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Caminhos na terapia de casal

Jakob Robert Schneider(*)

As constelações familiares também funcionam sempre como terapia de casal. Juntamente


com os processos entre pais e filhos, a relação entre o homem e a mulher é o coração da
Psicoterapia. É bem verdade que, nos chamados “movimentos da alma”, nosso horizonte se
estendeu para além da constelação familiar, abrangendo nossa inserção em contextos
existenciais mais amplos: a relação entre vivos e mortos e entre agressores e vítimas, a
guerra, conflitos de nacionalidades e religiões. Não obstante, as constelações voltam
sempre a afetar em seus efeitos a relação conjugal e as relações familiares.
O sucesso do amor entre o homem e a mulher talvez seja o nosso anseio mais profundo, e o
fracasso desse amor faz parte de nossos medos e sofrimentos mais profundos. Surpreende-
me sempre constatar que a pressão pelo sucesso das constelações nos grupos para casais é
muito maior do que nos seminários para pessoas doentes, onde freqüentemente se trata de
vida e de morte. No aconselhamento de casais percebe-se também, de modo especial, uma
alta expectativa dirigida ao terapeuta ou ao aconselhador. Pois trata-se de decisões sobre o
prosseguimento da vida em comum e das conseqüências que acarretam para os parceiros, os
filhos e as bases materiais da vida. Trata-se também das mágoas e dos medos associados ao
amor, onde somos ainda mais vulneráveis do que no tocante à nossa integridade física.
Na seqüência, abrirei uma perspectiva de conjunto sobre os caminhos da terapia de casal, a
partir da experiência com as constelações familiares e do trabalho com os fatores que as
condicionam.

Pressupostos para o bom êxito de uma terapia de casal

Os casais procuram ajuda em suas necessidades, mas freqüentemente com idéias que
estragarão qualquer ajuda se forem acolhidas pelo terapeuta. O denominador comum dessas
idéias é o abandono da responsabilidade pelo sucesso do aconselhamento. Neste particular,
a fantasia usual de um ou de ambos os parceiros é que algo se deteriorou em seu
relacionamento e que cabe ao terapeuta, como perito e especialista, repará-lo em sua
“oficina”. Ou então o casal procura um juiz para resolver o seu caso, alguém que ouça os
argumentos das ambas as partes e dê o seu justo veredicto. Alguns buscam no terapeuta, de
um modo mais pessoal, uma autoridade cheia de amor que, à maneira de um aliado, um pai
ou uma mãe, saiba o que se deve fazer e se imponha ao outro parceiro.

Conflitos de casal assumem freqüentemente a forma de um desacordo em decisões


relevantes, onde cada um procura mudar o outro para que se ajuste a sua experiência de
vida, a seus desejos e convicções. Como, apesar de intensos esforços, não lhe bastou para
isso a força de sua persuasão, ele transmite ao terapeuta, de forma aberta ou velada, o seu
real desejo: “Convença-o você, eu não consigo”. Mormente no atendimento individual,
quando apenas um dos parceiros procura conselho, transparece este apelo: “Meu parceiro
não me dá o que preciso, não me dá atenção, não está disponível para mim. Por favor, dê-
me atenção, esteja disponível para mim, seja para mim uma pessoa familiar e confiável”.
Assim, o terapeuta é solicitado a preencher uma lacuna para a satisfação das necessidades
infantis ou conjugais do cliente.
A montagem da constelação familiar, em sessão de grupo ou na consulta individual, com a
preservação da atitude fenomenológica que fundamenta esse trabalho, ajuda o terapeuta a
não acolher esses desejos com a intenção de ajudar o casal. Em vez disso, ele deve manter a
atitude imprescindível para se alcançar uma solução. Ele entra em sintonia com a alma ou
com o campo de relacionamento do casal. Acompanha a vibração do sistema do
relacionamento, através da constelação ou de outro método que lhe permita ver e entrar em
contato. E faz com que se manifeste, através daquilo que se mostra, algo que seja
importante para o casal e o faça avançar. O terapeuta apenas transmite uma indicação ou
um conselho essencial, e depois se retira. Não acompanha o processo do casal até a
solução. No máximo, comporta-se como um navegador experimentado que, de acordo com
o objetivo do casal, indica o caminho ou mesmo assume o comando em seu trecho inicial.

Terapeutas não são mecânicos, juizes, correligionários, pais ou familiares. Um


aconselhamento de casal não tem por função modificar a personalidade dos parceiros. Ele
permanece sempre incompleto e visa apenas o que é exigido para o próximo passo.
Permanecem com o casal o objetivo e o caminho da solução, bem como a responsabilidade
e a força para resolver o problema. Assim se preserva a dignidade do casal, bem como a do
terapeuta.
O que o aconselhador pode fazer de mais importante pelo casal em sua necessidade, antes
mesmo de abrir-lhe uma nova perspectiva sobre sua mútua relação, é interromper os
padrões que impedem e destroem o relacionamento. Da mesma forma como recusa acolher
as idéias dos parceiros sobre a maneira de ajudá-los, ele interrompe rapidamente os padrões
de pensamento e de comportamento que são parte do problema e não trouxeram ajuda até o
momento. As constelações familiares, seja em grupo ou em sessões individuais, são uma
grande ajuda metódica, já pelo simples fato de que afastam imediatamente os parceiros de
discursos estereotipados sobre o relacionamento, levando-os a um olhar conjunto sobre a
constelação e, consequentemente, sobre os movimentos mais profundos que fazem
progredir o seu relacionamento.

Soluções com vistas às ocorrências dentro do relacionamento do casal

A atenção do aconselhador ou do terapeuta deve se voltar inicialmente para o que ocorreu


na história do casal, investigando o que aconteceu por obra do destino ou por
responsabilidade pessoal de um ou de ambos os parceiros e os levou aos limites de seu
relacionamento. Cito aqui alguns pontos mais importantes, com breves exemplos.

Vínculos anteriores não honrados

Relacionamentos anteriores que criaram vínculo através de um profundo e marcante


exercício da sexualidade e foram desfeitos com mágoas ou sentimentos de culpa, pelo
menos de um dos parceiros, interferem nas relações ulteriores. Quando o amor, a dor e o
preço pago na ligação anterior não são honrados no novo relacionamento, isso não apenas
induz filhos dos novos relacionamentos a representar ex-parceiros dos pais que não foram
devidamente respeitados, como também impede, muitas vezes, os novos parceiros de
assumir sua relação, pelo preço que custou aos parceiros anteriores. O ciúme, por exemplo,
é uma forma inconsciente de lealdade a uma ligação anterior do parceiro. Quando um
homem abandona sem necessidade sua mulher para viver com uma amante, o ciúme desta
freqüentemente destrói a nova ligação. Ela não consegue assumir a relação pelo preço que
custou à parceira anterior, e torna-se igual a ela no medo de perder o homem para uma
outra mulher.

As ligações anteriores são muitas vezes esquecidas, reprimidas ou não reconhecidas em


seus efeitos posteriores. Um homem se queixou de que, depois de dois casamentos e de um
terceiro relacionamento mais longo, apaixonara-se de novo, mas a mulher não queria casar-
se com ele. Em sua constelação verificou-se que todas as mulheres estavam zangadas com
ele, inclusive as duas filhas de seu primeiro matrimônio. Só após um persistente
interrogatório ele revelou, com um gesto depreciativo da mão, que aos 17 anos tivera um
amor de juventude com intenso envolvimento sexual e que, pouco depois de ter-se separado
dessa moça, ela foi internada numa clínica psiquiátrica. Uma representante dessa mulher foi
então incluída na constelação. Ela chorou amargamente e todas as outras mulheres tinham
lágrimas nos olhos. Somente quanto o homem a encarou como seu amor de juventude,
falou-lhe como a sua primeira mulher, mostrou compaixão com seu destino e a abraçou de
novo com amor é que ela ficou tranqüila e sorriu. As outras mulheres também abriram
sorrisos e a última delas disse: “Agora já posso pensar em casar-me com ele”. E, de fato, os
dois se casaram depois.

