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Bacteriologia

Clínica

Maiquidieli Dal Berto


Introdução ao estudo
dos antimicrobianos
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

„„ Reconhecer os principais marcos históricos dos antimicrobianos.


„„ Descrever as classes de antimicrobianos e o seu potencial terapêutico.
„„ Analisar o crescente número de bactérias resistentes e o impacto na
saúde humana.

Introdução
Os antimicrobianos são fármacos que provocam a morte ou a inibição do
desenvolvimento de microrganismos. Eles constituem um vasto grupo
de medicamentos com diversos mecanismos de ação contra bactérias,
fungos, parasitas e vírus. Os mais prescritos são os antibióticos, tanto para
o tratamento realizado em casa quanto para uso hospitalar.
A principal finalidade do uso dos antimicrobianos é tratar e prevenir
uma infecção. O fármaco tem o potencial de atacar os organismos pato-
gênicos, preservando a microbiota normal do hospedeiro. No entanto,
para que isso ocorra, o tratamento deve ser utilizado em situações em
que o uso seja comprovadamente benéfico. O uso indiscriminado ou não
criterioso desses fármacos tem acelerado o processo de resistência micro-
biana, levando à diminuição da eficácia no tratamento. Com isso, deve-se
sempre levar em consideração no uso racional dos antimicrobianos, a
sua efetividade, a toxicidade e o custo para o indivíduo e a sociedade.
Neste capítulo, você vai ver os principais marcos históricos dos antimi-
crobianos e vai aprender sobre as suas diferentes classes e o seu potencial
terapêutico. Além disso, verá a importância do seu uso racional, devido
ao seu crescente número de bactérias resistentes, bem como o impacto
que isso traz para a saúde humana.
2 Introdução ao estudo dos antimicrobianos

História dos antimicrobianos


Inicialmente, para que você consiga entender a história dos antimicrobianos,
alguns conceitos são importantes. Antimicrobiano é o termo mais utilizado para
descrever fármacos que têm por objetivo combater determinado microrganismo.
No entanto, ele engloba dois termos distintos. O primeiro são os antibióticos,
produzidos por microrganismos como fungos e bactérias, que são capazes de
inibir o crescimento ou destruir outros microrganismos. O segundo termo são
os quimioterápicos, caracterizados por serem produzidos em laboratório, mas
que também apresentam toxicidade baixa para células normais do hospedeiro
e alta para o agente agressor. Ambos são antimicrobianos, mas as suas formas
de produção são diferentes, e é isso que diferencia um antimicrobiano natural
(antibiótico) de um sintetizado (quimioterápico). Esses fármacos também
podem ser divididos de acordo com os seus microrganismos suscetíveis. Nessa
classificação entram antibacterianos, antivirais, antifúngicos e antiparasitários
(TORTORA; FUNKE; CASE, 2017).
Outro ponto importante é que um antimicrobiano tem como principal
compromisso combater uma infecção e, além disso, atingir a toxicidade sele-
tiva. Em outras palavras, o fármaco de ação deve prejudicar somente o agente
agressor, e não as células do hospedeiro. Um exemplo disso são as cefalospo-
rinas: antibióticos eficazes e totalmente seguros porque conseguem impedir o
crescimento das células bacterianas sem impedir o desenvolvimento normal
das células humanas durante a gestação. Por isso, são frequentemente indicadas
para tratar infecções do trato urinário em gestantes (BARROS; MACHADO;
SPRINZ, 2013). A toxicidade seletiva em geral é mais relativa que absoluta,
isto é, a concentração de fármaco é tolerada pelo hospedeiro, mas ao mesmo
tempo consegue danificar um microrganismo infectante.
Existem muitos mais fármacos antibacterianos do que antivirais. Isso ocorre
devido à dificuldade de desenvolver um fármaco capaz de inibir seletivamente
a replicação viral, uma vez que os vírus utilizam muitas das funções celulares
normais do hospedeiro para o seu desenvolvimento. Assim, a criação de um
fármaco que consiga inibir especificamente as funções virais sem causar danos
às células do hospedeiro torna-se mais difícil. A seletividade pode ocorrer em
função de um receptor específico, que é necessário para a ligação do fármaco,
ou pode depender da inibição dos eventos bioquímicos que são essenciais para
o patógeno, mas não para o hospedeiro (LEVINSON, 2016).
Os antimicrobianos correspondem a uma classe de fármacos que é fre-
quentemente utilizada na prática clínica — a há décadas eles vêm sendo
estudados em busca de novas drogas. As sulfonamidas (fármacos totalmente
Introdução ao estudo dos antimicrobianos 3

