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ANAIS DO 5º ENCONTRO
DA REDE SUL LETRAS
LETRAS NO SÉCULO XXI
Presidente:
Ambrósio Luiz Bonalume
Vice-Presidente:
Nelson Fábio Sbabo
Reitor:
Evaldo Antonio Kuiava
Pró-Reitor Acadêmico:
Marcelo Rossato
Diretor Administrativo:
Cesar Augusto Bernardi
Chefe de Gabinete:
Gelson Leonardo Rech
2
3
SUMÁRIO
4
A IMPORTÂNCIA DE IL DITO NELL’OCCHIO PARA A OBRA DE DARIO FO ... 117
Bárbara Cristina Mafra dos Santos (UFSC/CAPES)
Dra. Silvana de Gaspari (UFSC)
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A-BOOK SOBRE TÓPICOS DE PSICOLINGUÍSTICA: A IMPORTÂNCIA DO USO
DE NOVOS SUPORTES TEXTUAIS ............................................................................ 236
Dra. Vera Wannmacher Pereira (PUCRS)
Caroline Bernardes Borges (PUCRS/CAPES)
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A (RE)FORMA DO ENSINO MÉDIO EM DISCURSO: A POLÍTICA, O ESTADO E A
PUBLICIDADE ............................................................................................................... 352
Dra. Fabiola Ponzoni Balzan (IDEAU)
Dra. Janaina Boniatti Bolson (IDEAU)
7
HÁ UMA REPRESENTAÇÃO DA NORMA REAL NOS DICIONÁRIOS BILÍNGUES
ESPANHOL-PORTUGUÊS?
91
Por fato ontológico da linguagem se entende aquelas dimensões que correspondem ao “ser da linguagem” (cf.
WtbPhi, 2013, s.v. Ontologie). 366
92
Na linguística aplicada se fala, por isso mesmo, de mnemonics, ou seja, dos mecanismos para lembrar de
informação, que, no caso de sequências de palavras que coocorrem, são fundamentais (cf. BARCROFT (2013)
sobre esse particular). Lackman (s/d, p. 1) salienta, por exemplo, que as palavras que aparecem associadas com
outras palavras [certain words in conjunction with other words] se aprendem melhor quando apresentadas
“grupalmente” ao invés de uma apresentação de forma isolada.
(1992, p. 275) reconhece como traço fundamental de toda língua o fato de que as palavras ou
guardam relações baseadas em regras morfológicas (como gênero e/ou número), mas mantendo
a sua total independência, ou guardam relações que obrigam algumas palavras a coocorrer de
forma sistemática com outras. A primeira modalidade corresponde ao “discurso livre” [freie
Technik]. No discurso livre, as palavras se constroem atributiva ou predicativamente de maneira
exclusivamente conjuntural. Isso acontece, por exemplo, entre muitos adjetivos que
acompanham um substantivo ou entre muitos sujeitos em relação a inúmeros verbos.
A segunda modalidade corresponde ao “discurso repetido” [wiederholte Rede]. Nesse
último caso, há um grau variável de coocorrência entre determinadas palavras. Dentre as
manifestações do discurso repetido, se pode citar a fraseologia (esp. valer un Perú “ter [algo]
extremo valor”), a parêmia (esp. no hay mal que dure cien años ni tonto que lo aguante “não
há sofrimento eterno”) e as fórmulas ou rotinas ritualísticas (ha sido un placer verte “foi um
prazer te ver”).
Duas modalidades do discurso repetido extremamente complexas na sua determinação
e no seu tratamento lexicográfico são as colocações e as coligações.
1.1 COLOCAÇÕES
A primeira questão a ser observada em relação às colocações é a de que não há um
consenso a respeito da definição do fenômeno na lexicologia. De acordo com Larens (2016, p.
44), há ao menos duas abordagens a partir das quais se almeja definir e analisar as colocações:
uma lato sensu, atrelada à linguística de corpus, e outra stricto sensu, de viés lexicológico.
Sinclair (1991) é um dos grandes expoentes da primeira abordagem, a qual fundamenta
a sua concepção de colocação sobre a variável da frequência. Nesse sentido, e conforme
observam Duan e Qin (2012, p. 1890), “na linguística de corpus e na linguística computacional,
colocação define uma sequência de palavras ou termos que coocorrem com mais frequência do
que se poderia esperar do acaso”93. Segundo Lehecka (2015, p. 02), tal concepção acarreta uma
metodologia de análise estatística do fenômeno a partir de dados de corpus para verificar a
intensidade da colocação [collocation strength], ou seja, o quão significativa é a coocorrência
de duas ou mais unidades léxicas na língua. Para avaliar uma sequência candidata a colocação,
analisa-se a frequência da sequência em relação às frequências isoladas de cada componente
(VASILJEVIC, 2014, p. 48-49). Em seguida, emprega-se um dos mais de 50 cálculos
estatísticos existentes para a análise dos dados (LEHECKA, 2015, p. 03).