Ocorrências traumáticas no relacionamento conjugal

Entre as ocorrências que atuam como graves ofensas na relação de um casal e com
freqüência acarretam a separação, porque o destino não pode ser carregado em comum,
enumeram-se: filhos prematuramente falecidos, abortos provocados, abortos espontâneos
em grande número, ausência de filhos, sexualidade deficiente, doenças graves, acidentes,
culpa real ou imaginária em relação ao parceiro ou a outras pessoas, ameaça às bases da
existência e graves ameaças à integridade do corpo ou da alma. Com a ajuda de uma
constelação é possível conjurar forças que possibilitem aos parceiros a superação conjunta
do evento traumático, reforçando o vínculo ou então levando-os a aceitar o fato de que já
não podem assumir em comum o destino ou a responsabilidade.

Uma mulher procurou um grupo porque buscava um caminho para dissolver o “profundo
mutismo” que havia entre ela e o marido. A constelação de sua família atual mostrou
realmente que havia um abismo entre o casal, o que fez com que a atenção se desviasse
imediatamente dos filhos para os pais. Perguntada sobre que fatores de separação houvera
entre ela e o marido, a mulher logo disse que tinha havido ainda uma quarta criança, bem
mais nova, fruto de uma noitada, que eles decidiram abortar. Foi colocado um
representante para essa criança, que sentou no chão, entre os pais. Os representantes dos
pais olharam imediatamente para a criança, colocaram-se juntos atrás dela, puseram
espontaneamente as mãos sobre sua cabeça, olhavam alternadamente para a criança e entre
si e deixaram silenciosamente correr suas lágrimas. A mulher que colocara sua família
estava sentada na roda e também chorava em silêncio. Os representantes dos filhos deram
um passo para trás, afastando-se dos pais, e simplesmente ficaram olhando. Terminada a
constelação, a mulher agradeceu e disse que ela tinha salvado a sua vida. Admirado, o
terapeuta lhe perguntou o que ela queria dizer com isso. Ela respondeu: “Pouco depois do
aborto apanhei um grave reumatismo e imediatamente reconheci que esta era a minha
forma de expiar pelo aborto”. No dia seguinte, ela contou que, na noite do próprio dia da
constelação, seu marido regressou de uma longa viagem de negócios e ela lhe contou o que
se passara. Então ele se sentou no sofá, chorou muito e disse: “Eu sempre me senti muito
culpado”. E passaram toda a noite conversando.

Num grupo de constelação familiar, um homem manifestou, como seu problema, que sua
mulher se esquivava dele e tratava sem amor a filha e um filho mongolóide, que estava
internado num asilo. Na constelação, a mulher realmente se mostrou isolada e totalmente
fria. Os três filhos – pois tinha havido um outro filho mongolóide, o mais novo, falecido
aos quatro anos de idade– se distanciaram dos pais, afastando-se, e a filha se colocou entre
a mãe e os irmãos, como se quisesse protegê-los. O terapeuta perguntou então ao homem se
tinha havido recriminações pelos filhos que nasceram mongolóides. O homem engoliu em
seco e disse: “Sim, meus pais fizeram graves acusações à minha mulher, dizendo que ela
trouxera da família uma péssima herança genética e jamais deveria ter-se casado comigo. E
eu defendi meus pais e suas acusações”. Então o terapeuta colocou esse homem diante da
representante de sua mulher e pediu aos dois que se olhassem demoradamente, realmente
encarando-se. Isso entretanto era visivelmente difícil para eles. Finalmente o homem
conseguiu dizer à mulher: “Sinto muito. Coloquei em você todo o peso do destino de
nossos filhos doentes. Juntamente com meus pais, responsabilizei você e sua família e a
magoei muito. Se você ainda puder aceitar isto, estou disposto agora a retirar minha
acusação e a carregar com responsabilidade e amor, junto com você, o destino de nossos
filhos”. – Então a representante de sua mulher se lançou em seus braços e chorou por longo
tempo. Em seguida ela o encarou amorosamente, caminhou para os filhos e os abraçou.
Quando o pai se aproximou, por sua vez, e juntamente com sua mulher abraçou os filhos,
eles finalmente aceitaram a proximidade da mãe.

Na terapia de casal e nas constelações que revelam a dinâmica dos relacionamentos


verificamos portanto quais são os eventos que atuam como fatores de separação num
relacionamento e que caminho se oferece ao casal no sentido de carregar algo em comum,
restaurar a ligação, assumir a dor da perda e deixar que o passado seja passado. E
verificamos como um casal pode lidar com tais eventos. Mesmo quando for inevitável a
separação, os acontecimentos que separam podem, passado algum tempo, descansar em paz
e a relação pode terminar com amor e dignidade.
A ordem confiável na família

Freqüentemente o amor entre o homem e a mulher é impedido por não serem reconhecidas
as condições para o crescimento da relação. Neste caso, a constelação é útil para encontrar
as formas de restabelecer a ordem no sistema.

Por exemplo, uma das condições mais importantes para o bom êxito do amor é que, no
processo de dar e tomar, se volte sempre a alcançar uma compensação positiva. Quem
toma, também deve dar; se ama, deveria dar um pouco mais do que recebeu. Assim, através
do amor, a troca recíproca é estimulada no sentido de um alto investimento de vida. A isto
chamamos felicidade. Mas essa felicidade é também difícil. Ela exige muita coisa dos
parceiros, que então dificilmente podem separar-se. Às vezes, alguém já não consegue
sustentar a troca crescente do dar e tomar, e talvez se sinta atraído por um outro parceiro,
com quem possa trocar menos. Ou então minimiza com críticas o que recebe, para sentir-se
menos obrigado.

A compensação entre o dar e o tomar funciona nos relacionamentos como uma lei natural.
Se o desequilíbrio cresce demais, a relação não consegue suportá-lo. Se, por exemplo, a
mulher custeou para o marido uma formação superior, sustentando-o, é freqüente que ele a
deixe depois, porque a compensação se torna muito grande e difícil para ele. Quando um
dos parceiros traz um grande peso em bens, relacionamentos anteriores, filhos, destino,
caminho de vida, e o outro não pode contrapor-lhe nada de equivalente, isso pode destruir o
relacionamento depois de algum tempo. A gratidão e o amor podem aliviar parte do
desequilíbrio, mas muitas vezes é difícil.

Também as ofensas exigem compensação. Enquanto o parceiro ofendido quiser permanecer


inocente não haverá possibilidade de compensação. Se, inversamente, o revide for tão
grande que cause ao outro um sofrimento ainda maior, a relação entrará num círculo
vicioso de brigas e ofensas recíprocas, que só conhecerá pausas pelo esgotamento e
geralmente sobreviverá a uma separação. A solução, neste caso, é buscar a compensação
através de uma zanga ou de uma exigência menos ofensiva, que respeite o parceiro e o
convide a retomar o amor, dando-lhe a oportunidade de reparar algo amorosamente e de dar
algo bom de um modo diferente.

