdes. Não penseis, contudo, que meu coração se aborreça pelo serviço que desejais
de mim: só a morte me impediria de ser, no amor de Nosso Senhor, Senhora, vosso
muito humilde servo,

V. de Paulo.

São Lázaro, manhã de quinta-feira.

Destinatário: À senhora Le Gras.

286. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Dezembro de 16371].

1
Carta 285. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Esta carta parece preceder de pouco dias a instituição do Crianças Expostas.
22
Antiga localidade dos arredores de Paris, lembrada ainda pelo castelo do mesmo nome, situado no bosque de
Bolonha.
33
Mateus Molé.
44
As crianças expostas recolhidas ao Dormitório, rua Saint-Landry. – Traduzimos “Enfants trouvés” por “Crianças
Expostas”, denominação esta que aparecerá em toda a tradução, indicando o estabelecimento Crianças Expostas (N.
do T.).
55
Paróquia de Paris.
1
Carta 286. ─ C. aut. ─ Original com as Filhas da Caridade de Castelsarrasin.
1
São Vicente não teria escrito Madame de Combalet depois do dia 01 de janeiro de 1638, mas Madame Duquesa de
Aiguillon. Por outro lado, a data de dezembro de 1637 é exigida pela presença de Lambert aux Couteaux em
Richelieu (Cf. carta 287).
298

Vereis pela carta anexa, Senhora,como o senhor pároco de Rueil 2 prefere a Irmã de
Nanterre3 a Bárbara4. Adoro nisso a Providência. É preciso colocá-la num lugar mais longe e
onde possa ser mais útil. O Padre Lambert, que está em Richelieu 5, escreveu a Madame de
Combalet que é necessário estabelecer lá a Caridade: nesta semana, morreram ali, sem
assistência, duas pobres mulheres. Que vos parece, Senhora, enviarmos para lá Bárbara com
alguma outra Irmã6? Oh! quanto bem a fazer naquela região! Se sois mulher de coragem, na
primavera poderíeis ir até lá, pelo coche que vai até Orléans. De lá, chegaríeis pelo rio a
Saumur, distante de lá oito léguas. Enfim, tudo para o que for melhor. Conversaremos sobre
isto.
Saúdo-vos e sou, no amor de Nosso Senhor, v. s.

V. D.

Destinatário: À senhora Le Gras.

287. ─ A BERNARDO CODOING, PADRE DA MISSÃO, EM ROMANS1

27 de dezembro de 1637.

Há muito tempo estou ponderando se vos devo pedir para vir trabalhar em Richelieu,
onde o senhor Cardeal está fundando uma Missão 2, tanto para o ducado de lá 3 quanto para a
diocese de Luçon4, com a responsabilidade do trabalho com os ordinandos e exercitantes da

22
Em Seine-et-Oise. Richelieu tinha lá sua casa de campo.
33
Perto de Paris.
44
Bárbara Angoboust.
55
Em Indre-et-Loire.
66
Este projeto não se realizará a não ser nos últimos meses do ano de 1638.
1
Carta 287. ─ Reg. 2, p. 277.
1
Bernardo Codoing, nascido na cidade de Agen a 11 de agosto de 1610, ordenado padre em dezembro de 1635,
recebido na Congregação da Missão a 10 de fevereiro de 1636, ocupa um lugar importante na história dos primeiros
companheiros de São Vicente. Foi o primeiro superior do seminário de Annecy (1640-1642), dirigiu a casa de Roma
durante dois anos (1642-1644). Posteriormente, foi colocado à frente do seminário São Carlos, situado no recinto de
São Lázaro (1645-1646). Passou de lá para Saint-Méen em circunstâncias particularmente difíceis (1646-1648), em
seguida para La Rose (1648-1649) e, enfim, para Richelieu (1649-1650), sempre na qualidade de superior. Teve
grande êxito em suas missões na França e na Itália. Seus sermões eram tão apreciados que São Vicente, por um
momento, pensou em publicá-los. Bernardo Codoing tinha prestado maiores serviços ao Santo, se tivesse tido menos
apego às suas próprias ideias e se tivesse sabido defender-se contra a tendência à precipitação. Seríamos tentados de
dizer: felizes defeitos! Com efeito, eles nos valeram algumas das mais belas cartas que compõem a correspondência
de São Vicente.
22
O contrato de fundação foi passado a 04 de janeiro de 1638, no castelo de Rueil, entre o Cardeal Richelieu e São
Vicente. O Santo assumia o compromisso de enviar sete padres para Richelieu, antes do mês de março, e de
acrescentar três outros antes de dois anos para exercer as funções curiais nessa localidade, pregar missões no ducado,
nas dioceses de Luçon e de Poitiers, preparar os ordinandos e receber os padres para os exercícios espirituais. O
Cardeal, por sua vez, fazia doação ao Santo da renda dos cartórios de Loudun, que eram arrendados por 4.550 libras,
e assumia o compromisso de providenciar o alojamento necessário.
33
O ducado-parisiato (com os títulos de duque e par) de Richelieu tinha sido constituído em 1631, com os baronatos
de Faye-laVineuse, de l’Isle-Bouchard e de Chinon.
44
“... Dos dez, se diz no contrato (Arq. Nac. MM 534), quatro ficarão na cidade de Richelieu para realizar ali as
funções da referida Missão, três serão enviados, de cinco em cinco anos a cada cidade e aldeia do dito ducado de
Richelieu para aí cumprirem também as citadas funções da dita Missão. Depois de terem trabalhado em todo o
ducado, enquanto aguardam o tempo conveniente de recomeçar, pregarão missão na diocese de Poitiers ou outros
lugares circunvizinhos do ducado, como aprouver a Sua Eminência, e os três outros serão enviados para a diocese de
Luçon para os mesmos fins. Esses seis que serão enviados para o ducado e para a diocese de Luçon serão obrigados a
irem para lá quatro vezes ao ano, nas estações mais convenientes, e lá trabalharem seis semanas de cada vez...”.
299

diocese de Poitiers5. Por um lado, considerava a necessidade desse bom povo onde estais, e o
bom uso que faz da graça que lhe dispensa Nosso Senhor. Mas, por outro lado, pensei que a
mesma necessidade e o mesmo proveito se encontram no povo de Poitou. Com efeito, já me
escreveram, e o Padre Renar, que voltou de lá, mo disse: jamais se viram almas tão
sensibilizadas, nem tal afluência de todas as partes. E o que me fez decidir em favor de
Richelieu são os deveres que lá temos, pois a fundação tem caráter de perpetuidade. Sendo
assim, senhor Padre, suplico-vos muito humildemente para partir, recebida a presente, se não
estiverdes em missão. Caso estejais pregando missão, parti, em Nome de Nosso Senhor,
imediatamente depois de terminá-la, sem divulgar essa notícia, a não ser na iminência da
partida. É preciso não faltar a nossa obrigação de estar em Richelieu no dia 20 ou 25 de
janeiro. Podereis garantir ao povo daí que, tão logo aprouver a Deus mandar-nos candidatos
para servi-lo em nossa vocação, nós lhes comunicaremos, mas, no momento, a necessidade
absoluta nos constrange a proceder assim.
Eu pedira ao Padre de Sergis para ir trabalhar em Aiguillon, na vizinhança de vossa
cidade natal de Agen6. Posteriormente, porém, roguei-lhe que viesse para Troyes, por motivo
particular.
O Padre de Sergis me escreve que toda Aiguillon fez seu dever e que os principais da
cidade foram os primeiros a começar. Restava apenas um pequeno número que deveria
cumpri-lo no dia seguinte. O Padre Hopille, Vigário Geral, enviou-lhe quatro ou cinco párocos
da diocese, os quais trabalharam com ele em Aiguillon, durante três semanas, exceto no
domingo, quando iam para suas paróquias. Comunica-me, igualmente, que uma multidão da
região dos campos foi cumprir suas devoções, de até dez léguas do entorno. Vede, senhor
Padre, como os espinhos picantes de nosso temperamento natural produzem belas rosas que
desabrocham logo que o sol da justiça faz brilhar sobre eles os raios de sua graça. Precisei
dizer-vos estas palavras para vossa consolação.
Voltemos à vossa viagem. Se estiverdes pronto para partir com o Padre Grenu,
poderíeis ir juntos até Lyon. De lá, ele irá para Châlons e vós para Roanne, onde podereis
embarcar até Orléans e de lá ir para Saumur, onde estareis a um dia de viagem distante de
Richelieu e encontrareis os Padres Lambert e Perdu em Champigny, a uma légua de Richelieu.
Ó senhor Padre, quanta carência espiritual naquela região, onde há uma quantidade de
hereges, por não terem ouvido falar de Deus, dizem eles, na igreja dos católicos! É nessas
terras que a heresia foi em primeiro lugar defendida, ampliou seus espaços e foi mais
obstinadamente defendida. Foi de lá que ela retirou suas principais forças para o
desmantelamento de nossa santa religião e até do próprio Estado, se tivesse podido. Oh! como
Satã teve ali e ainda tem grande império! Espero, senhor Padre, que Nosso Senhor se servirá
de vós e do bom Padre Durot 7, para fazer-lhe uma boa guerra, não, com certeza, in sublimitate
sermonis et humanae sapientiae verbis, sed in ostensione virtutis spiritus, in humilitate et
mansuetudine, in patientia et longanimitate (com a sublimidade do discurso e com as palavras
da sabedoria humana, mas com a demonstração do poder do Espírito, com humildade e
55
“O dito Vicente se obriga... a receber na citada casa da Missão de Richelieu, perpetuamente, a instruir, alojar e
alimentar durante doze dias, antes de cada uma das quatro têmporas do ano, todos aqueles da diocese de Poitiers que
quiserem receber as ordens sagradas nas citadas quatro têmporas, e de receber, durante todo o ano, em caráter
perpétuo, na referida casa, e nela alojar e dar refeição, durante quinze dias, a todos os padres que o senhor Bispo de
Poitiers e seus sucessores quiserem enviar, para fazerem os exercícios espirituais e serem instruídos nas funções
eclesiásticas, conquanto, porém, não sejam enviados mais de oito padres de uma só vez, além daqueles que devem ser
promovidos às ordens sagradas” (ibidem).
66
Cidade natal de Bernardo Codoing.
77
Nicolau Durot, nascido em Oisemont (Somme), recebido na Congregação da Missão em agosto de 1633, ordenado
padre em dezembro de 1636. Pregava em 1639 na região de Tolosa. Encontramo-lo em Paris, em agosto de 1640.
Voltou para Richelieu em 1642, deixou a Congregação em 1645 e obteve, graças a São Vicente, o canonicato de
Saint-Martin d’Angers.
300

mansidão, paciência e longanimidade8). Ide, pois, senhor Padre, in nomine Domini (em nome
do Senhor). Peço que a sua divina bondade vos conceda sua santa bênção e, com ela, uma
maior participação em seu espírito. Não duvido de que vosso coração se sinta como que
arrancado dessa terra onde fizestes brotar raízes de caridade nas almas, e de que não
experimentais as ternuras de São Paulo quando deu o último adeus àquele povo que chorou
tanto sobre ele. Mas qual! Só um coração verdadeiramente apostólico pode permanecer firme
diante dessas ternuras, passa por cima delas e parte para onde a santa obediência lhe mostra
que Nosso Senhor o chama. Com certeza, senhor Padre, entrar neste estado de espírito é abrir-
se ao cumprimento do bel-prazer de Deus, e começar o próprio paraíso já neste mundo. Mas o
que estou dizendo a uma alma que sempre me pareceu inteiramente disposta a ir aos antípodas,
por amor de Deus, se a santa obediência lhe pedisse?
Não sei por que minha pena se deixou levar a vos dizer tudo isto. Sei muito bem que
não foi por pensar que tivésseis necessidade de ser persuadido. Tendes antes, talvez,
necessidade de ser mais contido no ardor de vosso zelo. E é disto que eu devia falar-vos e vos
falarei um dia, se Deus quiser. Ele sabe, e somente ele, por que me estendi nesse assunto, sem
pensar.
É bom despedir-se, ou pessoalmente, ou por escrito, do senhor Bispo de Valence 9 e
agradecer-lhe a graça que vos proporcionou de aceitar vosso serviço em sua diocese. Dizei-lhe
que unicamente a pura necessidade nos levou à decisão de vos chamar e, ainda, que se for do
agrado de Deus nos dar o meio necessário, trataremos de voltar para aí outra vez.
Depedir-vos-eis também da bondosa e mui cara irmã Maria 1010 e recomendareis, por
favor, a suas orações, esta pequena Companhia e o mais vil e miserável de todos os homens,
que sou eu, e que sou, no amor de Nosso Senhor, senhor Padre, vosso muito humilde...
Não fico esperando outra resposta a não ser a da vossa partida, que vos suplico seja
quanto antes possível. O senhor vosso irmão aguarda cartas vossas, como resposta às que vos
enviei da parte dele. Imagino que Nosso Senhor vos curou do amor por demais terno de vossos
pais.

288. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

Senhora,

A graça de Nosso Senhor eteja sempre convosco!


Será preciso refletir em conjunto o que deve ser feito em favor de Saint-Leu 1.
Na última assembleia2 ficou decidido que se vos pedisse fazer uma experiência com as
crianças abandonadas, se houver meios de alimentá-las com leite de vaca e de adotarmos, para
este experimento, duas ou três delas.
88
Texto formado com diferentes passagens de São Paulo: 1 Co 2, 1.4; Ef 4,2; Col 1, 11.
99
Charles Jacques de Gélas de Leberon (1624-1654).
1010
Maria Tessonière ou Maria de Valence era uma santa viúva, animada por uma devoção toda especial para com a
Santíssima Trindade. São Francisco de Sales a chamava de relíquia viva. Jacques Olier viajou de Paris a Valence para
consultá-la. O Cardeal de Bérulle, São Vicente e o Padre Coton, seu diretor, tinham por ela a mais profunda
veneração. O povo lhe prestou, após sua morte, uma espécie de culto público. Sua vida, publicada em Lyon em 1650
pelo Padre Luís de La Rivière (História da vida e costumes de Maria Tessonière, in-4), por ordem expressa da
Rainha regente e com a aprovação de vários doutores da Sorbona, descontentou ao Bispo de Valence, que desaprovou
o livro e fez com que a Assembleia do Clero de França o condenasse. O prelado e a Assembleia proibiram igualmente
o culto que lhe era prestado.
Carta 288. ─ C. aut. ─ Original no hospital de Moulins.
11
Paróquia de Paris.
22
Assembleia das Damas da Caridade do Hospital Geral.
301

Fiquei grandemente consolado ao ver que a Providência recorreu a vós para esta obra.
Estou ciente de que vão censurar muitas coisas. Conversaremos sobre isso 3.
A Madame presidente Goussault não me parece muito forte. Cuidai de vossa saúde.
Desejo-vos um novo coração e um amor todo renovado por aquele que nos ama
incessantemente e com tal ternura como se começasse agora a nos amar. O prazer de Deus é
sempre novo e cheio de variedade, embora não mude jamais.
Sou, no seu amor, com igual afeição, como o quer sua bondade e como devo vivê-lo,
por seu amor, Senhora, vosso muito humilde servo,

Vicente de Paulo.

Primeiro dia do ano [16384].

289. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Janeiro de 16381].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Estou vos devolvendo o vosso e os meus apontamentos. Peço-vos acrescentar nos
meus as palavras que acrescentastes ou mudastes. Quando puderdes, tende a bondade de passá-
los a limpo e devolver-me tudo, inclusive as minutas feitas por vós e que vos restituo 2.

33
Era muito grande nessa época o número das crianças abandonadas a cada ano na cidade e nos subúrbios de Paris.
São Vicente enumerava de trezentas a quatrocentas (Abelly, op. cit., t. II, cap. X, 1ª ed., p. 362). O transeunte que
encontrasse alguma devia levar ao conhecimento do comissário do bairro, a quem, unicamente, competia recolhê-la.
As crianças expostas eram levadas para o Hospital Geral, e de lá para o Dormitório (traduzimos “Couche” por
“Dormitório” – N. do T.), à rua Saint-Landry, onde uma viúva, auxiliada por duas serviçais, era encarregada de
cuidar delas. Faltavam rendas para a casa e a dedicação às nutrizes. Por isto, a morte fazia tão numerosas vítimas
entre essas criaturinhas que São Vicente podia dizer num de seus colóquios com as Damas da Caridade: “Há 50 anos,
não sobrevive nenhuma criança, se é que alguma ultimamente tenha vivido”. As serviçais lhes davam narcóticos para
fazê-las dormir, ou as vendiam por oito soldos a miseráveis que, depois de lhes quebrarem braços e pernas, serviam-
se delas para excitar a piedade dos passantes. São Vicente, que se ocupava de tantas obras de caridade, conhecia o
Dormitório. Deplorava esses abusos e lhes procurava remédio. A Confraria das Damas da Caridade se ocupava dos
doentes do Hospital Geral. O cabido de Paris pressionou-as no sentido de se encarregarem também das crianças
abandonadas. Depois de dois anos de reflexão e oração, São Vicente decidiu fazer uma experiência. A carta acima
nos mostra que a obra teve inícios modestos: duas ou três crianças confiadas aos cuidados de algumas Filhas da
Caridade e alimentadas com leite de vaca. Bem cedo, este número foi para doze e quatro nutrizes lhes foram dadas.
Foram instaladas na rua dos Boulanges, perto da porta Saint-Victor. Este modesto ensaio produziu bons resultados.
Assim, as damas foram do parecer, em 1640, de receber todas as crianças abandonadas, que se apresentassem. O Rei
e a Rainha se interessaram pelo empreendimento. Em 1642, Luís XIII doou 4.000 libras do seu domínio de Gonesse.
Em 1644, a esmola foi dobrada. Posteriormente, as damas obtiveram o castelo de Bicêtre, para onde as crianças
desmamadas, foram levadas em 1647. Enfim, em 1651, a permanência em Bicêtre, sendo reconhecida como
prejudicial à saúde das crianças, foram elas recambiadas para Paris e alojadas na extremidade do subúrbio Saint-
Denis, e mais tarde, em 1670, em duas casas situadas, uma diante de Notre-Dame, a outra no arrabalde Saint-Antoine
(São Vicente de Paulo e as Damas da Caridade, por P. Coste, Paris, 1918, in-8, pp. 17-34).
Para a história do Crianças Expostasl, pode-se consultar com proveito os regulamentos feitos por Luísa de
Marillac para as Irmãs encarregadas das crianças (Pensamentos, pp. 195 e 196); seus relatórios sobre o mesmo
assunto ( ibidem, p. 199); a Vida de Madame de Miramion [pelo Abade de Choisy], Paris, 1706, in-4, p. 140 e ss.; a
História da Assistência pública, por Alexandre Monier, Paris, 1856, in-8, p. 396 e ss.; Léon Lallement, Um capítulo
da História do Crianças Expostas. A casa do Dormitório em Paris, Paris, 1885, in-8.
44
Foi nesse ano que começou a obra do Crianças Expostas (P. Coste, op. cit., p. 21 nota 1).
1
Carta 289. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Esta carta parece preceder de alguns dias à carta 297.
22
Trata-se aqui, pensamos nós, de apontamentos relativos ao novo estabelecimento do Crianças Expostas.
302

Mandei pedir ao senhor de Cordes para vir aqui hoje e encarreguei o senhor de
Marillac3 do meu relatório.
Não vejo incoveniente em irdes ver Madame de Liancourt quando puderdes.
Quanto a essas duas moças, vós vereis. A baixinha me parece tal como me
descrevestes. Se a outra tiver de fato vocação, sua cidade de Nogent com o tempo precisaria
dela4.
Os pais da moça que morreu no Hospital Geral vão pedir suas roupas de uso, e com
razão. Por enquanto, até que as coisas se acomodem, veremos. Entretanto, é melhor deixá-las
onde estão. É preciso criar a lei, antes de colocá-la em prática.
De muito boa vontade, vos advertirei de vossas faltas, sem deixar passar uma sequer.
Não entendi bem o que me dizeis de vossas oficiais e de vós. Que razão tendes para
dizer que não fostes lembrada no caso? É preciso guardar-vos de cair no vício da
singularidade, porque ela tem raiz na vaidade, e esta, no orgulho, que é o vício dos vícios.
Quanto a mim, sou, amor de Nosso Senhor, vosso servo,

V. D.

Irei hoje confessar a senhora de Atri 5 em La Chapelle e só poderei estar com o senhor
de Cordes sexta-feira, em relação ao que acaba de escrever-me.
Segue a carta da Madame Condessa de Maure.

290. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Janeiro de 16381].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Pensava em ir ver-vos nestes dias, sobretudo hoje. Eis-me, porém, absolutamente
impedido. Fá-lo-ei quanto antes me for possível. Dir-vos-ei, entretanto, que estou preocupado
com vossa febre noturna e vos peço poupar-vos quanto vos for possível, por Nosso Senhor e

33
Michel de Marillac, neto do Ministro da Justiça, senhor de Ollainville, conselheiro no Parlamento de Paris, falecido
a 29 de dezembro de 1684.
44
Ela não correspondeu às expectativas. “Ó meu Deus! como esta pobre criatura me enganou!”, escreverá mais tarde
São Vicente.
55
Maria Angélica de Atri, nascida em 1617, foi educada em Port-Royal. Ali conheceu Saint-Cyran e lhe abriu por
várias vezes sua consciência. Atravessou na juventude terrível crise da qual teremos ocasião de falar, mais a diante.
Sua aversão para as coisas de Deus era tal que se acreditou estar possessa do demônio e que o oficial de Paris
encarregou São Vicente de exorcizá-la. Pouco depois de sua cura, foi colocada num convento das dominicanas, donde
passou logo para as beneditinas do mosteiro recentemente fundado em Picpus-les-Paris. Já estava lá a 19 de junho de
1638 e lá se encontrava ainda em 1639, sempre estudando sua vocação. A 19 de junho de 1638, compareceu diante do
tribunal, encarregado de conduzir o inquérito sobre Saint-Cyran. Em sua deposição publicada pelo jesuíta Francisco
Pinthereau (Os restos do senhor Jean du Verger de Hauranne, abade de Saint-Cyran, Louvain, 1646, in-8, p. 421),
ela declarou que seu humor melancólico, acrescido de certas doenças, empurrava para o escrúpulo. A atração que
sentia pela vida religiosa, caminho para o qual a impelia Saint-Cyran, era combatido em seu interior pela repugnância
em assumir compromissos. Em 1639, ou pouco depois, retornou a Port-Royal e mandou construir ali, perto da igreja,
um pequeno eremitério, onde morou até a dispersão, em 1669. Terminou seus dias a 21 de outubro de 1676, perto de
Forcalquier, para onde se tinha retirado. Jansenista ardorosa, consagrou parte de sua imensa fortuna às obras do
partido. Seu espírito era pouco ponderado e sua vontade indecisa. Saint-Cyran lhe escreveu várias cartas de Vicennes.
1
Carta 290. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Esta carta foi escrita antes da carta 295, durante a missão de Saint-Germain-en-Laye.
303

por sua obra. Parece-me, porém, que estais menos doente neste inverno do que nos outros,
particularmente quando permanecíeis na cidade. É o que em parte me consola.
Falemos de três coisas. As crianças abandonadas: Estou sendo pressionado de modo
incrível por parte do senhor Hardy 2. Culpa-me de todo atraso. A senhora du Mée está nos
campos. Que incoveniente há em que mandeis comprar uma cabra e continueis a fazer uma
experiência mais abrangente?
A segunda coisa é que nos pedem uma Irmã da Caridade para Saint-Germain-en-Laye,
onde estão pregando a missão e onde a Caridade está instalada desde domingo passado 3. Trata-
se de estimular essas bondosas senhoras. Que vos parece se enviardes Bárbara 4 para lá? Têm
motivo especial para desejá-la, por causa dos soldados que o Rei quer sejam assistidos.
Enquanto a corte estiver por lá, será necessário providenciar lá um quarto. Oh! como gostaria
que pudésseis ir! Mas qual! Nosso Senhor retira maior glória, para ele, permanecendo onde
estais. Voltemos a Bárbara. Será possível dar-lhe uma companheira, ou a enviaríeis sozinha? A
primeira hipótese é a melhor. Nesse caso, teríeis outra disponível para Saint-Jacques 5?
Não sei o que vos dizer da Irmã de Saint-Paul 6, senão que receio provoqueis
murmurações. O espírito de Margarida faz por vezes alguns rodeios. Escrevi ao Padre de la
Salle para me informar se esta Irmã poderá dar aulas de modo proveitoso. Em todo caso, é
apenas por algum tempo. Precisaremos dela em Richelieu.
A terceira coisa diz respeito a Maria, de Saint-Laurent 7. Seu pai me pede com muita
insistência para a readmitirmos. Estaríeis de acordo? Se assim for, madai-lhe dizer que venha
falar comigo.
Bom dia, Senhora. Sou v. s.

V. D.

Saúdo Madame Pelletier. A Madame senhora do Chaceler 8 trabalha para ela. Madame
de Chaumont9 é a superiora de Saint-Germain-en- Laye.

22
Sebastião Hardy, senhor de la Tabaize, antigo conselheiro do Rei e antigo recebedor dos impostos indiretos e dos
impostos dos plebeus da eleição de Mans, que deixou para a obra do Crianças Expostas, a 27 de janeiro de 1640, uma
renda de cinquenta libras turnenses (Arq. Nac. Y 180, fº 208 vº).
33
O Rei, a conselho de Richelieu, escolhera para pregar a missão, Nicolau Pavillon, que acabara de ser nomeado para
a diocese de Alet. O êxito foi considerável. Luís XIII foi por várias vezes ouvir o pregador. Damas da corte, damas de
honra da Rainha, até então assíduas frequentadoras das assembleias mundanas, não apareceram mais no meio dos
cortejadores. Foi fundada uma Confraria da Caridade. Deram a ela seus nomes. Foram vistas, modestamente vestidas,
visitando e servindo, em turnos de revezamento, os pobres e os doentes. Os senhores da corte, descontentes, tentaram
convencer o Rei de que a frequentação dos doentes por pessoas muito próximas da Rainha era um perigo para a
família real. O Rei se assustou. Mas a Rainha tomou a defesa de suas damas e donzelas de honra. Os senhores
procuraram então desclassificar Pavillon. Disseram a Luís XIII que o pregador o tinha comparado à besta do
apocalipse. Por sua vez, os mosqueteiros, sob a instigação dos cortesãos, foram queixar-se de que Pavillon os
aconselhara a se contentarem com seu pagamento, sem nada exigirem de seus hospedes. Pavillon teve de se defender.
Fê-lo num extenso relatório. E como o relatório não bastou, suplicou ao Rei ater-se ao julgamento da Sorbona, que
lhe deu ganho de causa (Estêvão Dejean, op. cit., p. 15, nota 2).
44
Bárbara Angiboust.
55
Saint-Jacques-de-la-Bourderie, paróquia de Paris. A Caridade só foi estabelecida mais tarde, em Saint-Jacques-du-
Haut-Pas.
66
Paróquia de Paris.
77
A paróquia onde se situava São Lázaro.
88
Madame Séguier.
99
Maria de Bailleul, dama de honra de Ana d’Áustria, esposa de Luís de Chaumont, senhor de Athieules, irmã de
Nicolau Bailleul.
304

291. ─ LUÍSA DE MARILLAC A SÃO VICENTE

[17 de janeiro de 16381].

Senhor Padre,

Nosso procurador da Caridade e as Irmãs estão hoje realizando maravilhas para a


festa do Santo Nome de Jesus. Eles mesmos desejaram que vos pedisse lhes providenciasse
uma exortação nas vésperas. Não serão celebradas antes das duas e meia da tarde. Gostariam
de ter o Padre de la Salle, mas se não for possível, aceitariam de bom grado um outro. Uno
minha prece à deles, a fim de que sejam motivados à perseverança.
Acredito que estais ciente de que nossa Irmã Bárbara 2 está aqui e que ela e eu, desde
há algum tempo, estamos passando muito bem. Seria ótimo que ela tivesse a honra de estar
convosco antes de partir. Não seria bom pensar em alguns móveis que lhe serão necessários?
Não vos preocupeis, por favor, com a nutriz dos pequenos, que ainda não estão aqui.
Com efeito, a que temos bastará suficientemente para o tempo que determinastes e até mais.
Sou, no amor de Jesus, senhor Padre, vossa muito humilde filha e grata serva,

L. de M.

Destinatário: Ao senhor Padre Vicente.

292. ─ À MADRE DA TRINDADE

Minha mui cara Madre,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


O senhor Padre du Coudray, um dos nossos missionários, vai encontrar-vos,
com o projeto do contrato da fundação do senhor Bispo de Troyes 1. O senhor
1
Carta 291. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Esta carta, escrita no dia do Santo Nome de Jesus, está no lugar entre as cartas 290 e 295.
22
Irmã Bárbara Angiboust.
1
Carta 292. ─ C. aut. ─ Original na Visitação de Troyes.
1
Renê de Breslay, Bispo de Troyes, tentara, desde 1621, com o auxílio de Adriano Bourdoise e às instâncias da
Madre da Trindade, fundar uma casa de missões em sua cidade episcopal. Em 1637, o prelado e a priora do Carmelo
se sentiram pressionados interiormente a retomar o projeto abandonado. Falaram a respeito com o Senhor de Sillery,
titular da comendadoria de Troyes, e foi decidido que se pediriam missionários a São Vicente. O acordo foi concluído
a 03 de outubro de 1637, no parlatório do Carmelo, onde estavam reunidos o Bispo de Troyes, São Vicente e a Madre
da Trindade. O novo estabelecimento deveria ser aberto a 17 de fevereiro de 1638, no mais tardar, e receber desde o
início, um grupo de seis padres e de dois Irmãos. O número dos padres poderia ser de apenas quatro até 1641, se
houvesse impossibilidade de arranjar mais. Os missionários tinham de evangelizar as localidades da diocese onde o
Bispo de Troyes julgasse conveniente enviá-los e, de cinco em cinco anos, as terras da comendadoria. O Prelado lhes
assegurava uma renda anual de 2.000 libras e o Comendador, a metade desta soma. Esse contrato exigia ser
completado. O senhor Comendador de Sillery doou para os padres da Missão, a 19 de janeiro, vários fundos e
propriedades dos quais ele se reservou o usufruto. Prometeu, além disso, entregar-lhes todos os anos cem libras. O
senhor Bispo de Breslay cumpriu seus compromissos, a 12 de março, doando à Missão uma casa de duzentas libras
de renda, situada em Paris, na avenida do subúrbio São Miguel, e uma soma de seiscentas libras, das quais entregou
de início só a renda. Ficou estipulado nesse novo tratado que os missionários deveriam preparar os ordinandos para as
ordens durante seis dias e receberiam em sua casa os párocos para os exercícios espirituais, um a um, e fora do tempo
consagrado aos ordinandos. Na data em que foi escrita a carta acima, o contrato de 12 de março se achava ainda
apenas em estado de projeto; é ele que São Vicente tem aqui em vista (Arq. Nac. MM 534; A. Prévost, São Vicente
de Paulo e suas obras na diocese de Troyes, Troyes, 1896, in-12).
305

Comendador2 achou conveniente agir desta maneira. É a obra de vossas mãos. Aprouve
a sua divina Majestade conceder-vos a graça para isso. Espero, minha querida Madre,
que vós no-la obtenhais para servi-lo de acordo com os seus desígnios. Ó minha querida
Madre, quantas belas pedras preciosas acrescentais à coroa que Nosso Senhor vos está
preparando. Na verdade, o número delas será tão grande quanto o das almas que serão
salvas por esse meio. Mas para que os pecados e as misérias desta pobre e humilde
Companhia e particularmente os meus não sejam um empecilho à obra de Nosso
Senhor, suplico-vos, minha cara Madre, lho peçais ou que nos tire do mundo, ou nos
torne aptos para lhe prestar os serviços que sua divina bondade espera de nós. Não vos
agradecerei por tudo isso. Somente Deus é digno de vo-lo fazer e de ser Ele mesmo
vosso agradecimento. Digo a mesma coisa à vossa santa comunidade, que rezou tanto e
fez tanta penitência para isso. Ofereço-vos, a vós e a vossa comunidade, meu perpétuo
reconhecimento por esta graça que nos fizestes, minha cara Madre, e uma eterna
submissão às vossas vontades, que são as do próprio Nosso Senhor, em cujo amor e no
de sua Santa Mãe sou, minha mui querida Madre, vosso muito humilde e obediente
servo,

Vicente de Paulo.

Paris, 22 de janeiro de 1638.

O Padre du Coudray tem ordem de fazer tudo que vós, minha cara Madre, lhe
ordenardes. Mandai portanto, minha cara Madre, e sereis obedecida.

Destinatário: Minha Reverenda Madre da Trindade, superiora do segundo


Mosteiro das Carmelitas de Troyes.

293. ─ A LAMBERT AUX COUTEAUX, PADRE DA MISSÃO, EM RICHELIEU

Senhor Padre,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Recebi vossa carta de 24 deste mês. Confortou-me muito por ser do agrado de
Deus que estejais passando bem, e que o Padre Perdu se recuperou de seus três acessos
de febre.
Fiquei muito satisfeito por ter sido esclarecido sobre a questão de Toul. Enviei
para lá o Padre du Coudray, com o poder de tratar do contencioso 1. O senhor Cônego
22
O Comendador de Sillery.
1
Carta 293. ─ C. aut. ─ Dossiê de Turim, original.
1
Para compreender “a questão de Toul”, importa remontar à origem do estabelecimento fundado nessa cidade. A
Ordem do Espírito Santo, à qual Néméric Barat, Almotacel-chefe de Toul, tinha, em 1238, confiado um asilo que
acabara de construir para órfãos e doentes, não era mais representado nessa cidade, em 1635, senão pelo mestre
Dominique Thouvignon e por dois religiosos. Dominique Thouvignon resignou seu benefício em favor do Bispo
Charles de Gournay, mediante uma pensão de duas mil libras. Este último o ofereceu aos padres da Missão, e Jean
Dehorgny tornou-se titular dele por ato real de maio de 1635. Lambert aux Couteaux e Colée foram colocados lá e
306

Midot2 apoia muito nossos interesses. Deseja que o Padre Colée preste conta ao Cabido;
uma vez esclarecido que não há abuso de nossa parte, espera atrair o Cabido a nosso
favor e vir ele próprio a essa cidade, no interesse de sua diocese. O senhor Presidente
Faberolle, que usa de caridade conosco, suavizou a rigidez da perseguição. Se não
tivesse sido constrangido a voltar atrás, teria podido remediar esse negócio, o qual eu
abandonaria de boa vontade, se não fosse a obrigação que temos de justificar que nos
censuram sem razão de ter usado mal do benefício. É o ponto de vista do Senhor Cordes
e do Senhor de Sainte-Marthe. Solicitamos a evocação 3, segundo o desejo do referido
Senhor Midot. Disseram-me há pouco que o senhor Chanceler4 recusou-se a apor o selo
nas cartas. Benedictus Deus!
Folguei muito em conhecer a descrição desse pequeno priorado. O senhor
Cônego des Roches5 me disse que ele no-lo queria doar; mas isso ainda não aconteceu.
Dar-me-eis prazer de me informar se vos chegou a notícia de outras partes. Bendito seja
Deus pelo que dizeis que ele pode pagar as despesas do pão e do vinho da casa!
Gostaria também de saber se os coches de Loudun estão a 5.000 libras; a
fundação entrega apenas 4.500. Com certeza, eles se valorizaram depois.
Empenhar-me-ei pelo edifício6. Mas gostaria de saber se a falha está nos
materiais ou na obra, ou se sois vós que o desejais mais alto. Uma palavra sobre isso,
por favor.
Esta grande paróquia me atemoriza7. In nomine Domini!
Louvo a Deus pela missão que pregais aos prisioneiros, que me causam grande
compaixão. Tende, porém, cuidado, por favor, de não ir em jejum.
Quanto ao colégio que os moradores desejam, ipsi viderint8 (eles que o vejam).
Mas quanto ao sobrinho deste bom Cônego, ó Jesus! Senhor Padre, recebei-o.
Esqueci-me dar a permissão para adquirir a máquina de fazer hóstias.
Falemos agora daqueles que devem partir para ficar convosco. Enviamo-vos três
daqui e os Padres Codoing e Durot, que partirão do Delfinado onde eles se encontram.
desempenharam as funções de seu Estado: missões, conferências eclesiásticas, retiros. A 16 de junho, por convenção
amigável, os dois Irmãos do Espírito Santo cederam a Jean Dehorgny todos os seus direitos sobre a casa e o hospital,
mediante uma pensão de seiscentas libras e certas vantagens. O hospital subtraía aos missionários grande parte de um
tempo que teriam desejado consagrar às missões. A seu pedido, ficou estabelecido, a 17 de março de 1637, que o
bispo, o lugar-tenente do Rei e o almotacel-chefe, o administrariam por dois delegados de sua escolha, e que seria
transferida para a Missão a terceira parte dos móveis e imóveis administrados, antes de 1635, pelos Irmãos do
Espírito Santo. A partilha deu ocasião a numerosas contestações durante quatro ou cinco anos (História das dioceses
de Toul, de Nancy e de Saint-Dié, por Eugênio Martin, Nancy, 1900-1903, 3 vol., in-8, t. II, p. 208 e seg.). Em
dezembro de 1657, o Rei retirou a comendadoria do Espírito Santo de Toul e a uniu à Congregação da Missão.
22
Jean Midot, doutor em teologia, conselheiro no Parlamento de Metz, arcediago-mor, cônego e vigário geral de
Toul, era muito considerado na corte de Roma e na de Lorena. Depois da morte de Charles de Gournay, governou a
diocese na qualidade de vigário capitular. Segundo o testemunho de Collet ( op. cit., t. I, p. 291, nota), sua família
conservava no século XVIII várias cartas que São Vicente lhe havia dirigido. Só uma nos é conhecida. Jean Midot é o
autor dos Relatórios sobre os bispos de Toul que ficaram manuscritos.
33
Cedência do tribunal local e transferência do conhecimento do processo para o Parlamento de Paris.
44
Pierre Séguier.
55
Michel le Masle, prior des Roches, perto de Fontevrault, secretário do Cardeal Richelieu, cônego de chantre de
Notre Dame de Paris. Esta última qualidade o tornava concedente, juiz e diretor das escolas infantis de Paris.
66
O Cardeal Richelieu se tinha comprometido, por uma das cláusulas do contrato, a mandar construir um edifício
para os missionários e os ordinandos ou retirantes que deveriam hospedar.
77
A paróquia de Richelieu. Ela ainda não tinha sido erigida. O Cardeal prometera anexá-la à Missão.
88
O Cardeal projetava favorecer sua cidade de Richelieu com um magnífico colégio. Expôs suas ideias a Luís XIII,
que lhe autorizou a fundação por duas declarações, a de 20 de maio e a de 11 de setembro de 1640 (Bosseboeuf, op.
cit., p. 321 e seg.).
307

Espero que os tereis convosco dentro de dez dias. Nosso Senhor abençoou muito o
trabalho deles naquela região. Os daqui são os Padres Buissot9, Benôit1010 e
Gourrant1111. Podeis reter convosco, em Richelieu, os Padres Buissot ou Benôit e o
Padre Gourrant e enviar um dos outros para a missão de Luçon. Julgo ser conveniente
que empregueis os Padres Codoing e Durot no ducado de Richelieu.
O Padre Gourrant canta bem, o Padre Benôit e o Padre Buissot sabem entoar os
Salmos. O Padre Benôit ministra catecismo com proveito. Todo mundo concorda em
que o fruto produzido na missão se deve ao catecismo; e uma pessoa de condição, se
referindo a isso ultimamente, acrescentou que os missionários se esmeravam todos em
pregar bem, e que não sabiam dar catecismo. Disse-o em minha presença e na de uma
respeitada comunidade. Em nome de Deus, senhor Padre, adverti disto a comunidade
daí. Meu pensamento é que os que vão trabalhar devem ministrar, um, o grande, e o
outro, o pequeno catecismo somente, e falar duas vezes por dia. E poderiam acrescentar
ao catecismo histórias edificantes; com efeito, como eu disse, observa-se que todo fruto
vem daí.
Fizemos aqui algumas conferências sobre a maneira de agir no ensino de
verdades controvertidas; e me parece que esses padres têm razoável domínio do assunto,
ao menos os três primeiros. Aprenderam também o método do Padre Véron. Peço-vos,
senhor Padre, trocarem ideia juntos todos os dias sobre o método e dizer ao Padre Perdu
que lhe rogo refrescar a memória sobre isso, de tal maneira que, ao partirem para
Richelieu, saibam como se devem ensinar essas verdades de modo humilde e familiar.
Lembrem-se de que não estão indo para lá por causa dos hereges, mas em favor dos
pobres católicos. Contudo, se se apresentar de passagem alguma ocasião de instruir
algum deles, que o façam com mansidão e humildade, mostrando-lhes que, o que lhes
dizem procede de entranhas de compaixão e de caridade, e não de indignação. Não lhes
poderia propor melhor exemplo do que o vosso e o do Padre Soufliers. Uma pessoa
desses lugares me disse que vós vos comportáveis justamente como convinha,
instruindo os católicos e os huguenotes e para edificá-los, a uns e outros. Peço-vos,
senhor Padre, dizer-lhes isto e sobretudo que jamais provoquem algum desafio aos
ministros protestantes, nem a pessoa alguma, seja qual for a ocasião.
Esses padres partirão amanhã pelo coche de Poitiers, como penso, pois ele se
compromete a levá-los até quatro léguas de Richelieu. Entreguei portanto a presente
carta ao mensageiro de Champigny, para que sejais avisado de sua partida e
providencieis sua hospedagem.
Dizeis-me que vos faltam móveis. Enviar-vos-ei uma carta de crédito para retirar
até mil libras em Tours, onde podereis comprar os móveis de que precisais.
Se notardes que querem vos impor algo fora de nossas bulas, peça ao senhor
Bispo de Chartres1212 aceitar que mo comuniqueis se não puderdes remediar isso de
99
Nicolau Buissot, nascido em Allainville (Seine-et-Oise), recebido na Congregação da Missão em 1630, ordenado
padre em 1632.
1010
Benoît Bécu, nascido em Braches (Somme) a 21 de março de 1602, ordenado padre em 1627, recebido na
Congregação da Missão a 14 de maio de 1637. Ele foi fundar, em 1639, o estabelecimento de La Rose e voltou
alguns meses depois para Richelieu, onde ainda estava em 1646.
1111
Este nome não se encontra no catálogo de pessoal. É provável que o Padre Gourrant tenha ficado pouco tempo na
Congregação da Missão.
1212
Léonor d’Estampes de Valençay, Bispo de Chartres de 1620 a 1641, transferido depois para Reims.
308

imediato. Se depois de tudo não houver outro meio, sit nomen Domini benedictum!
(Bendito seja o nome do Senhor!).
Sou, no amor de Nosso Senhor, vosso e do Padre Perdu, que eu abraço, muito
humilde servo,

Vicente de Paulo.

São Lázaro, 30 de janeiro de 1638.

Deus abençoa muito a missão que se faz presentemente em Saint-Germain-(en-


Laye), onde está a corte.

Embaixo da primeira página: Padre Lambert.

294. ─ A ANTÔNIO LUCAS

Senhor Padre,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Fizestes bem, senhor Padre, ao não receber as ofertas do senhor Visconde de
Soudé , e fareis bem em não escutar jamais a proposta no sentido de que assumam nossa
1

alimentação: é uma regra fundamental de nosso pequeno Instituto. Eia pois, suponho
que terminastes o trabalho antes da recepção da presente carta e que ireis fazer depois as
visitas que me dissestes que desejaríeis fazer nos lugares onde estivestes. Mas feito isto,
senhor Padre, suplico-vos descansar em Montmirail até recobrar vossas forças para
reiniciar o trabalho nas aldeias que dependem de Montmirail e da diocese de Troyes.
Veremos depois se o senhor Bispo de Soissons 2 concordará em que trabalhemos nas de
sua diocese. Não vejo meios de pregar a Quaresma na cidade, porque ele não quis
conceder-nos a estação3.
Que vos direi deste bom, mas lamentável rapaz, senão que me afligi por ser ele
tão esquecido a ponto de deixar de vos informar sobre as palavras que o Padre du
Chesne4 me diz que ele vos transmitiu e que vossa piedade vos levou a calar? Vamos
pois, não vejo outro remédio senão mandá-lo de volta para nós. Mas como vos
arranjareis sem o moço? Encontrareis algum outro em Montmirail ou na Champanha,

1
Carta 294. ─ C. aut. ─ Dossiê de Turim, original.
1
Desbordes, Auditor de contas. São Vicente dizia dele certo dia: “Esse homem ama a Deus mais do que vo-lo poderia
dizer, mas com um amor sensível; além disso, é um homem que tem uma graça admirável para conciliar as
desavenças”.
22
Simão Le Gras (1624-1656).
33
Cada uma das quatorze pausas na Via-Sacra, ou a série de pregações nessa ocasião.
44
Pierre du Chesne pertencia à Congregação da Missão, havia apenas alguns meses. Foi um dos melhores
missionários de São Vicente, o qual lhe confiou a direção das casas de Crécy (1641-1644), dos Bons-Enfants (1644),
da Missão da Irlanda e da Escócia (1646-1648), de Marselha (1653-1654) e de Agde (1654) e o chamou para as duas
Assembleias Gerais convocadas para São Lázaro, durante a sua vida. Pierre du Chesne morreu em Agde a 03 de
novembro de 1654.
309

mediante pagamento? Suplico-vos, senhor Padre, contratar um, se o encontrardes. Se


não, trataremos de vos enviar um daqui.
Vou escrever, se me for possível, ao Padre du Chesne. Mas acabam de me tirar
esta possibilidade. Dir-lhe-eis, em todo o caso, que fiquei muito satisfeito com sua carta
e que não deixarei de escrever-lhe na primeira ocasião.
A missão de Saint-Germain-en-Laye, onde está a corte, está caminhando, e Deus
lhe concede muita bênção. Acabo de ver o que o Padre de la Salle 5 escreve ao Padre
Dehorgny, no sentido de dizer no Seminário 6 que, sem este socorro, vários milhares de
almas teriam perecido.
Peço-vos rezar e mandar rezar pela gravidez da Rainha.
Sou, no amor de Nosso Senhor, senhor Padre, vosso muito humilde servo,

Vicente de Paulo.

Paris, 30 de janeiro de 1638.

Destinatário: Ao senhor Padre Lucas, padre da Missão, presente em Soudé ou


em Mesnil ou em Bergues7.

295. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Fevereiro de 16381].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Envio-vos uma carta da Madre Arbiste. O Padre de la Salle me comunicou a
chegada de vossas filhas2 e que ele as apresentaria ontem às irmãs da Caridade 3.
Madame Chaumont lhe diz que ela lhes daria um escudo para a alimentação inicial.
Disse-lhe que não era necessário, que isso seria providenciado de outra maneira. Dizei-
me em uma palavra o vosso parecer, por favor.
A senhora Hardy está sempre urgindo comigo para reunir as damas que se
comprometeram a contribuir com ela. Se não o fizer, contristá-la-ei muito; se o fizer,
estaria indo contra a minha opinião. Duvido que isso possa ter êxito sendo as coisas

55
Jean de la Salle pertencia ao número dos missionários empregados em Saint-Germain.
66
No Seminário Interno de São Lázaro. São Vicente o tinha inaugurado em junho de 1637 e lhe tinha confiado a
direção a Jean de la Salle, que o Padre Dehorgny substituía provisoriamente. Os padres da Missão chamam de
Seminário Interno o que os religiosos chamam de noviciado.
77
Localidade de Aisne.
1
Carta 295. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Esta carta foi escrita no momento da chegada das Filhas da Caridade a Saint-Germain-en-Laye, poucos dias depois
da carta 290.
22
Bárbara Angiboust e uma companheira.
33
Às damas da Caridade de Saint-Germain-en-Laye, da qual Madame de Chaumont era presidente.
310

como são; com efeito, ela entende que as damas devam ir à casa das crianças expostas4 4
e que tudo se faça lá dentro, segundo a ordem estabelecida; meu pensamento é que seria
melhor renunciar aos fundos dessa casa estabelecida do que se sujeitar a tantas contas a
prestar e a tantas dificuldades a transpor, e fazer um novo estabelecimento, deixando
aquele como está pelo menos por algum tempo. Que vos parece? Se eu pensasse que ela
quisesse concordar com o experimento que propondes de uma nutriz e de alguma cabra
em vossa casa, seria suficiente!
O negócio de vossa caridade5 me fala ao coração e, por vezes, tenho muito
remorso por não trabalhar nele; mas isso me é impossível. A questão do Templo
consome todo o meu tempo e permanecerei ainda alguns dias atarefado nela 6. Quando
considero isso, penso que a Providência não o permite em vão. Nada vejo mais comum
do que o mau êxito das coisas precipitadas. Poderíeis crer que já aconteceu acidente
neste estabelecimento das filhas de Montmorency7, as quais já tinham obtido a
permissão da clausura, têm uma casa, uma capela e tudo mais; e no entanto, andam
pensando que é necessário chamar religiosas para o lugar delas; e se dependesse de
mim, eu o faria. Tudo isso seja dito ao vosso coração somente e não mais a quem quer
que seja.
O bom senhor pároco de La Chapelle 8 deve vir jantar aqui hoje com seu irmão
para se informar sobre o que é preciso fazer com sua indisposição. Com efeito, seu
irmão se encontra naquele estado que temíeis. Ó meu Deus, o que será de nós!
Madame Goussault estava anteontem com uma febre que se temia fosse
contínua. Cuidai de vossa saúde, suplico-vos.
Sou v. s.

V. D.
44
Dormitório (La Couche).
55
O estabelecimento da Caridade em La Chapelle.
66
O estabelecimento de um seminário na casa do Templo, em Paris. “Esse bom projeto, escreve Abelly, (op. cit., cap.
XXXII, 1ª ed., p. 151), não obteve todo o efeito esperado, embora tenham suplicado ao Padre Vicente para se aplicar
a ele, e em vista disso, fora ficar algumas vezes no Templo. O motivo foi que, não obtendo a liberdade de agir a seu
modo, não pôde ter o êxito que ele teria desejado”. “Um dos primeiros e mais fortes pensamentos” do Comendador
de Sillery foi, ele próprio escreve (Vida do ilustre servo de Deus Noël Brulart de Sillery, p. 109), “de trabalhar para a
salvação das almas, tanto pelo estabelecimento de seminários, quanto pelas visitas cuidadosas das paróquias, igrejas e
povos situados no território do grande priorado de França, confiado à jurisdição e conduta” do Templo. Consultou
para este fim os Padres Gibieux e de Condren, do Oratório, o Padre Binet, jesuíta, a Revma. Madre da Trindade e
sobretudo, deixemos-lhe a palavra, “um grande servo de Deus no qual Nosso Senhor me deu, em seu amor, total
confiança, e que, pela grande estima e reverência que ele tem desde longo tempo em sua alma pela profissão expressa
e principal de nossa Ordem de expor sua vida pela defesa e propagação da fé, tem uma singular devoção para com
tudo o que concerne ao bem e ao serviço de nossa religião. Este santo personagem, com seus sábios conselhos, me
tem estimulado, exortado e confortado, contínua e fortemente, para considerar em profundidade, para a glória de
Deus, a utilidade que várias pessoas receberão por este ministério”. Esse santo personagem, é fácil adivinhar, era o
diretor do Comendador, Vicente de Paulo. O prior-mor de França deu ao Comendador de Sillery os poderes de
Vigário Geral, para que pudesse com mais liberdade conduzir a bom termo seu empreendimento. Mas o Comendador
não tinha o espírito contemporizador de São Vicente; ele não sabia, tanto quanto necessário, tirar proveito das lições
da experiência. Surgiram oposições em sua própria Ordem, e teve de abandonar tudo. Uma de suas cartas ao Grão-
Mestre, datada de 22 de junho de 1638, mostra com que generosidade e heroica resignação ele aceitou esta penosa
prova (Ibidem, pp. 107-122).
77
Hoje, centro administrativo de cantão, em Seine-et-Oise. Tinham fundado neste lugar, em 1636, um
estabelecimento para recolher e educar as moças nascidas de união ilegítima. A Companhia do Santíssimo
Sacramento se interessava por esta obra. Tomara sob sua responsabilidade a pensão de uma diretora e recebera, em
troca de suas liberalidades, o direito de enviar para lá doze moçinhas por ano (Renê de Voyer d’Argenson, op. cit., p.
69).
88
Jean Paradis, falecido em maio de 1646.
311

Estão me coagindo fortemente pela precipitação do negócio do Templo, do qual


estou temendo a derrocada próxima. Digo e repito, e contudo andam passando por cima.
A humildade me obriga a adiar, e a razão me faz temer. In nomine Domini!

296. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

São Lázaro, manhã de terça-feira [16381].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Estou vos devolvendo os documentos2, e vós os remetereis o mais cedo possível,
por favor, e fareis de tal sorte que vos entreguem uma cópia assinada deles.
Se não tivésseis as chaves, mandaríeis pegá-las aqui.
Madame Pelletier acaba de me falar de seus móveis; gostaria que os colocassem
em outro pequeno quarto. Não fala de colocá-los em outra parte. Disse-lhe que
conversaríamos sobre isso e que é preciso tender para colocar todas as coisas em
comum e deixar as particularidades. Ora, esta linguagem se lhe assemelha um pouco
nova.
Essa senhora de Mans me parece doente. Apresentou muitas condições e fez
muitas imposições.
É preciso pensar um pouco num meio de ensinar às moças como dar aulas. Esta
agora está dizendo que já deu aulas nessa cidade e em outros lugares. Vede se é bom
experimentá-la.
Bom dia, senhora, sou v. s.

V. D.

297. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[16381].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!

1
Carta 296. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
A frase “É preciso pensar um pouco num meio de ensinar às moças como dar aulas” nos permite conjecturar que
esta carta precedeu de muito perto a carta 297, onde encontramos a solução proposta por Luísa de Marillac.
22
Provavelmente documentos relativos ao estabelecimento do Crianças Expostas.
1
Carta 297. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Esta carta data dos primeiros inícios da obra do Crianças Expostas.
312

Bendito seja Deus, porque vossa indisposição não é grande! Peço-vos fazer o
possível para vos manter em boa saúde.
Espero ir sábado a La Chapelle.
Discutimos vosso relatório sobre as Crianças Abandonadas, em duas
Assembleias, com as oficiais da Caridade do Hospital Geral. Domingo próximo
comunicaremos a decisão, que redigirei à maneira de regras, a Madame Pelletier, para
ver se ela aceita submeter-se a ele. Será na casa de Madame Goussault, em presença das
oficiais. Toda a Confraria das Damas julga necessário que aquela casa dependa da
superiora das Filhas da Caridade, como vos escrevi, e que possais passar lá sete ou oito
dias, se vossa saúde o permitir.
As Damas vão hoje ao Hospital Geral. Peço-vos oferecer suas pessoas e seus
trabalhos à divina Majestade.
Não espero grande coisa desse modo de as Ursulinas se comunicarem com
vossas filhas2. Enviar-lhas-eis, contudo, se vos aprouver.
Penso que é melhor manter junto de vós esta filha, durante algum tempo, e de
levá-la, com a de Nogent, a Madame Goussault. Não é preciso enviar-lhe a de Saint-
Marceau3, pois já está em exercício.
Desejo-vos um bom dia e sou, no amor de Nosso Senhor, v. s.

V. de Paulo.

Destinatário: À senhora Le Gras.

298. ─ LUÍSA DE MARILLAC A SÃO VICENTE

[16381].

Depois de ter falado das manobras às quais se entregava Madame Pelletier junto às
autoridades eclesiásticas e judiciais, para afastar São Vicente e as Damas da Caridade da
administração do Crianças Expostas, com a intenção de permanecer como única diretora, Luísa
de Marillac acrescenta: “Tenho a confiança de que o bom Deus saberá tirar algum proveito
para sua glória desse lamentável impasse. Eu Lho suplico com todo o meu coração, como
também que vos conceda saúde para enfrentar esse problema. Espero de vossa bondade que
nos torneis participantes do mérito de vossos sofrimentos e santos sacrifícios, pois conheceis
nossas carências”.

299. ─ A ROBERT DE SERGIS


22
Ver carta 296.
33
Bairro de Paris.
1
Carta 298. ─ Monsenhor Baunard, op. cit., p. 306.
1
Parece que esta carta deve ser aproximada da carta 297.
313

[Cerca de 21 de fevereiro de 16381].

Senhor Padre,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Recebi uma consolação inexprimível pela bênção que foi do agrado de Nosso
Senhor conceder a vossa missão de Montpezat 2; mas confesso-vos que fiquei e ainda
estou bastante preocupado com esse longo e excessivo trabalho de três meses e temo
muitíssimo que, se não tomardes um bom repouso, venhais a sucumbir, assim como o
Padre Brunet. Em nome de Deus, senhor Padre, descansai e procurai tratamento para
vossa dor nos olhos e na garganta. Seria bom fazê-lo em Aiguillon ou Agen, se ainda
não o fizestes, pois receio que logo ao chegar a Tolosa vos sobrecarreguem de trabalho.
Gostaria muito de dizer para não voltar para lá, mas que diríamos ao senhor Arcebispo 3,
ao qual escrevi que o iríeis encontrar imediatamente após a missão de Montpezat.
Somos responsáveis, por outro lado, por uma missão que o senhor de la
Marguerie4 fundou em Angoumois, de cinco em cinco anos, que vai cair na Páscoa. Se
vosso pequeno incômodo não vos impedir de ir a Tolosa, peço-vos dizer ao referido
senhor Arcebispo que lhe peço humildemente perdão por não estarmos ainda em
condição de lhe prestarmos serviços de modo mais constante, constrangidos que somos
a vos pedir que o faça apenas em certas ocasiões como esta, depois da Páscoa. Nesse
tempo, suplicar-lhe-eis vos permita ir pregar a citada missão em Marguerie 5 e em duas
ou três outras pequenas aldeias anexas. Devereis, para isso, descer até Bordéus pelo rio
Garona e de lá chegar até Bourg6, entre Bordéus e Blaye. De lá, deveis ir para
Barbezieux, a dois dias de viagem, e para Marguerie, a duas ou três léguas. Mas é
preciso chegar até Angoulême, para obter a permissão do Vigário Geral, na ausência do
senhor Bispo7, que se encontra junto da Rainha da Inglaterra. Foi ele que me pediu para
mandar trabalhar em sua diocese, às instâncias do seu Vigário Geral. A este último
direis que fico muito penalizado por não podermos trabalhar, no presente, senão nessas
aldeias, testemunhando-lhe muita gratidão pelos favores que lhe devemos.
Estou tão contente com tudo o que me comunicais que não pude deixar de vo-lo
dizer novamente agora. Enviei a carta que me escreveis a Madame Duquesa
d’Aiguillon. Peço-vos escrever-lhe mais detalhadamente. Envio-vos aberta a carta que
escrevi ao senhor Arcebispo de Tolosa. Se vossa indisposição vos reteve em Aiguillon,

1
Cartas 299. ─ C. aut. ─ O original pertence à Madame General de Derrécagaix, 5, rua du Regard, Paris.
1
Cf. carta 307.
22
Comuna de Lot-et-Garonne, distrito de Agen.
33
Charles de Montchal (1628-1651).
44
Elie Laisné, senhor de Marguerie e de Dourville, conselheiro ordinário de Estado. Dera a São Vicente, a 31 de
outubro de 1633, duzentas libras de renda a ser percebida da Câmara Municipal “com a condição de enviar de cinco
em cinco anos três padres e um irmão para pregar missões durante quatro meses, incluindo ida e volta, na diocese de
Angoulême” (Arq. Nac. M 211, maço 1). Recebeu as ordens sacras depois de perder a mulher e morreu a 03 de
outubro de 1656.
55
Localidade de Charente-Inférieure.
66
Hoje centro administrativo do cantão do distrito de Blaye.
77
Jacques du Perron (1637-1646).
314

enviar-lha-eis. Se porventura a receberdes em Tolosa, fazei o obséquio de lacrá-la e


entregar-lha.
Escrevi ao senhor Mestre para acompanhar algumas cartas que lhe escrevem de
sua terra. Peço-vos mandar entregar-lhas por algum meio seguro. É seu velho pai que
lhe escreve. Procurarei fazer o mesmo para com o senhor Padre Hopille.
Sou, entretanto, no amor de Nosso Senhor, vosso muito humilde e obediente
servo,

Vicente de Paulo.

