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Gestão municipal e institucionalidade da cultura

Lia Calabre1

As políticas culturais são definidas pelos estudiosos e analistas como


intervenções realizadas pelo Estado e pelas instituições civis, cujo objetivo é o de
satisfazer as necessidades culturais locais. Isso não significa ignorar que os processos
culturais contemporâneos dialogam e interagem, cada vez mais, da maneira nacional e
transnacional. A criação de uma nova institucionalidade no campo da gestão da cultura
– ou o constante aperfeiçoamento da mesma – é um passo prioritário no processo de
criação de políticas públicas de cultura locais.
Os debates internacionais contemporâneos consideram a cidade, ou o município,
como um locus especial dentro da gestão pública. As cidades propiciam o convívio e o
intercâmbio entre os grupos e suas práticas culturais, permitem a elaboração de
políticas culturais que devem ser capazes de trabalhar com a diversidade local de forma
a produzir alternativas de enriquecimento do conjunto da população.
No Brasil, nos últimos anos, alguns esforços vêm sendo empreendidos na busca
da alteração de um quadro clássico de secundarização do papel da cultura dentro das
políticas públicas. Ocorreram várias experiências municipais de sucesso, como por
exemplo, em São Paulo e em Porto Alegre, entretanto, muitas delas, foram parcial ou
completamente ‘sepultadas’ pelas administrações que se seguiriam – prática sistemática
da classe política brasileira que teima em ‘reinventar a lâmpada’ a cada nova
administração, desvalorizando ou ignorando as realizações anteriores.
Dentro desse quadro, a criação de um Sistema Nacional de Cultura, da
elaboração de Planos e Políticas de Cultura de longa duração e da coleta sistemática de
informações são elementos fundamentais.
Para podermos elaborar planos e políticas, avaliar a ocorrência, ou não, de
mudanças no campo da gestão pública municipal é fundamental conhecer a realidade
sobre a qual se vai atuar. Logo a produção de informações confiáveis e de instrumentos
de acompanhamento de políticas e ações são indispensáveis.