Citarei aqui, de modo sucinto, outras formas das ordens do amor. A primeira é a primazia
da relação do casal sobre o cuidado dos filhos – pois o cuidado dos pais pelos filhos
aumenta com o amor recíproco entre os pais. Se este é sacrificado em benefício do cuidado
com os filhos, isto separa os pais e os filhos não o aceitam, porque os pais pagam o preço
em sua relação.
Já nos sistemas familiares complexos, onde existem filhos de relações anteriores, a ordem
correta confere primazia ao cuidado pelos filhos dessas relações. Contudo, no que toca à
relação entre o homem e a mulher, prevalece o novo sistema.

Naturalmente resultam conseqüências de peso para uma relação e para os filhos quando um
parceiro que tem um filho de uma relação anterior silencia este fato e não provê a criança.
Para além da ignorância do fato, isso pesa também sobre o relacionamento seguinte e os
filhos subsequentes.
Obviamente, é muito importante que a relação do casal seja confiável como relação entre
um homem e uma mulher. Por outras palavras, o homem deve ser e permanecer homem e a
mulher deve ser e permanecer mulher. Os parceiros devem sentir necessidade e confiança
mútua, sobretudo no que se refere à sexualidade e ao provimento das condições de vida.

Devemos considerar também outra ordem do relacionamento, fruto da percepção que Bert
Hellinger exprime com esta frase: “A mulher deve seguir o homem (em sua família, em
seu país, em sua cultura) e o homem deve servir ao feminino”.

Na terapia de casal devemos, portanto, ter em vista o que está em desequilíbrio na relação e
como é possível restaurar uma troca positiva e aberta para o futuro, ou então conseguir uma
compensação que possibilite uma boa separação. Verificamos, ainda, o que precisa ficar em
ordem na relação, de modo que ela volte a ser vivida de uma forma confiável.

Soluções com vistas a acontecimentos e destinos nas famílias de origem

Talvez o aspecto mais importante na terapia conjugal seja a percepção dos envolvimentos
dos parceiros nas respectivas famílias de origem. Esta é freqüentemente a zona menos
perceptível para os parceiros e é aí que as constelações lhes fornecem o maior
esclarecimento. De fato, a terapia de casal sempre levou em conta a interferência de
necessidades infantis insatisfeitas e de traumas de infância. Entretanto, foi somente através
das constelações familiares que foram percebidos, em toda a sua amplitude e em seus
efeitos trágicos, os envolvimentos profundos dos parceiros em destinos que abrangem
várias gerações e em temas familiares não resolvidos. A maioria dos problemas sérios de
relacionamento nada tem a ver com o próprio casal e com seu amor recíproco. Cegamente
absorvidos em conflitos não resolvidos, e muitas vezes inconscientes, de antepassados das
famílias de origem, os parceiros carecem de compreensão e sensibilidade em seu
relacionamento e projetam ou procuram resolver um no outro o que malogrou em seus
antepassados por força do destino ou por responsabilidade pessoal.

Comportamento cego de ambos os parceiros com respeito a destinos e eventos anteriores

Num grupo para casais, um deles constelou o seu sistema atual. A mulher trouxera para o
novo casamento um filho de um matrimônio anterior. Na nova relação, embora recente, já
havia muita briga. Na constelação evidenciou-se que a mulher tinha muito pouca
consideração pelo ex-marido e uma grande esperança de que o novo marido viesse a ser um
pai melhor para a filha dela. A relação entre a mãe e a filha era muito estreita, e o marido
atual se sentia estranho e olhava para fora. Nessa constelação, a filha assumiu e honrou seu
pai. O marido atual ficou aliviado e encontrou um lugar ao lado de sua esposa. Parecia que
a constelação tinha funcionado e trazido solução.

Entretanto, à noite o marido procurou o terapeuta. Disse que se sentia muito mal e que
também não revelara o mais importante: que tinham sérios problemas no relacionamento
sexual, onde ela fazia muitas exigências que ele não podia satisfazer. No dia seguinte, o
terapeuta fez com que o marido montasse a constelação de seu sistema de origem. Ela
evidenciou que o homem tinha uma estreita ligação com sua mãe e assumia junto dela o
lugar do pai. O representante do pai olhava para fora do sistema, totalmente fascinado por
algo terrível. Averiguou-se que, no decurso de uma longa fuga da prisão, que durou três
anos, ele fuzilou um homem que lhe barrara o caminho. Na compreensão desse evento, que
foi muito comovente para o casal, evidenciou-se que o marido não ousava aceitar o amor de
uma mulher nem gerar um filho, porque o regresso do pai ao lar e seu conseqüente
casamento com sua mãe só foram possíveis através do assassinato de uma pessoa. Este era
um importante quadro de fundo para os problemas sexuais por parte do marido. Um cartão
postal enviado pelo casal, nas férias que se seguiram, dava a entender que algo se resolvera
em sua relação.

Mas esta história ainda teve prosseguimento. Algum tempo depois, a mulher ligou para o
terapeuta. Disse que houvera muitas melhoras no casamento e que o marido mudara muito
e estava muito afeiçoado a ela. Mas ela se sentia de novo intranqüila e insatisfeita quanto à
relação sexual. Então, através de duas breves ligações telefônicas, entrou em contato com
uma avó que, depois da morte de seu primeiro marido, por quem tinha muito amor, tivera
uma vida muito infeliz e uma relação muito insatisfatória com os homens que se seguiram.
Percebendo sua estreita ligação com essa avó, a mulher conseguiu acolhê-la amorosamente
em seu destino e desidentificar-se dela. Num outro cartão de férias comunicou que agora
estava muito satisfeita e que estava bem com o marido.

A dupla transferência

Um fenômeno freqüente em conflitos sérios entre parceiros aparece no que Bert Hellinger
chamou de “dupla transferência”. Se uma injustiça cometida entre um homem e uma
mulher, numa geração anterior, não teve a devida compensação, esta é transferida para seus
descendentes. Ela atinge então pessoas totalmente inocentes, acrescentando uma nova
injustiça à primeira. Assim, por exemplo, uma mulher “bondosa” e compassiva tolera, por
anos a fio, os casos públicos de seu marido que muito a magoam, mas sua filha assume a
vingança em nome da mãe. Entretanto, como também ama e protege o pai, vinga-se em seu
marido, molestando-o abertamente com um namoro. A transferência no sujeito significa
aqui que ela age em lugar de sua mãe. E a transferência no objeto significa que a
compensação não se dirige à pessoa do pai, mas ao marido. Embora inocente, este é
chamado a pagar por uma injustiça na família de sua mulher. Ao mesmo tempo a filha
torna-se semelhante ao pai em seu comportamento, não agindo melhor do que ele.

Certa mulher estava sempre muito irritada com seu marido e, como ela própria notou, sem
razão. Na constelação, ficou claro que ela representava uma tia que, como primeira filha de
mãe solteira, fora totalmente excluída da família por seu avô. Em substituição a essa tia, a
mulher assumiu a raiva pela injustiça mas, poupando o avô, dirigiu-a contra o próprio
marido. Ao mesmo tempo, e sem consciência do fato, deu à sua filha mais velha o mesmo
nome da tia. A história somente lhe foi revelada por uma conversa telefônica posterior com
o próprio pai.
Uma outra mulher, que era bonita mas tinha uma fisionomia muito carregada, era
seguidamente abandonada pelos homens. Não dava a impressão de ser agressiva, mas
comportava-se como uma vingadora cautelosa, aguardando o momento certo para o golpe.
As informações sobre sua família revelaram que sua mãe, aos doze anos de idade, fora
estuprada e quase morta. Na constelação a mulher experimentou o medo pânico de sua mãe
e, assumindo o papel de sua representante diante do agressor, bradou-lhe no rosto: “Eu
mato você!” Foi somente o reconhecimento desse agressor como primeiro homem da mãe,
e uma profunda reverência da mãe e da filha diante do destino que uniu a mãe e seu
agressor como homem e mulher num evento terrível e sem saída, que trouxe alívio e luz ao
semblante da jovem mulher. Então ela pôde entender seus impulsos de vingança diante dos
homens, e em que medida nisso ela se ligava à mãe e ao mesmo tempo se tornava
semelhante ao agressor.

