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AFTER WRITING CULTURE

Epistemologia e Práxis na
Antropologia
Contemporânea.

Editado por
Allison James
Jenny Hockey
Andrew Dawson

Londres e Nova York


Conteúdo

Lista de Figuras vii


Lista de contribuidores viii
Prefácio e agradecimentos x
1 Introdução: a estrada de Santa Fe 1
Allison James, Jenny Hockey e Andrew Dawson
2 Representando a situação do antropólogo 16
Lisette Josephides
3 Identificar versus identificar-se com 'o Outro': reflexões
sobre a localização do sujeito no discurso antropológico 34
Glenn Bowman
4 Representações e reapresentações da família: uma análise das
narrativas de divórcio. 51
Bob Simpson
5 A borboleta do dente, ou dando um relato sensato do presente
imaginativo 71
Iain R. Edgar

6 Atravessando uma divisão representativa: de oeste para leste na


Escóciaetnografia 86
Jane Nadel-Klein
7 Desconstruindo ficções coloniais? Alguns truques de mágica no
sociologia recente da Índia 103
Declan Quigley
8 Representando e traduzindo o lugar das pessoas na paisagem do norte
da Austrália 122
Robert Layton
9 Ecoando o passado no Japão rural 144
John Knight
vi Conteúdo

10 O Museu como espelho: reflexões etnográficas 161


Sharon Macdonald
11 Edificando a antropologia: a cultura como conversação; representação
como conversa 177
Nigel Rapport
12 Quem está representando quem? Jardins, parques temáticos e o
antropólogo no Japão 194
Joy Henry
13 Representando a identidade 208
Angela Cheater e Ngapare Hopa
14 Algumas consequências políticas das teorias da etnia cigana:
o lugar do intelectual 224
Judith Okely
15 A antropologia apropriada e a inspiração arriscada de
'Capability' Brown: representações do quê, por quem e para
que fim? 244
Sandra Wallman

Índice de nomes 264


Índice de assuntos 269
Capítulo 1

Introdução
A estrada de Santa Fé

Allison James, Jenny Hockey e Andrew Dawson

A publicação da coleção editada de Clifford e Marcus, Writing Culture: the


Poetics and Politics of Ethnography (1986), passou a ser considerada como
um divisor de águas no pensamento antropológico. Resultado de uma série
de seminários avançados realizados em Santa Fé, Novo México, sua voz
coletiva destacou e respondeu positivamente a uma crise na antropologia
que era inseparavelmente epistemológica e política. Evitando as convicções
holísticas dos antropólogos tradicionais e reconhecendo que suas
representações são fundamentalmente produtos de relações de poder
assimétricas, ela nos exortou a desenvolver novas formas de representação
que pudessem incluir as múltiplas vozes daqueles que estão sendo
representados. Também rejeitando sua tradicionalmente autoritária, estilo
realista e objetivista, nos pediu para pensar e explorar a própria antropologia
como um gênero de escrita institucional, histórica e politicamente situado.
Juntamente com seu volume companheiro, Antropologia como Crítica
Cultural (Marcus e Fischer 1986), a coleção instigou um debate mais amplo
sobre a 'cultura da escrita' que foi celebrada como 'um novo momento
experimental na escrita etnográfica' (ibid.).
Certamente, para alguns, esses livros anunciavam um novo caminho a
seguir e as implicações para a prática antropológica foram abraçadas com
entusiasmo (Rapport 1994: 5). No entanto, para outros, eles constituíram o
início de um mal-estar reacionário e pós-moderno: a perpetuação de uma
“ideologia burguesa, ocidental e individualista” (Sangren 1988: 423), o
“argumento supremo para a antropologia de poltrona” e uma receita para
“olhar o umbigo”. ' (Jarvie 1988: 428). Mais cinicamente, Clifford, Marcus,
Fischer e seus companheiros foram retratados como "carreiristas ardilosos"
(cf. Fischer et al. 1988: 425) que, através do uso dos tons milenares
implícitos na frase "um novo momento experimental" etnografia pós-
moderna precisamente o tipo de autoridade que eles estavam procurando
desestabilizar (Sangren 1988: 408-10). Em vez dos livros em si, tem sido, se
alguma coisa, a gravidade da reação que lhes deu seu significado milenar.
De fato, como Woolgar observa ironicamente, “sabemos que o relativismo
traz à tona a religião em
2 Allison James, Jenny Hockey, Andy Dawson

pessoas. A reflexividade, ao que parece, traz à tona o veneno '(1988: 430).


Como se notou na época, os livros representavam uma síntese e extensão de
debates mais amplos entre modernistas e pós-modernistas (Friedman 1988:
426) que já haviam sido bem ensaiados em outras disciplinas (McCarthy
1992: 638) e, de fato, na própria antropologia ( McDonald 1988: 429). Uma
década depois, é possível ver o debate 'Cultura Escrita' como uma
cristalização de incertezas sobre o assunto da antropologia
(tradicionalmente 'o outro'), seu método (tradicionalmente, observação
participante), seu meio (tradicionalmente, a monografia) e seu intenção
(tradicionalmente a de informar ao invés de praticar).
Neste volume, os colaboradores evitam os antagonismos e pessimismos
que o debate suscitou e respondem construtivamente ao desafio da
etnografia que constitui o cerne da questão. Como observa Hughes-Freeland,
em vez de defender uma “teoria empirista de tudo” ou um “fim hiper-pós-
moderno de tudo”, os antropólogos irão, enquanto houver um caminho a ser
imaginado, ir pelo meio disso (1995: 19). Assim, a insistência de Hastrup
(1995) de que a 'crise' teórica na antropologia pode ser superada por meio
da experiência concreta é demonstrada coletivamente no enfoque
decididamente etnográfico da maioria dos capítulos que se seguem.
Central para o volume é uma insistência na relação inextricável entre
epistemologia, política e prática que o debate 'Escrever Cultura' chamou a
atenção. Aqui exploramos isso questionando a representação da
antropologia de seu próprio conhecimento e seu papel representacional em
contextos sociais, políticos e jurídicos. Coletivamente, os capítulos
perguntam quem, o quê, como e por que podemos representar? Neste
sentido, o volume baseia-se nos múltiplos significados do termo
'representação': representação como interpretação, comunicação,
visualização, tradução e advocacia. Reunidos dentro do mesmo continuum de
preocupação - da 'crise de representação' até uma insistência mais recente e
urgente de que o esforço antropológico tem uma inclinação prática através
do ato político de representar os outros através da advocacia (Harries-Jones
1991) - o tema de representação coloca essas atividades e mundos
antropológicos contemporâneos em diálogo uns com os outros. No entanto,
o volume não apresenta uma mera despensa de oportunidades da qual o
leitor pode escolher de acordo com capricho ou fantasia; em vez disso,
argumentamos que ambos os extremos desse espectro de escolha têm muito
a dizer um ao outro e, de fato, mais fortemente, que deveriam. Um tema
organizacional central, portanto, é que os debates teóricos sobre as
possibilidades e os problemas de representar o mundo de outras pessoas não
são apenas os da Academia, mas podem ser informados e ajudar a informar a
prática da antropologia e as práticas dos antropólogos. Por sua vez o
Introdução: a estrada de Santa Fe 3