sintetizados) foram os primeiros antimicrobianos eficazes a serem utilizados


contra infecções sistêmicas nos seres humanos. A sua descoberta foi muito
importante para a medicina e para a saúde, e a sua ampla utilização refletiu
rapidamente no acentuado declínio dos índices de mortalidade e morbidade
das doenças infecciosas tratáveis. As sulfonamidas exibem uma ampla faixa
de atividade antimicrobiana contra bactérias gram-positivas e gram-negativas.
Entretanto, as cepas resistentes tornaram-se comuns e novos antibióticos foram
sendo produzidos, de modo que a utilidade desses fármacos também declinou
proporcionalmente (TORTORA; FUNKE; CASE, 2017).
No entanto, o grande marco no tratamento das infecções bacterianas ocorreu
muito antes, com a descoberta da penicilina pelo bacteriologista Alexander
Fleming, em 1928 — o que se deu por acaso no seu laboratório. Fleming ob-
servou, em uma das suas placas com cultura de Staphylococcus aureus, uma
contaminação por um bolor; em volta das colônias, ele percebeu que não havia
mais bactérias. Como o bolor pertencia ao gênero Penicillium notatum e ele
produzia uma substância responsável pelo efeito bactericida, Fleming deu a ela o
nome de penicilina (TORTORA; FUNKE; CASE, 2017). Na Figura 1, você pode
ver uma representação da cultura que levou Fleming a descobrir a penicilina.

Figura 1. Representação da cultura na qual Fleming descobriu a pe-


nicilina: (1) indica a colônia do fungo Penicillium notatum, com o soro
(penicilina) brotando dele; (2) mostra a área em que as colônias de
estafilococos estavam sendo destruídas; (3) mostra as bactérias que
conseguiram se desenvolver por estarem fora do alcance da penicilina.
Fonte: Adaptada de Química dos Medicamentos (2016).
4 Introdução ao estudo dos antimicrobianos

Entretanto, ninguém deu importância para essa grande descoberta até


que o seu uso clínico foi iniciado, na Segunda Guerra Mundial, para tratar
infecções bacterianas dos soldados feridos. Ainda, somente depois de alguns
anos de pesquisa é que ela começou a ser produzida em escala industrial.
A descoberta da penicilina foi um dos maiores marcos da história, iniciando
a era dos antibióticos. Até hoje ela é utilizada para combater infecções de
garganta, de ouvido, do trato urinário, pneumonia, meningite, entre outras.
As penicilinas pertencem ao grupo dos beta-lactâmicos, do qual faz parte
uma grande variedade de fármacos. A primeira foi a penicilina G, sintetizada
naturalmente pelo fungo Penicillium. No entanto, devido ao aparecimento
de bactérias resistentes à droga, outras famílias foram desenvolvidas. Hoje
existem penicilinas de produção natural, semissintética e totalmente sintética,
que diferem de acordo com o seu espectro de ação. As benzilpenicilinas, por
exemplo, são bastante eficazes contra bactérias gram-positivas como estrepto-
cocos e estafilococos. Já a ampicilina é eficaz contra bactérias gram-negativas
como a Salmonella (BARROS; MACHADO; SPRINZ, 2013).

Há duas formas de os antimicrobianos agirem frente ao agente agressor. A primeira


dela são os bactericidas, capazes de matar os microrganismos, como beta-lactâmicos,
aminoglicosídeos, glicopeptídeos, quinolonas. A outra são os bacteriostáticos, que
inibem o crescimento dos microrganismos, sendo necessária a atuação do sistema imu-
nológico para eliminar o agente agressor, como macrolídeos, linezolida e lincosaminas.