A fascinação de um parceiro pela morte

Uma dinâmica usual que separa os parceiros resulta do fato de que um deles, de algum
modo, está mais perto da morte do que da vida. Essa pessoa não está realmente presente, e
toda a luta do outro para retê-lo apenas agrava o conflito. Assim, certa mulher ficou muito
tocada quando, numa constelação, pôde ver em que direção olhava o ex-marido do qual
acabara de separar-se como sua quinta mulher (ele vivia trocando de mulheres). Na
constelação, seu representante não olhava para nenhuma de suas mulheres e namoradas,
cujas representantes tinham sido colocadas ali, mas apenas para uma antiga noiva que,
pouco antes do casamento, morreu num acidente. Ele queria seguir essa mulher na morte,
como se só assim pudesse consumar-se esse grande amor.

Um homem muito bem sucedido e, não obstante, solitário, ficou muito assustado quando se
revelou em sua constelação que ele, no meio de todos seus casos, levava consigo esta frase:
“Antes te amar do que morrer”.
Sentia-se atraído por sua mãe, que morrera muito cedo, e na constelação só encontrou paz
junto dela. É como se tivesse sentido toda a sua vida através dessa atração por sua mãe, e
tivesse se defendido dela através desses amores. E talvez também tivesse procurado
encontrar neles sua mãe viva, naturalmente não a encontrando.

Nas camadas profundas da alma de homens violentos e mulheres agressivas manifesta-se,


às vezes, um grande desespero, o medo de perder o parceiro pela morte e uma luta
impotente contra isso. Muitos casamentos fracassaram no pós-guerra porque o homem não
conseguia aceitar o fato de ter sobrevivido, em face dos numerosos companheiros mortos
com quem diariamente lutara pela sobrevivência. Mesmo voltando para casa, ele desejava,
no íntimo, juntar-se aos companheiros mortos. Abala-nos sempre perceber, no decurso de
constelações, em quantos conflitos de casal existe, bem no fundo, uma questão de vida e de
morte, e quanto de emoção e de entendimento mútuo se libera quando isso vem à luz e, na
medida do possível, pode ser resolvido.

Gostaria de mencionar aqui, muito rapidamente, uma dinâmica que se revela cada vez mais,
logo que ficamos atentos a ela. Dois parceiros se encontram, em muitos casos, devido à
existência de destinos semelhantes em suas famílias de origem. Quando, por exemplo, há
um filho presumido na família de um dos parceiros, o mesmo ocorre, com freqüência, na
família do outro, muitas vezes com diferença de uma geração. Se numa das famílias os
homens têm uma posição desfavorável, isso também acontece freqüentemente na outra
família. Se uma das famílias sofre os efeitos de destinos envolvendo criminosos e vítimas,
o mesmo ocorre geralmente na outra família. Parece que instintivamente percebemos no
parceiro os destinos de sua família, no que têm em comum com os destinos da nossa. São
bem diferentes, entretanto, os padrões de lidar com tais destinos. Assim, com freqüência as
pessoas se completam pelo lado funesto: por exemplo, um dos parceiros se identifica com
as vítimas de um avô no regime nazista, enquanto o outro se envolve com um avô que
pertenceu às forças de choque do regime.
Quando ambos os parceiros comparecem a um trabalho para casais, em grupo ou num
aconselhamento privado, as conexões que vêm à luz proporcionam muita compreensão
recíproca e uma visão do quadro de fundo das dificuldades de relacionamento. Também
para o terapeuta é emocionante presenciar quando o auto reconhecimento de um casal
envolvido nos destinos familiares se manifesta de uma forma que reforça seu vínculo no
amor.

O movimento amoroso interrompido

Uma dinâmica importante nos conflitos de casal se mostra quando há um movimento


precocemente interrompido no amor dirigido à mãe. Isto não constitui, em sua origem, um
conflito sistêmico, e só se torna tal quando é transferido para a relação conjugal. Uma
interrupção no movimento amoroso origina-se na criança pequena quando ela é separada da
mãe nos primeiros anos de vida, geralmente por força do destino, por exemplo, porque a
mãe teve de ficar hospitalizada por várias semanas depois do nascimento, ou porque a
criança de um ano precisou ser internada para uma operação, ou porque a mãe morreu
quando a criança tinha três anos. Trata-se portanto de uma separação prematura que sofre a
criança, principalmente em relação à sua mãe, às vezes também ao seu pai. O efeito que
isso terá sobre a vida posterior da criança, e principalmente sobre os seus relacionamentos,
será tanto maior quanto mais existencialmente ameaçada esteve a criança e quanto mais ela
teve de abandonar a esperança de recuperar a proximidade da mãe.
Quando um homem ou uma mulher olha para o seu parceiro, sente o desejo de amá-lo e de
ser amado por ele. Entretanto, ao se aproximar do parceiro, surge na pessoa, como num
reflexo, o antigo medo da criança, de perder sua mãe e de não poder mais confiar nela,
junto com uma grande dor e uma profunda resignação. Esse padrão é transferido
inconscientemente ao parceiro e uma luz vermelha se acende: “Não quero sofrer isso de
novo. Prefiro me retirar logo disso”. Entretanto, como todo mundo gosta de amar e de ser
amado, a pessoa volta a tomar um impulso e a procurar o parceiro. Mas, logo que se chega
ao amor, emerge novamente o medo da criança pequena e a pessoa torna a recuar. Isto foi
descrito por Bert Hellinger como o círculo vicioso da neurose. A maior parte dos chamados
conflitos de proximidade e distância têm assim sua origem num movimento precocemente
interrompido em direção à mãe. Esses conflitos não podem ser resolvidos na própria
relação conjugal, mas exigem que a criança presente no adulto, numa experiência
retroativa, seja acolhida com força e amor por sua mãe ou por um terapeuta que a substitua.
Isso exige uma experiência de transe ou uma vivência corporal em que o adulto se sinta de
novo como uma criança pequena e que, como uma criança pequena, experimente um
abraço que lhe permita atravessar a dor e recuperar a confiança em sua mãe.

Quando, na terapia de casal, trazemos assim à luz, de uma forma liberadora, fatos passados,
isso ajuda o “amor à segunda vista” (Bert Hellinger), a saber, as dimensões mais profundas
de um amor dotado de visão. Representa uma ajuda para o futuro e para um amor bem
sucedido do casal (mesmo que, no caso de uma separação, apenas para o tempo em que
ainda havia amor). Uma compreensão retroativa só tem sentido na medida em que abre para
o casal novos passos para o futuro, no sentido do título de um dos livros de Bert Hellinger:
“Vamos em frente”.

A dimensão espiritual da terapia de casal

Quando as constelações na terapia de casal são bem sucedidas, elas abrem para os parceiros
um caminho espiritual para o bom êxito de seu relacionamento. O “espiritual” é entendido
aqui num sentido mais amplo, como uma espécie de purificação do relacionamento, e como
uma forma de inserir-se no espaço maior da alma, que transcende o próprio relacionamento.
Também neste particular apontarei brevemente os pontos essenciais.