93
[in corpus linguistics and computational linguistics, collocation defines a sequence of words or terms that co-
occur more often than would be expected by chance] 367
No que concerne à abordagem stricto sensu, também conhecida como perspectiva
fraseológica [phraseological view], Hausmann (2007, p. 53-53) é um dos seus principais
expoentes. Em linhas gerais, as colocações são uma combinação entre um constituinte léxico
autônomo – a base – que seleciona um segundo constituinte – o colocado – o qual está em uma
relação de subordinação semântica (e, por consequência, sintática) em relação à base. Há, no
entanto, outros aspectos peculiares em relação às colocações além do caráter binário, restritivo
e hierárquico que também são levados em consideração na abordagem lexicológica. Sobre este
particular, Legallois (2012, p. 32-33) distingue entre colocações opacas, nas quais não é
possível interpretar diretamente o seu significado, colocações transparentes, nas quais é
possível depreender seu significado, e colocações regulares [régulières], em que o colocado
inclui o significado da base, como em esp. nariz aguileña.
Em suma, as duas abordagens comentadas acerca das colocações buscam descrever o
fenômeno sob a ótica da frequência e da restrição semântica. Cabe observar que pesquisadores
como Duan e Qin (2012, p. 1891) não descartam a possibilidade de associar ambas abordagens
ao considerar a variável estatística e a de restrição semântica para definir as colocações.
No entanto, nenhuma parece alcançar esclarecer a natureza da relação entre base e
colocado, ou seja, a razão pela qual a base seleciona estritamente um colocado específico e não
outro pertencente à mesma categoria semântica.
1.2. COLIGAÇÕES
As coligações são um tipo de relação sintagmática que apresenta variação tanto na sua
conceitualização como na própria nomenclatura empregada.
No que concerne ao conceito de coligação, Duan e Qin (2012, p. 1890), por exemplo,
salientam que se trata de uma coocorrência, amparada pela frequência, “de certas palavras em
certos padrões gramaticais”94. Por exemplo, a palavra nombre aparece muito mais no padrão V
+ N que na posição sujeito (cf. DUARTE FERREIRA, 2017, p. 169)95.
Legallois (2012) adota a mesma perspectiva, definindo as coligações como
94
[of certain words in a certain grammatical pattern]
95 368
Segundo Duarte Ferreira (2017, ibid), “dentre as 5 palavras que mais combinam com nombre, três são verbos.
(cuyo, recibe, lleva, vuestro, reciben)”.
marcadores gramaticais das categorias de negação, de propriedade, etc.) (LEGALLOIS,
2012, p. 39)96
Sobre esse particular, é prudente comentar que, para Legallois (2012, p. 39), Bell (2013)
e Davies e Elder (2004, p. 120), por exemplo, as combinações recorrentes entre uma palavra
lexical e uma palavra gramatical são um tipo de colocação97. Na mesma esteira, Gyllstad (2014,
p. 01) lembra que tal concepção também é denominada na literatura como “colocação
gramatical” [grammatical collocation]. Isso se deve ao fato de que pesquisadores como
Legallois (2012), Bell (2013), Davies e Elder (2004), entre outros, empregam exclusivamente
a variável frequência para definir as coocorrências tanto entre palavras lexicais como entre
palavras lexicais e palavras gramaticais.
Neste trabalho, será avaliado se os dicionários bilíngues espanhol / português
apresentam o que é normal e constante, a norma real 98 , no espanhol quando se trata de
combinações de palavras. Com o intuito de facilitar a análise, será adotada a fundamentação
proposta por Hoey (2005). Assim, em uma língua natural, acontece um fenômeno chamado
priming [priorização], que consiste em que as palavras “privilegiam” a coocorrência de outras.
Desta forma, distingue-se entre priming léxico (colocações) e priming gramatical (coligação.).