Destinatário: Ao senhor Padre de Sergis, padre da Missão, atualmente presente


em Aiguillon ou em Tolosa.

300. ─ LUÍSA DE MARILLAC A SÃO VICENTE

[Fevereiro de 16381].

Senhor Padre,

A Irmã Turgis está preocupadíssima porque o sargento da Companhia do


Senhor de Castillon foi dizer-lhe que mandará soldados para se alojarem, tanto na
parte dianteira do edifício, como na que está ocupada pelas crianças. Farão barulho.
Se estiverdes de acordo, ela poderia, voltando para lá, negar-se a recebê-los,
apoiando-se na senhora Duquesa de Aiguillon ou na Madame senhora do Chanceler,
até que vossa caridade obtenha tal proibição da Rainha. Se julgardes melhor outra
medida, tende a bondade de ma comunicar pelo portador da presente.
Sou, senhor Padre, vossa muito humilde e agradecida filha e serva,

L. de Marillac.

Quinta-feira.

Destinatário: Ao senhor Padre Vicente.

301. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

1
Carta 300. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
É claro que as cartas 300, 301, 302, 303 e 304 se relacionam. A carta 303 mostra que era inverno. Por outro lado, a
mudança da casa para as crianças expostas aconteceu no início de 1638.
315

[Fevereiro de 16381].

Senhora,

Acabo de escrever a Madame Chanceler e lhe envio vossa carta e uma requisição
que redigi em nome das Damas da Caridade do Hospital Geral, ao Senhor Chanceler 2,
comunicando-lhe que elas alugaram uma casa para alojar as Filhas da Caridade e as
crianças expostas. Disse-lhe que os moradores vos enviaram os gendarmes 3, e que eles
não podem permanecer em vossa casa, onde não residem homens, sem perigo para a
integridade das moças e sem escândalo. Considerando isso, pedi-lhe tenha a bondade de
proibir aos moradores de enviar os referidos soldados para vossa casa e aos soldados de
se dirigirem para lá. Roguei a Madame apresente vossa carta ao Senhor Chanceler. E
como as coisas não andam tão depressa de modo a resolver tudo hoje, será bom mandeis
procurar ao senhor vosso Pároco, pedindo-lhe se empenhe junto dos habitantes no
sentido de providenciar um outro alojamento para esses gendarmes. Poderia ele também
dirigir-se diretamente aos referidos gendarmes para que procurem alojamento em outra
parte, mediante a importância de mais ou menos meio escudo. Vou estar entretanto com
Madame Gousault para que ela envie o senhor Grandnom4, a fim de apressar a coisa.
O senhor vosso filho está indo bem. Enviaste-lhe o atestado? Ele me disse que
teme a excelência do sacerdócio, e isto é bom.
Acertai logo a questão com os soldados, por favor, com a intermediação do
senhor Pároco.
Bom dia, Senhora. Sou...

302. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Fevereiro de 16381].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Não vejo Jaqueline desde que ela me disse, há quatro dias, que ela a levaria até
vós e desde que lhe prometi falar convosco sobre ela2.

1
Carta 301. ─ C. aut. ─ O original está exposto numa das salas da Sociedade de São Vicente de Paulo, em Paris, rua
Furstenberg, 6.
1
Esta carta responde à carta 300.
22
Pierre Séguier.
33
Gendarmes, homens de armas ou soldados.
44
Remi de Grandnom, intendente de Madame Goussault.
1
Carta 302. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Ver carta 300, nota 1.
22
Jaqueline desejava apresentar a Luísa de Marillac uma de suas sobrinhas, que se sentia chamada à vocação de Filha
da Caridade.
316

Ficarei prevenido a respeito desse vigário de Nanterre e agora pároco 3, a respeito


da irmã.
Hoje tratarei de estar com Madame Duquesa d’Aiguillon para a questão dos
vossos soldados. Madame Chanceler não pôde fazer nada. Será preciso falar desse
alojamento a Madame Goussault. Seria de se desejar que fosseis a uma outra paróquia
diferente dessa, por várias razões.
Um caminho não exclui outro. Vereis se é possível fazer alguma coisa por meio
desse soldado em que pensais, junto ao seu capitão, e por ele, junto ao senhor de
Castelnau4.
Bom dia, Senhora. Sou v. s.

V. D.

Destinatário: À Senhora Le Gras.

303. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Fevereiro de 16381].

Amanhã pela manhã enviar-vos-ei o Padre Soufliers ou o Padre Bécu para a


exortação à confissão.
Li vosso escrito2 e vou entregá-lo a Madame Goussault, ou enviar-lho.
A advertência no sentido de não gracejar a respeito dessas pequenas criaturas 3
me parece muito acertada.
Estive ontem com a Madame Duquesa de Aiguillon. Ela me disse que
encarregara a quem a conduz de ir encontrar o senhor Castelnau. Encarreguei as Filhas
da Caridade4 de insistir com o senhor Capelão. Faltando isso, é melhor se entender com
o furriel5. Se não enviardes alguém ao senhor de Veines, não sei quem encaminhar-vos
para isso. Espero receber hoje notícia da Madame Duquesa, ou amanhã encaminhar-
vos-ei alguém para estar com o senhor Veines.
Penso na verdade que vos será bom ir passar alguns dias nesta casa das crianças
expostas e que as Irmãs venham uma vez ao mês a La Chapelle. Praza a Deus propiciar-
me tempo para estar lá!

33
Paul Beurrier.
44
Provavelmente Luís Francisco de Gourdon-Genouillac, Marquês de Castelnau, Capitão da companhia escocesa; ou
Jacques Castelnau, falecido em 1658 como Marechal de França.
1
Carta 303. ─ C. aut. ─ Original em Amiens na casa das Filhas da Caridade da rua de Beauvais, 127.
1
Ver carta 300, nota 1.
22
Talvez um relatório concernente ao estabelecimento do Crianças Expostas.
33
As crianças expostas.
44
Do estabelecimento do Crianças Expostas.
55
Militar de certa categoria (Nota do Tradutor).
317

Maria, de São Sulpício, tem dois fardos de lençol. A casa é totalmente nova e as
janelas não fecham bem. Passado o inverno, é preciso elaborar uma regra. Nós outros
ainda não a temos.
Bom dia, Senhora. Sou v. s.

V. D.

304. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Fevereiro de 16381].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Eis aí não pouca tarefa para vós a respeito da mudança das crianças expostas e
da ordem que é preciso manter no novo estabelecimento. Peço-vos, Senhora, trabalhar
nisso amanhã e me comunicar sábado o que tiverdes feito. Falei com Madame Pelletier
que desejam que ela dependa de vós nesse procedimento. Ela me pede que a instrua em
que deve depender das oficiais e, em quais casos, de vós. Parece-me que, quando se
tratar de coisas meramente temporais, deve depender dessas senhoras; mas nas
espirituais, como na direção das filhas, das nutrizes, das crianças salvas e já crescidas,
recorra a vós. Nesse caso, de tempos a tempos, como todas as semanas ou, ao menos, de
quinze em quinze dias, dareis orientações sobre o que se deve fazer.
Jaqueline veio aqui esta manhã sem me indagar nada sobre sua sobrinha.
Solicitou-me simplesmente vos peça a resposta a vossa carta de anteontem. Disse-lhe
que já o fiz desde ontem.
Escrevi ao senhor Capelão2 da Madame Duquesa3 a respeito de vossos
gendarmes. Disse-me que falaria disso com a Madame e me daria a resposta; mas como
nada é certo, quando se trata dos grandes, disseram-me que, em último caso, seria
necessário alugar um quarto e um beliche para eles. Procurarei ir até lá amanhã ou
depois, no caso de não ter resposta amanhã de manhã. Sou, entretanto, no amor de
Nosso Senhor, vosso muito humilde servo,

Vicente de Paulo.

Tarde de quinta-feira.

Vereis, pela carta inclusa a Madame Goussault, seu desejo no tocante ao que vos
escrevo.

1
Carta 304. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Cairdade, original.
1
Ver carta 300, nota 1.
22
Dauzenat.
33
A Duquesa de Aiguillon.
318

Destinatário:À senhora Le Gras.

305. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[18 de fevereiro de 16381].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Não arranjastes nutrizes nos campos; por isso penso que, por enquanto, fareis
bem em ficar com a que vos oferecem do Hospital Geral e que é muito boa.
Parece-me na verdade que precisais de um alojamento mais cômodo e que as
Damas fariam bem em procurar um outro ou providenciar aquele de que me falastes.
É-me impossível ir hoje aos Bons-Enfants. Espero ir amanhã após o almoço e de
lá ir estar convosco. Será difícil falar convosco no colégio, no meio de tanta gente. Vê-
lo-ei. Se for o caso, mandarei dizer-vos.
Bom dia, Senhora. Sou, no amor de Nosso Senhor, Senhora, vosso muito
humilde servo,

V. de Paulo.

Quarta-feira de Cinzas.

306. ─ A LAMBERT AUX COUTEAUX

Paris, 20 de fevereiro de 1638.

Senhor Padre,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Li e reli vossa carta do dia 9 deste mês com uma singular consolação, um pouco
moderada pela pequena indisposição do Padre Perdu, que eu não vos recomendo, pois
que estou inteiramente certo de que dele tendes todo o cuidado possível. Mas, de vossa
saúde, quem o terá? Rogo a Nosso Senhor seja ele mesmo.

1
Carta 305. ─ C. aut. ─ Dossiê da Missão, original.
1
Esta carta é do início da obra do Crianças Expostas, isto é, do ano de 1638 e, por conseguinte, de 18 de fevereiro,
pois que está datada como de Quarta-feira de Cinzas. A carta 302 mostra que nesta data Luísa de Marillac procurava
um alojamento para as crianças expostas.
319

Enviei para Toul a carta que escreveis ao Padre Dehorgny. Este negócio anda
um pouco devagar. Estamos trocando algumas ideias com o senhor Fleury, o sobrinho,
doutor da Sorbona1.
Estou muito contente com o que me dizeis desse pequeno priorado do Padre des
Roches-Chamian, das duas granjas e das duas casas. Já que a Providência permitiu
encontrar lá dentro esse bom eclesiástico, será preciso dar-lhe tempo ao tempo, mandar
fazer as vinhas e reparar a parte do muro que caiu.
Estou muito desconfiado de que os cartórios de Loudun são muito caros. Bendito
seja Deus!
Folgaria muito em estar com este arquiteto de Pontoise e com o pedreiro das
construções.
Fizestes bem em apresentar ao senhor Bispo de Chartres 2 uma lista de móveis e
fareis bem ainda em mandar fazer quartilhos e garfos como os nossos, para começar o
mais cedo possível a tomar as refeições em porção.
Oh! Como estou sensibilizado pelo que me dizeis a respeito da espécie de
aprovação que elaborou o senhor Bispo de Poitiers 3 do contrato passado com o senhor
cardeal e do que me dizeis que ireis a Poitiers agradecer a esse bom prelado! Estou
também sensibilizado pelo que me dizeis da bondade e da mansidão com a qual o
senhor Bispo de Chartres vos tratou, a vós e a todos. Agradecer-lhe-ei por isso e lhe
direi na devida ocasião, como agradeço a Deus a atenção que solicitastes para a
Companhia no tocante ao que vos disse sobre o catecismo e as pregações. Fazei com
que disso se lembrem frequentemente, por favor.
Julgo muito bom a ordem que me dizeis ter decidido sobre a missão: primeiro, no
ducado; segundo, acabar a de Richelieu. Será necessário então estabelecer a Caridade.
Espero enviar-vos para isso4 uma excelente Filha da Caridade. Ela sabe fazer sangria,
preparar remédios e realizar a higienização. Foi ela que preferiu o serviço dos pobres ao
da grande dama de que vos falei5. Ela está em Saint-Germain-en-Laye, onde estão
estabelecendo uma importante Caridade, da qual as damas de honra são a da Rainha e
suas filhas, que prestam serviço pessoalmente com fervor admirável. Tiveram de sofrer
um pouco nesta missão por causa do pescoço descoberto. Mas aprouve a Deus tirar
disso não pequena glória.
Em nome de Deus, senhor Padre, sejam bem prudentes na explicação do sexto
mandamento. Teremos de sofrer um dia tempestades por causa disso. Recomendai-o
frequentemente à Companhia. Na procissão, não procedais a não ser com toda
simplicidade, como disse com frequência.

1
Carta 306. ─ C. aut. ─ Dossiê de Turim, original.
1
Francisco de Fleury, da diocese de Langres, obteve um canonicato na diocese de Verdun. Deu aprovação ao livro
“Sobre a comunhão frequente” e foi apresentado pelos jansenistas à Rainha Maria Luísa de Gonzaga, desde a sua
partida para a Polônia, para desempenhar junto dela as funções de capelão. Suas relações com São Vicente e os
missionários enviados para aquele país foram sempre excelentes, até mesmo cordiais, como se pode ver pelas cartas
do Santo, que o estimava muito. Morreu na França nos primeiros dias de novembro do ano 1658. Temos uma parte de
sua correspondência com a Madre Angélica.
22
Leonor d’Estampes de Valançay (1620-1641).
33
Henrique Luís Chasteignier de la Rocheposay (1611-1651).
44
Bárbara Angiboust.
55
Ver carta 224.
320

Quanto ao estilo a empregar nas atas da paróquia, que tal usar-se o dos
amanuenses da administração paroquial, aguardando até que eu possa examiná-las?
Quanto às esmolas, dar a cada mendigo duas moedas e, se o catequizarem, cerca de seis
moedas, conforme a qualidade da pessoa. Mas, quanto aos doentes, se o senhor Bispo
não deixar um fundo necessário, será preciso contribuir com quinze ou vinte soldos por
semana, que podereis mandar colocar na bandeja da que fizer a coleta. Mas como fazer
para a retribuição das funções paroquiais? Envio-vos duzentas libras, que serão
entregues amanhã ao mensageiro de Champigny; na próxima viagem, entregar-lhe-emos
o equipamento de fazer hóstias.
O Padre Codoing e o Padre Durot dirigem-se no presente para Richelieu. Ó
senhor Padre, como Deus lhes abençoou os trabalhos! Peço-vos abraçá-los e a toda a
comunidade em meu nome, como faço, em espírito, com toda a humildade e afeto
possíveis.
A missão de Saint-Germain terminará dentro de quatro dias com bênção muito
particular precedida de pequenos motivos que exerceram a paciência. Oh! como isso
nos valerá diante de Deus e como Deus deles tirará sua glória! O Padre Grenu recebe
também especial assistência de Deus na Gasconha como acontece também plenamente
com o Padre Sergis.
A Companhia está bem, graças a Deus, e vos saúda.
Sou, no amor de Nosso Senhor, vosso muito humilde servo,

Vicente de Paulo.

Depois da presente carta, pensei que será bom assumirdes a qualidade de vigário
da paróquia de Richelieu, aguardando a anexação dela e o modo como será feito.

Destinatário: Ao senhor Padre Lambert, padre da Missão, atualmente em


Richelieu.

307. ─ A ANTÔNIO LUCAS

Paris, 21 de fevereiro de 1638.

Senhor Padre,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Escrevo-vos estas linhas um pouco às pressas. A finalidade é pedir-vos para
cuidar de vossa saúde e da do Padre Caignet 1 e para vos repousar um pouco depois
desse grande trabalho, antes de recomeçar a missão. Iniciando-a, podereis começar a
trabalhar nas aldeias que dependem da diocese de Troyes e de Montmirail.

1
Carta 307. ─ C. aut. ─ Dossiê de Turim, original.
1
O confessor de Madame Goussault tinha esse nome; é dele talvez que se trata aqui.
321

Domingo passado mandei que o Padre Soufliers vos escrevesse. Pedia-vos então
a mesma coisa e também que nos mandasse de volta o Padre du Chesne, dizendo-vos
que em seu lugar enviaria o Padre Callon. Um pequeno incômodo que o acomete não
lhe permite, porém, esta pequena satisfação no presente. Ele está voltando para Aumale,
onde poderá fazer alguma coisa nos arredores2.
Estive com o senhor vosso irmão na ponte Saint-Michel 3 para pedir-lhe enviar
para a missão aquele que está morando com o Padre Belin. Mas ele me disse que este
último não estava na cidade, mas ainda em Milly 4 e que quando voltasse o enviaria a
Rueil. Não soube se de fato o enviou e nem se ele teria voltado.
Envio-vos uma carta das Cevenas. A comunidade de lá está muito bem, graças a
Deus.
A missão de Saint-Germain terminará com muita bênção, embora no começo
tenha havido motivo para a prática da santa virtude da paciência. Poucas pessoas da
residência do Rei deixaram de cumprir seus deveres junto com o povo. E o fizeram com
uma devoção digna de edificação. A firmeza contra as golas abertas foi a causa desse
exercício de paciência. O Rei disse ao Padre Pavillon que estava muito contente com
todos os exercícios da missão, que era assim que importava trabalhar e que daria esse
testemunho por toda parte. Eu tinha grande dificuldade para enviar missionários para
esse lugar, enquanto a Corte lá estava. Mas Sua Majestade tendo-se dignado dar-me a
honra de me dizer que ele o queria assim, foi preciso passar por cima de nossas
dificuldades. As pessoas que de início foram mais resistentes se encontram agora em tão
grande fervor que se colocaram à disposição da Caridade, servindo os pobres nos dias
para ela designados; fizeram a coleta pelo povoado em quatro grupos. São as filhas da
Rainha.
Os Padres Lambert, Perdu, Buissot, Codoing, Benôit e Gourrant estão em
Richelieu; os Padres Grenu e Savinier, no ducado d’Aiguillon, na Gasconha, onde Deus
lhes prodigaliza grande bênção, como o fez com o Padre de Sergis e o Padre Brunet. O
Padre de Sergis voltará de lá para Tolosa, onde o senhor Arcebispo o aguarda com
grande impaciência.
Termino recomendando-me às orações dos Padre Caignet e du Chesne e vos
suplico, senhor Padre, dar nossas notícias e nossas recomendações aos Padres Mouton 5
e Boucher6. Espero escrever-lhes quarta-feira e enviar-vos o Padre Boudet no lugar do
Padre du Chesne.
Sou entretanto, no amor de Nosso Senhor, vosso muito humilde e obediente
servo,

Vicente de Paulo.

22
Embora membro da Congregação da Missão, Luís Callon morava em Aumale, sua terra natal.
33
Em Paris.
44
Existem duas localidades com este nome: uma em Oise, a outra em Seine-et-Oise.
55
Jacques Mouton, nascido em Pontoise, recebido na Congregação da Missão em 1632.
66
Leonardo Boucher, nascido a 29 de agosto de 1610, recebido na Congregação da Missão a 12 de novembro de
1632, ordenado padre a 23 de setembro de 1634.
322

Peço-vos pagar o porte com exatidão ao senhor Octobre7.

Destinatário: Ao senhor Padre Antônio Lucas, padre da Missão, em Montmirail.

308. ─ À MADRE DA TRINDADE

Minha muito cara Madre,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Mais uma vez está aqui a pena de quem quer agradecer, pois que vossa caridade
nos dá sempre novos motivos de fazê-lo, por causa de tantos atos de bondade que dia a
dia o Espírito Santo continua a vos sugerir em nosso favor e em benefício das almas de
vossa diocese. Não vos contentastes, minha querida Madre, em propor, em conduzir e
levar a cabo nosso estabelecimento, com tanto desvelo, tanta solicitude e contínuos
trabalhos. Acrescentastes a tudo a oferta de vossa casa para nossa morada e para os
exercícios espirituais dos ordinandos. Ó minha cara Madre! como isso me toca o
coração e me faz perceber o estado de uma alma verdadeiramente cristã e religiosa,
chegando à mais alta perfeição à qual cada um destes estados pode elevar uma alma, no
exercício da verdadeira caridade! Glórias sejam dadas a Deus, minha querida Madre,
por ele ter querido elevar-vos a um estado de tão grande bondade. Quanto a nós, fica o
dever de um eterno reconhecimento por tantos bens que sempre nos fizestes, e para vós,
minha cara Madre, um grau a mais de glória no céu, em face da bondade que Nosso
Senhor colocou em vossa querida alma! Eis o reconhecimento e os desejos que vos pode
fazer a alma do mundo que vos é mais agradecida, minha querida Madre, e que mais vos
considera como sua mui querida e muito amável mãe.
Vi ontem um dos dois pequenos alojamentos em frente da casa do senhor Bispo 1.
Na verdade seria conveniente adquirir os dois em vista das finalidades e de outras
utilidades. Mas qual! O alojamento de que temos precisão em Troyes é mais urgente,
segundo me parece. Mas, o que faríamos sem os auxílios do que apraz ao senhor Bispo
conceder-nos! Se fosse vendido pelo preço real, nem pensar! Mas oferecem-no por seis
mil libras, embora eu tema que haverá dificuldade em obter duzentas de aluguel; pois
ele não está alugado. Um padre capuchinho o tinha tomado de aluguel e colocara nele
uma bondosa senhora para ali acolher algumas pobres pessoas recém-convertidas. Mas,
não sei como, não há mais ninguém nele a não ser esta boa senhora e duas pobres
moças, e todas estão indo embora. Por outro lado, discutir o preço com nosso benfeitor,
ó Jesus! minha cara Madre, nem pensar. Por isso, salvo melhor juízo, penso, minha cara
Madre, que é preciso ficar por aí2.

77
Porteiro do castelo de Montmirail.
1
Carta 308. ─ C. aut. ─ Original na Visitação de Troyes.
1
Renê de Breslay, Bispo de Troyes (1604-1641), tinha, em Paris, na avenida do Bairro Saint-Michel, uma casa que
ele oferecia a São Vicente, para as necessidades dos missionários de Troyes (Cf. carta 292, nota 1).
22
Os Padres da Missão se estabeleceram primeiro na aldeia de Sancey, numa casa alugada de Sebastião Gouault,
burguês de Troyes. Como o local era pouco espaçoso, o Comendador comprou para eles uma casa situada na esquina
do bairro Croncels com a rua des Bas-Clos, em Troyes. Foi para lá que eles mudaram, a 25 de agosto de 1640.
323

O senhor Comendador não julgou necessário ratificar a fundação do senhor


Bispo. O motivo é que o referido senhor Comendador o desejava apenas por causa do
contrato que fora passado antes, sob assinatura privada, entre ele e mim. Dizia ele que,
tendo entregado o original desse contrato, que tinha em mãos, e tendo eu devolvido o
nosso, e estando os dois com rasgões, não era necessário que ele o ratificasse. É o que
vos suplico muito humildemente, minha cara Madre, levar ao conhecimento do senhor
Bispo, dizendo-lhe também que não vi ninguém testemunhar ter mais satisfação pela
ação que ele fez pelo bem de sua diocese, do que o senhor Bault, seu sobrinho. Com
certeza, minha cara Madre, a bondade com que ele me recebeu e tratou conosco é
inimaginável.
Nossa missão da Corte em breve chegará ao fim. Os pobres missionários
trabalharam nela incessantemente, desde a manhã até à noite, pregando, catequizando e
ouvindo confissões gerais. Estão extremamente cansados.
Mandaremos descansar e refazer um pouco as energias aqueles que estão
destinados a Troyes, a fim de se dirigirem para lá, na véspera do domingo da Paixão 3,
tempo em que o senhor Bispo achou bom que eles começassem a trabalhar com os
exercícios dos ordinandos. Quanto a mim, que fico importunando demais a minha
querida e tão bondosa Madre, terminarei suplicando-lhe humildemente nos recomende a
Deus e rogando-lhe que nos perdoe tantas faltas que cometemos, sem cessar, com
respeito aos desígnios que ele nos confiou.
Sou, da santa comunidade de minha muito cara Madre, no amor de Nosso
Senhor, minha querida Madre, muito humilde, grato e obediente servo,

Vicente de Paulo.

O bom doutor que o senhor Padre Gallemant colocara como seu sucessor na
paróquia de Aumale4 trabalha nos relatórios ou na vida desse bem-aventurado, com
mais um ou dois padres.

Paris, 25 de fevereiro de 1638.

Destinatário: À minha R. Madre da Santa Trindade, priora do mosteiro das


Carmelitas do subúrbio de Troyes, em Troyes.

309. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[1638, por volta de fevereiro1].

33
20 de março.
44
Luís Callon. Suas notas foram colocadas como contribuição pelo autor da vida de Jacques Gallemant.
1
Carta 309. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Esta carta foi escrita durante a vida de Madame Goussault, depois dos inícios da obra do Crianças Expostas, no
tempo em que São Vicente procurava uma casa para esta obra.
324

Bendito seja Deus por ter colocado esta pequena alma num estado no qual temos
motivo para crer que ela é muito feliz! Vou enviar-vos o Padre Bécu e um outro. Ser-
me-á difícil estar com o senhor Laisné2. Se ele aceitar o casamento, não será motivo de
preocupação; ele ensinará o que for preciso ao seu secretário, se é que este já não o
sabe.
O quadro da Virgem e de São José, segurando o menino Jesus pela mão, me
parece bom para as crianças expostas3.
Madame Goussault me disse que irá hoje iniciar seu retiro em vossa casa. Sendo
assim, ficaríeis ausente? Penso que será bom lhe escrevais uma palavra para saber de
sua intenção.
Estive ontem com a Madame de Herse, presidente, e lhe disse o que vos falei.
Esqueci-me de escrever a Madame Goussault que use a meditação sobre a morte
e o juízo particular depois da primeira meditação. Dir-lhe-eis, por favor, que retire
quanto antes os pecados de que lhe falei, para meditar naqueles que julgar conveniente.
Estou sempre pensando na questão do alojamento. Bom dia, minha Senhora.
Guardai em paz vosso coração. Sou, v. s.

V. D.

Destinatário: Para a senhora Le Gras.

310. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[1638, por volta de fevereiro1].

Minha Senhora,

Penso que fareis bem em mandar enterrar essa criançinha no cemitério e em


mandar pedir ao senhor Pároco que vá estar convosco, para lhe relatar a coisa como se
passou, aguardando um possível parecer sobre como proceder. O que me vem no
momento ao espírito é que seria necessário dar alguma coisa anualmente ao senhor
Pároco e ao coveiro, para enterrar a todos. Por hoje, será preciso rogar-lhe que envie seu
Vigário para levá-la e que ele dê ordens ao coveiro para cavar a pequena sepultura. Peça
ao senhor Pároco que explique a cada um a coisa tal como é, e que se trata de um
experimento que se deseja fazer.

22
Elias Laisné, senhor de la Marguerite.
33
Este quadro era talvez obra de Luísa de Marillac. As Filhas da Caridade da rua Réaumur, 85, Paris, acreditam
possuí-lo.
1
Carta 310. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Esta carta foi escrita pouco tempo depois da fundação do estabelecimento do Crianças Expostas. Parece estar em seu
lugar, não longe das cartas 295 e 309.
325

Sinto-me pressionado mais do que nunca para terminar o negócio da Caridade 2.


Pedi a Deus tenha eu tempo para trabalhar nisso. É uma pena a minha situação. Não
tenho tempo. Deus me dê a eternidade!
Quando estiverdes em condição de ir a Rueil, o senhor Pároco me escreveu que
ficará com a jovem que lhe encaminhei.
Sou v. s.

V. D.

Nada vos digo sobre Madame Pelletier. Acabo de comunicar à Senhora3 a morte
da criança. Disse-me ontem que vos enviaria hoje uma outra, se for possível. Envio-vos
sua carta.

311. ─ A LAMBERT AUX COUTEAUX

Senhor Padre,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Encarreguei nosso Irmão Nicolau1, que vai encontrar o Padre Grenu na
Gasconha, de passar em Richelieu. Retê-lo-eis aí apenas um dia, por favor, e, se
puderdes, escrevereis ao referido Padre Grenu e pedireis que lhe escrevam todos da
comunidade que o puderem. Parece-me que o presente portador vos encontrará prestes a
recomeçar a missão, em Richelieu. Suplico-vos, senhor Padre, recomendeis mais do que
nunca a prudência na explicação do sexto mandamento e nas perguntas feitas a respeito.
Se não observarmos a devida cautela nesse assunto, a Companhia um dia há de sofrer
por isso2.
Façam as procissões sem aparato, digo mesmo, sem vestir os meninos a não ser
com sobrepelizes que se encontram no local. Houve quem censurasse muito uma coisa e
outra, embora o Padre d’Alet3 tenha realizado o primeiro evento, e, no segundo caso,
houvesse apenas alguns meninos vestidos com alvas. Apraz a Deus levar-nos com tal
fato ao exercício da virtude da paciência, e que isso proceda da inveja, por causa da
notável conversão de algumas almas de pessoas de renome.
Não tive a honra de estar com o senhor Bispo de Chartres, e nem foi
conveniente. Fá-lo-ei, se Deus quiser, a seu tempo.

22
A Caridade de La Chapelle (Cf. cartas 295).
33
A Senhora Viole, tesoureira das Damas da Caridade.
1
Carta 311. ─ C. aut. ─ Dossiê de Turim, original.
1
Nicolau Corman, Irmão Coadjutor, nascido em torno de 1603. Entrou na Congregação da Missão em 1633. Fez os
votos a 13 de novembro de 1643.
22
Ver carta 306.
33
Nicolau Pavillon, bispo de Alet.
326

Será bom estabelecer a Caridade e alertar ao senhor Bispo de Chartres para


procurar saber de Sua Eminência4 se ele está de acordo. Além disso, é bom também
propor-lhe a Filha da Caridade5.
Termino, recomendando-me às vossas santas orações, assim como a situação
presente da missão. Saúdo muito humilde e afetuosamente a comunidade, e sou, no
amor de Nosso Senhor, senhor Padre, vosso muito humilde servo,

Vicente de Paulo.

Vallegrand, 03 de março de 1638.

312. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Março de 16381].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Jeanne, a Filha da Caridade desta paróquia, cometeu muitas faltas. Em razão
disso o senhor Pároco2, as oficiais e o Padre de Vincy julgaram hoje que é necessário
mudá-la. Suplico-vos, Senhora, enviar-nos uma outra que tenha o espírito mais suave e
afável, e isso logo amanhã de manhã, a fim de que não tenha tempo de fazer intriga
contra as outras: é inimaginável o quanto ela é capaz disso. Ora, penso que será contudo
necessário transferi-la para o Hospital Geral ou para outro lugar, a fim de que a justiça
seja acompanhada de misericórdia. Poderíeis crer que ela deu uma bofetada em
Jaqueline e que faz tudo conforme sua cabeça, e várias coisas sem consultar, como, por
exemplo, tratar de uma doente sem permissão. O que é pior, advertiu ao pregador da
Quaresma sobre as falhas das Damas e começou torná-las públicas. Eis pois, quem nos
enviaríeis sem vos causar transtorno? Vereis.
Sou, no amor de Nosso Senhor, v. s.

V. D.

Destinatário: À senhora Le Gras.

313. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

44
O Cardeal Richelieu.
55
Bárbara Angiboust.
1
Carta 312. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Esta carta foi escrita durante a Quaresma, alguns dias, ao que parece, antes da carta 313, que é claramente de 1638.
22
O Padre de Lestocq, pároco da Pároquia Saint-Laurent.
327

[Março de 16381].

Voltei ontem de tarde de Pontoise. Envio-vos a resposta a vossa última carta.


Será necessário tomar alguma providência sobre o Crianças Expostas.
Realizam hoje uma assembleia na casa da presidente Madame Goussault.
Gostaria muito que pudésseis estar presente e que escrevêsseis à citada dama vos
enviasse sua carruagem. É verdade que penso sereis solicitada pela superiora Madame
de Beaufort ,para assistir à assembleia de Saint-Etienne. Se for assim, penso que vos é
conveniente ir até lá, e que me comuniqueis vossa opinião a respeito da proposta do
Padre Dieu e a do Padre Foucauld aos senhores cônegos do Cabido. Suplico-vos, além
disso, comunicar-me se é verdade o que me disse Madame Goussault, isto é, se sabeis
de algumas jovens devotas que tenham disposição para se aplicar ao cuidado espiritual
das mulheres do Légat2, no lugar das quatorze damas3. Parece-me que é de se desejar
que seja assim; de outra sorte, ficaríamos sempre na apreensão de que as referidas
damas não o façam como convém. Enviar-me-eis a resposta para a casa de Madame
Goussault, pelas três horas, por favor.
É verdade o que me disseram: as coisas vão mal no Hospital Geral. É desejável
que vossa saúde vos permita ir até lá para passar ali dois ou três dias. Vereis.
Mandei dizer a Jeanne, de Saint-Laurent, que vá a La Chapelle.
As Damas de São Sulpício têm um maravilhoso apego a sua Irmã Jeanne. Seria
mortificá-las se a transferíssemos. É preciso alertá-las sobre seus defeitos.
Espero que a indisposição de vosso filho não seja nada e que uma grande saúde
lhe advirá depois dessa efervescência de sangue.
Tendes razão em destinar Maria Denise 4 para Saint-Etienne5. Tenho pouca
confiança nessa Caridade, por causa da disposição de espírito das pessoas que delas se
ocupam e dos homens que nela se imiscuem.
Bom dia, Senhora. Sou v. s.

V. D.

Destinatário: À senhora Le Gras.

314. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Março de 16381].
1
Carta 313. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Esta carta foi escrita enquanto Madame Goussault ainda estava viva e quando as Irmãs tinham sua casa mãe em La
Chapelle. A passagem relativa ao Crianças Expostas leva-nos a preferir o ano de 1638.
22
Sala do Hospital Geral reservada às doenças infecciosas. Seu nome procede do Cardeal du Prat, legado (légat) do
Papa na França, que a tinha construído por volta de 1530.
33
Quatorze damas, escolhidas de três em três meses por ocasião das Quatro Têmporas, pelas Damas da Caridade e do
meio delas, eram encarregadas de instruir e consolar os doentes do Hospital Geral (P. Coste, op. cit.,p 14).
44
Filha da Caridade.
55
Saint-Etienne-du-Mont, paróquia de Paris.
1
Carta 314. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Esta carta parece estar em seu lugar junto à carta 313.
328

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Voltei para o Colégio dos Bons-Enfants desde anteontem, e me proponho ir
dormir hoje em São Lázaro, se Deus quiser.
Envio-vos uma carta da senhora Poulaillon, que acabo de receber nesse
momento. Que vos parece do que ela propõe, Senhora?
Não ouvi falar do negócio que conheceis. Terei a graça de estar em breve com o
confessor do personagem.
Estou achando vosso filho um pouco pálido. A doença da mão é um pouco
dolorosa. Prometeu ao Padre Pavillon trabalhar na decisão que deve tomar.
Sou, no amor de Nosso Senhor, Senhora, vosso muito humilde e obediente
servo,

Vicente de Paulo.

Segunda-feira, 10 horas, Colégio dos Bons-Enfants.

Destinatário: À senhora Le Gras.

315. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Entre novembro de 1637 e março de 16381].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Recebi ontem uma sangria. Foi o motivo pelo qual não vos pude dar a resposta e
de um pequeno incômodo que tive depois do jantar. Estive anteontem com a presidente
Madame Goussault, bastante alegre no início de sua doença. Mandei saber dela ontem.
Mandou-me dizer que não era coisa grave e lhe fizeram uma sangria com o pé dentro
d’água. Vou estar com ela em breve. Vossa indisposição me impede de vos dizer para
lhe fazer a caridade de ir estar com ela. Sei muito bem que vossa presença lhe seria
muito consoladora e de grande utilidade. Mas temo que venhais a piorar se o fizésseis.
Se pudésseis suportar a carruagem sem incômodo, tudo bem! Mas, em nome de Deus,
se tiverdes o menor incômodo do mundo, não o façais, porque isto deixá-la-ia
aborrecida.
Vou estar com Madame de Marillac2. Se tiver confiança em mim, porá fim à
questão. Convirá muito à sua piedade mortificar-se a respeito dessa satisfação que ela
1
Carta 315. ─ C. aut.─ Dossiê das Filhas da Caridade.
1
Esta carta foi escrita durante uma das enfermidades de Madame Goussault, antes do casamento de Michel de
Marillac com Jeanne Potier, sobrinha do Bispo de Beauvais.
22
Maria de Creil, viúva de Renê de Marillac. Abandonou, mais tarde, o mundo, para entrar no Carmelo.
329

deseja. Resultaria isto numa fonte de bênção, no caso, em prol do seu filho 3. Eis o que
me proponho dizer-lhe. Mas não lhe reveleis minha opinião, por favor, até que eu esteja
com ela e que vos tenha comunicado o êxito de nossa entrevista hoje. O senhor Bispo de
Beauvais4 me falou da vontade de encontrar-nos, a nós dois juntos, para esse fim.
Veremos.
Bom dia, Senhora. Peço-vos recomendar a Nosso Senhor um negócio.
Sou, em seu amor, Senhora, vosso muito humilde servo,

Vicente de Paulo.

Domingo, 7 horas e meia.

Destinatário: À senhora Le Gras.

316. ─ A LAMBERT AUX COUTEAUX

Paris, 15 de março de 1638.

Senhor Padre,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Recebi vossa carta do dia 04 deste mês, mas não ainda a carta do senhor
advogado do Rei de Loudun. Estou muito contente ao saber que estais arranjando os
móveis pouco a pouco. Não é tempo de falar em adiantar o trabalho da construção da
igreja. Não perderei a oportunidade de fazê-lo, pois fico penalizado, vendo-vos sofrer
nesse lugar acanhado.
Bendito seja Deus pelo sucesso de vossa missão e da dos Padres Buissot e
Durot! Oh! como o êxito destes dois deverá servir para muitos dentre nós!
Estou um pouco aflito com a indisposição do Padre Gourrant e do Irmão
Bastien1. Embora tenha perfeita confiança em vosso zelo, em nome de Nosso Senhor,
senhor Padre, permiti-me que vo-los recomende.
Quanto ao que me dizeis que o Padre Codoing se empenha muito em explicar o
sexto mandamento, suplico-vos, senhor Padre, dizer-lhe que lhe peço muito
humildemente não mais falar sobre ele, nem em Richelieu, nem em outros lugares, a
não ser com sobriedade, por algumas razões que lhe direi, e que são de suma
importância.
Estou indo a Rueil e mandarei falar com o senhor Cardeal 2 a respeito da
Caridade, para que veja se estará de acordo com a instituição deste estabelecimento,
33
Michel de Marillac, conselheiro no Parlamento de Paris.
44
Agostinho Potier.
1
Carta 316. ─ C. aut.─ Dossiê de Turim, original.
1
Sebastião Nodo, Irmão Coadjutor nascido em torno de 1603, na diocese de Ruen, recebido na Congregação da
Missão em 1633.
22
O Cardeal Richelieu.
330

enquanto o povo estiver em boa disposição. Comunicai-me, entretanto, quantos doentes


pobres existem ordinariamente em Richelieu, não digo no mês de agosto, mas no
momento presente.
Vejo que estivestes com nosso pequeno Irmão Nicolau3 e recebestes minha carta.
Ele é sobrinho do senhor de la Quin (?) e está apresentando um moço muito bom de
Poitou, para ser Irmão aqui. Ele está indo visitar sua mãe que corre perigo de sua
própria salvação. Feito isto, ele irá procurar-vos. Peço-vos, de novo, fazer com que a
comunidade compreenda que devemos ser extremamente discretos na explicação e nas
perguntas sobre o sexto mandamento. Dizei-lhes também para não trajar as crianças, na
procissão, de qualquer maneira, nem mesmo com a sobrepeliz, a não ser aqueles que já
têm o hábito de vesti-la. Estamos sofrendo por causa disso, e longe de sair dessa
situação. Bendito seja Deus, porque foi sem motivo, por parte da missão 4 , o que deu
ensejo, hápouco tempo, para cairmos na língua do povo!
Escrevi-vos ontem à noite aos cochilos o que vedes tão rasurado. Rezai a Deus e
pedi que rezem pela Companhia.
Sou, no amor de Nosso Senhor, vosso servo,

Vicente de Paulo.

Destinatário: Ao senhor Padre Lambert, padre da Missão, em Richelieu.

317. ─ A JEAN BÉCU

[Fevereiro ou março de 16381].

Senhor Padre,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Eis-vos de partida. Nós vos estamos esperando, com grande desejo de vos rever,
em boa disposição. Suplico-vos, entretanto, saber antes do senhor Pároco de Saint-
Victor2 (caso o julgueis de bons costumes e de suficiente capacidade), se ele tem
intenção de se tornar religioso da ordem de Malta, como o exigem os estatutos dos que
ocupam suas paróquias. No caso de o achardes em dúvida, dar-lhe-eis a entender que é
intenção do senhor Comendador3, e que é uma exigência. Desse modo, que ele reflita e
lhe mande sua última resolução, dentro de um mês. Com efeito, se não for esse o seu
desejo, ele está decidido a seguir o estatuto da Ordem e confiar a paróquia a um outro.
Mas, caso o seja, o dito senhor Comendador quer vê-lo e manifestar-lhe o seu propósito
a respeito da preparação que gostaria fosse feita por ele, antes de começar o noviciado.
33
Nicolau Corman, Irmão Coadjutor.
44
A missão de Saint-Germain-en-Laye.
1
Carta 317. ─ C. aut. ─ Dossiê de Turim, original.
1
Mão desconhecida escreveu junto ao endereço: na quaresma de 1638.
22
Saint-Victor-de-Buthon (Eure-et-Loir).
33
O Comendador de Sillery.
331

Levá-lo-eis, por obséquio, com suavidade e prudência, a entender isso, e relatareis ao


senhor Comendador a sua intenção. Passareis também, por favor, pela Champanha4,
perto de Houdan5, e procurareis obter informações de alguns habitantes sobre como
está o relacionamento deles com o eclesiástico que o senhor Comendador lhes enviou,
há pouco. Se, porém, tendes necessidade de pegar o coche em Dreux, fazei-o: o senhor
Comendador o ficará sabendo por outras vias.
Saúdo o senhor Pároco de Saint-Victor e o Padre Cuissot, e sou, no amor de
Nosso Senhor, vosso muito humilde servo,

Vicente de Paulo.

Destinatário: Ao senhor Padre Bécu, padre da Missão, em Saint-Victor.

318. ─ A LEONARDO BOUCHER

Senhor Padre,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Recebi, domingo último, passando pela cidade, a fim de ir para o interior, a
vossa carta do dia 10 deste mês, e voltando anteontem de tarde um pouco extenuado,
não tive a ideia de vos enviar alguém, para dar assistência ao bom Padre Mouton.
Envio-vos Mateus1, esta manhã, muito zeloso e caridoso, como sabeis. Suplico-vos,
senhor Padre, nada poupar-lhe. Existem boticários em Montmirail e bons cirurgiões.
Quanto ao médico, será necessário mandar buscá-lo em Château-Thierry. Há um,
chamado doutor Fournier, que é bom médico e dos nossos amigos. Podeis recorrer a ele,
se já não chamastes algum outro.
Peço-vos transportá-lo para Montmirail, para que possa ficar lá em lugar mais
cômodo. Estou escrevendo ao senhor Octobre, o porteiro, para mandar providenciar-lhe
um quarto. Suplico-vos, senhor Padre, não abandoná-lo, a não ser no caso de sua
melhora, quando então podereis terminar a missão iniciada ou vos juntar ao Padre
Lucas, enquanto o Padre Mouton estiver repousando.
Saúdo muito humildemente o Padre Mouton e o abraço, em espírito, com o
coração comovido de dor e com toda a ternura. Não deixaremos, como sabeis, de pedir a
Deus por ele.

44
Pequena localidade de Seine-et-Oise.
55
Centro Administrativo de cantão, em Seine-et-Oise.
1
Carta 318. ─ C. aut. ─ Dossiê de Turim, original.
1
O Irmão Mateus Régnard, nascido em Brienne-le-Château, hoje Brienne-Napoléon (Aube), a 26 de julho de 1592,
entrou na Congregação da Missão em outubro de 1631. Fez os votos a 28 de outubro de 1644 e morreu a 05 de
outubro de 1669. Foi o grande distribuidor das esmolas de São Vicente na Lorena e durante as perturbações de
guerra. Foi de grande valia para São Vicente, por causa de sua audácia, de seu sangue frio e sua astúcia. Sua biografia
se encontra no t. II das Notícias, pp. 29-33.
332

Nada vos direi quanto ao resto de vossa carta, no que tange às Caridades, a não
ser que estou vendo com clareza que ainda não é o tempo propício para restabelecê-las.
Nosso Senhor nos concederá o tempo oportuno para a paz, se for do seu agrado.
Sou, em seu amor, senhor Padre, vosso muito humilde servo,

Vicente de Paulo.

Paris, 17 de março de 1638.

Destinatário: Ao senhor Padre Boucher, padre da Missão, em Montmirail.

319. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Março de 16381].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Tenho em mãos uma carta de Bárbara2. Somente esta manhã lhe enviei a carta
que lhe escrevestes. Sempre me esquecia quando escrevia a Saint-Germain3.
Mas como estais passando, Senhora? Disseram-me que estais melhor. Louvo a
Deus por isso e lhe rogo vos devolva as forças necessárias para ir ao campo, nesta
primavera.
Estive ontem à tarde com a presidente Madame Goussault, que não vira, durante
a sua doença, a não ser no início, há dez dias. Está melhor e anseia por melhor tempo e
um pouco mais de saúde para ir passear no campo. Não teve ontem a febre com que
contava.
Nosso Irmão Alexandre4 irá estar convosco hoje.
Como estão vossas crianças? Uma palavra sobre isso, por favor, não por escrito,
pois não é preciso dar-vos a esse trabalho, mas apenas oralmente.
Bom dia, Senhora. Sou vosso muito humilde e obediente servo,

Vicente de Paulo.

320. ─ A LAMBERT AUX COUTEAUX

1
Carta 319. ─ C. aut. ─ O original foi doado, em 1901, ao Cardeal Langenieux, Arcebispo de Reims, pelo Padre
Antônio Fiat, Superior Geral dos Padres da Congregação da Missão.
1
A presença da Irmã Bárbara Angiboust em Saint-Germain-en-Laye não permite duvidar do ano. Por outro lado, a
carta é anterior à carta 320.
22
Bárbara Angiboust.
33
Saint-Germain-en-Laye.
44
Alexandre Véronne.
333

Paris, 22 de março de 1638.

Senhor Padre,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Estas poucas linhas são para vos dizer duas coisas: uma é que este jovem de
Poitou pede para entrar na Companhia, depois de uma viagem que fará a sua terra, para
visitar sua mãe. Ele diz que lhe é indiferente, caso tenhais necessidade, ficar convosco
ou aqui1. Fareis como vos aprouver.
A segunda é para vos comunicar que o senhor Cardeal me encarregou de vos
dizer que estabeleçais a Caridade em Richelieu, e que vos concederá alguma coisa
anualmente para esse fim, até que ela possa se manter com as coletas ordinárias. Sendo
assim, será conveniente, por enquanto, apliqueis nisso, de início, oito ou dez escudos, se
puderdes.
O senhor advogado do Rei de Loudun me disse que o procedimento da Missão
em relação aos hereges é excelente, no sentido de que apresenta as verdades divinas,
sem levantar disputas sobre pontos controversos, e que os huguenotes estão extasiados
com isso. Continuem assim, por favor.
O senhor Cardeal é de parecer que haja um dia de descanso na semana, durante a
missão, no sábado, por exemplo, e me recomendou seja esta a prática, por toda parte.
Peço-vos, senhor Padre, começar em Richelieu2.
Enviar-vos-ei a Filha da Caridade3. Talvez Madame Goussault vo-la levará o
mais cedo possível, depois da Páscoa.
Minha pressa não me permite dizer-vos nada mais, a não ser que vou responder
aos que nos escreveram pelo primeiro mensageiro. Abraço-vos, entretanto, a todos, e
sou, no amor de Nosso Senhor, vosso muito humilde servo,

Vicente de Paulo.

Destinatário: Ao senhor Padre Lambert, padre da Missão, em Richelieu.

321. ─ AO DUQUE DE ATRI1

1
Carta 320. ─ C. aut. ─ Dossiê de Turim, original.
1
Ver carta 316.
22
Lambert aux Couteaux escreveu ao Cardeal Richelieu, a 16 de abril de 1638, para lhe prestar conta dos felizes
resultados da missão. Sua carta se encontra nos arquivos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, França, Mémoires
et Documents, 830, fº 105.
33
Bárbara Angiboust. A partida da Irmã foi adiada para outubro.
1
Carta 321. ─ Reg. 1, fº 7 vº. ─ O copista copiou seu texto de uma minuta escrita da mão de São Vicente.
334

[Por volta de março de 16382].

Excelência,

O senhor Conde Bourlemont3 e o Abade seu filho4 me deram a honra de dizer-


me que Vossa Grandeza gostaria lhe informasse sobre o estado da Senhorita de Atri,
vossa filha5, a fim de que Vossa Grandeza possa julgar o que lhe será melhor. Prometi-
lhe fazê-lo com tanto maior prazer, Excelência, quanto mais devo a uma particular
bênção de Deus a ocasião de servir Vossa Grandeza.
Há três ou quatro meses, recebi ordem do senhor oficial de Paris de visitar a
Senhorita vossa filha, a respeito da permissão que o senhor Conde de Maure 6 lhe pedira,
no sentido de mandar fazer sobre ela um exorcismo: várias pessoas de séria piedade lhe
tinham manifestado o parecer de que temiam estivesse esta mocinha sendo atormentada
por alguma possessão ou obsessão maligna. O motivo que tinha para acreditar nisso era
a aversão que esta moça tinha pelas coisas de Deus, desde sua infância, quando estava
em Ville-l’Evêque7, junto à senhora de Longueville8, e que chegara a tal ponto que não
dirigia preces a Deus, desde há três anos. Havia igualmente cerca de dois anos que a
mantinham presa num quarto em Port-Réal9, sem assistir à santa missa. Foi, portanto,
esse o motivo que levou aquelas boas almas a terem essa opinião e a razão pela qual tive
a ventura de estar com ela. De início, mostrou-me seu estado com clarividência e
candura, pois tem o espírito bem disposto e sólido, incomparavelmente acima do
comum das jovens, mas um pouco melancólico. Minha opinião, de início, era de que se
tratava apenas deste humor melancólico que a dominava. Entretanto, o respeito que eu

1
Scipion de Acquaviva de Aragão, Duque de Atri, esposo de Genoveva Doni de Attichy, que era, por sua mãe
Valência de Marillac, prima-irmã de Luísa de Marillac. Para puni-lo por ter servido a França, o governo espanhol o
espoliou de todos os seus bens que passaram para as mãos de seus filhos. Seu filho José Francisco morreu em 1642,
sem deixar posteridade. Uma de suas duas filhas, Maria, entrou no Carmelo. A outra, Maria Angélica, é aquela de que
se trata aqui.
22
Ver nota 14.
33
Cláudio de Anglure, Príncipe de Amblise, Marquês de Sy, Conde de Bourlemont, Visconde de Forest e Barão de
Busancy. Casara-se com Angélica Diacette, filha de Ana de Acquaviva de Aragão, Duquesa de Atri.
44
Charles Francisco de Anglure, Abade de Creta, de Béchamp e de Saint-Pierremont, falecido a 25 de dezembro de
1669. Ocupou sucessivamente as Sedes Episcopais de Aire, de Castres e Tolosa. Um de seus irmãos, Luís, que
desempenhou uma certa função na diplomacia, tornou-se Bispo de Fréjus e Arcebispo de Bordéus.
55
Maria Angélica de Atri.
66
Luís de Rochechouart, Conde Maure, é conhecido, sobretudo, pela oposição que fez à política de Mazarino.
Exatamente quando todos tremiam diante do poderoso Ministro, ele veio à Corte, a 20 de março de 1649, e
pronunciou um discurso em pleno Conselho para pedir sua expulsão. Combateu no partido dos príncipes até o dia em
que, ferido na cabeça e no braço, durante um combate acontecido em Libourne, em 1652, foi preso e retido como
prisioneiro pelas tropas do Rei. Morreu em sua terra de Essai, perto de Alençon, a 09 de novembro de 1669, com a
idade de 67 anos, sem deixar posteridade (Cf. História da casa de Rochechouart, pelo General-conde de
Rochechouart, Paris, 1859, in-4, t. II, pp. 81-88).
77
Na paróquia Santa Madalena de Ville-l’Evêque, em Paris.
88
Maria de Orleans, nascida, a 05 de março de 1625, de Henrique de Orleans II, Duque de Nemours, viúva a 14 de
janeiro de 1659. Depois da morte de seus irmãos, sucedeu a eles em todos os bens de sua casa. Morreu sem deixar
filhos, a 16 de junho de 1707. Era, diz Saint-Simon (Memórias, ed. de Boislisle, Paris, 1879-1914, 26 vol., in-8, t. II,
p. 225), uma “mulher muito alta, extraordinária, de muito espírito, que permanecia muito em sua casa, no palácio de
Soissons, onde não frequentavam muito boas companhias, imensamente rica e vivendo com toda magnificência”.
99
O fato deste sequestro é tão estranho que se pode perguntar se o copista do reg. 1 não tresleu. Não seria melhor
supor: ela ficara em lugar de a mantinham presa? Talvez, porém, a Senhorita de Atri se entregasse, durante a santa
missa, a ímpias excentricidades. Nesta hipótese, não haveria por que aceitar o texto incorreto.
335

devia aos que eram de opinião de que havia alguma obsessão maligna, fez com que
submetesse o meu juízo ao deles. Elaborando, pois, o meu relatório ao senhor oficial,
disse-lhe que julgava não haver inconveniente em que o Padre Charpentier –
eclesiástico de insigne piedade desta cidade 1010 – lhe fizesse alguns exorcismos
secretos. Deveria fazê-lo com suavidade e sem provocar o espírito maligno
exteriormente, antes por imprecação do que por execração, conforme o parecer do R. P.
Geral do Oratório1111. Ele não foi realizado, por causa da enfermidade do referido Padre
Charpentier. Entrementes, aprouve a Deus enviar à Senhorita vossa filha uma doença
bastante grave e perigosa, na qual seu espírito se abriu. O senhor Conde e a Madame
Condessa de Maure, temendo pela sua salvação, levaram-na para se confessar comigo.
Ela fez a confissão geral de toda a vida passada com a maior exatidão, como jamais eu
tinha visto, empregando nisso três ou quatro horas, por várias vezes seguidas. Foi então
que me confirmei na opinião que tivera antes. Como a doença foi um pouco longa e
com uma espécie de definhamento, pareceu-me que ela retornara ao problema do
mesmo humor. Tendo, porém, obtido a cura, ficou totalmente livre dele, de tal maneira
que pediu para tornar a se confessar comigo e receber a comunhão, o que não tinha feito
durante a doença. Realizou estas ações com liberdade de espírito, como qualquer outra
pessoa. Nessa ocasião, pediu para ser religiosa e que a recebessem em Port-Réal. Logo
que mo disse, respondi-lhe que a ainda não era tempo e que precisava, no mínimo,
passar um ano com Madame sua tia 1212, que a levaria para tomar o ar livre dos campos,
antes de pensar na execução desse intento. Disse a mesma coisa todas as vezes que o
senhor e a Madame Condessa de Maure e ela deram-me a honra de me falar do assunto.
Isto, contudo, não a impediu de procurar secretamente como entrar em religião, nem de
alegar uma quantidade de razões, em parte fundadas nos juízos de Deus, e em parte
porque não podia suportar o modo de agir do mundo. Sabendo disso, os senhores de
Bourlemont informaram ao senhor e a Madame Condessa de Maure que a intenção de
Vossa Grandeza era que ela entrasse em religião. Depois de alguma dificuldade de
ambas as partes, acabaram dando o consentimento, embora com grande dificuldade,
temendo que esta jovem moça recaísse no mesmo humor. Quanto a mim, fiz ver, aos
referidos senhores de Bourlemont, o perigo em que colocavam esta boa jovem.
Passando por cima de todas as referidas dificuldades e estimando que seria vossa
intenção, colocaram-na, não em Port-Réal, mas num mosteiro das Jacobinas1313.
1010
Hubert Charpentier, um graduado em teologia da casa de Sorbona, nascera em Coulommiers a 03 de novembro de
1565. Depois de ter contribuído para a fundação de Notre-Dame de Garaison, fundou dois estabelecimentos para
honrar a cruz do Salvador: um em Bétharram, o outro em Mont-Valérien, perto de Paris. Morreu em Paris, a 10 de
dezembro de 1650.
1111
Francisco Bourgoing, predecessor de São Vicente na paróquia de Clichy.
1212
A Condessa de Maure.
1313
Embora fale mais de uma vez, em suas cartas, da pretensa possessão e da cura da Senhorita de Atri, a Madre
Angélica Arnauld passa sob silêncio a intervenção de São Vicente. Escrevia ao senhor Macquet, a 29 de junho de
1637(Cartas da Reverenda Madre Maria Angélica Arnauld, Abadessa e reformadora de Port-Royal, Utrecht, 1742, 3
vol., in-12, t. I, p. 106): “Não esqueçais a Senhorita de que vos falei, que ainda permanece no miserável estado em
que estava”. Idêntica recomendação a Santa Chantal, a 09 de novembro: “Suplico-vos muito humildemente rogar a
Deus pela libertação de uma pobre jovem possessa” (Comunicação de M. Gazier). “É a história mais deplorável do
mundo”, escrevia ainda à Santa, a 22 de dezembro, e lhe pedia algumas relíquias de São Francisco de Sales, para
expulsar o demônio (Cartas, t. I, p. 132). A cura não se fez esperar, pois que Madre Angélica pôde acrescentar, a 17
de fevereiro de 1638: “A Senhorita que tanto vos recomendei... ficou livre duas horas depois de ter colocado em seu
pescoço a imagem de madeira da Santa Virgem, que a bondosa Madre nos deu”. As disposições da Senhorita de Atri
tiveram uma mudança tão feliz que ela se sentiu impelida à vida religiosa e teria seguido sua preferência, não fosse
336

Eis, Excelência, o que se passou neste assunto e o que os senhores de


Bourlemont acharam conveniente que eu escrevesse a Vossa Grandeza. Competirá a vós
julgar agora o que for melhor para o encaminhamento dessa boa jovem. Sinto
dificuldade em manter convosco esta espécie de discurso. Mas julguei estar obrigado a
isso, segundo minha consciência, e que vós não o levaríeis a mal, já que há perigo para a
salvação da Senhorita vossa filha. Se for do agrado de Deus tornar-me digno de vos
prestar algum serviço mais agradável, sua divina bondade sabe que teria grande prazer
em fazê-lo e que não há pessoa no mundo sobre a qual Nosso Senhor vos tenha dado
mais poder do que sobre mim que sou, no amor de Nosso Senhor...

322. ─ A ANTÔNIO PORTAIL, PADRE DA MISSÃO, EM FRÉNEVILLE

Paris, 28 de abril de 1638.

...Ora bem, senhor Padre, tratamos muito de assuntos temporais. Praza à


bondade de Deus, segundo vosso desejo, não vos afaste dos assuntos espirituais, que
nos faça partilhar do eterno pensamento que tem de si mesmo, enquanto se aplica
eternamente ao governo desse mundo e a prover às necessidades de todas as suas
criaturas, até à de um mosquitinho! Ó senhor Padre, como importa trabalhar para
adquirir uma participação nesse espírito!
Sou, no mesmo espírito, senhor Padre...