A fila dos antepassados

A vida nos vem através de nossos pais, mas não se origina neles. Ela vem de longe. Às
vezes, podemos colocar os parceiros de frente um para o outro (e isso costuma ser muito
útil quando há problemas sexuais) e, atrás de cada um deles, uma fila de antepassados. Isso
permite perceber a força da vida que vem de longe e é transmitida através dos antepassados,
e também a alegria de viver. Esta conexão, através dos antepassados, com a ampla
totalidade da vida é um ato religioso fundamental. Ao realizá-lo nesse espírito, cada um
pode sentir, em si mesmo e no parceiro, o que isso proporciona em termos de afluxo de
força, de movimento amoroso para o parceiro e de uma união aberta, no sentido de uma
vida mais ampla.

O ato de encarar-se

Só conseguimos manter muitos conflitos de relacionamento porque realmente não nos


encaramos. Os sentimentos que não podemos manter quando nos olhamos nos olhos não
contribuem para o bom êxito do relacionamento. Eles nos mantêm presos a todo tipo de
fantasias e de padrões antigos, que nada têm a ver com a relação conjugal. É realmente um
exercício espiritual diário desprender-se continuamente desses sentimentos e pensamentos
que não conseguimos manter de olhos abertos.

O respeito pelos mais antigos e a primazia do novo


Para o êxito do amor existe um processo indispensável, que tem a ver com o respeito pelos
mais antigos e com o progresso. O primeiro passo é este: “Respeito os meus pais e a minha
família, e tudo o que vale nessa família”. O segundo passo diz: “Respeito os teus pais e a
tua família, e tudo o que vale em tua família”. O terceiro passo costuma ser doloroso.
Ambos os parceiros olham para seus pais e lhes dizem interiormente: “Preciso deixar vocês
e me desprender também de muita coisa que era importante para vocês. Preciso deixar o
que está em oposição ao que traz o meu parceiro em termos de hábitos, normas, valores, fé
ou cultura, e o que me impede de dar prioridade à minha união atual e à minha família
atual”. E, num quarto passo, os parceiros se encaram e dizem um ao outro: “Vamos fazer
algo de novo a partir do antigo que trouxemos, algo que acolha e transcenda o que ambos
trouxemos, algo de novo que una e que leve ao futuro, e no qual possamos crescer juntos
como pessoas autônomas.”

Da necessidade de partilhar

Muitos conflitos de casal resultam do desejo de que o parceiro satisfaça as nossas


necessidades infantis, como se ele tivesse de dar-nos o que deixamos de receber de nossos
pais. Isto, porém, sobrecarrega o parceiro, principalmente quando veicula esta mensagem:
“Sem você não posso viver!” A solução espiritual reside em ficar em paz com os próprios
pais e em dizer ao parceiro: “O que recebi de meus pais basta, e isso eu partilho de boa
vontade com você. E o que você traz dos seus pais basta, e eu me alegro se você o repartir
comigo. E o que ainda nos falta nós conseguiremos por nossas próprias forças”. Quando
este nível adulto de partilhar e de comunicar-se tem força, podemos nos permitir, às vezes,
acessos de necessidades infantis, como em situações de estresse e doença. O parceiro estará
presente por algum tempo, suportando e dando, até que melhoremos.

Liberdade através do relacionamento

Aqui direi algo de ousado. Às vezes pensamos que, se estivéssemos sós, seríamos mais
livres em nosso desenvolvimento e em nossas possibilidades. A realidade é o inverso. A
evolução nos ensina que a associação dos parceiros (não a uniformização associada a uma
compulsão totalitária) diferencia cada indivíduo, torna-o mais variável em seu pensar e agir
do que quando fica confinado à própria individualidade. Quando, com vistas ao parceiro,
temos de nos defrontar com coisas novas e procurar novas formas de equilíbrio interno e
externo, isto nos libera um pouco dos próprios esforços, que são freqüentemente cegos, em
nosso interior. Ganhamos em variedade e equilíbrio, que são pressupostos imprescindíveis
para um certo grau de liberdade. Talvez a melhor maneira de descrever a realização
espiritual e simultaneamente a realização sistêmica básica na relação do casal seja utilizar,
num sentido um pouco mais amplo, as palavras de Bert Hellinger: “Eu amo você e amo
aquilo que suporta, dirige e desenvolve a você e a mim”.

(*) Original: “Wege in der Paartherapie”, em: Praxis der Systemaufstellung, 1/2002.
Versão elaborada de uma conferência proferida no 3º Congresso Internacional de
Constelações Sistêmicas (Würzburg, Alemanha, 2001). Traduzido por Newton Queiroz, Rio
de Janeiro, jan. 2003.
CONSTELAÇÕES FAMILIARES EM CASOS DE PSICOSE

Gunthard Weber e Diana Drexler

1. Sobre a teoria e a técnica do trabalho sistêmico com constelações

O trabalho com constelações familiares é um procedimento psicoterapêutico relativamente


recente e controvertido. Ainda menos numerosas são até agora as experiências realizadas
através dessa abordagem com pessoas que exibem comportamento psicótico. Tais
experiências, contudo, são animadoras a ponto de justificar nosso relato a seu respeito.
Dispensamos-nos aqui de apresentar os princípios que fundamentam esse trabalho, (“ordens
do amor”, consciência pessoal e consciência do grupo familiar, etc).1[1] Apresentamos
apenas uma breve introdução, dedicando maior atenção aos aspectos que nesse trabalho
com pacientes com diagnósticos de psicose nos aparecem como especialmente importantes.

1.1 O desenvolvimento do trabalho com constelações familiares

A técnica das constelações familiares foi desenvolvida em seus elementos básicos por Bert
Hellinger, sobretudo nos anos 80 2[2]. Desenvolveu-se e expandiu-se rapidamente no espaço
cultural de lingua alemã e, nos últimos anos, também em escala internacional. Tem suas
raízes na abordagem da terapia familiar através de várias gerações 3[3]. Abordagens da
terapia familiar orientadas para o crescimento já utilizavam há mais tempo representações
espaciais para entender constelações de relacionamentos e para estimular modificações.4[4]
Depois que Bert Hellinger entrou em contato com representantes da terapia familiar, nos
Estados Unidos, e com o trabalho de escultura familiar, na Alemanha, ele começou a
condensar insights sobre a dinâmica familiar, - sobretudo os que tinham caráter estrutural e
envolviam várias gerações -, com procedimentos da análise transacional 5[5], numa terapia
breve de grupo, sob a condução de um diretor. Essa terapia ele denominou “Familien-
Stellen” (método de “colocar” ou de “constelar” famílias). Esse trabalho era
complementado, nas assim chamadas “rodadas”, por intervenções hipnoterapêuticas ou
outras, de que se valia Hellinger, através do humor, da confrontação ou da narração de
histórias para quebrar padrões rotineiros de pensamento e estimular novas alternativas de
ação. Infelizmente, essa técnica de rodadas, onde os participantes relatavam, cada um por
seu turno, seus sentimentos e suas questões, teve de ser abandonada quando Bert Hellinger
passou a trabalhar com grupos muito numerosos.6[6]

1[1]
Ver a respeito Weber (1993)
2[2]
ver Weber (1993); Hellinger (1994), (2001), Ulsamer (2001), Nelles (2002)
3[3]
ver Boszormenyi-Nagy e Spark (1972), Stierlin (1981) e no psicodrama de Moreno
(Moreno 1959)
4[4]
ver Satir (1972), Scheflen (1972) , Duhl et al. (1973), Papp (1976)
5[5]
ver Berne (1972)

Para conhecer o trabalho com rodadas, recomendamos a edição de vídeo “Wie Liebe
6[6]

gelingt”(Como o amor dá certo), Carl-Auer-Systeme Verlag, Heidelberg.