Classificação dos antimicrobianos


Quando há uma infecção, as contagens de microrganismos geralmente são
pequenas no início. No entanto, essas contagens aumentam com a replicação
desses microrganismos. Em geral o sistema imunológico controla as infec-
ções antes mesmo de causarem danos para os hospedeiros — denominados
indivíduos imunocompetentes. Todavia, em alguns casos o microrganismo
pode superar o sistema imune e causar a doença. Na maioria das vezes, isso
ocorre porque o indivíduo está imunocomprometido, ou seja, o seu sistema
imunológico está enfraquecido, não apresentando reações imunitárias normais
que poderiam combater com eficiência a presença do microrganismo. É nesse
Introdução ao estudo dos antimicrobianos 5

momento que os patógenos oportunistas se aproveitam da situação. Eles


geralmente pertencem à microbiota normal do corpo e raramente provocam
doenças em indivíduos imunocompetentes; porém, em pacientes cujas defesas
imunes estão reduzidas (os imunocomprometidos), eles conseguem causar
infecções graves. A doença pode ser autolimitante: por exemplo, as infecções
virais das vias respiratórias superiores são autolimitantes e não devem ser
tratadas com antimicrobianos. No entanto, há outros casos de doenças que
devem ser tratadas dessa forma, como pneumonia, meningite, entre outras.
Nesses casos, o tratamento deve ser interrompido depois da regressão da
doença. Em outras, o fármaco deve ser utilizado para manutenção ou como
profilático, antecipatório, empírico, definitivo ou supressor.
A utilização de um antimicrobiano pode ter vários objetivos. Assim, como
há, ao longo dos anos, cada vez mais fármacos sendo desenvolvidos para o
tratamento das infecções, foi necessário criar uma classificação. A classificação
mais comum baseia-se no seu mecanismo de ação: (1) inibição da síntese da
parede celular; (2) inibição da síntese proteica; (3) inibição da replicação e
transcrição de ácidos nucléicos; (4) lesão da membrana citoplasmática; e (5)
inibição da síntese de metabolitos essenciais (TORTORA; FUNKE; CASE,
2017). A Figura 2 mostra um esquema representando esses cinco mecanismos.

Figura 2. Representação dos cinco principais mecanismos antimicrobianos como base de


ação do fármaco clinicamente efetivo.
Fonte: Tortora, Funke e Case (2017, p. 551).
6 Introdução ao estudo dos antimicrobianos

Inibidores da síntese de parede celular


As bactérias possuem uma camada externa rígida, denominada parede celular,
a qual mantém o seu tamanho e a sua forma, e dentro dela há uma elevada
pressão osmótica. A lesão dessa parede celular ou a inibição da sua forma-
ção podem levar à destruição da célula. Essa rede que existe para proteger
a camada da parede celular é chamada de peptideoglicano — vale lembrar
que ela somente é encontrada na parede celular das bactérias. As penicilinas
e cefalosporinas são os antibióticos mais clássicos; os novos fármacos são
carbapenens, carbacefens e os monobatânicos. Elas previnem a síntese de
peptideoglicanos; como consequência, a parede celular fica enfraquecida e a
célula acaba sofrendo lise. Fármacos de ação por esse mecanismo apresentam
pouca toxicidade para as células do hospedeiro (LEVINSON, 2016; TORTORA;
FUNKE; CASE, 2017).
As cefalosporinas de primeira geração apresentam atividade contra a
maioria das bactérias que colonizam a pele e infectam feridas. Elas também
são amplamente utilizadas para profilaxia antimicrobiana antes de uma ci-
rurgia. Já as de segunda geração são usadas para o tratamento de infecções
causadas por microrganismos sensíveis. Por exemplo, a cefoxitina apresenta
boa atividade contra anaeróbios, sendo útil no tratamento de profilaxia de
infecções abdominais inferiores e ginecológicas. Em virtude do seu amplo
espectro de atividade antibacteriana, as cefalosporinas de terceira geração
são importantes para tratar uma grande variedade de infecções, incluindo
pneumonia, peritonite e síndrome de sepse.
As penicilinas podem ser classificadas em quatro grupos: penicilinas
naturais, penicilinas antiestafilocócicas, aminopenicilinas e penicilinas an-
tipseudomonas. Veja as indicações e demais informações sobre cada grupo
no Quadro 1.
Introdução ao estudo dos antimicrobianos 7

Quadro 1. Classificação das penicilinas

Penicilinas naturais

Penicilina G Indicada para tratar endocardite


causada por S. viridans, faringite e sífilis
(Treponema pallidum). Mais apropriada
para terapia intramuscular.