Lehecka (2015, p. 6) distingue três padrões coligacionais:
1. Item lexical + contexto gramatical: haber + art indef.
2. Item lexical + função sintática: V + nombre
3. Item lexical + posição: querer + V + más
96
[un phénomène d’association entre un mot lexical ou grammatical et une catégorie grammaticale (partie du
369
discours, fonction syntaxique, marqueurs aspectuels, modaux, temporels, marqueurs grammaticaux des catégories
de la négation, de la propriété, etc.)]
97
Bell (2013, p. 02), por exemplo, defende uma perspectiva generalista ao conceber as colocações como
“combinações admissíveis” [allowable combinations] entre palavras.
98
A norma real corresponde ao que é “corriqueiro” em uma língua natural, ou, em palavras de Coseriu (1992, p.
297), “tradicional, geral e estável”[traditionell, allgemein und beständig].
completos de padrões combinatórios). Para efeitos deste trabalho, foram escolhidos padrões
combinatórios que, segundo orientações presentes no próprio PCIC (2006, p. 307), são
“representativos, frequentes e naturais” [representativos, frecuentes y naturales].
3. ANÁLISE
Embora seja um argumento falaz, costuma-se afirmar que o dicionário bilíngue seria o
primeiro instrumento lexicográfico à disposição do aprendiz iniciante de uma língua
estrangeira. Em uma percepção impressionista de escolha de dicionários (cf. BUGUEÑO
MIRANDA; DAMIN, 2006), atrela-se o tamanho reduzido de um dicionário bilíngue aos
estágios iniciais de ensino-aprendizagem da língua estrangeira. No caso específico do espanhol,
a ingente quantidade de dicionários bilíngues de formato reduzido cumpriria essa tarefa.
Evidentemente, tal instrumento lexicográfico deveria espelhar também a norma real da
língua na dimensão do discurso repetido. Aliás, o próprio PCIC (2006) recomenda que
manifestações como as que constituem o objeto desta pesquisa sejam ensinadas ao aprendiz
iniciante.
Em função do exposto nas seções anteriores, avaliaremos se um corpus de seis
dicionários bilíngues português-espanhol satisfaz essa dimensão específica da língua
considerando os níveis de aprendizagem A1-B1. No tocante à constituição dessa classe de
obras, é pertinente salientar que um dicionário bilíngue ativo 99 deve ser extenso no âmbito da
microestrutura (BUGUEÑO MIRANDA; DAMIM (2005)) com o objetivo de fornecer ao
consulente todo o conjunto de informações necessárias para desempenhar-se de maneira
satisfatória na língua estrangeira. Para tanto, assume-se que a microestrutura desses dicionários
deveria ser não integrada, isto é, apresentar em um primeiro bloco todas as manifestações do
discurso livre (equivalente, informações morfológicas, sintáticas, etc.), enquanto que, no
segundo, expor as manifestações do discurso repetido.
99
É pertinente lembrar que os dicionários bilíngues se classificam em ativos e passivos. Um dicionário ativo vai
da língua materna do consulente para a língua estrangeira (L1 → L2), enquanto que um dicionário passivo370 vai da
língua estrangeira para a língua materna (L2 → L1). Essa distinção determina um desenho completamente
diferente dos componentes canônicos da obra lexicográfica (macro-, micro- e medioestrutura).
Quadro 1 – Análise de seis dicionários ativos português-espanhol
UNIDADE PortEsRid PortEsEd MiPortEs MiVoxPortEs PortEsFTD PortEsSan INFORMAÇÕES NECESSÁRIAS
LÉXICA (2012) (2014) (2008) (2015) (2013) (2014) (NORMA REAL)
aversão X X X X X X CLC: (PT) ter ~ a [v. + n.]
(ES) tener / sentir ~ a [v. + n.]
avião X LOC col. ser meu irmão X X X CLC1: (PT) pegar um ~ [v. + n.]
um ~ estar co- estava eufórico (ES) tomar / coger un ~ [v. +
mo un tren na sua primeira
viagem de avião
n.]
/ mi hermano CLC2: (ES) (Esp) estar como un
estaba eufórico tren
en su primer CLG: (PT) ir / viajar de ~ [v. + prep.
viaje en avión + n.]
(ES) ir / viajar en ~ [v. + prep.
+ n.]
(ES) eufórico con
bagagem X X X 2 f. (conheci- X X CLC: (PT) pouca / vasta ~ de
mentos) bagaje conhecimento [adj. + clc]
m.
(ES) amplio / vasto ~ de
conocimiento [adj. + clc]
brecha X X 1. Brecha (...) 4. X X X CLC1: (PT) ---
fig oportuni- (ES) ~ profunda /
dad, chance se
ela me der uma
insalvable,
brecha, vou infranqueable [n. +
beijá-la / si ella adj.]
me da una CLC2: (PT) abrir / dar / encontrar
oportunidad, /
voy a besarla
deixar / aproveitar
(uma) ~
[v. + n.]