1.2 Compreensão do sistema e dos sintomas

Numa constelação são levados em conta todos os membros de um sistema familiar no


âmbito de três gerações, de maneira a incluir os vivos e os mortos. Todos os membros da
família tomam parte numa ordem básica7[7] à qual estão permanentemente vinculados. Essa
ordem básica inclui, por exemplo, o direito de todos a pertencer ao sistema e a precedência
dos que vêm antes sobre os que vêm depois. As famílias onde os sintomas aparecem estão
frequentemente em “desordem” no que toca a essas leis.
Os sintomas que estejam condicionados por implicações sistêmicas manifestam a
existência de um profundo amor resultante do vínculo, uma ligação inconsciente do
indivíduo com seu grupo de origem. Isto faz com que alguns repitam os destinos de outros
e queiram, em lugar deles, assumir algo de pesado, expiar ou até mesmo morrer. Tal
necessidade de compensar se radica num pensamento mágico de caráter infantil, já que tal
atitude não tem o poder de redimir essas pessoas nem de aliviar ou de anular seus destinos.
Outra base para o desenvolvimento de problemas é a perda de conexão com as fontes dos
laços familiares. Isto acontece, por exemplo, quando membros da família não são
respeitados ou são esquecidos. Além da implicação sistêmica, devem ser ainda
considerados, na geração de dificuldades psíquicas, os aspectos associados à evolução
pessoal, por exemplo, a interrupção do movimento precoce da criança, dirigido geralmente
para a mãe. No presente trabalho focalizamos preferencialmente as dinâmicas sistêmicas,
dando menos espaço ao significado da história individual da vida e do processo da
aprendizagem.

1.3 O processo da constelação

Em nossos seminários, que duram de dois dias e meio a quatro dias, trabalhamos com
grupos de 12 a 14 participantes e com um máximo de 10 observadores participantes. Na
constelação familiar cada participante do grupo monta espacialmente sua imagem interna
de um dos seus sistemas (o de sua família de origem ou da atual, ou ainda de suas relações
de trabalho), com a ajuda de representantes, escolhidos entre os integrantes do grupo. Esses
representantes geralmente possuem pouquíssimas informações prévias sobre as
circunstâncias da vida e da história das pessoas representadas. O terapeuta interroga os
representantes sobre suas sensações e sentimentos nos lugares que ocupam. As percepções
dos representantes fornecem indicações importantes sobre as dinâmicas familiares e as
conexões sistêmicas, pois é incrível como refletem exatamente, muitas vezes, as pessoas
representadas, que não são conhecidas pelos representantes. O dirigente do grupo tenta a
seguir mudanças de posição para os interessados, buscando, na medida do possível, o
„melhor“ lugar para cada um do sistema. Quando se consegue isto, o terapeuta geralmente
introduz o próprio cliente em seu lugar (até então ocupado por seu representante). Em

7[7]
Ver também Hildenbrand (2002)
conexão com determinadas frases8[8] que diz às pessoas importantes de suas relações, ele
muitas vezes experimenta de novo uma dor antiga e emoções que aliviam, e ganha novas
perspectivas. A “imagem da solução”, quando ele a consegue acolher e interiorizar,
desenvolve nele frequentemente efeitos que perduram por longo tempo.

1.4 A inserção da constelação familiar no processo terapêutico

Evolução progressiva ou experiência de iluminação?


A forte expansão do trabalho com constelações tem despertado junto ao público, de um
lado, expectativas fora da realidade e, de outro, críticas de simplificação sem seriedade. De
acordo com nossas experiências, o trabalho da constelação familiar, justamente com
pacientes que exibem comportamento psicótico, só se recomenda no contexto de uma
relação terapêutica e com uma acurada preparação. Os pacientes se inscrevem para os
seminários de forma autônoma e sob a própria responsabilidade, mas geralmente são
advertidos dessa possibilidade por seus terapeutas, que frequentemente também os
acompanham nos seminários. Não devem apresentar sintomas psicóticos agudos. Muitos
pacientes comparecem inicialmente a seminários, uma vez ou várias, como observadores
participantes, não fazendo inicialmente suas próprias constelações mas presenciando as de
outros ou delas participando como representantes. Os terapeutas que lhes recomendam o
trabalho ou os acompanham nele deveriam conhecer o trabalho com as constelações e suas
premissas, e o terapeuta que conduz a constelação deveria ter experiência com pacientes
desses grupos de diagnóstico. Em seguimento a uma constelação familiar podem
eventualmente surgir no paciente reações depreciadoras ou agressivas e até mesmo
episódios psicóticos. Tais reações, que inicialmente interpretávamos como sinal de
insucesso, hoje encaramos como medidas distanciadoras, que visam restabelecer a
autonomia do paciente para poder lidar com o intenso desejo de estar próximo e de ser
olhado, que se reavivou nesses seminários e foi satisfeito apenas por um curto período de
tempo. Ultimamente, justamente em seguida a tais “pioras”, temos recebido com freqüência
excelentes retornos de terapeutas relatando desenvolvimentos positivos depois de
constelações familiares.

2. Elementos terapêuticos do trabalho com constelações familiares

2.1 Esclarecimento da solicitação

Um fator importante do seminário de constelações é o esclarecimento do que se deseja do


terapeuta. Quanto mais concretamente forem formuladas as questões e os objetivos, tanto
melhor se poderá decidir qual corte do sistema deverá ser representado ou levado em
consideração. A ampla dispensa de uma anamnese detalhada e o enfoque dirigido para
soluções e recursos choca-se, às vezes com resistências, justamente por parte de pacientes
com longa história de tratamento, como se estes tivessem de “defender” seu status de
doentes e justificar seus problemas. Contudo, se os pacientes com diagnósticos de psicose

8[8]
Ver Hellinger (1995)
recebem nos seminários o mesmo tratamento como todos os demais, eles logo mostram,
muitas vezes, incríveis habilidades sociais e geralmente se integram em problemas ao
grupo.

2.2 A representação

O que se exige dos representantes nas constelações é que se desprendam em larga medida
de suas histórias pessoais, que percebam “sem intenções” e comuniquem as reações
corporais, sentimentos ou sensações que emergem nos lugares que ocupam como
representantes. Esta exigência de deixar “de fora” a própria história e as hipóteses de uma
psicologia corriqueira (por exemplo, „Aquela pessoa está longe de mim - com ela não devo
ter muito a ver), e de se entregar sem reservas ao que se sente, oferece a cada participante
um exercício de percepção que no decurso do seminário vai sendo cada vez melhor
dominado. Tem-nos surpreendido, repetidas vezes, a maneira diferenciada e sensível que
exibem, como representantes, pacientes que antes apresentavam um comportamento
psicótico. Alguns ainda precisam de uma ajuda inicial, tanto para entrarem num papel
quanto para se “despedirem” dele, mas muitos vão apreciando cada vez mais a
possibilidade de vivenciar papéis e lugares totalmente diferentes nas famílias. Numa
constelação é possível perceber onde esses pacientes frequentemente encontram problemas:
em viver relações intensas e em seguida voltar a si mesmos (quando, depois de uma
constelação, abandonam os papéis que representavam).