Penicilina V O espectro de atividade se assemelha


com o da penicilina G. Indicada para
tratar infecções estreptocócicas quando
a terapia oral é mais apropriada.

Penicilinas antiestafilocócicas (resistentes à penicilina)

Nafcilina Indicadas para infecções estafilocócicas


graves, como celulite empiema,
Oxacilina
endocardite, osteomielite, artrite
séptica e síndrome do choque
tóxico. Terapia parenteral.

Cloxacilina Indicadas para tratar infecções


estafilocócicas clinicamente leves,
Dicloxacilina
como impetigo, terapia oral.

Aminopenicilinas 

Ampicilina Eficaz no tratamento para meningite


causada por Listeria monocytogenes.

Amoxicilina Indicada para tratar infecções graves,


como endocardite enterocócica
e pneumonia causada por H.
influenzae β-lactamase-negativa.

Penicilinas antipseudomonas

Carbenicilina Indicada para infecções do trato


urinário causadas por P. aeruginosa,
Proteus spp. e Escherichia coli.

Mezlocilina
Indicadas para tratar pneumonia associada
Piperacilina
a fibrose cística ou ventilação mecânica.
Ticarcilina

Fonte: Adaptado de Craig e Stitzel (2005).


8 Introdução ao estudo dos antimicrobianos

Inibidores da síntese proteica


Diferentemente da inibição da síntese de parede celular, a síntese proteica é
uma característica comum para todas as células, tanto as eucariontes quanto
as de bactérias. No entanto, foi descoberta uma diferença estrutural nos ri-
bossomos: células eucariontes possuem ribossomos 80S, e células bacterianas
têm ribossomos 70S. Essa diferença é o que permite que os fármacos atinjam
a toxicidade seletiva. Contudo, as mitocôndrias (organelas eucarióticas) tam-
bém possuem na sua estrutura os ribossomos 70S. Portanto, antibióticos que
afetam os ribossomos 70S podem causar alguns efeitos adversos nas células
do hospedeiro (LEVINSON, 2016; TORTORA; FUNKE; CASE, 2017).

Inibição da síntese de ácidos nucleicos


Os antimicrobianos que atuam por essa via apresentam utilização limitada,
pois vários fármacos interferem nos processos de replicação e transcrição
de DNA no microrganismo, seja diretamente sobre enzimas que participam
da replicação do ácido nucléico, seja interferindo na síntese de precursores
dos constituintes da molécula de DNA nos hospedeiros (LEVINSON, 2016;
TORTORA; FUNKE; CASE, 2017). Exemplos dessa classe são os antivirais
utilizados no tratamento contra o HIV.

Danos à membrana plasmática


Antimicrobianos compostos por polipeptídios provocam mudanças na per-
meabilidade da membrana plasmática, resultando na perda de metabolitos
essenciais para a sobrevivência das células microbianas. Fármacos antifúngicos,
como anfotericina B, miconazol e cetoconazol, são bastante eficientes contra
doenças fúngicas. As suas características de ação são as seguintes: o fármaco
se liga aos esteróis da membrana plasmática fúngica e, como consequência, a
membrana acaba sendo danificada. Como a membrana plasmática das bacté-
rias não possui esteróis, os antibióticos não possuem ação contra as bactérias
(LEVINSON, 2016; TORTORA; FUNKE; CASE, 2017).

Inibição da síntese de metabolitos essenciais


Atuam bloqueando a síntese de metabolitos que são essenciais para os mi-
crorganismos, impedindo a duplicação do material genético e a divisão dos
patógenos. Um exemplo são as sulfonamidas, que são análogos do ácido
Introdução ao estudo dos antimicrobianos 9

paraminobenzoico (PABA) — fator essencial para a síntese do ácido fólico


pelas células bacterianas. Quando esse antibiótico está presente, a enzima
que se ligaria ao substrato PABA na célula bacteriana passa a se ligar à sulfa.
A sua ligação ao antibiótico, em vez do PABA, não gera moléculas com ati-
vidade funcional. Com isso, não há formação de ácido fólico, por competição
dos substratos ao sítio da enzima (LEVINSON, 2016; TORTORA; FUNKE;
CASE, 2017).