o antropólogo praticante — o trabalhador do desenvolvimento, o


pesquisador aplicado ou o consultor — está cada vez mais reconhecendo a
política implícita de teorização que necessariamente molda qualquer tipo de
antropologia em ação (Moore 1996).
Assim, como uma estrutura para os artigos que se seguem, esta introdução
apresenta alguns aspectos-chave do que, coletivamente, constituem um
debate em curso sobre a representação, explorando em detalhes os
diferentes impactos que esse questionamento teve nas formas e modos de
representação no trabalho antropológico de todos os tipos. Consideramos,
por exemplo, as maneiras pelas quais diferentes estilos de representação
refletem ou ajudam a constituir posições teóricas particulares em relação ao
próprio problema da representação. Além disso, ao oferecer uma
ressignificação das questões a serem feitas sobre a representação,
mostramos que questões de práxis podem ser de interesse prático tanto para
os braços puros quanto para os aplicados da antropologia social
contemporânea.
Em suma, o que este volume argumenta é que o debate sobre a 'cultura da
escrita' tem alertado os antropólogos para a necessidade de prestar mais
atenção aos fundamentos epistemológicos de suas representações e, além
disso, os fez considerar a importância prática desse processo de reflexão,
tanto para o esforço antropológico e para aqueles que são sujeitos de
qualquer investigação antropológica. O que mostramos aqui é que esses
temas, reiterados de várias formas ao longo deste volume, são eles próprios
manifestados dentro de uma série de dilemas mais particulares da práxis que
foram legados à antropologia pelo debate sobre a 'cultura da escrita'. Assim,
dentro deste volume e em grande parte por meio de ilustração etnográfica
detalhada, examinamos questões que vão desde o rescaldo das
epistemologias modernistas do sujeito e a possível existência de referências
externas compartilhadas ou universais que possam viabilizar a 'tradução'
cultural, até questões de estilo autoral e a natureza e status de modelos que
podem ser considerados eficazes em uma configuração aplicada. Na
interpretação de Moore, esse processo de interrogação problematiza seus
próprios termos: 'cujo conhecimento; que tipo de conhecimento; o que
constitui o social?' (1996: 1).
Os capítulos são diversos em suas respostas a esse questionamento, mas
cada um aborda algumas das questões centrais levantadas pelo debate
'Cultura da escrita' em termos práticos e cotidianos, esses dilemas enfrentam
todos os antropólogos praticantes. Embora parcialmente sobrepostos e
muitas vezes em diálogo necessário entre si, sugerimos aqui que quatro
desafios epistemológicos e práticos discretos podem, no entanto, ser
identificados, dilemas que são abordados de várias maneiras ao longo do
volume. São eles: (1) o humanismo das práticas representacionais; (2) a
dificuldade de descobrir quais representações estão sendo representadas e
por quem; (3) o problema da forma que as diferentes práticas
representacionais podem assumir; (4) a política e a ética de fazer
representações. Todas essas problemáticas têm
4 Allison James, Jenny Hockey, Andy Dawson

surgiram como questões práticas nas consequências epistemológicas do


debate sobre a 'cultura da escrita'. Este volume não faz nenhuma tentativa de
encerrar o debate; em vez disso, retrata algumas das maneiras pelas quais a
antropologia contemporânea está ativa e propositalmente se engajando com
eles.

O HUMANISMO DA REPRESENTAÇÃO
Apesar de seu legado durkheimiano, a antropologia, em alguns aspectos,
nunca se sentiu muito confortável com a ideia de 'representação' como forma
de descrever como os humanos passam a conhecer e agir no mundo. Como
foi observado (Bourdieu 1977), a forma como as pessoas representam a si
mesmas ou suas 'visões de mundo' e o que elas fazem diante das
contingências cotidianas nem sempre estão em harmonia. Na verdade, eles
podem estar bastante em desacordo, em vez de meramente incompatíveis.
Por exemplo, durante a década de 1970, a influência das perspectivas
feministas dentro da antropologia levou a um reconhecimento de que os
etnógrafos que encontraram fácil acesso a informantes do sexo masculino
podem ser levados a acreditar que os relatos atraentemente bem
estruturados dos sistemas de organização social que eles obtiveram
realmente explicavam a vida como vivida. , e de fato a vida vivida por homens
e mulheres (Ardener 1975). Aqui, já, foi um reconhecimento da potencial
multivocalidade da cultura (ver Rapport, Capítulo 11 deste volume). Além
disso, à medida que mais esforços foram concentrados em explicar tais
inconsistências entre pensamentos expressos e ações observadas e em
documentar com mais precisão as maneiras pelas quais as pessoas passam a
'acreditar' em uma visão de mundo que é incongruente com sua prática, tanto
inquietam-se com a ideia de ' sistemas de representação 'aumentados. Moore
e Myerhoff (1977), por exemplo, destacaram o risco das práticas rituais que,
como representações da vida como imaginada, sempre foram vulneráveis à
descoberta de sua arbitrariedade. Em meados da década de 1970, portanto,
o argumento, mal formulado, era que conferir um papel determinante às
representações como sistema de estruturação do pensamento e da prática
humana,
É claro que é precisamente a natureza situada do 'conhecimento' ou
'verdade' que é central para as muitas discussões que se agruparam sob a
rubrica 'Cultura Escrita', embora a ênfase na natureza contingente da
construção de significado tenha mudado de ' o outro 'para os próprios
antropólogos que empreendem a tarefa de representar. É um paralelo que
não surpreende. Se as vidas dos “outros” sobre os quais os antropólogos
olham devem ser consideradas como mundos de devir negociados, até
mesmo personalizados, em vez de mundos de ser estáticos, então os relatos
ou representações “profissionais” desses mundos sociais feitos por
antropólogos – que, afinal, são em sua maioria acionistas da humanidade —
devem ser igualmente contextuais, mediados e, no final, parciais. Assim, o
dilema para a antropologia levantado pela
Introdução: a estrada de Santa Fe 5