2.3 A vivência da imagem

Através do método de posicionar membros da família, com a ajuda de representantes,


manifesta-se um aspecto vivencial que, à exceção do trabalho com esculturas familiares,
raramente aparece em outras abordagens terapêuticas: a experiência subjetiva direta,
realizada simultaneamente em muitos canais sensórios, envolvendo o lado fisiológico, o
expressivo-motor, o emocional e então também o cognitivo. Através dessa experiência
direta que envolve o corpo e os sentidos, as imagens consteladas têm muitas vezes fortes
efeitos emocionais e com isto podem ser revividas e trabalhadas. O que se procura, em
termos de imagem sensível, é um lugar melhor para o protagonista. As mudanças nas
sensações corporais e nas emoções dos representantes e do próprio cliente servem de
instrumentos para validar a solução. Na imagem da solução ganham um lugar informações
e pessoas até então excluídas. Quando o processo da constelação, com a imagem da
solução, é significativo para o cliente, ele ativa novas formas de ver e de proceder em
constelações familiares até então experimentadas como problemáticas. Como num rito de
passagem, os passos individuais (as imagens intermediárias) são condensados numa
experiência que se pode apreender e compreender.9[9]

3. Experiências já resultantes do trabalho de constelações com pessoas com


diagnóstico de psicose
9[9]
Ver Baxa (2001)
Em contraposição às teorias e procedimentos de abordagens terapêuticas estabelecidas,
exaustivamente formuladas e diferenciadas através de decênios, o trabalho com
constelações, especialmente com pacientes de psicoses, só apresenta algumas experiências
iniciais.10[10] Essas experiências indicam que determinados padrões de relacionamento e
determinadas dinâmicas sistêmicas aparecem mais frequentemente em sistemas com
pacientes de psicose do que em outros sistemas. Isto não implica em afirmar que esses
padrões estejam condicionando o aparecimento de psicoses. Entretanto, podemos verificar
que processo de trazê-los à luz e resolvê-los através das constelações frequentemente
influencia positivamente e de forma duradoura o comportamento dos envolvidos.
Descrevemos a seguir algumas dessas características e dinâmicas de relacionamento em
pacientes com diagnoses de formas esquizofrênicas, inclusive alguns exemplos de casos.

3.1 Fragilidade na diferenciação entre o „eu“ e os „outros“.

Nestas constelações, com mais frequência e de modo mais drástico do que em outras, os
representantes expressam percepções que, num sentido mais amplo, se relacionam ao tema
da „diferenciação entre si mesmo e outras pessoas no sistema“. Os representantes se
confundem com outros, sentem-se enredados e ligados como se fossem siameses e carecem
de um espaço próprio perceptível; ou então se sentem colocados inteiramente diante do
sistema ou para fora dele. Exprimem-se com marcada ambivalência, oscilam entre
sentimentos de estarem fundidos, amarrados e obrigados, desejando ter autonomia e espaço
livre, ou então se apresentam desorientados, desesperados ou mudos. Estas manifestações
de participantes „ingênuos“ do curso em posições de representantes correspondem às
descrições da dinâmica psíquica nas abordagens da terapia individual.11[11] Nas
constelações pode-se mostrar com frequencia que esses estados psíquicos perturbadores,
opacos e quase insuportavelmente contraditórios possuem o seu equivalente em
acontecimentos e processos relacionais obscuros, traumáticos e cercados de segredos do
sistema familiar, em que os interessados estão implicados de forma muitas vezes
inconsciente. Trata-se aí de dinâmicas que atuam através de gerações. Nas constelações, o
comportamento psicótico se manifesta como um esforço ativo para dominar inconciliáveis
tensões e oposições, de caráter interpessoal e intrapsíquico.

3.2 Ligação profunda e identificação

Denominamos „identificada“ uma pessoa que, de modo inconsciente, está implicada com
aspectos de um ou de vários membros da família e tenta imitar ou superar aspectos da vida
dele(s). Segundo nossa experiência, tais identificações surgem principalmente quando
membros do sistema tiveram um destino especial, ou quando não são respeitados ou foram
excluídos. Membros que se seguem no sistema familiar caem então em contextos de
relacionamento em que muitas vezes, de forma inconsciente, repetem aspectos do destino
dessa(s) pessoa(s) ou sentem a necessidade de resolver algo em seu lugar. Em famílias com

10[10]
Ver Langlotz (1999), Hellinger (2001), Ruppert (2002)
11[11]
Ver Mentzos (19 ).
formações sintomáticas esquizofrênicas, encontramos frequentemene formas especiais de
identificação que descrevemos a seguir.

3.2.1 Identificação transsexual

Exemplo 1:
A mais velha de duas filhas desenvolvera um comportamento psicótico ao terminar seus
estudos superiores. Apaixonara-se por um de seus professores, mas também não estava
certa de que ela própria não fosse um homem, e durante semanas apresentou-se em suas
aulas com trajes masculinos. Jamais conseguira trabalhar em sua profissão. Na
constelação, sua representante se postou ao lado da mãe e o pai afirmou que não tinha nada
a ver com aquilo. Através de perguntas apurou-se que a mãe tivera um noivo e que o
casamento fora impedido pelas injunções da guerra. Durante toda a sua vida, ela rejeitara
seu marido, desvalorizando-o em presença das filhas e também idealizando o noivo por sua
melhor instrução. A cliente tinha cursara a mesma disciplina do antigo noivo da mãe e,
como ela própria dizia, tomara o lugar dele junto da mãe.

Ela se sentiu liberada quando o noivo foi introduzido na constelação e quando ela disse,
tanto a ele quanto à sua mãe, que nada tinha a ver com ele e que só queria viver a própria
vida e aceitar-se plenamente como mulher. Em seguida colocou-se junto do pai e disse-lhe
que ele era o responsável pela mãe.

Exemplo 2:
Um paciente, que vinha sendo diagnosticado como doente psíquico crônico e que fora
criado num círculo de muitas mulheres, após um seminário assumiu-se abertamente como
homossexual. A partir daí passou a mostrar sintomas bem mais raramente, completou com
acompanhamento terapêutico uma exigente formação e há dois anos exerce sua profissão.

3.2.2 Identificações duplas

Particularmente pesada é a identificação simultânea com dois excluídos. Uma forma


especial dela é a identificação simultanea com vítima(s) e autor(es).

Um exemplo:
Uma participante de um seminário, de cerca de 50 anos, com uma carreira psiquiátrica de
muitos anos, tinha um pai de mãe solteira, que entrou na policia especial nazista e mais
tarde foi vigia num campo de concentração. Através de perguntas, apurou-se durante a
constelação que o pai dele era judeu e que nada se sabia sobre seu destino. Com isto a
paciente passou a compreender melhor seus sintomas, que já duravam anos, de ser
simultaneamente simultaneamente perseguida e perseguidora.12[12] Essa dinâmica foi por

Ver também relatos sobre famílias alemãs onde familiares foram envolvidos em ações
12[12]

criminosas na época nazista, ou foram vítimas de crimes: Hellinger (1998 und 2001a),
Ruppert (2002).
nós encontrada diversas vezes, por exemplo, nos chamados doentes mentais transgressores.
Seja frisado, neste contexto, que com muita frequência tomamos à letra conteúdos de
manias, que se revelam carregados de sentido. Se alguém se sente perseguido ou
envenenado, perguntamos: quem na família foi perseguido ou envenenado? Ou, se alguém
sente compulsão de lavar-se, perguntamos: quem na família precisava lavar-se? Não
dispomos aqui do espaço necessário para entrar mais fundo nesta matéria.