323. ─ A JEAN BÉCU

[20 ou 21de maio de 16381].

Senhor Padre,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!

oposição da família (Cartas, t. I, p. 136). Um mês depois, Madre Angélica recomendava ao senhor Macquet a maior
discrição sobre esta maravilhosa conversão. “Suplico-vos, em nome de Deus, que não se fale desse milagre da Santa
Virgem, de que tendes conhecimento. O humor das jovens, segundo a moda, é não querer honrar a Deus, sua Santa
Mãe e os Santos senão por milagres e discursos... Cometi um erro ao vo-lo dizer, e vejo claro que não foi pelo
espírito de Deus, pois, em vez de produzir nessas jovens uma nova, secreta e interior confiança na Santa Virgem, só
produziu barulho. Estou me certificando de que nenhuma delas a invocou, em seguida, por tê-la livrado de suas
imperfeições. É melhor que elas jamais falem algo, do que falar de milagres dessa maneira. A Santa Virgem ama, de
preferência, o silêncio delas (Cartas, t. I, p. 138). Como conciliar o relato da Madre Angélica com o de São Vicente?
Parece que houve duas curas, uma das quais não durou muito. Mas seria difícil dizer qual foi a primeira. O desejo
expresso pela Madre Angélica em sua carta de março de 1638, de que não se fale mais do milagre, não teria sido
provocado por uma recaída? Seja como for, a cura era definitiva antes de 19 de junho. Mais tarde, numa carta de 22
de outubro, a Madre Angélica relembra à Senhorita a graça de que fora objeto.

Carta 322. ─ Dossiê de Turim, cópia tirada por Antônio Portail.
1
Carta 323. ─ C. aut. ─ Dossiê de Turim, original.
1
No lado reservado ao endereço estão escritas as palavras: “terça ou quarta-feira antes de Pentecostes, 1638, mês de
maio”.
337

Já que tendes tanta dificuldade no campo, suplico-vos, senhor Padre, ir pregar a


missão em Montmirail. Deveis fazer a pregação da manhã. O Padre Abeline 2, que está
com o senhor Bispo de Bayonne, dará o grande catecismo, e o Padre Le Breton, que
ainda está com ele, dará talvez o pequeno. Ele nunca esteve na missão; é sábio, muito
piedoso e tem muito bom espírito, o que nos leva a pensar que o fará bem. Conversarei
com ele sobre isso. Se não o fizer, será substituído pelo Padre Boucher ou pelo Padre
Cuissot; avisai ao Padre Lucas. Poderão partir amanhã, para estar no sábado em
Montmirail. Será conveniente providencieis a hospedagem. Escreverei uma palavra a
respeito ao senhor Octobre, o porteiro 3. Podeis pedir auxílio, se eventualmente for
necessário, ao Padre Lucas, para a pregação matinal. Se o senhor Bispo de Soissons 4
enviar alguém para a oitava do Santíssimo Sacramento, ficareis descansando. Será
preciso ficar atento aos arranjos a se fazerem e reunir as Damas da Caridade. Enviar-
vos-ei um Irmão para prestar serviço em Montmirail, Gallemant 5 ou um outro; mas é
preciso tomar um pouco de cuidado com o necessário para viver.
Saúdo muito humildemente a comunidade. O Padre Abeline é homem de muito
bom espírito, sábio e judicioso, e o Padre Le Breton, muito fervoroso. Convoco a
comunidade, pelas entranhas de Jesus Cristo, a dar-lhes bom exemplo e testemunhar-
lhes muita caridade e deferência. Um deles vai ser Vigário Geral de Bayonne. Em nome
de Deus, senhor Padre, que eles saiam da comunidade edificados. Sou, no amor de
Nosso Senhor, vosso muito humilde servo,

Vicente de Paulo.

Rogo-vos muita atenção em remunerar o senhor Octobre pelo porte das cartas e
de ir sábado, bem cedo, para Montmirail a fim de preparar a casa para receber o Padre
Abeline e o Padre Le Breton.

Destinatário: Ao senhor Padre Bécu, Padre da Missão, presente, no momento


em Marchais.

22
Mais conhecido pelo nome de Abelly. Luís Abelly nasceu em Paris em 1604. Desde os primeiros anos do seu
sacerdócio, tomou parte nos trabalhos apostólicos de São Vicente, que reconheceu seu mérito e falou tanto bem dele a
Francisco Fouquet, Bispo nomeado de Bayonne, que este último o tomou como Vigário Geral. Sua permanência em
Bayonne não foi longa. Aceitou uma modesta paróquia de aldeia, nas cercanias de Paris e foi pouco depois (1644)
encarregado de uma paróquia da capital, a paróquia Saint-Josse, onde formou uma comunidade eclesiástica. Tornou-
se, em seguida, diretor das Irmãs da Cruz (1650), Capelão do Hospital Geral (1657), e Bispo de Rodez (1662).
Demitiu-se de sua diocese em 1666, por motivo de saúde, e se retirou para São Lázaro, onde passou, no recolhimento
e no estudo, os 25 últimos anos de sua vida. Temos dele cerca de trinta obras de piedade, de história e de teologia. As
mais conhecidas são o Sacerdos christianus – Sacerdote cristão – (Paris, 1656, in-8), a Medulla theologica (Paris,
1652-1653, 2 vol., in-12) que lhe valeu do autor de Lutrin o epíteto de meduloso, e sobre tudo a Vida do Venerável
Vicente de Paulo. Ele não é somente o padrinho desse último escrito, como se pretendeu; é realmente o seu autor. Sua
tarefa foi singularmente facilitada pelo Irmão Ducournau, que reuniu e classificou os documentos. Doou à casa de
São Lázaro uma propriedade que tinha em Pantin e que se tornou, depois, a casa de campo dos estudantes. Luís
Abelly morreu a 04 de outubro de 1691 e foi sepultado, como desejara, na igreja de São Lázaro, sob a capela dos
Santos Anjos (Cf. Collet, op. cit., t. I, p. 5 e seg.).
33
Do castelo de Montmarail.
44
Simão Le Gras (1624-1656).
55
Jean Gallemant, Irmão coadjutor, nascido em 1608, em Conteville (Seine-Inférieure), recebido na Congregação da
Missão a 03 de abril de 1638.
338

324. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Cerca de maio de 16381].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


A proposta de Madame de Herse que me fazeis me parece , de imediato,
embaraçosa. Contudo, será preciso examiná-la.
Estou indo à cidade e espero estar convosco amanhã, em La Chapelle. Mas se a
carruagem for pegar-vos, não deixeis de ir, por favor, e dai as ordens que vos parecerem
melhores, em vossa casa.
Louvo a Deus pelo que me dizeis de Madame Turgis e rogo-lhe que lhe
acrescente maiores graças.
Não estou entendendo o que me dizeis de Izabelle 2 e de Bárbara3; esclarecei-mo;
há uma palavra, a respeito disso, que não soube ler.
Bom dia, Senhora. Sou, v. s.

V. D.

Destinatário: À senhora Le Gras.

325. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[24 de maio de 16381].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Vereis, diante de Deus, como espero, que fizestes bem em despedir esta filha, e
fareis bem contentando-vos com a pro rata de 200 libras por sua pensão, e em deixar
Izabelle2 ir para Argenteuil.
Minha febrezinha não me permitirá falar a vossas filhas esta semana.
Eis um bilhete sobre um dom do Espírito Santo, que vos enviam de Santa Maria.
Em nome de Deus, Senhora, cuidai de vossa saúde.
Sou, no amor de Nosso Senhor, vosso servo,

1
Carta 324. ─ C. aut. ─ Dossiê de Turim, original.
1
Esta carta parece dever ser aproximada da carta 325.
22
Elisabeth Martin.
33
Bárbara Angiboust.
1
Carta 325. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
A volta de Bárbara Angiboust para Saint-Germain-en-Laye só pôde realizar-se em 1638. Quanto ao dia e mês, ver
nota 3.
22
Elisabeth Martin. Ela era de Argenteuil (Seine-et-Oise).
339

V. de Paulo.

Segunda-feira3.

Podereis enviar Bárbara para Saint-Germain4, quando vos aprouver. A senhora


de Chaumont pensa que ela é necessária lá, e Madame Goussault acha que não é preciso
enviá-la a Richelieu; mas ela desejaria muito, sem contudo pedi-lo, que se enviassem
três para o Hospital de Angers 5. Disse-lhe que conversaremos sobre o assunto quando
voltar.
As oficiais das Damas do Hospital Geral virão aqui amanhã. Vede se tendes
algum aviso a me dar.

Destinatário: À senhora Le Gras.

326. ─ A JEAN BÉCU

Paris, 02 de junho de [16381].

Senhor Padre,

A Graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Bendito seja Deus por tudo que me comunicais! Procurarei tomar informação a
respeito de alguma professora, se me disserdes quanto deverá ganhar e se não há alguma
por aí mesmo. É perigoso moças e rapazes irem juntos para a escola.
A direção da Caridade pertence ao senhor Prior2. Se houver recursos, não haverá
inconveniente em adaptar a capela.
Suspeito um pouco do apego dessa pobre mulher em salpicar de cores a cabeça;
procure fazer com que ela mude. Se não quiser, in nomine Domini. O que lhe propondes
me parece razoável.
Escrevi ao senhor Bispo de Soissons3 a respeito dos dois Padres Abeline e
Breton.
Será bom mandar aplicar alguma restituição ou esmola pela libertação desse
prisioneiro.
Peço-vos dizer ao Padre Cuissot que seu irmão veio ver-me várias vezes. Ele
mora e trabalha na casa de um ourives. Esqueci-me do seu nome e não sei de que
maneira entregar-lhe a carta que ele se propõe a escrever-lhe. Parece bom rapaz.
33
O que precede deixa supor que esta segunda-feira era a de Pentecostes.
44
São Vicente chamara recentemente Bárbara Angiboust de Saint-Germain-en-Laye para enviá-la a Richelieu, para
onde só foi mais tarde (ver carta 320).
55
O Hospital Saint-Jean-Baptiste de Angers. As Filhas da Caridade foram para lá no fim do ano.
1
Carta 326. ─ C. aut. ─ Dossiê de Turim, original.
1
Ver cartas 323 e 329.
22
Jean Francisco Delabarre, nascido em Château-Thierry, nomeado Prior de Montmirail em 1636. Renunciou a sua
paróquia em 1646 e faleceu em 1647.
33
Simão Le Gras.
340

Tivemos sessenta ordinandos ou próximo disso, que se portaram bem, graças a


Deus. O senhor Arcebispo4 veio vê-los e voltou muito satisfeito, graças a Deus, e com
razão, pela misericórdia de Deus.
O Padre Mouton não tem mais febre. Todos estão bem, graças a Deus. Apenas o
senhor Fouquet, o pai5, está mais doente e em perigo. Suplico-vos rezar e mandar rezar
a Deus por ele, como um dos maiores homens de bem que eu conheço.
Sou, do Padre Abeline, do Padre Le Breton e de toda a comunidade, muito
humilde servo,

Vicente de Paulo.

Destinatário: Ao senhor Padre Bécu, padre da Missão, em Montmirail.

327. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[1638 ou 16391].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Procurarei ouvir em confissão esta filha, no sábado, como de ordinário.
Estou assustado com a morte numerosa dessas pequenas criaturas e penso que
pode haver nisso algo do que me dizeis. Peço-vos comunicar-me o que dissestes a
respeito à presidente Madame de Herse. Será preciso refletir com muita seriedade no
que fazer, no caso.
Já escrevi a Madame Goussault, parece-me, que louvava a Deus pelo
pensamento que ele lhe inspirara de vos convidar para ir a Grigny. Digo-vos o mesmo.
Lá encontrareis o Padre Pavillon e dois padres daqui, dos quais um acaba de sair e o
outro ainda está no seminário. Há ainda um sobrinho do senhor pároco de São Gervásio 2
que permanece em Saint-Nicolas3. V3. Quanto a mim, sou, no amor de Nosso Senhor,
minha Senhora, vosso muito humilde servo,

. D. P.

44
Jean Francisco de Gondi.
55
Francisco Fouquet, Visconde de Vaux, nascido na Bretanha em 1587, falecido em Paris a 22 de abril de 1640. Era
armador quando Richelieu o chamou para o Conselho da Marinha e do Comércio. Tornou-se conselheiro no
Parlamento, referendário, embaixador na Suíça. De Maria de Maupeou, sua esposa, teve doze filhos: cinco filhas
entraram na Visitação; Nicolau, o mais célebre obteve o cargo de superintendente das finanças; Francisco ocupou as
sedes episcopais de Bayonne, de Agde e de Narbona; Luís substituiu seu irmão como bispo de Agde.
1
Carta 327. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Esta carta foi escrita depois do início da obra do Crianças Expostas (janeiro de 1638) e antes da última doença de
Madame Goussault (julho de 1639).
22
Paróquia de Paris. O pároco de São Gervásio era então Charles Francisco Talon, doutor da Sorbona, antigo
advogado geral no Parlamento de Paris.
3. V3
No seminário de Saint-Nicolas-du-Chardonnet.
341

Quinta-feira, 4 horas.

Destinatário: À senhora Le Gras.

328. ─ A NICOLAU MARCEILLE1

Senhor Padre,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Agradeço-vos muito humildemente pelo cuidado que tivestes de nos enviar com
tanta exatidão tudo que vos pedi por minha última carta, e vos peço, em nome de Nosso
Senhor, ter cuidado com vossa saúde. O Padre de la Salle me comunica que pareceis um
pouco indisposto. Suplico-vos, senhor Padre, tomar descanso, purgar-vos e receber
sangria.
Estou preocupado por saber se mandastes falar com o senhor Prior 2 quando do
arrendamento feito ao granjeiro de Bourget3.
Importa não mandar cortar o feno enquanto durar este tempo chuvoso, embora
os empregados vos digam o contrário.
Será bom escrever de minha parte a Bertrando Denise, de Villepreux, e pedir-lhe
vos envie esse bom senhor que veio em nome dele a São Lázaro para capinar e estender
os fenos para a secagem, e que o envieis aqui dando-lhe o dinheiro necessário para esse
fim. Jourdain4 sabe onde moram os de Villepreux e poderá enviar a carta por mão
segura. O dono do prado que está diante da igreja de La Chapelle sabe bem como tratar
dele. Quando souberdes que ele mandou cortar o feno, podereis mandar cortar os
nossos, e não antes. Bertrando Denise é granjeiro do R. P. de Gondi, em sua granja de
Villepreux. Seria bom fazer compra durante o dia com o senhor que ele vos enviar, e
que no-lo envieis aqui.
Minha pequena indisposição ainda continua. Parece-me, contudo, que entrevejo
alguma pequena melhora. Proponho-me, com a graça de Deus, me fazer purgar, se
alguma coisa não exigir de modo absoluto a minha volta.
Eia pois, termino recomendando-me a vossas orações, e em espírito, a vosso
bom e santo pai.
Sou, no amor de Nosso Senhor, vosso servo,

V. Depaulo.

Fréneville, oitava do Santíssimo Sacramento5.

1
Carta 328. ─ C. aut. ─ Dossiê de Turim, original.
1
Nicolau Marceille, padre da Missão, nascido em Pont-Saint-Maxence, recebido na Congregação da Missão em
1635. Era o procurador da casa de São Lázaro.
22
Adriano Le Bom.
33
Localidade situada perto de Saint-Denis, nos confins do Sena e do Seine-et-Oise. Havia lá terras que dependiam do
priorado de São Lázaro, desde o século XII (Arq. Nac. S 6651).
44
Jean Jourdain, Irmão coadjutor.
342

Se precisardes do pequeno Pasquier, podeis ficar com ele, a gente se vira aqui.
Pedro faz o que este fazia. Peço-vos mandar fazer sangria e purgar o Padre Bourdet, se
já não o foi depois de sua volta. Saúdo-o humildemente. Peço-vos mandar entregar as
cartas de nosso Irmão Louistre6 no lugar para onde estão endereçadas, em Mantes,
sábado de manhã. O mensageiro parte de Paris nesse dia.

Destinatário: Ao senhor de Marceille, padre da Missão, em São Lázaro.

329. ─ A JEAN BÉCU

Senhor Padre,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Recebi ontem à tarde em Fréneville a carta que me escrevestes no dia 05 deste
mês. Estou bastante pesaroso com vossa pequena indisposição e rogo a Nosso Senhor
vos devolva plena saúde.
Fareis bem em dar vinte soldos ao sacristão e meio escudo ao jardineiro. Nada
mais podereis fazer além do que já fizestes, isto é, despachar os dois adúlteros
disfarçados, a não ser que um ou outro volte. Neste caso, será bom fazer o possível para
levá-los à separação. A mulher terá talvez mais disposição para isso. A questão da
professora da escola é da competência do R. P. de Gondi 1, quando aí estiver, assim
como o reembolso do dinheiro da Caridade.
Não duvido de que a missão vá caminhando com lentidão, dado o embaraço dos
espíritos no presente momento, em consequência do corrente tempo. A discórdia com o
senhor Prior2 pode também contribuir para isso. Importa não tomar partido; só pessoas
neutras são capazes de reunir os espíritos.
A exposição do Santíssimo Sacramento nas oitavas não está em uso por toda
parte. Em Roma, é preciso fazer como em Roma: aceitar os costumes locais quando não
são viciosos.
O notário, que escreveu de acordo com o que as partes lhe disseram, cumpriu o
seu dever, ao adverti-las antes de escrever, e embora tivesse conhecimento do contrário,
teve contudo que acreditar nos contratantes. É como o caso de um juiz que deve
acrescentar maior fé no que as partes lhe apresentam do que nos dados contrários de que
tem conhecimento. Para o primeiro caso, é só.
Quanto ao segundo, tenho dúvida de que aquele que comprou o prado, com a
condição de resgate em três anos, esteja de boa fé, porque não foi vendido a preço justo.
55
Mão estranha escreveu perto dessas palavras: dezessete de junho de 1638. Quem escreveu esta data não pensou que
em 1638, a oitava do Santíssimo Sacramento, caía a 10 de junho e não a 17. Em junho de 1638, São Vicente estava
em Fréneville e doente. Isto nos leva a concluir que o ano e o mês são exatos.
66
Jean Louistre, Irmão coadjutor, nascido em Mantes, em 1613, entrou na Congregação da Missão a 14 de março de
1637, fez os votos a 15 de março de 1642.
1
Carta 329. ─ C. aut. ─ Dossiê de Turim, original.
1
Proprietário do lugar.
22
Jean Francisco Delabarre.
343

Há uma lesão de cerca de sessenta libras. Esse homem fará bem em liberar o vendedor
do rigor da cláusula, segundo a qual o prado não poderá ser recebido em resgate,
completados os três anos (?)3, ou então que ele lhe dê as sessenta libras, além das cem,
pela venda pura e simples. Deste modo, comprará o prado por vinte denários, preço
justo do bem que não é de classe nobre. Além do mais, esta espécie de contratos, que
contêm o rigor da cláusula acima, é contra os bons costumes, quando não se dá o justo
preço.
Eis, senhor Padre, o que vos posso dizer daqui de Fréneville, onde me encontro,
com minha febrezinha, por ordem de Alexandre 4. Muita gente aqui pergunta por vossas
notícias. O Irmão Hubert5 está indo muito bem. A senhora de la Granje está gravemente
doente, escarrando sangue dos pulmões. Será uma grande perda para essa paróquia.
Recomendo-a a vossas orações e saúdo muito humildemente o bom Padre Abeline, o
Padre Le Breton e o restante da comunidade. Sou, no amor de Nosso Senhor, senhor
Padre, vosso muito humilde servo,

Vicente de Paulo.

Fréneville, oitava da festa do Santo Sacramento6, 1638.

Destinatário: Ao senhor Octobre, porteiro do castelo de Montmirail, para


entregar, por obséquio, ao Padre Bécu, padre da Missão, em Montmirail.

330. ─ A JEAN DEHORGNY

[Junho de 16381].

Senhor Padre,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Envio-vos este portador expressamente para vos dizer que esse bom senhor de
Osny, lugar situado a uma pequena légua para além de Pontoise, não veio. Não sei se é
culpa dele ou do porteiro. Peço-vos enviar alguém, logo amanhã de manhã, ao granjeiro
de Courcelles2 para lhe dizer que lhe peço enviar-me algum de seus genros. Que ele
parta no mesmo dia, à tarde, para ir dormir em São Lázaro, e no dia seguinte, bem cedo,

33
O texto original, bastante obscuro, traz a mesma interrogação nesse local (N. d. T.).
44
Nome de batismo do Irmão Véronne, enfermeiro de São Lázaro.
55
Hubert Bécu, irmão do destinatário desta carta, nascido em Braches (Somme), cerca de 1607, recebido na
Congregação da Missão em julho de 1629, na qualidade de Irmão Coadjutor. Fez os votos a 24 de fevereiro de 1645.
66
10 de junho.
1
Carta 330. ─ C. aut. ─ Dossiê de Turim, original.
1
Mão estranha escreveu no lado reservado ao endereço: Fréneville, 1638. O lugar desta carta parece ser entre as
cartas 329 e 331.
22
Courcelles não era muito grande. Seu território está englobado em nossos dias pela comuna de Levallois-Perret (Cf.
Lebeuf, op. cit., t. I, p. 429).
344

esteja aqui, na tarde de terça-feira, porque está urgindo o tempo de o granjeiro semear a
aveia. Resta-lhe apenas fazer quinze jeiras.
Além disso, peço-vos mandar buscar em La Chapelle o filho mais velho, já
casado, do granjeiro e de tomar informações com ele sobre como o senhor Bienvenu,
nosso granjeiro de Gonesse3, o manda gradear duas vezes ao mesmo tempo a área de
trigo na qual o senhor Prior 4 mandou semear o seu sanfeno, atrás da granja. Parece que,
da primeira vez, a grade estava com uma extremidade deitada, e, da segunda vez, no
sentido transversal da área, com a grade não deitada, mas na posição comum. Suplico-
vos, senhor Padre, informar-se bem sobre isso com esse moço, ou, se ele não se lembrar,
procurar sabê-lo do senhor Bienvenu e mo comunicar.
Não cheguei até Limouron5 porque senti um pouco de incômodo no primeiro dia,
e Jean Besson6 também. Além disto, tive aqui bastante ocupação. Fizemos compras para
os reparos a fazer e para o muro do jardim, por mais ou menos cem escudos. Nesta
manhã, devemos decidir a compra das ovelhas do granjeiro, conforme seu desejo.
Se eu puder, partirei logo para Limouron. Essa terra é toda de Deus. Ó senhor
Padre, que frutos admiráveis de sua bondade para com esse povo!
Duvido muito possa estar de volta a Paris antes de quinta ou sexta-feira.
Tornareis a enviar, por favor, o portador com aquele que virá semear, ao qual garantireis
que nós o recompensaremos.
Saúdo-vos a todos, ao senhor Prior e a toda a casa. Sou v. s.,

V. Depaulo.

Destinatário: Ao senhor Padre Dehorgny, padre da Missão, em São Lázaro.

331. ─ A JEAN DE LA SALLE

Senhor Padre,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Voltei ontem de Limouron muito tarde e só pude ler vossa carta e a do Padre
Marceille. Envio-vos este jovem de Mespuits 1, que encontrei aqui, pois o Padre Portail
deixou de vo-lo enviar. Mandai que ele faça primeiro o seu retiro, por favor. Fico com o
pequeno Jean até amanhã.
Pela graça de Deus estou passando bem, depois de minha viagem. É
impressionante que, enquanto estive aqui sem fazer nada, fiquei numa situação
semelhante à de Paris, e que a grande celeuma acabou quase totalmente com o meu

33
Hoje centro administrativo de cantão em Seine-et-Oise.
44
Adriano Le Bon.
55
Provavelmente Limoron, quarteirão da comuna de Villamblain (Loiret), na qual havia um priorado.
66
Jean Besson, Irmão Coadjutor, nascido, em Carisey (Yonne) a 30 de novembro de 1611. Entrou na Congregação da
Missão a 08 de dezembro de 1635. Fez os votos a 21 de outubro de 1646.
1
Carta 331. ─ C. aut. ─ Dossiê de Turim, original.
1
Pequena comuna de Seine-et-Oise.
345

incômodo. Se continuar nesse estado, voltarei no fim da semana, se Deus quiser. Que
vos direi, entretanto, do senhor Prior2? Se houver algum motivo para ir estar com ele,
podereis ir, vós ou o Padre Marceille; contudo, não sei se ele falou do último contrato de
arrendamento de Bourget. Estou admirado por me terem comunicado que eu tinha dito
fosse ele passado em minha ausência. Acredito que não me fiz entender bem. Parece-me
ter dito que o arrendatário esperasse até a minha volta, porque havia alguma coisa a
respeito da qual precisaríamos convencer o senhor Prior. Não há dúvida de que o Padre
Marceille o entendeu de modo diferente. Sei, todavia, que falei da primeira oferta ao
senhor Prior, no dia anterior à minha partida, e que ele me disse ser melhor aceitar a
primeira oferta, de preferência àquela que um outro lhe fizera.
Suplico-vos, senhor Padre, que um de nossos porteiros não deixe jamais a
portaria, qualquer que seja a razão e que haja sempre dois à disposição.
Não me dizeis quem executa as prisões e quem tem as chaves.
Que vos direi a respeito dessas pessoas que pedem para pertencer à Companhia?
Nada, a não ser que deixo todos ao vosso critério. Quanto a esse jovem de Caen, que
teme as ternuras de seu pai, é preciso observá-lo por mais tempo, sobretudo se seu pai
ficar constrangido e se ele não tem algo bastante recomendável.
Escrevi isto ao me levantar. A presente carta servirá também para o Padre
Marceille, a quem peço dar 800 libras a Alexandre, para os tecidos, e procurar se virar
por mais tempo com o que lhe resta. Veremos, quando eu voltar, o que se poderá fazer
para o necessário à subsistência. Peço-lhe muito que ele cuide de sua saúde, e a
Alexandre, da dele. Que ele mande Henrique a Saint-Denis para providenciar os tecidos.
Se esse último estiver indisposto, o Padre Marceille poderá dizer ao Padre de Vincy que
vou pensar no pedido que ele faz de um rapaz. Mas quanto ao nosso Irmão Besson, nem
pensar. Eu o saúdo muito humildemente. Transmiti ao senhor Prior, se fordes estar com
ele, a certeza de minha obediência, e saudai o senhor Cosin.
Bom dia, senhor Padre, sou vosso muito humilde servo,

Vicente de Paulo.

O açougueiro das proximidades de Limouron, irmão da Madre Superiora das


Filhas da Caridade da Praça Real3, levará seu rebanho de carneiros para passar a noite
em São Lázaro. Peço-vos combinar com o granjeiro para que ceda os estábulos, e aloje
o senhor açougueiro e os seus empregados em nossa casa, trate-os com cordialidade em
suas idas e vindas à feira Saint-Denis. Enviar-vos-ei amanhã o pequeno Jean. O Padre
Marceille fará compras com o encarregado do feno de Villepreux e não o enviará aqui a
não ser quando lho dissermos.

14 de junho de 1638.

22
Adriano Le Bon.
33
Um hospital para mulheres doentes funcionava, desde 1629, perto da Praça Real, onde fora construído
recentemente o hospital Andral, no Ângulo entre as ruas dos Tournelles e dos Mínimos. Fora confiado às
Hospitaleiras da Caridade Notre-Dame (História da cidade de toda a diocese de Paris, por Lebeuf, retificações e
adições de Bounon, p. 359).
346

Destinatário: Ao senhor Padre de la Salle, padre da Missão, em São Lázaro,


Paris.

332. ─ A DENIS DE CORDES

[16381].

Senhor,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Estou indo para Rueil. Nosso negócio urge. Suplico-vos muito humildemente
transmitir nossas escusas ao senhor Gillotin, de Etampes, que deve ir encontrar-se
convosco essa tarde, para tratar da granja de Fréneville, e decidir, ou mesmo passar o
contrato, se o aprovardes. O Padre Marceille vos levará o dinheiro e, se for necessário,
estipulará alguma cláusula. O preço é de 200 libras das quais é preciso reter o fundo de
50 libras de renda para o óbulo do último mês, de um lado, e dez libras do outro. Seria
bom retirar as cartas que ele tem e mandar especificar o número das jeiras de terra, que
dizem ser de cento e cinquenta, das quais uma grande quantidade está inculta.
Perdão, Senhor, por tanta importunação. Sou vosso muito humilde servo,

Vicente de Paulo.

Manhã de segunda-feira.

Destinatário: Ao senhor Padre Marceille, para entregar ao senhor de Cordes,


Conselheiro do Châtelet.

333. ─ LUÍSA DE MARILLAC A SÃO VICENTE

Senhor Padre,

Acabam de informar-me que há contágio na casa onde moram as Irmãs do


Hospital Geral. Peço-vos dizer-me se será preciso retirá-las ou se, deixando-as lá,
tenhamos de avisar às Damas para não irem até lá e se nós mesmas devamos ir. Refiro-
me às Irmãs daqui. Dizei-me também se não há perigo em arranjar doces para levá-los
ao Hospital Geral.
Vós vos esquecestes que vos disse ter necessidade de vos falar. Não sei o que o
bom Deus me quer fazer compreender, porém, espero que vossa caridade me oriente
sobre isso.
Sou, senhor Padre, vossa muito humilde filha e serva agradecida,
1
Carta 332. ─ C. aut. ─ Dossiê de Turim, original.
1
Mão estranha acrescentou 1638, depois das palavras manhã de segunda-feira.
347

L. de M.

Nada vos direi sobre o que tão inoportunamente mandei as Irmãs fazerem. Fico
esperando o que vossa caridade quiser ordenar-me.

02 de julho. [Provavelmente em 16381].

Destinatário: Ao senhor Padre Vicente.

334. ─ A JEAN DE FONTENEIL

Senhor Padre,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Rendo-vos mil ações de graça pela caridade que fizestes ao pobre Beyrie 1 e peço
a Deus o ajude a ser paciente e seja vossa recompensa.
Enviei vosso pacote para Châllons e não recebi resposta para vos dar. Se vos
aprouver escrever de novo, encarregarei expressamente a dona do coche, minha
conhecida, de retirar vossa carta.
Estou, além disso, infinitamente feliz pela bênção que apraz a Deus conceder a
vossa santa comunidade e lhe peço a abençoe cada vez mais. Parece-me que não vos
deveis lamentar por ter empregado tanto tempo honrando a vida oculta de Nosso
Senhor, nem fazer dificuldade em começar a levantar essa nesga de aurora no horizonte
dos embates, com o espírito de humildade de que me parece Nosso Senhor vos fez
participante.
Sois nosso socorro em Bordéus, em todas as ocasiões que se apresentam.
Suplico-vos, senhor Padre, perdoar-me, se dele me utilizo com muita liberdade.
Lembramos aqui do Padre Grenu. Talvez ele passe em vossa casa e poderá
encontrar-se com os senhores Padres de Sergis e Brunet, ou ainda com o Padre Boudet,
que está indo da Bretanha para Tolosa. Se uns e outros tiverem necessidade de
adiantamento de dinheiro, suplico-vos, senhor Padre, lhes fornecê-lo e eu liquidarei a
letra conforme o combinado.
Saúdo os senhores padres de vossa comunidade com toda a humildade e a
reverência a mim possível, e sou, no amor de Nosso Senhor, senhor Padre, vosso muito
humilde e muito obediente servo,

Vicente de Paulo.

1
Carta 333. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Ano em que a peste grassou com excepcional violência em Paris. São Vicente não julgou conveniente interromper
nessa ocasião o serviço da colação (sopa).
1
Carta 334. ─ C. aut. ─ Dossiê de Turin, original.
1
Este nome se encontra frequentemente nos antigos registros de catolicidade da aldeia natal de São Vicente de Paulo.
Este Beyrie não seria o filho de uma das irmãs do Santo?
348

Paris, 20 de julho de 1638.

Destinatário: Ao senhor Padre de Fonteneuil, Cônego do cabido de Saint-


Seurin, em Bordéus.

335. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[1638 ou 16391].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Receberíeis de bom grado uma criança exposta, trazida ontem aqui por pessoas
de qualidade, que a encontraram num lugar dependente daqui? Ela tem apenas dois ou
três dias e foi batizada ontem à tarde em Saint-Laurent. Sendo da condição de crianças
expostas, nada há o que dizer, senão que não o ponhais no Dormitório nem no Hospital
Geral. Se julgarem ser conveniente realizar essa cerimônia, será feita. Suplico-vos,
entretanto, Senhora, que o recebais e o recomendeis à nutriz.
Bom dia, Senhora. Sou, no amor de Nosso Senhor, Senhora, vosso muito
humilde servo,

V. D.

Manhã de terça-feira.

Destinatário: À senhora Le Gras.

336. ─ LUÍSA DE MARILLAC A SÃO VICENTE

[16381].

Senhor Padre,

Envio-vos uma carta. Creio ser urgente tomar alguma providência a respeito
dessa pobre Irmã. Ela conquistou o coração de todos os habitantes a tal ponto que
corre o boato de que, se for transferida, não receberão lá nenhuma outra. Desde há
muito tempo, ela se aconselha com todos, principalmente com alguns solteirões
1
Carta 335. ─ Dossiê da Missão, original.
1
Esta carta é posterior à obra do Crianças Expostas (1638). Depois de 1639, São Vicente teria escrito “Manhã de
terça-feira” no começo da carta e não no fim.
1
Carta 336. ─ C. aut. ─ Revue des Documents Historiques, junho de 1873, p. 45, fac-símile.
1
Esta carta foi escrita depois da carta 289 e antes da partida de Bárbara Angiboust para Richelieu.
349

chamados de Senhores de la Noue, dos quais recebe presentes, tem boa mesa, ganha
garrafas de vinho e pastéis. Suplico-vos muito humildemente e por amor de Deus
pensar nos inconvenientes dessa desagradável situação, da qual eu penso ser
responsável. Suplico-vos rogar ao nosso bom Deus que me perdoe, senhor Padre. Sou
vossa muito humilde e agradecida filha e serva,

L. de M.

Terça-feira.

Destinatário: Ao senhor Padre Vicente.

337. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[16381].

Não vos espanteis com a revolta dessa pobre criatura. Veremos muitas outras
durante a vida. Não sofreremos tanto com os nossos como sofreu Nosso Senhor com os
seus. Submetamo-nos, de coração, ao seu beneplácito, no caso presente. Importa fazer
com que ela venha, seja mediante uma carta minha, ou enviando-lhe a dama fundadora,
ou mesmo enviando-lhe um padre daqui, porque, afinal, é preciso transferi-la. Vereis a
carta que ela me escreve. Ó bom Deus, como essa pobre criatura me enganou!
Peço-vos comunicar-me vosso pensamento sobre isso, ou se Bárbara2 estaria
mais em condições de conquistá-la, ou então se vossa saúde vos permitiria levar até lá a
pequena Jeanne3 e colocá-la em seu lugar.
Se ela quiser ficar em Nogent, Madame de Brou 4, prima do Padre de Vincy, tem
todo o poder para isso.

Vicente de Paulo.

1
Carta 337. ─ C. aut. ─ Revue des Documents Historiques, junho de 1873, p. 45, fac-símile.
1
Esta carta responde à precedente, depois da qual São Vicente a escreveu.
22
Bárbara Angiboust.
33
Jeanne Lepeintre, que Madame Goussault, sua patroa, mandara para as Filhas da Caridade. Era, diz em outros
lugares São Vicente, “uma boa jovem, juduciosa e suave”. Ela se tornou professora em Saint-Germain-en-Laye
(1642), superiora das Irmãs de Nantes (1647), depois, das de Châteaudun (1655) e de Salpêtrière (1657). “Já durante
a vida da senhora Le Gras, lemos em um manuscrito (Coleção de documentos relativos às Filhas da Caridade, p. 24),
que parecia hipocondríaca, e que não se podia mandá-la fazer o que não lhe agradava, nem insinuar-lhe outros
sentimentos além daqueles que lhe ocupavam o pensamento”. Esse defeito lhe valeu mais de uma censura de São
Vicente. Seus últimos anos decorreram tristemente na casa Nom-de-Jésus, onde, em razão do desvio de sua razão,
tiveram de interná-la (Ibid.).
44
Dama da Caridade.
350

338. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[1638 a 16391].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Mandei escrever ao Padre de la Salle e ao pároco de Saint-Germain para
despedir essa Irmã. Madame Chaumont acaba de me escrever a respeito dela, a pedido
insistente da senhora Chemerault2, que lhe transmitiu esse recado ontem à tarde.
Precisamos fazer o que nos for possível sobre esse assunto, mas ser-nos-á enfim
necessário ceder à força, se os poderosos entrarem no caso.
Madame Goussault está satisfeita com a irmã de Bárbara 3. Penso que fareis bem
em ficar com ela. Seu irmão está voltando de lá.
Bom dia, Senhora. Sou v. s.,

V. D.

Escrevo a Madame Goussault que vos envie a carta da Madame Chaumont que
acabo de enviar para ela.

Destinatário: À senhora Le Gras.

339. ─ A ROBERTO DE SERGIS

Senhor Padre,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Recebi a carta que me escrevestes, em parte de Plassac1 e em parte de
Angoullême, com a data do dia de Santa Marta, pela qual vejo, ao que me parece, que as
dificuldades insinuadas em vosso espírito desapareceram. Sempre acreditei que seria
assim. Tenho somente que vos solicitar a esse respeito, senhor Padre, que trabalheis
para vos desapegar da estima que tivestes, até o presente, pelo brilho e o esplendor da
virtude, e pelos vãos aplausos do mundo. Nosso Senhor fugiu muito de tudo isso e nos
recomenda frequentemente façamos o mesmo. Trabalhemos com consciência na
aquisição das verdadeiras e sólidas virtudes.

1
Carta 338. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Esta carta se situa entre a fundação de Saint-Germain-en-Laye e a morte de Madame Goussault.
22
Uma das damas de honra da Rainha da Áustria, de muita influência sobre Richelieu.
33
Cecília Inês Angiboust prestou grandes serviços à Comunidade, sobretudo no hospital de Angers, onde foi
superiora de 1647 a 1657. “A Irmã Cecília é inestimável”, dizia São Vicente depois de tê-la visto em ação.
1
Carta 339. ─ C. aut. ─ Dossiê de Turim, original.
1
Pequena localidade de Charente.
351

Sinto-me um pouco penalizado por ter o Padre Brunet partido sem vós, contra a
regra que nos obriga a não nos separar. Em nome de Deus, senhor Padre, observemos
religiosamente tudo que nos é marcado, e Nosso Senhor nos abençoará. Do contrário,
tudo é de se temer.
Folgo em saber que estais satisfeito por ter convosco o Padre Brunet; e tendes
com certeza motivo para isso, porque é uma santa alma. Espero que o considereis sob
essa luz. Não impedirá isso, contudo, que continueis na direção, enquanto não
receberdes ordem contrária. Escrevi sobre este assunto ao Arcebispo de Tolosa2.
Gostaria muito que visitásseis as Caridades de Saintonge e que tomásseis
convosco esse bom eclesiástico de Plassac, até encontrar o Padre Boudet em Bordéus,
para onde ele tem ordem de se dirigir, o mais cedo possível.
Fico também feliz pela facilidade que tendes de arranjar dinheiro em Agen.
Pagarei tudo aqui pontualmente. Restam ainda cem libras a pagar, segundo o relatório e
vossos recibos, enviados ontem para mim, pelo Vigário Geral, e que mandarei quitar
hoje. Ele recebeu de nós 700 libras e vós recebestes dele 800, confere?
Penso ainda que fareis bem em visitar as Caridades estabelecidas na diocese de
Bordéus. O Padre Fonteneil vos fornecerá os nomes desses lugares. Passando, contudo,
por Bourg3, voltando de Bordéus, visitareis a de lá. Bourg está situada à margem do rio
Garonne, entre Blaye e Bordéus.
Quanto a mim, sou, no amor de Nosso Senhor, senhor Padre, vosso muito
humilde e muito obediente servo,

Vicente de Paulo.

Paris, 14 de agosto de 1638.

Destinatário: Ao senhor Padre de Sergis, padre da Congregação da Missão,


presente, no momento, junto ao senhor Bispo de Angoullême, em Angoullême.

340. ─ LUÍSA DE MARILLAC A SÃO VICENTE

[Cerca de 16381].

Senhor Padre,

Por intermédio da Irmã Turgis, vou enviar vossa resposta a Madame Pelletier.
Sou tão má que gostaria de não ver escrita essa promessa de seu próximo regresso.
O senhor de Liancourt passou ontem por aqui. Não o vi. Mandou-me, porém,
dizer que sua senhora estava aflita por minha volta. A pequena sangria que me fizeram

22
Charles de Montchal.
33
Hoje centro administrativo do cantão de Gironde.
1
Carta 340. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
A presença em Paris, ou nos arredores, de Madame Pelletier e da Irmã Turgis exige esta data aproximativa.
352

ontem fez-me suar durante toda a noite. Graças a Deus, isso me aliviou bastante, de
sorte que pude hoje levantar-me. Por causa do mau tempo, não me sinto, porém, com
forças e nem saúde suficientes para ir estar convosco. Tendo necessidade de falar-vos,
mandei um aviso ao Irmão da portaria para que vos suplicasse tivésseis a bondade de
vir aqui em casa. Tomo esta liberdade pela confiança que, em outras vezes, vossa
caridade me deu e por acreditar que sou sempre, senhor Padre, vossa muito humilde e
mui agradecida filha e serva,

L. de M.

Domingo.

Destinatário: Ao senhor Padre Vicente.

341. ─ A NOEL BRULART DE SILLERY

[Entre 1634 e 16401].

Senhor,

Jamais conheci bondade tão amável quanto a vossa. Se eu tivesse tantas graças
como vós, eu vos faria um dos mais belos agradecimentos, jamais recebidos por vós.
Como Nosso Senhor não me deu essa capacidade, peço-lhe seja ele mesmo a minha
capacidade para esse fim e dê a conhecer ao vosso bom coração a estima que toda a
Congregação e eu, em particular, temos para convosco, assim como a perene e
terníssima afeição que aprouve à divina Majestade inspirar-me por vossa digna pessoa.
Gostaria de ter palavras adequadas à gratidão que tenho pela caridade e pelos benefícios
que esta pobre e pequena Companhia recebe incessantemente de vossa liberalidade.
Rogo a Nosso Senhor seja vossa recompensa e vos adorne a coroa, preparada para vós
no céu, enquanto fazeis o possível para estabelecer na terra o seu império sobre as
almas.

342. ─ A JEAN BÉCU

Senhor Padre,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Não posso exprimir-vos a consolação que sinto com a notícia que vossa carta,
que acabo de receber, me trouxe, e rendo graças a Deus e ao bom senhor Pecoul. Ó meu
1
Carta 341. ─ Vida do ilustre servo de Deus Noel Brulart de Sillery, p. 126.
1
É entre estas duas datas que Noel Brulart de Sillery cumulou a Congregação da Missão de seus benefícios.
Carta 342. ─ C. aut. ─ Dossiê de Turim, original.
353

Deus, quantos favores devemos a esse grande servo de Deus! Peço-vos saudá-lo muito
humildemente, em meu nome, e dar-lhe a certeza da minha gratidão.
Julgo ser necessário não pensar em acusar o senhor procurador do Rei. Torná-lo-
íeis duplamente indisposto e não tendes necessidade disso. A partir de amanhã darei
ordem no sentido de trabalharem por obter as cartas necessárias ao vosso sobrinho. Não
é necessário ocupar-vos com isso aí, nem encarregar algum amigo para cuidar da
homologação das cartas. É uma questão que demanda tempo, e não sei se é conveniente
prossegui-la, no momento, atropeladamente. As questões criminais exigem o baixar da
poeira para chegarem a bom termo. Trazei convosco todos os relatórios possíveis. Será
bom pedir conselho a um ou dois famosos advogados de Amiens, a fim de ver como
deveis proceder e reuni-los para este objetivo. Quando chegardes, faremos o mesmo
aqui. Trazei, por favor, o parecer deles por escrito.
Com todo o prazer, comunicaremos o que dizeis à sobrinha do vosso benfeitor,
que eu saúdo, e de quem sou, assim como do senhor Leleu e vosso, senhor Padre, muito
humilde e muito obediente servo,

Vicente de Paulo.

Paris, 29 de agosto de 1638.

Depois de escrita a presente, reli vossa carta e notei que faltam alguns
documentos daí, para obter as cartas reais. Adiaremos nossas diligências até vosso
retorno. Com efeito, não saberíamos no presente como fundamentá-las.

Destinatário: Ao senhor Padre Antônio, organista capelão de Notre-Dame,


morador próximo de Saint-Remy1, para entregar ao senhor Padre Bécu, padre da Missão
em Amiens.

343. ─ A BERNARDO CODOING, PADRE DA MISSÃO, EM RICHELIEU1

29 de agosto de 1638.

Louvo a Deus, senhor Padre, pela graça que vos concedeu de vos dominar, da
maneira como fizestes, a respeito da insistência com que vos assediavam, no sentido de
ir a vossa terra, e lhe peço, em vosso favor, o dom do mais perfeito autodomínio, de tal
modo a ter sempre o mesmo querer e não querer de Deus, em todas as coisas. É este,
sem dúvida, o estado perfeito das pessoas de vossa vocação. Mas a consolação que
minha alma recebeu por este lado ficou entremeada de dor pela vossa indisposição. Em
11
Igreja de Amiens.
1
Carta 343. ─ Reg. 2, p. 33.
1
O registro fala de carta dirigida “a M. N. em Richelieu”. A menção Ao mesmo M. N. colocada em cima das duas
cartas seguintes nesse registro, uma de 12 de dezembro de 1638, a outra de 25 de maio de 1642, nos permite concluir
que as três eram destinadas a Bernardo Codoing, uma vez que a terceira é sem dúvida alguma destinada a ele.
354

nome de Nosso Senhor, senhor Padre, fazei o possível para recuperar a saúde e poupá-
la, a fim de servir a Deus e aos pobres, por mais longo tempo. Este cuidado moderado
não impede a generosidade que devemos ter em expor nossas vidas nas dificuldades
encontradas nos trabalhos pela salvação de nosso próximo. Ó senhor Padre,como peço
com insistência a Deus que ele nos dê coragem para esta generosidade!

344. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

Senhora,

Tratarei de ir ou então enviarei alguém para atender vossas filhas no sábado, em


La Chapelle. Não tenho mais minha pequena febrezinha, ao que me parece, ou então
muito pouquinho. Ficai certa, Senhora, de que terei mais cuidado de minha saúde, se é
que é possível acrescentar ao que já tenho, em razão de vossa recomendação.
Rogo a Nosso Senhor abençoe vossa viagem e vossa pessoa. Que ele multiplique
suas bênçãos sobre a vossa alma e a da presidente Madame Goussault, com a qual vos
peço ser bastante alegre, mesmo que tivésseis de diminuir um pouco uma certa
seriedade que a natureza vos deu, mas que a graça suaviza, pela misericórdia de Deus,
em cujo amor, sou...

Paris, 30 de agosto de 1638.

345. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Setembro de 16381].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Estou em dívida convosco. A causa é o embaraço em que fiquei depois de vossa
carta. Louvo a Deus pela satisfação que tivestes com vosso filho, e lhe rogo dê-lhe a
graça de por em prática suas boas resoluções.
Quanto ao rapaz, nada tenho a censurar, se lhe falastes a respeito, a não ser que
receio que, ao fazer mais do que podeis, a coisa possa ter alguma consequência;
contudo, peço-vos não dar atenção alguma ao que vos digo sobre isso.
Estive em Saint-Germain2. Madame de Liancourt está melhor. Comuniquei-lhe a
oferta que lhe fizéreis de ir prestar-lhe serviço; ao que ela respondeu: ó meu Deus, seria

1
Carta 344. ─ Manuscrito São Paulo, p. 50.
Carta 345. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
São Vicente anunciava a Lambert aux Couteaux, a primeiro de outubro de 1638, a partida de Bárbara e de Luísa
para Richelieu. A carta acima é anterior. Como a referida carta se situa no tempo das vindimas, importa colocá-la em
setembro.
22
Saint-Germain-en-Laye.
355

muito bom terminar a pintura! Ela me falou de vós por diversas vezes e da satisfação
que tem com a professora das moças.
A Caridade de Richelieu precisa, no momento, de nossa Irmã Bárbara, por causa
da numerosa quantidade de doentes. Que vos parece, Senhora, se a enviássemos para
assistir esse pessoal nessa urgência? Não são doenças contagiosas. Nesse caso, poderíeis
enviar para aqui nossa Irmã Luísa3?
Madame de Chaumont estima ser conveniente que vades a Saint-Germain para
estar pessoalmente com a companhia 4, acompanhada de Madame Goussault. É verdade
que é tempo de vindima. Seria preciso ver o melhor tempo.
Sou, entrementes, no amor de Nosso Senhor, vosso muito humilde servo,

V. D.

Destinatário: Para a senhora Le Gras.

346. ─ A MADAME GOUSSAULT

São Lázaro [entre 1636 e 16391].

Senhora,

Teria imensa consolação em vos ver hoje, Madame, mas ficará para outra
ocasião. A Senhora Le Gras me pediu para confessá-la amanhã de manhã, assim como
as suas filhas, em La Chapelle, e desejaria muito que lhe emprestásseis a carruagem
para isso; não sei, porém, como isso vos seria possível, tendo no momento tantos
negócios.
Suplico-vos, Madame, dizer-lhe que ela não venha, caso tenhais de vir aqui
amanhã de manhã. O que gostaria de dizer-vos não exige que vos apresseis comigo.
Desejo-vos, entretanto, um bom dia, e sou, em Nosso Senhor...

347. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Setembro de 16381].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


33
Para a paróquia Saint-Laurent. Ela acompanhou a Irmã Bárbara até Richelieu.
44
A Confraria da Caridade.
1
Carta346. ─ Pémartin, op. cit., t. III, p. 1, carta 1007.
1
Datas da chegada das Irmãs a La Chapelle e da morte de Madame Goussault.
1
Carta 347. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Esta carta tem naturalmente o seu lugar entre as cartas 345 e 348.
356

Se julgais que Henriqueta2 sabe dar aula, ótimo, experimentai-o. A experiência


teria sido melhor em outra parte; contudo, fazei como Deus vos inspirar. Não penso que
Perrete tenha qualidade própria para isso.
Será realmente bom que reunais as Damas da Caridade 3, se o senhor pároco
concordar; falo das Damas da vila. Madame Chaumont ficará triste se Madame
Goussault e vós não fordes estar com ela 4. Pedi-lhe que não fale disso às jovens da
Rainha5.
Se vossa saúde vos permitir ficar lá sete ou oito dias, tudo bem; até mais, se for
necessário. Passai nesse ínterim a responsabilidade da casa para Madame Pelletier 6 e os
ordenamentos que ela deve observar. Madame Goussault poderá voltar de lá dois ou três
dias depois e poderá ir buscar-vos.
Peço-vos dizer a Madame Goussault que será bom que ela esteja com Madame
Souscarrière7 ou Madame Traversay para comunicar ao Hospital Geral a cessação da
colação8, e que me esqueci de falar da casa; logo que puder falarei com R. P. Sirmond9.
Muito bem; rogo, entretanto, a Nosso Senhor abençoe vossa viagem e sou, em
seu amor, vosso servo,

V. D. P.

Manhã de domingo.

Destinatário: À Senhora La Gras.

348. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

22
Henriqueta Gesseaume.
33
A Caridade de Saint-Germain-en-Laye.
44
A Caridade de Saint-Germain-en-Laye, de que se trata aqui, era composta de senhoras ou damas de honra da
Rainha e de damas das vilas. São Vicente pede a Luísa de Marillac que reúna somente estas últimas. Pede-lhe,
entretanto, que vá estar com a presidente, Madame de Chaumont.
55
As damas de honra da Rainha.
66
A Casa-Mãe.
77
Maria de Tremblay, viúva, desde 1627, de Maximiliano Grangier, senhor de Souscarrière, referendário, intendente
de justiça em Lyon, posteriormente conselheiro ordinário de Estado. Sua filha Margarida casou-se com Antônio
Goussault, filho mais velho de Madame de Goussault. Madame de Souscarrière sucedeu a esta última, em 1639,
como presidente das Damas da Caridade. Morreu em 1670, no decorrer do mês de setembro.
88
“Depois do jantar, em torno das três horas, escreve Abelly, falando das Damas da Caridade ( op. cit., t. I, cap. 29, 1ª
ed., p. 136), elas levavam a colação para todos: pão branco, biscoito, doces e geleia, uvas e cerejas da estação, limões
durante o inverno, peras cozidas e assados com açúcar... iam juntas, em número de quatro ou cinco, todos os dias,
alternadamente, para distribuir esta colação, cingidas de avental. Elas se separavam em direção a diferentes salas,
passavam de um leito a outro para levar essas guloseimas”. A despesa aumentou com o número dos doentes. As
Damas bem cedo tiveram de suprimir o pão, os biscoitos e os limões. Várias vezes, particularmente em 1638 e 1649,
elas abandonaram a colação, quer por causa das doenças contagiosas, quer em razão de economia. A interrupção de
1638 durou vinte dias; foi provocada pelo contágio que afastou de seus alojamentos as Filhas da Caridade
empregadas no Hospital Geral (P. Coste, op. cit., p. 11).
99
Célebre jesuíta, nascido em Riom em 1559. Ensinou primeiro em Paris, depois foi chamado a Roma, como
secretário do Superior Geral. Tornou-se confessor de Luís XIII em 1637 e morreu em 1651. Temos dele uma coleção
dos antigos concílios da França. Editou igualmente algumas obras sobre os Padres e autores eclesiásticos.
357

[Setembro de 16381].

Senhora,

Será necessário enviar alguém para buscar, já amanhã, nossa Irmã Bárbara, e
mandar desde hoje Henriqueta, colocando Nicole em seu lugar. Mas será bom dizer-lhe
que ela vai, mas pode voltar sempre e quantas vezes for chamada. A viagem a Notre-
Dame-des-Vertus2 poder-lhe-á obter alguma graça de Deus.
Sou, em seu amor, Senhora, vosso muito humilde servo,

Vicente de Paulo.

349. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[16381].

Senhora,

Esta senhora me causa compaixão, como também a vós. Mas qual o remédio?
Nenhuma comunidade religiosa irá aceitá-la com este incômodo. Seria melhor devolvê-
la à sua terra? Se julgardes conveniente trocar ideias sobre isso, com muita seriedade,
com a senhora Musnier e conservá-la por enquanto, durante quinze dias, tudo bem.
Escrevi, esta manhã, a Madame Traversay, para que ela preencha as sete vagas,
em parte com crianças do Hospital Geral e em parte com as do Dormitório, até que
tenhais uma outra nutriz, uma cabra e uma vaca.
Bárbara2 não poderá vir tão cedo, de modo que eu lhe possa falar.
Bom dia, Senhora. Sou vosso servo,

V. D.

Destinatário: Para a senhora Le Gras.

350. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

1
Carta 348. ─ Cartas de São Vicente a Luísa de Marillac, ed. aut., carta 175. O texto foi tirado diretamente do
autógrafo.
1
Esta carta parece estar em seu lugar depois da carta 347.
22
Em Aubervilliers.
1
Carta 349. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Esta carta data, com certeza, dos inícios da obra do Crianças Expostas, isto é, de 1638. A presença de Bárbara em
Paris nos mostra que ela foi escrita no mais tardar nos primeiros dias de outubro.
22
Bárbara Angiboust.
358

[Setembro de 16381].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Estou muito contente com a volta de vosso filho e que ele esteja no colégio 2. Lá
ele está melhor do que aqui3, porque a grande maioria está em retiro, e o resto está
doente ou no seminário. Gostaria, entretanto, que ele viesse passar aqui dois dias, depois
do término do retiro, lá pela quarta-feira da próxima semana.
Estou escrevendo às pressas. Dar-me-íeis grande satisfação em me comunicar
vosso estado de saúde, o de vossas filhas e do Hospital Geral. Soubestes que o padre
Lavocat4 não foi de parecer que se recomece a não ser depois da festa de Saint-Denis 5, e
sabereis um dia que eu sou, mais do que posso dizer-vos, em seu amor, v. s.

V. D.

Destinatário: Para a senhora Le Gras.

351. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[01 de outubro de 16381].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Dissera-vos que iria estar convosco hoje, e contava com isto. Entretanto, uma
pequena indisposição que me sobreveio mo impossibilitou. Suplico-vos, Senhora,
escusar-me e dar ordem às filhas no sentido de não irem hoje para vossa casa, em razão
disto.

1
Carta 350. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Cf. nota 5.
22
No Colégio dos Bons-Enfants.
33
Em São Lázaro.
44
Na introdução das constituições das religiosas Augustinas lemos estas palavras que o dão a conhecer: “Estas
presentes constituições foram compostas pelo senhor Francisco Lavocat, padre, conselheiro, capelão do Rei, abade de
Notre-Dame d’Humblières e cônego da Igreja de Paris, encarregado pelos senhores cônegos da referida Igreja do
cargo de visitador deste hospital (Hospital Geral), o qual exerceu durante doze anos com uma caridade e uma
assiduidade incríveis, reavivando nele o zelo e a piedade pelos serviços dos doentes. Perseverando nestes santos
exercícios, foi acometido de uma febre contínua, da qual veio a falecer, a 15 de janeiro de 1646, com a idade de 48
anos. Seu corpo repousa em Notre-Dame, diante do altar da Virgem, e seu coração, próximo do altar-mor do Hospital
Geral”. Acrescentemos que ele foi camareiro do Cabido e, por este título, encarregado da administração das finanças
capitulares.
55
Nove de outubro. Trata-se, talvez, da colação do Hospital Geral, da qual se falou acima, carta 347, nota 8.
1
Carta 351. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Ver nota 2.
359

Envio-vos cinquenta libras que vos peço entregar a Bárbara e a Luísa para a
viagem delas. Será bom que elas peguem o coche de Tours e que lá elas se informem de
alguém que conduza ordinariamente até Richelieu as pessoas que para lá querem se
dirigir. Elas poderão recorrer a ele e alugar um burro ou uma pequena charrete que as
leve a Richelieu, a dez léguas de distância. Lá elas farão o que puderem em favor dos
pobres doentes, conforme as ordens do Padre Lambert ou de quem o representar. Vai
em anexo um bilhete que lhe escrevo2.
Bom dia, Senhora. Sou vosso servo muito humilde,

Vicente de Paulo.

Cada pessoa deve pagar doze libras pelo coche, até Tours. Darei ordem a um dos
nossos no sentido de reservar-lhes um lugar, no primeiro que partir.

Destinatário: Para a senhora Le Gras.