O debate da 'cultura da escrita' é que, se reconhecermos a natureza situada


das 'realidades' e mundos sociais de outras pessoas, então devemos
finalmente rejeitar qualquer pretensão profissional de sermos fornecedores
de relatos não mediados ou 'verdades' objetivas' (Tyler, 1986).
Bowman (capítulo 3) contesta as implicações de tal abordagem,
argumentando que ela joga fora o bebê da humanidade comum com a água
do banho do projeto do modernismo de impor um regime universal de
verdade sobre toda a humanidade. Em vez de uma preocupação confusa com
o que poderia substituir a autoridade como uma característica dos produtos
acadêmicos em um mundo onde a alteridade impera, Bowman quer que
reconheçamos a semelhança de uma experiência universal de construção de
identidade contingente. A evidência dessa visão, ele argumenta, é encontrada
na própria experiência do trabalho de campo, onde a 'diferença' reificada por
uma antropologia pós-moderna começa a se dissolver à medida que o
etnógrafo começa a se amalgamar no espaço conceitual de outra cultura. A
identidade, nessa visão, permanece fluida e contingente, mas a capacidade de
criar ou realizar uma identidade é fixada como uma característica humana
generalizada. Bowman, portanto, endossa a 'contradição performativa' da
antropologia que faz 'afirmação de erudição histórica objetiva... que está em
desacordo com as implicações da prática antropológica de estudar os outros
por meio do engajamento' (Hastrup (1995: 4).
No entanto, parece que uma disciplina que cresceu dentro de um clima
cultural mais amplo de positivismo não pode facilmente dispensar suas
reivindicações de autoridade. Para alguns, portanto, o dilema atual gira em
torno de se ou não, e de que forma, 'sair' com declarações sobre a natureza
ficcional e situada de nossos relatos. Podemos argumentar de forma
persuasiva para que nossos relatos sejam aceitos se o que oferecemos deve
ser reconhecido como o produto provisório de nossa interação, como
antropólogos individuais, com informantes individuais que estão interagindo
e representando uns aos outros? Podemos viver com e dentro de uma
disciplina que vê cada relato como situado dentro dos contextos tanto do
encontro de campo quanto do meio intelectual do antropólogo?
Na visão de Josephides, a resposta a essas perguntas é sim. Em seu relato
de três etnografias poderosamente contrastantes (Capítulo 2), ela revela a
flexibilidade contemporânea da disciplina. Ela tem, ela argumenta, o
potencial (1) de refletir a metateorização que já ocorre entre os informantes;
(2) reivindicar autoridade recusando uma separação entre etnógrafo e
informante; e (3) enfocar a ação social como o local de construção de sentido
dentro do campo. O que Josephides destaca é a necessidade de estratégias
etnográficas moldadas pelas situações dos informantes, tanto local quanto
globalmente. Em sua opinião, portanto, as teorias sobre como fazer o
trabalho de campo devem ser construídas de forma responsiva no campo.
Em contraste, Wallman (Capítulo 15) argumenta que abandonar toda
autoridade autoral é descartar o papel prático da antropologia e sua
adequação ao mundo moderno. O ato de representação,
6 Allison James, Jenny Hockey, Andy Dawson

particularmente para o antropólogo de trabalho (Barnett e Blaikie 1994),


envolve fazer um modelo suficientemente bom do mundo, que sirva aos
propósitos pretendidos, como, por exemplo, quando se trabalha ao lado de
especialistas médicos. A oferta de uma conta que não reivindica nem mesmo
para uma autoridade contingente pode parecer refletir a integridade de seu
produtor, mas é uma conta que não pode ser avaliada, avaliada ou contestada.
Poder-se-ia acrescentar ao foco prático de Wallman outros imperativos
políticos e éticos para a manutenção do quadro de facticidade. Como o Birth
(1990) argumenta, ele oferece um padrão de responsabilização contra o qual
os sujeitos da escrita etnográfica podem argumentar que a representação é
uma mentira ou uma distorção. Ambos os pontos de vista são um baluarte
contra a antropologia, e sua mensagem potencialmente contra-hegemônica,
Um elemento final e inteiramente diferente no dilema levantado pelo
“humanismo da representação” remete a um debate mais antigo. Aqui o
argumento gira em torno do modo como as formas de teoria social que
colocam em primeiro plano as representações como sistemas/modos de
pensamento ou construções sociais da realidade, em última análise, ignoram
as dimensões materialmente fundamentadas das práticas cotidianas dos
indivíduos (Bourdieu 1977; Caws 1984; Stoller 1989; Ingold 1991; Richards
1993). A visão de tais autores, embora expressa de várias maneiras, é que
uma visão puramente cognitivista da agência humana subestima o
envolvimento direto do indivíduo com um mundo social e material e não leva
em conta as maneiras pelas quais esse envolvimento pode contribuir
ativamente ou moldar o próprio conhecimento representacional. . Como
Lakoff e Johnson (1980) argumentam, sistemas de pensamento devem ser
vistos como experienciais e não como subjetivos ou objetivos. Ao cunhar essa
frase, eles estão desenvolvendo uma visão da criação de representações
como a geração de hipóteses que são testadas através da experiência dentro
do ambiente social e material, posteriormente abandonadas ou
desenvolvidas como resultado de sua aptidão ou utilidade. Simpson (Capítulo
4) fornece um relato de como os pais separados procuram ativamente dar
sentido, ou mesmo reconciliar, as discrepâncias entre suas próprias
experiências vividas de casamento e paternidade e os modelos hegemônicos
de “família” do Estado, motivados por seu envolvimento diário com a família.
os papéis sociais de 'marido', 'esposa', 'pai' e 'mãe'. Ao cunhar essa frase, eles
estão desenvolvendo uma visão da criação de representações como a geração
de hipóteses que são testadas através da experiência dentro do ambiente
social e material, posteriormente abandonadas ou desenvolvidas como
resultado de sua aptidão ou utilidade. Simpson (Capítulo 4) fornece um relato
de como os pais separados procuram ativamente dar sentido, ou mesmo
reconciliar, as discrepâncias entre suas próprias experiências vividas de
casamento e paternidade e os modelos hegemônicos de “família” do Estado,
motivados por seu envolvimento diário com a família. os papéis sociais de
'marido', 'esposa', 'pai' e 'mãe'. Ao cunhar essa frase, eles estão
desenvolvendo uma visão da criação de representações como a geração de
hipóteses que são testadas através da experiência dentro do ambiente social
e material, posteriormente abandonadas ou desenvolvidas como resultado
de sua aptidão ou utilidade. Simpson (Capítulo 4) fornece um relato de como
os pais separados procuram ativamente dar sentido, ou mesmo reconciliar,
as discrepâncias entre suas próprias experiências vividas de casamento e
paternidade e os modelos hegemônicos de “família” do Estado, motivados
por seu envolvimento diário com a família. os papéis sociais de 'marido',
'esposa', 'pai' e 'mãe'.
Em contraste com essa ênfase nos processos incorporados que produzem
representações, outros capítulos detalham variadamente uma intervenção
consciente das pessoas na práxis política de manipular representações para
fins explícitos. Macdonald (Capítulo 10), por exemplo, fornece uma
etnografia da equipe especializada do museu, uma elite especializada em
representação. Sujeitos ao escrutínio externo na forma de declarações de
missão e indicadores de desempenho, eles refletem sobre seus próprios atos
de tradução cultural e criação de sentido e é à política desse processo que o
capítulo de Macdonald nos dá acesso. Da mesma forma, Knight (Capítulo 9)
descreve eventos que
Introdução: a estrada de Santa Fe 7