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Doutora em história, pesquisadora da Fundação Casa de Rui Barbosa e professora do MBA de Gestão
Cultural da Universidade Cândido Mendes e do MBA em Gestão de Produção Cultural da Fundação
Getúlio Vargas/RJ.
A partir de 1988, com a promulgação da Nova Constituição, os municípios
tiveram aumentadas suas atribuições e responsabilidades na prestação de serviços
públicos à população. Dentro dessa nova realidade ocorreu o crescimento da demanda
por informações sobre esses municípios: Qual a infra-estrutura existente?; Quais as
condições de vida da população?; Quais os recursos financeiros disponíveis?; Quais os
mecanismos de administração pública?; são algumas das questões que surgiram. A
produção de informações desta natureza destina-se a subsidiar as ações da área pública,
a incentivar o crescimento dos estudos acadêmicos e também a fornecer subsídios para
investimentos privados.
Hoje, para construirmos um quadro do campo da gestão pública da cultura a
fonte principal de informação é a pesquisa Perfil dos Municípios Brasileiros. A
MUNIC, como é mais conhecida, é uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística, que foi a campo pela primeira vez em 1999, sempre percorrendo todos os
municípios brasileiros – nos anos de 1999, 2001, 2005 e 2006 (suplemento de cultura) a
pesquisa trouxe informações sobre cultura. Entretanto, há a necessidade da criação de
formas de coleta de informações locais, para a construção de um sistema municipal de
informações culturais, que dialogue com um sistema nacional de informações culturais
sim, mas que seja construído e alimentado localmente, visando também subsidiar a
elaboração e o acompanhamento de políticas municipais.
Segundo o suplemento da Munic, em 2006, no campo administrativo da gestão
municipal, a cultura estava organizada da seguinte forma: 72% dos municípios
possuíam Secretaria Municipal de Cultura em conjunto com outras políticas; 12,6% era
setor subordinado a outra Secretaria; 6,1% estava subordinado diretamente à chefia do
executivo; 2,4% não possuía nenhuma estrutura específica; 4,2% era formado por
Secretaria Municipal exclusiva da cultura e 2,6% por fundação pública (como órgão
gestor).
O resultado demonstra que a grande maioria dos órgãos gestores da cultura é
formada por Secretarias em conjunto com outras políticas. Tal fato não pode ser a priori
classificado como algo negativo ou positivo para o processo de implementação de
políticas e ações, pois tudo vai depender do equilíbrio de forças e da distribuição dos
recursos orçamentários entre tais setores. Frequentemente costuma ocorrer que quando
a área cultura está diretamente ligada a pasta de educação, por exemplo, o desequilíbrio
entre as duas torna-se grande, a educação termina por absorver a maior parte dos
recursos disponíveis deixando a cultura, em geral, em uma posição bastante
desprivilegiada, o que não impede que ocorram programas integrados.
Os resultados demonstram que se por um lado a existência de uma Secretaria
exclusiva ou de uma Fundação Cultural por si só não é garantia de implementação de
políticas, por outro tal presença propicia e existência um maior grau de possibilidade de
implementação de ações de longo prazo assentadas em planejamento – lembrando que
dos 145 municípios brasileiros com fundações como órgãos gestores, 130 declararam
possuir políticas, num percentual de 89,7%. No caso específico das Fundações a
existência das mesmas pode significar uma preocupação com a modernização
administrativa, com a agilização dos procedimentos, com a perenidade dos projetos
implementados ou com a tentativa de fortalecimento frente as mudanças políticas que
ocorrem a cada nova gestão. Todas estas possibilidades de gestão, de alguma forma,
transparecem no alto índice de declaração de existência de política cultural. Na
elaboração de uma política, de forma sintética, podemos dizer que devem ser
considerados os atores envolvidos, os objetivos e metas a serem acompanhados e
alcançados; os instrumentos, meios e recursos necessários para a afetividade da ação a
ser implementada; a perenidade da ação específica que é objeto de política; e, a sua
sustentabilidade.
Nas últimas duas décadas, no Brasil, várias experiências de gestão democráticas
vêm tendo lugar nos governos municipais e estaduais. Num processo de gestão
democrática da cultura, existem alguns modelos possíveis de serem adotados pela
administração pública, tais como a realização de fóruns, conferências, plebiscitos ou a
criação de câmaras e conselhos. Estes últimos têm sido mais utilizados e vêm tornando-
se objeto de discussão e de aperfeiçoamento. Dentro da perspectiva da criação de
modelos democráticos e participativos, os conselhos têm um importante papel. Os
conselhos da área da cultura não contam, ainda, com nenhum tipo de regulamentação
específica.
Em 2005, com a promulgação da Emenda Constitucional n° 48/2005 foi
instituído o Plano Nacional de Cultura. Concomitantemente, o Ministério da Cultura
iniciou o processo de criação do Sistema Nacional de Cultura – SNC (projeto que já
estava presente, em 2002, no programa de governo). O projeto visa o fortalecimento da
estrutura institucional da área da administração pública responsável pelo campo da
cultura, com possibilidades futuras de repasse de verbas entre diferentes níveis de
governo. Dentre as condições para a adesão ao SNC, por parte dos municípios, está o
compromisso de criação de órgãos gestores no campo da cultura e de conselhos
municipais de política cultural – no Brasil, de acordo com o IBGE, 17% dos municípios
possui conselhos de cultura e 13,3% conselhos de patrimônio. O pressuposto básico
para o funcionamento do Sistema Nacional de Cultura é o da existência de um modelo
de gestão compartilhada, e seus elementos constitutivos são: a Política Nacional de
Cultura; o conjunto de leis normas e procedimentos legais; e a participação da união,
dos estados, dos municípios, do distrito federal e da sociedade civil – com suas políticas
e instituições. Na efetivação do SNC, os sistemas municipais de cultura têm um papel
fundamental.
A proposta do governo federal é a de que a estrutura mínima de um Sistema
Municipal de Cultura seja composta por: uma secretaria municipal de cultura (ou órgão
gestor correspondente); um conselho municipal de política cultural; um fundo municipal
de cultura, um sistema municipal de informações e indicadores culturais; um programa
municipal de formação cultural; sistemas municipais setoriais de cultura; um plano
municipal de cultura e da conferência municipal de cultura. Quanto aos princípios
norteadores do SNC, o Minc está propondo: a diversidade das expressões culturais; a
universalização do acesso aos bens e serviços; o fomento à produção, difusão e
circulação de conhecimento e bens culturais; a cooperação entre os diversos níveis de
governo e agentes culturais, públicos e privados; a integração e a interação na ação das
políticas, programas e ações; a complementaridade dos papéis dos agentes culturais; a
transversalidade das políticas culturais; a autonomia dos níveis de governo e das
instituições da sociedade civil; a transparência e o compartilhamento das informações; a
democratização dos processos decisórios; e, a descentralização da gestão, dos recursos e
das ações.
As discussões em torno da problemática das formas sobre as quais está assentada
a gestão da cultura é um elemento estruturador, fundamental, determinante dos
caminhos através dos quais terão sequência as propostas originadas da Conferência
Municipal.

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