352. ─ A LAMBERT AUX COUTEAUX

Senhor Padre,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Duas Filhas da Caridade1 vão estar convosco e deverão aliviar as Damas da
Caridade e assistir os pobres doentes. As duas sabem dar aulas para as meninas. Quando
diminuírem os doentes, poderão deixar uma convosco para esse fim, a outra deve voltar.
A Madame Duquesa d’Aiguillon me disse que escreveria ao senhor de Grandpré 2 para
arranjar-lhes alojamento. Espero que ela, ou então Sua Eminência, dê ordem também a
respeito de sua manutenção. Suplico-vos, entretanto, fornecer-lhes o que for necessário
para sua alimentação.
Estou preocupado com vossa indisposição e a dos senhores padres Codoing,
Durot et Buissot. Caso o Padre Codoing tenha a febre quartã, já que me disse estar em
dúvida, importa pensar num meio de transportá-lo para aqui. Seria por charrete até
Tours e de lá, pelo coche, se os seus acessos não forem muito fortes.
Em nome de Deus, senhor Padre, fazei o possível e não poupeis nada em
benefício de vossa saúde. Peço a Deus e mandarei pedir-lhe que lha torne perfeita.
Enviar-vos-ei, dentro de dez ou quinze dias, dois ou três da Companhia, e talvez
o Padre Boudet se dirija de Bordéus para Richelieu. Ele está um pouco indisposto em
Bordéus, onde o Padre de Sergis o deixou para se tratar, pois tinha pressa de partir para
Tolosa. Se ele for para Richelieu, eu vo-lo recomendo. Se o Padre Olier fala a verdade,
o bom Padre Boudet é um santo. Esteve na Bretanha com ele, onde notou sua virtude e

22
A carta 352.
1
Carta 352. ─ C. aut. ─ Dossiê de Turim, original.
1
Irmã Bárbara Angiboust e Irmã Luísa.
22
Antônio Francisco de Joyeuse, conde de Grandpré.
360

me escreveu a respeito em termos muito expressivos da opinião que tinha dele. Somente
eu sou um miserável pecador, que faço apenas o mal sobre a terra e que devo desejar
praza a Deus retirar-me dela bem cedo, como espero de sua bondade, e que ele terá
misericórdia de mim.
Projetava uma viagem para ir ver-vos, quando o senhor Arcebispo me deu ordem
de fazer a visita em uma casa religiosa desta cidade, o que vai ocupar-me por longo
tempo3. Mandara pedir-lhe que me dispensasse disto, e ele o teria realmente feito. Mas,
partindo para Anjou, disse-me que fora constrangido a se retratar da dispensa que lhe
aprouvera dar-me, por razões particulares e de importância, que me comunicaria na
volta. Ora pois, eu sou um filho da obediência. Parece-me que, se ele me recomendasse
ir às extremidades de sua diocese e de permanecer lá toda a minha vida, eu o faria como
se Nosso Senhor mo tivesse ordenado e que esta solidão ou emprego que lá me desse,
seria um paraíso antecipado, já que eu estaria cumprindo o beneplácito de Deus.
Sou, no amor de Nosso Senhor, senhor Padre, vosso muito humilde servo,

Vicente de Paulo.

São Lázaro, 01 de outubro de 1638.

Destinatário: Ao senhor Padre Lambert, superior dos Padres da Missão, em


Richelieu.

353. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[02 de outubro de 16381].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Não vos escrevo de próprio punho, porque recebi sangria esta manhã, em razão
de um pequeno incômodo que me impediu de ir estar com minha bondosa Madame de
Liancourt. Penso que não estais em condição de suportar a fadiga que teríeis junto dela,
e que ela ficaria pesarosa com isto.
Não há perigo em permitir a nossa Irmã Luísa que vá estar com o bom senhor de
Bezay , nem em lhe dizer que suspenda a preparação de seus pertences. Ordenei hoje a
2

reserva de dois lugares e que se desse o adiantamento ao coche de Tours. Esta tarde
ficarei sabendo o dia, a hora, o lugar donde vai partir. Penso ser bom confiar o cargo de
superiora a nossa Irmã Bárbara3, até nova ordem. Parece-me igualmente que será bom
tirar proveito do pequeno trabalho delas, quando não houver tantos doentes.
33
A viagem foi adiada. São Vicente estava de volta de Richelieu antes dos meados de dezembro.
1
Carta 353. ─ Dossiê da Missão, original ou cópia do século XVII.
1
Ver nota 1 da carta 354.
22
Talvez Antônio du Deffand, cavalheiro, senhor de Tremblay, Fontenay, Sementron, Bezée e outros lugares.
33
Bárbara Angiboust.
361

Louvo a Deus pela maior satisfação que sentis com vosso filho.
Esqueci-me de escrever ao Padre Dehorgny 4 a respeito do rapazinho. É só pedir-
lhe que vos diga ele próprio uma palavra sobre ele, caso eu venha a esquecer-me. Nossa
Irmã Elisabeth5 poderá confessar-se com outro padre que julgardes conveniente. Quanto
a Jaqueline, a única saída é mandá-la embora.
Folgo em saber que ficastes com a Irmã Margarida e que lhe mandastes fazer um
retiro.
Pensais, de fato, Senhora, que as duas filhas dessa paróquia possam assistir os
doentes e ao mesmo tempo dar aulas? Se assim o for, do que eu duvido, seria bom
enviar a Irmã Jaqueline para o lugar da Irmã Margarida, na paróquia de Saint-Jacques.
Mas, sendo assim, será necessário dizer antes uma palavra ao senhor Pároco e às oficiais
da Caridade dessa paróquia.
Escrevi-vos ontem a carta que acompanha a presente, que não vos pude enviar.
Bom dia, Senhora. Sou vosso servo,

Vicente de Paulo.

Sábado, 11horas.

354. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Outubro de 16381].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Com muita alegria peço a Nosso Senhor conceda a sua santa bênção a nossas
queridas Irmãs e que as torne participantes do espírito que ele concedeu às santas
mulheres que o acompanhavam e cooperavam com ele na assistência aos pobres doentes
e na instrução das crianças. Meu bom Deus, Senhora, que felicidade para essas filhas
irem continuar a Caridade que Nosso Senhor exercia na terra, no lugar para onde vão! E
quem diria, ao vê-las juntas com as duas toucas2, no coche, que estivessem indo para
uma obra tão admirável aos olhos de Deus e dos anjos, que o Homem-Deus a julgou
digna de si e de sua Santa Mãe? Oh! como o céu se alegrará vendo isto, e como serão
admiráveis os louvores que elas receberão no outro mundo! Como caminharão de fronte
erguida no dia do juízo! Com toda a certeza, parece-me que as coroas dos impérios do
mundo são como lama, em comparação daquelas com que serão coroadas. Resta, agora,
44
Então diretor do Colégio dos Bons-Enfants.
55
Elisabeth Martin.
1
Carta 354. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Mês e ano da partida das Irmãs Bárbara e Luísa para Richelieu.
22
Alusão à coifa das Filhas da Caridade. “As primeiras Filhas da Caridade, quase todas originárias das cercanias de
Paris, tinham conservado os trajes em uso em suas casas, pelas mulheres do povo, isto é, habitualmente um vestido de
sarja cinza e uma pequena touca ou coifa de tela branca, chamada toucado, que lhes cobria os cabelos” (Baunard, op.
cit., p. 297).
362

apenas adverti-las para que se comportem dentro do espírito da Santíssima Virgem, em


sua viagem e ação; que elas a contemplem com frequência, como diante dos olhos,
como à frente ou ao lado delas; que ajam da maneira como imaginam que a Santíssima
Virgem agiria; que meditem em sua caridade e humildade, e que sejam humildes diante
de Deus e cordiais entre si, fazendo o bem a todos e a ninguém desedificando; façam
seus pequenos exercícios de piedade todas as manhãs, ou antes da partida do coche, ou a
caminho; levem com elas algum pequeno livro para lerem de vez em quando e em
outras vezes rezem o terço; contribuam com os colóquios a respeito de Deus e de modo
algum com os do mundo, menos ainda com conversas inúteis. Sejam como rochedos
contra as familiaridades que alguns homens poderiam tentar com elas. Dormirão
separadamente em um quarto, que solicitarão primeiro às hospedarias, ou no de algumas
senhoras honradas, se as houver entre as que viajam no coche; caso não haja alojamento
nas hospedarias dos coches, procurem alojamento em algum lugar próximo, se houver
facilidade.
Tendo chegado a Richelieu, irão primeiro saudar o Santíssimo Sacramento.
Estarão com o Padre Lambert, receberão suas ordens a respeito dos doentes e das
crianças que irão para as aulas e tratarão de cumpri-las. Observem os pequenos
exercícios diários que têm o hábito de praticar no presente. Confessar-se-ão somente de
oito em oito dias, se não ocorrer alguma festa importante no decorrer da
semana.Enquanto cuidam dos corpos dos pobres, procurarão ser-lhes úteis às almas.
Honrarão e obedecerão às oficiais da Caridade e respeitarão muito as outras, animando-
as a se afeiçoarem a seus santos trabalhos. Procedendo desta maneira, estarão levando
diante de Deus uma vida muito santa, e de pobres filhas tornar-se-ão grandes rainhas no
céu. É o que peço a Deus, em cujo amor sou, delas e de sua cara superiora, muito
humilde servo,

Vicente de Paulo.

Peço-vos dizer-me se o rapazinho vos entregou as cinquenta libras que vos


enviei por meio dele e orar a Deus pela bondosa Madame de Liancourt cuja saúde
piorou muito3.

355. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[1638, cerca de outubro1].


33
Palavras riscadas: ela me disse que fosse estar com ela e M. Martinot... pedi-lhe que me escusasse... por causa...
1
Carta 355. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
363

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Quando eu tiver a graça de estar convosco, dir-vos-ei o estado de espírito do
vosso filho em relação às ordens sacras. Não sei se irei em breve a La Chapelle. Se não
for, cumprireis o dever de caridade para com a Madame de Marillac 2 e para com o seu
filho3. Pedi portanto a carruagem, quando vos aprouver. Seria melhor que fosse para
amanhã, domingo, pois que será necessário dormir lá, por causa desse dia de jejum. Mas
o que há de mal nesse bom senhor 4 e na gravidez da Madame sua mulher 5? Não sei
quem me despertou a curiosidade, mas me parece que essa família me toca o coração
com ternura.
Aguardo a proteção que o senhor Chanceler6 nos faz esperar, e sou, no amor de
Nosso Senhor, Senhora, vosso muito humilde e muito obediente servo,

Vicente de Paulo.

Manhã de sábado.

Recebi, esta manhã, a vossa carta depois de ter escrito a presente. Em resposta,
dir-vos-ei que o senhor vosso filho disse ao Padre de la Salle que ele entrava nessa
condição apenas porque vós o queríeis, que desejou para si mesmo a morte 7, por causa
disso e que para vos agradar ele receberia as ordens menores. Ora, seria isto vocação?
Creio que ele preferiria morrer a desejar vossa morte. Seja como for, venha isso da
natureza ou do diabo, sua vontade não está livre para tomar uma decisão, no assunto de
tal importância, e não deveis desejá-lo. Há algum tempo, um bom rapaz desta cidade
recebeu o subdiaconato com essa disposição e não pôde passar para as outras ordens
sacras. Gostaríeis de expor vosso filho ao mesmo perigo? Deixai que Deus o conduza,
ele é mais seu pai do que sois sua mãe, e o ama mais do que vós. Deixai que ele mesmo
assuma a conduta de vosso filho. Ele saberá chamá-lo em outra ocasião, se o desejar, ou
lhe dará um emprego conveniente a sua salvação. Lembro-me de um padre, que esteve
aqui e que recebeu o sacerdócio com esta perturbação de espírito. Deus sabe a que ponto
ele chegou no momento!
Bom dia, Senhora. Entregai-vos totalmente a Nosso Senhor, sempre submissa a
seu beneplácito. Sou, no seu amor, v. s.

V. D.

1
Ver nota 5.
22
Maria de Creil, viúva de Renê de Marillac.
33
Michel de Marillac, conselheiro no Parlamento de Paris, neto do Ministro da Justiça, do mesmo nome.
44
Michel de Marillac.
55
Joana Potier, sobrinha do Bispo de Beauvais. Seu filho primogênito Renê foi batizado a 18 de fevereiro de 1639.
66
Pierre Séguier.
77
Primeira redação: que ele desejou a morte para vós e para ele também.
364

Peço-vos fazer a oração sobre a esposa de Zebedeu e seus filhos, aos quais
Nosso Senhor diz, quando ela se apressou em pedir-lhe um privilégio para eles: “Não
sabeis o que pedis”.

Destinatário: Para a senhora Le Gras.

356. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Antes de 16401].

Suplico-vos muito humildemente, Senhora, dizer-me se sois de parecer que eu


vá, esta tarde, estar convosco para atender vossas filhas, ou que eu espere até amanhã de
manhã. Haverá outras pessoas além de vossas filhas?
Desejo-vos, entretanto, um bom dia e sou, no amor de Nosso Senhor, Senhora,
vosso muito humilde servo,

V. de Paulo.

Manhã de domingo.

Destinatário: Para a senhora Le Gras.

357. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Rendo mil ações de graças a Deus por estardes passando bem, e rogo-lhe que
vos conserve em perfeita saúde. Sou do parecer do vosso bom pároco, que comungueis
em vossa casa. Não importa se não sentis tanto o desejo disso. Nosso Senhor o permite
expressamente, como espero, a fim de que tenhais o mérito da obediência, unido ao do
amor pelo qual o fareis, e que, espero, sua bondade vos concederá.
Estive ontem com vosso filho e o amo mais ternamente do que vos posso dizer.
Mas não gosto que deis ocasião aos pensamentos ternos demais que tendes por ele,
porque são contra a razão e, por conseguinte, contra Deus, que deseja partilhem as mães
os seus bens com seus filhos, mas sem se privarem de tudo. Eia pois, falaremos disso o
mais cedo possível, logo que puder estar convosco, o que acontecerá depois da festa.

1
Carta 356. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Depois de 1639, as palavras “manhã de domingo” teriam sido escritas no início da carta.

Carta 357. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
365

Oh! como gostaria de poder dizer-vos tudo o que se disse ontem aqui na
conferência sobre os motivos que temos de celebrar dignamente esta santa festa e os
meios para esse fim! Com certeza, fiquei muito consolado e rogo a Nosso Senhor que
ele vos inspire os mesmos sentimentos. Envio-vos o livro com a condição de lerdes e de
mandar ler apenas dois ou três sonetos por dia, em horas diferentes e bem intervaladas,
do contrário, vos tomaria tempo demais.
Estou aborrecido com o Padre Dehorgny porque foi para os campos sem vos
mandar dinheiro. Dizei-me se estais em necessidade. Tenho a chave do cofre, mas não
tenho oportunidade de ir retirá-lo.
Jamais estive tão embaraçado, e sou, mais do que nunca, no amor de Nosso
Senhor, v. s.

V. D.

Ficai com esta jovem de Lorena, por favor, em caráter de experiência, por
enquanto.

Destinatário: À senhora Le Gras.

358. ─ A LAMBERT AUX COUTEAUX, SUPERIOR, EM RICHELIEU

01 de novembro de 1638.

O senhor presidente Fouquet1 se curou de uma hidropisia com uso de meio copo
de suco de cerefólio com igual parte de vinho branco, bem misturados um com o outro,
e coados em um pano, tomado em jejum. Não se deve comer senão duas horas depois e
beber apenas meio sesteiro de líquido em cada refeição. Um de nossos irmãos do
seminário se curou da mesma doença pelo mesmo meio. Peça, por favor, que N. faça
uso disso e continue por algum tempo. É um remédio soberano e fácil.

359. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Entre 1636 e 16391].



Carta 358. ─ Reg. 2, p. 264.
1
Francisco Fouquet. São Vicente escrevia a 02 de junho que ele estava em perigo.

1
Carta 359. ─ C. aut. ─ Dossiê das filhas da Caridade, original.
366

Senhora,

A graça de Jesus Cristo Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Recebi duas de vossas cartas ou, para melhor dizer, uma em duas. Encontrei-me,
em seguida, e falei com vosso filho, sem lhe dar a conhecer que soubesse algo do que se
passou ontem. Ora, ele me falou com o espírito muito sereno e tranquilo que estivera
convosco, e que estáveis um pouco indisposta. Depois disso, falei-lhe de sua vocação e
se nela perseveraria. Ora, ele me disse muito à vontade que sim e que iria para Sorbona 2
para este fim, e se tinha decidido a levar isso a sério. Isto fez com que eu pensasse não
haver necessidade de lhe falar e nem mesmo de experimentar alguma desconfiança
sobre o que temeis. Permaneça, portanto, em paz, por favor. E o que é mais, ainda
quando as coisas que temeis acontecessem, seria necessário adorar a Providência de
Deus sobre ele e acreditar que a viagem ou a mudança de condição contribuiria para sua
salvação e talvez para uma maior perfeição. Meu Deus! Senhora, se todos aqueles que
se afastaram de seus pais estivessem em perigo de se perderem, onde estaria eu? Muito
bem! Lembrai-vos que tudo contribui para os predestinados chegarem a seu fim, e que
sou, no amor de Nosso Senhor, Senhora, vosso muito humilde servo,

Vicente de Paulo.

Colégio dos Bons-Enfants, 11 horas.

Destinatário: À senhora Le Gras, em La Chapelle.

360. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Entre 16331 e 16392].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Agradeço-vos pelo cuidado que tendes comigo e peço-vos tê-lo com vossa saúde
e de não trabalhar demais.
Quanto ao negócio de que me falais, certificai a essas bondosas filhas de que eu
falarei com o senhor decano em favor da conservação de sua comunidade, mas não
creio devais falar com as damas em favor da conservação da pessoa. Seria isso inútil e
1
Antes de 1636, Luísa de Marillac não estava em La Chapelle. Depois de 1639, o Santo teria começado a carta pelas
palavras que a finalizam: “Colégio dos...”.
22
Provavelmente para ali estudar teologia.
1
Carta 360. ─ C. aut. Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Data da fundação do Instituto das Filhas da Caridade.
22
Depois de 1639, São Vicente teria escrito: “Manhã de sábado” no começo da carta.
367

prejudicial, assim como o recurso ao senhor Cardeal 3. Mas, quanto a ele, compete a elas
pensar nisso, pois não vos darão o devido crédito.
Quanto a vossas filhas, depois disso, estaremos inteiramente à vossa disposição e
à delas, e sou, no amor de Nosso Senhor, Senhora, v. s.

V. D.

Manhã de sábado.

Destinatário: À senhora Le Gras.

361. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Quanto a vós, sede bem-vinda, e Nosso Senhor seja louvado pela saúde que vos
concede. Em nome de Deus, Senhora, poupai-a. Se eu puder, irei estar convosco
amanhã, ou ao menos depois de amanhã.
Mando-vos a resposta a Madame de Liancourt. Peço-vos enviar-lha.
Vosso filho acaba de sair daqui. Parece-me que está com outro espírito ou
disposto a nele entrar, embora lhe tenha dito apenas duas palavras.
Bom dia, Senhora. Sou v. s.

V. D.

Destinatário: À senhora Le Gras.

362. ─ A MADAME GOUSSAULT

[Novembro de 16381].

Madame,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Agradeço-vos pelo cuidado que tendes comigo e com minha viagem, e pelas
orações que vossa caridade fará nessa intenção. Peço-vos perdoar-me se não vos espero:
prometi partir esta manhã.

33
O Cardeal Richelieu.
1
Carta 361. ─ C. aut.─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
Carta 362. ─ C. aut. ─ Original com os padres da Missão de Nápoles, via San-Nicola-da-Tolentino.
1
Ver nota 2. São Vicente escrevia esta carta na véspera de sua partida para Richelieu.
368

É preciso recomendar a Deus essas novas propostas com o reconhecimento e a


civilidade ordinárias, em relação a essas pessoas, em casos semelhantes. Não seria
conveniente soubésseis determinadamente a intenção da senhora vossa filha? 2 O último
de que vos falaram é homem de bem, de excelente espírito e igual bom senso, em sua
idade. Tendo, porém, refletido no que sabeis, Lotin 3, a meu ver, parece preferível,
embora de espírito menos tranquilo. Mas seria necessária uma maravilhosa civilidade
para agir dessa maneira em relação ao último proposto. Poderíeis, nesse caso, alegar o
desejo da parentela e as longas negociações. Recomendarei esse negócio, vossa saúde e
toda a vossa família a Notre-Dame-des-Ardilliers4, com afeto todo particular e igual
ternura, pois Deus sabe como o meu coração dela está cheio e como a sinto no momento
em que vos falo, eu que sou, no amor de Nosso Senhor, Madame, vosso muito humilde
servo,

Vicente de Paulo.

Manhã de segunda-feira.

Vou despedir-me da senhora Le Gras e lhe direi uma palavra sobre isso.

Destinatário: À senhora presidente Madame Goussault.

363. ─ A BERNARDO CODOING, PADRE DA MISSÃO, EM RICHELIEU

12 de dezembro de 1638.

Fico muito consolado ao ver a bondade de vosso coração em aceitar a proposta


de Luçon, contra vossa própria inclinação1. Ó senhor Padre, como é ser bom cristão e
bom missionário passar por cima de suas próprias inclinações! Deus me concedeu hoje
uma ternura toda especial para suplicar-lhe esta mesma virtude de escolher sempre o
22
Maria Marta Goussault. Madame Goussault teve quatro filhos: Antônio, senhor de Roquemone, contador;
Guilherme, recebido como conselheiro no Parlamento, a 27 de maio de 1653; Jacques, padre, doutor na Sorbona;
Michel, esposo de Elisabeth Compaing. Maria Marta se casou com Nicolau Lotin.
33
Nicolau Lotin, senhor de Martilly, era filho de Guilherme, visconde de Vaux. Foi nomeado conselheiro do
Conselho-Mor, a 17 de dezembro de 1631, referendário, a 07 de julho de 1642 e presidente do Conselho-Mor, a 11 de
abril de 1644. Morreu a 25 de dezembro de 1650, deixando um filho, que não tardou em acompanhá-lo ao túmulo.
44
Lugar de peregrinação situado sobre uma colina da cidade de Saumur. Notre-Dame-des-Ardilliers conta, no número
dos seus peregrinos mais ilustres, São Vicente de Paulo, Luísa de Marillac, Jean-Jacques Olier, Luís XIII, Richelieu,
Madame de Montespan, o Padre Grignon de Montfort. Henriqueta da Inglaterra fez ali sua primeira comunhão.
1
Carta 363. ─ Reg. 2, p. 33.
1
Uma das cláusulas do contrato passado a 04 de janeiro 1638, a respeito do estabelecimento de Richelieu entre São
Vicente e o Cardeal Ministro, antigo bispo de Luçon, rezava que três dos padres, residindo nessa casa, deveriam
pregar missões na diocese de Luçon “quatro vezes ao ano, nas estações mais convenientes, e de nelas trabalhar seis
semanas, em cada vez” (Cf. Carta 287, nota 4). Reflexão feita, julgou-se conveniente estabelecer em Luçon uma casa
distinta. Bernardo Codoing, escolhido para o cargo de superior, aceitou. Entretanto, por motivo talvez de saúde, não
tomou posse de seu posto. Em parte alguma, com efeito, seu nome é referido a propósito de Luçon. Se ele foi para lá,
ficou ali por muito pouco tempo, já que, a 06 de outubro de 1640, quando Jacques Chiroye foi enviado para esta
cidade, para dirigir o estabelecimento confiado à Congregação da Missão, ele o foi em substituição a Gilberto
Cuissot.
369

pior e o que é contrário ao meu desejo. Mas, meu Deus! Senhor Padre, como sou infiel a
esta prática! Suplico-vos pedir a Deus me torne mais fiel para o futuro.

364. ─ A ANTÔNIO LUCAS

Senhor Padre,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Eis-me de volta de Richelieu. Recebi uma de vossas cartas naqueles quarteirões
e uma outra aqui. Uma e outra me fazem ver a bênção de Deus sobre vossos trabalhos, e
a última, a indisposição dos senhores padres Renar e Mouton, e que fostes até Joigny.
Dou graças a Deus por tudo isso e lhe rogo devolva perfeita saúde a esses padres.
Estamos precisando aqui do senhor Padre Mouton. Se sua saúde lhe permitir,
depois da festa, suplico-vos nos enviá-lo de volta.
Li a carta que escreveis ao senhor Comendador 1, que foi para mim motivo
também de grande consolação. Mas estou em dúvida se terminastes a missão de Cerisé 2.
O senhor Comendador queixa-se de que não. Suplico-vos dizer-me a realidade. A que
escreveis ao senhor Padre de la Salle muito me consolou também, especialmente o que
vós lhe dizeis, a saber, que dareis continuidade à ordem que ele observou no seminário
durante a missão que pregaram, há pouco tempo. Isto é o núcleo essencial da missão.
Peço a Deus, senhor Padre, vos conceda a graça de fazer o mesmo.
Mas, meu Deus! Senhor Padre, como estão passando os senhores padres
Pavillon, Renar e Perrochel? Suplico-vos ter todo o cuidado com eles e com a saúde de
toda a comunidade. Importa não deixar de lhes dar descanso na quinta-feira e alguma
distração agradável, na medida do possível inter privatos parietes (dentro de casa).
Saúdo muito humildemente esses senhores padres e toda a comunidade, e envio ao
Padre Perrochel um pacote dele que enviaram para aqui. Suplico-vos dizer-lhe que
conversaremos, quando de sua volta, a respeito do que lhe disse a religiosa que lhe
escreve.
O R. P. de Gondi me disse que a Caridade não está em boa ordem, em Joigny.
Suplico-vos, senhor Padre, pedir ao senhor Padre Pavillon trabalhar para reconduzi-la
ao melhor estado possível. Ele tem experiência e graça de Deus quanto ao modo como
proceder nisso para chegar a bom êxito.
Temos cerca de setenta exercitantes (os que fazem o retiro espiritual) dos quais
cinco ou seis são bacharéis e dos mais sábios, embora na Sorbona tenham levantado
rumor contra a ordem estabelecida e a obrigação das pessoas desta condição de assistir


1
Carta 364. ─ C. aut. ─ Dossiê de Turim, original.
1
O Comendador de Sillery.
22
Perto de Alençon, em Orne.
370

aos exercícios3. O Padre Hopille4 ensina o pontifical, e o Padre Hobier 5, a pregação da


manhã. Os Padres de la Salle, Dehorgny, Soufliers, Cuissot e alguns de nossos jovens
teólogos estão prestando serviço neste evento. Os exercícios estão acontecendo nos
Bons-Enfants, onde as coisas se acomodam melhor do que ousaríamos esperar.
O resto da casa está passando bem, com exceção do Padre Portail e do Padre de
Rien, que começam, entretanto, a melhorar.
A mesma coisa está se realizando em Richelieu, onde fiquei muito consolado,
vendo o bem que se fez na cidade. Jamais vi povo tão assíduo e tão devoto na santa
missa. É grande a frequência aos santos sacramentos. Não há ninguém que leve vida
escandalosa. Há uma grande paz entre os habitantes e nenhuma divisão, como acontecia
antes. As tavernas são menos frequentadas e, às vezes, quase nada, sobretudo durante os
ofícios, nos domingos e nas festas. A Caridade vai muito bem. Chegou a tratar sessenta
doentes desde a Páscoa. Destes, morreu apenas uma jovem: antes não escapava
ninguém. As duas irmãs servidoras dos pobres que daqui enviamos para lá estão
fazendo maravilhas, uma entre os doentes e a outra na instrução das meninas.
Não sei se seria possível enviar duas para Joigny. Maria dos pobres, que servia
os pobres da Caridade, ainda está viva? Todas as meninas da cidade vão à escola das
Irmãs de Notre-Dame? O que torna a coisa mais notável em Richelieu é que se trata de
um povo vindo de várias regiões e a maior parte está longe de suas terras, por causa de
seu mau comportamento6.
Eis, senhor Padre, tudo que vos posso dizer no presente. Rogo-vos escrever-me
todas as semanas sobre o estado da comunidade e de seus trabalhos. Saúdo muito
humildemente os senhores párocos e a todos aqueles que me honram com suas
recordações, e sou, no amor de Nosso Senhor, senhor Padre, vosso muito humilde e
muito obediente servo,

Vicente de Paulo.

Paris, dia de Santa Luzia7, 1638.

Destinatário: Ao senhor Padre Lucas, padre da Missão, em Joigny.

365. ─ A ROBERTO DE SERGIS

Paris, 17 de dezembro de 1638.


33
O ordenamento do Arcebispo de Paris datava de 1631 e tinha sido aplicado pela primeira vez na Quaresma deste
mesmo ano. Ele prescrevia, a quem quisesse receber as ordens na diocese, fazer um retiro com os padres da Missão,
durante os dez dias anteriores à ordenação (Cf. Abelly, op. cit., t. I, cap. XXV, p. 119).
44
Vigário Geral de Agen.
55
Traduziu a vida de Agrícola por Tácito (1639), o tratado da paciência de Tertuliano, assim como o da oração
(1640). Balzac escrevia a Chapelain, a 30 de agosto de 1639, depois de ter lido a primeira de suas obras: “Quanta
sabedoria e bom senso no Padre Hobier! Como sua linguagem é casta e morigerada. Parece que a definição de Vir
bonus dicendi peritus (homem bom e perito na fala) é ele mesmo” (Cartas familiares do senhor Balzac ao senhor
Chapelain, Paris, 1856, in-8º, p. 375).
66
Palavras riscadas: O Padre Lambert me dizia que há uma quantidade.
77
13 de dezembro.
371

Senhor Padre,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Recebi anteontem a vossa carta do dia 7 deste mês, na qual me informais: 1º, da
chegada do Padre Durot; 2º, que temeis me ter descontentado; 3º, que eu dê resposta a
tudo que me perguntardes em vossas cartas; 4º, que desejam que façais o exame em
Saint-Michel1; 5º, que vos mandaram atender confissão no subúrbio; 6º, que deverão
enviar-vos os que têm dimissórias; 7º, que pedis um fragmento da verdadeira cruz que
deixastes aqui; 8º, dizeis-me que comprastes um despertador.
Eis a resposta a tudo isso, na ordem proposta.
1º - Rendo graças a Deus pela chegada do Padre Durot e vos peço velar por sua
saúde e ajudá-lo, pela palavra e pelo exemplo, a chegar à perfeição de um missionário, e
a observar, os dois, para este fim, o pequeno regulamento, sem dele vos afastar, por
motivo ou pretexto algum. Um prelado fez-me a honra de dizer-me que vos viu com um
colarinho maior do que o dos nossos e com uma capa de grandes botões, ostentando um
espírito de autossuficiência e de menos humildade do que os outros missionários. Se
assim for, peço-vos, senhor Padre, ajustar-vos em tudo ao pequeno regulamento, às
nossas pequenas observâncias e à nossa maneira de nos trajar, honrando mais do que
nunca a humildade de Nosso Senhor. Todo mundo diz que o espírito do missionário é o
espírito de humildade e de simplicidade. Firmai-vos nisto. O espírito de mansidão, de
simplicidade e de humildade é o espírito de Nosso Senhor. O de orgulho não subsistirá
muito tempo na Missão.
2º - Não tenhais medo de me ter descontentado. Conheço-vos bem. Tenho
certeza de que não retornareis jamais duas vezes às falhas de que vos advirto e das que
vos advertirei daqui para frente. Não sois nem infalível, nem incorrigível. Cometereis
menos faltas se prestardes atenção ao que vos disse, e vos afastardes do brilho e do
espírito mundanos. Nemo potest duobus dominis servire (Ninguém pode servir a dois
senhores). Gostaria que vísseis a humildade e a simplicidade que Nosso Senhor difunde
em nosso seminário e como lhe choca tudo que é contrário a isso.
3º - Prometo-vos fazer o que me pedis no terceiro ponto, dar-vos resposta de ora
em diante a todas as vossas perguntas, que vos peço elencar por artigos.
Eis a resposta aos pontos 4º e 5º. As pessoas mais clarividentes me dizem com
frequência que é preciso ater-se com firmeza à prática de não pregar, não catequizar,
nem confessar nas cidades, nem nos subúrbios onde houver arcebispado ou presidial.
Sabeis que nossa Bula é muito clara neste ponto2. Aqueles que poderiam ter certa
inclinação contrária, no momento em que o desejam, ficarão mais edificados com o
tempo.

1
Carta 365. ─ Dossiê de Turim, cópia do século XVII ou XVIII.
1
Saint-Michel faz parte hoje da cidade de Tolosa.
22
“Nas cidades, porém, onde houver arcebispado, bispado ou presidial, os clérigos e sacerdotes desta Congregação
não desempenharão publicamente nenhuma das funções de seu Instituto” (Bula Salvatoris nostri, de 12 de janeiro de
1632).
372

Não vejo dificuldade em que estejais com aqueles que o senhor Bispo3 vos
encaminhar a respeito das dimissórias, quando estiverdes em Tolosa, e penso que
fizestes bem em comprar um despertador.
Um acidente acontecido na Companhia mostrou-me ser necessário que eu veja
as contas da despesa e da receita. Eu as vi e aprovei em Richelieu, de onde cheguei.
Peço-vos, senhor Padre, enviar-me as vossas. Caso não tenhais anotado os dados de
vossa despesa e nem de vossa receita, começai a fazê-lo no futuro, a fim de que se
observe a mesma ordem em toda parte. Podeis estar certo de que conheço vossa
fidelidade e que desconfio mais da minha do que da vossa.
Vou dizer ao senhor Marceille que procure e vos envie a relíquia da verdadeira
cruz que solicitais, se for encontrada.
Eia pois, senhor Padre, está tudo aí. Resta-me dizer-vos que não teria condição
de ir estar convosco em Tolosa, ou de vos rogar para se dirigir a Bordéus, se eu fosse até
lá. Ó Jesus, senhor Padre! Como estou ansioso por ter a consolação de vos ver! Sabeis,
com efeito, quanto o meu coração quer bem ao vosso, tão ternamente amável. Prometi
ao Padre Pavillon ir a Alet logo que ele estiver lá4. Se Nosso Senhor me der a graça de
estar com ele, terei então esta consolação. Mas se uma circunstância que estou
entrevendo me levar a fazer uma viagem à Gasconha 5, terei a felicidade de estar
convosco mais cedo. Saúdo-vos, entretanto, com todo afeto possível, e sou, no amor de
Nosso Senhor, senhor Padre, vosso muito humilde e obediente servo,

Vicente de Paulo.

Destinatário: Ao senhor Padre de Sergis, padre da Missão, em Tolosa.

366. ─ A PIERRE DU CHESNE

[08 de janeiro de 16391].

Senhor Padre,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Não vos posso dizer quanto a consolação, que me deu vossa carta, amenizou a
amargura da notícia da doença do bom Padre Dufestel2. Rendo graças a Deus por uma e
33
Charles de Montchal (1628-1651).
44
Nicolau Pavillon não foi para sua diocese senão em setembro de 1639. São Vicente não pôde cumprir sua
promessa.
55
Esta viagem não aconteceu.
1
Carta 366. ─ Coleção do processo de beatificação.
1
A cópia do processo de beatificação não traz a data. Não podemos aceitar a que propõe o manuscrito de Avinhão
(08 de janeiro de 1649), porque em 1649 Francisco Dufestel não fazia mais parte da Companhia. O conteúdo desta
carta e sobretudo sua estreita relação com a carta 368 nos levam a concluir que ela é de 1639. Quanto ao dia e ao mês,
podemos confiar no manuscrito de Avinhão.
22
Francisco Dufestel, nascido em Oisemont (Somme), recebido na Congregação da Missão em 1633, ordenado padre
em setembro de 1636. Foi superior em Troyes (1638-1642), em Annecy (1642), em Cahors (1643-1644) e em
Marselha (1644-1645). Deixou a Congregação, em 1646, para se tornar deão de Saint-Omer de Lillers (Passo de
373

outra notícia, reprimindo muito, com certeza, meus míseros sentimentos, que se
revoltam contra a aceitação com que desejo acolher a adorável vontade de Deus.
Escrevo a ele e lhe peço fazer o possível e nada poupar para o seu tratamento. Suplico-
vos, senhor Padre, toda a prontidão e atenção a isso, providenciando para que o médico
o veja todos os dias e que não lhe faltem nem remédios nem alimentação. Oh! como
desejo que a Companhia seja larga e generosa para esse fim! Ficaria arrebatado de
alegria se me dissessem de algum lugar que alguém da Companhia houvesse vendido os
cálices sagrados para isso.
O que vos direi da Missão de Saint-Lyé3? Seria preciso adiá-la, com o
beneplácito do senhor Bispo4, até que ele esteja inteiramente curado e de posse de sua
saúde anterior. Não haverá contudo inconveniente em ir visitar estes povos e levá-los a
aceitar a prorrogação, até que a missão se possa realizar comodamente.
Estais na condição da solicitude de Marta, pelo amor que tendes para com o
Padre Dufestel e por toda a Companhia. Rogo a Nosso Senhor que vele e trabalhe
convosco na recuperação da saúde desse seu servo. Saúdo o bom Padre Savary 5 e nosso
Irmão Renê6, e sou, no amor de Nosso Senhor, senhor Padre, vosso muito humilde e
muito obediente servo,

Vicente de Paulo,
indigno padre da Missão.

Destinatário: Ao senhor Padre du Chesne, padre da Missão, em Sancey7.

367. ─ A PIERRE DU CHESNE

Senhor Padre,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Recebi ontem de tarde vossa última carta, na qual me relatais o estado da doença
do bom senhor Padre Dufestel e o que o médico lhe prescreveu. Agradeço-vos muito
humildemente pelo cuidado que tendes em me dar estas notícias com tanta prontidão e
exatidão, e por toda a assistência que lhe dais. Rogo a Nosso Senhor seja vossa
recompensa e a cura perfeita de nosso doente, cuja doença espero não seja de risco.
Suplico-vos, porém, como sempre, nada poupar em favor dele. Esta espécie de doença
não tem tanta necessidade de remédio quanto de paciência, de mansidão e de suavidade
de espírito. Espero que Nosso Senhor lhe dará a participação nestas virtudes e que fará
Calais).
33
Pequena localidade dos arredores de Troyes.
44
Renê de Breslay, bispo de Troyes (1604-1641).
55
Pierre Savary, nascido em Neuville-Vitasse (Passo de Calais), recebido na Congregação da Missão a 16 de agosto
de 1637, com a idade de 31 anos. Saiu, depois voltou e fez os votos em Annecy, em 1659.
66
Havia na Congregação da Missão dois Irmãos Renê: Renê Bisson e Renê Perdreau.
77
Lugar de residência dos missionários da diocese de Troyes.
Carta 367. ─ Coleção do processo de beatificação.
374

delas muito bom uso. Caso o médico julgue que lhe seria necessário administrar alguns
remédios que exigissem sua presença mais frequente do que poderia fazê-lo em Sancey,
não poderíeis providenciar-lhe um quarto no subúrbio? Não seria ele desse modo
melhor assistido? A sua doença não me parece ser desta natureza. Contudo, examinai-o
bem e conversai com o médico, com o qual o Padre Dufestel julgar conveniente. Enfim,
senhor Padre, peço-vos fazer por ele tudo o que desejaríeis fazer para Nosso Senhor.
Com efeito, a bondade e a caridade que tendes para com ele é ao próprio Nosso Senhor
que as fazeis e ao mesmo tempo a toda nossa pequena Companhia e a mim, em
particular, que estou sofrendo nele o que Nosso Senhor sabe. Abraço-o em espírito com
todo afeto possível e saúdo muito humildemente o bom senhor Padre Savary. Sou, no
amor de Nosso Senhor, vosso muito humilde servo,

Vicente de Paulo.

Paris, 28 de janeiro de 16391.

Destinatário: Ao senhor Padre du Chesne, padre da Missão, em Sancey.

368. ─ A ROBERTO DE SERGIS

Senhor Padre,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Eis a resposta a três de vossas cartas, uma do dia 04, outra do dia 09 e outra do
dia 17, que recebi há dois ou três dias. A primeira não dá a entender que desejásseis tão
prontamente a resposta, nem tão pouco a segunda, ao que me parece, mas sim a terceira.
Começarei portanto a vos dizer, no que toca aos vossos bondosos pais, que
mandei alguém, expressamente, para visitá-los. Eles estão passando bem e se
recomendam a vós e a vossas orações. Ficai portanto, por favor, em paz a esse respeito.
O prelado de que vos falei 1 não me disse outra coisa a não ser as três que vos
escrevi das quais esqueci a terceira, isto é, a questão do vosso colarinho, a dos botões da
capa e, se não me engano, a terceira é sobre a vossa maneira de agir menos conforme à
simplicidade e a humildade do missionário. Envio-vos um colarinho, para ser modelo
para os vossos: adaptai-os. Por menos que queiramos seguir o mundo no que se refere
aos trajes, isso mostra que temos no coração algum pequeno apego a essas coisas e se
não tomarmos cuidado, deixar-nos-emos arrastar pelo espírito do mundo. Dizer que nos
confundirão com outras pessoas, é orgulho e vaidade de espírito mudar o visual por
causa disso. Ó senhor Padre, quem conhece de coração Jesus Cristo crucificado ficaria
11
É a data proposta pelo Irmão Chollier na deposição do processo de beatificação. Preferimo-la à que sugere o
copista da carta (28 de janeiro de 1634), pois, em 1634, os padres du Chesne e Savary não pertenciam ainda à
Congregação, Dufestel ainda não era padre e os padres da Missão não tinham residência em Sancey.
1
Carta 368. ─ C. aut.─ Dossiê da Missão, original.
1
Na carta 365.
375

contente por se passar, como ele, pelo menor dos homens, até mesmo pelo pior, não só
nas ações pessoais como também nas próprias de nossa condição! Oh! de que nos
servirá ter tido alguma humildade em nossa pessoa, se tivermos vaidade em nossa
condição! Ó senhor Padre, quem nos dará a graça de nos colocar no último lugar entre
os homens, e ali permanecer em nossa situação pessoal e na de nossa vocação! Se
quisermos preferir-nos aos outros e ter coisas que nos distingam deles, ficai certo,
senhor Padre, que Nosso Senhor nos fará cair em tal humilhação que acabaremos
expostos ao desprezo da parte deles e de todo o mundo. Creio nesta verdade como creio
que devo morrer.
Digo-vos isto para responder a algo que me escrevestes, pouco depois de vosso
regresso a Tolosa, com a perfeita confiança que tenho de que vosso coração o aceitará e
que permanecereis firmemente fiel às pequenas práticas e às máximas que vistes aqui.
Guardo-me de perguntar a quem quer que seja como estais agindo ou qual é o vosso
modo de ser. Quero que todo mundo saiba que conservo sempre a boa opinião que tive
de vós, quando vos destinaram para o trabalho a que a Providência vos chamou. E o que
é mais, creio, do mesmo modo que acredito naquilo que vos disse acima, que, quando
tiverdes de dizer alguma pequena coisa diferente de nós, o mesmo anjo que tornou São
Francisco Xavier tão exato na observância do que vira na Companhia, e tão zeloso em
aprender tudo que se introduzia de novo do lado de cá, para fazer o mesmo por lá, digo-
vos que aquele anjo vos levará a proceder da mesma forma. Oh! tenho isto como
indubitável!
O que me dizeis sobre o bom Padre Durot é verdade; mas, como ele tem uma
boa alma e bom espírito, espero que ele seja um dia muito bom missionário. Ele tem o
espírito suave. Rogo-vos, senhor Padre, tratá-lo do mesmo modo. Fiz uma viagem com
três carmelitas descalços sem ter podido discernir qual era o superior, até perguntá-lo,
três dias depois de estar com eles. Tanto era verdade, que o superior vivia com os outros
com bondade, mansidão, condescendência e humildade, e que os outros com ele
conviviam com confiança e simplicidade. Ó senhor Padre, quem nos dará esse espírito!
Penso, quanto à confissão no subúrbio, que embora não nos seja permitido
confessar ali, poderíamos fazê-lo à distância de um quarto de légua, caso houvesse uma
capela, ainda que os penitentes viessem da paróquia do subúrbio.
Podeis pensar, senhor Padre, no que diz respeito às despesas, que me viesse ao
espírito houvesse algo a censurar em vós. Ó Jesus! jamais tal pensamento se apresentou
a mim, tão longe está do meu espírito. O que vos disse sobre isso, é apenas para
observar a ordem e para levar a Companhia a conservar essa prática para o futuro. A
maneira de fazê-lo é como fazia o Padre Codoing, conforme vos dirá o Padre Durot. Se
ela vos parecer por demais trabalhosa, podereis ser menos minucioso. Mas penso que
um superior fará bem ao se aliviar dos trabalhos temporais com o auxílio do seu
companheiro.
Quanto à viagem a Tolosa, comprometi-me a fazê-la quando Monsenhor d’Alet
for para lá; mas ele não tem intenção de ir agora, porque nem ele nem quinze ou dezoito
outros bispos nomeados não receberam ainda suas bulas. Contudo, logo que as receber,
fará questão de partir.
376

Trabalho na missão de Joigny com o Padre Perrochel, há quase três meses. O


Padre Renar estava lá também. Voltou adoentado com o Padre Mouton.
Louvo a Deus, por ter sido o fim da Missão de Vernon 2 mais a vosso contento do
que o início, e lhe peço vos conceda a graça de vos manter no espírito de mansidão e
humildade que Nosso Senhor vos deu. Jamais o azedume serviu para alguma coisa, a
não ser para azedar. São Vicente Ferrer diz que não há como obter algum proveito pela
pregação, se não pregarmos com entranhas de compaixão. Oh! meu bom Deus! E como
vencer espíritos tais como os que descreveis, usando do mesmo espírito! Se
combatermos o diabo com espírito de orgulho e autossuficiência, jamais o venceremos,
pois ele tem mais orgulho e autossuficiência do que nós. Mas se agirmos contra ele com
humildade, vencê-lo-emos, porque ele não dispõe dessas armas, e nem saberia defender-
se delas. É o que dizia São Domingos a alguns doutores da Espanha, que tinham vindo
auxiliá-lo contra os albigenses, com os quais procediam com espírito de
autossuficiência. Peço a Deus vos dê a graça de agir com este espírito, em Muret, para
onde estais indo.
Quanto à Caridade que vos propondes estabelecer nesse lugar, eis o regulamento
que temos o costume de observar nas paróquias de Paris, que podereis aplicar às outras
cidades. Quanto às aldeias, atende-vos, por favor, ao regulamento do qual nos temos
servido até o presente. Descartei o que me enviaste, cujo autor foi-se embora e
atualmente é pároco de Etiolles3.
O Padre Codoing está em missão; não poderia mandar copiar-vos suas
pregações. É necessário esperar o verão, quando estará de volta. Poderíamos então
mandar copiá-las e talvez imprimi-las somente para a Companhia. O senhor
penitenciário julga que, em nenhum dos dois casos de consciência que apresentastes,
houve liceidade. O Reverendo Padre Rebardeau é da mesma opinião, no tocante à
confissão dos penitentes das dioceses circunvizinhas da missão. Não me lembro do
segundo caso. Só o propus ao padre penitenciário que é do parecer do qual vos falei, a
saber, a negativa.
Eis a resposta à última carta. Podeis dar um ou dois escudos à Caridade de
Muret, se a instalardes. Quanto à maneira de conferenciar com os padres de Muret,
segundo a intenção do senhor Arcebispo, o Padre Durot poderá dizer-vos a ordem
seguida pelo Padre Codoing, nas assembleias do Delfinado; e no que diz respeito às
matérias da conferência, não poderíeis propor outras mais úteis do que as dos
ordinandos que tendes convosco, por exemplo: 1º, qual a importância, para os
eclesiásticos, de saberem a doutrina das censuras; 2º, qual é a doutrina das censuras; 3º,
os meios a observar para libertar as pessoas que incorreram nas referidas censuras.
Poderíeis dividir o segundo ponto em várias conferências, como, por exemplo: das
censuras em geral e, depois, de cada uma em particular. Mas para trabalhar isso de
maneira útil, seria necessário que aquele que presidisse, ou vós mesmo, expusésseis a
doutrina e que os outros relatassem, cada um por sua vez, o que tivésseis exposto, ou
pelo menos alguns dentre eles, alternadamente. É verdade que, para melhor proveito,
seria conveniente que cada um na assembleia tivesse em mãos vossos escritos, ou pelo
22
Vernon-lès-Joyeuse, na diocese de Viviers.
33
Em Seine-et-Oise.
377

menos cada dupla dos participantes. Não sendo isso possível, é preciso deixá-los estudar
os assuntos ministrados para que apresentem como puderem o que tiverem assimilado,
caso não disponhais de um método melhor.
Eis tudo por esta vez. Escrevi a presente, retomando-a por três ou quatro vezes.
Nossas pequenas notícias: o Padre Dufestel e sua família de Troyes trabalham
com muita bênção, mas caiu doente, há pouco tempo; os padres Pavillon, Renar,
Perrochel e seis da Companhia trabalham em Joigny, desde o Advento, e estão
presentemente nas aldeias, onde terão trabalho ainda por cerca de um mês; três ou
quatro vão partir para as paróquias dependentes de Malta, no grão-priorado de França,
para as quais o senhor Comendador de Sillery deixou uma fundação de três mil libras de
renda, assim como outra de mil para Troyes. Os Padres du Coudray 4 e Boucher estão
com quarenta pobres, alguns doentes, outros com saúde; eles lhes dão assistência em
sua casa, embora pequena, pois não têm hospital; estão com outros cento e cinquenta
fora da cidade, aos quais alimentam e assistem com uma caridade de tirar lágrimas de
quem os ouve; mas é de se temer que venham a sucumbir. O primeiro me diz, a respeito
do que lhe escrevi no sentido de poupar o seu corpo e o pouco dinheiro que lhe
enviamos, ou que lhe dê assistência, ou que o chame de volta, ou que o deixe morrer
com essa pobre gente. Se eu puder, enviar-vos-ei a carta que sobre isso me escreve o
Padre Boucher, em sua simplicidade.
Nossa juventude pede que façamos o que vós e eu fizemos. Penso que o
seminário está com mais de vinte, embora tenhamos tirado de lá este ano dez ou doze,
ou para estudar teologia nos Bons-Enfants, ou para trabalhar nas missões. Nosso bom
Irmão Alméras5, muito boa pessoa, fez como nós, e vai estudar nos Bons-Enfants.
Aí estão nossas pequenas notícias do momento. Desejo receber sempre as vossas
e ter mais tempo para vos escrever. Fá-lo-ei o mais frequentemente possível. Abraço em
espírito o bom Padre Durot, a quem peço perdoar-me caso não possa responder-lhe.
Sou, no amor de Nosso Senhor, vosso muito humilde e obediente servo,

Vicente de Paulo.

Paris, 03 de fevereiro de 1639.

44
Então superior da casa de Toul.
55
Renê Alméras, sobrinho de Madame Goussault, nasceu em Paris, a 05 de fevereiro de 1613. Conselheiro do
Conselho-Mor aos vinte e quatro anos, abandonou tudo, sua família, sua posição, suas esperanças, apesar da oposição
do pai, que deveria acompanhá-lo mais tarde, para entrar na Congregação da Missão, onde foi recebido, a 24 de
dezembro de 1637. São Vicente confiou-lhe os trabalhos importantes de diretor do Seminário e de assistente da casa.
Admitiu-o ao seu Conselho, confiou frequentemente à sua prudência tratar com as pessoas de fora a respeito de
negócios delicados e o encarregou dos que faziam o retiro espiritual. Tanto trabalho arruinou a saúde de Renê
Alméras. O Santo Fundador, convencido por sua experiência pessoal de que a mudança de clima contribuía para
recuperar a saúde, enviou-o, em 1646, para visitar vários estabelecimentos da França e da Itália. Chegando a Roma,
Renê Alméras recebeu notícia de que fora nomeado superior da casa. Permaneceu ali até 1651. De volta para a
França, assumiu a direção do Seminário São Carlos. Encontramo-lo em 1654 ocupado em distribuir socorros aos
pobres da Picardia e da Champanha. Visitou ainda diversas casas da Congregação e recebeu de novo o título de
assistente da Casa-Mãe, que conservou até a morte de São Vicente. A este título, somou o de Visitador da Província
de Poitou. Estava em Richelieu quando o Santo, sentindo próximo o seu fim, mandou pedir-lhe que fosse com toda
pressa para Paris. Renê Alméras estava doente. Veio carregado numa padiola, e teve a consolação de receber uma
última bênção do Santo Fundador. Nomeado Vigário Geral por São Vicente, posteriormente Superior Geral pela
Assembleia de 1661, governou as duas Comunidades (dos Padres Lazaristas e das Filhas da Caridade) com sabedoria
até 02 de setembro de 1672, dia de sua morte.
378

Deus levou a mãe do Padre Durot. Escolhereis o tempo oportuno para lho
comunicar, por favor. Acabo de recomendar a celebração de missas em sua intenção.
Rogo a Nosso Senhor que lhe suavize a dor do coração. Julguei ser melhor que lhe deis
a notícia, em vez de lha comunicar por minha carta.

Destinatário: Ao Padre Sergis, padre da Missão, em Tolosa.

369. ─ A PIERRE DU CHESNE

[Cerca de fevereiro de 16391].

Senhor Padre,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Em termos de coisas do mundo, não podeis consolar mais a minha alma do que
pela caridade que exerceis para com o bom Padre Dufestel. Agradeço-vos muito
humildemente pelas notícias frequentes que me enviais dele, e vos suplico continuar a
fazê-lo, pelo amor de Jesus Cristo que vos impele. Preciso confessar-vos que sou do
parecer do médico que trata dele, ou seja, a respeito desta doença, é preciso não se
precipitar. Espero que o Soberano Médico seja ele próprio a sua cura, se não de um dia
para outro, ao menos, gradativamente. Abraço-o em espírito, com toda ternura do
coração.
Escrevo ao senhor Gouault2 que estou trabalhando, conforme a intenção do
senhor Bispo de Troyes, na venda de suas casas, e não perderei tempo.
Escrevi aos Padres Lucas e Perceval3 para irem encontrar-vos, conforme lhe
escrevi.
O senhor Bispo de Beauvais4, que conhece a importância dos exercícios dos
ordinandos, pediu aos senhores bispos circunvizinhos, que haveriam de conferir as
ordens, para mandar para Paris os que estudaram nas outras dioceses, a fim de
participarem dos exercícios espirituais dados aqui. Sendo assim, o senhor Bispo de
Troyes, a meu ver, lhes faria muito bem, se fizesse a mesma coisa a respeito dos
externos. Se alertarem sua bondade sobre isso, talvez ele pudesse fazer a mesma coisa.
Tomareis as providências que o Padre Dufestel e vós achardes convenientes.

1
Carta 369. ─ Coleção do processo de beatificação.
1
Esta carta tem elos estreitos com as cartas 366 e 367. Deve ter sido escrita pouco tempo depois. O Padre Pémartin
coloca-lhe como data, não sabemos por quê, dia 15 de fevereiro.
22
Sebastião Gouault, burguês de Troyes. Emprestou sua casa de Sancey aos padres da Missão, que moraram nela
cerca de dois anos.
33
Guilherme Perceval, nascido em Saint-Guillain, na diocese de Cambrai, entrou na Congregação da Missão em
1635, foi ordenado padre em dezembro de 1637, e saiu em 1644.
44
Agostinho Potier.
379

Enviar-nos-eis este bom lenhador e vinhateiro, se estiverem bem decididos 5. Os


da Champanha estão indo muito bem.
Abraço o bom Padre Dufestel e sou, do Padre Savary, do Padre Renê e dele, o
mais humilde servo.

Vicente de Paulo.

Destinatário: Ao senhor Padre du Chesne, padre da Missão, em Sancey.

370. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Não sei se vos disse anteontem que o senhor Bispo de Beauvais deve vir buscar-
me esta manhã para ir, por oito ou dez dias, a Beauvais. Recomendo-me, entretanto, às
vossas orações, e vos peço ter cuidado de vossa saúde e conservá-la para o seu santo
serviço. Vou pedir-lhe que deixe a viagem para quando estiverdes em estado de enviar
vossas pequenas filhas para trabalhar na Caridade dos campos.
Bom dia, Senhora. Sou vosso servo,

V. de Paulo.

Destinatário: À senhora Le Gras.

371. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[16391].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Estão aqui três pobres mulheres da Lorena que chegaram ontem de tarde. Uma
tem um filho. Será preciso procurar que a admitam no Refúgio e, talvez, também a
velha. Peço-vos enviá-las a Madame de Herse, depois de as terdes visto ou, se ela assim

55
Talvez Edme Picardat, Irmão coadjutor, nascido a 23 de abril de 1613 em Rumily-lès-Vaudes (Aube). Entrou na
Congregação da Missão a 05 de outubro de 1639, emitiu os votos a 01 de janeiro de 1643.
Carta 370. ─ C. aut. ─ Dossiê da Missão, original.
1
Carta 371. ─ Dossiê da Missão, cópia tirada do original.
1
Depois de 1639, o Santo teria escrito as palavras “Terça-feira, 10 horas” no começo da carta, não no fim; e como, no
dizer de Abelly (op. cit., t. I, cap. XXXV, p. 164), foi justamente naquele ano que ele começou a se ocupar dos pobres
lorenenses, expulsos pela guerra e a miséria, esta carta só pode ser de 1639.
380

quiser, que fiquem nas Crianças do bairro de Saint-Victor, enquanto esperam. Estou
com um pouco de pressa, sem tempo para escrever-lhe sobre isso.
Bom dia, Senhora. Sou, no amor de N. S., vosso muito humilde servo,

Vicente de Paulo.

Terça-feira, 10 horas.

Destinatário: À senhora Le Gras, perto de Notre-Dame.

372. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Entre 1636 e 16391].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Louvo a Deus por tudo que me comunicais a respeito de Saint-Nicolas 2, e
proporei à Senhora do Ministro da Justiça3 a questão dos forçados4, e a Madame
Goussault, a dessa casa, e vos darei resposta.
Quanto a Catarina5, ainda não a conheceis bem, a meu ver. Conversaremos sobre
ela.
Hoje eu iria à tarde a La Chapelle, com a Senhora Poulaillon e outras três ou
quatro pessoas. É melhor adiar para o próximo sábado, quando sou obrigado a ir até aí,
para encontrar a Senhora do Ministro da Justiça.
Deus seja bendito por terdes muito dinheiro! Ele chamará outras moças, quando
lhe aprouver.
Margarida, de Saint-Paul, veio ontem aqui dizer-me que o senhor seu pároco6
chamou-a e perguntou-lhe como vivem, quais são seus exercícios, quem as dirige, que
ele quer ter a direção delas e deseja que dependam totalmente dele. Acrescentou que
está pronta, porém, a tudo abandonar, quando nos aprouver. Falei-lhe que ela lhe diga
tudo, sem nada ocultar-lhe, e depois nós veremos.
Será bem difícil conservar essas criaturas nas disposições necessárias para
agirem acertadamente. As de Saint-Sauveur, depois de sua revolta, não são mais tão
zelosas e se queixam muito. Com o tempo, verão o mal que estão fazendo.

1
Carta 372. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Datas da instalação das Irmãs em La Chapelle e da morte de Madame Goussault.
22
Saint-Nicolas-du-Chardonnet.
33
Madame de Séguier.
44
Não seria o caso do legado Cornuel, de que se falará mais adiante?
55
Catarina Bagard. Foi mais tarde colocada no hospital de Nantes, donde abandonou a comunidade.
66
Nicolas Mazure, padre muito zeloso, mas cujo zelo era prejudicado pelos defeitos do seu caráter ciumento e
intrigante.
381

Vejo os males que faço e não me corrijo. Rezai a Deus nessa intenção, eu vos
peço.
Sou, em seu amor, v. s.

V. D.

Destinatário: À senhora Le Gras.

373. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[16301].

Senhora,

Esta manhã dispus-me a ir estar convosco, e o farei, se puder. Caso não me seja
possível e puderdes obter a carroça de que me falastes, peço-vos passar aqui, amanhã de
manhã, pelas oito horas, se vossa saúde o permitir; se não, é só me avisar e eu irei
encontrar-vos em vossa casa.
Vejo que Madame Goussault não vos transmitiu bem o que lhe disse a respeito
de vosso filho. Disse-lhe que o Padre de Saint-Nicolas 2 o recebeu sem o título3, um
favor contrário às formalidades. Temendo que aconteça alguma dificuldade em razão
disso, é bom que vós o providencieis. Não aconteceu mudança, que eu saiba, no espírito
de vosso filho.
É necessário, na verdade, que nós nos encontremos o mais cedo possível para
tratar das Irmãs de São Sulpício.
Bom dia, Senhora. Sou v. s.

V. D.

Destinatário: À senhora Le Gras.