3.3 Segredos e tabus

Em constelações de pacientes de psicoses pudemos verificar repetidas vezes que


provocavam perturbação nesses pacientes relacionamentos confusos e mal definidos, como
paternidade obscura, adoções mantidas em segredo, ocultação de um irmão gêmeo que
morreu no parto ou durante a gravidez,13[13] causas de morte obscuras ou ocultadas (por
exemplo, um suicídio apresentado como um acidente). Devido a sentimentos de lealdade,
os pacientes frequentemente não se atrevem a comunicar as incertezas que experimentam,
fazer perguntas sobre elas ou investigá-las.

3.4 Sequelas de culpa e de violência na família

Em famílias onde há psicoses parece também haver um número bem maior de segredos de
família e de tabus relacionados com atos de violência, crimes e injustiças de que
participaram, como autores ou como vítimas, membros da famía (geralmente de gerações
precedentes). A culpa cometida ou experimentada geralmente não era encarada nem
exteriorizada.

Ilustro com um exemplo de um seminário de constelações familiares:


Um homem de 33 anos, após uma grave tentativa de suicídio, procurou-me para uma
terapia. Contou que nos últimos meses, quando estava se separando de sua namorada,
retraiu-se de todo contato social e desenvolveu fantasias de perseguido e de perseguidor.
Finalmente abriu a própria veia jugular e só foi salvo devido a circunstâncias felizes. Na
época do início da terapia não mostrava sintomas psicóticos agudos, mas todos os sinais de
uma grave crise de identidade e de autovalorização. Estava fortemente deprimido e padecia
de sentimentos massivos de culpa, insuficiência e fracasso.Experimentava uma forte
diminuição de seus impulsos e um retardamento motor, falava por monossílabos e estava
grandemente limitado em sua expressão.Durante um ano de acompanhamento
psicoterapêutico aconteceram vários episódios de crise e conversas em família com o pai e
o irmão mais novo, que sempre exprimiam medo de uma recaída e pela vida dele. Ele se
estabilizou, mas voltou a viver com os pais e cortou quase todo contato com o mundo
exterior. Ele mesmo se queixava de falta de acesso emocional a si mesmo e à tentativa de
suicídio, experimentava-se como se estivesse cortado de alguma coisa e não „sentisse“ mais
a si mesmo.

13[13]
Ver também Mayer (1998)
Sua participação num seminário de constelações familiares tinha o objetivo principal de
retomar contato com outros (interessados). No decurso do seminário ele constelou sua
família de origem (os pais, ele próprio e um irmão mais novo). Os representantes de todos
eles disseram que tinham pouco contato com os próprios sentimentos. Como o
representante do pai, na constelação da família, se virou e olhava para fora, interrogamos
o cliente sobre destinos ou acontecimentos especiais em sua família de origem. Apuramos
que dois de seus irmãos tombaram na guerra e que seu avô voltara para casa ferido por um
tiro na barriga. Fizemos com que o cliente incluísse na constelação os dois tios e o avô. Ele
reverenciou cada um deles. Os representantes dos tios se sentiram olhados e honrados em
seu destino, mas o representante do avô disse que não se devia reverenciá-lo pois cometera
algo muito grave. Paralelamente já se tinham modificado antes os sentimentos dos demais
representantes da família, de forma incomum e dramática. Todos eles se afastaram do
representante do avô e mostravam um forte medo. Respondendo às perguntas, o cliente só
pôde informar que o avô tinha sido um participante entusiasta da guerra.
Experimentalmente foram então introduzidos representantes de vítimas da guerra, que se
deitaram no chão. Sua presença provocou no representante do cliente uma veemente
compaixão, enquanto o representante do avô permaneceu frio e distante. O representante do
cliente se inclinou diante das vítimas, despediu-se também do avô, que fora colocado à
parte da família, e deixou com ele a culpa. Em seguida foi colocado ao lado do pai.
Depois da constelação o cliente contou que da herança do pai ele tinha pedido para si a
mochila de guerra (na ocasião, tinha sete anos). Essa mochila continha, entre outros objetos
de uso, o livro de Hitler „Mein Kampf“ (Minha Luta) e uma velha pistola. Foi com essa
arma que ele tentou suicidar-se e só recorreu à faca quando a pistola falhou. Foi
profundamente tocante, para o cliente, sua vivência num grupo onde nem ele nem seu avô
foram moralmente julgados, e no qual ele, de forma comovente, se dirigiu a seu pai e seu
pai a ele. Por desejo próprio, ele terminou a terapia, depois umas cinco sessões adicionais,
separadas por intervalos mais longos.
Dois anos depois, apareceu no consultório do terapeuta com um ramo de flores nas mãos.
Relatou que tinha prestado com êxito seus exames finais como engenheiro, assumido um
emprego e iniciado uma nova relação. Sentia que tinha „aterrissado bem na vida“. Disse
que o seminário da constelação tinha sido a coisa mais difícil que conseguira na vida, e que
fora incrivelmente importante para ele.

3.5 Outros dilemas que pesam

Certas situações se tornam também insustentáveis para tais pacientes quando, além das
implicações sistêmicas, se defrontam com vários dilemas de relacionamento. Podem estar
colocados, por exemplo, entre duas pessoas relacionadas que estejam em conflito total entre
si (por exemplo, seus pais ou a mãe e uma avó que também more em casa). Pode ser ainda
que alguém tenha colocado para eles expectativas comportamento totalmente contraditórias
e inconciliáveis, ou que várias pessoas ao mesmo tempo lhes tenham colocado expectativas
diferentes e estressantes.14[14]

14[14]
Ver também Simon et al. (1989) sobre dissociação sincrônica.
Isto aconteceu, por exemplo, com uma paciente simultanemente identificada com agressora
e vítima. Na constelação ela ficou em posição transversa entre a representante da mãe e a
da avó paterna, que se odiavam mutuamente. Tais triangulações adicionais marcantes
dessas crianças foram frequentemente encontradas por nós nas constelações. Suas soluções
proporcionaram claros alívios adicionais. Quando os pais provinham de países diferentes ou
pertenciam a diferentes comunidades religiosas, isto trazia aos filhos novos dilemas.

4. Conclusão

Requer-se uma grande experiência terapêutica para se lidar cuidadosamente com as


“informações” reveladas nas constelações, tomando-as, sim, a sério, não porém
excessivamente à letra. Talvez mais do que em outros métodos, existe aqui, conforme a
formação e a mentalidade do praticante, o perigo da simplificação, de uma abreviação sem
seriedade e da manipulação. Além disto, cada família tem o direito de manter seus
segredos. Pode ser útil que, depois de uma constelação, familiares acrescentem às
percepções, até então tomadas como “loucas”, informações que esclareçam os
acontecimentos já registrados. Quando, porém, aquilo que emerge nas constelações passa a
ser considerado como a única verdade válida, a confusão e as manias apenas ficam piores.
Em nossa apreciação, o trabalho da constelação familiar, com sua perspectiva sistêmica que
abrange gerações e a utilização da representação espacial, é uma complementação e um
prolongamento essencial do espectro terapêutico no tratamento de pessoas que exibem um
comportamento psicótico. Nossas experiências apoiam as tentativas de pessoas versadas em
assuntos psíquicos, no sentido de buscar um entendimento de seus sintomas aparentemente
incompreensíveis como “mensagens do mundo interior”15[15]. Nossa tendência é de
interpretá-los, antes, como indicações de implicações sistêmicas até então não
compreendidas.

Tradução: Newton Queiroz


Rio de Janeiro, julho 2002

15[15]
Ver Stratenwerrth e Bock (1998)
Citações

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