fez parte de um movimento de renascimento de aldeias japonesas, um


processo de reinvenção de um passado rural para promover a integração
municipal ao lado do turismo. Assim como Macdonald, Knight insere suas
experiências no texto como material de campo para revelar os processos
sociais e políticos que constituem atos de representação. Além disso, ambos
descrevem como se viram – gostando ou não – apropriados pelo próprio
processo de representação etnográfica que buscavam registrar. Em exemplos
comparativos, Edgar (Capítulo 5) documenta o processo pelo qual membros
de um grupo de trabalho de sonhos facilitam uma resolução compartilhada
para a problemática de seus sonhos, contando e analisando os sonhos uns
dos outros, enquanto o relato de Hendry sobre parques temáticos e jardins
no Japão (Capítulo 12) explora a apropriação de imagens ocidentais para a
identidade japonesa.
Essa ênfase no caráter negociado das representações, qualidade que
muitas vezes emerge da participação em eventos sociais e políticos que têm
um resultado material bastante evidente, nos lembra até que ponto a
representação pode ser compreendida a partir de uma abordagem mais
materialista. Layton, por exemplo, em seu relato da política de reivindicações
de terras aborígenes (Capítulo 8) nos convida a abordar a distinção entre
representações que carregam uma referência direta a uma realidade material
externa, localmente situada – um buraco em uma rocha, uma trilha, uma vale
do rio — e representações que são auto-referenciais, que carregam
significado apenas na medida em que fazem sentido dentro da estrutura de
uma base de conhecimento culturalmente específica. Este pode ser um local
sagrado que marca a passagem de uma criatura totêmica. Sua intenção é
examinar as complexidades para o ocidental ou, literalmente, tentar 'ver' a
paisagem que os alawa entendem habitar. Para Layton, portanto, algumas
verdades são mais situadas do que outras.

DE QUEM SÃO AS REPRESENTAÇÕES?


Se a batalha contra o cientificismo (Okely 1975) parece ter sido finalmente
vencida, ou pelo menos uma trégua a ser acordada, um segundo dilema
apresenta mais um problema. Se as representações antropológicas são
pessoais, não replicáveis, difíceis de verificar, e se há visões concorrentes
dentro do mundo antropológico, então também as reivindicações
concorrentes e vozes discordantes que constituem os mundos sociais dos
“outros” também devem ser levadas em conta. Eles também são multivocais.
No entanto, esse reconhecimento tem implicações para a pretensão
tradicional da etnografia de fazer representações de culturas inteiras em
seus escritos. Abandonar o holismo ameaça atingir o coração da prática
antropológica que, ao lado do compromisso de ser comparativa, há muito é
sinônimo de representação de 'culturas inteiras'. De fato, é essa característica
que,
8 Allison James, Jenny Hockey, Andy Dawson

que destaca atributos particulares da vida social que os teóricos entendem


ser fundamentais para as formações sociais.
Trabalhando dentro de uma disciplina até então comprometida com
relatos holísticos, o capítulo de Simpson, como observado, destaca a
multivocalidade das concepções de família. Usando material de uma
localidade muito diferente, Cheater e Hopa (Capítulo 13) demonstram
similarmente a natureza contestada das categorizações fundamentais
através das quais a identidade social é constituída na Nova Zelândia. Mais do
que a relação entre o indivíduo divorciado e o Estado, que é o foco de
Simpson, a etnografia de Cheater e Hopa delineia a relação entre os povos
indígenas maoris e um poder colonialista ocidental. Seu relato etnográfico
detalhado descreve as reviravoltas de um processo histórico e político de
construção e contestação de identidade, o que mostra que ele tem profundas
implicações materiais para os direitos à terra e à pesca.
Assim, embora compreensões e representações coletivas tenham sido em
algum momento o estoque da antropologia, o debate sobre a “Cultura
Escrita” nos colocou com a questão de saber se podemos oferecer uma visão
coletiva apenas quando uma massa de indivíduos consegue se aglomerar no
mesma situação, seja dentro do campo ou dentro da disciplina, como anjos
na cabeça de alfinete. E se, como geralmente acontece, estamos todos em
posições diferentes, podemos ficar satisfeitos com a relatividade, os
agenciamentos e as conversas no lugar de nossos modelos ou visões de
mundo mais familiares e certos?
Tais problemáticas nos tornam mais críticos de nossas práticas
representacionais e nos forçam a perguntar apenas quem estamos
representando. Se nossos textos compreendem relatos de informantes sobre
seu sistema de parentesco (ver Cheater e Hopa, Capítulo 13) ou nossas
próprias observações de práticas rituais (ver Edgar, Capítulo 5), devemos
agora considerar quem gerou o relato – eles ou nós – e para quem tem
significado. Apesar de nossa consciência prática de que nosso material é
limitado por contextos locais – o indivíduo, o momento e o lugar – o que
chamamos de 'cultura' nos permitiu no passado transgredir os limites de tais
imediações. Tradicionalmente, como diz Sperber, 'o que é interpretado é
muitas vezes uma representação coletiva atribuída a todo o grupo social... e
que nunca precisa ser entretida, muito menos expressa, por qualquer
membro individual desse grupo' (1994: 165). O capítulo de Rapport
(Capítulo 11) defende a subversão das representações da coletividade da
disciplina porque elas mascaram a natureza individual do pensamento e da
experiência. No lugar da coletividade, ele oferece uma assembléia de trinta e
uma vozes engajadas na prática contínua de fazer de Mitzpe Ramon (uma
nova cidade em Israel) um lar seguido de pelo menos quatorze maneiras de
interpretar o que é dito por essas vozes. A multivocalidade, assim
apresentada e demonstrada na forma do texto, exemplifica uma abordagem
experimental da etnografia 'enraizada na apreciação da perversidade e
imprevisibilidade fundamentais da conduta humana' (Manning 1995: 250).
Como Rapport, muitos dos autores dentro ele oferece um conjunto de trinta
e uma vozes engajadas na prática contínua de fazer de Mitzpe Ramon (uma
nova cidade em Israel) um lar seguido por pelo menos quatorze maneiras de
interpretar o que é dito por essas vozes. A multivocalidade, assim
apresentada e demonstrada na forma do texto, exemplifica uma abordagem
experimental da etnografia 'enraizada na apreciação da perversidade e
imprevisibilidade fundamentais da conduta humana' (Manning 1995: 250).
Como Rapport, muitos dos autores dentro ele oferece um conjunto de trinta
e uma vozes engajadas na prática contínua de fazer de Mitzpe Ramon (uma
nova cidade em Israel) um lar seguido por pelo menos quatorze maneiras de
interpretar o que é dito por essas vozes. A multivocalidade, assim
apresentada e demonstrada na forma do texto, exemplifica uma abordagem
experimental da etnografia 'enraizada na apreciação da perversidade e
imprevisibilidade fundamentais da conduta humana' (Manning 1995: 250).
Como Rapport, muitos dos autores dentro
Introdução: a estrada de Santa Fe 9