No site da Anvisa, disponível no link a seguir, você pode saber mais sobre os antimi-
crobianos que podem ser usados durante a gestação.

https://qrgo.page.link/JYNfF

Resistência bacteriana
Conhecer as características básicas dos antimicrobianos disponíveis, incluindo
os princípios gerais sobre o seu uso racional, é essencial para uma escolha
terapêutica adequada e para um tratamento eficaz. Um dos maiores avanços
da medicina moderna foi o desenvolvimento de antibióticos e outros agentes
antimicrobianos; no entanto, o desenvolvimento de resistência a eles é uma
preocupação crescente. O significado do conceito de “resistente” é quando a
bactéria tem a capacidade de se desenvolver in vitro na presença da mesma
concentração que o antibiótico atinge no sangue, ou seja, ele é dose-depen-
dente (BARROS; MACHADO; SPRINZ, 2013). Há relatos frequentes de
estafilococos que são resistentes a quase todos os antibióticos disponíveis.
Entre os exemplos estão as Methicillin Resistant Staphylococcus aureus
(MRSA) e as Vancomycin Resistant Staphylococcus aureus (VRSA), cepas de
Staphylococcus aureus que se tornaram resistentes aos antibióticos meticilina
e vancomicina. O termo “alto nível de resistência” é utilizado nos casos em
que o microrganismo não consegue ser superado mesmo aumentando a dose
de fármaco; nessas situações, o indicado é trocar por uma classe diferente.
O termo “baixo nível de resistência” é utilizado quando a resistência consegue
ser superada aumentando a dose do antimicrobiano. Sabe-se que a resistência
ocorre, principalmente, em virtude do surgimento de mutações que conferem
10 Introdução ao estudo dos antimicrobianos

às bactérias proteção contra os antibióticos. Essas mutações ocorrem por


diversos mecanismos, mas elas acontecem com maior frequência com o uso
incorreto de medicamentos, ou seja, nesse caso o processo torna-se acelerado
(LEVINSON, 2016).

Mecanismos de resistência
A resistência bacteriana pode ser dividida de duas formas: a natural ou a
adquirida. A resistência natural tem características das espécies bacterianas,
quando esses microrganismos são naturalmente resistentes a certos tipos de
antibióticos. Ela não necessita de estruturas de atuação de antimicrobianos ou
sua impermeabilidade. Diferentemente da natural, a resistência adquirida
acontece por meio de uma alteração em nível genético da célula, de natureza
cromossômica, pelos processos de mutação, transdução e transformação.
Nesse sentido, há alguns mecanismos principais de resistência adquirida
pelos quais as bactérias se tornam ineficazes aos antibióticos (BARROS;
MACHADO; SPRINZ, 2013; TORTORA; FUNKE; CASE, 2017), e nem
todos ainda foram completamente entendidos. Veja na Figura 3 quais são eles.

1. Redução na permeabilidade
do antibiótico

Antibiótico

2. Inativação enzimática do Fármaco

Antibiótico

Antibiótico

Molécula-alvo
alterada Ação enzimática

3. Modificação do sítio alvo do fármaco Antibiótico


inativado

4. Efluxo do antibiótico

Figura 3. Representação dos principais mecanismos de resistência das bactérias aos


antibióticos.
Fonte: Tortora, Funke e Case (2017, p. 570).
Introdução ao estudo dos antimicrobianos 11

Inativação enzimática do fármaco


Esse é o principal mecanismo de resistência adquirida contra antibióticos,
e normalmente afeta antibióticos naturais. Os fármacos totalmente sintéti-
cos, como fluoroquinolonas, apresentam uma menor probabilidade de serem
afetados por esse mecanismo. As bactérias agem pela produção de enzimas
com grande potencial de inativar o fármaco. Exemplos de fármacos desse
grupo são os beta-lactâmicos (penicilinas, cefalosporinas, entre outros). Isso
ocorre porque as bactérias produzem enzimas beta-lactamase, que hidrolisa
o anel beta-lactâmico e inativa o agente agressor (o fármaco). Os fármacos
ampicilina e sulbactam foram desenvolvidos na busca de encontrar antibióticos
beta-lactâmicos mais resistentes à ação das beta-lactamases, sendo os mais
indicados para esse caso (BARROS; MACHADO; SPRINZ, 2013; TORTORA;
FUNKE; CASE, 2017).