374. ─ A ADRIANO BOURDOISE

São Lázaro, 29 de abril de 1639.

Senhor Padre,

1
Carta 373. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Esta carta, escrita antes da morte de Madame Goussault, parece do mesmo ano que a carta 393.
22
Georges Froger.
33
Exigia-se dos ordinandos ou um título clerical, isto é, um benefício eclesiástico, ou um título patrimonial de pelo
menos cem libras de renda.
382

Os missionários recebem, com toda humildade e reverência possíveis, a proposta


do Padre Bourdoise e lhe oferecem o que ele pede1, de um lado, com muita confusão,
por não serem dignos da graça que o citado Padre Bourdoise lhes oferece, por sua
presença e, por outro lado, com a confiança de que ele lhes suportará os defeitos e lhes
será de infinito proveito pelo seu bom exemplo. Suplico-lhe também a caridade, pelo
amor de Nosso Senhor, de receber alguém da Companhia na comunidade de Saint-
Nicolas por algum tempo, sob a condição que lhe aprouver.

375. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

São Lázaro, quarta-feira, meio-dia.


[Entre setembro de 1638 e setembro de 16391].
Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Seguimos vossa opinião sobre o Crianças Expostas, a saber, que esta obra ficará
unida à do Hospital Geral, se as Damas concordarem. Por conseguinte, terão as mesmas
oficiais, que são necessárias para cada uma das obras, com exceção de uma tesoureira.
O que me dizeis das mocinhas é difícil de entender.
Já que julgais que Nicole se corrigirá, tudo bem, continuai a fazer a experiência
com ela, assim como com Henriqueta, em Saint-Germain 2. Penso, porém, que é preciso
dar algum tempo para isso.
O senhor de Cordes ainda não voltou dos campos. Em seu regresso, falar-lhe-ei
dessa bondosa senhora casada.
Estou indo para Grigny a fim de ver a presidente Madame Goussault e Madame
Le Roux, em seu retiro. Espero estar aqui no próximo sábado para uma pequena
assembleia, no domingo.
Fazei o possível pela vossa saúde, peço-vos, pelo amor de Nosso Senhor.
Sou, em seu amor, vosso muito humilde servo,

Vicente de Paulo.

A Madame Chanceler3 me entregou oito escudos para uma cabra. Lembro-me de


que é para entregá-los à senhora du Mée. É para o Crianças Expostas.

Destinatário: À senhora Le Gras.

1
Carta 374. ─ Pémartin, op. cit., t. I, p. 247, carta 239.
1
Adriano Bourdoise pedira, sem dúvida, para ir fazer um retiro em São Lázaro.
1
Carta 375. ─ C. aut. ─ Original comunicado pelo senhor Honoré Bouquillard, notário em Nevers.
1
Ver carta 348 e carta 399, nota 2.
22
Saint-Germain-en-Laye.
33
Madame Séguier.
383

376. ─ A LUÍS LEBRETON1

Senhor Padre,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Recebi ontem à tarde as vossas cartas do dia quatro e doze do mês passado. A
primeira me alivia de uma grande preocupação que tinha de que o meu pacote, ao qual
aludis na carta do dia quatro, se tivesse perdido. Bendito seja Deus porque não o foi e
pelo que me dizeis em vossas cartas! Envio-vos a resposta a todas as questões.
1. Louvo a Deus pela permissão que obtivestes de atender confissão, e do uso
que dela fazeis em favor dos pobres, dos prisioneiros e do povo do campo.
2. Admiro as providências desta Congregação2 em favor das missões e rogo ao
Soberano Pastor e Mestre das missões que tire delas a sua glória. Haveria algum
inconveniente em comunicar-lhes com muita simplicidade a missão daqui? Não vos
seria possível, por esse meio, providenciar para isso algum estabelecimento? Eu vos
escrevi com respeito à pequena capela fora do Vaticano. Ela me interessa mais do que a
paróquia. Quid (Que pensais) se fizésseis a oferta a Sua Santidade ou a algum bispo
para especular sobre isso? Eu vos enviaria alguém da Companhia como companheiro.
Falei-vos do senhor Cardeal Bagni3, porque o estimo como um dos maiores prelados
que conheço na Igreja e porque tenho uma afeição muito terna em servi-lo, e porque me
disse outrora que nos daria a honra de se servir de nós. Jamais tive retrato de um
prelado, a não ser o dele. Sua sabedoria, sua bondade e o afeto com que honrava aqui
nossa pequena Companhia, foi para mim a imagem da sabedoria de Deus, de sua
bondade e da providência com que aprouve a sua divina Majestade honrar nossa
pequena Companhia.
3. Que vos direi quanto ao modo de proceder com esses senhores eclesiásticos
na missão, a não ser que a caridade e a candura devem prevalecer e que o espírito do
país exige precaução?
4. Fazeis bem em tomar refeição fora e em receber a oferta pela missa. Enquanto
se espera, há humildade em proceder assim e sabedoria em viver desse modo, até que
sejais conhecido. Mas penso que faríeis bem em distribuir esta oferta aos pobres.
5. Aguardo com ansiedade, para não dizer com impaciência, o parecer sobre
vossa missão e sobre a maneira como a coisa foi acolhida, em vosso regresso.

1
Carta 376. ─ Coleção do processo de beatificação.
1
Luís Lebreton, nascido em Saint-Jean-sur-Erve (Mayenne), em 1591, recebido na Congregação da Missão a 08 de
maio de 1638. Foi enviado para Roma nos primeiros meses do ano de 1639, para tratar, perto da cúria romana, dos
negócios da Companhia e, particularmente, da questão dos votos. Pregou várias missões na região rural de Roma,
onde sua palavra obteve pleno sucesso. Sua carreira de missionário foi breve mas muito bem cumprida. Morreu em
Roma a 17 de outubro de 1641. A biografia que lhe é consagrada no tomo II das Notícias, pp. 205-222, não traz
detalhe algum que não se encontre na correspondência de São Vicente.
22
Congregação da Propagação da Fé (Propaganda).
33
Jean Francisco Bagni, antigo núncio na França (1627-1630).
384

6. Guillard nasceu de pai e mãe católicos. Foi ele que caiu na heresia e nela
permaneceu três anos. Atualmente, é um dos mais fervorosos da Companhia. Enviamo-
lo para a Lorena a fim de lá assistir os pobres corporal e espiritualmente. É o sexto
enviado. Não tem ainda quarenta anos e não é doutor nem nobre. O ministério que ele
exerce na Lorena não mereceria um extra tempora (fora dos tempos) 4? O senhor Parisot
o obteve para Lescar, que não tem nenhuma dessas três qualidades.
7. A igreja de Richelieu tem Notre-Dame como titular ou padroeira5.
8. Pagarei aqui as cem libras e a letra de câmbio ao fiador do senhor Marchand 6,
ou o enviarei pelo senhor Lumague7, se não tiver a ordem de entregar a alguém daqui.
9. Quanto à questão de Toul, estamos aqui em processo8. Tratarei de vos enviar
os documentos que me pedis; precisamos deles para exibi-los. Procurarei tirar deles uma
cópia colacionada.
10. Quanto à de São Lázaro, estamos fundamentados num decreto do
Parlamento9. Foi o senhor Bispo de Paris que sempre fez a colação. Por ocasião da
última vacância, houve um prior que recebeu do rei a patente, e um outro, o atual prior,
a recebeu do senhor Arcebispo. E o priorado ficou com ele. Na verdade, deve-se isto a
um acordo entre o senhor Presidente Janin, que a pediu ao rei, e o senhor Le Bret,
Conselheiro de Estado1010, o qual a obteve do citado senhor Arcebispo, em favor do
senhor Prior1111. Depois, para consolidar, em face do seu mandato ou provisão
suscetível de deposição ad nutum,procurou obter uma provisão de Roma. Fora disso,
nenhum outro, que eu saiba, obteve provisão, a não ser dos Bispos de Paris; e ainda
mais, tratava-se de provisões ad nutum, e o Prior, todos os anos, as renovava diante do
Bispo de Paris.
Quid (Que tal) se escrevêsseis ao Padre Gilioli para lhe pedir desculpas por não
terdes ido estar com ele, conforme vos tinha dito, isto é, que folgaria muito se passásseis
por Ferrara para vê-lo e certificá-lo de que ele goza da mesma estima e da mesma
afeição no coração da Companhia, como dantes, e para levar-lhe nossas notícias?
Há aqui uma dúvida de que o altar privilegiado que aprouve a Sua Santidade
conceder-nos para São Lázaro seja válido, porque acontece algumas vezes, embora
raramente, que se celebrem nele apenas três ou quatro missas por dia. Digo que é raro.
Pensam contudo que seria bom tivesse Sua Santidade a bondade de diminuir o número
das sete missas por dia, para três ou quatro. Vede isso aí, por favor.
44
Privilégio de receber a ordenação fora dos dias fixados pelas regras canônicas.
55
O Bispo de Poitiers tinha erigido a paróquia de Richelieu por ato de 27 de maio de 1638, e Urbano VIII tinha dado
sua aprovação; mas algumas dificuldades retardaram, até 1645, o registro da bula no cartório das nomeações
eclesiásticas de Poitou.
66
Banqueiro rico com o qual São Vicente, com frequência, teve de tratar.
77
André Lumague, um dos principais banqueiros da época, ao qual recorreram mais de uma vez Maria de Médicis e o
Cardeal Richelieu. Encarregado em 1616 de negociar para a Rainha a compra do principado de Mônaco, não teve
êxito em sua missão.
88
Ver carta 293, nota 1.
99
O decreto do Parlamento para o registro das cartas patentes, confirmando o contrato da união de São Lázaro, é de
07 de setembro de 1632. A Santa Sé dera seu consentimento em 15 de março de 1635; mas as bulas só foram
expedidas a 18 de abril de 1655. Os prelados da cúria romana hesitavam ainda em crer, em 1639, apesar das provas
fornecidas por São Vicente, que a colação do priorado dependesse do Arcebispo de Paris.
1010
Juliano Le Bret, senhor de Flacourt, conselheiro no Parlamento em 1635, depois conselheiro de Estado, falecido
em abril de 1688.
1111
Adriano Le Bon.
385

Enviei vossas indulgências para Jouy. Nada vos direi sobre vosso negócio no
presente, falo daquele para o qual fostes mandado para aí, a não ser que, tudo bem
pesado e considerado, penso que seria necessário caminhar no sentido de uma total
consolidação, porque há razões para isso, que vos escreverei, das quais vos comunico
uma premente, que acabo de ver, bem no momento presente. Um membro da
Companhia, dos melhores entre nós, dos mais aplicados, espírito dos mais suaves, está,
contudo, com vontade determinada, há oito dias, de se retirar, sem me dizer razão
particular alguma, e apesar de qualquer ponderação, instância ou humilhação que eu
tenha podido praticar para com ele. E o que é mais estranho é que sua vocação parece
toda vinda de Deus, e que ele é um grande exemplo para a Companhia e que se firmou
nela da maneira como vários particulares e mais antigos o fizeram, como sabeis, isto é,
por voto.1212
Depois deste exemplo, não saberia em quem se possa ter segurança. Não vos
revelo o nome porque não o disse ainda a ninguém daqui.
Iniciamos, com a ajuda de Nosso Senhor, a assistência aos pobres da Lorena 1313
e enviamos para lá os senhores Padres Bécu e Rondet1414, os Irmãos Guillard,
Aulent1515, Batista1616 e Bourdet1717, dois para cada cidade, a saber, Toul, Metz,
Verdun e Nancy. Espero fornecer-lhes duas mil libras por mês.
Terminamos ontem a missão que pregamos em La Chapelle, próximo de São
Lázaro, onde mandamos reunir todos os pobres lorenenses que se encontram nesta
cidade. Demos, a cada um, um pão por dia, durante oito dias. Eram mais ou menos
trezentos ao todo1818.

1212
Não podemos ter certeza da exatidão destas duas últimas palavras. A cópia é ilegível.
1313
A guerra, a peste e a fome grassavam com violência sobre os infelizes habitantes da Lorena. Os grupos de
bandidos se multiplicavam por lá a tal ponto que os habitantes das aldeias eram obrigados a procurar refúgio nas
cidades fortificadas. As terras permaneciam incultas e as mercadorias subiam a preços insuportáveis. Perto de oitenta
povoados e aldeias ficaram vazios de todos os seus habitantes. Chegaram a ver uma mulher matar e devorar sua mãe,
moças estrangularem crianças para se alimentar de suas carnes. Em diversos lugares, a carne humana se tornara
alimento. As religiosas tiveram de emigrar, como os outros, para não morrer de fome. Bom número de lorenenses
vieram para Paris, esperando poder lutar ali mais facilmente contra a miséria. “Para deparar com igual desolação,
escreve Digot (História da Lorena, 2ª ed., Nancy, 1880, 5 vol. in-8, t.V, p. 277), era preciso remontar até à guerra dos
judeus contra os romanos e ao saque de Jerusalém pelos soldados de Tito”. São Vicente sentiu o coração se comover
ao relato de tantos sofrimentos. Organizou coletas em favor de todos os pobres lorenenses, na corte, nos palácios, nas
casas dos burgueses. Mandou levar para eles, por intermédio de seus Padres e Irmãos, pão, roupa, ferramentas,
dinheiro. Ofereceu abrigos seguros para as moças e para as religiosas, cuja virtude ficava particularmente exposta.
Formou-se em Paris, por sua iniciativa, na classe abastada, uma associação que tinha por fim exclusivo ir em socorro
aos nobres lorenenses, caídos na ruína, com cotizações mensais. Abelly empregou todo um capítulo de sua obra (t. I,
cap. XXXV) no relato do que São Vicente fez para socorrer a Lorena.
1414
Não conviria ler Boudet? O nome de Rondet só aparece aqui e não figura no catálogo do pessoal.
1515
Charles Aulent, nascido em Ath, cidade de Hainaut (Bélgica) a 01 de fevereiro de 1614. Ingressou na
Congregação da Missão no fim de 1636, foi ordenado padre em 1640, fez os votos a 11 de dezembro de 1644. Dirigiu
a casa de Toul de 1646 a 1647, ano de sua morte.
1616
João Batista de l’Estoile, nascido em Bar-le-Duc, recebido na Congregação da Missão a 01 de abril de 1637, com
a idade de 22 anos.
1717
Dois clérigos da Missão traziam então este nome: Jean Bourdet, nascido em Saint-Babel (Puy-de-Dômme) a 14
de maio de 1614, recebido na Congregação da Missão no fim de 1636, ordenado padre em 1640, admitido aos votos
em 1643, superior em Troyes, de 1642 a 1644, e em Saint-Méen, de 1645 a 1646; Estêvão Bourdet, nascido no
mesmo lugar a 27 de abril de 1615, entrou na Congregação da Missão a 09 de outubro de 1638, foi ordenado padre a
02 de junho de 1640, superior em Toul, de 1641 a 1642, fez os votos a 10 de junho de 1648.
1818
Abelly, que recorda as duas missões pregadas em La Chapelle na quaresma dos anos 1641 e 1642 em favor dos
pobres lorenenses refugiados em Paris (op. cit., t. I, cap. XXXV, 1ª ed., p. 166; t. II, cap. XI, sec. 1, p. 386), parece
ignorar a missão de 1639. Os missionários foram ajudados por pessoas de condição, que vieram distribuir esmolas.
386

Muito bem, eis tudo. Termino recomendando-me a vossos santos sacrifícios,


nesses santos lugares. Espero escrever-vos de agora em diante por todos os correios, e
que Nosso Senhor se servirá de vós em muitas boas obras, se tiverdes cuidado de vossa
saúde, como vos suplico, eu que sou, no amor dele e de sua Santa Mãe, senhor Padre,
vosso muito humilde e obediente servo.

Paris, 10 de maio de 1639.

Destinatário: Ao senhor Padre Lebreton, padre da Missão, em Roma.

377. ─ A ROBERTO DE SERGIS, PADRE DA MISSÃO, EM TOLOSA

Senhor Padre,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Recebi vossa carta, há quatro dias, mas a perdi e não me lembro de tudo o que
me escrevestes. Eis o que me vem à memória: 1º, que trabalhais com bênção; 2º, que
deixei de responder a dois pontos de vossa penúltima carta; 3º, que teríeis julgado
conveniente não propor ao senhor Arcebispo1 o que vos escrevi a respeito do aluguel da
casa e dos ordinandos que ele vos mandar; acháveis também oportuno ir a Saintonge.
Ora, dir-vos-ei, como resposta ao primeiro ponto, que louvo a Deus pela bênção
que vos concede nas missões e lhe rogo vos fortaleça cada vez mais o corpo para
trabalhar, e o espírito para melhor amá-lo.
2º, estou aborrecido por ter esquecido esses dois pontos em minha penúltima
carta e vos peço muito humildemente perdão, e espero que Nosso Senhor me dará a
graça de me corrigir.
3º, tudo que me dizeis como motivo de não ter feito as propostas do aluguel e
dos ordinandos não vos devia impedir de fazê-las, porque tudo são apenas produções
naturais do espírito humano, que raciocina ordinariamente segundo as próprias
disposições. Trata-se, no caso, não do desejo de se estabelecer, como dizeis, mas de
fazer o bem que vos propus, o qual a adorável providência de Deus sugeriu a uma boa
alma, que deseja fazer as despesas. E não se deveria esperar menos bênção aí do que a
bondade de Deus dispensa aqui aos ordinandos, embora os espíritos sejam altaneiros e
desprezem, de ordinário, as coisas medianas. Teria sido bom deixar isso a juízo do
senhor Arcebispo, e, para nós, respeitar-lhe o parecer e a vontade, e a eles nos submeter,
como faço a esse respeito ao vosso, dizendo-vos, entretanto, com toda franqueza, senhor
Padre, que ninguém da Companhia jamais opôs dificuldade sobre coisa alguma que lhe
tenha escrito, a não ser um que me escreveu sobre dificuldades, mas não deixou de fazer
o que lhe mandei, e um outro que, a seu próprio juízo, fez dificuldade para assinar um
acordo que eu tinha feito. Este último me falou sobre uma quantidade de razões e de
justificativas e mandou que os outros me escrevessem sobre elas. Em consequência
1
Carta 377 ─ C. aut. ─ Dossiê da Missão, original.
1
Charles de Montchal.
387

disso, estamos com um complicado processo no Conselho, que não podemos sustentar a
não ser com risco de perder um estabelecimento, e com desonra2.
Ó senhor Padre de Sergis, como a submissão de espírito a um superior é de
inestimável valor! Confesso que o conhecimento que tendes de minhas misérias e da
gravidade dos meus pecados vos tira a confiança. Mas aquele que diz: quaecumque
dixerint vobis facite (fazei tudo o que vos disserem) obrigou-se com isto, sem dúvida, a
sugerir a luz suficiente àqueles a quem manda obedecer. Penso jamais ter visto, nem
ouvido dizer que um inferior tenha falhado ao obedecer a um superior, nas coisas que
não são más. No entanto, é o que acontece de ordinário aos que desobedecem. Vós vos
propusestes tomar como patrono São Francisco Xavier. Em nome de Deus, senhor
Padre, fazei-o de modo especial quando se trata da obediência e não estimeis que Nosso
Senhor se agrade menos com a que prestais a um pobre miserável pecador, do que com
aquela que prestais a um santo. Fazei-o, como ele, por amor de Deus, que se compraz
quando as coisas caminham assim e se desagrada com o contrário. Falaremos disso mais
particularmente quando tiver a graça de estar aí convosco, para onde espero ir bem
cedo, em companhia do Monsenhor d’Alet, que aguarda as bulas e espera partir logo
depois. Em razão disso, peço-vos não sair do arcebispado de Tolosa para ir a Saintonge
nem a outro lugar: é a resposta ao último ponto de vossa carta.
Sou, entretanto, no amor de Nosso Senhor, senhor Padre, vosso muito humilde
servo,

Vicente de Paulo.

Paris, 13 de maio de 1639.

378. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Entre 1635 e 16391].

Senhora,

Não vos pude responder ontem, porque me aplicaram uma sangria; nem esta
manhã, pois tomei um medicamento.
Em poucas palavras, vou falar-vos a respeito da moradia do senhor vosso filho.
Consideradas todas as circunstâncias, prefiro colocá-lo com o senhor Rebours 2, caso ele
permaneça aqui e não se mude de casa; porém, se o fizer, não vejo nada melhor do que

22
Trata-se provavelmente do estabelecimento de Toul e de Antônio Colée, que dele foi superior de 1637 a 1638.
1
Carta 378. ─ Pémartin, op. cit.,t. II, p. 3, carta 522. As últimas linhas, desde “remeto-vos a carta” foram
reproduzidas no Manuscrito São Paulo, p. 69.
1
Esta carta foi escrita enquanto Madame Goussault estava viva, no tempo em que Michel Le Gras parecia disposto a
renunciar à carreira sacerdotal.
22
O Padre Hilarion Rebours, cartucho, era primo irmão do marido de Luísa de Marillac (Cf. Gobillon, op. cit., p. 21).
Trata-se aqui de um outro Rebours, talvez Antônio Rebours, nascido em 1591, que se retirou para Port-Royal em
1640, recebeu o sacerdócio em 1642, a conselho de Saint-Cyran, dirigiu as religiosas de Port-Royal e morreu a 16 de
agosto de 1661, com a idade de 69 anos.
388

colocá-lo com o senhor Coqueret. As relações com outros eclesiásticos ser-lhe-iam


difíceis e inúteis. Sei que tendes alguma divergência com este último, e o previ;
entretanto, é assim que penso. O senhor Rebours não sairá tão cedo de sua residência, e
ainda que a deixasse, aproveitai desse tempo; depois veremos o que fazer. Entretanto,
será conveniente que lhe permitais voltar para junto de nós, se quiserdes que a correção
que lhe destes, nesses dias passados, lhe seja útil.
Remeto-vos a carta de Madame Goussault que acabo de receber.
Dizei-me vosso parecer sobre a questão de vossas filhas, tanto para esse lugar
quanto para a região da Auvérnia.
Se fôsseis uma mulher corajosa, livrar-vos-íeis de vossas vãs preocupações e
excessos de ternura materna e vos fortificaríeis de corpo e espírito, em vista de tantas
ocasiões de praticar o bem. Fazei isso em nome de Deus, Senhora. Deus sabe o que sou
para vós e vós para mim e sou...
Rogo-vos responder-me esta tarde.

379. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Entre 1635 e 16391].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Bendito seja Deus porque estais livre de vossa grave doença e porque vos
poupastes hoje de ir à missa! Peço-vos, pelo amor de Nosso Senhor, que cuideis de
vossa saúde e nada poupeis para isso.
Se precisardes de dinheiro, mandai dizer-me; aliás, talvez até vos devamos
algum. Sabê-lo-ei do Padre Dehorgny e de vós, por obséquio.
Estive com a tal jovem e não sei o que vos dizer sobre ela, a não ser que me
parece bom o vosso propósito de estar com ela três ou quatro dias antes de sua entrada.
Por causa disso, dei-lhe meio escudo para as despesas.
Ontem veio aqui o vosso primo-irmão, o senhor Rebours. Concordamos em que
o melhor para o vosso filho é o estado eclesiástico; em segundo lugar, que o seu
temperamento parece tender mais para esse estado do que para o mundo; em terceiro,
que talvez tenha sido aquele rapaz que lhe perturbou a imaginação sobre a questão e que
isso o fez lembrar-se de suas pequenas aversões pela comunidade de São Nicolau 2.
Vimos, porém, que se tudo lhe for devidamente esclarecido, a razão retomará o seu
lugar e que é perigoso favorecer-lhe o capricho dando-lhe uma indumentária curta, a
não ser para ir ao campo: ainda assim, é preciso que seja modesta. Se, depois de tudo
isso, ele perseverar, in nomine Domini, será preciso ceder. Mas não penso ser
conveniente aceitar, passivamente, o desmoronamento de sua disposição de ser padre,

1
Carta 379. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Período das hesitações de Miguel Le Gras sobre sua vocação.
22
Saint-Nicolas-du-Chardonnet.
389

que pareceu ter durante toda a sua vida, como consequência da mudança que esse jovem
libertino3 operou em seu espírito.
Por favor, ficai tranquila quanto a isso, Senhora. Nosso Senhor conduzirá tudo.
Não tenhais medo e não nos apressemos.
Estou passando bastante bem, graças a Deus, e sou, no amor de Nosso Senhor, v.
s.

V. D.

Destinatário: À senhora Le Gras, em La Chapelle.

380. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Entre 1636 e 16391].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Estou maravilhado por ver como Nosso Senhor vos dá forças durante vosso
retiro; mas, em nome de Deus, não o tentemos (com esforços exagerados). Terminai-o à
tarde e acrescentai à vossa confissão somente o que haja passado depois, e isso de modo
resumido; sois prolixa demais nas confissões e gostaria que ensinásseis as vossas filhas
a serem mais concisas. Basta que se acusem de três ou quatro faltas que lhes causam
maior vergonha. Creio que as pobres Irmãs não cometem pecado mortal, graças a Deus,
e é suficiente que se acusem de dois ou três pecados veniais, e até mesmo de um só,
uma vez que são matéria suficiente, mas não necessária, da confissão.
Somente ontem recebi vosso pacote, porque na noite passada, dormi nos Bons-
Enfants e ainda não pude ver as vossas meditações. Fá-lo-ei o quanto antes e com
prazer. Para vossa confissão, irei a La Chapelle, se eu puder, no próximo sábado.
Bom dia, Senhora! Desejo-vos um coração totalmente pleno de Nosso Senhor e
sou, no amor do mesmo Jesus Cristo, Senhora, vosso muito humilde servo,

V. D. P.

Manhã de quinta-feira.

33
Teria sido o Conde de Mony, que exerceu perturbadora influência sobre o espírito de Miguel Le Gras e do qual
Luísa de Marillac se queixa em uma de suas cartas (Cartas de Luísa de Marillac, carta 152), se bem que posterior a
esta em alguns anos?
1
Carta 380. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Antes de 1636, Luísa de Marillac ainda não estava em La Chapelle, e depois de 1639, São Vicente não teria escrito
“Manhã de quinta-feira” no fim da carta.
390

Penso ser bom que aguardeis o fim dos exercícios espirituais, para refletir nas
faltas de vossas filhas e chamar-lhes a atenção. É preciso que se pense num capítulo2.

381. ─ A LUÍSA DE MARILLAC1

Não posso indicar-vos outra causa de vossa doença senão a pura vontade de
Deus. Adorai, portanto, esta vontade sem andar procurando saber por que Deus se
compraz em ver-vos em estado de sofrimento. Ele se vê soberanamente glorificado por
nosso abandono a sua conduta sem discutir as razões de sua vontade; sua vontade é sua
própria razão, e sua razão é sua vontade. Entreguemo-nos pois a ela, como fez Isaac ao
querer de Abraão e Jesus Cristo à vontade do Pai.

382. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Não posso expressar-vos o pesar que sinto pelo que sofreis com a volta de vossa
dor de cabeça. Meu Deus, Senhora, será por acaso o clima de La Chapelle o causador
deste mal? Suplico-vos que consulteis o médico e, se for isso, deveis sair o quanto antes,
arranjando uma casa no nosso bairro, se houver alguma para alugar, ou na cidade. Se
porventura não tiverdes agora a possibilidade de alugar alguma e se a da senhora
Poulaillon continuar disponível, vede se ela aceitaria vo-la emprestar, por certo tempo,
até que encontreis uma outra. Suplico-vos, Senhora, que façais isso o quanto antes e
também todo possível para vos restabelecer logo.
Meu Deus, como fiquei penalizado de vir para cá, sem ter estado convosco, e de
ter que me demorar mais do que previra 1. Pois bem, vossa caridade me perdoará essa
falta como está acostumada a suportar tantas outras. Entretanto, ficai alegre o mais que
puderdes e nada poupeis em favor de vossa saúde, por amor daquele que vos ama tanto
que entregou sua vida por vós.
Ficarei ainda aqui uns sete ou oito dias e depois espero estar o quanto antes em
Paris , e vou celebrar a santa missa a fim de que apraza a Deus vos encontre com boa
2

saúde e muito alegre, para servi-lo longos anos na obra à qual sua bondade vos chamou.

22
Nos tempos de São Vicente, exercício penitencial comunitário, no qual se acusam as faltas cometidas (N. do T.).
1
Carta 381. ─ Abelly, op. cit., t. III, cap. V, sec. 1, p. 37.
1
Abelly coloca antes desta carta as palavras: “Esta mesma senhora estando um dia doente , escreveu-lhe pedindo-lhe
a advertisse da doença de sua alma que seria a causa da enfermidade do seu corpo”. Embora Abelly não revele o
nome da senhora, não há dúvida de que se trata de Luísa de Marillac, sempre inclinada a considerar as provações e
sofrimentos que Deus lhe enviava como punição de faltas passadas.

Carta 382. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
11
O Santo tinha ido a Troyes fazer a visita à casa dos missionários.
22
São Vicente estava ainda em Troyes a 28 de julho.
391

Estou um pouco preocupado com a saúde da Presidente Madame Goussault.


Rogo-vos escrever-me duas linhas sobre o estado de saúde de uma e de outra 3. Sou, em
seu amor, Senhora, vosso muito humilde e obediente servo,

Vicente de Paulo.

Troyes, 04 de julho de 1639.

Destinatário: À senhora Le Gras, em La Chapelle.

383. ─ A SANTA JOANA DE CHANTAL

Troyes, 14 de julho de 1639.

Minha caríssima e muito digna Madre,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Tendo vindo a esta cidade de Troyes, em companhia do senhor Comendador de
Sillery, para visitar a pequena família que temos nesta diocese, vi, pela carta que
recebeu de vós, minha muito digna Madre, a resposta que lhe dais sobre a proposta de
sua fundação de dois membros de nossa pequena Companhia, para trabalhar entre os
pobres do campo de vossa diocese1.
Ora, dir-vos-ei, minha muito digna Madre, que recebi, com satisfação
inexprimível, a proposta dessa fundação, que me fez o Comendador, tanto pelo motivo
de que ele me proporciona o meio de trabalhar na diocese dos santos, quanto porque se
trata de ficar sob a proteção e a direção de nossa digna Madre. Temos motivo, por
conseguinte, de esperar que Nosso Senhor abençoará as santas intenções do bom senhor
Comendador e os pequenos trabalhos de seus missionários.
Como desejais saber em que consiste nosso modo de vida, dir-vos-ei portanto,
minha muito digna Madre:
Nossa pequena Companhia foi instituída para ir, de aldeia em aldeia, a suas
expensas, pregar, catequizar e estimular a confissão geral de toda vida passada do povo
pobre. Trabalhamos na conciliação das desavenças que encontramos entre eles.
Fazemos o possível para que os pobres doentes sejam assistidos corporal e
espiritualmente pela Confraria da Caridade, composta de mulheres, que estabelecemos
nos lugares onde pregamos a missão e que o desejem.

33
Madame Goussault e Luísa de Marillac.
1
Carta 383. ─ C. aut. ─ Original no mosteiro da Visitação de Annecy.
1
Foi ainda graças à generosidade do Comendador de Sillery que o estabelecimento de Annecy foi fundado. Por
contrato de 03 de junho de 1639, doava a São Vicente 40.000 libras, a se deduzirem dos impostos de Melun, para a
manutenção de dois Padres e de um Irmão em condição de pregarem missões, mais 5.000 libras para a compra de
terços e folhetos ou brochuras de piedade. Os missionários deveriam estar a postos antes de 15 de setembro e
trabalhar gratuitamente oito meses no ano, nas paróquias que o bispo lhes designasse e, de cinco em cinco anos, a
partir de 1641, em Brie-Comte-Robert, em Seine-et-Marne (Cf. Arq. Nac. S 6716).
392

A este ministério, que é o principal para nós, e para melhor realizá-lo, a


providência de Deus acrescentou o de acolher entre nós aqueles que devem receber as
ordens sacras, dez dias antes da ordenação. Fornecemos-lhes refeição e sustento, e
ensinamos-lhes, durante esse tempo, a teologia prática, as cerimônias da Igreja e a
prática da oração mental, segundo o método de nosso Bem-aventurado Pai, o senhor
Bispo de Genebra2; tudo isto para com aqueles que pertencem à diocese onde estamos
estabelecidos.
Vivemos dentro do espírito dos servidores do Evangelho, em relação aos nossos
senhores bispos. Se nos disserem: “Ide para lá”, nós iremos; “Vinde para cá”, nós
viremos; “Fazei isso”, nós o faremos; e isto, no que diz respeito às funções acima.
Quanto à disciplina interna da Congregação, ela depende de um superior geral.
A maior parte dos nossos faz os três votos de pobreza, castidade e obediência, e
um quarto voto de nos aplicar, durante toda a nossa vida, à assistência do povo pobre.
Trabalhamos pela aprovação deles junto a Sua Santidade 3. Solicitamos também a
permissão de fazer um quinto voto, o de obediência aos nossos senhores bispos, em
cujas dioceses estivermos estabelecidos, no que toca às sobreditas funções4.
Vivemos na prática da pobreza e da obediência e trabalhamos, pela misericórdia
de Deus, para viver dentro do espírito religioso, embora não sejamos religiosos.
Levantamo-nos, pela manhã, às quatro horas, empregamos uma meia hora em nos vestir
e fazer a cama, fazemos uma hora de oração mental, juntos, na igreja, recitamos a
Prima, a Terça, a Sexta e a Noa, em conjunto5; celebramos depois as nossas missas,
cada um por sua vez; feito isto, todos se retiram para o quarto, para estudar. Às dez
horas e meia, fazemos o exame particular sobre a virtude que procuramos adquirir;
depois, vamos para o refeitório, onde tomamos refeição, com porção servida a cada um
e leitura à mesa; em seguida, vamos juntos adorar o Santíssimo Sacramento e rezar o
Angelus Domini nuntiavit Mariae (O anjo do Senhor anunciou a Maria), etc. Vem em
seguida uma hora de recreio em comum, depois do qual cada um se retira para o seu
quarto até às duas horas da tarde, quando rezamos juntos Vésperas e Completas. Depois
disso, voltamos a estudar no quarto até às cinco horas, e rezamos, posteriormente, em
conjunto, as Matinas e as Laudes. Fazemos depois outro exame particular, tomamos a
sopa e fazemos uma hora de recreação. Terminada esta, vamos para a igreja fazer o
exame geral, a oração da noite e a leitura dos pontos da oração da manhã do dia
seguinte. Depois de tudo, vamos para o quarto e nos deitamos às nove horas.
Quando estamos em missão no campo, fazemos a mesma coisa, com exceção
que vamos para a igreja às seis horas da manhã, para celebrar a santa missa e atender
confissões logo depois da pregação que um da Companhia faz, em seguida à santa missa
que ele celebrou. Atendemos às confissões até às onze horas. Vamos depois almoçar e
voltamos à igreja, às duas horas, para confessar até às cinco horas. Depois das
confissões, um de nós dá o catecismo e os outros vão rezar Matinas e Laudes. A ceia é
às seis horas.

22
São Francisco de Sales.
33
Urbano VIII.
4.4
Esse projeto não se realizou.
55
Na liturgia católica, nome de horas canônicas da Liturgia das Horas.
393

Temos por máxima não pregar, não catequizar, nem confessar nas cidades onde
houver bispado e não sair de uma aldeia senão depois que o povo tiver sido instruído
sobre as coisas necessárias à salvação e que cada um tenha feito sua confissão geral;
vamos então a alguns poucos lugares onde resta alguém que não tenha feito esta
confissão. Como fizemos numa aldeia, vamos para uma outra, onde fazemos a mesma
coisa. Trabalhamos mais ou menos desde a festa de Todos os Santos até a festa de São
João, deixando os meses de julho, agosto e setembro, e uma parte de outubro, para o
povo, para que possa fazer a colheita e as vindimas. Sempre, depois de
aproximadamente vinte dias de trabalho, descansamos oito ou dez dias. Voltamos
depois ao trabalho, porque não é possível aguentar muito tempo para além desse
trabalho, sem esse repouso e o de um dia por semana.
Fazemos nosso retiro todos os anos, o capítulo todas as sextas-feiras, pela
manhã, no qual cada um se acusa de suas faltas, recebe do superior a penitência que
deve cumprir; nesse capítulo, dois padres e dois Irmãos suplicam à Companhia a
caridade de serem advertidos de suas faltas e, depois deles, outros, cada um por sua vez;
na tarde do mesmo dia, temos uma conferência sobre um assunto relativo às nossas
regras e à prática das virtudes, na qual cada um diz os pensamentos que Nosso Senhor
lhe inspirou sobre o assunto da conferência. Segue-se a oração da noite.
Jamais saímos para a rua sem licença, e sempre dois a dois, e, de regresso, cada
um vai estar com o superior para lhe prestar conta do que fez. Não escrevemos, nem
recebemos cartas, sem que antes o superior as tenha lido e aprovado. Cada um é
obrigado a aceitar que suas faltas sejam caridosamente relatadas ao seu superior e a se
esforçar por bem receber as advertências, e a dar os avisos necessários aos outros.
Observamos o silêncio desde o cair da noite até o final do almoço do dia seguinte e
depois da recreação da parte da manhã até à da tarde.
Fazemos dois anos de Seminário Interno, que chamam de noviciado, quando se
observam alguns exercícios com muita exatidão, pela misericórdia de Deus, de tal modo
que, por várias razões, os seminaristas não se comunicam com os padres sem licença.
A citada Congregação foi aprovada por Sua Santidade e está estabelecida na
cidade de Paris, bairro Saint-Denis, nas dioceses de Poitiers, de Luçon, de Toul, de
Agen e de Troyes.
Eis aí, minha mui querida e mui digna Madre, nossa pequena maneira de viver.
Far-nos-eis a caridade, por amor de Nosso Senhor, de nos dar vosso parecer sobre isso,
por favor, e podeis crer, minha cara Madre, que o receberei como vindo da parte de
Deus, por cujo amor vos peço esta caridade6...
Nada vos direi sobre vossas queridas filhas de Paris, a não ser que me parece que
elas progridem cada vez mais no amor do divino Salvador. Devo pedir-vos um grande
perdão por não tê-las visitado, há longo tempo. As daqui 7 estão igualmente em estado de
fragrância e suavidade, e com razão, certamente. Não poderíeis crer, minha cara Madre,

66
Lamentamos vivamente não ter podido decifrar três linhas, propositalmente riscadas com tinta no original.
77
De Troyes.
394

quanto o espírito de Nosso Senhor transparece na Madre 8 e na deposta9, nem quanto as


demais da casa vão bem, tendo em vista as dificuldades que experimentaram no
passado.
Eia pois, minha cara Madre, permiti-me que vos pergunte se vossa inigualável
bondade me deixa ainda a felicidade de fruir do lugar que ela me deu em seu querido e
amabilíssimo coração. Com certeza, eu o espero, embora minhas misérias me tornem
indigno dela. Em nome de Deus, minha cara Madre, continuai, por favor, a presentear-
me com esta graça. Sou, nesta confiança, vosso muito humilde e muito obediente servo,

Vicente de Paulo, padre da Missão.

Destinatário: A minha muito digna Madre Chantal, fundadora da Ordem da


Visitação Santa Maria, em Annecy.

384. ─ A LEONARDO BOUCHER, PADRE DA MISSÃO, EM TOUL

Troyes, 20 de julho de 1639.

Senhor Padre,

Recebi duas de vossas cartas depois que cheguei aqui, uma pelo correio de Paris,
a outra por esse portador na primeira viagem em que foi se encontrar convosco 1. A
última diz pouca coisa; a primeira me conta as medidas que tomastes para enviar minhas
cartas. Agradeço-vos igualmente por uma e outra coisa, como também pelo que me
dizeis com respeito à dificuldade que temos em relação ao bom senhor Fleury. Sobre
isso nada direi a não ser o que escrevi ao senhor Presidente 2, a saber, que é de se desejar
que nós tenhamos, vós e eu, um pouco mais de estima do que temos, pelas máximas do
Evangelho. Peço-vos fazer um dia a oração sobre estas palavras: “A quem te levar a
túnica, entrega também o manto3”; e sobre estas: Inquire pacem et prosequere eam4 4
(procura a paz e segue-a); e uma outra oração sobre estas palavras: quaecumque dixerint
vobis facite5 (fazei tudo que vos disserem); e sobre estas: qui vos audit me audit, et qui

88
Francisca Madalena Ariste, eleita a 20 de maio de 1638. São Vicente a conhecera no primeiro mosteiro de Paris,
onde tinha iniciado sua vida religiosa, e no segundo mosteiro, onde substituíra, em 1626, a Madre de Beaumont. Esta
piedosa visitandina morreu em Troyes a 10 de junho de 1667, depois de ter dirigido a casa durante doze anos.
99
Nome dado à superiora que deixa o cargo. Trata-se aqui da Madre Clara Maria Amaury, que dirigira o mosteiro
durante pouco mais de dois triênios, de 06 de julho de 1631 a 20 de maio de 1638. Foi reeleita em 1641 e morreu a 10
de outubro de 1651. Desde o primeiro ano de sua entrada no primeiro mosteiro de Paris, Madre Amaury permaneceu
durante sete meses presa de uma horrível tentação, da qual o próprio São Vicente fez o relato no processo de
beatificação de São Francisco de Sales (Abelly, op. cit., t. II, cap. VII, p. 331 ss; Anais Salesianos, 20 de dezembro de
1907, p. 213; Ano Santo, t. X, p. 225).
1
Carta 384. ─ Reg. 2, 279.
1
Em Toul, onde estava Leonardo Boucher.
22
O senhor Presidente de Trélon, sobrinho do Comendador de Sillery.
33
Mt 5, 40.
44
Sl 33, 15.
55
Jo 2, 5.
395

vos spernit me spernit6 (quem vos ouve a mim ouve, quem vos despreza a mim
despreza). Tende a bondade de me comunicar os pensamentos que Nosso Senhor vos
inspirar a respeito e, em seguida, as resoluções que tomardes. Ficarei contente ao ver
isto7.
Sou, entretanto, no amor de Nosso Senhor e de sua Santa Mãe, senhor Padre,
vosso...

385. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

Troyes, 28 de julho de 1639.

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Estava preocupado, pois me haviam dito que tínheis piorado um pouco. Ontem,
o Padre Portail informou-me do contrário e vossa carta o confirmou. Louvo a Deus por
isso e lhe peço restituir-vos perfeita saúde. Fazei todo o possível para esse fim, Senhora,
vo-lo suplico, pelo amor de Nosso Senhor.
Que meio empregar para que seja impedido o desconto de 18% em vossa renda
anual?... Com relação ao senhor Arnaldo, não vejo solução porque o príncipe assim o
ordenou. Podeis ainda aumentá-la, por semelhante recurso e oportunidade, e cobrando
juros sobre o sal. Sabeis, porém, do risco... As pessoas honestas vos pagam bem. Não
vejo nenhuma outra solução.
Quando eu voltar, terei muito prazer em ouvir o que me direis sobre a
Providência, como o tenho agora de saber que tivestes a honra de enviar vossa
lembrança a São Sulpício.
Agradeço-vos as notícias que me destes de Madame Goussault. Espero ver-vos,
como também a ela, no final dessa semana que vamos iniciar. Sou, para sempre, no
amor de Nosso Senhor, vosso muito humilde servo,

Vicente de Paulo.

386. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

66
Lc 10, 16.
77
A Congregação da Missão estava em processo com a Ordem do Espírito Santo.

Carta 385. ─ Gossin, op. cit., p. 438, conforme o original comunicado pelo Abade Dusmesnil, cônego de Notre-
Dame de Versalhes. O texto da carta infelizmente está incompleto. O senhor Gossin não soube decifrar em duas
passagens a escrita de São Vicente.
396

[16391].

Mandai embora a Joana e dizei-lhe que é por haver batido em sua companheira.
Dai-lhe alguma coisa e deixai que passe a festa de amanhã. Ficará com as de Saint-
Sauveur, até que encontre um emprego, e avisai às outras que não foi esta a primeira vez
que ela bateu em alguém. As outras vezes lhe foram perdoadas, mas seria escândalo
grande demais se fosse dito que as Filhas da Caridade brigam umas com as outras, como
cães e gatos. Dizei sobre isso uma palavra a Madame Goussault e vede se seria
conveniente falar também com as outras oficiais.
Tratarei de avisar ao senhor Padre Renar, sem citar o vosso nome. Tendes razão
quanto às medalhas. Por favor, procedei como me indicastes.
Se me esquecer de vos enviar a (vida de) Santa Brígida, num dia desta semana,
por favor, mandai lembrar-me.
Peço-vos que comungueis amanhã na intenção de um assunto, para que Deus
não permita que duas pessoas se desentendam na Caridade em que Nosso Senhor as
uniu.
Desejo-vos um bom dia e à vossa doentinha também. Não vos recomendo que
dela cuideis devidamente, porque sei que [não deixareis de fazê-lo, vendo nela Nosso
Senhor, em cujo amor] e no de sua Santa Mãe, sou vosso muito humilde servo,

V. D. P.

Destinatário: À senhora Le Gras.

387. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[16391].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Parece que estais com o coração oprimido! Tendes medo de que Deus esteja
aborrecido e não queira o serviço que lhe prestais, por vos levar as filhas. Pelo contrário,
Senhora. Agindo dessa maneira, é sinal de que ele o aprecia, pois vos trata como a
Igreja, sua esposa querida. Nos seus inícios, não apenas permitia a morte da maior parte,
por morte natural, mas, também, por suplícios e tormentos. Quem não teria dito, ao ver
tais casos, que ele estaria encolerizado contra estas novas e santas plantas? Não penseis
mais nisso, muito pelo contrário.
1
Carta 386. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
As cartas 386, 387 e 388 se relacionam. São anteriores à morte de Madame Goussault (20 de setembro de 1639) e
posteriores à fundação da obra do Crianças Expostas (1638). O lugar dado às palavras “São Lázaro, manhã de quinta-
feira”, na introdução da carta 388, mostra-nos que ela é no mínimo de 1639. É, portanto, em 1639 que devemos situar
as três. O começo do original da carta 386 foi recortado e se perdeu.
1
Carta 387. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Ver carta 386, nota 1.
397

Uma vez que estais de acordo, mandarei buscar esta bem-apessoada Joana ou se
sabeis onde ela está, enviai-a a mim, por favor. Disse a Madame de Herse2 quem é ela.
Hubert3 não foi para a Picardia; não espero mandá-lo tão cedo para lá. Irá ver a
sua irmã4, antes de partir.
Não conseguirei nada desse padre; obtereis dele mais do que eu.
É estranho que temais assim a minha partida. Ficai tranqüila, minha viagem foi
cancelada. A mais longa que prevejo é a de Pontoise, para amanhã.
Em nome de Deus, Senhora, amai vossa carência e permanecei em paz. É isso a
honra das honras que podeis prestar atualmente a Nosso Senhor, que é a própria paz.
Poderíeis, hoje, ir à casa de Madame Goussault? Gostaria muito. Isso vos
distrairia um pouco em meio aos contínuos trabalhos que tendes. Sou, entretanto, no
amor de Nosso Senhor, v. s.

V. D.

Destinatário: À senhora Le Gras.

388. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

São Lázaro, manhã de quinta-feira [16391].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Não sei quem disse a vossas filhas que eu estava passando mal. Pela
misericórdia de Deus, estou bem. Queira sua bondade conceder-me a graça de fazer
bom uso da saúde que me dá!
Creio que faríeis bem em escrever a esta boa Irmã que estamos felizes ao ver
como Nosso Senhor a fez reconhecer sua falta, por ter dado ouvidos a essa tentação. É
preciso fazer bom uso da graça recebida de Deus, repassando em seu espírito essa
verdade: todas as pessoas de bem estão sujeitas, da parte de Deus, a sofrer tentações.
Mas nem essa e nem outras jamais a levarão a sucumbir, se for fiel a Deus. Em qualquer
lugar e condição, será sempre tentada e atormentada, pois essa é a sua cruz. Se quiser
seguir Jesus Cristo, é preciso carregá-la.
A assembleia2 não se realizará amanhã. Marcamos a das crianças 3 para amanhã,
na casa da senhora Viole.

22
Madame de Herse enviara Joana a Luísa de Marillac.
33
Hubert Bécu, Irmão coadjutor.
44
Maria Bécu, Filha da Caridade. Estava então na Casa-Mãe.
1
Carta 388. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Ver carta 386, nota 1.
22
A assembleia das Damas da Caridade.
33
A assembleia das Damas do Crianças Expostas.
398

Ontem à tarde, mandei dizer a Joana, a gorda, que deverá ir-se embora e que vos
entreguei as cinquenta libras que me enviara por Madame Forest. Parece-me que havia
cinquenta e duas; ela disse que eram dezoito escudos; faremos com que o restante lhe
seja dado. Ela pensava que Madame Herse me tinha entregado cem francos que estava
reservando para ela. Disse-lhe que ela mesma lhos peça. Julgo ser conveniente que
trateis tudo isso com mansidão, mas corajosa e eficazmente.
Hoje vão chegar vossas águas.

Destinatário: A senhora Le Gras.

389. ─ SANTA CHANTAL A SÃO VICENTE

Viva Jesus!

[Annecy, 16391].

... De resto, meu caríssimo Padre, para mim é motivo de extrema consolação ter
de aguardar aqui vossos caros filhos; nosso boníssimo e caro pai, o senhor
Comendador de Sillery, no-lo prometeu. Não é ele incomparável em sua caridade, e
não somos nós totalmente devedoras para com a divina Providência, por nos ter dado
um tal apoio? Bendita seja eternamente! Comunicar-nos-eis, meu caríssimo Padre,
tudo que for necessário fazer e saber, em função da alegria desse bom servo de Deus.
Suplico à infinita bondade de Deus conservar-vos por longos anos, para a sua
glória e a utilidade da santa Igreja. Lembrai-vos sempre de mim diante de Deus e
conservai-me sempre em vossa paternal afeição, pois que sou, de todo o meu coração,
embora indigna, etc.
Meu caro Padre, quando medito nos frutos que esses dois bons operários farão
neste grande e numeroso bispado, fico arrebatada, e estou certa de que vossa piedade e
zelo pela glória divina tornará este estabelecimento tão sólido que jamais venha entrar
em decadência, quer por falta de pessoal, quer por falta de recursos em vossa
Congregação. Informai-nos com precisão a respeito dos leitos e móveis necessários
para vossos bons padres.

390. ─ A SANTA JOANA DE CHANTAL

Paris, 15 de agosto de 1639.

Minha mui cara e digna Madre,

1
Carta 389. ─ Santa Joana Francisca Frémyot de Chantal, sua vida e suas obras, t. VIII, p. 163, carta 1633.
1
Data da fundação de Annecy. Parece que a carta 390 responde a esta.
399

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Recebi vossa carta, não datada, que o senhor Comendador teve a bondade de me
entregar, e podeis imaginar, minha mui digna Madre, com que reverência e afeto, pois é
uma carta de minha única Madre, plena do odor e da suavidade do seu espírito. Jesus!
Minha cara Madre, como essa carta perfumou meu coração. Eia pois, bendito seja
aquele por cujo amor vossa bondade se oferece para nos receber, nos alojar e
providenciar-nos os móveis1! Não vos agradeço, minha cara Madre, porque não sou
digno de o fazer; rogo porém a Deus, seja ele mesmo vosso agradecimento e
recompensa...2
Vossa caridade me diz, a respeito da missão, que seja estabelecida de tal sorte
que não lhe falte depois nem pessoal e nem recursos. Dir-vos-ei, quanto ao pessoal,
minha cara Madre, que a firmeza da Companhia, de que vos falei na carta que vos
escrevi de Troyes, é a firmeza dos lugares particulares onde for estabelecida e que
estamos buscando em Roma, mediante a graça de Deus. Para isso, suplico vossas
orações. No que diz respeito aos recursos, digo-vos que o senhor Comendador me fez a
honra de afirmar-me que, ao vender algum de seus bens, passará para nós a propriedade
cuja renda nos doou, e que poderemos aplicar essas rendas em fundos de herança, em
vosso bairro, o quanto for necessário para a manutenção desses dois missionários e de
um Irmão. Sendo assim, se for do agrado de Nosso Senhor abençoar esta boa obra, não
faltará pessoal e nem recursos. Parece que o senhor Comendador não deseja ater-se a
esse número3. Seja por isso bendito o santo nome de Deus!
Disse-vos uma quantidade de coisas vantajosas sobre essa pequena Companhia 4.
Com certeza, minha cara Madre, isso me atemoriza; por isso suplico-vos fazer um bom
desconto a respeito e nada dizer disso a ninguém. Reputação grande demais traz muitos
prejuízos e é ordinariamente a causa, por justo juízo de Deus, de que os frutos não
correspondam à expectativa, seja porque caímos na soberba do espírito ou porque o
público atribui aos homens o que só é devido a Deus. Por isso suplico novamente, com
muita humildade, à vossa caridade, não dar lugar em vosso espírito a pensamentos que
vos poderiam sobrevir, em razão do que diz de nós o senhor Comendador, e, menos
ainda, falar disso a quem quer que seja. Meu Deus! minha digna Madre, se conhecêsseis
a nossa ignorância e a pouca virtude que temos, teríeis grande piedade de nós! Vê-lo-
eis, contudo, na prática, a partir dos dois que vos enviaremos 5. É o que me consola,
porque assim rogareis a Deus por nós com maior compaixão de nossa miséria. E porque
vos digo isso, com lágrimas nos olhos, em vista da verdade do que vos digo e das
abominações de minha pobre alma, suplico-vos, minha cara Madre, oferecer a Deus a
1
Carta390. ─ C. aut. ─ Original com a Visitação de Annecy.
1
Pelo contrato de 03 de junho de 1639, o Comendador de Sillery prometera aos missionários de Annecy arranjar-lhes
o alojamento e os móveis. Ainda não tinha cumprido a palavra. No dia 26 de janeiro seguinte, os missionários o
dispensavam da promessa, mediante duas mil libras tornezas, que deveriam servir juntamente com outras mil libras,
para a compra de uma casa. Eles se instalaram, de início, no local oferecido, preparado e montado por Santa Chantal.
22
Omitimos aqui quarenta linhas do original sobrecarregadas de riscos. É profundamente lamentável, repetimo-lo,
que tenham tido tanto empenho para nos ocultar o que um Santo escrevia a uma Santa.
33
A 26 de fevereiro de 1640, ele fazia uma nova doação, para permitir o aumento do número dos padres para quatro,
e o número dos Irmãos, para dois (Cf. Arq. Nac. S 6716).
44
São Vicente crê ter falado bem demais de sua Companhia, na carta de 14 de julho. Esforça-se aqui por rebaixá-la, a
fim de se punir por ter-se expressado com demasiada complacência.
55
Bernardo Codoing e Pedro Escart.
400

confusão que sinto por causa disto e pela confissão que disto vos faço, na presença de
sua divina Majestade. Perdoai-me se abuso de vossa paciência, revelando-vos assim
meus pobres sentimentos, eu que sou de minha muito digna e inteiramente única mãe,
no amor de Nosso Senhor e de sua Santa Mãe, minha mui digna Madre, vosso muito
humilde e obediente servo,

Vicente de Paulo, padre da Missão.

Minha digna Madre, o senhor Comendador desejou que vos envie um relatório
dos poucos móveis que nos são necessários e que sua caridade nos deve fornecer.

Destinatário: A minha reverenda Madre Chantal, fundadora da Ordem da


Visitação e superiora do mosteiro de Annecy, em Annecy.

391. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Agosto ou setembro de 16391].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Acabo de estar com Madame Goussault que, embora não gravemente doente,
está em situação de perigo. Ela o sabe e me disse 2. É preciso pedir a Deus por ela. Seu
coração está constantemente entregue à vontade de Deus. Deixei lá a Madame
Chanceler3. Disse-me que amanhã vos enviará sua carruagem. Antes de partirdes, dar-
vos-ei um bilhete.
Se houvesse por lá muitos alojamentos, seria preciso examinar o negócio; mas
como não os há, esse dado tem de ser levado em conta; conversaremos sobre isso.
desejo-vos uma boa tarde e sou, no amor de Nosso Senhor, v. s.

V. D.

Destinatário: À senhora Le Gras, em sua casa.

392. ─ A MADRE DA TRINDADE

São Lázaro, Paris, 28 de agosto de 1639.

Minha mui cara Madre,


1
Carta 391. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Ver nota 2.
22
Madame Goussault morreu a 20 de setembro de 1639, assistida por São Vicente.
33
Madame Séguier.
Carta 392. ─ C. aut. ─ Original com as Filhas da Caridade de Nancy, rua da Caridade, 18.
401

O espírito de união pelo qual o Filho de Deus uniu os homens a seu Pai esteja
sempre convosco!
Rendo-vos um milhão de ações de graças, minha cara Madre, pela ardente
caridade que me fizestes, ao escrever-me; e como foi Deus que vos moveu o coração
para isso, e que vos inspirou tudo que me dizeis, abraço-o com toda a afeição e
reverência possíveis e vos prometo, minha muito única Madre, cumprir com exatidão
tudo o que vos aprouve dizer-me. É verdade, minha cara Madre, que receio muito tenha
a minha miséria dado vários motivos de pesar ao nosso boníssimo e muito amável
senhor Comendador1. Mas o que pode sair de um miserável pecador a não ser falhas e
faltas em todas as coisas? Com toda a certeza, porém, tudo aconteceu sem intenção
alguma, pois jamais tive outra, desde que tive a honra de ser conhecido dele, e até muito
tempo antes, senão a de honrá-lo e respeitá-lo como um grande servo de Deus, do qual
sou indigno de me aproximar. E já que não tenho outro meio de lhe dar satisfação, a não
ser recorrendo a sua bondade, eu o faço, minha cara Madre, por vosso intermédio e lhe
peço muito humildemente perdão, prostrado em espírito a seus pés e aos vossos. E o
faço, com certeza, ao correr das lágrimas que meu coração inflamado e enternecido
envia aos meus olhos.
E como ele é tão bom a ponto de acatar o meu pedido a respeito do senhor Bispo
de Troyes2, e de concordar que tenha um quarto na casa, agradeço-lhe muito
humildemente por isso. Suplico-lhe, outrossim, em nome de Nosso Senhor,
compadecer-se de minha insignificância, a respeito do outro ponto que concerne ao
consentimento das pessoas da cidade. Tenha ele a bondade de falar-lhes sobre isso,
pessoalmente, já que não julgais conveniente o faça por escrito. Com efeito, haverá
dificuldade, minha cara Madre, em nos aceitarem lá3.
Tenho informação de que a mulher de um magistrado disse a uma pessoa 4 estas
palavras: “Não se pense em estabelecer no subúrbio os padres da Missão; não os
aceitarão lá!”. Que desgosto, minha cara Madre, sentiria o senhor Comendador, se
viesse a receber ofensas na obra de suas mãos! Se formos recusados, tendo feito o que
depende de nós, com simplicidade: tudo bem, a vontade de Deus nos será conhecida;
acomodar-nos-emos como pudermos fora do recinto da cidade e dos subúrbios. Se eles
aceitarem, como espero, caso o senhor Comendador venha a falar com eles, ser-nos-á
motivo de grande consolação entrar neste estabelecimento pela porta da deferência, da
submissão, da humildade, da simplicidade, da candura e da caridade. Caso isso venha
chocar o vosso sentimento, minha cara Madre, ou o do senhor Comendador, peço muito
humildemente perdão a vós e a ele, e vos suplico, ainda de novo, em nome de Nosso
Senhor, suportar-me nesta miséria. Quanto a dizer que sua presença impedirá o
surgimento de alguma violência, quero crê-lo. Mas não tenho dúvida alguma de que,
logo que ele virar as costas, venham a proceder de outro modo.

