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Candidatos a corrupto
João Carlos Bemerguy Camerini
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Quase todo servidor público corrupto um dia foi um concurseiro dedicado e sonhador.
Como, por que e quando ocorre essa transformação de caráter? Em meio à aflição
gerada pelo clima de geral desconfiança que assola o Brasil, comecei a pensar no
assunto. Rememorei minha própria experiência como estudante e servidor público
concursado, até perceber que o germe da corrupção no serviço público pode estar
presente antes mesmo da tão desejada aprovação, já nas motivações que animam os
milhões de candidatos que se submetem a rigorosos e exaustivos regimes de estudo.
As palestras motivacionais gratuitas ofertadas aos montes pelos infinitos cursinhos
preparatórios para atrair essa clientela costumam girar em torno da venda de algumas
promessas recorrentes: dinheiro, status social, estabilidade e possibilidade de trabalhar
por nobres ideais. Proponho, assim, uma reflexão sobre como tais motivos podem, com
o tempo, degenerar em atos de corrupção.
A experiência mostra, contudo, que se é certo que aqueles que adentram o serviço
público fecham atrás de si as portas da pobreza, também é verdade que não
demorarão a descobrir que à sua frente não restaram muitas esperanças de riqueza
abundante. Ainda que o servidor alcance a remuneração máxima do setor público,
gozando de uma situação econômica confortável, dificilmente deixará de ser um
cidadão de classe média. Daí fica fácil imaginar como a ambição econômica, quando
colocada como meta principal na vida profissional de um servidor público, pode levá-
lo a praticar atos de peculato, concussão ou corrupção passiva.
Recordo também de ouvir falar nessas palestras de autoajuda para concurseiros sobre
o status e o reconhecimento social deferidos à classe dos servidores públicos,
principalmente aos ocupantes dos cargos de maior responsabilidade. Aos que se fiam
nessa quimera, aviso logo que poderão se decepcionar. As normas éticas sobre
integridade e decoro pessoal no exercício do cargo ou fora dele existem por um
motivo, o que, dito de outro modo, significa que a ressaca da festa pode gerar fortes
dores de cabeça.
O problema é que enquanto uns querem demais, outros querem de menos. Se uma
vida de luxos e colunas sociais são objetivos quase inatingíveis para um servidor
público honesto, os objetivos aos quais ora me refiro, de tão módicos, são alcançados
quase instantaneamente após a posse, de sorte que, se não restar nenhuma outra
meta profissional futura para esses candidatos, correm sério risco de se aposentarem
como aspones e parasitas da máquina estatal. Não tenho nenhum crime para acusar
essa turma, embora sem dúvida ela possa flertar com a improbidade administrativa.
Seus delitos morais são a mediocridade, a preguiça e a acomodação, que, embora não
sejam graves a ponto de recomendar cadeia, nem por isso deixam de ser altamente
perniciosos para o erário, a eficiência e a imagem do Estado.
Por exemplo, se um juiz consigna em sua sentença judicial que está decidindo num ou
noutro sentido porque quer construir um país melhor para seus filhos, cuidado! É hora
de acender a luz vermelha, pois todas as atrocidades de proporções humanitárias na
história, sem exceção, foram cometidas por homens que sentiram em seu coração
uma voz divina a convocá-los para a missão de salvar o mundo. Então, se é isso o que
você deseja, jovem concurseiro, aqui está meu conselho: funde uma nova igreja, que o
serviço público não é lugar para exibicionismo moral ou para realização de projetos
pessoais, por mais puros e brilhantes que sejam. Isso porque, como disse o ministro
Marco Aurélio num julgamento recente no Supremo Tribunal Federal: "De bem-
intencionados, o Brasil está cheio".
Quem deseja melhorar o mundo não é confiável, pois em tal desejo se hospeda um
germe autoritário. O perfeccionista antes de tudo pressupõe a própria imperfeição para
daí buscar a superação diária de seus limites. Só pode ser esta a sublime e discreta
ousadia que deveria inflamar a alma de todo concurseiro: o sonho de desempenhar
com perfeição o serviço que lhe couber, ou morrer tentando. O que de bom vier a
reboque é consequência do mérito de reunir em si os dois sentidos da palavra
competência, cuja relação oculta fica agora esclarecida: a humildade é o único
caminho para a perfeição.
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23/03/2022 15:40 Candidatos a corrupto
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