este volume está se envolvendo com esses dilemas e perguntando se ainda é


possível agarrar-se ao talismã do 'holismo' quando agora está longe de ser
simples decidir quais aspectos do que é visto e ouvido constituem
representações 'coletivas'. De fato, o relato de Quigley sobre o problema do
uso da categoria 'casta' na Índia (Capítulo 7) nos lembra que, no fundo,
raramente nos sentimos convencidos de que nossas representações 'do que
nossos informantes estão fazendo, ou pensam que são até '(Geertz 1975: 15)
são 'fiéis' ao original, muito menos compartilhado por quaisquer outros. Para
Quigley, portanto, a casta deve ser reconhecida pelo que é: a experiência
vivida das pessoas. Isso está em contradição com a visão de Dumont (1980)
que discorda de categorias analíticas como casta que, para ele, transmitem
um 'holismo' espúrio. Portanto,
Ao abordar ainda mais a questão 'De quem são essas representações?' O
foco de Edgar (Capítulo 5) na mais privada das experiências individuais, o
sonho, examina as atividades de criação de significado às quais a experiência
inacessível do sonho é submetida pelos membros de um grupo cultural
específico, os participantes de um "workshop" de sonhos. O fato de os
participantes se esforçarem para sentir o significado do sonho a partir das
lembranças do sonhador ilustra o conflito entre os paradigmas
interpretativos concorrentes que estão culturalmente disponíveis. Outros
capítulos também se concentram nas maneiras pelas quais o indivíduo,
situado no tempo e no espaço, interage com representações culturais mais
amplas, transformando-as em suas próprias representações mentais.
Simpson, por exemplo, descreve as narrativas traumáticas de eventos de vida
de indivíduos divorciados como tentativas de ordenar, estruturar e dar
sentido à experiência que, em termos hegemônicos, é desordenada. Uma vez
que o divórcio faz com que a 'família' não seja mais contígua a um único local
doméstico, os indivíduos se esforçam para reformular ou retrabalhar seus
elementos - 'paternidade', 'maternidade',' amor 'e' casamento' - de forma a
reparar uma brecha com representações hegemônicas. O que ele aponta é
que os resultados desses processos são muitas vezes representações novas e
emergentes, que podem ser tornadas públicas em certos pontos e depois se
transformarem nas representações mentais de outros. 'amor' e 'casamento'
— de modo a reparar uma brecha com as representações hegemônicas. O que
ele aponta é que os resultados desses processos são muitas vezes
representações novas e emergentes, que podem ser tornadas públicas em
certos pontos e depois se transformarem nas representações mentais de
outros. 'amor' e 'casamento' — de modo a reparar uma brecha com as
representações hegemônicas. O que ele aponta é que os resultados desses
processos são muitas vezes representações novas e emergentes, que podem
ser tornadas públicas em certos pontos e depois se transformarem nas
representações mentais de outros.
Dizer que algo é uma representação coletiva ou cultural é, portanto, dizer
que 'em um dado nível e de um dado ponto de vista' suas instâncias podem
ser interpretadas por meio de uma interpretação comum (Sperber 1994:
182). É uma maneira de escolher uma classe comum de fenômenos, por mais
vagos que sejam os critérios de escolha. Alguns dos colaboradores
argumentariam, portanto, que a antropologia pode continuar a abordar o
cultural e persistir com uma exploração do coletivo examinando o que existe
acima e além da experiência mediada do indivíduo situado. Hendry (Capítulo
12), por exemplo, tem como foco as 'culturas' tanto do Japão quanto do resto
do mundo representadas ou
10 Allison James, Jenny Hockey, Andy Dawson

apropriados na forma de parques japoneses, sendo um voltado para turistas


japoneses e outro para visitantes estrangeiros. Essa visão veria nossas
etnografias começando a vida como uma tentativa de registrar as minúcias
da vida cotidiana de nossos informantes - material que posteriormente se
torna o 'material' dentro do qual buscamos um padrão de interpretações
comuns. Esse processo, é claro, é paralelo às maneiras pelas quais nossos
informantes conseguem representar para si mesmos os eventos que se
desenrolam que compõem sua experiência cotidiana. Por exemplo, vemos no
capítulo de Nadel-Klein (Capítulo 6) uma tentativa de encontrar uma
semelhança dentro de uma "Escócia" que foi dividida geograficamente,
culturalmente e até etnograficamente. Como Quigley, ela reivindicaria a
centralidade das categorias holísticas como marcadores centrais da
identidade. No caso da Escócia,

FORMULÁRIOS DE REPRESENTAÇÃO
Embora o material de campo constitua uma descrição e, portanto, pareça
oferecer algo que corresponde bastante de perto à 'realidade' evidente na
situação de campo, a etnografia exige que interpretemos o que observamos.
Ao fazê-lo, nossa linguagem e nossos conceitos tornam-se muito mais
distantes do que estamos descrevendo. Como resultado, pode ficar obscuro
como nossa representação se relaciona com algo que testemunhamos,
participamos ou ouvimos falar e, além disso, de que ponto de vista local
escolhemos fornecer sua fundamentação. Hendry reconhece isso
explicitamente ao intitular seu relato sobre jardins, parques temáticos e o
antropólogo no Japão: 'Quem está representando quem?'
Através das discussões geradas na esteira do debate sobre a 'Cultura
Escrita', os antropólogos tornaram-se ou tornaram-se mais conscientes de
que a feitura de qualquer etnografia - o meio tradicional através do qual a
antropologia representou mundos de 'outros povos' - envolve o uso de
dispositivos, formas que tememos podem nos levar a distorcer ou deturpar
esses mundos. Assim, argumenta-se, precisamos reconfigurar nossas
etnografias em uma tentativa de evocação ao invés de referencialidade (Tyler
1986). Talvez, na década de 1990, possamos fornecer algumas novas
respostas à pergunta feita por Malinowski em 1922: 'Qual é a magia desse
etnógrafo, pela qual ele é capaz de evocar os verdadeiros espíritos dos
nativos, a verdadeira imagem da vida tribal?' (1978 [1922]: 6). Talvez agora
possamos abraçar, em vez de negar, os elementos 'mágicos' de nosso ofício.
Isso deve envolver, por exemplo, prestando mais atenção à dimensão
sintática da etnografia e, de fato, fazendo uso estratégico de dispositivos que
servem para colocar em primeiro plano a textualidade de nossos produtos.
Rapport, por exemplo, na apresentação de material de campo e, de fato,
interpretações na forma de listas que se assemelham ao diálogo escrito do
Introdução: a estrada de Santa Fe 11