371
(ES) cerrarse / abrirse /
salvar
una ~ [v. + n.]
caloria X X X --- X X CLC: (PT) gasto calórico [n. + adj.]
(ES) gasto de ~s [n. + s.n.]
cesta X X X X X X CLC1: (PT) ~ básica [n. + adj.]
(ES) canasta alimentaria [n.
+ adj.]
CLC2: (PT) ~ de natal [n. + s.n.]
(ES) ~ navideña [n. + adj.]
gostar X X O verbo gostar gostar 1. intr. X X CLG: (PT) [s. ] ~ de + [compl.]
tem regência gustar (de, -): (ES) [compl.] ~ + [s. ]
distinta em gosto de maçãs,
português e em me gustan las
espanhol: eu manzanas.
gosto de livros /
a mí me gustan
los libros
muito mui adv. forma X muito X X X CLG: (PT) ~ + [n. / adj.]
apocopada de mucho (ES) muy + [adj.] ; mucho +
muito: mucho. Usa-se mucho
mui.to adv. y antes de subs-
[n.]
pron. indef. mu- tantivos (...) e
cho, numeroso, antes [sic!] e de-
abundante. pois de verbos
(...). Usa-se
muy antes de
adjetivos e
advérbios (...).
pressa X pressa (...) n/f pressa sf. prisa. X X X CLC1: (PT) ter ~ [v. + n.]
prisa. LOC Ter à pressa a prisa (ES) tener / darse ~ [v. + n.]
~, tener prisa, / aprisa. a toda a
pressa a toda
CLC2: (PT) às ~s [prep. + n.pl.]
tener apuro. Às
~s, con prisas, prisa. dar-se (ES) de ~ [prep. + n.]
372
aceleradamente, pressa darse
atropelladamen- prisa.
te
Fonte: elaboração própria do quadro a partir dos dados de PortEsRid (2012), PortEsEd (2014), MiPortEs (2008), MiVoxPortEs (2015), PortEsFTD (2013), PortEsSan (2014)
373
Os dicionários elencados foram: 1) Dicionário Espanhol (PortEsRid, 2012); 2)
Diccionario Edelvives: español português / português-espanhol (PortEsEd, 2014); 3) Michaelis
Dicionário Escolar Espanhol (MiPortEs, 2008); 4) Diccionario Bilíngüe Mini Português-
Espanhol / Español-Portugués (MiVoxPortEs, 2015); 5) Minidicionário: espanhol-português,
português-espanhol (PortEsFTD, 2013); 6) Dicionário Santillana para estudantes (PortEsSan,
2014). Cada obra foi avaliada em relação a duas manifestações do discurso repetido (i. e.,
colocações e coligações) presentes em um conjunto de nove unidades léxicas (ver Quadro 1 na
próxima página).
Em termos gerais, os nossos dados acerca da norma real (ver última coluna do quadro)
revelam claramente que os dicionários não registram nem padrões colocacionais nem padrões
coligacionais. Em alguns casos, há indícios de algumas informações em relação a padrões
combinatórios, mas faz-se de maneira assistemática e/ou não se atendo a fatos de norma do
espanhol.
No verbete avião, PortEsEd (2014), por exemplo, lematiza a expressão “ser um avião”;
porém, o equivalente estar como un tren, embora seja um fato de norma real, constitui uma
unidade multilexemática marcada diatopicamente, de tal maneira que seu uso fica restrito a
alguns pontos do diassistema do espanhol. Para o mesmo lema, MiPortEs (2008) fornece o
exemplo “meu irmão estava eufórico na sua primeira viagem de avião” com a tradução mi
hermano estaba eufórico en su primer viaje en avión. O exemplo em língua espanhola apresenta
um duplo erro de norma. Em primeiro lugar, com a forma verbal estar eufórico, o espanhol
prefere ou a causalidade (por su primer viaje) ou a temporalidade (durante su primer viaje),
mas nunca a locatividade (*en su primer viaje). Em segundo lugar, viaje é regido em espanhol
pela preposição en.
No que diz respeito ao lema “bagagem”, MiVoxPortEs (2015) emprega a palavra
“conhecimentos” como um distinguidor semântico, muito embora se trate de um padrão
colocacional.