Modificação do sítio alvo do fármaco


Outra forma de resistência bacteriana é pela modificação da molécula da ação
dos antibióticos. O sítio de ação no qual o antibiótico foi criado para atuar
pode ser modificado de maneira que a sua estrutura possa apresentar baixa
ou nenhuma afinidade pelo agente antibacteriano. Um exemplo clássico é a
alteração do sítio de ação nas espécies de estafilococos em relação à meticilina
ou à oxacilina. Os estafilococos possuem estruturas chamadas proteínas
ligantes de penicilina (PBP), associadas à síntese de peptideoglicano, cuja
função é inibida por esses antibióticos. No entanto, os estafilococos resisten-
tes sintetizam uma PBP adicional, que apresenta afinidade mais baixa aos
antibióticos do que as PBP normais (BARROS; MACHADO; SPRINZ, 2013;
TORTORA; FUNKE; CASE, 2017).

Efluxo do antibiótico
A característica desse mecanismo é que certas proteínas, na membrana plas-
mática das bactérias gram-negativas, agem expelindo os antibióticos, impe-
dindo assim que eles alcancem a sua concentração efetiva. Esse mecanismo
é originalmente observado em tetraciclinas, mas também é responsável pela
resistência a praticamente todas as classes de antibióticos. As bactérias que
geralmente apresentam essa característica atuam como se fossem bombas de
efluxo para eliminar substâncias tóxicas.
12 Introdução ao estudo dos antimicrobianos

Redução na permeabilidade do antibiótico


Geralmente as bactérias gram-negativas são mais resistentes a antibióticos
devido à natureza da sua parede celular. Elas são capazes de restringir a
absorção de muitas moléculas e o movimento das aberturas, denominadas
porinas. Por exemplo, a modificação das porinas pode reduzir a quantidade
de penicilina que entra na célula bacteriana, reduzindo assim o seu efeito
terapêutico (BARROS; MACHADO; SPRINZ, 2013; TORTORA; FUNKE;
CASE, 2017).

Uso inadequado de antibióticos


Você já aprendeu que existem vários mecanismos que fazem a bactéria se
tornar resistente a determinados antibióticos. O uso excessivo e inadequado
dos antibióticos e outros antimicrobianos é a principal causa dessa resistência,
pois o seu uso irracional ajuda a acelerar esse processo. Dados da Organi-
zação Mundial da Saúde (OMS) relatam que a amoxicilina e a amoxicilina/
ácido clavulânico são os antibióticos mais utilizados em todo o mundo. Esses
medicamentos são recomendados pela OMS como tratamento de primeira
ou segunda linha para infecções comuns e pertencem à categoria “acesso”,
segundo a Lista de Medicamentos Essenciais da OMS. Essa lista é utilizada
mundialmente para aumentar o acesso aos medicamentos e orientar decisões
sobre quais produtos devem ter a garantia de estarem disponíveis para as po-
pulações. Essa categoria representou, em 49 países, mais de 50% do consumo
de antibióticos. Os antibióticos considerados de mais amplo espectro, como
as cefalosporinas de terceira geração, as quinolonas e os carbapenêmicos, são
categorizados como antibióticos de “alerta”, que devem ser utilizados com
cautela devido ao seu alto potencial de causar resistência antimicrobiana e aos
seus efeitos colaterais. Esse relatório mostra uma ampla gama de consumo de
antibióticos na categoria “alerta” — de menos de 20% do consumo total de
antibióticos em alguns países a mais de 50% em outros (OPAS, 2018).
As Acinetobacter spp., bactérias que podem causar infecções de urina,
da corrente sanguínea e de pneumonia, foram incluídas na lista da OMS
como uma das 12 bactérias de maior risco à saúde humana, em função do
seu alto poder de resistência. De acordo com os dados da Anvisa (Figura 4),
85% das infecções primárias da corrente sanguínea registradas em hospitais
por essas bactérias em 2015 foram causadas por uma versão resistente a
antibióticos poderosos, como os carbapenens. Essa família de antibióticos é
uma das últimas opções que restam aos médicos no caso de infecções graves.
Introdução ao estudo dos antimicrobianos 13