dramaturgo, faz fortes reivindicações teóricas para esta nova forma


representativa. Ele argumenta de forma convincente para a natureza
conversacional do processo interpretativo, que ele vê como um diálogo, tanto
aberto quanto incremental. Josephides também argumenta que os estilos de
escrita etnográfica vão além da questão de preferência pessoal, treinamento
ou habilidade e, em vez disso, nos fornecem um meio de conectar pontos de
vista epistemológicos com nosso modo de representação.
A construção de representações antropológicas pode, portanto, ser vista
como o resultado final de um complexo processo de ligação entre o
informante e o pesquisador, cada um dos quais envolvido em tentativas
semelhantes, embora muitas vezes separadas, de gerar interpretações que
possam abranger a multiplexidade da vida cotidiana. Como Sperber (1994)
argumenta, essas representações são 'verdadeiras' na medida em que
explicam o original. Eles não se assemelham, no entanto, pois fazê-lo seria
apenas copiar e não interpretar. Wallman leva essa perspectiva para além
dos limites da academia, convidando-nos a refletir sobre formas de trabalhar
de forma prática e produtiva com noções de multivocalidade diante de
problemas e questões sociais específicas e muitas vezes bastante concretas.
Ela argumenta que os modelos que fazemos para representar os problemas
culturais de um grupo de 'outros' para outro grupo de 'outros' precisam ser
representações eficazes em vez de acuradas para facilitar a tarefa daqueles
que, em contextos aplicados, são frequentemente conduzidos para tomar
decisões sobre situações vexatórias. Ao aprender assim a conviver com a
parcialidade de nossos relatos e a aceitar as limitações da subjetividade da
prática antropológica, estamos, em sua opinião, habilitados e não impedidos
de praticar o que pregamos.
Essa perspectiva levanta questões sobre as formas que escolhemos para
nossas representações. A monografia, artigo de revista ou apresentação de
conferência são mídias que claramente não oferecem uma cópia do original,
sendo uma montagem linear de palavras e não um evento ou experiência
tridimensional. Filme, fotografia ou artefato envolve tanto imagens visuais
quanto linguagem e pode, portanto, parecer constituir uma representação
mais 'fiel'. No entanto, como Macdonald revela através de sua etnografia de
uma instituição oficial de representação – o Museu Nacional de Ciência e
Indústria da Grã-Bretanha – escolher e enquadrar imagens e artefatos dentro
do cenário do museu também é se engajar em atos de tradução e criação de
sentido. Como os antropólogos, os funcionários do museu se veem obrigados
a representar, em vez de meramente exibir, os objetos que estão sob seus
cuidados. Portanto,
12 Allison James, Jenny Hockey, Andy Dawson

A POLÍTICA DE REPRESENTAÇÃO
Até agora, como vimos, grande parte da antropologia contemporânea se
preocupa em explorar maneiras pelas quais as lacunas entre aqueles que
produzem e aqueles que usam representações podem ser estreitadas, por
exemplo, fazendo com que a multivocalidade das vozes antropológicas soe
mais de perto. No entanto, por mais importantes que sejam esses ideais e
intenções, permanece a questão um tanto incômoda de saber se tais
representações democráticas são afinal possíveis, ou mesmo desejáveis. É
para essas questões mais gritantes que esta seção final se volta.
No clima atual de responsabilidade acadêmica e institucional, a criação de
sentido com a qual a antropologia se preocupa há muito tempo começa a
assumir um tom ligeiramente diferente. Os antropólogos agora estão
acostumados a serem solicitados a fornecer contas do campo que possam
informar a política e sua implementação. A antropologia aplicada há muito
sofre sob o olhar crítico de uma academia para quem a pesquisa "pura" era,
pelo menos na Europa, o ramo mais respeitável da disciplina (Grillo e Rew
1985). Na década de 1990, a antropologia aplicada encontra-se,
ironicamente, no olho de uma tempestade política na qual a pesquisa em
ciências sociais tem cada vez mais de se defender como sendo pelo menos
'relevante' para as questões sociais contemporâneas, embora nem sempre
fácil de aplicar diretamente.
Embora em alguns setores o aperto das rédeas fiscais que isso tenha
implicado tenha sido uma experiência dolorosa, invocando fortes
argumentos para a proteção da pesquisa 'pura', em outros lugares essa
mudança de foco foi bem recebida como um desafio, já que muitos dos
capítulos deste volume amplamente demonstrar. A atenção às consequências
sociais e políticas de nossa pesquisa — a antropologia na prática — não
precisa implicar nem na diminuição da teorização nem no comprometimento
dos padrões acadêmicos. Na verdade, é bem o contrário. Coletivamente, os
capítulos deste volume revelam a interação necessária entre pesquisa pura e
aplicada e a relação criativa e simbiótica a ser atingida entre teoria e prática.
Nesse sentido, as lições sobre representação que formam o legado do debate
sobre a 'cultura da escrita' são tão centrais para a práxis antropológica
contemporânea quanto para sua teorização. Eles não são, como alguns
argumentaram, simplesmente parte de um debate obscuro e misterioso de
pouca relevância para a realização do trabalho. Ao tornar transparentes os
processos pelos quais as etnografias são feitas - isto é, construídas como
ficções ou relatos, em vez de verdades objetivas - nos tornamos conscientes
de nossa própria humanidade como criadores de significado. Se a
organização de um texto afeta seu significado, o poder de produzir
significados particularizados, persuasões etnográficas, torna-se um
problema de representação tanto político quanto simplesmente textual (Said
1978). O lançamento de feitiços ou a imposição de metáforas carregam poder
tanto no mundo material quanto no mundo da fantasia. Eles não são, como
alguns argumentaram, simplesmente parte de um debate obscuro e
misterioso de pouca relevância para a realização do trabalho. Ao tornar
transparentes os processos pelos quais as etnografias são feitas - isto é,
construídas como ficções ou relatos, em vez de verdades objetivas - nos
tornamos conscientes de nossa própria humanidade como criadores de
significado. Se a organização de um texto afeta seu significado, o poder de
produzir significados particularizados, persuasões etnográficas, torna-se um
problema de representação tanto político quanto simplesmente textual (Said
1978). O lançamento de feitiços ou a imposição de metáforas carregam poder
tanto no mundo material quanto no mundo da fantasia. Eles não são, como
alguns argumentaram, simplesmente parte de um debate obscuro e
misterioso de pouca relevância para a realização do trabalho. Ao tornar
transparentes os processos pelos quais as etnografias são feitas - isto é,
construídas como ficções ou relatos, em vez de verdades objetivas - nos
tornamos conscientes de nossa própria humanidade como criadores de
significado. Se a organização de um texto afeta seu significado, o poder de
produzir significados particularizados, persuasões etnográficas, torna-se um
problema de representação tanto político quanto simplesmente textual (Said
1978). O lançamento de feitiços ou a imposição de metáforas carregam poder
tanto no mundo material quanto no mundo da fantasia. construídos como
ficções ou relatos, em vez de verdades objetivas - nos tornamos conscientes
de nossa própria humanidade como criadores de significado. Se a
organização de um texto afeta seu significado, o poder de produzir
significados particularizados, persuasões etnográficas, torna-se um
problema de representação tanto político quanto simplesmente textual (Said
1978). O lançamento de feitiços ou a imposição de metáforas carregam poder
tanto no mundo material quanto no mundo da fantasia. construídos como
ficções ou relatos, em vez de verdades objetivas - nos tornamos conscientes
de nossa própria humanidade como criadores de significado. Se a
organização de um texto afeta seu significado, o poder de produzir
significados particularizados, persuasões etnográficas, torna-se um
problema de representação tanto político quanto simplesmente textual (Said
1978). O lançamento de feitiços ou a imposição de metáforas carregam poder
tanto no mundo material quanto no mundo da fantasia.
Essa interdependência é revelada de várias maneiras. Diante de um agora
Introdução: a estrada de Santa Fe 13