No tocante a brecha, a frase “se ela me der uma brecha, vou beijá-la” e a sua tradução
ao espanhol oferecem um padrão colocacional só de maneira implícita.
O verbo “gostar” é um típico exemplo de padrão coligacional por posição. Somente
MiPortEs (2008) e MiVoxPortEs (2015) apresentam a respeito, porém o fazem de maneira
implícita, já que aparecem no segmento informativo reservado aos exemplos. Tampouco se
empregam códigos semióticos para salientar o contraste de posição entre as duas línguas.
Um exemplo de ausência de atenção ao padrão coligacional mucho/muy do
espanhol são as informações apresentadas em PortEsRid (2012) e MiPortEs (2008). Em ambos
374
os casos, as informações não são completamente elucidativas ou são simplesmente errôneas.
Assim, por exemplo, em MiPortEs (2008, s.v. muito) afirma-se que mucho se emprega antes e
de depois de verbos. Sobre esse particular, é necessário acrescentar que o uso de mucho
apresenta um duplo padrão coligacional. Por um lado, antecedendo um verbo, este só pode estar
no infinitivo; por outro lado, posposto ao verbo, mucho pode estar tanto conjugado como no
infinitivo.
Finalmente, em relação a pressa, PortEsEd (2014) acertadamente lematiza o padrão
combinatório “ter pressa”, para o qual são fornecidos os equivalentes tener prisa e tener apuro.
O consulente, no entanto, não tem condições de estabelecer por si só se ambas as combinatórias
do espanhol são plenamente “sinônimas” ou se há, de facto, alguma diferença entre elas. Em
uma situação diferente se encontra a segunda combinatória elencada, às pressas, e seus
respectivos equivalentes em espanhol. Em primeiro lugar, não é fato de norma real no espanhol
a forma *con prisas. Em segundo lugar, os equivalentes adverbiais aceleradamente e
atropelladamente são equivalentes aproximados, faltando a solução mais óbvia e imediata:
rápidamente.
MiPortEs (2008), por sua vez, elenca as combinatórias, no português, “*à pressa”, “*a
toda a pressa” e “*dar-se pressa”. Por um lado, as formas “*à pressa” e “*a toda a pressa” não
correspondem a um fato de norma real do português do Brasil 100. Por outro lado, há fortes
indícios de que a forma “*dar-se pressa” seja um decalque do espanhol darse prisa, e, portanto,
tampouco constitui um fato de norma real do português. Em função do exposto, evidentemente
as soluções elencadas como equivalentes em espanhol também são inapropriadas.
4. CONCLUSÕES
A análise permite-nos afirmar de forma categórica que a lexicografia bilíngue
português-espanhol ainda não assumiu a necessidade peremptória de se preocupar e tratar
lexicograficamente os fenômenos de combinatória léxica como os avaliados no trabalho. Da
mesma forma, é evidente que tampouco se assume a distinção entre dicionário ativo e dicionário
passivo. Nessas condições, os dicionários bilíngues ativos, assim como estão desenhados
atualmente, praticamente não têm serventia alguma não somente para um usuário falante de
100
Não obstante o Grande Dicionário Sacconi da Língua Portuguesa (Sac, 2010, s.v. pressa), o Dicionário
375
Houaiss da Língua Portuguesa (Hou, 2009, s.v. pressa) e o Novo Dicionário de dúvidas da Língua Portuguesa
(NDLP, 2016, s.v. À pressa, às pressas) lematizem a forma “*à pressa” no singular, não foi possível encontrá-la
no Corpus do Português (DAVIES, 2016). Com combinatória “*dar-se pressa”, aconteceu exatamente o mesmo.
Em relação a “a toda a pressa”, das 74 ocorrências presentes em Davies (2016), somente 19 correspondem ao
português do Brasil. O Corpus parece indicar que essa combinatória se emprega mais em Portugal, muito embora
seu uso seja pouco frequente.
português como língua materna e que está aprendendo espanhol como língua estrangeira, mas
– e eis o pior – para usuário algum.
REFERÊNCIAS
DICIONÁRIOS ANALISADOS
MiPortEs. MICHAELIS. Michaelis Dicionário Escolar Espanhol. Espanhol-Português,
Português-Espanhol. São Paulo: Melhoramentos, 2008.
DEMAIS REFERÊNCIAS
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BUGUEÑO MIRANDA, Félix; DAMIM, Cristina. Elementos para uma escolha fundamentada
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HAUSMANN, Franz Josef. Apprendre le vocabulaire, c´est apprendre les collocations. In:
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378