11
O Comendador de Sillery.
22
Renê de Breslay (1604-1641).
33
Os missionários tinham a sua residência em Sancey, perto de Troyes. O Comendador de Sillery procurava-lhes uma
outra no subúrbio.
44
Primeira redação: a uma pessoa que mo escreveu.
402

Sei muito bem, minha cara Madre, que Santa Tereza procedeu de outra maneira
em algumas de suas fundações. Mas qual! Era uma Santa que tinha inspiração de Deus
para isso. Entretanto, minha cara Madre, não sei se ela teria procedido da mesma
maneira em relação a um povo que tivesse aversão a novos estabelecimentos e o tivesse
testemunhado em diversas ocasiões. Por esta razão, suplico de novo a vossa imensa
caridade aceitar o que vos proponho com toda a humildade e respeito a mim possíveis e
propô-lo ao referido senhor Comendador. Dizei-lhe também que de bom grado
concordo com que tome as quatro mil e quinhentas libras que estão nas mãos de nossas
caras irmãs de Santa Maria5, onde o senhor Bispo de Troyes nos fez a proposta de
colocá-las. Escrevo ao senhor Padre Dufestel para este fim, no sentido de mandar
entregar a citada soma ao senhor Comendador, quando ele quiser.
Com respeito ao crescimento da fundação de Genebra6, seguramente não posso
exprimir-vos, minha cara Madre, o reconhecimento que Nosso Senhor me dá por isso. E
como sou tão mal agradecido a ponto de não saber testemunhá-lo bem, nas devidas
ocasiões, suplico-vos muito humildemente, minha cara Madre, ajudar-me a agradecer-
lhe e a certificá-lo de minha obediência. Quanto a vós, minha cara Madre, como não sou
também capaz de vos fazer um digno agradecimento, por todas as graças que
incessantemente recebemos de vossa caridade, peço a Nosso Senhor, minha cara Madre,
que ele mesmo o faça e que seja o nosso agradecimento. Sou, em seu amor, e no de sua
Santa Mãe, minha muito cara Madre, vosso muito humilde e obediente servo,

Vicente de Paulo.

Destinatário: A minha reverenda Madre, Madre da Trindade, superiora das


Carmelitas do subúrbio de Troyes, em Troyes.

393. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

Manhã de quarta-feira [16391].

Fiquei consolado ao ver a carta de Angers e penso que não se deve retardar o
envio das Irmãs, embora a ata não esteja pronta. Em todo caso, ficaremos sempre de
sobreaviso. Penaliza-me, porém, o que me escrevestes no fim. Ó Jesus! Senhora, ainda
não é tempo! Senhor Deus! Fazeis muita falta ao mundo! Em nome de Deus, fazei o
possível para a vossa saúde e cuidai-vos melhor. Se puder, terei a satisfação de ir estar
convosco à tarde; se não, amanhã, com a ajuda de Deus.
O senhor vosso filho disse-me ontem, à tarde, que iria encontrar-se com o padre
de Saint-Nicolas, para o exame2. Parece-me totalmente decidido. Não vos foi ver por
55
Do convento da Visitação de Troyes.
66
De Annecy, na diocese de Genebra. A sede episcopal de Annecy foi estabelecida em 1822.
1
Carta 393. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
As Irmãs destinadas ao hospital de Angers deixaram Paris em novembro. Esta carta precede de pouco sua partida.
22
Os regulamentos diocesanos prescreviam aos ordinandos fazer exame com os senhores padres de Saint-Nicolas-du-
Chardonnet (Cf. Schoenher, op. cit., t. II, p. 650).
403

causa de seu casaco comprido que se rasgou ao passar por um certo lugar; mandará
consertá-lo. Talvez não queira ir estar convoco senão quando estiver ligado à Igreja,
como vos disse em carta. Sede muito alegre, em nome de Deus. Sou, em seu amor, v. s.

V. D.

Creio que escolhestes bem no tocante às lorenenses e que a outra mais alta, da
qual me falais, procederá bem.

394. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Entre 1636 e 16481].

O purgante que me mandastes, Senhora, fez efeito nove vezes. As águas de nada
valeram durante a febre, nem em Forges, nem aqui. Contudo, vamos experimentar. Nós
as temos conosco e estão a vosso serviço, se delas precisardes. Minha febrezinha é,
como dizeis, uma dupla-terçã. Sabeis, porém, que nesta estação, tenho, ordinariamente,
uma dupla-quartã e já a tive assim, neste outono.
Fareis bem em mandar vir Madame Turgis.
Suplico-vos me informeis quantas meninas restam ainda.
E o que estais fazendo contra vossa dor de cabeça? Creio que estais
necessitando, talvez, de tomar um purgante suave.
Estou bem contente com o que me falais sobre o vosso pequeno sofrimento.
Coragem! Nosso Senhor será o vosso consolo, como lhe peço, de todo meu coração, e
vos rogo façais o possível para isso.
Sou, em seu amor, vosso muito humilde servo,

V. D. P.

395. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[Entre 1636 e 16421].

Devo ir, dentro em pouco, a La Chapelle. Se for necessário que eu vá a vossa


casa, fareis o favor de avisar-me. Folgo em não ir até aí, a não ser assim, conforme a
decisão que tomamos desde o princípio.

1
Carta 394. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Datas da entrada de Madame Turgis na comunidade e da sua morte.
1
Carta 395. ─ Abelly, op. cit., t. III, cap. XX, 1ª ed., p. 305.
1
Datas extremas da permanência de Luísa de Marillac em La Chapelle.
Carta 396. ─ Reg. 1, fº 63 vº. O copista nota que o original era da mão de São Vicente.
404

396. ─ A NICOLAU SANGUIN, BISPO DE SENLIS

Paris, 13 de setembro de 1639.

Senhor Bispo,

A caridade com que vos apraz honrar a nossa pequena Congregação da Missão,
me dá confiança de vos suplicar muito humildemente haver por bem dar-me uma
dimissória ad omnes ordines (para todas as ordens) em favor de Michel Dupuis, acólito
de vossa diocese e que é de nossa citada Congregação1. Está fazendo seu curso de
filosofia e estudou teologia. Pela graça de Deus, é de bons costumes e dá esperança de
servir a Deus utilmente entre os pobres do campo. Isto me dá a confiança, senhor Bispo,
de vos fazer esta muito humilde súplica com toda humildade e respeito possíveis, e de
renovar aqui a oferta de minha obediência. Sou, no amor de Nosso Senhor, senhor
Bispo, vosso...
O jovem tem apenas um título de cem ou de cinquenta libras; espero fazer com
que ele as receba para este fim.

397. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

Boa tarde, Senhora, rogo-vos que penseis nos pontos sobre os quais devo tratar
amanhã1 e de me informar sobre eles, a partir de agora até às oito e trinta da noite.
Informai-me igualmente sobre o estado de vossa saúde. Agradeço-vos muito
humildemente o vosso presente e peço-vos dizer-me qual dos dois terços é o que foi
usado pela falecida Madame General2.

398. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

... Desejo-vos um bom dia. Ainda tenho o coração cheio de consolação pela
conferência de nossas queridas Filhas da Caridade. Parece-me que jamais admirei tanto
a bondade de Deus e sua conduta, como o fiz e ainda faço nesta ocasião. Ó Senhora,
quem nos dará bastante humildade para olhar nosso lugar no fundo dos infernos, se não
formos fiéis aos seus eternos desígnios de servi-lo conforme seu desejo, e não nos
abandonarmos inteiramente à sua conduta tão admirável e amável!

11
Michel Dupuis, nascido em Ver (Oise), recebido na Congregação da Missão a 29 de março de 1639, com a idade de
23 anos. Embora fosse ainda simples clérigo em 1646, São Vicente o ocupava então no seminário de Cahors.
1
Carta 397. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Para a conferência que deveria ser feita às Filhas da Caridade.
22
Francisca Margarida de Silly, esposa de Filipe Emanuel de Gondi, antigo General das Galeras
Carta 398. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
Carta 399. ─ Abelly, op. cit., t. III, cap. XX, p. 306.
405

399. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

Se desejais que eu tenha a ventura de vos ver em vossa doença, comunicai-me.


Impus-me a lei de não ir estar convosco, sem ser solicitado para o que for necessário e
útil.

400. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

Manhã de sexta-feira.

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Jamais vi uma mãe tão mãe quanto vós. Em outra coisa, quase não sois mulher
assim. Em nome de Deus, Senhora, deixai vosso filho aos cuidados do Pai (celeste), que
o ama bem mais do que vós, ou, pelo menos, libertai-vos da excessiva solicitude por ele.
Estou enviando alguém aos Bons-Enfants, sem nada dar a entender, para tomar
conhecimento do estado desse negócio e vos mandarei comunicá-lo.
Bom dia, Senhora, sou v. s.

V. D.

Destinatário: À senhora Le Gras.

401. ─ À MADRE DA TRINDADE

A graça da união dos corações em Jesus Cristo esteja convosco1!


Recebi a carta que aprouve a vossa caridade enviar-me, pela qual vos agradeço
humildemente. Agradeço-vos também por toda bondade de que apraz a vossa querida
alma usar para com minha pobre alma e esta pobre Companhia. Rogo a Nosso Senhor,
que vos fez tão abundantemente participante do seu espírito, que vo-lo aumente ao
infinito, para recompensa vossa. Fico muito pesaroso, minha mui cara Madre, pela dor
que dei motivo de experimentar, por ocasião desse negócio. Mas qual! a caridade é
paciente. Ó minha cara Madre, como tendes motivo de esperar um belo florão para
vossa coroa, pela paciência que vossa caridade tem para conosco nesta questão! É

Carta 400. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Carta 401. ─ Arquivos do Seminário São Sulpício, em Paris: antiga cópia autenticada, a 12 de março de 1772, pelo
Bispo de Cydon.
1
A frase da cópia utilizada por P. Coste era: “A graça da união dos corações de Jesus Cristo esteja convosco”. O
próprio Coste afirma ter o copista lido mal e sugere as versões possíveis: “A graça da união dos corações em Jesus
Cristo esteja convosco” ou “A graça da união dos corações de Jesus Cristo e de sua Santa Mãe esteja convosco”. A
frase do copista não teria sentido algum.
406

também a prece que faço, minha cara Madre, a Nosso Senhor e a vós, de não vos cansar
de nos suportar no pesar que sentis por nós.
O Padre Dufestel me comunica que a bondade do senhor Comendador abandona
seus pontos de vista para se conformar com minha miséria 2, e que eu consiga a carta do
senhor Procurador3, para ele ir logo falar com os senhores Magistrados. Suplico-vos,
minha cara Madre, agradecer-lhe de minha parte, como faço com toda a humildade
possível. Dizei-lhe também que coloco esta graça no rol das maiores que jamais tenha
recebido dele. Dentro de dois ou três dias, terei oportunidade de ir estar com o senhor
Procurador Geral no campo, onde ele está, e pedir-lhe que escreva no sentido indicado
pelo senhor Comendador ao Padre Dufestel.
Nossos missionários destinados à diocese de Genebra começam a se reunir, digo
um deles, da doença da qual está saindo4. Espero que esteja em condição de partir, no
mais tardar, lá pelo dia dez de outubro5.
Suplico-vos, minha cara Madre, apresentar ainda nossas escusas ao senhor
Comendador, nesse caso, e estar certa de que minha alma está plena de reconhecimento
pelos favores que vos devemos e que sereis minha cara Madre no tempo e na eternidade,
e eu, no amor de Nosso Senhor, vosso muito humilde e obediente servo,

Vicente de Paulo.

Paris, 27 de setembro de 1639.

402. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

Senhora,

É preciso reagir contra o que nos penaliza e partir o coração ou abrandá-lo a fim
de prepará-lo para tudo. Parece que Nosso Senhor quer retirar sua parte da pequena
Companhia. Ela é totalmente dele, assim o espero, e ele tem o direito de usar dela como
lhe aprouver. Quanto a mim, meu maior desejo é desejar somente o cumprimento de sua
santíssima vontade. Não vos posso expressar quanto nosso doente 1 está adiantado nesta
prática; é a razão, me parece, pela qual Nosso Senhor o queira colocar num lugar onde
poderá permanecer totalmente feliz durante toda a eternidade. Oh! quem nos dará a
graça da submissão de nossos sentidos e de nossa razão a esta adorável vontade! Será o
próprio autor dos sentidos e da razão, se deles nos servirmos somente nele e para ele.
22
O Comendador de Sillery, pouco inclinado, de início, a pedir o assentimento da cidade para o estabelecimento da
casa dos missionários no subúrbio de Troyes, acabara cedendo às instâncias e às razões do Santo.
33
Mateus Molé.
44
Frase ininteligível, resultante de má leitura do copista.
55
Conforme o contrato de fundação, São Vicente devia enviar dois de seus padres a Annecy, antes do dia 15 de
setembro. Vemos aqui que circunstâncias alheias a sua vontade retardaram sua partida.
1
Carta 402. ─ Abelly, op. cit., t. III, cap. V, sec. 1, p. 37.
1
Este doente, “um dos principais e dos mais úteis padres” da “Congregação”, diz Abelly, era, ao que parece, daqueles
que prestaram seus auxílios a Luísa de Marillac. Poderia bem ser Jean de la Salle, morto em Paris a 09 de outubro de
1639. O Padre Pérmartin pensa que esta carta foi escrita por ocasião da doença de Antônio Portail, em 1660. É
improvável, pois a própria Luísa de Marillac estava, nessa ocasião, em seus últimos dias.
407

Peçamos-lhe que vós e eu tenhamos sempre um mesmo querer e não querer com ele e
nele, pois isso é o paraíso antecipado nesta vida.

403. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[09 ou 10 de outubro de 16391].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Agradeço-vos muito humildemente pelo cuidado que tendes comigo. Minha
febrezinha é terçã; estou no terceiro surto. Ela me pegou na tarde em que tive a alegria
de estar convosco, por haver descido ao refeitório, imediatamente após ter vomitado o
remediozinho de que faço uso. O primeiro surto me tirou totalmente o sono. No dia
seguinte, tomei um suador, o que fez com que os acessos diminuíssem. Fizeram-me
duas sangrias, de sorte que o presente surto é muito suave. O nosso médico é de opinião
que eu tome um purgante na próxima quarta-feira. Rogo-vos mandá-lo preparar. O que
me enviastes da última vez foi inútil, não porém o que tomou o Padre Blatiron 2. Ele até
já partiu com Monsenhor d’Alet3, pois estava passando muito bem.
Agradeço-vos o aviso que me destes sobre a enfermaria e a participação que
tendes em nosso motivo de sofrimento. Recomendo-vos nosso irmão Alexandre 4, a
quem será administrada, nesta tarde, a unção dos enfermos, juntamente com o
empregado do senhor Prior5. Os restantes passam bem, graças a Deus.
Fiquei muito confortado ontem, com a notícia de que estais melhor, e rogo a
Deus vos devolva a força necessária para tantos trabalhos que Nosso Senhor vos
prepara.
Dir-vos-ei apenas uma palavra sobre a perda que tivemos, com a morte do Padre
de la Salle e a que estamos prestes a sofrer. Pela graça de Deus, tenho o coração em paz,
vendo o que é a vontade de Deus. Por vezes, assalta-me algum temor de que a causa
sejam meus pecados. Mas vendo até nisto o beneplácito de Deus, eu o aceito de todo
meu coração, e sou, no amor de Nosso Senhor, v. s.

V. D.
1
Carta 403. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
Esta carta foi escrita no próprio dia ou no dia seguinte da morte do Padre Jean de la Salle.
22
Estêvão Blatiron, padre da Missão, nascido em Saint-Julien-Chanteuil (Haute-Loire), a 06 de janeiro de 1614. Foi
recebido na Congregação da Missão em 06 de janeiro de 1638, ordenado padre em 1639, colocado em Alet (1639-
1641), Saintes (1641), Richelieu, Roma (1644-1645), Gênova (1645-1657). Notabilizou-se, sobretudo, neste último
posto, onde, como superior de uma nova casa, teve de organizar tudo. São Vicente via nele um dos missionários mais
completos e “um grandíssimo servo de Deus” (Cf. Abelly, op. cit.,t. III, p. 70). Estêvão Blatiron morreu em Gênova,
a 24 de julho de 1657, vítima de sua dedicação aos empesteados. Sua biografia foi publicada no t. II das Notícias, pp.
151-203. Encontra-se no manuscrito de Lyon um memorando sobre suas virtudes, endereçado a São Vicente.
33
Nicolau Pavillon recebera a consagração episcopal a 22 de agosto, na igreja de São Lázaro. São Vicente prometera
ir com ele até sua diocese. Não lhe foi possível. O novo bispo deixou Paris a 08 de outubro, acompanhado de Estevão
Blatiron, que deveria dirigir seu seminário. E Dejean dá a conhecer os incidentes dessa viagem (op. cit., p. 17).
44
Alexandre Véronne.
55
Adriano Le Bon.
408

Destinatário: À senhora Le Gras.

404. ─ A LUÍS LEBRETON, PADRE DA MISSÃO, EM ROMA

Senhor Padre,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Recebi vossa carta de 13 de setembro e algumas outras escritas antes, às quais
dei resposta depois de meu regresso de Troyes. Pela presente, torno a dizer-vos que pedi
ao senhor pároco de Saint-Leu1, que redigiu o martirológio francês2, para me enviar os
apontamentos que possui de Santa Veneranda3. Antes do envio da presente, mandarei
alguém estar com ele, para rogar-lhe que me mande o que ele tem, e vo-lo enviarei pelo
mesmo meio.
Quanto às despesas das missões, vós as fareis, por favor, quando fordes pregá-
las, mesmo as desse bom padre senense, se não insistir no contrário.
Quanto às ladainhas de Jesus, gostaria muito que obtivésseis a permissão de
rezá-las no coro, pela manhã, media voce sine cantu (com voz mediana, sem canto),
como temos o costume de fazer.
Quando vos falei sobre enviar-vos missionários, era apenas uma simples
proposta. Ser-nos-á impossível no momento, já que aumentamos o número dos
missionários de Aiguillon4, enviamos quatro para a fundação de Alet e vamos enviar
outros quatro para a diocese de Genebra, onde o senhor Comendador de Sillery fez uma
fundação. Acresce a isso que, além dos missionários de Toul, enviamos outros para
Nancy, Verdun, Bar-le-Duc. Vamos ainda enviar alguns para Metz, a fim de dar
assistência corporal e espiritual ao pobre povo do campo refugiado nessas cidades:
assistir corporalmente, distribuindo quinhentas libras de pão por mês, em cada cidade, o
que significa que temos de dispor de duas mil e quinhentas libras por mês. Pela graça de
Deus, nada faltou até o presente, e espero que não faltará. Temos, no mínimo, fundos
para este ano. Para a assistência espiritual, de início, é preciso ensinar a todos as coisas
necessárias à salvação, estimular a confissão geral de toda a vida passada, continuando

1
Carta 404. ─ O original nos foi comunicado pelo senhor Gloutier, vice-presidente dos hospitais de Langres.
1
André du Saussy, nascido em Paris, cerca de 1589, doutor em ambos os direitos, controversista de talento, orador
ilustre, escritor fértil, pároco de Saint-Leu e Saint-Gilles (1624-1656), muito considerado junto ao Rei, que o tomou
como conselheiro e pregador. Apresentado pela Rainha regente em 1649 para a sede episcopal de Toul, só foi aceito
pelo Papa em 1656. Governou com sabedoria sua diocese e morreu a 09 de setembro de 1675, depois de ter merecido
este elogio, gravado em seu túmulo: homem amável para com o clero e o povo (vir clero et populo amabilis),
(História das dioceses de Toul, de Nancy e de Saint-Dié, pelo abade Eugênio Martin, Nancy, 3 vol. in-8, 1900-1903,
t. II, p. 236 ss).
22
Martyrologium Gallicanum, Paris, 1638, 2 vol. in-fº, obra sem valor histórico.
33
Santa Veneranda foi decapitada em Roma, na perseguição de Antonino, a 14 de novembro, dia em que a Igreja
celebra sua festa.
44
Ou antes, La Rose, perto de Aiguillon.
409

depois de dois em dois ou de três em três meses. Nosso Irmão Mateus, que faz
maravilhas em favor desse trabalho, segundo a graça toda especial que Deus lhe
concedeu, julgou que deveria trazer para a França o maior número possível de
indigentes. Trouxe cem no mês passado, entre os quais havia quarenta e seis meninas,
moças e outros, que ele guiou e alimentou até esta cidade, na qual a maior parte já foi
colocada; por enquanto, tomam a refeição na casa onde se cuida das crianças
abandonadas desta cidade. Algumas boas senhoras5 fazem maravilhas para nos ajudar
nisso.
Tudo considerado, vede bem, senhor Padre, que nos é impossível enviar-vos
socorro, no presente; fá-lo-emos quando pudermos. Estamos providenciando a partida
de 12 ou 13 missionários para esses lugares.
Todas estas são notícias que vos consolarão. Mas vai aqui uma que vos causará
muita tristeza ao coração: a morte de nosso querido Padre de la Salle. Partiu para Deus
no dia de São Dionísio6, entre as três e as quatro horas da manhã, depois de uma febre
escarlatina, durante a qual permaneceu tão unido à vontade de Deus que, em momento
algum, dela se distraiu; de tal forma que se pode dizer que sua morte correspondeu à sua
vida. Um dia antes de morrer, tirou sua camisa, para morrer nu, com tanta decência que
todos se admiravam como um corpo, que não se mexia mais, há dois dias, pudera fazer
aquilo. Com efeito, perguntei-lhe por que se despira e ele me deu uma resposta não
articulada, que eu não entendi; mas o Padre Dehorgny nos disse que acreditava ter ele
feito isto para imitar São Francisco7 ou, para dizer melhor, Nosso Senhor, porque o viu,
no ano passado, muito sensibilizado com esse ato de São Francisco, no dia em que se lia
a sua vida.
Nosso Senhor, ao que parece, não deseja ficar por aí. Com efeito, no momento
em que vos falo, temos dois de nossos Irmãos recebendo a unção dos enfermos, um dos
quais é nosso querido e admirável Irmão Alexandre 8. Recomendo às vossas orações o
falecido e os que estão em vida, e vos peço despachar-nos o altar privilegiado com a
dispensa do número prefixado de nove missas. São celebradas ordinariamente quinze ou
vinte; mas acontece, por vezes, quando vamos pregar missão, que só fiquemos aqui com
quatro ou cinco padres. O senhor Cardeal 9 acaba de mandar perguntar-nos aqui se temos
um padre com ordem de celebrar missas pelo falecido senhor Cardeal de la Valette1010.
Meu Deus, senhor Padre, como esta súplica demora a ser atendida 1111! Suplico-
vos, senhor Padre, apressá-la; e digam o que quiserem, esse bom prelado e vários
outros, standum est proposito (é preciso ficar firme no que foi proposto). Acabo de falar
desta questão com nosso bom Padre Callon, que estima, como eu, que a coisa é
absolutamente necessária, e me disse boas razões a favor dela, a tal ponto que meu
55
Sobretudo a Duquesa de Aiguillon.
66
09 de outubro.
77
São Francisco de Assis.
88
O Irmão Alexandre Véronne.
99
O Cardeal Richelieu.
1010
Luís de la Valette de Nogaret ocupara a sede de Tolosa de 1614 a 1627 e recebeu o chapéu de Cardeal em 1621.
Seu temperamento marcial o levou a aceitar o comando dos exércitos do Rei, que conduziu até à Alemanha, aos
Países Baixos e à Itália. Morreu em Rivoli, perto de Turim, a 28 de setembro de 1639.
1111
Esta súplica dizia respeito à organização da Congregação da Missão, na qual o Fundador queria introduzir a
prática dos votos.
410

coração ficou enternecido. Entre outros argumentos, o de Santo Tomás: quae


applicantur primo et ultimo debent esse immobilia (o que se aplica a todos deve ter
caráter de estabilidade). Esse bom Padre Callon é um doutor em teologia que trabalha
incessantemente na missão, pelos lados de Aumale. Insista portanto, senhor Padre, eu
vos suplico. Não sei se não teria sido desejável que vos tivésseis dirigido primeiro ao
senhor Cardeal Antônio1212, nem se a pessoa que conheceis estaria querendo produzir,
no caso, uma vaca leiteira, para conseguir mais dinheiro ou coisa que o valha. Oxalá
tivésseis algum outro meio em mãos para atingir o objetivo. É o pensamento do senhor
de Cordes, conquanto seja isto possível sem nenhum prejuízo. Seja dito isto ao ouvido
de vosso coração, e jamais a quem quer que seja. Se achais perigosa a mudança dos
meios, in nomine Domini, ficai com o que tendes. Vede, senhor Padre, somos seres
mortais. Não posso prolongar minha vida, pois entrarei, no mês de abril próximo, nos
meus sessenta anos1313. Acrescem a isto os possíveis acidentes. O médico acaba de me
deixar e de dizer que o Padre Dehorgny está com febre. A minha febre, no momento, é a
de costume.
Estou mais sensibilizado do que vos posso exprimir, com o feliz encontro que
tivestes com este bom padre senense. Ó senhor Padre, eu o ficaria mais plenamente se
fosse do agrado da bondade de Deus unir a vós em seu espírito! Digo-o positis ponendis
(observando-se o que se deve); parece-me que Nosso Senhor me dá, por misericórdia, a
graça de não aliciar as pessoas a não ser quando sua providência as atrai. Meu Deus!
Senhor Padre, como nossos desejos são vãos e falhos! Rogo, contudo, a Nosso Senhor
abençoe-vos a nova vida que ides começar juntos em vossa casa e a missão que, estou
certo, estais pregando no momento. Ouso permitir-me a confiança de saudá-lo muito
humildemente, com todo o respeito e a reverência que lhe devo, e recomendar-me a suas
santas orações. Saúdo igualmente a esse outro bom padre do qual me falais, para
completar talvez o terceiro.
Falastes-me do R. P. Garanita em quase todas as vossas cartas e de todo bem que
ele faz; mas não sei se me dissestes de qual Ordem ele é. Seja como for, só posso louvar
a Deus pela graça que vos concede, como também por aquela que vos dispensou esse
bom Prelado, que põe em marcha essa academia de eclesiásticos. Peço a Nosso Senhor
derrame cada vez mais suas bênçãos sobre eles.
1212
Antônio Barberini, sobrinho do Papa Urbano VIII, tinha apenas vinte anos quando entrou no Sacro Colégio, em
1627. Foi encarregado de várias delegações. Luís XIII o nomeou protetor dos negócios da França na corte de Roma.
As diligências que tomou para impedir a eleição de Inocêncio X não tiveram êxito. Veio para França, obteve, em
1652, o bispado de Poitiers, e, em 1657, o arcebispado de Reims. Morreu em Nemi, perto de Roma, a 03 de agosto de
1671.
1313
São Vicente teria portanto nascido em 1581, cinco anos depois da data aceita por todos os seus biógrafos, e sua
idade não seria a que foi gravada no seu túmulo. Não trataremos de elucidar aqui o problema histórico que este
desacordo levanta; contentar-nos-emos em observar que o Santo jamais variou. Se levarmos em conta o fato de que,
em sua boca ou em sua pena, o ano em curso é considerado como finalizado, seus diversos testemunhos sobre esses
pontos (temos doze) são todos perfeitamente concordes (ver as cartas de 25 de julho de 1640 a Pedro Escart, de 21 de
novembro de 1642 a Bernardo Codoing, de 17 de setembro de 1649 a Estêvão Blatiron, de 27 de abril de 1655 ao
Papa Alexandre VII, de 15 de julho de 1659 ao Cardeal de Retz, de 24 de agosto de 1659 a Francisco Feydin; a
partilha de oração de 23 de novembro de 1656; as conferências de 06 de janeiro e de 15 de junho de 1657 às Filhas da
Caridade). É com esta convicção que ele declarava ter perto de quarenta e oito anos a 17 de abril de 1628, diante dos
juízes encarregados de se informarem sobre as virtudes de São Francisco de Sales, e perto de cinquenta e nove anos, a
31 de março de 1639, em sua deposição por escrito concernente a Saint-Cyran. O pessoal do entorno dele pensava a
mesma coisa, pois no fim de 1659, o Padre de Gondi lhe atribuiu setenta e nove anos (carta dos irmãos Chandenier a
São Vicente, de 10 de setembro de 1659) e que seu secretário, o irmão Luís Robineau, num manuscristo composto
depois de 1660 (Arq. da Missão, p. 85), o chama de “um velho de perto de oitenta anos”.
411

Jesus! senhor Padre, como estou alegre pelo memorial que apresentastes, com o
fim de obter para a Companhia indulgências e a faculdade de trabalhar! Logo que o
obtiverdes, peço-vos enviar-mo. Ó senhor Padre, sinto-me emocionado com a graça que
o senhor Cardeal Bagni vos conferiu a esse respeito e como peço a Deus, de todo
coração, que ele o conserve por longos anos! Dir-vos-ei duas coisas sobre ele: uma
delas é que jamais vi bondade tão semelhante à do Bem-aventurado Francisco de Sales,
bispo de Genebra, como a dele; a outra, é que olho para o seu retrato com muito
carinho; não tenho outros, a não ser o dele e o de nosso Bem-aventurado Prelado.
Suplico-vos, senhor Padre, certificá-lo de minha obediência, ter cuidado com vossa
saúde e ajudar-me com vossas preces, para obter da divina Majestade misericórdia para
mim, e a graça de viver melhor, para bem morrer, como fez a presidente Madame
Goussault. Ela fez um uso divino da doença que lhe precedeu a morte, doença longa e
dolorosa. Morreu com alegria e jubilação.
Sou, no amor de Nosso Senhor, senhor Padre, vosso muito humilde e obediente
servo,

Vicente de Paulo.

Paris, 12 de outubro de 1639.

Destinatário: Ao senhor Marchand, banqueiro na corte romana, para entregar,


por obséquio, ao senhor Padre Lebreton, padre da Missão, em Roma.

405. ─ A UM PADRE DA MISSÃO

[Outubro de 16391].

Eia, pois, senhor Padre, elevai o coração para Deus e recebei, com submissão a
seu beneplácito, a triste notícia que vou dar-vos. Aprouve à divina bondade levar desse
mundo o bom senhor Padre de la Salle. Morreu no dia de São Dionísio, entre três e
quatro horas da manhã, de uma febre de escarlatina, no décimo quarto dia de sua
enfermidade. Sua morte correspondeu à sua vida. Sempre teve total submissão à
vontade de Deus, desde o início de sua doença até o fim, sem pensamento algum
contrário. Sempre temera a morte, mas ao se dar conta de que desde o início a encarava
com prazer, disse-me que morria com esta serenidade, porque, dizia ele, ouvira-me dizer
que Deus, no momento final, tira o temor da morte aos que o tiveram durante a vida e
que exerceram a caridade para com os pobres. Não seria capaz de exprimir-vos os
sentimentos de devoção que deixou na Companhia. Estávamos então em retiro e, na
partilha de oração, cada um dizia o que ouvira dele de mais edificante, e relatava as
virtudes que o vira praticar, o que nos motivou a fazer conferências sobre o assunto.
Fizemos anteontem a primeira, e continuaremos na próxima sexta-feira. Não poderíeis
1
Carta 405. ─ Manuscrito de Lyon.
1
Mês e ano da morte de Jean de la Salle.
412

imaginar os efeitos dessa conferência. Sentia dificuldade em fazê-lo. Mas considero que
o espírito da Igreja é de que nos entretenhamos com as virtudes daqueles que morreram
em Nosso Senhor. Para tal, ela estabeleceu notários, a fim de recolher e publicar os
combates dos mártires e as santas ações dos confessores, as orações fúnebres feitas em
Paris pelos grandes e por todas as espécies de pessoas, na Provença e no Languedoc; em
alguns lugares, à beira do túmulo. Tudo pesado, no domingo, depois do jantar do dia das
exéquias, pensei que poderíamos fazê-lo com proveito, e senti muita consolação. Desejo
que isto se conserve (na Companhia), dentro do espírito de humildade e de caridade
cristãs. Quero crer que há razões para se esperar que alguns se corrigirão de suas faltas e
outros se estimularão à prática das virtudes. Um dos que falaram anteontem disse que,
pela graça de Deus, e pelas preces e exemplos do falecido, se decidira a uma coisa de
importância, para a qual não tinha antes disposição alguma. Penso, senhor Padre, que
faríeis bem em realizar uma conferência em vossa casa. O primeiro ponto poderá ser
sobre os motivos que temos de nos entreter sobre as palavras edificantes e os bons
exemplos observados no falecido; o segundo, sobre quais palavras ouvistes dele; o
terceiro ponto, sobre quais os exemplos.

406. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[13 de outubro de 16391].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Agradeço-vos muito humildemente o bom purgante. Tomei-o ontem e fez efeito
três vezes. O nosso médico é de opinião que tome ainda outra dose, amanhã, com
xarope2 de folhas de diversas espécies de rosas. Peço-vos, com muita humildade, que
me façais esta outra caridade e mo envieis hoje, à tarde.
Continuo com minha febrezinha. Nosso Irmão Alexandre3 inspira-nos alguma
esperança, como também o outro Irmão. Ao primeiro resta ainda o dia de amanhã, seu
décimo quarto, um pouco ainda de se temer. O senhor Padre Dehorgny está doente, com
cólicas e um pouco de febre.
Este pequeno incômodo oferece-me ocasião de pensar um pouco mais em nossos
pequenos problemas da Caridade. Depois disto, se Nosso Senhor me der vida, aplicar-
nos-emos a ela com mais consciência. Vossa carta fez-me ver, anteontem, que havia em
vosso espírito, certo pesar por causa disso. Meu Deus! Senhora, como sois feliz por
poder corrigir a precipitação! As obras que o próprio Deus realiza nunca fracassam pelo

1
Carta 406. ─ Manuscrito São Paulo, p. 56.
1
É a data que se deduz de comparação desta carta com a carta 403. O Santo diz aqui que tomou medicamento na
véspera. Escrevia a 09 ou 10 de outubro: “Nosso médico é de opinião que tome um purgante quarta-feira próxima”. A
quarta-feira seguinte era o dia 12. Foi portanto na quinta-feira que ele escreveu a carta acima.
22
Xarope adstringente.
33
Alexandre Véronne. Curou-se totalmente.
413

não-agir dos homens. Peço-vos que tenhais confiança nele, e sou, em seu amor, tanto
quanto Nosso Senhor o quer, Senhora, vosso muito humilde servo,

V. D. P.

Destinatário: À senhora Le Gras.

407. ─ A BENOIT BÉCU, PADRE DA MISSÃO, EM RICHELIEU

Paris, 28 de outubro de 1639.

Senhor Padre,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


A Providência de Deus lançou os olhos sobre vós, para ir servi-lo em Notre-
Dame de la Rose, na diocese de Agen1, onde estão os Padres Brunet e Savinier.
Envio-vos um relatório secreto, que não comunicareis a ninguém, a não ser ao
Padre Lambert.
A novidade da função vos levará a alguma apreensão. Lembrai-vos de que
Nosso Senhor será vosso diretor e vossa direção e que podeis tudo com ele. Jeremias era
uma criança que não sabia o que dizer a Deus: Domine, nescio loqui (Senhor, eu não sei
falar); entretanto, o plano de Deus era servir-se dele no negócio mais importante de sua
Majestade, na ocasião, a respeito do seu povo. Tendes motivo de esperar as mesmas
graças que ele lhe deu, se, como o profeta, façam o que quiserem, responderdes com
espírito de humildade à vossa vocação. Eu o espero de sua bondade e do
reconhecimento que me parece terdes de vossa indignidade e incapacidade.
Sou, no amor de Deus e no de sua Santa Mãe, vosso muito humilde e muito
obediente servo,

Vicente de Paulo.

O Padre Bécu2, que em Nancy chamam de Padre de Montigny, está passando


bem e faz maravilhas para cerca de quatrocentos pobres, que ele alimenta corporal e
espiritualmente, e o Irmão Hubert3 está trabalhando cada vez melhor.
Vosso muito humilde e muito obediente servo,

Vicente de Paulo.

1
Carta 407. ─ C. aut. ─ Original em Martel (Lot), na casa das Filhas da Caridade.
1
A fundadora da casa estabelecida em Notre-Dame de la Rose não era outra senão a Duquesa de Aiguillon. Pelo
contrato de 18 de agosto de 1637, doara uma quantia de 22.000 libras para a manutenção de quatro padres, com
compromisso de pregarem missões, nas quatro festas principais do ano, nas cidades, povoados e aldeias do seu
ducado, e de garantir em sua capela uma missa quotidiana para ela e os seus (Arq. Nac. MM 584).
22
Jean Bécu.
33
Hubert Bécu.
414

408. ─ A LUÍS LEBRETON

Paris, 15 de novembro de 1639.

Senhor Padre,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Recebi vossa carta e a fórmula da súplica. Tendo refletido sobre ela e sobre as
disposições atuais dos nossos senhores Prelados, pensamos ser conveniente atribuir-lhes
a correção das faltas cometidas pelos missionários, em relação ao povo, na pregação das
missões. É bom também deixar-lhes a atribuição da visita e da corregimento das casas
que incidirem em escandalosa disciplina, depois de terem avisado o Superior Geral duas
ou três vezes e assinalado o desregramento escandaloso de que se devem corrigir e de
lhe terem dado informação sobre a indisciplina. Tememos que tenhais dificuldade em
obter a permissão dimittendi incorrigibiles (de dispensar os incorrigíveis); em razão
disto, pensamos ser conveniente pedir que não se façam votos solenes. Os que tiverem
terminado os dois anos do Seminário Interno farão os quatro votos simples e os que
terminarem o primeiro ano farão o bom propósito de viver e morrer na Companhia, na
pobreza, castidade e obediência aos bispos circa missiones (na questão das missões) e
ao Superior Geral circa disciplinam et directionem societatis (nas coisas de disciplina
interna e direção da Companhia). Estes últimos só poderão retirar-se e ser despedidos
depois dos exercícios espirituais; os primeiros não poderão igualmente retirar-se, nem
ser despedidos, senão depois de esgotados todos os meios possíveis, antes de chegar a
tal ponto, e só com a autoridade do Papa e do Superior Geral, nos casos que indicarei,
num relatório que espero enviar-vos dentro de três dias, e de acordo também com todo
conteúdo da presente carta.
Sendo assim, peço-vos adiar a apresentação da citada súplica. Responderei na
próxima carta a tudo que me comunicais pela vossa.
Sou, no amor de Nosso Senhor, vosso muito humilde e obediente servo,

Vicente de Paulo.

Destinatário: Ao senhor Marchand, banqueiro expedicionário na corte de Roma,


para entregar, por obséquio, ao senhor Padre Lebreton, padre da Missão, em Roma.

409. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

Richelieu, 24 de novembro de 1639.

Senhora,

Carta 408. ─ C. aut. ─ O original se encontra no Hospital do Bon-Secours, em Metz.
415

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


As disenterias deste bairro se tornaram contagiosas. Os magistrados da cidade
acabam de mandar buscar o Padre Lambert, seu pároco, para que tome conhecimento
das providências necessárias, a se observarem nesta cidade, em face da peste, já
presente em três lugares. Isso me dá ocasião de pedir-vos para adiar vossa viagem,
embora eu tenha avisado ao senhor Abade de Vaux, Vigário Geral de Angers 1, que
podereis estar lá no princípio do próximo mês2. Aguardai, por favor, nosso regresso,
Senhora, e veremos o que fazer.
Encontro-me nesta cidade há dois dias, e estive com a Irmã Luísa, ao entrar na
igreja. Ela está encantada com a esperança de vos ver. Ainda não estive com a Irmã
Bárbara3. As coisas estão indo melhor, graças a Deus4.
Espero partir daqui dentro de três ou quatro dias 5 e estar em Paris lá pelo dia dez
ou doze do próximo mês.
Na esperança de vos encontrar aí, sou, entretanto, no amor de Nosso Senhor...

410. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

[30 de novembro de 16391].

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!

1
Carta 409. ─ Manuscrito São Paulo, p. 56.
1
Guy Lasnier, falecido a 20 de abril de 1681, com a idade de 79 anos, foi um dos mais notáveis eclesiásticos de
Anjou, no século XVII. Por muito tempo só pensara em satisfazer sua vanglória e paixão pela caça e outros
divertimentos mundanos. Provido, a 29 de fevereiro de 1627, da Abadia de Saint-Etienne de Vaux, em Saintonge,
nomeado em 1628 Vigário Geral de Angers, posteriormente cônego de Notre-Dame de Paris, continuou, apesar das
obrigações que lhe impunham essas dignidades, a levar uma vida muito pouco eclesiástica. Em 1632, teve, como
muitos outros, a curiosidade de ver os fatos espantosos que aconteciam no convento das Irmãs Ursulinas de Loudun.
Deu-se mal. Uma das religiosas, dizem, penetrando em sua vida íntima, desvendou, com grande confusão sua, as
faltas de que jamais falara a quem quer que seja. A partir daí, tornou-se um homem novo. Em 1635, foi fazer um
retiro em São Lázaro e ali conheceu São Vicente de Paulo, com quem travou relações. Teve igualmente contatos com
Santa Chantal, Jean-Jacques Olier, o P. Surin e o Barão de Renty. Estabeleceu na cidade de Angers um convento da
Visitação, fez grandes doações ao Seminário e fundou em sua diocese as conferências eclesiásticas. As Filhas da
Caridade do hospital de Angers não tiveram protetor mais dedicado e conselheiro mais esclarecido. Recebeu em sua
casa São Vicente, Luísa de Marillac e Jean-Jacques Olier.
Das cartas que São Vicente lhe escreveu, resta-nos apenas uma. As de Luísa de Marillac são numerosas.
Uma centena (Cf. As vidas dos santos personagens de Anjou, por Dom Chamard, Paris, 1863, 3 vol. in-12, pp. 279-
303).
22
Para a fundação de Angers.
33
A Irmã Bárbara e a Irmã Luísa estavam em Richelieu desde o mês de outubro do ano precedente.
44
Uma carta de Luísa de Marillac (carta 11) nos informa que Bárbara e Luísa não se entendiam. A Irmã Luísa era por
demais independente e a Irmã Bárbara não se mostrava bastante cordial a seu respeito.
55
São Vicente ficou retido em Richelieu até 05 de dezembro (ver carta 411).
1
Carta 410. ─ C. aut. ─ O original, encontrado após sua morte (1807) nos papéis de Jean Francisco Daudet, padre da
Missão, foi doado às Filhas da Caridade da rua Vaugirard, 80, Paris, que o possuem até hoje.
1
Na carta de 24 de novembro, São Vicente anuncia a Luísa de Marillac sua recente chegada a Richelieu e sua
intenção de ali permanecer ainda três ou quatro dias. Na presente, escrita numa quarta-feira, fala de sua próxima
partida. 24 de novembro sendo uma quinta-feira, não há dúvida de que a carta acima seja do dia 30. O Santo não
estava mais em Richelieu, na quarta-feira seguinte.
416

Não posso dar uma resposta completa a vossa carta, porque a perdi. Já que
Nosso Senhor vos inspira o desejo de ir a Angers, ide, in nomine Domini, o que ele
guarda está bem guardado2.
Madame Traversay continua também com sua dificuldade. Isso me leva a pensar
que talvez Nosso Senhor queira que a obra 3 se faça por si mesma e sem ingerência de
ninguém.
Se vos aprouver tomar o coche de Châteaudun, passareis por Chartres, e ali
podereis satisfazer vossa devoção4. De Châteaudun até Orléans são onze léguas, talvez
menos até Notre-Dame de Cléry5, perto ou mesmo onde passa o rio, parece-me.
Evitareis assim a estrada lajeada, exceto três ou quatro léguas já próximo de Orléans,
onde vos aconselho a passar. Para irdes até lá, é preciso que alugueis uma charrete, em
Châteaudun. O coche nada vos custará; é daqui.
Disse ao nosso Irmão Louistre que vos ceda os lugares que pedirdes. Ele partirá
terça-feira. Vede se podereis fazê-lo também nesse dia.
Conversamos muito sobre a maneira de tratar com esses Senhores, sobre quem
tem a competência de mudar as Irmãs e que não haverá outras moças com elas.
Escreverei a respeito ao senhor Abade de Vaux, Vigário Geral encarregado desse
negócio.
É muito importante, na volta, visitar a Caridade de Richelieu, a oito léguas de
Saumur, onde está Notre-Dame des Ardilliers. De Richelieu, retomareis a carruagem de
Tours, a dez boas léguas de Richelieu, do lado de cá. Chegando a Orléans, mandareis
ver nos postos se há algum barco, sem ser preciso alugá-lo expressamente. Em Angers,
ireis hospedar-vos no endereço que o senhor Grandnom vos indicar. Por seu intermédio
e de Madame Lotin, fareis com que escrevam a seus parentes e amigos em Angers, que
vão realizar a intenção da falecida Madame Goussault, e que ela recomendou muito em
sua doença que eles vos dessem assistência. De minha parte, visitareis também ali as
Irmãs de Santa Maria6.
Envio-vos o pequeno regulamento7 que mandareis passar a limpo, com as
modificações necessárias. Talvez eu vos encontre em meu regresso, em Tours, ou a
caminho. Rogo, entretanto, a Nosso Senhor que vos conduza em perfeita saúde.
Sou, no amor de Nosso Senhor, Senhora, vosso muito humilde e obediente
servo,

Vicente de Paulo.

22
A peste devastava então Angers e Richelieu. Por este motivo, o Santo, de início, aconselhara Luísa de Marillac a
adiar sua viagem.
33
Talvez a obra do Crianças Expostas.
44
Era grande a devoção de São Vicente e de Luísa de Marillac a Notre-Dame de Chartres. Fizeram várias vezes esta
peregrinação para recomendar suas obras a Maria.
55
Hoje, centro administrativo de cantão, em Loiret.
66
A Superiora do Mosteiro da Visitação de Angers era a Madre Clara Madalena de Pierre, professa do primeiro
mosteiro de Paris, onde São Vicente a conhecera.
77
As Filhas da Caridade conservam nos seus arquivos a minuta desse regulamento, escrito por inteiro pela mão do
Santo.
417

Se for necessário, escrevei-me por alguém expressamente enviado a Fréneville,


onde permanecerei por uns dois dias. Se houver necessidade de resposta urgente, enviá-
la-ei para as Irmãs de Santa Maria de Orléans.

Destinatário: À senhora Le Gras.

411. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

12 de [dezembro1] de 1639.

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Cheguei ontem tarde da noite e vi vossa carta de Saumur, a primeira entre
muitas. Ó meu Deus! Como estou penalizado por vós e vossas filhas! Esperava
encontrar-vos aqui, por causa do resfriado que apanhastes e do qual me havíeis falado.
Veremos no céu por que a Providência assim o dispôs. Suplico-vos, entretanto, acima de
tudo, preservar-vos com todo cuidado, no meio dos grandes perigos que encontrareis em
Angers2.
Eis a resposta ao que me perguntais. Preferiria que vos hospedásseis na cidade,
antes que na casa3 e penso ser conveniente nada receberdes por vossa viagem. Nosso
Senhor a isso proverá, se tal coisa for do seu agrado. Seria muito de se desejar que as
Irmãs ficassem sozinhas no hospital; é de se temer que a presença dessa senhorita seja
motivo de estorvo. Nada me tinham dito sobre isso. Se o tivesse sabido, teríamos
combinado a coisa de outro modo. Seria contudo aborrecido fazê-la sair agora. Que
remédio? Vossa prudência agirá conforme julgardes melhor4.
Folgo em saber que levastes convosco Joanita5. Se precisardes de alguma outra
Irmã para a volta, podereis mandar dizer à Irmã Bárbara que vá estar convosco em
Saumur, em Chinon ou em Tours, com a Irmã Luísa6, e que elas vos levem a moça que
se apresentou lá a mim, para ser da Caridade.
Fico um pouco preocupado com vossa ida a Richelieu, por causa da doença que
está grassando por lá. Nossas caras Irmãs interromperam a visita dos doentes e as aulas.
Na segunda-feira de minha partida, morreu uma menina que estivera na aula no sábado
anterior. Se fordes lá, seja apenas por um dia, por favor.

1
Carta 411. ─ C. aut. ─ Dossiê das Filhas da Caridade, original.
1
O texto traz “novembro”. Houve com certeza distração, como se pode ver comparando esta carta com a carta 409.
22
A peste fazia ali numerosas vítimas.
33
Talvez no hospital, onde devia instalar as Irmãs.
44
Luísa de Marillac procurou para esta pessoa outro emprego, fora do hospital. É provável que o tenha conseguido
(Cf. Cartas de Luísa de Marillac, carta 12).
55
Jeanne Lepeintre.
66
A companheira de Bárbara em Richelieu.
418

Vossa carta operou maravilhas em vossas filhas 7 e agora estão bem e contentes,
esperando estar convosco. Deixamos lá um de nossos padres e um Irmão, escolhidos
para darem assistência aos empesteados.
Acho muito bom que nossa Irmã Bárbara visite as Irmãs de Angers. Prometo-
vos, com a graça de Deus, visitar as de La Chapelle e, se puder, as do Crianças Expostas
também8. Ainda não pude ver vosso filho, fá-lo-ei muito em breve. Podeis estar segura
de que seguirei vosso parecer, conquanto tenhais muito cuidado com vossa saúde, que
recomendo de todo o meu coração a Nosso Senhor, em cujo amor sou, Senhora, vosso
muito humilde servo,

Vicente de Paulo.

412. ─ A NICOLAU DUROT, PADRE DA MISSÃO, EM TOLOSA

Dezembro de 1639.

Recebi vossa carta de Tolosa e dei graças a Deus por vos ter conduzido até lá.
Cheguei a Richelieu dois ou três dias depois de vossa partida e fiquei bastante
contristado por não vos ter encontrado lá. Fiz a visita à casa e tomei conhecimento do
estado das coisas e o que lá se passou até o momento. Suplico-vos, senhor Padre, em
nome de Nosso Senhor, voltar ao espírito que ele vos dera em São Lázaro. Jamais
alguém fora motivo de tão grande edificação. Rogo a Deus vos dê a graça do mesmo
espírito lá. O Padre de Sergis vos quis de preferência a qualquer outro, o que vos deve
levar ao reconhecimento da estima e afeição que tem por vós. Ele me escreve que viverá
convosco como irmão. Suplico-vos, senhor Padre, prestar honra à direção de Nosso
Senhor, na pessoa dele, estimá-lo, afeiçoar-se a ele e obedecer-lhe nesta qualidade. Oh!
como a direção dos que nos amam e nos estimam é suave. E como isto é um grande
atrativo para entrar em seus sentimentos! Se fôssemos bastante mortificados, seríamos
indiferentes neste ponto; e segundo a regra da vontade de Deus, deveríamos preferir os
mais firmes aos mais complacentes com nossos humores. E como cheguei a ver-vos mui
ternamente afeiçoado à feliz prática da vontade divina, espero que, quando vossa
natureza não encontrar mais vantagem na exatidão de um diretor, a prática fiel da
vontade de Deus vos fará suportar, por amor a ele, todas as pequenas dificuldades que
vos poderão acontecer; com efeito, elas nunca nos faltarão seja com quem ou em
qualquer lugar que estejamos. Se muitas vezes nos contrariamos com nós mesmos,
como não teríamos pequenas aversões, embates e estranhamentos com outrem? Um dos
principais atos de caridade é o de suportar nosso próximo. E é preciso ter como máxima
indubitável que as dificuldades que temos com nosso próximo vêm antes de nossos
humores mal mortificados do que de outra coisa.

77
Bárbara e Luísa. Luísa de Marillac lhe endereçara de Paris, a 26 de outubro, uma carta de censuras e conselhos
(Cartas de Luísa de Marillac, carta 11), que Baunard reproduz em grande parte (op. cit., p. 245).
88
As Irmãs do Crianças Expostas.

Carta 412. ─ Reg. 2, p. 279.
419

Só vos digo isto, senhor Padre, embora tivesse muitas outras coisas para vos
dizer, no tocante à santa dileção. Com efeito, ela é um estado tão perfeito, que aquele
que tem a felicidade de possuí-la viverá como num pequeno paraíso neste mundo e terá
a glória eterna no outro, etc.

413. ─ A UM DIÁCONO DA MISSÃO, NOS BONS-ENFANTS

13 de dezembro de 1639.

Na impossibilidade de ter a satisfação de ir estar convosco, como vos escrevera,


peço-vos por estas linhas não ceder à tentação que vos dissuade de receber a santa
ordem do sacerdócio. Para chegar a ela, fizestes tudo que aconteceu em vossa vida,
desde que nascestes. Preparai-vos, portanto, vos suplico, para recebê-la nessa
ordenação. Se adiardes mais, privaríeis Deus da glória que ele quer dela tirar; os bem-
aventurados, da consolação que teriam; as almas do purgatório, do alívio que
receberiam; e toda a Igreja militante, das graças que lhe obteríeis com vossos
sacrifícios. E o que é pior, alegraríeis o diabo por ter tido o poder de vos desviar de
fazer todo esse bem. Julgar que sereis mais digno em outra ocasião, ó Jesus! Nem
pensar nisso. Não fazê-lo jamais, Deus vos guarde de ter de responder por isto diante
dele! Seria esconder o talento que vos colocou nas mãos, caso em que as Sagradas
Escrituras vos ameaçariam com horrível castigo. Dizer que não sois capaz de tal ordem,
eu vos declaro, meu caríssimo irmão, não o sereis jamais, dada a infinita santidade da
obra; mas, levando em conta nossa miséria, podeis esperar que Nosso Senhor será vossa
capacidade, como será, ele próprio, o sacrificador convosco.

414. ─ A LUÍSA DE MARILLAC [Ver anexo nº 24]

Paris, 17 de dezembro de 1639.

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Ontem, à tarde, recebi a vossa carta do dia de São Nicolau 1, que me trouxe uma
consolação muito sensível, depois de uma preocupação que eu tivera sobre onde
poderíeis estar e qual o estado de vossa saúde. Bendito seja Deus por já estardes em
Angers e hospedada na casa do senhor Abade de Vaux! Pela presente, não vos

Carta 413. ─ Reg. 2, p. 280.
1
Carta 414. ─ Pérmartin, op. cit., t. I, p. 272, carta 261. O Manuscrito São Paulo reproduziu trechos desta carta, p.
58. (Esta carta está reproduzida no anexo nº 24, segundo o texto original, pois o presente texto contém erros).
1
06 de dezembro.
420

responderei a tudo que me comunicais, pois ainda não pude estar com as vossas Irmãs
de La Chapelle, e o mensageiro deve partir dentro em pouco.
Nesta semana, eu vos escrevi para responder à vossa carta de Saumur e
enderecei a minha carta ao senhor Abade de Vaux, a quem me dei a honra de escrever.
Hoje é o sábado das Quatro Têmporas e sou obrigado a ir celebrar a missa em
Notre-Dame, pela Caridade. Depois da janta, ou amanhã de manhã, irei a La Chapelle,
falarei com Madame Turgis2 e começarei a dar as ordens às Irmãs, conforme vosso
pedido. Creio, porém, que não se deve pensar na Irmã Maria, de Saint-Germain 3, nem
na Irmã Maria de Saint-Paul4. Procurarei enviar-vos as outras, o quanto antes, e falarei
um pouco com Madame Turgis. Há muitas coisas pró e contra a serem ditas. Ah! meu
Deus! que poderemos fazer por Nantes, para onde nos é necessário enviar algumas o
quanto antes5? Ontem dei essa esperança à Madame Duquesa de Aiguillon. Sobre
Henriqueta, ainda não sei nada de nada.
Quanto aos artigos, acho que respondestes bem e não é necessário fazer outros
agora. Deixaremos para mais tarde, durante algum tempo, no qual se poderá fazer a
experiência do que Deus quer. Fareis bem em falar sobre esse assunto e, inclusive, em
mostrar o pequeno regulamento de vida delas ao senhor Abade de Vaux, e a algum
outro que ela achar conveniente. Sobretudo, fortalecereis nas Irmãs a resolução de bem
observá-lo, de seguir a direção na forma marcada no referido regulamento. Inculcareis,
tanto nesses senhores quanto nelas, a importância de não mudá-lo. A senhora Duquesa
d’Aiguillon dizia-me isso num desses últimos dias.
No sábado, fui a La Chapelle onde estive com todas as vossas filhas. Estão
muito bem, graças a Deus. Madame Turgis está contentíssima com elas.
Henriqueta continua em sua casa. Seu irmão veio dizer que antes de ir para
Saint-Germain6, ela viria a La Chapelle. Não é, porém, conveniente que vá. É preciso
enviar uma outra para Saint-Germain e retê-la aqui, a fim de levá-la a reconhecer a sua
falta.
Encontro certa dificuldade em vos enviar Madame Turgis 7. Creio que seria bom
mandar-vos Genoveva8 que esteve convosco quando estivestes por aqui, ou então
Maria9, que esteve no Crianças Expostas. Se vos mandarmos esta última, enviaremos
aquela ou alguma outra para Saint-Germain. Procurarei fazê-las partir dentro de três
dias.
Vosso filho vai bem. Ainda não conversei com ele por causa da trabalheira em
que me encontro. Vou mandar buscar as vossas filhas, depois do almoço, para que
possam partir depois de amanhã, com a ajuda de Deus, em cujo amor, Senhora, sou,
contanto que cuideis direito de vossa saúde, vosso muito humilde servo,
22
Madame Turgis ocupava em La Chapelle o lugar de Luísa de Marillac.
33
Maria Joly, de Saint-Germain-l’Auxerrois.
44
Maria, de Saint-Paul.
55
O Santo só pôde enviá-las em 1646.
66
Saint-Germain-en-Laye.
77
Luísa de Marillac a tinha solicitado.
88
Genoveva Caillou. Era do número das primeiras irmãs enviadas para Angers. Uma carta de Luísa de Marillac ( op.
cit., carta 19) nos informa que ela caiu doente depois de três ou quatro meses de permanência na cidade. Chamaram-
na de volta em 1644.
99
Talvez Maria Matrilomeau, que fez parte do grupo das primeiras Irmãs colocadas no hospital de Angers.
421

Vicente de Paulo.

Destinatário: À senhora Le Gras, na casa do senhor Abade de Vaux, em Angers.

415. ─ A LUÍSA DE MARILLAC, EM ANGERS

Paris, último dia do mês e do ano 1639.

Senhora,

Eis-vos enferma, por desígnio da Providência de Deus! Bendito seja seu santo
nome! Espero de sua bondade seja esta doença motivo de sua maior glória, como
aconteceu em todas as outras. É o que mando suplicar-lhe, incessantemente, aqui e em
outras partes onde me encontro. Oh! como desejaria que Nosso Senhor vos mostrasse
com que coração cada um o faz e a ternura das oficiais da Caridade do Hospital Geral,
neste sentido, quando lhes falei sobre isso, anteontem, numa pequena assembleia!
Suplico-vos, Senhora, fazer todo o possível para recuperar vossa saúde e,
sobretudo, nada poupar para esse fim. Se precisardes de dinheiro, o bom senhor Abade
de Vaux não vo-lo recusará, enquanto não chegar o que vos enviarei, o que farei logo
que me avisardes. Quanto ao vosso regresso, deverá ser numa liteira; trataremos de vo-
la enviar, quando estiverdes em condição de viajar.
O senhor vosso filho esteve ontem aqui, para me trazer vossa carta. Como podeis
imaginar, foi motivo de grande consolação para mim, em razão do que me haviam
informado.
Tendes agora em Angers, como espero, Madade Turgis, Bárbara 1 e Clemência2.
Partiram daqui na antevéspera do Natal, pelo coche de Orléans3.
As coisas vão muito bem, em La Chapelle, segundo vossas orientações. Saúdo
vossas filhas e sou, no amor de Nosso Senhor...