aclamada subjetividade e, como vimos, um novo reconhecimento e aceitação


da parcialidade de nossos relatos, não podemos mais nos distanciar da
responsabilidade por nossos textos. No capítulo 14, Okely traça a história de
seus próprios escritos e de outras pessoas sobre a etnia cigana. Ela mostra
que seu questionamento sobre uma origem indígena de etnia cigana tem, em
diferentes momentos, alimentado a arena política constituída, por exemplo,
pela Comissão para a Igualdade Racial e o sistema de justiça criminal, ao
mesmo tempo em que contribui para os debates intelectuais dos ciganos.
Como os de Macdonald, os textos de Okely ganharam vida política própria.
Esses capítulos argumentam, portanto, que, uma vez que nos
comprometemos com as palavras no papel ou com a representação visual
através do filme, podemos ao mesmo tempo perder o controle e ser
assombrados por nossas representações dos outros. No contexto global
contemporâneo, onde textos e imagens não apenas proliferam, mas o fazem
além dos limites da localidade de sua produção, é preciso que consideremos
cuidadosamente, portanto, a queda política – fora de nossas práticas
representacionais. Esses exemplos mostram que o interesse pela forma e
pelo estilo, que pode parecer estreito, muitas vezes assume uma importância
política quando a pesquisa encontra seu caminho fora da academia; as
complexidades de um texto tendem a se condensar em uma frase de efeito
midiática com toda sutileza perdida, toda complexidade reduzida e toda
contradição embotada. Fica claro, portanto,
Uma segunda e mais emotiva consequência dessa nova consciência sobre
a prática da representação antropológica diz respeito às questões de
advocacia. À medida que os antropólogos se vêem cada vez mais atraídos
para comunicar visões do mundo a não-antropólogos, em nome dos
impotentes e poderosos, é preciso prestar mais atenção à conversa – fazendo
com que isso esteja no coração comunicativo das práticas representacionais.
À sua maneira, os capítulos contribuídos por Cheater e Hopa, Okely, Hendry,
Knight e Layton mostram que as representações, uma vez feitas, estão
abertas à re-representação, deturpação e apropriação.

CONCLUSÃO
Este volume apresenta uma série de respostas diferentes aos desafios
levantados pelo debate sobre a 'cultura da escrita'. Como uma coleção, os
capítulos convidam a um reexame de muitos aspectos de nossa práxis
representacional, desde questões de epistemologia até aquelas sobre os
papéis políticos que os antropólogos podem assumir. Assim, não apenas
reconhecemos a natureza situada e 'ficcional' de nossas contas, mas também
começamos a tarefa de apresentar essas contas de forma eficaz, como base
para a tomada de decisões e a formação de políticas.
Os críticos do debate sobre a 'cultura da escrita' reivindicaram um foco
estreito
14 Allison James, Jenny Hockey, Andy Dawson

em textos como o local de construção de autoridade (Sangren 1988: 412). O


que este volume nos direciona é uma consideração das esferas mais amplas
dentro das quais os textos vêm a ser debatidos, criticados e usados e sua
autoridade prática ganha credibilidade. Nesse sentido, este volume não
apenas pede um reexame, seguindo Rabinow (1986) e Clifford (1988), da
prática da etnografia, mas também nos convida a direcionar nosso olhar para
os processos sociais pelos quais a etnografia ganha autoridade.
Capítulo 2

Representando a situação do
antropólogo

Lisette Josephides

Parto da premissa de que o conhecimento antropológico se origina no


encontro de campo, onde estendemos nossas conexões parciais com o
mundo. A frase é, naturalmente, de Marilyn Strathern (Strathern 1991).
Quero estender seus insights a um campo de investigação um pouco
diferente, a fim de examinar como nossas identificações e complicações no
campo determinam (ou pelo menos influenciam fortemente) as
epistemologias que moldam nossas monografias. Simplificando, qual é a
relação entre o encontro de campo e nossos compromissos epistemológicos?
Eu tomo três estilos de escrita etnográfica como base de minha discussão.
O primeiro estilo (Tsing 1993) é uma interpretação inspirada que cobre
vastas extensões de terrenos epistemológica e geograficamente
descontínuos, criando conexões globais e demonstrando simultaneamente as
teses da marginalidade enfraquecedora e do empoderamento da agência e
autodefinição. O segundo estilo (Seremetakis 1991) é uma atitude autoral-
reflexiva que desafia as teorias pela aplicação de observações etnográficas
das quais o etnógrafo se torna progressivamente indistinguível. Um diário de
sonhos serve como um indicador da metodologia antropológica, revelando
uma ordem cultural que o etnógrafo finalmente reivindica como sua. Aqui a
exegese é espontânea; o significado já está contido no ato ritual, mas precisa
ser cocriado para ser compreendido. O terceiro estilo (Josephides sd) é um
relato da 'cultura em ação', que tem como assunto a compreensão da 'cultura'
através das ações e falas de seus participantes. Surge um discurso local do eu
e da cultura, pintando um quadro da experiência vivida.
O ímpeto para este ensaio tem duas fontes: um fascínio pela maneira
peculiar como os encontros etnográficos produzem etnografias específicas
que exibem as criatividades de contextos culturais particulares e uma
curiosidade sobre as diferenças na criatividade de nossas próprias co-
invenções de situações e relações de campo. Eu 'desconstruo' os estilos para
vislumbrar o que aconteceu em sua criação, não para rejeitá-los, mas porque
estou fascinado com o poder de persuasão de suas abordagens e suas
implicações posteriores. Minha intenção é levar seus insights adiante,
perguntando
Representando a situação do antropólogo 17