Outro exemplo é a Klebsiella penumoniae, naturalmente encontrada na flora


intestinal, com incidência alta e resistente aos fármacos cefalosporinas e
carbapenens (BRASIL, 2016).

Figura 4. Percentual de resistência das bactérias mais frequentes em hospitais do Brasil e


a família de antibióticos a que elas não respondem.
Fonte: Boletim Segurança do Paciente e Qualidade em Serviços de Saúde (BRASIL, 2016).

A resistência aos antibióticos representa um alto custo em vários aspectos,


que vão muito além das altas taxas de doença e mortalidade. O desenvolvimento
de novos fármacos para substituir aqueles que perderam a eficácia é extre-
mamente caro e, por consequência, eles passam a ter um alto custo também
para a população, muitas vezes tornando o seu uso difícil mesmo em países
altamente desenvolvidos. Em países menos desenvolvidos, os custos podem
ser simplesmente impraticáveis.
Existem muitas estratégias que pacientes e profissionais da saúde po-
dem adotar para prevenir o desenvolvimento da resistência antimicrobiana.
Mesmo quando o paciente sente que se recuperou de uma doença, ele sempre
deve completar o tratamento prescrito, o que desestimula a sobrevivência e a
proliferação de microrganismos resistentes ao antibiótico. Os pacientes não
devem nunca utilizar sobras de antibióticos para tratar uma nova doença ou
usar um antibiótico que tenha sido prescrito para outra pessoa.
14 Introdução ao estudo dos antimicrobianos

Profissionais da saúde devem evitar prescrições desnecessárias e garantir


que a escolha e a dosagem dos antimicrobianos sejam apropriadas à situação.
Eles devem optar por prescrever o antibiótico mais específico possível para
o caso, em vez de antimicrobianos de amplo espectro de ação, o que ajuda a
diminuir as chances de um antibiótico inadequado gerar resistência na micro-
biota normal do paciente. Linhagens bacterianas resistentes são particularmente
comuns entre profissionais da equipe hospitalar.

No link a seguir, acesse a RDC-20 atualizada, que estabelece critérios para prescrição,
dispensação, controle, embalagem e rotulagem de medicamentos à base de substâncias
classificadas como antimicrobianos de uso sob prescrição, isoladas ou em associação.

https://qrgo.page.link/fdZyJ

Você, como profissional da saúde, deve saber a importância que um antimicrobiano


tem para a sociedade. Não se esqueça de que, além de os antibióticos serem utilizados
para tratar determinado agente agressor, eles também são amplamente prescritos na
profilaxia de situações como transplante de órgãos, tratamentos quimioterápicos e
cirurgias. A penicilina foi o grande marco para dar início à nova era dos antibióticos
e, depois dela, muitos outros foram criados, seja de forma natural ou sintetizados.
Dessa forma, uma classificação dos antimicrobianos foi criada de acordo com os seus
mecanismos de ação, subdivididos em inibidores da parede celular, da síntese proteica,
da síntese dos ácidos nucleicos, da síntese de metabolitos essenciais e de danos na
membrana plasmática. A resistência bacteriana é a grande preocupação em relação
à eficácia dos fármacos. As buscas por medidas de precaução devem ser constantes,
por meio de informações para os pacientes e profissionais da área, atualizações, entre
outras. Você, como biomédico, tem um grande papel nisso; portanto, esteja sempre
atento aos seus pacientes e ao seu local de trabalho.
Introdução ao estudo dos antimicrobianos 15

BARROS, E.; MACHADO, A.; SPRINZ, E. (org.). Antimicrobianos. 5. ed. Porto Alegre: Artmed,
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