416. ─ A GUY LASNIER DE VAUX

1
Carta 415. ─ Manuscrito São Paulo, p. 58.
1
Bárbara Toussaint. Foi chamada de volta de Angers em 1644.
22
Clemência Ferre. Deixou o hospital de Angers junto com sua companheira Bárbara Toussaint.
33
As Filhas da Caridade encontraram o hospital no mais completo abandono. Uma delas escreveu um pequeno
relatório, que temos ainda conosco (Arq. das Filhas da Caridade) e do qual vão aqui algumas linhas: “Os pobres
estavam tão mal no hospital que os da cidade não aceitavam ir para lá. Caso alguns fossem a isso constrangidos,
pediam que trouxessem de suas casas e dos amigos camisas brancas, pois estavam internados trinta ou quarenta
doentes, homens e mulheres, e só havia para este número três dúzias de camisas, ao todo... Fazia pena ver assim tanta
desordem e estragos, às custas do bem dos pobres”.
Carta 416. ─ Carta publicada na Revue de l’Anjou, 1854, t. I, p. 211, a partir do original, que se achava então no
Hospital Geral de Angers.
422

Paris, último dia do mês e do ano de 1639.

Senhor Abade,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Não seria capaz de vos agradecer tão afetuosa e humildemente, como gostaria a
senhora Le Gras e também eu, pela incomparável caridade que exerceis para com ela e
suas filhas. Agradeço-vos muito humildemente, da maneira como posso, senhor Abade.
Rogo a Nosso Senhor, por cujo amor fazeis tudo isso, seja ele mesmo nosso
agradecimento e vossa recompensa. Ofereço-vos tudo que puder na terra, em vista do
céu, e todo reconhecimento que me for possível diante de Deus e diante do mundo.
Ei-la pois enferma, esta digna senhora. In nomine Domini! Devemos adorar nisto
a sabedoria da Providência divina. Não vo-la recomendo, senhor Abade; vossa carta me
demonstra quanto ela vos estima, e é o que também me escreve. Estimaria estar aí para
vos liberar do cuidado que vossa bondade tem para com ela e do trabalho que assume
em favor dela. Nosso Senhor quer acrescentar o florão desse mérito à coroa que ele vos
está preparando.
Escrevo-lhe uma palavra. Suplico-vos, senhor Abade, enviar-lhe minha carta e
me considerar como alguém que Nosso Senhor vos deu e que é, em seu amor e no de
sua Santa Mãe, vosso muito humilde e obediente servo,

Vicente de Paulo.
423

ANEXO DO TOMO I

(As cartas contidas neste Anexo foram compendiadas em dois volumes distintos: Mission et Charité. Paris, n. 19-20, 1970. / Cahiers
Saint Vincent. Bulletin des Lazaristes de France. Paris, n. 210, mai 2010).
424

24 BIS1. ─ SANTA JOANA DE CHANTAL A SÃO VICENTE2

[Orléans, fim de maio de 1628]

Meu reverendo e muito caro Padre,

O Espírito Santíssimo de nosso bom Deus vos encha de seus dons sagrados.
Afirmo-vos que estava pesarosa por partir sem vos dizer o último adeus. Mas, meu
caríssimo Padre, a santa e puríssima união que Deus operou em nossos espíritos,
embora disto eu seja indigna, repara essas pequenas falhas exteriores e nos dá, a meu
ver, uma certa suavidade e consolação, na certeza de que esta separação diz respeito
apenas à presença corporal, e que, pela divina misericórdia, nos veremos eternamente
nesta bem-aventurada sociedade dos Santos, à qual aspirais com toda retidão possível,
e eu, apenas em desejos, já que não tenho ainda as verdadeiras virtudes que nos
elevam, pela graça de Deus, até essa felicidade. Rogai a sua divina bondade, meu caro
Padre, que mas conceda, e vos asseguro que jamais vos esquecerei diante dele, com
prioridade toda especial.
Sinto uma inefável satisfação por saber que minha caríssima irmã 3 está contente
com minha muito amada filha, como também vós, meu caríssimo Padre. Tenho
confiança que, quanto mais ela for conhecida, mais será amada, e encontrareis nela
aquilo de que vos falei, e mais ainda.
Desejo ardentemente que, servindo a Deus, possamos dar alegria a todos,
sobretudo às pessoas de quem somos mais devedoras, como o somos para com esta
querida e virtuosa fundadora4, que nos dedica tanta afeição e nos dispensa tantos e
caridosos serviços. Depois de Deus, sois a primeira causa de tudo isso, meu caríssimo
Padre. Nossa estimada irmã superiora me certifica de tudo, em suas cartas, e me dá
testemunho de uma singular satisfação e afeição para convosco e para com ela. Seja
Deus glorificado por tudo e derrame mais profusamente suas bênçãos sobre vossa
querida alma, meu caríssimo Padre.

1 1
Carta 24bis. – Visitação de Moncalieri (Itália), cópia. Carta publicada em Sainte Jeanne de Chantal,
correspondance, Paris, Cerf, t. III, 1989, p. 360-361. Os números que figuram no cabeçalho das cartas indicam
o lugar que teriam estas cartas na primeira série de correspondência editada por Pierre Coste, no caso de
uma reedição do conjunto todo.
22
São Vicente era o Superior das duas Visitações de Paris.
33
Helena-Angélica Lhuillier, superiora de Paris I; a Madre Favre estava destinada ao subúrbio Saint-Jacques.
44
Madame de Dampierre.
425

1. ─ CARTA DE G. PLUYETTE A SÃO VICENTE

Senhor Padre,

Estive em vossa casa para ter a felicidade de vos ver e falar-vos da pensão do
meu sobrinho Mateus Pluyette, bolsista do Colégio 1, mas o santo exercício em que
estais ocupado me privou da ventura de vos encontrar. Tive a ousadia de vos escrever
estas palavras em favor do meu protegido, muito conhecido no Colégio do Cardeal,
para vos rogar que eu possa obter o que é devido ao pequeno, atualmente no Colégio
de Senlis. Dois trimestres2 seriam devidos na Festa de São João, se não entregastes
alguma parte ao Dênis3, tirada do trimestre de Natal. Tomaremos providência no
sentido de que possais vê-lo na Festa de São Remígio, para resolver se fica em Paris ou
se obtém de vós o consentimento no sentido de que permaneça em Senlis, o que estaria,
creio eu, de acordo com a consciência.
Envio-vos o recibo de minha própria mão, sem especificar a soma. Receberei do
pequeno o recibo do restante, na Festa de São Remígio. Entrementes, serei sempre,
senhor Padre, vosso muito humilde servo,

G. Pluyette.

Fontenay, 03 de Julho de 1629.

2. ─ CARTA DE G. PLUYETTE A SÃO VICENTE

Senhor Padre,

Soube que não tínheis deixado por escrito em vosso livro o dinheiro que
entregastes pela pensão de Mateus Pluyette, vosso pequeno bolsista, meu sobrinho.
Quis estar convosco para tratar disso, mas, temendo não encontrar-vos, tracei estas
linhas para vos dizer que, no começo da Quaresma, fez um ano que ele foi admitido
como bolsista e que ele entrou em acordo com o primo, que lhe cedeu o lugar, no
sentido de nada receber na Páscoa seguinte. Contudo, não soubemos como falar
convosco a respeito deste trimestre, pois só entregastes três trimestres ao meu sobrinho,
o de São João, o de São Remígio e o do Natal, como podeis ver pelos recibos. O que
1
Carta 1. ─ Carta assinada.
Original nos Arquivos Nacionais (Paris) M 105 (Colégio dos Bons-Enfants).
1
As rendas do Colégio dos Bons-Enfants, destinadas à manutenção dos missionários de São Vicente, desde 1625,
eram oneradas pelo compromisso de duas bolsas criadas por Jean Pluyette, ex-diretor do Colégio no século XV, em
favor, de preferência, dos membros da família Pluyette. Ver Ch. Pluyette: Um reitor da Universidade de Paris no XVº
século, Jehan Pluyette e as fundações que ele instituiu, Notícia biográfica e histórica, Paris, 1900.
22
Os pagamentos se faziam por trimestres (em francês, trimestre = quartier) – N. do T.
33
Conferir XV, carta 7, p. 6 ou, neste anexo, carta 7 de 14 de abril de 1631.
Carta 2. ─ Carta assinada.
Original nos Arquivos Nacionais (Paris) M 105 (Colégio dos Bons-Enfants).
426

resta é devido ao diretor de Senlis, pois no meu tempo recebíamos nove ou dez libras,
no trimestre de Natal, a mais do que nos outros, por causa das terras de Mesnil 1. O
portador desta deve ser o irmão do diretor de Senlis. Ele mora na casa de um ourives.
Assim, não vos pressionarão com falsas garantias. Ele me comunicará o que tiverdes
resolvido a respeito de tal assunto.
Gostaria muito de estar convosco, mas a Quaresma me retém. Fá-lo-ei depois
da Páscoa, se Deus quiser. Até lá, permanecerei, senhor Padre, vosso humilde servidor,

G. Pluyette

Fontenay, 13 de março de 1630.

3. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

Paris, sábado, 04 (maio de 1630).

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Bendito seja Deus, Senhora, porque recebi a notícia de vossa cura, antes da de
vossa doença! Rogo-lhe vos fortaleça plenamente, de modo que se possa um dia dizer
que estas palavras da Sagrada Escritura vos dizem respeito: Mulierem fortem quis
inveniet?1Entendeis bem o latim, por isso não o traduzirei.
Quanto ao que me dizeis sobre o tempo de permanência das crianças na escola,
que não é suficiente para o progresso delas, e, ainda, sobre os dois dias de folga, não
vejo inconveniente em que prolongueis um pouco esse tempo e que, pelas razões
alegadas por vós, os ocupeis durante esses dois dias. Não há inconveniente, também, em
mandar vir para a escola os que ordinariamente não vão. Mas penso que será bom obter
o consentimento do Padre Belin2 e de esclarecer, aos que fizerem comentários a
respeito, que procedeis assim por causa do vosso pouco tempo de permanência,
dizendo-lhes que não é uma escola, mas um exercício de piedade, durante alguns dias.
Quanto ao Miguelzinho3, ficai tranqüila. Há apenas dois ou três dias, eu o vi indo
para a aula e estava bem.
Mandei entregar vossa carta à senhora Du Fay 4 e encorajei a senhora Du Fresne
a ir a Villepreux5, o que ela deseja fazer, com todo ardor do mundo. Sem dúvida, porém,

11
Ver carta 7 (N. do T.).
1
Carta 3. ─ Carta autógrafa.
Original no Mussée historique de l´Orléanais, em Orléans.
Publicado com a disposição e a ortografia do original nos Anais da CM, 1947/1948, p. 499-500.
Publicado parcialmente, conforme o Manuscrito São Paulo, na edição Coste, t. I, p. 82-83.
1
Quem poderá encontrar uma mulher de valor? (Livro dos Provérbios 31, 10).
22
Capelão dos Gondi, em Villepreux.
33
Filho de Santa Luísa de Marillac, então estudante no seminário de Saint-Nicolas-du-Chardonnet.
44
A senhora Du Fay e a senhora Du Fresne eram Damas da Caridade.
55
Localidade situada em Seine-et-Oise, no sudeste de Paris.
427

sua indisposição não lhe permitirá esta satisfação, à qual aspira ardentemente.
Recomendo-a às vossas orações, e a vós, que cuideis bem de vossa saúde e que não
arqueis com demasiado trabalho; receio, contudo, que o façais, não querendo o descanso
desses dois dias e não vos atendo ao tempo habitual empregado na escola. Por esta
razão, temendo isto, peço-vos contentar-vos com o tempo ordinário, apesar do que vos
disse acima. Procedendo assim, agradareis mais ao Padre Belin. Se virdes, porém, nisso,
um notável prejuízo, escrevei-me de novo, por favor, uma palavra a respeito, depois de
ter começado. Eu procurarei obter uma palavrinha, por escrito, do Padre Gondi 6 ao seu
granjeiro, para que execute sua ordem quanto antes.
Termino aqui; estão me reclamando com certa urgência. Concluo, portanto,
invocando a assistência de Deus sobre vós, a fortaleza de corpo e a santa tranquilidade
de espírito. É o que lhe peço com tanto coração quanto sou, no amor de Nosso Senhor e
de sua Santa Mãe, Senhora, vosso muito humilde e obediente servo,

Vicente de Paulo.

Minhas recomendações à vossa hospedeira.

Destinatário: A senhora Le Gras, em Villepreux.

4. ─ CARTA DE G. PLUYETTE A SÃO VICENTE

Senhor Padre,

Envio-vos cópia das provisões do meu sobrinho Mateus, colacionadas diante do


tabelião, como desejastes. Penso que julgais ser bom que ele permaneça ainda algum
tempo em Senlis, em favor dos seus primeiros passos, sobre os quais vos destes ao
trabalho de interrogá-lo, pelo que vos agradeço. Ele demonstra ter boa vontade. Peço a
Deus possa ele secundar o santo desejo do fundador e tornar-se apto para servir um
dia ao público. Ele o fará mais santamente quando tiver a honra de desfrutar de vossa
companhia, da qual não me privarei quando for a Paris, já que me testemunhais que o
tendes por bem. Enquanto aguardo, senhor Padre, serei sempre vosso muito humilde
servo,

G. Pluyette

Fontenay, 02 de outubro de 1630.

5. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

66
Filipe Emanuel de Gondi, ex-general das Galeras, padre do Oratório desde 1627; morreu em 1662.
428

(Outubro de 16301)

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Estas linhas são para pedir vossas notícias e vos dar as nossas e as de Germana2.
Quanto às minhas, tudo como de ordinário. Quanto a Germana, o Padre Coudray
me comunica que começou a falar a respeito dela com o senhor Pároco3, com o Padre
Belin4 e com o diretor da escola 5, e que nenhum deles discorda da proposta que lhes
fez6. Veremos o que resultará.
Estava pensando que poderíamos pregar missão em Saint-Cloud 7 nessas festas8,
mas não poderíamos fazê-lo sem grande incômodo. Por esta razão, remetêmo-la para a
festa de São Martinho.
Entrementes, dizei-nos, por favor, o que se passa no vosso coração? O meu,
nesta manhã, andou muito ocupado convosco e com os pensamentos que Nosso Senhor
vos inspira.
Sou, em seu amor, vosso muito humilde e obediente servo,

Vicente de Paulo

6. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

Paris, sexta-feira, 11 de abril de 1631

Senhora,

A Graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


A pequena viagem que fiz aos campos, donde regressei anteontem à tarde,
impediu-me de ocupar-me com o negócio do senhor vosso filho. Houve ainda o trabalho
com os Ordinandos, recomeçado ontem. Consegui, contudo, a palavra do R. P.

1
Carta 4. ─ Carta assinada.
Original nos Arquivos Nacionais (Paris) M 105 (Colégio dos Bons-Enfants).
Carta 5. ─ Carta autógrafa.
Original na Casa Central das Filhas da Caridade de Cracóvia. Publicada nos Anais da CM, 1930, p. 685.
1
Data exigida pela presença do Padre Du Coudray em Villepreux e a “proposta” de Germana.
22
Germana, professora em Villepreux.
33
O pároco de Villepreux.
44
Capelão dos Gondi, em Villepreux.
55
O professor de Villepreux.
66
Proposta de uma escola em Villepreux para as mocinhas das quais Germana seria encarregada.
77
Localidade dos arredores de Paris.
88
As festas de Todos os Santos.
Carta 6. ─ Carta autógrafa.
Original com as Filhas da Caridade do Hospital Geral de Narbona.
Publicado com a disposição e a ortografia do original nos Anais da CM, 1958, p. 625-626.
Publicado parcialmente conforme o Manuscrito São Paulo na edição Coste, t. I, p. 106-107.
429

Lallement1, diretor do Colégio dos Jesuítas, de que o receberá como pensionista e vou
agora enviar vossa carta ao Padre Wiart2. Disseram-me que Deus abençoa vossos
trabalhos, pelo que lhe agradeço de todo coração e lhe peço que vos traga de volta, cheia
de saúde e de boas obras, num dos dias da próxima semana que julgardes oportuno, a
fim de estar aqui, nos ofícios da Semana Santa. Envio-vos uma carta que me
endereçaram, mas só li agora o bilhete pelo qual me solicitais que envie a Madame
Forest3 um quadro, um vaso e um pacote que mandaram para aqui. Eu estava em
dificuldade sobre como enviá-lo. Fá-lo-ei amanhã, se Deus quiser. Vede, entretanto,
quanto sou indigno de prestar, como devo, um favor e um serviço. Nosso Senhor me
perdoará, por sua bondade. Sou no seu amor, Senhora, vosso humilde servo,

Vicente de Paulo

Destinatário: À senhora Le Gras, em Montreuil4.

7. ─ CARTA DE G. PLUYETTE A SÃO VICENTE

Senhor Padre,

Ainda não dei resposta ao Padre Coudray que, em vosso nome, me escrevera a
22 de março, para saber quando meu sobrinho foi admitido como bolsista. Digo-vos
que fez um ano, depois do Natal. Ele entrou em acordo com seu primo Denis, no sentido
de nada receber do trimestre. Já vos comuniquei a mesma coisa, isto é, o que ele tinha
entregue a Mateus, e que tinha o recibo em mãos. Quanto às terras de Mesnil, penso
que se prestastes atenção à renda dos bolsistas, deveis saber que eles recebem mais de
vinte e seis libras nos trimestres. Estou ciente de que no meu tempo havia mais rendas;
fiquei admirado quando soube pela carta dele que as terras de Mesnil não contavam
para os bolsistas, pois isto consta no contrato do benefício deixado aos bolsistas.
Pensava em ir a Paris por ocasião do sínodo e ter a ventura de estar convosco.
Como, porém, ele não vai acontecer e receio não vos encontrar, por causa de vossas
santas ocupações, escrevi estas palavras em favor do meu sobrinho ourives, o qual fará
chegar a mim vossa resposta. Entrementes, permanecerei, senhor Padre, vosso muito
humilde servo,

G. Pluyette

Fontenay, 14 de abril (1631).

11
Jerônimo Lallemant (ou Lallemand), nascido em Paris em 1593. Ingressou na Companhia de Jesus em 1610;
falecido em Québec em 1665.
22
Francisco Wiart (ou Wyart), padre da Comunidade de Saint-Nicolas-du-Chadonnet, falecido em Laon em 1661.
33
Madame Forest, Dama da Caridade.
44
Montreuil, localidade próxima de Paris. Santa Luísa ali se encontrava em missão de caridade.
Carta 7. ─ Carta assinada.
Original nos Arquivos Nacionais (Paris) M 105 (Colégio dos Bons-Enfants).
430

8. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

15 de setembro de 16311

Recebi, ontem, vossa carta de 23 deste mês, pela qual tomo conhecimento do
que me informais a respeito desse eclesiástico.
Se o senhor Bispo de Châlons2 não vos mandou buscar, e estiver por perto,
parece-me que fareis bem em ir vê-lo e dizer-lhe tudo, com toda singeleza e boa fé, por
qual motivo o R. P. de Gondi vos pediu dar-vos ao trabalho de ir à Champanha, e o que
estais fazendo. Oferecei-vos para suprimir de vosso procedimento o que lhe aprouver, e
a abandonar tudo, se for do seu agrado. Nesta atitude está o espírito de Deus. Só vejo
bênção de Deus neste modo de proceder. O senhor Bispo de Châlons é um santo
homem; deveis considerá-lo como intérprete da vontade de Deus, no caso presente. Se
ele achar bom que mudeis alguma coisa em vossa maneira de agir, sede exata no
obedecer-lhe, por favor. Se julgar que deveis retornar, fazei-o com tranquilidade e
alegria, já que fareis assim a vontade de Deus. Se ele estiver longe e vos deixar
trabalhar, continuai, por favor, a ensinar as meninas. Se aparecerem mulheres, tudo
bem, mas, no momento, não lhes mandeis dizer que se apresentem, por favor. Poderíeis
apenas advertir as irmãs da Caridade 3 para estarem convosco, todas juntas. Honrai,
nessa conduta, a humildade do Filho de Deus, em seu modo de agir.
Como nossa Companhia está presentemente em Bergères 4, não convém, penso
eu, que vades até lá. Permanecei, portanto, em Mesnil5, por obséquio, até que a missão
chegue aí; podereis então ir a Bergères e aos outros lugares. Comunicai-me o resultado
do que tiverdes resolvido com o senhor Bispo de Châlons.
O senhor vosso filho voltou, ontem, para o Colégio, com perfeita saúde.
Estudava aqui, por conta própria, seis horas por dia. O padre Diretor o estima e tem a
intenção de lhe dar um quarto privativo, o que é um não pequeno favor. Estava tão
acostumado conosco que, ao lhe dizer adeus, ontem, seu coração se enterneceu
profundamente. Isto mostra que ele é de boa índole, e tereis, por esse lado, motivo de
consolação. Importa pedir a Deus que continue a conceder-lhe sua graça. Sou, no amor
de Nosso Senhor, minha Senhora, vosso muito humilde servo.

9. ─ CARTA DEDICATÓRIA DE R. DOGNON1 A SÃO VICENTE


1
Carta 8. ─ Carta provavelmente autógrafa.
Original colocado à venda na casa Charavay, a 28 de março de 1874. Publicado, sem dúvida, conforme uma cópia
tirada na ocasião, na edição Pémartin (1882), t. I, p. 28-29. Publicado, parcialmente, conforme o Manuscrito São
Paulo, na edição Coste, t. I, p. 126-127.
1
Data fornecida por Charavay.
22
Henri Clausse de Fleury, bispo de Châlons de 1624 a 1640.
33
Trata-se da Confraria da Caridade.
44
Paróquia da diocese de Châlons, atualmente: Berggéres-les-Vertus (Marne).
55
Paróquia da diocese de Châlons, atualmente: Le Mesnil-sur-Oger (Marne).
1
Carta 9. ─ Carta impressa no cabeçalho do volume Le Bon Laboureur (O Bom Lavrador), vindo a lume em 1632.
Original perdido. Publicado, com comentários, nos Anais da CM, 1941/1942, p. 276-279.
431

Ao senhor Padre Vicente de Paulo, Superior dos Padres da Missão de Paris

Senhor Padre,

Tenho duas razões para vos dedicar Le Bon Laboureur2; a primeira é a da


gratidão que vos devem todos os bons operários, pelo proveito que recebem de vossos
santos exercícios, os quais obrigam aos que deles participam e aos que deles têm algum
conhecimento, a bendizer a Deus por vos ter transmitido por uma metempsicose (sic)
que só a ele pertence, o espírito, as afeições e o propósito, juntamente com o nome, do
grande Patrono dos missionários, São Vicente Ferrer, para o bem do nosso século, no
qual as missões apostólicas que ele instituiu em seu tempo são notoriamente mais
necessárias do que nunca. Bendito seja Deus por vos ter concedido este espírito e pela
ardente caridade de Jesus Cristo que vos impele, como vemos, a correr em socorro das
almas que lhe custaram o sangue. Benditos igualmente aqueles que, impelidos pela
mesma caridade, vos auxiliam em um empreendimento verdadeiramente laborioso, mas
tão honroso e tão nobre, que não pode haver mais excelente, pois diviniza os homens
que associa aos trabalhos do Salvador, e os torna cooperadores na salvação dos mesmos
homens pelos quais ele morreu. São homens que, não duvido, deveriam ser
considerados como primogênitos, para os quais o mundo não se dignou olhar:
trabalhadores e outros habitantes de aldeias, especialmente importantes para Nosso
Senhor. Para testemunhar-lhes seu particular amor, quis que fossem os primeiros a
receber a notícia do seu nascimento no mundo, como se tivesse nascido em primeiro
lugar para eles. Durante os anos de sua manifestação, foi buscá-los aqui e acolá, pelas
aldeias e povoados, para lhes anunciar o Reino de Deus. Enfim, por uma prerrogativa de
incomparável privilégio, houve por bem dignar-se torná-los companheiros dos seus
sofrimentos, em sua paixão. Com efeito, Simão Cireneu, que o ajudou a carregar a cruz,
como diz o Evangelista, era um homem que vinha de uma aldeia. Todas essas
considerações são dignas deste zelo ardente que tendes pelos pobres dos campos. Por
isso, com toda certeza, tendes como consolação e êxito, em vosso projeto, no fato de
que nosso século, embora indiscretamente crítico, quando a maior parte das pessoas,
hoje, submetem à miopia dos próprios sentimentos os projetos da devoção alheia, se
intrometem em censurar os novos estabelecimentos, seja de Ordens religiosas, seja de
outras Congregações ou Comunidades, a vossa, contudo, por um certo privilégio
secreto, que é uma evidente bênção de Deus, permanece a coberto da contradição da
língua dos outros. Recebe, pelo contrário, aprovação geral, tanto no espírito quanto nos
lábios de todos aqueles que a conhecem, que foram perfumados pelo bom ardor que
difundis por toda parte onde ides, e reconhecem na abundância e suavidade dos frutos,
que a árvore que as produziu só pode ser muito boa.
Ora, além desta razão geral, tenho uma outra toda particular a mim, para vos
dedicar Le Bon Laboureur: é a acolhida que tivestes para com ele, quando veio a lume a
primeira vez, o que o obriga a se apresentar a vós, quando está prestes a aparecer por
uma segunda vez. E como sua razão de ser é servir à instrução das pessoas do campo,
vem oferecer-vos tudo o que é, e tudo que pode, e mendigar junto a vós o crédito que
lhe é preciso, para ser utilmente utilizado. Não que ele tenha sido antes relegado à parte,
pois, graças a Deus, por toda parte onde apareceu, obteve aprovação além das

1
Richard Dognon, cônego de Verdun, falecido em 1638.
22
Le Bon Laboureur (O Bom Lavrador)..., segunda edição, aparecida em 1632 (a aprovação data de 1630). Obra de
mais de 700 páginas que trata prática e familiarmente das virtudes próprias dos lavradores.
432

esperanças de seu autor e mais do que merecia. Como, porém, a aprovação de vossa
parte, que nele apareceu, até o presente, lhe granjeou credibilidade, está convencido de
que ao se confessar como vosso credor, plenamente, tratá-lo-eis como totalmente vosso,
e assim, com uma caridade sem medida, suprireis suas falhas, que são até
demasiadamente frequentes.
Teria sido melhor para ele, antes de se aventurar a instruir os outros, buscasse
ele mesmo junto a vós a inspiração para as suas Instituições. Mas, afinal, aconteceu
comigo o mesmo que adveio outrora a um grande eclesiástico da Espanha, o Mestre
Ávila3, quando viu o estabelecimento da Companhia de Jesus por Santo Inácio: Aí está,
disse ele, um projeto que eu tinha concebido, mas de modo muito confuso, a tal ponto
que meu espírito não pôde realizá-lo. Digo que a mesma coisa aconteceu comigo, sem
pretender com isso comparar-me com esse grande homem. De fato, é uma verdade que
eu acredito vos ter outrora confessado: andei pensando, por longo tempo, em contribuir,
com o que me fosse possível, para o socorro do pobre povo das aldeias, levado, tanto
pela minha origem natal, quanto pela minha condição de eclesiástico, e pelas
necessidades que todos veem claramente por toda parte. Quando me impus como dever
a efetivação deste projeto, segundo meu alcance, tive felizmente conhecimento do
Instituto de vossa Congregação, destinada à salvação das mesmas pessoas pelas quais
pretendia trabalhar. E foi a sintonia de inclinação e de intenção, no sentido da mesma
meta, que me fez buscar, com ardoroso empenho, a honra do vosso conhecimento, que
apreciarei por toda a minha vida. Da mesma maneira, procurei buscar o meio de
aprender a ser bom Missionário, na prática dos vossos exercícios, nos quais, por graça
vossa, me aplicastes a tantos trabalhos quanto minha disponibilidade o permitiu. Foi o
que me levou também a confessar, com toda clareza, que encontrava em vossas missões
o que tinha penosamente procurado e que não tinha encontrado em outro lugar: a
verdadeira maneira de assistir utilmente os lavradores. Se o pobre Bon Laboureur não
estivesse pronto em mais da metade e sua impressão quase terminada, eu o teria
segurado até que tivesse aprendido em vossa escola o que deveria transmitir, depois, ao
povo das aldeias. Contudo, dado o ponto em que estava, permiti-lhe o aparecimento,
porque assim o ordenastes, com a condição de que, se tivesse de ser reimpresso, far-lhe-
íeis a Caridade de lhe corrigir as falhas. É a realização desta promessa que ele aguardou
e da qual, como creio, vossas sérias e contínuas ocupações o frustraram até o presente.
Há uma pressão, contudo, no sentido de que se apresente, ainda uma vez, tal como está
e ele o faz para satisfazer aos que o exigem. Mas não será sem antes receber vossas
indicações e recomendações, para que tenha mais motivo de se dizer vosso. Com efeito,
ele tomou emprestado de vossas missões as regras e a instituição de vossa Confraria da
Caridade, para publicá-las por toda parte onde estiver, como exercícios muito
adequados aos lavradores, de exemplar piedade e grandemente necessários aos
vilarejos: sempre com a esperança de que lhe fareis, em algum dia, a caridade, em
termos completos, e de que cumprireis vossa promessa, a fim de que apareça, com
menos defeito, uma terceira vez em que vier se apresentar, se continuar a ter boa saída.
É o que vos suplico, senhor Padre, como, também, que continueis a me dar a honra de

33
O Bem-aventurado João de Ávila, nascido em 1500, apóstolo da Andaluzia, falecido em 1569.
433

vossas boas graças, juntamente com o lugar que me destes entre vossos missionários, e a
condição, senhor Padre, de vosso muito humilde e afeiçoado servo,

R. Dognon.

94 BIS.1 ─ AO PAPA URBANO VIII2

[Janeiro de 1632]3

Aliquot ab hinc annis nobilis vir Emmanuel de Gondy Comes de Joigny


considerans pro sua pietate et charitate multis in locis Galliae praesertim ruricolas
indigere spirituali consolatione, plerosque praecipuos fidei artículos qui Sanctissimam
Trinitatem et sacrum Incarnationis mysterium spectant, et sine quibus nulla est salus
ignorare, aut in illos sicut oportet non credere, peccata sua Rectoribus suis prae
verecundia aut propter nimiam quam cum ipsis habent familiaritatem detegere et
confiteri non audere, multosque in eo errore esse ut se rite confessos putent quamvis sua
etiam graviora peccata celent, insumpsit summam quadraginta quinque millium
librarum Turonensium pro erectione unius Congregationis presbyterorum saecularium
missionariorum nuncupatorum qui dictos rurícolas, doctrinae christianae rudimentis
informare, eorum confessiones audire, eisque sacramenta ecclesiastica administrare,
apud eos conciones habere, eosque cetera onmnia quae ad salutem spectant edocere
deberent ubi et quando ad spiritualia exercitia huiusmodi obeunda ab Ordinariis
locorum missi fuerint: jamque nonnulli presbyteri saeculares insimul in quadam domo
in civitate Parisiensi existente congregati spiritualibus exercitiis huiusmodi cum summa
populi aedificatione sub directione Vincentii de Paul presbyteri Aquensis dioecesis
provinciae Auxitanensis dictae Congregationis institutoris ac praedictae domus
superioris vacantes instituto huiusmodi felix principium dederunt infrascripta
observantes.

1. Inprimis praecipuus dictae Congreationis finis est honorare Sanctissimam


Trinitatem ac sacrum Incarnationis mysterium.

2. Presbyteri dictae Congregationis ad urbes et oppida aliaque loca Regni Franciae


et Regis Christianissimi dominio subiecta exceptis illis quae Parlamentorum aut
Ballivatuum titulo insignita sunt quibus non desunt presbyteri tam saeculares
quam regulares aliique ministri ecclesiastici, per Ordinarios locorum, quibus in
11
Carta 94bis. ─ Arquivos da Congregação dos Religiosos, Roma, original. O texto latino foi publicado nos Anais da
CM (1926), p. 140-144, e uma tradução italiana apareceu nos Anais (1941), p. 27-30.
22
Esta carta é uma súplica feita ao Papa por São Vicente para obter a aprovação da sua Congregação. Francisco du
Coudray, que São Vicente tinha enviado a Roma, estava encarregado de apresentá-la à Congregação dos Bispos e
Religiosos.
33
Esta data se fundamenta nas explicações dadas pelos Anais de 1926, p. 139-140, e os Anais de 1941, p. 25-27; 30-
31.
434

hoc tantum Congregatio se submittit et perpetuo se summa cum obedientia


submissam esse vult et intendit, mittuntur ut ignorantes Dei praecepta doceant
eosque doctrinae chritianae rudimentis informent, eorum confessiones audiant ac
eis sacramenta ecclesiastica ministrent et apud eos catechismi et praedicationis
munus exerceant, obtenta tamen prius a parochis licentia sine qua ad dicta
exercitia obeunda se numquam intromittunt nec se intromittere posse volunt.

3. In locis ubi concionati sunt Confraternitates (quas vocant Charitatis) auctoritate


Ordinariorum institui procurant pro locorum necessitate, quibus subveniri possit
egenis morbo laborantibus, et in hoc pium opus aliquid de suis bonis
contribuunt.

4. Lites et discordias quibus potissimum ruricolae totam interdum vitam


involvuntur componere et sedare nituntur quam maxima possunt charitate.

5. Parochialium ecclesiarum rectores ad spiritualia exercitia et parochias suas


regendas instrui volentes in domibus suis recipiunt et operam dant ut ipsi
rectores de casibus conscientiae et sacramentorum administratione tractaturi se
invicem singulis mensibus conveniant quando id pro locorum vicinitate
commode et absque suarum ecclasiarum detrimento fieri potest.

6. Singulis temporibus celebrationis Ordinum, volentes se promoveri facere ad


Ordines in domibus suis etiam recipiunt ut ipsos doceant quomodo se ad dictos
Ordines gerere illosque digne suscipere debeant.

7. Congregatio supradicta omnia gratuito et absque ulla spe praemii perficit et


perpetuo obire promittit.

Modo vero animos ad caelestia magis magisque erigentes presbyteri praedicti


infrascriptas ordinationes deliberaverunt:

1. Quod Congregatio constabit laicis, clericis et presbyteris omnia communia


habentibus.

2. Laici Marthae officio contenti domesticas res curabunt.

3. Clerici 17 vel 18 annos habere debebunt antequam in Congregationem admitti


queant, et exacto probationis anno corpori Congregationis inserentur.

4. Vincentius de Paul praedictus manebit superior dictae Domus Parisiensis, et


postquam aliae dictae Congregationis domus institutae fuerint in Superiorem
Generalem in perpetuum dictae Congregationis eligetur.
435

5. Post dicti Vincentii de Paul obitum Superior Generalis pro tempore existens
dictae Congergationis de triennio in trienium eligetur et poterit ad alium
triennium dumtaxat continuari.

6. Superior Generalis superiores aliosque ministros inferiores instituet et ad nutum


amovebit, singulas dictae Congregationis domus, res et personas visitabit et
corriget, omnemque aliam auctoritatem et superioritatem habebit quam similium
vel aliarum Congregationum Superiores Generales habent aut habere possunt vel
poterunt in futurum.

Cum autem ex hoc pio instituto maximos fructus provenisse experientia


docuerit, et speretur adeo feliciora initia feliciores progressus in dies habitura ac firmius
consistant ea quae Sedis Apostolicae munimine roborantur, supplicant humilter
Vincentius superior dictae domus ac alii dictae Congregationis presbyteri quatenus
dictam Congregationem specialis gratiae favore prosequendo Congregationem
praedictam, ac per eam et singulas illius personas hactenus facta quaecumque,
apostolica auctoritate approbare et confirmare, eisque apostolicae firmitatis robur
adiicere, ac Superiori Generali dictae congregationis pro tempore existenti ut pro
feliciori progressu dictae Congregationis ultra supradictas ordinationes quaecumque alia
statuta licita et honesta ac sacris canonibus et sacri Concilii Tridentini decretis minime
contraria concedere ac pro rerum ac temporum qualitate et quoties expediens videbitur,
mutare, alterare, modificare, limitare, corrigere et alia de novo edere libere et licite
valeat, dummodo praedicta statuta, illorumque mutationes, alterationes, modificationes,
limitationes, correctiones, aliaque de novo edenda prius ab Ordinario approbentur;
ipsique Congregationi et singulis personis in ea nunc et pro tempore existentibus ut
omnibus et singulis privilegiis, immunitatibus, libertatibus, exemptionibus, facultatibus,
favoribus et gratiis, indultis, indulgentiis ac aliis gratiis quibus aliae Congregationes
utuntur, potiuntur et gaudent ac uti, potiri et gaudere possunt vel poterunt in futurum
partier ac pariformiter et absque ulla prosus differentia uti, potiri et gaudere possint
perinde ac si dictae Congregationi illiusque superioribus aliisque personis specialiter et
expresse concessa fuissent concedere et indulgere irritumque et decernere dignemini.

TRADUÇÃO

Há alguns anos, tendo considerado em sua piedade e em sua caridade que, em


numerosos lugares da França, especialmente o povo do campo está privado de
consolação espiritual e que a maior parte deles ignoram os principais artigos da fé, a
respeito da Santíssima Trindade e do sagrado mistério da Encarnação, sem os quais não
há salvação, ou neles não creem como deveriam, que não ousam revelar e confessar
seus pecados a seus párocos por vergonha ou porque têm com eles muita familiaridade,
e que muitos se encontram no erro de pensar que se confessaram corretamente, embora
tenham ocultado até os mais graves pecados, o ilustre Emanuel de Gondi, conde de
436

Joigny, dedicou a soma de quarenta e cinco mil libras tornesas 1 para a ereção de uma
Congregação de padres seculares chamados Missionários, que deviam instruir o povo do
campo, mencionado acima, sobre os rudimentos da doutrina cristã, ouvir-lhes as
confissões, administrar-lhes os sacramentos da Igreja, pregar-lhes e ensinar-lhes todas
as outras coisas concernentes à salvação, em toda parte e todas as vezes que forem
enviados pelos Ordinários locais, para realizar estas atividades espirituais. Alguns
padres seculares reunidos em comunidade em uma casa da cidade de Paris e se
ocupando de atividades espirituais dessa espécie, com enorme edificação do povo, sob a
direção de Vicente de Paulo, padre da diocese de Dax, Província d’Auch 2, fundador da
dita Congregação e Superior da casa supradita, já deram com felicidade início a um tal
instituto observando o que segue:

1. Em primeiro lugar, o fim principal da dita Congregação é honrar a Santíssima


Trindade e o sagrado mistério da Encarnação.

2. Os padres da dita Congregação são enviados pelos Ordinários locais, aos quais a
Congregação se submete nesse ponto apenas, e quer submeter-se perpetuamente,
com uma perfeita obediência; são enviados por eles às cidades, povoados e
outros lugares do Reino de França, que estão sujeitos à autoridade do Rei
cristianíssimo, excetuados aqueles que se distinguem pelo título de Parlamento
ou de Juizado, onde não faltam padres, tanto seculares como regulares, nem
outros ministros eclesiásticos. São enviados para ensinar os preceitos de Deus
àqueles que os ignoram e para instruí-los dos rudimentos da doutrina cristã,
ouvir-lhes as confissões, administrar-lhes os sacramentos da Igreja e aplicar-se
entre eles ao ensino do catecismo e da pregação. Entretanto, obtêm
primeiramente a permissão dos párocos sem a qual nunca se intrometem no
exercício das referidas funções, nem desejariam o poder de realizá-las.

3. Nos lugares onde pregaram, providenciam que sejam estabelecidas, sob a


autoridade dos Ordinários, as Confrarias chamadas da Caridade, para as
necessidades locais, a fim de auxiliarem aos pobres doentes. Contribuem para
esta boa obra doando alguma coisa dos seus próprios bens.

4. Esforçam-se com a maior caridade possível para resolver e apaziguar os


processos e os conflitos, nos quais especialmente o povo do campo permanece
implicado durante toda a vida.

5. Recebem em suas casas os párocos das paróquias que desejam ser instruídos nos
exercícios espirituais e no modo de dirigir suas paróquias. Esforçam-se por
reunir todos os meses estes párocos, para tratar de casos de consciência e da

11
A libra tornesa era assim chamada porque seu valor era inicialmente o que davam as oficinas monetárias da cidade
de Tour. Ver Dictionnaire du Grand Siècle, Paris, 1990, na rubrica “Livre tournois”.
22
A diocese de Dax era sufragânea do arcebispado de Auch até 1790. Ver Ludovic Lalanne, Dictionnaire historique
de la France, Paris, 1877, na rubrica “Dax”.
437

administração dos sacramentos, quando, graças à proximidade dos lugares, seja


possível fazê-lo comodamente e sem detrimento de suas igrejas.

6. No tempo das ordenações, recebem também, em suas casas, os que desejam ser
promovidos às Ordens, a fim de lhes ensinar como exercer estas Ordens e como
recebê-las dignamente.

7. A supradita Congregação realiza tudo isso gratuitamente e sem interesse algum


de recompensa, e promete fazer perpetuamente a mesma coisa.

Entretanto, elevando cada vez mais seus espíritos para as coisas celestes, os
supraditos padres decidiram as seguintes disposições:

1. A Congregação será composta de leigos3, de clérigos e de padres que terão tudo


em comum.

2. Os leigos, contentando-se com o ofício de Marta, cuidarão dos negócios


domésticos.

3. Os clérigos deverão ter 17 ou 18 anos antes de poderem ser admitidos na


Congregação, e serão incorporados na Congregação depois de um ano de
provação.

4. O supranominado Vicente de Paulo ficará como superior da dita casa de Paris, e


depois que as outras casas da referida Congregação tiverem sido fundadas, será
eleito Superior Geral da dita Congregação, em caráter perpétuo.

5. Depois da morte do dito Vicente de Paulo, o Superior Geral da dita Congregação


será eleito de três em três anos, e poderá ser mantido no cargo apenas por mais
um triênio.

6. O Superior Geral nomeará os superiores e os outros ministros inferiores,


podendo destituí-los a seu arbítrio. Visitará e corrigirá cada casa,
supervisionando os bens e as pessoas da dita Congregação. Terá toda autoridade
e superioridade que os Superiores Gerais das congregações similares ou outras
possuem ou possuirão no futuro.

Além disso, como a experiência mostrou que este piedoso instituto produziu
excelentes frutos, e se espera que tão felizes inícios terão dia-a-dia mais felizes
progressos, e dado que estas coisas consolidadas pela proteção da Sé Apostólica
subsistem com mais firmeza, Vicente, superior da dita casa, e os outros padres da dita

33
Irmãos Coadjutores.
438

Congregação, suplicam humildemente à referida Congregação4 4 conceder uma graça


especial à Congregação supradita e, através dela, a cada um de seus membros,
aprovando e confirmando com a autoridade apostólica tudo que foi feito até agora,
fortalecendo-a com a firmeza apostólica, concedendo ao Superior Geral da dita
Congregação, existente nas diversas épocas, para o melhor progresso dessa
Congregação, o poder de decretar, além das disposições supraditas, quaisquer outros
estatutos lícitos e justos que não estejam, de modo algum, contrários aos santos cânones
e aos decretos do santo Concílio de Trento; concedendo-lhe também, segundo as
circunstâncias e os tempos, e sempre que for conveniente, mudar, alterar, modificar,
limitar, corrigir esses estatutos, e ter o poder de os promulgar de novo, livre e
licitamente, contanto que os supraditos estatutos, suas mudanças, alterações,
modificações, limitações, correções, e os outros estatutos a promulgar novamente, sejam
primeiramente aprovados pelo Ordinário. Possam a própria Congregação e cada um dos
seus membros atuais e futuros gozar de todos e de cada um dos privilégios, imunidades,
liberdades, isenções, faculdades, favores e graças, indultos, indulgências e outras
vantagens das quais as outras congregações gozam ou poderão gozar no futuro, da
mesma maneira, com a mesma extensão e sem diferença alguma, como se fossem
concedidos especificamente e expressamente à dita Congregação, aos seus Superiores e
a seus membros. Dignai-vos conceder e autorizar isso e declarar não válido [o que for
contrário].

156 TER1. ─ AO PADRE FAURE, SUPERIOR DA CONGREGAÇÃO DE


SANTA GENOVEVA

Meu Reverendo Padre,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Pediram-me que me dirigisse a vós, para suplicar-vos, como faço, muito
humildemente, que tenhais a bondade de receber entre vossos seminaristas o filho do
senhor Gallois2, de quem ouvi falar muito bem e que assiste de boa vontade as casas
onde tem filhos. Fazei-lhe, portanto, essa caridade, meu padre, por obséquio. Além de
ficardes muito contente com ele, acrescentareis este favor a muitos outros que vos devo
e serei, durante toda minha vida, no amor de Nosso Senhor e de sua Santa Mãe, meu
Reverendo Padre, vosso humilde e obediente servo,

Vicente de Paulo
Indigno padre da Missão

Bons-Enfants, janeiro de 1634.

44
A Congregação dos Bispos e dos Regulares.
11
Carta 156 ter. ─ C. aut. ─ O original foi posto à venda por Charavay, cerca de 1921. Fotografia nos Arquivos da
Missão, Paris.
22
Filipe Gallois, notário de São Vicente.
439

Destinatário: Ao reverendo Padre Faure, Superior da Congregação de Santa


Genoveva, ou em sua ausência, ao Reverendo Padre Boulart.

10. ─ PARA A IRMÃ HELENA ANGÉLICA LHUILLIER1

São Lázaro, dia de Ramos, nove horas2.

Minha caríssima Irmã,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Recebi com consolação vossa carta de ontem e a de nossa digna Madre 3 para o
Visitador4, a qual considero igualmente muito preciosa. Espero ter parte nos benefícios
que experimentareis com a leitura dessas cartas. Agradeço-vos por tudo e vos suplico,
minha cara Irmã, dizer à Irmã destinada, por vossa graça, para Le Mans 5, o que ela tem
de fazer. O irmão dela vem dizer-me que ela está numa santa impaciência por sua
felicidade.
Quanto a mim, sou, no amor de Nosso Senhor, e de coração, como ele sabe,
vosso muito humilde e obediente servo,

Vicente de Paulo
Indigno padre da Missão

181 BIS.1 ─ A SANTA LUÍSA DE MARILLAC

Senhora,

Jamais estive tão insatisfeito comigo mesmo, no que vos diz respeito, por causa
do longo tempo sem estar convosco. Podeis crer que somente o atropelo dos negócios
mo impedem. Tratarei de ter amanhã esta satisfação, suplicando-vos entretanto cuidar
de vossa saúde e dela mandar-me notícia, como àquele que é, no amor de Nosso Senhor,
Senhora, vosso humilde servo,

Vicente de Paulo.
1
Carta 10. ─ Carta autógrafa.
Original nos Arquivos da Missão. Publicada nos Anais da CM, 1926, p. 473-474, e 1937, p. 237.
1
Religiosa do primeiro mosteiro da Visitação de Paris. Ver notícia na edição Coste, t. I, p. 64 (em nota).
22
Muito provavelmente, 09 de abril de 1634.
33
Santa Joana de Chantal.
44
Sobre o Visitador na Ordem da Visitação, ver I, 370 (nota 4).
55
A Visitação foi estabelecida em Mans em 1634. As seis primeiras religiosas ali chegaram a 22 de julho de 1634.
11
Carta 181 bis. ─ C. aut. ─ O original se encontra nos Arquivos das Filhas da Caridade, Paris. Fotocópia nos
Arquivos da Missão, Paris.
440

Manhã de sexta-feira [entre 1630 e 1638].


Destinatário: À senhora Le Gras.

11. ─ AO SENHOR DE MONTHOLON1

Prezado Senhor,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Sinto-me pesaroso por não ter tido a ventura de me encontrar aqui, quando nos
destes a honra de vir até nós. Estava numa pequena aldeia perto daqui. Voltei um quarto
de hora após vossa partida e encontrei o senhor vosso irmão 2. Meu Deus, Senhor, como
estou preocupado com os trabalhos que ele e os outros vos dão. Ele me informou sobre
sua questão3. Embora lhe tenha falado do receio que tenho de que ele não tenha
procedido bem, que deveria absolutamente crer em vós e seguir o conselho dos vossos
pais comuns, e algo, até mesmo, da casa à qual está ligado, e que eu conheço 4, nada
consegui a não ser açular mais sua paixão. Pedira-lhe permissão para ir estar convosco
juntamente com o senhor Pároco de Saint-Germain 5, mas quando estava em Saint-
Merri6, fui tomado de um vivo temor de que ele pudesse fugir, e voltei, mas o encontrei
repousando. Em razão disso, tomei o tempo de vos traçar estas linhas, para vos solicitar
que me digais a maneira como é do vosso agrado que eu me comporte nesse caso,

1
Carta 11. ─ Carta autógrafa.
Original colocado à venda pela casa Charavay, cujo Catálogo (Autógrafos e Documentos históricos. Vendas dos dias
10 e 11 de dezembro de 1957) dá uma fotografia do documento.
Publicado nos Anais CM 1957, p. 674-681 (fotografia, transcrição com disposição e ortografia do original,
comentário histórico).
Data: sem dúvida, dezembro de 1634 (início da permanência de Jean de Montholon em São Lázaro).
1
Guy-François de Montholon, nascido em 1600 em Paris, advogado no Parlamento em 1618, Conselheiro de Estado
em 1645, falecido em 1679.
22
Jean de Montholon, nascido em 1613. Tinha, portanto, apenas 21 anos.
33
Eis como se pode sumariamente reconstituir esta questão:
Em 1632, Jean de Montholon se casa com Jeanne Jeannesson; o mais velho da família (Guy-François, tutor
dos irmãos desde a morte do pai em 1632), julgando que houve casamento com pessoa de condição inferior, mandou
anular o casamento por decreto do Parlamento; a Sorbona, consultada por Jean, o declara válido (1633); a 28 de
setembro de 1634, Guy-François obtém uma sentença da Prepositura de Paris autorizando-o a mandar prender Jean, e
a 05 de dezembro de 1634, Jean foi recolhido ao priorado de São Lázaro, onde se reservavam alguns lugares para
filhos de família “desviados”. A carta publicada aqui tem relação com o início dessa permanência de Jean em São
Lázaro. Em 1635 (depois de 28 de março), Jean de Montholon evadiu-se. O padre Vicente escreveu então uma outra
carta a Guy-François para apresentar-lhe suas escusas (carta publicada na edição Coste, I, 291-293).
44
Os parentes de Jeanne Jeannesson eram Senhores de Clichy-la-Garenne; foi lá, sem dúvida, que São Vicente os
conheceu, quando era pároco dessa paróquia.
55
Provavelmente Saint-Germain-l’Auxerrois, paróquia de Paris.
66
Paróquia de Paris.
441

enquanto aguardo a honra de estar convosco amanhã, para vos agradecer, como faço,
humildemente, pelo feliz início que destes à nossa defesa 7. Dois peritos dos nossos me
informaram que fizestes maravilhas. Espero, meu Senhor, que o final seja ainda mais
feliz e que Nosso Senhor vos reserve grande recompensa no céu. Sou, em seu amor,
vosso muito humilde e obediente servo,

Vicente de Paulo

Destinatário: Ao Senhor de Montholon, Advogado da Corte.

12. ─ CARTA DO PADRE COLOMBET1 A SÃO VICENTE

Jesus, Maria

Senhor Padre,

A Senhora Lamy2julga que não é conveniente, no começo, ter duas serventes 3.


Basta uma competente, para não dar o que falar aos que imaginam que isso poderia
arruinar a Caridade, tanto mais quanto, no presente, há apenas cinco ou seis doentes.
Para o futuro, porém, já com tudo bem estabelecido, acrescentaremos uma
companheira, conforme vossas ordens.
Se fosse possível obtê-la de imediato, isso nos ajudaria muito.
Entretanto, seria melhor esperar, até conseguir uma outra, bastante qualificada.
Se for necessário enviar alguém a La Villette 4, suplico-vos mandar para lá esse
moço, e instruí-lo sobre o que quereis que ele faça.
Desejo-vos um bom dia. Recomendo-me às vossas orações.
Domingo próximo, teremos conosco o Padre Pavillon 5, para fazer uma
pregação sobre a Caridade6, a fim de levar ao conhecimento de todos o que é, e acabar
com os rumores. Suplico-vos muito humildemente recomendar com instância a Deus o
assunto e me escrever se julgais conveniente esta pregação.
Sou, senhor Padre, vosso muito humilde e obediente servo,

Colombet.

77
Desde a união do Priorado de São Lázaro à Congregação da Missão (1632), São Vicente teve de superar numerosas
e tenazes oposições, particularmente diante do Parlamento. O apoio de pessoas ligadas à Instituição era indispensável.
1
Carta 12. ─ Carta autógrafa.
Original de posse (1931) do Padre Lorenzo, do clero de Paris, publicado nos Anais CM, 1932, p. 5-6.
Data: No mesmo ano em que foi fundada a Caridade de Saint-Germain-l’Auxerrois (1637).
São Vicente transmitiu esta carta a Santa Luísa de Marillac, escrevendo algumas linhas embaixo do texto.
1
Pároco de Saint-Germain-l’Auxerrois.
22
Dama da Caridade.
33
Servas dos pobres ou Filhas da Caridade.
44
Então, aldeia do subúrbio; hoje, bairro de Paris.
55
Nicolau Pavillon, nascido em Paris em 1597, nomeado em 1637 para a diocese de Alet, falecido em 1677.
66
Pregação a respeito da Confraria da Caridade.
442

257 BIS.1 ─ JEAN JACQUES OLIER A SÃO VICENTE E AOS MEMBROS DA


CONFERÊNCIA DE PARIS

1636.

Fostes colocado por Nosso Senhor na cidade de Paris como uma luz sobre um
grande candelabro, para iluminar todos os eclesiásticos da França; a esse respeito,
deveis sentir-vos especialmente estimulado pelos grandes frutos e progressos
espirituais que realiza na cidade de Puy a Conferência dos Eclesiásticos, os quais
participaram com felicidade do vosso espírito. Estão dando exemplos de virtude que
encantam toda a província: ministram o catecismo em vários lugares da cidade;
visitam com frequência as prisões e os hospitais, preparam-se, no momento, para ir
pregar missões em todos os locais que dependem do Cabido. Sinto-me humilhado,
vendo-lhes o zelo, e por desejarem que eu vá fazer a abertura da missão deles, sendo eu
tão pouco capaz.

13. ─ J. J. OLIER A SÃO VICENTE

10 de fevereiro de 1637

“A quarta missão nossa se realizou, há quinze dias. Nela houve mais de duas
mil confissões gerais, embora fôssemos apenas 6 missionários; mais para o fim, oito.
Ficávamos sobrecarregados com o povo que acorria de sete ou oito léguas, apesar do
rigor do frio e do local incômodo, um verdadeiro deserto. Esse bom povo trazia suas
provisões para três ou quatro dias e se acomodavam nas granjas. Nelas se ouviam
conversas entre eles sobre o que tinham escutado nas pregações e no catecismo.
Atualmente estamos vendo por aqui os camponeses e suas esposas fazendo, eles
próprios, missão em suas famílias; os pastores e lavradores cantando os mandamentos
de Deus nas roças, e perguntando uns aos outros sobre o que aprenderam durante a
missão. Enfim, a nobreza, para a qual parecia que não falávamos, já que usávamos de
linguagem tão rude, como de costume, depois de ter cumprido, cristã e exemplarmente,
seu dever, só nos deixaram partir banhados em lágrimas. Cinco huguenotes abjuraram
sua heresia nesta missão, quatro dos quais, que antes fugiam de nós, vieram
espontaneamente nos procurar. Isto, senhores Padres, para nos ensinar, conforme
frequentemente me dissestes, que a conversão das almas é obra da graça, à qual
muitas vezes colocamos obstáculo com nosso próprio espírito; e ainda mais, que Deus
quer sempre operar, ou no nada, ou pelo nada, isto é, naqueles e por aqueles que
reconhecem e confessam sua impotência e inutilidade”.

14. ─A LUÍSA DE MARILLAC

11
Carta 257 bis. ─ Abelly, A vida do venerável servo de Deus Vicente de Paulo, 1ª edição, 1664, livro II, p. 265.
443

O senhor pároco de Saint-Germain me escreveu a presente carta.


Entreguei um bilhete à jovem que me enviaste para estar com Madame
Goussault1.
Vosso filho está bem, e eu sou vosso servo,

V.D

Destinatário: À senhora Le Gras.

15. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

A carta número 370 da edição Coste (I, 555-556), dirigida a Luísa de Marillac, em torno
de 1638, foi publicada, por Coste, conforme a edição Pémartin (1880), t. II, p. 3. O original
desta carta foi, depois, encontrado (1942) no hospital de Tarbes, ao qual prestavam serviço as
Filhas da Caridade. O texto do original foi publicado nos Anais da Congregação da Missão,
1941-1942, p. 559. As diferenças em relação ao texto Pémartin-Coste são insignificantes. Por
esta razão, não estimamos útil reproduzir aqui aquele texto. Uma fotografia da carta original
figura nos Arquivos da Missão.

16. ─ A FRANCISCO DUFESTEL1

São Lázaro, 08 de maio de 1638.

Senhor Padre,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Recebi vossa carta de 03 de maio, onde consta: 1º a dificuldade de continuar a
missão próximo aos soldados; 2º o boato que circula sobre São Lázaro; 3° há quem
censure por não se ter escrito, a ninguém da cidade, para recomendar a Companhia.
Dir-vos-ei, quanto ao primeiro ponto, que é provável que o susto do pobre povo
o impeça de tirar proveito da missão. É preciso então esperar com paciência o tempo
reservado aos ordinandos, para realizar aí os exercícios espirituais, se o senhor Bispo de
Troyes2 estiver de acordo; do contrário, será bom ir pregar missão nos outros lugares
que dependem do senhor Comendador3. Caso, porém, venhais a trabalhar com os

1
Carta 13. ─ Abelly L., A vida do venerável servo de Deus, Padre Vicente de Paulo, 1664, II, p. 33-34.
Carta 14. ─ Carta autógrafa, escrita embaixo da carta do Padre Colombet. Original de posse (1931) do Padre
Lorenzo, do clero de Paris. Publicado nos Anais da CM, 1932, p. 6.
Data, de acordo com os próprios dados da carta do Padre Colombet: no mesmo ano em que foi fundada a Caridade
em Saint-Germain-l’Auxerrois (1637).
1
Dama da Caridade.
1
Carta 16. ─ Carta autógrafa.
Original com as Irmãs da Caridade de Besançon, em Besançon. Fotocópia do original nos Arquivos da Missão.
1
Francisco Du Festel, nascido em Oisemont (diocese de Amiens), recebido na Congregação da Missão em 1633,
padre em 1636, superior da casa de Troyes de 1638 a 1642, deixa a Congregação da Missão em 1646.
22
Renê de Breslay, bispo de Troyes (1604-1641).
444

ordinandos, enviar-vos-ei o Padre Boudet4, que retive aqui expressamente para esse fim.
Mas, então, seria preciso avisar-me com antecedência.
Quanto aos rumores sobre São Lázaro, que poderemos fazer? Importa suportar
esses boatos com paciência. Nosso Senhor os dissipará, pois não têm fundamento.
Eu vos escrevi sobre o parecer do senhor Comendador e o do Padre de Gondi 5,
no que tange ao terceiro ponto. É melhor falhar, eventualmente, seguindo o conselho
desses dois bons espíritos do que ingerir-se por conta própria. Falarei ainda uma vez
com ele sobre a questão, e lhes comunicarei vossa carta.
Será bom avisar-me sobre tudo que nos concerne, e isso por todos os
mensageiros. Escrevei, por obséquio, ao senhor Bispo de Troyes, a respeito dos
ordinandos, sem colocar a coisa em dúvida, mas apenas para saber dele se haverá
muitos ordinandos.
O jovem que ele nos enviou não deseja pertencer à Companhia. Teme-se que
haja perigo de ele indispor os outros estudantes que desejam, todos eles, entrar na
Companhia. Pensamos então em colocá-lo no Colégio do Cardeal 6, onde lhe pagaremos
de bom grado a pensão, e o convidaremos algumas vezes a partilhar conosco suas
reflexões, de sorte que seria como se estivesse conosco: entre esse Colégio e o nosso há
apenas um muro. Peço-vos, senhor Padre, dizê-lo ao senhor Bispo de Troyes, e que
teremos para com ele solicitude particular, assim como o cuidado em lhe pagar a
pensão, sem que precise pagar qualquer outra coisa: basta que lhe providenciem o
enxoval.
Devo partir esta manhã para Brie-Comte-Robert 7 e de lá poderei dar um pulo a
Fréneville8, para estar de volta na véspera da Ascensão.
Saúdo de todo coração os Padres Du Chesne 9, Saravay1010 e nosso Irmão
Renê1111. Sou, no amor de Nosso Senhor, senhor Padre, vosso humilde servo,

Vicente de Paulo

Destinatário: Ao senhor Padre Du Festel, padre da Missão, em Sancey1212.

33
Noël Brûlart de Sillery, cavaleiro de Malta, comendador de Troyes, nascido em 1587. Depois de ter exercido vários
cargos na Corte, recebeu o sacerdócio em 1634. Amigo de São Vicente de Paulo e benfeitor da Congregação da
Missão, morreu em Paris em 1640.
44
Sem dúvida, Jacques Boudet, padre da Missão, nascido em Epinay (diocese de Paris). Entrou na Congregação da
Missão em 1634.
55
Filipe Emanuel de Gondi, “fundador”, com a mulher, falecida em 1625, da Congregação da Missão. Ficando viúvo,
deixou o cargo de General das Galeras da França e entrou no Oratório. Benfeitor do estabelecimento dos
Missionários de Montmirail. Morreu em Joigny a 29 de junho de 1662.
66
Colégio do Cardeal Lemoine, separado do Colégio dos Bons-Enfants por um muro intermediário.
77
Localidade de Seine-et-Marne, a 30 km de Paris. Os Missionários e o próprio São Vicente pregaram ali. O
Comendador de Sillery fundou nesse lugar uma missão que deveria ser pregada de cinco em cinco anos.
88
Vilarejo da Comuna de Valpuiseaux, em Seine-et-Oise. A Congregação da Missão possuía ali uma granja onde,
repetidas vezes, São Vicente se deteve por períodos mais ou menos prolongados.
99
Pierre Du Chesne, padre da Missão. Entrou na Congregação da Missão em 1637. Foi colocado pouco depois no
Seminário de Troyes. Falecido em Agde a 03 de novembro de 1654.
1010
Pierre Savary, padre da Missão, nascido em 1606 em Neuville-Vitasse (diocese de Arras). Entrou na Congregação
da Missão em 1637, colocado no Seminário de Troyes.
1111
Irmão Coadjutor da Missão, não identificado.
1212
Localidade situada perto de Troyes, chamada hoje Saint-Julien, lugar de residência provisória dos Missionários de
Troyes.
445

17. ─ CARTA DE G. PLUYETTE A SÃO VICENTE

Senhor Padre,

Como não posso ir a Paris, suplico-vos entregar os seis... a mim devidos por
causa da bolsa de “boa esmola”1 do primo Etienne Pluyette, com vencimento no dia de
Natal. Ficar-vos-ei inteiramente grato e sou, senhor Padre, vosso humilde servo,

G. Pluyette.
Fontenay, 25 de dezembro de 1638.

18. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

1638 (aproximadamente em dezembro)1.

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Não vos cansais nunca de nos fazer bem, e o fazeis, como temo, acima de vossas
forças. Agradeço-vos muito humildemente, Senhora, e vos suplico não mais proceder
assim. Basta: seremos sempre vossos devedores, façamos o que for a serviço de vosso
filho2. Suportai, pois, que o sirvamos sem outras motivações, a não ser a do muito que
vos devemos e a do afeto que temos em vos servir e a ele também.
Vossa carta está excelente, a meu ver, e fareis bem em lha enviar. Peço a Nosso
Senhor que ela lhe seja eficaz, no sentido de obter dele uma determinação, de uma vez
por todas. Envio-vos a carta dele, juntamente com a que lhe escreveis, e tratarei de
mandar fazer para ele uma pequena chaminé, num dos pequenos quartos, o quanto
antes, porque teremos doravante ordinandos nos Bons-Enfants, e o quarto onde ele está
lhes é necessário.
Caso faça bom tempo, podereis, se puderdes, sem incômodo algum, assistir à
santa missa, todos os dias de vosso retiro; caso contrário, honrareis a solidão de Nosso
Senhor, como Santa Madalena o fez, com perfeição.

1
Carta 17. ─ Carta autógrafa.
Original nos Arq. Nac. (Paris) M. 105 (Colégio dos Bons-Enfants).
1
A expressão francesa bolsa “de bonne aumône” nos parece obscura. Não lhe desvendamos o sentido; traduzimos ao
pé da letra (N. do T.).
1
Carta 18. ─ Carta autógrafa.
Original com as Filhas da Caridade da paróquia Saint-Projet, em Bordéus. Fotografia do original nos Arquivos da
Missão. Texto publicado nas Anais da CM, 1928, p. 253-254.
1
A data se impõe pelo conteúdo da carta (retiro dos ordinandos nos Bons-Enfants, situação do filho de Santa Luísa de
Marillac, Michel Le Gras).
22
O filho de Santa Luísa estava então hospedado nos Bons-Enfants e estudava em vista do sacerdócio, sem estar bem
determinado quanto a sua vocação.
446

Lereis, por favor, o livrinho Imitação de Nosso Senhor, a sexta, a sétima ou a


oitava parte, à vossa escolha, do livro do Amor de Deus, do Bispo de Genebra3, e
alguma vida dos Santos, conforme vossa devoção.
Bom dia, Senhora,
Sou V.S.V.D. [vosso servo Vicente de Paulo].
(No dorso, Santa Luísa de Marillac escreveu: do Padre Vicente, que fala de um
retiro e do meu filho).

19. ─ A SANTA LUÍSA DE MARILLAC

[1638]1

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Tivestes motivo de murmurar e queixar-vos interiormente de mim, por não vos
ter dado resposta e nem ter ido estar convosco. Vossa caridade me perdoará, por favor, e
atribuirá a falha aos embaraços2, e não à (carência) de afeição, que Deus sabe não me
faltar. Falei ao Monsenhor Pavillon3 sobre o vosso filho. Julgo ser conveniente que
termine a teologia, se ordene padre, pratique durante algum tempo os exercícios de
piedade convenientes aos eclesiásticos. Feito isto, não faço dificuldade alguma a que o
referido Monsenhor Pavillon o receba. Do contrário, o jovem seria inútil ao Monsenhor
e teria uma dificuldade, insuportável para si mesmo, em se ver nas montanhas, na
extremidade do Reino4, sem nada fazer, e inapto a qualquer ministério. Em nome de
Deus, Senhora, podeis crer-me; sei de que se trata. Espero que, se o senhor vosso filho
fizer o que acabo de falar, não lhe faltarão boas ocupações. Se Deus, por sua graça, me
der vida, prometo-vos cuidar dele como se fosse sangue meu. Ficai pois tranquila a esse
respeito. Se estivesse em condições de assumir trabalho, eu poderia colocá-lo, já
amanhã, a serviço do senhor irmão do Rei 5, para o qual estão me pedindo alguém, ou
mandar entregar a ele um canonicato perto de Lyon, numa fundação nova de um cabido
que está fundando o senhor de Saint-Chamond6, que me encarregou de fornecer-lhe as

33
O Tratado do Amor de Deus de São Francisco de Sales.
1
Carta 19. ─ Carta autógrafa.
Original com as Filhas da Caridade da Casa Eugênio-Napoleão, em Paris.
1
Data exigida pelo conteúdo da carta: situação de Michel Le Gras, indeciso ainda em sua vocação, presença em Paris
ou nas proximidades, de Pavillon, estado de “disponibilidade” do Padre Du Coudray, nomeado, neste mesmo ano de
1638, superior da Casa de Toul.
22
A respeito deste termo, muito frequente nas cartas do Santo, ver t. I, carta 35, nota 2 (N. do T.).
33
Nicolau Pavillon (1597-1677), bispo nomeado de Alet; sagrado em 1639, chegou pouco depois a sua diocese, onde
residiu até a sua morte.
44
Alet, situada no vale do Aude, a 30 km ao sul de Carcassona, no sopé dos Pirineus.
55
Gastão de Orléans (1608-1660).
447

pessoas que julgar aptas, até o número de oito. Enfim, ele não ficará sem emprego; ficai
tranquila sobre isso, conquanto faça ele o que vos digo.
Trataremos, pois, de enviar o Padre Du Coudray7, sábado, a Liancourt8.
Providenciai-lhe um cavalo, por obséquio, e que esteja aqui amanhã, à tarde. Estou
pesaroso pela indisposição dessa senhora e vou celebrar a santa missa em sua intenção.
Rogo a Deus por vós de quem sou, no amor de Nosso Senhor, v.t.h.s. [vosso muito
humilde servo],

V. de Paulo.

Destinatário: À senhora Le Gras, em La Chapelle9.

20. ─ PARA A COMUNIDADE DE SAINT NICOLAS-DU-CHARDONNET

(29 de abril de 1639).

Esta carta, que traz o número 374 na edição Coste (I, 545-546), foi publicada nos termos da
edição Pémartin (1880): carta nº 239, t. I, p. 247-248. Ora, Pémartin, sem indicar a fonte, a tinha tirado do
manuscrito 2453 da Biblioteca Mazarina: A Vida do venerável servo de Deus, Padre Adriano Bourdoise...
Poucas variantes entre os três textos. O manuscrito traz a mais do que está no texto publicado: Redigido
em São Lázaro no penúltimo dia de abril de mil seiscentos e trinta e nove. Vicente de Paulo.
Esta carta foi publicada, com o contexto do manuscrito, nos Anais da CM, 1952, p. 230-231.

21. ─ GUILLAUME COMPAING A SÃO VICENTE

(05 de maio de 1639)1.

Os padres da Comunidade de Saint-Nicolas 2, tendo examinado seriamente a


proposta3 e outorga acima e ponderado tudo maduramente, louvaram o Padre

66
Melchior Mitte de Miolan, marquês de Saint-Chamond (1586-1649), fundador, em 1634, de um cabido colegial,
para o qual mandou construir uma capela em Saint-Chamond (diocese de Lyon).
77
Francisco Du Coudray, padre da Missão, nascido em 1586, na diocese de Amiens. Ingressou em 1626 na
Congregação da Missão. Foi nomeado, em 1638, superior da Casa de Toul.
88
Localidade situada em Oise. Santa Luísa de Marillac fez ali várias estadas.
99
La Chapelle, vilarejo perto de Paris, atualmente englobado na própria cidade de Paris. A Casa-Mãe das Filhas da
Caridade se estabeleceu lá, de 1636 a 1642.
1
Carta 21. ─ Extraída de acordo com o Manuscrito 2453 da Biblioteca Mazarina: A Vida do venerável servo de
Deus, Padre Adriano Bourdoise... O texto, com o contexto, foi publicado nos Anais da CM, 1952, p. 231.
Esta carta é a resposta à carta precedente, datada de 29 de abril de 1639. Admite-se que proveio da Comunidade de
Saint-Nicolas e foi endereçada à Congregação da Missão; de fato, é ainda assinada por Guillaume Compaing e
responde a uma carta com a assinatura “Vicente de Paulo”.
1
Data fornecida pelo autor do Manuscrito 2453 (Courtin, um contemporâneo do Padre Bourdoise).
22
Comunidade sacerdotal fundada, em 1618, na paróquia Saint-Nicolas-du-Chardonnet, por Adriano Bourdoise e
alguns coirmãos.
33
Padre Bourdoise queria demitir-se de suas funções na Comunidade Saint-Nicolas, e desejava retirar-se a São
Lázaro por um tempo bastante longo. São Vicente o admitiu para um retiro espiritual e agiu de tal maneira a remetê-
lo a sua Comunidade.
448

Bourdoise4 por seu fervor e grande desejo de progredir na virtude, como de se tornar
mais apto ao estabelecimento do seminário e da Comunidade. Reconheceram também a
continuidade dos benefícios, favores e benevolências que os padres da Missão sempre
lhes propiciaram, razão por que lhes são muito gratos.
De sua parte, aceitam aquele ou aqueles que aprouver aos padres da Missão
enviar a Saint-Nicolas e a quem a Comunidade puder servir, seja de que modo for.
Ademais, oferecem-lhes tudo o que virem que a Comunidade poderá fazer em
consideração a eles. Quanto à supradita proposta, os padres da Comunidade rogaram
humildemente ao Padre Bourdoise, seu caro coirmão e honrado ecônomo, de se
contentar com alguma visita a São Lázaro, de um ou vários dias, sem que isso venha
parecer, nem redunde em alguma consequência em relação a M.N..., nem a outros, e de
lá, comunicar-se com o dito Seminário, na medida em que aprouver aos senhores
padres da Missão permitir-lhe.
Redação na Câmara de Deliberações da Comunidade, a etc...

Guillaume Compaing5,
Padre e Secretário.

377 BIS1. ─ A PIERRE DU CHESNE, EM JOIGNY

Senhor Padre,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Recebi, ontem à tarde, vossa carta de 24 deste mês. Fiquei alegre por receber
carta vossa, e aflito pela doença de nosso Padre Lucas, que me tinham escrito que estava
passando bem. Ó senhor Padre, como isto me tocou o coração. Recomendei-o muitas
vezes, com carinho, à nossa pequena Companhia, nestes últimos dias, e parece-me que
cada um, sem dúvida, cumpre bem o seu dever. Envio-lhe o Padre Chiroye 2 que é todo
coração com ele, e terá dele um cuidado todo especial. Quanto a vós, senhor Padre,
voltareis para Troyes, para os exercícios dos ordinandos. Suplico-vos, senhor Padre,
abraçar por mim o Padre Lucas. Eu o estreito em meus braços com tal ternura que só
Nosso Senhor o sabe e, no abraço a ele, volto-me para vós e faço o mesmo convosco.
Não vos posso dizer as boas referências que tenho dos dois. Ide, in nomine Domini (em
nome do Senhor), o qual há de operar em vós e por ambos, o que lhe apraz que façais,
pela sua glória e pela salvação das almas. Eia pois, é preciso continuar: charitas Christi
urget nos3.
44
Adriano Bourdoise (1584-1655), um dos reformadores do clero, na França, na primeira metade do século XVII,
fundador e organizador da Comunidade de Saint-Nicolas, falecido em 1656.
55
Um dos primeiros membros da Comunidade de Saint-Nicolas, falecido em 1656.
11
Carta 377 bis. ─ C. aut. ─ O original está na Casa Provincial das Filhas da Caridade de Lille. Fotocópia nos
Arquivos da Missão, Paris.
22
Jacques Chiroye, nascido em Auppegard (Seine-Maritime), a 14 de março de 1614. Entrou na Congregação da
Missão a 25 de junho de 1638 e fez os votos a 09 de março de 1660. Foi superior em Luçon (1640-1650; 1654-1660;
1662-1666) e em Crécy (1660-1662). Morreu a 07 janeiro de 1689.
33
A caridade de Cristo nos pressiona.
449

Temo que não tenham feito boa sangria no Padre Lucas. Suplico-vos, senhor
Padre, dá-lo a entender discretamente ao senhor médico: por falta disso, numa séria
doença que tive em Joigny, aconteceram-me alguns acidentes que ainda perduram. O
povo desse país não tem tanta necessidade de sangrias como o de Paris, ou se
acostumaram a hábitos diferentes. Julgo também que esse médico de Troyes tem razão
quando diz: qui bene purgat bene sanat4. Espero que essas pessoas, às quais vos peço
dizer estas coisas de minha parte, com todo respeito e reverência possível, darão a elas a
devida atenção.
Amanhã, terça-feira, fará oito dias que escrevi ao Padre Lucas. Não sei se
recebeu minha carta. Constrangem-me a terminar a presente. Mas nada no mundo me
fará diminuir a terna afeição que tenho pelo Padre Lucas e por vós. Sou dos dois, e o
serei toda minha vida, no amor de Nosso Senhor, senhor Padre, o humilde e obediente
servo,

Vicente de Paulo.

São Lázaro, 30 de maio de 1639.

Demos ao Padre Chiroye apenas o dinheiro da viagem, por causa dos muitos
roubos (que andam acontecendo). O senhor Delon5 mandará entregar-vos o que
precisais e nós o reembolsaremos à vista.

385 BIS.1 ─ SANTA JOANA DE CHANTAL A SÃO VICENTE

[Annecy, fim de julho de 1639]

Meu honoratíssimo e caro Padre,

Temos conhecimento, pelas cartas e relatórios que o senhor Comendador 2,


verdadeiro Pai para nós, nos enviou, dos pareceres dele e dos senhores Bispos de Sens
e Bourges, dos vossos, meu caro Padre, e do Reverendo Padre Binet 3, com respeito a
um Visitador extraordinário. Não tenho dúvidas de que, se nosso Bem-aventurado Pai 4
estivesse vivo, os recebesse com respeito e aquiescência.
Eu os propus ao senhor Bispo de Genebra e ao nosso Pai espiritual, 5 duas
pessoas de grande piedade e prudência que os acatam igualmente com reverência e
veem que isto seria útil para manter a conformidade e cada pessoa no seu dever,
44
Quem bem se purga, bem se cura.
55
Advogado em Joigny.
11
Carta 385 bis. ─ C. aut. ─ Visitação de Annecy, original. Publicada em Sainte Jeanne de Chantal,
correspondance, Paris, Cerf, t. V, 1993, p. 723-725.
22
O Comendador de Sillery.
33
Binet (Etinne), jesuíta (1569-1639). Condiscípulo de Francisco de Sales no Colégio de Clermont, a quem devia sua
vocação religiosa, conselheiro muito apreciado da Madre Chantal, orador e escritor notável.
44
Francisco de Sales.
55
Nicolas Baytaz.
450

sobretudo em muitos mosteiros descurados pela ausência dos prelados, que poderiam
acabar decaindo. Mas, meu caríssimo Padre, vemos com clareza que, se fosse preciso
que a solicitação desse Visitador se fizesse em nome de nosso Instituto, teríamos
grandes dificuldades da parte de nossos senhores prelados e da maior parte de nossos
mosteiros, pelas razões que expus longamente ao senhor Comendador. Creio que ele
vo-las comunicará, juntamente com o relatório, razão pela qual não as repetirei aqui.
Entretanto, eu vos suplico com insistência, meu caríssimo Padre, que oreis e
mediteis diante de Deus, a fim de conhecer-lhe a divina vontade na condução e
execução deste projeto, de tal sorte que seja para sua glória e para o bem de nosso
Instituto. Que tudo se faça com toda suavidade possível, mantendo o respeito devido a
nossos senhores prelados. O senhor Bispo de Sens tem o espírito de Deus. Foi a ele que
Nosso Senhor inspirou esse pensamento, como dizeis, a nosso boníssimo e caro Pai, o
senhor Comendador, que mo comunicou. Creio que será necessário ainda outra
reunião, para tudo bem ponderar. O assunto é muito importante e requer todo segredo,
até ser resolvido. Meu caríssimo Padre, tomai a peito esta questão. O que vos digo não
significa sombra alguma de desconfiança de vossa afeição. O motivo é unicamente o
temor de que vossas contínuas e importantes ocupações não vos deem oportunidade de
empregar o tempo requerido para essa questão. Fazei, porém, meu caríssimo Padre,
um esforço para isto, eu vos conjuro, pois Deus me concede, muito particularmente, um
sentimento de respaldo e apoio em vosso juízo. Ponderai tudo muito bem, suplico-vos
de novo.

22. ─ A N***
[29 de agosto de 1639].

... Um grão de caridade basta para serenar muitas inquietações e suavizar muitas
desavenças...

23. ─ AO IRMÃO JEAN DUHAMEL, DIÁCONO1

15 de dezembro de 1639

Meu caríssimo irmão,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Carta 22. ─ Tirada de Collet: La Vie de Saint Vincent de Paul, Nancy, 1748, t. II, p. 161. Data fornecida por Collet.
1
Carta 23. ─ Carta autógrafa.
Original na Biblioteca de Châlons-sur-Marne, no Manuscrito 742 (fonds Garinet 405). Publicado no tomo XXXII
(1935) das Mémoires de la Societé des Sciences et des Arts de Vitry-le-François – Memórias da Sociedade de
Ciências e das Artes de Vitry-le-François. Foi reproduzido nas Anais da CM, 1936, p. 696-697. A edição Coste traz
esse texto (carta nº 413. t. I, p. 608-609) de acordo com o Registro 2 dos Arquivos da Missão, texto incompleto e
incorreto. Sobre a origem e o valor dessa fonte, ver o que dele diz Coste no Prefácio de sua edição: I, p.XXI-XXIV.
1
Jean Duhamel era membro da Congregação da Missão. Ordenado padre pouco depois desta carta, será colocado em
Annecy e deixará a Congregação já em 1640.
451

Não podendo ter a alegria de ir estar convosco, como vos tinha comunicado,
suplico-vos por estas linhas não ceder à tentação que quer desviar-vos de receber a santa
ordem do sacerdócio. Foi para chegar a ele que fizestes quase tudo em vossa vida, desde
que estais neste mundo. Preparai-vos, portanto, para recebê-lo, com a devida disposição,
na próxima ordenação. Se adiardes ainda mais, privareis a Deus da glória que disso lhe
adviria, os bem-aventurados, da consolação que teriam, as almas do Purgatório, do
alívio que receberiam, e toda a Igreja militante, das graças que lhe obteríeis pelo
adorável sacrifício da missa e, o que seria pior, alegraríeis o demônio por ter tido o
poder de vos afastar de todos esses bens. Quanto a pensar que estaríeis mais apto em
outra oportunidade, ó Jesus, é preciso não esperar por isto. Quanto a não recebê-lo
jamais, Deus vos livre de ter de responder por isto diante de Deus. Seria enterrar o
talento que Nosso Senhor vos colocou nas mãos, e, neste caso, as Santas Escrituras vos
ameaçam de castigo horrível. Dizeis que não sois capaz e não sereis jamais: de acordo,
meu irmão, se considerarmos a infinita santidade do sacramento, mas, sem perder de
vista nossa miséria, podeis ter a esperança, meu irmão, que Nosso Senhor será vossa
capacidade, como será ele próprio o autor do sacrifício, por vosso intermédio. Sobre o
resto de vossas penas, falaremos depois, mais tarde. Sou, entretanto, no amor de Nosso
Senhor, vosso muito humilde e obediente servo,

Vicente de Paulo.

24. ─ A LUÍSA DE MARILLAC

Paris, 17 de dezembro de 1639

Senhora,

A graça de Nosso Senhor esteja sempre convosco!


Recebi, ontem à tarde, vossa carta do dia de São Nicolau. Ela me trouxe uma
consolação muito sensível, depois da preocupação em que me achava, a respeito do
lugar em que poderíeis estar e do estado de vossa saúde. Bendito seja Deus por estardes
aí em Angers1, e hospedada na casa do Padre de Vaux2. Não vos responderei nesta carta
a tudo que me colocais, porque não pude ainda estar com vossas filhas de La Chapelle, e
porque o mensageiro vai partir dentro em pouco.
Eu vos escrevi esta semana para responder à vossa carta de Saumur, e enderecei
minha carta ao senhor Padre de Vaux, ao qual me dei a honra de escrever.

1
Carta 24. ─ Carta autógrafa.
Original com as Filhas da Caridade da Paróquia Saint-Projet, em Bordéus. A edição Coste traz essa carta (nº 414, t. I,
p. 609-611) conforme a edição Pémartin de 1880 (nº 261, t. I, p. 272-274) e o Manuscrito São Paulo, que reproduz
vários textos. O texto original foi publicado nos Anais da CM, 1928, p. 254-256; nós o reapresentamos aqui por causa
dos erros contidos nas edições anteriores.
1
Santa Luísa de Marillac estava em Angers para instalar as Filhas da Caridade no Hospital.
22
Guy Lasnier, Abade de Vaux, Vigário Geral de Angers (1602-1681). Mantinha contatos com São Vicente desde
1635. Favoreceu o estabelecimento das filhas da Caridade no hospital de Angers.
452

Hoje é sábado das Quatro-Têmporas3, o que me obriga a ir celebrar a missa em


Notre-Dame, para a Caridade. Depois do almoço, se Deus quiser, irei a La Chapelle.
Falarei com Madame Turgis4 e começarei a dar as ordens relativas às filhas que pedis.
Julgo, porém, que é preciso não pensar em Maria de Saint-Germain 5, nem na de Saint-
Paul6. Tratarei de enviar-vos as outras quanto antes e refletirei um pouco sobre Madame
Turgis. Há muito a dizer, pró ou contra. Meu Deus! Ó meu Deus! que faremos para
Nancy! Temos de enviar algumas para lá o mais cedo possível. Ontem, dei essa
esperança à Madame Duquesa de Aiguillon7. Quanto a Henriette8, não sei ainda nada de
nada.
Quanto aos artigos9, penso que respondestes bem e que não é preciso fazer ainda
outros; esperemos durante algum tempo e, nesse ínterim, poderemos fazer a experiência
do beneplácito de Deus. Fareis bem expressando-vos assim a respeito deles, segundo
penso, e até mesmo mostrando seu pequeno regulamento de vida ao Padre de Vaux, e a
algum outro a quem ele julgar conveniente. Tratai, sobretudo, de fazer com que as filhas
se firmem na observância deles, e que sigam as orientações contidas no referido
regulamento. Procurai convencê-las, tanto a elas quanto aos senhores administradores,
da importância da disponibilidade para as mudanças. Madame Duquesa de Aiguillon me
falava disso, ainda nesses dias anteriores.
Estive, ontem, sábado1010, em La Chapelle, onde me encontrei com todas as
vossas filhas. Estão indo muito bem, graças a Deus. Madame Turgis está muito contente
com elas.
Henriette ainda está na casa dela. Seu irmão veio dizer que, antes de ir para
Saint-Germain1111, ela passará por La Chapelle. Não é bom que ela vá para lá. É preciso
enviar uma outra para Saint-Germain e retê-la aqui, para ajudá-la a tomar consciência de
sua falta.
Estou achando difícil enviar-vos Madame Turgis. Julgo que seria bom enviar-
vos Genoveva12,12, que estava convosco quando estivestes por aqui, ou então Maria,
que estava no Crianças Expostas. Se vos enviarmos esta última, teremos a outra para
Saint-Germain, ou o contrário. Tratarei de fazê-las partir dentro de três dias.
Vosso filho está bem; não conversei ainda com ele, por causa do embaraço em
que me encontro. Vou mandar chamar vossas filhas, hoje, após o almoço, para fazê-las
33
Na Liturgia de outrora, as Têmporas eram dias de preces especiais e jejuns, numa semana de cada estação do ano,
segundo o rito católico.
44
Elisabeth Le Goutteux, viúva Turgis, Filha da Caridade; exerceu diversos cargos na Comunidade. Foi ela, de modo
particular, que, naquele tempo, substituía Santa Luísa de Marillac quando esta precisava ausentar-se da Casa-Mãe de
La Chapelle.
55
Saint-Germain-en-Laye (Seine-et-Oise). As Filhas da Caridade estavam estabelecidas ali desde 1638.
66
Paróquia de Paris na qual as Filhas da Caridade tiveram um estabelecimento a partir de 1634.
77
Maria de Wignerod, Duquesa de Aiguillon (1604-1675), sobrinha do Cardeal Richelieu, Dama da Caridade,
protetora de São Vicente e benfeitora de suas obras.
88
Henriette Gesseaume, Filha da Caridade.
99
Trata-se, certamente, pelo contexto, de artigos que diziam respeito à vida das Irmãs e ao relacionamento das Filhas
com a direção do hospital.
1010
Iniciada no sábado, 17 de dezembro, a carta foi retomada no domingo, 18. Entrementes, São Vicente fora a La
Chapelle.
1111
Saint-Germain-en-Laye.
12,12
Genoveva Caillou, Filha da Caridade. Foi do número das primeiras Irmãs enviadas para Angers. Lá ficou até
1644.
453

partir depois de amanhã, se Deus quiser. Sou, no seu amor, contanto que cuideis de
vossa saúde, Senhora, vosso humilde servo,

Vicente de Paulo.

Destinatário: À senhora Le Gras, na residência do Padre de Vaux, em Angers.

25. ─ CARTA DE G. PLUYETTE A SÃO VICENTE

Senhor Padre,

Rogo-vos que continueis a entregar a Etienne Pluyette a importância devida,


neste primeiro dia do ano, em favor da bolsa dos Pluyette. Ele ficou muito contente ao
receber, há seis meses, o que era devido naquela data. Está nos dando alegria por isso,
e vós, por não deixar de entregar-lho.
Permanecerei, senhor Padre, vosso muito humilde servo,

G. Pluyette.
Fontenay, 26 de dezembro de 1639.


Carta 25. ─ Carta autógrafa. Original nos Arquivos Nacionais (Paris), M 105 (Colégio dos Bons-Enfants).
454

ÍNDICE DAS MATÉRIAS

Carta do Padre Francisco Verdier ao Autor..............................


Introdução.................................................................................
Abreviações e observações.......................................................

1. Ao Senhor de Comet, 24 de julho de 1607........................


2. Ao Senhor de Comet, 28 de fevereiro de 1608...................
3. A sua mãe, 17 de fevereiro de 1610....................................
4. A Edme Mauljean, 20 de junho de 1616..............................
5. Edme Mauljean a São Vicente, 20 de junho de 1616............
6. A Filipe Emanuel de Gondi, (agosto ou setembro de 1617)...
7. Madame de Gondi a São Vicente (setembro de 1617)..........
8. A Madame de Gondi (setembro ou outubro de 1617).............
9. Filipe Emanuel de Gondi a São Vicente, 15 de outubro de 1617....
10. A Chalers Du Fresne (outubro de 1617).................................
11. A Nicolas de Bailleul, 25 de julho de 1625.............................
12. A Luísa de Marillac, 30 de outubro de 1626...............................
13. A Isabelle Du Fay (outubro ou novembro de 1626)...................
14. Luísa de Marillac a São Vicente, 05 de junho de 1627...............
15. A Luísa de Marillac (outubro de 1627).......................................
16. A Luísa de Marillac, 08 de outubro de 1627...............................
17. A Isabelle Du Fay (entre 1626 e 1635)........................................
18. A Luísa de Marillac (entre 1626 e 1635).....................................
19. Santa Chantal a São Vicente, novembro de 1627........................
20. Um Abade a São Vicente, dezembro de 1627................................
21. Luísa de Marillac a São Vicente, 13 de janeiro de 1628................
22. A Luísa de Marillac, 17 de janeiro de 1628...................................
23. A Luísa de Marillac, 09 de fevereiro de 1628..............................
24. A Luísa de Marillac (fevereiro de 1628).......................................
25. Brulart de Sillery a São Vicente (entre 1625 e 1630).....................
26. Ao Papa Urbano VIII (junho de 1628)..........................................
27. A Luísa de Marillac......................................................................
455

28. Ao Papa Urbano VIII, 1º de agosto de 1628.................................


29. A Luísa de Marillac (entre 1626 e maio de 1629).........................
30. A Francisco Du Coudray, 15 de setembro de 1628.......................
31. A Luísa de Marillac (cerca de 1629)...............................................
32. A Luísa de Marillac...........................................................................
33. A Luísa de Marillac (cerca de 1629)..................................................
34. A Luísa de Marillac (cerca de 1629).....................................................
35. A Luísa de Marillac (cerca de 1629)......................................................
36. A Luísa de Marillac (cerca de 1629).........................................................
37. A Luísa de Marillac (cerca de 1629)........................................................
38. A Luísa de Marillac (abril ou maio de 1629)..........................................
39. A Luísa de Marillac, 06 de maio de 1629..............................................
40. A Luísa de Marillac, 19 de fevereiro de 1630........................................
41. A Luísa de Marillac (fevereiro de 1630)................................................
42. A Luísa de Marillac (1630).....................................................................
43. A Luísa de Marillac (cerca de 1630).......................................................
44. A Luísa de Marillac (1630)......................................................................
45. A Luísa de Marillac (1630).......................................................................
46. A Luísa de Marillac (abril de 1630)..........................................................
47. A Luísa de Marillac, 04 de maio (1630).................................................
48. A Luísa de Marillac (maio de 1630).........................................................
49. A Luísa de Marillac (cerca de 1630)......................................................
50. A Luísa de Marillac (cerca de 1630)...........................................................
51. A Antonio Portail, 27 de junho de 1630....................................................
52. A uma Dama, 1º de julho de 1630...........................................................
53. A Luísa de Marillac (cerca de 1630)........................................................
54. Ao Senhor de Saint-Martin, 1º de setembro de 1630.................................
55. A Luísa de Marillac (setembro de 1630)....................................................
56. A Luísa de Marillac, 22 de outubro de 1630............................................
57. A Luísa de Marillac, 29 de outubro de 1630...............................................
58. A Luísa de Marillac, 07 de dezembro de 1630...........................................
59. A Luísa de Marillac (1630 ou 1631)..........................................................
60. A Luísa de Marillac (antes de 1634)............................................................
61. A Luísa de Marillac (março de 1631)...........................................................
62. A Luísa de Marillac, 31 de março de 1631.....................................................
63. A Luísa de Marillac, 02 de abril de 1631.......................................................
64. A Luísa de Marillac (abril de 1631).................................................................
65. A Luísa de Marillac, 11 de abril de 1631........................................................
66. A Luísa de Marillac (abril de 1631).................................................................
67. A Luísa de Marillac (abril de 1631).............................................................
68. A Isabelle Du Fay (entre 1626 e 1632)..........................................................
69. A Luísa de Marillac (maio de 1631).............................................................
70. A Antonio Portail, 21 de junho de 1631......................................................
71. A Luísa de Marillac (antes de 1632)............................................................
456

72. A Francisco Du Coudray, 20 de julho de 1631............................................


73. A Francisco Du Coudray, 1631....................................................................
74. A Luísa de Marillac (1631).......................................................................
75. A L. de Marillac (entre 29 de agosto e 02 de setembro de 1631)..........
76. Ao Pároco de Bergères, 02 de setembro de 1631....................................
77. A Luísa de Marillac, 02 de setembro de 1631...........................................
78. A Francisco Du Coudray, 04 de setembro de 1631...................................
79. Santa Chantal a São Vicente (setembro de 1631)........................................
80. A Francisco Du Coudray, 12 de setembro de 1631.........................................
81. A Luísa de Marillac, 13 de setembro de 1631................................................
82. A Isabelle Du Fay (1631)................................................................................
83. A Luísa de Marillac, 15 de setembro de 1631.............................................
84. A Luísa de Marillac (22 ou 23 de setembro de 1631).................................
85. A Luísa de Marillac, 12 de outubro de 1631................................................
86. A Luísa de Marillac, 17 de outubro de 1631................................................
87. Ao Padre Colletot.........................................................................................
88. A Luísa de Marillac, 31 de outubro de 1631................................................
89. A Luísa de Marillac (1631)...........................................................................
90. A Jean de La Salle, 11 de novembro de 1631...............................................
91. A Guilherme Lestocq (1631).........................................................................
92. A Luísa de Marillac (1631)...........................................................................
93. A Luísa de Marillac (antes de 1634).............................................................
94. A Francisco Du Coudray, 23 de dezembro de 1631......................................
95. A Luísa de Marillac.......................................................................................
96. A Luísa de Marillac......................................................................................
97. A Luísa de Marillac (antes de 1632).............................................................
98. A Luísa de Marillac (antes de 1632).............................................................
99. A Isabelle Du Fay (entre 1626 e 1635).........................................................
100. A Francisco Du Coudray, 02 de março de 1632...........................................
101. A Luísa de Marillac.......................................................................................
102. A N* (1632)...................................................................................................
103. A Luísa de Marillac.......................................................................................
104. A Luísa de Marillac (antes de 1634).............................................................
105. A Luísa de Marillac (maio de 1632).............................................................
106. A Luísa de Marillac (entre 1632 e 1636)......................................................
107. A Luísa de Marillac (maio de 1632).............................................................
108. A Luísa de Marillac (maio ou junho de 1632)..............................................
109. A Luísa de Marillac (junho de 1632)............................................................
110. A Luísa de Marillac, 07 de julho de 1632.....................................................
111. A Luísa de Marillac, 10 de julho de 1632.....................................................
112. A Francisco Du Coudray, 12 de julho de 1632.............................................
113. A Luísa de Marillac (antes de 1632).............................................................
114. A Isabelle Du Fay (entre 1626 e 1635).........................................................
115. A Luísa de Marillac (1632)...........................................................................
457

116. A Luísa de Marillac (entre 1632 e 1639)......................................................


117. A Luísa de Marillac.......................................................................................
118. A Isabelle Du Fay (entre 1626 e 1635).........................................................
119. A Luísa de Marillac (antes de 1634).............................................................
120. A Luísa de Marillac.......................................................................................
121. A Luísa de Marillac (entre 1632 e 1636).......................................................
122. A Luísa de Marillac (antes de 1632).............................................................
123. A Luísa de Marillac.......................................................................................
124. A Francisco Du Coudray, 19 de setembro de 1632.......................................
125. A Antônio Portail, 28 de novembro de 1632.................................................
126. A Luísa de Marillac (antes de 1632)..............................................................
127. A N*** (antes 1633)......................................................................................
128. A Luísa de Marillac.......................................................................................
129. A um Padre da Missão (15 de janeiro de 1633)............................................
130. Santa Chantal a São Vicente, 11 de fevereiro (1633)...................................
131. A L. de Marillac (entre janeiro de 1632 e fevereiro de 1633)......................
132. A Luísa de Marillac, 24 de fevereiro (1633).................................................
133. A Michel Alix, 1º de março de 1632.............................................................
134. A Isabelle Du Fay (entre 1626 e 1635)..........................................................
135. Madame Goussault a São Vicente, 16 de abril de 1633................................
136. A Luísa de Marillac (abril de 1633)...............................................................
137. A Luísa de Marillac, 1º de maio (1633).........................................................
138. A Luisa de Marillac (maio de 1633)..............................................................
139. A Michel Alix, 11 de junho de 1633..............................................................
140. A Luísa de Marillac(1633 e 1636)..................................................................
141. A um eclesiástico (09 de julho de 1633)........................................................
142. A Francisco Du Coudray (julho de 1633).......................................................
143. A Isabelle Du Fay (entre 1626 e 1635)...........................................................
144. A Luísa de Marillac (entre 1632 e 1639)........................................................
145. A um Padre da Missão, 1633...........................................................................
146. A Alain de Solminihac, 23 de agosto de 1633................................................
147. A Luísa de Marillac (cerca de 02 de setembro de 1633).................................
148. A Luísa de Marillac..........................................................................................
149. A Lúiza de Marillac (entre 1632 de 1636).......................................................
150. A Michel Alix, 16 de setembro de 1633..........................................................
151. A Luísa de Marillac (agosto ou setembro, cerca de 1633)...............................
152. A Luísa de Marillac (setembro ou outubro de 1633).......................................
153. A Luísa de Marillac (cerca de 1633)...............................................................
154. Ao Lugar-tenente de Gannes, 19 de dezembro de 1633.................................
155. A Luísa de Marillac (entre 1632 e 1636)........................................................
156. A Francisco Du Coudray, 17 de janeiro de 1634............................................
157. A Isabelle Du Fay (enter 1626 e 1635)............................................................
158. A Jacques Perdu, fevereiro de 1634.................................................................
159. A Luísa de Marillac (entre janeiro e março de 1634)......................................
458

160. A Luísa de Marillac (entre janeiro e março de 1634)......................................


161. A Luísa de Marillac (1634, cerca de março)....................................................
162. A Luísa de Marillac (entre janeiro e março de 1634).......................................
163. A Luísa de Marillac (março ou abril de 1634)..................................................
164. A Luísa de Marillac (antes de 1634)..................................................................
165. A Luísa de Marillac (entre 1634 e 1636)...........................................................
166. A Luísa de Marillac (1633 ou 1634)...................................................................
167. A Luísa de Marillac (cerca de 1634)...................................................................
168. A Luísa de Marillac (1634)..................................................................................
169. A Luísa de Marillac (1634)...................................................................................
170. A Luísa de Marillac (1634)...................................................................................
171. A Luísa de Marillac (1634)...................................................................................
172. A Luísa de Marillac (1634)...................................................................................
173. A Luísa de Marillac (1634)....................................................................................
174. A Luísa de Marillac (1634).....................................................................................
175. A Luísa de Marillac (entre 1632 e 1636)................................................................
176. A Luísa de Marillac (entre 1634 e 1636)................................................................
177. A Francisco Du Coudray, 25 de julho de 1634......................................................
178. Ao Papa Urbano VIII (entre julho e novembro de 1634)........................................
179. Luísa de Marillac a São Vicente, 04 de setembro (1634)........................................
180. A Luísa de Marillac (cerca de 1634)........................................................................
181. A Isabelle Du Fay (entre 1626 e 1635)....................................................................
182. A Luísa de Marillac (entre 1634 e 1638).................................................................
183. A Madame Goussault (entre 1634 e 1635)..............................................................
184. A Luísa de Marillac (depois de 1631).....................................................................
185. A Luísa de Marillac (1634 ou 1635).......................................................................
186. A Luísa de Marillac (cerca de 1634).......................................................................
187. A Luísa de Marillac, 29 de outubro de 1634.............................................................
188. A Francisco Du Coudray, 06 de novembro de 1634................................................
189. A Jean de Fonteneil, 07 de dezembro de 1634.........................................................
190. A senhor Padre Belin, 16 de dezembro de 1634.......................................................
191. A Luíza de Marillac (antes de 1640)..........................................................................
192. Jean de La Salle e Jean Brunet a São Vicente, 1634.................................................
193. A Luísa de Marillac (entre 1634 e 1639)...................................................................
194. A Charles-Chrétien de Gournay, 19 de janeiro de 1635............................................
195. A N*** (cerca de 1635)..............................................................................................
196. A Guy Francisco de Montholon (1635, depois de 28 de março)................................
197. A Antônio Portail, 1º de maio de 1635.......................................................................
198. A Antônio Lucas, 28 de junho de 1635.......................................................................
199. A Luísa de Marillac (junho ou julho de 1635)............................................................
200. A Luísa de Marillac (junho ou julho de 1635).............................................................
201. A Luísa de Marillac (13 de julho de 1635)..................................................................
202. A Antônio Portail, 10 de agosto de 1635.....................................................................
203. A Luísa de Marillac (1635)..........................................................................................
459

204. A Jean de Fonteneil, 20 de agosto de 1635..................................................................


205. A Luísa de Marillac......................................................................................................
206. A Luísa de Marillac (entre 1632 e 1650).....................................................................
207. A Clemente de Bonzi (setembro ou outubro de 1635)................................................
208. A Luísa de Marillac (antes de 1640)............................................................................
209. A Antonio Portail, 16 de outubro de 1635....................................................................
210. A Luísa de Marillac (entre 1634 e 1636)......................................................................
211. Santa Chantal a São Vicente.........................................................................................
212. A Luísa de Marillac.......................................................................................................
213. A Luísa de Marillac.......................................................................................................
214. A Luísa de Marillac (16 de março de 1636)..................................................................
215. A Luísa de Marillac (1636).........................................................................................
216. A Luísa de Marillac (1636).........................................................................................
217. A Luísa de Marillac (1636).........................................................................................
218. A Luísa de Marillac (pouco antes de maio de 1636)..................................................
219. A Luísa de Marillac (1636).........................................................................................
220. A um padre da Missão (1636).....................................................................................
221. A Luísa de Marillac (1636).........................................................................................
222. A Luísa de Marillac (entre 1635 e 1638)....................................................................
223. A Luísa de Marillac (maio de 1636)...........................................................................
224. A Luísa de Marillac, 27 de maio de 1636...................................................................
225. A Lambert aux Couteaux, 13 de junho de 1636..........................................................
226. Jean-Jacques Olier a São Vicente, 24 de junho de 1636.............................................
227. A Luísa de Marillac (1636)..........................................................................................
228. A Luísa de Marillac (1636)..........................................................................................
229. A Luísa de Marillac (entre 1634 e 1639).....................................................................
230. A Luísa de Marillac (entre 1634 e 1639).....................................................................
231. A Luísa de Marillac (agosto de 1636)..........................................................................
232. A Antônio Portail, 15 de agosto de 1636.....................................................................
233. Ao Senhor de Saint-Martin, 16 de agosto de 1636.......................................................
234. A Luísa de Marillac (agosto de 1636)...........................................................................
235. A Roberto de Sergis, 1ª de setembro de 1636...............................................................
236. A um padre da Missão (entre setembro e novembro de 1636).....................................
237. Luísa Marillac a São Vicente (antes de 1645)..............................................................
238. A Luísa de Marillac (antes de 1645).............................................................................
239. A Antônio Portail, 20 de setembro de 1636..................................................................
240. A Madame Goussault, 20 de setembro de 1636............................................................
241. A Luísa de Marillac (1636)............................................................................................
242. A Luísa de Marillac (setembro de 1636).......................................................................
243. A Roberto de Sergis, setembro de 1636........................................................................
244. A Roberto de Sergis, 20 de setembro de 1636...............................................................
245. A Roberto de Sergis, 19 de outubro de 1636.................................................................
246. A Luísa de Marillac........................................................................................................
247. A Luísa de Marillac, 21 de outubro de 1636..................................................................
460

248. A Luísa de Marillac, 02 de novembro de 1636..............................................................


249. A Roberto de Sergis, novembro de 1636........................................................................
250. A Luísa de Marillac........................................................................................................
251. A Luísa de Marillac (1636).............................................................................................
252. A Luísa de Marillac (1636).............................................................................................
253. A Luísa de Marillac (1636).............................................................................................
254. A Luísa de Marillac 1636...............................................................................................
255. A Luísa de Marillac (1636).............................................................................................
256. Luísa de Marillac a São Vicente (dezembro de 1636)....................................................
257. Santa Chantal a São Vicente (dezembro de 1636)..........................................................
258. A Luísa de Marillac, 30 de dezembro de 1636...............................................................
259. A Jean de Fonteneil, 08 de janeiro de 1637....................................................................
260. A Luísa de Marillac (cerca de 1637)...............................................................................
261. À Irmã Maria Eufrosina Turpin, 23 de fevereiro de 1637..............................................
262. A Luísa de Marillac, 24 de fevereiro (1637)...................................................................
263. A Luísa de Marillac (entre 1636 e 1639)........................................................................
264. A Luísa de Marillac (entre 1636 e 1639)........................................................................
265. A Luísa de Marillac (entre 1636 e 1639)........................................................................
266. A Luísa de Marillac (entre 1636 e 1642)........................................................................
267. A Luísa de Marillac, 24 de maio de 1637.......................................................................
268. A Luísa de Marillac (cerca de 24 de maio de 1637).......................................................
269. A Antônio Colée, 1637...................................................................................................
270. A Madame Goussault, 25 de agosto (1637)....................................................................
271. Lascaris a São Vicente, 07 de setembro de 1637............................................................
272. A Charles de Montchal (setembro de 1637 ou 1638).....................................................
273. A Luísa de Marillac (cerca de novembro de 1637).........................................................
274. A Luísa de Marillac (cerca de novembro de 1637).........................................................
275. A Luísa de Marillac, 1º de novembro (1637)..................................................................
276. A Luísa de Marillac (cerca de novembro de 1637).........................................................
277. A Luísa de Marillac (cerca de novembro de 1637).........................................................
278. A Luísa de Marillac (cerca de novembro de 1637).........................................................
279. A Luísa de Marillac (cerca de novembro de 1637).........................................................
280. A Luísa de Marillac (cerca de novembro de 1637).........................................................
281. O Abade de Saint-Cyran a São Vicente, 20 de novembro de 1637................................
282. Ao Padre Belin, 21 de novembro de 1637......................................................................
283. A Luísa de Marillac (cerca de novembro de 1637).........................................................
284. À Madre da Trindade, 28 de novembro de 1637............................................................
285. A Luísa de Marillac (final de 1637)................................................................................
286. A Luísa de Marillac (dezembro de 1637).......................................................................
287. A Bernardo Codoing, 27 de dezembro de 1637..............................................................
288. A Luísa de Marillac, 1º de janeiro (1638).......................................................................
289. A Luísa de Marillac (janeiro de 1638)............................................................................
290. A Luísa de Marillac (janeiro de 1638)............................................................................
291. Luísa de Marillac a São Vicentem (17 de janeiro de 1638)...........................................
461

292. À Madre da Trindade, 22 de janeiro de 1638.................................................................


293. A Lambert aux Couteaux, 30 de janeiro de 1638...........................................................
294. A Antônio Lucas, 30 de janeiro de 1638........................................................................
295. A Luísa de Marillac (fevereiro de 1638).........................................................................
296. A Luísa de Marillac (1638).............................................................................................
297. A Luísa de Marillac (1638).............................................................................................
298. Luísa de Marillac A São Vicente (1638)........................................................................
299. A Roberto de Sergis (cerca de 21 de fevereiro de 1638)................................................
300. Luísa de Marillac a São Vicente (fevereiro de 1638).....................................................
301. A Luísa de Marillac (fevereiro de 1638).........................................................................
302. A Luísa de Marillac (fevereiro de 1638).........................................................................
303. A Luísa de Marillac (fevereiro de 1638).........................................................................
304. A Luísa de Marillac (fevereiro de 1638).........................................................................
305. A Luísa de Marillac (18 de fevereiro de 1638)...............................................................
306. A Lambert aux Couteaux, 20 de fevereiro e 1638..........................................................
307. A Antônio Lucas, 21 de fevereiro de 1638.....................................................................
308. À Madre da Trindade, 25 de fevereiro de 1638..............................................................
309. A Luísa de Marillac (1638, cerca de fevereiro)..............................................................
310. A Luísa de Marillac (1638, cerca de fevereiro)..............................................................
311. A Lambert aux Couteaux, 03 de março de 1638............................................................
312. A Luísa de Marillac (março de 1638).............................................................................
313. A Luísa de Marillac (março de 1638).............................................................................
314. A Luísa de Marillac (março de 1638).............................................................................
315. A Luísa de Marillac (entre nvembro de 1637 e março de 1638)....................................
316. A Lambert au Couteaux, 15 de março de 1638..............................................................
317. A Jean Bécu (fevereiro ou março de 1638)....................................................................
318. A Leonardo Boucher, 17 de março de 1638...................................................................
319. A Luísa de Marillac (março de 1638).............................................................................
320. A Lambert aux Couteaux, 22 de março de 1638............................................................
321. Ao Duque de Atri (cerca de março de 1638)..................................................................
322. A Antônio Portail, 28 de abril de 1638...........................................................................
323. A Jean Bécu (20 o 21 de maio de 1638).........................................................................
324. A Luísa de Marillac (cerca de maio de 1638).................................................................
325. A Luísa de Marillac (24 de maio de 1638).....................................................................
326. A Jean Bécu, 02 de junho (1638)....................................................................................
327. A Luísa de Marillac (1638 ou 1639)...............................................................................
328. A Nicolau Marceille (10 de junho).................................................................................
329. A Jean Bécu, 10 de junho de 1638..................................................................................
330. A Jean Dehorgny (junho de 1638)..................................................................................
331. A Jean de la Salle, 14 de junho de 1638.........................................................................
332. A Denis de Cordes (1638)...............................................................................................
333. Luísa de Marillac a São Vicente, 02 de julho.................................................................
334. A Jean de Fonteneil, 20 de julho de 1638.......................................................................
335. A Luísa de Marillac (1638 ou 1639)...............................................................................
462

336. Luísa de Marillac a São Vicente (1638).........................................................................


337. A Luísa de Marillac (1638).............................................................................................
338. A Luísa de Marillac (1638 ou 1639)...............................................................................
339. A Robert de Sergis, 14 de agosto de 1638......................................................................
340. Luísa de Marillac a Sâo Vicente (cerca de 1638)...........................................................
341. A Noël Brulart de Sillery (entre 1634 e 1640)………………………………………....
342. A Jean Bécu, 29 de agosto de 1638................................................................................
343. A Bernardo Codoing, 29 de agosto de 1638...................................................................
344. A Luísa de Marillac, 30 de agosto de 1638....................................................................
345. A Luísa de Marillac (setembro de 1638)........................................................................
346. A Madame Goussault (entre 1636 e 1639).....................................................................
347. A Luísa de Marillac (setembro de 1638)........................................................................
348. A Luísa de Marillac (setembro de 1638)........................................................................
349. A Luísa de Marillac (1638).............................................................................................
350. A Luísa de Marillac (setembro de 1638)........................................................................
351. A Luísa de Marillac (1º de outubro de 1638)..................................................................
352. A Lambert aux Couteaux, 1º de outubro de 1638...........................................................
353. A Luísa de Marillac (02 de outubro de 1638).................................................................
354. A Luísa de Marillac (outubro de 1638)...........................................................................
355. Luísa de Marillac a São Vicente (1638, cerca de outubro).............................................
356. A Luísa de Marillac (antes de 1640)...............................................................................
357. A Luísa de Marillac........................................................................................................
358. A Lambert aux Couteaux, 1º de novembro de 1638.......................................................
359. A Luísa de Marillac (entre 1636 e 1639)........................................................................
360. A Luísa de Marillac (entre 1633 e 1639)........................................................................
361. A Luísa de Marillac........................................................................................................
362. A Madame Goussault (novembro de 1638)....................................................................
363. A Bernardo Codoing, 12 de dezembro de 1638..............................................................
364. A Antonio Lucas, 13 de dezembro de 1638....................................................................
365. A Roberto de Sergis, 17 de dezembro de 1638...............................................................
366. A Pierre Du Chesne (08 de janeiro de 639)....................................................................
367. A Pierre Du Chesne, 28 de janeiro de 1639....................................................................
368. A Roberto de Sergis, 03 de fevereiro de 1639................................................................
369. A Pierre Du Chesne (cerca de fevereiro de 1639)..........................................................
370. A Luísa de Marillac........................................................................................................
371. A Luísa de Marillac (1639).............................................................................................
372. A Luísa de Marillac (entre 1636 e 1639)........................................................................
373. A Luísa de Marillac (1639).............................................................................................
374. A Adriano Bourdoise, 29 de abril de 1639.....................................................................
375. A L. de Marillac (entre setembro de 1638 e setembro de 1639).....................................
376. A Luís Lebreton, 10 de maio de 1639.............................................................................
377. A Roberto de Sergis, 13 de maio de 1639......................................................................
378. A Luísa de Marillac (entre 1635 e 1639)........................................................................
379. A Luísa de Marillac (entre 1636 e 1639)........................................................................
463

380. A Luísa de Marillac (entre 1636 e 1639)........................................................................


381. A Luísa de Marillac........................................................................................................
382. A Luísa de Marillac, 04 de julho de 1639.......................................................................
383. A Santa Chantal, 14 de julho de 1639.............................................................................
384. A Leonardo Boucher, 20 de julho de 1639.....................................................................
385. A Luísa de Marillac, 28 de julho de 1639.......................................................................
386. A Luísa de Marillac (1639).............................................................................................
387. A Luísa de Marillac (1639).............................................................................................
388. A Luísa de Marillac (1639).............................................................................................
389. Santa Chantal a São Vicente (1639)...............................................................................
390. A Santa Chantal, 15 de agosto de 1639..........................................................................
391. A Luísa de Marillac (agosto ou setembro de 1639)........................................................
392. À Madre da Trindade, 28 de agosto de 1639..................................................................
393. A Luísa de Marillac (1639).............................................................................................
394. A Luísa de Marillac (entre 1636 e 1648)........................................................................
395. A Luísa de Marillac (entre 1636 e 1642)........................................................................
396. A Nicolau Sanguin, 13 de setembro de 1639..................................................................
397. A Luísa de Marillac........................................................................................................
398. A Luísa de Marillac........................................................................................................
399. A Luísa de Marillac........................................................................................................
400. A Luísa de Marillac........................................................................................................
401. À Madre da Trindade, 27 de setembro de 1639..............................................................
402. A Luísa de Marillac........................................................................................................
403. A Luísa de Marillac (09 ou 10 de outubro de 1639).......................................................
404. A Luís Lebreton, 12 de outubro de 1639........................................................................
405. A um padre da Missão (outubro de 1639)......................................................................
406. A Luísa de Marillac (13 de outubro de 1639).................................................................
407. A Benoît Bécu, 28 de outubro de 1639...........................................................................
408. A Luís Lebreton, 15 de novembro de 1639....................................................................
409. A Luísa de Marillac, 24 de novembro de 1639...............................................................
410. A Luísa de Marillac (30 de novembro de 1639).............................................................
411. A Luísa de Marillac, 12 de dezembro de 1639...............................................................
412. A Nicolau Durot, dezembro de 1639..............................................................................
413. A um diácono da Missão, 15 de dezembro de 1639.......................................................
414. A Luísa de Marillac, 17 de dezembro de 1639...............................................................
415. A Luísa de Marillac, 31 de dezembro de 1639...............................................................
416. A Guy Lasnier de Vaux, 31 de dezembro de 1639.........................................................

ÍNDICE DO ANEXO DO TOMO I

1. (24 Bis) Santa Joana de Chantal a São Vicente (fim de maio de 1628).......................
464

2. Carta de G. Pluyette a São Vicente (13 de março de 1630).........................................


3. Carta de G. Pluyette a São Vicente (04 de maio de 1630)...........................................
4. A Luísa de Marillac (02 de outubro de 1630)..............................................................
5. Carta de G. Pluyette a São Vicente (outubro de 1630)................................................
6. A Luísa de Marillac (11 de abril de 1631)...................................................................
7. A Luísa de Marillac (14 de abril de 1631)...................................................................
8. Carta de G. Pluyette a São Vicente (14 de abril de 1631)...........................................
9. A Luísa de Marillac (15 de setembro de 1631)............................................................
10. Carta Dedicatória de R. Dognon a São Vicente (cerca de 1632).................................
11. (94 Bis) Ao Papa Urbano VIII (janeiro de 1632).........................................................
12. (156 Ter) Ao Padre Faure (janeiro de 1634)................................................................
13. Para a Irmã Helena Angélica Lhuillier (cerca de 09 de abril de 1634).......................
14. (181 Bis) A Santa Luísa de Marillac (entre 1630 e 1638)............................................
15. Ao Senhor de Montholon (dezembro de 1634)............................................................
16. Carta do Padre Colombet a São Vicente (1637)..........................................................
17. (257 Bis) J. J. Olier a São Vicente e aos Membros da Conferência de Paris (1636)..
18. J. J. Olier a São Vicente (10 de fevereiro de 1637)......................................................
19. A Luísa de Marillac (1637)..........................................................................................
20. A Luísa de Marillac (cerca de 1638)............................................................................
21. A Francisco Dufestel (08 de maio de 1638).................................................................
22. Carta de G. Pluyette a São Vicente (25 de dezembro de 1638)...................................
23. A Luísa de Marillac (aproximadamente em dezembro de 1638).................................
24. A Santa Luísa de Marillac (1638)................................................................................
25. Para a Comunidade de Saint Nicolas-du-Chardonnet (29 de abril de 1639)...............
26. Guillaume Compaing a São Vicente (05 de maio de 1639).........................................
27. (377 Bis) A Pierre du Chesne (30 de maio de 1639)....................................................
28. (385 Bis) Santa Joana de Chantal a São Vicente (fim de julho de 1639)....................
29. A N*** (29 de agosto de 1639)......................................................................................
30. Ao Irmão Jean Duhamel, Diácono (15 de dezembro de 1639)....................................
31. A Luísa de Marillac (17 de dezembro de 1639)...........................................................
32. Carta De G. Pluyette a São Vicente (26 de dezembro de 1639)...................................
465

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