muitas questões. Que imagens eles retratam? O que lhes permite descrevê-
los dessa maneira? E quais são os pressupostos necessários de suas
heurísticas? Essas questões envolvem questões de representação atendendo
à relação entre metodologia etnográfica e preocupações epistemológicas.
Ao mesmo tempo, devo engajar duas estratégias diferentes de escrita
etnográfica, a autorreflexiva/interpretativa e a desconstrutiva (Visweswaran
1994: 78-9). A abordagem etnográfica autorreflexiva é entendida como
aquela que questiona sua autoridade, mas não abandona a interpretação.
Enquanto assume um horizonte de conhecimento compartilhado entre o
leitor e o etnógrafo, o sucesso da interpretação permanece em uma unidade
hermeneuticamente alcançada entre o etnógrafo, como sujeito do
conhecimento, e as pessoas estudadas, como objetos do conhecimento. Essa
unidade, aliás, é vista como uma conquista do etnógrafo. Antes que o
entendimento necessário para a interpretação autêntica seja considerado
possível, exige-se certo grau de estabilidade (por razões éticas e cognitivas)
nos posicionamentos constantemente negociados entre o etnógrafo e a
população local. Essa compreensão é descrita em termos de um avanço
realizado no campo, em episódios que envolvem toda a pessoa do etnógrafo,
intelectualmente, psicologicamente, emocionalmente, cognitivamente.
Assim, demonstra certo empenho pessoal da etnógrafa, que resulta em sua
transformação.
A identificação com o leitor, por outro lado, é assumida desde o início.
Espera-se, além disso, que o leitor compreenda o processo do círculo
hermenêutico (Ricoeur 1981) por meio do qual o etnógrafo alcançou o grau
necessário de identificação com as pessoas do campo. Esse conluio entre o
etnógrafo e o leitor exclui as pessoas como sujeitos do conhecimento, pois a
compreensão é sempre uma conquista do etnógrafo, que se objetiva como
autoconsciência. A etnografia interpretativa é, portanto, a realização de
diferentes operações enraizadas em diferentes tipos de identificações e
relações de conhecimento.
A etnografia desconstrutiva tem um projeto e uma estratégia diferentes.
Ele desencoraja a identificação com o leitor, recusando-se a explicar. Nesse
sentido, recusa o conluio que exclui o objeto do conhecimento, mas sua
própria existência é uma eliciação, um convite a adotar uma atitude em
relação aos conteúdos da etnografia. A etnografia desconstrutiva também
pode definir-se a tarefa de desconstruir teorias enquanto apresenta a
etnografia sem interpretação, exceto em termos dessas teorias agora
fragmentadas (Tsing 1993). Ele encontra suas explicações e justificativas não
tanto no círculo hermenêutico de compreensão, mas no desdobramento dos
preconceitos, suposições e atitudes políticas por trás dessas teorias e
perspectivas (Visweswaran 1994; cf. Strathern 1981).
18 Lisette Josephides

configurações e eventos políticos, ao invés do entendimento empático de um


para um alcançado pelo etnógrafo.
A seguir, apresentarei os três estilos, depois discutirei as identificações e
cumplicidades dos etnógrafos. Minhas legendas tentam encapsular as
descrições etnográficas e as perspectivas teóricas da etnógrafa, reunindo
assim o que cada antropóloga fez e o que ela percebeu que lhe permitia fazê-
lo.

ANTROPOLOGIA COMO COMUNICAÇÃO EM


FRONTEIRAS: O MERATUS DE BORNEO
Anna Tsing pinta um retrato dos Meratus Dayaks (Kalimantan do Sul,
Bornéu) vivendo uma cultura de bricolagem constante, estranha tanto à
estabilidade quanto à totalidade. Parte de seu projeto é explorar como os
Meratus são colocados - ou 'deslocados', porque são colocados como um
problema - por políticas e discursos mais amplos no contexto do estado
indonésio e da 'civilização' em geral. Esta colocação não é apenas externa; os
Meratus internalizam e respondem a ela através de várias estratégias de
reinterpretação, desafio, mimetismo e paródia. Para Tsing, esse
deslocamento é a marginalidade, o espaço onde a autoridade estatal é menos
confiável e a reinterpretação de suas políticas mais extremas (Tsing 1993:
27). Assim como o Estado desloca o Meratus, o Meratus também desloca a
retórica estatal copiando-a (ibid.: 280). Esse mal-entendido mútuo é paralelo
à implicação mútua na construção de cada um: enquanto a política da aldeia
contribui para fazer o Estado, os aldeões veem como instituições do Estado o
que os funcionários do Estado consideram tradicionais (por exemplo, a
organização doméstica adat). Submissão e autonomia estão vinculadas pelo
Meratus local de transformação da política estatal em ritual exótico. Os
elementos-chave que se combinam aqui são (construção mútua por meio de)
mal-entendidos, marginalidade (por meio de relações assimétricas) e
conexão. Diante desses interesses, a etnografia de Tsing 'transgride' as
convenções de separação entre análise cultural 'interna' e influências
'externas' e se concentra na criatividade das interconexões, situar os
comentários locais 'dentro de negociações mais amplas de significado e
poder, ao mesmo tempo em que reconhece os interesses e especificidades
locais' (ibid.: 9). Não devemos esperar, então, encontrar uma descrição de
uma cultura autocontida com princípios e estruturas subjacentes que
unifiquem certas ações em contextos e tempos específicos.
Esses conceitos – mal-entendidos, marginalidade, conexão e suas práticas
sociais concomitantes – estão inextricavelmente ligados. Às vezes, 'mal-
entendido' e 'transformação' tornam-se indistinguíveis, pois Meratus
transforma tudo o que vem de fora em uma forma de contestação. Seus
esforços culturais parecem totalmente ocupados com esse tipo de
processamento. Prestige vem com conexões externas, mas o que
Representando a situação do antropólogo 19

vem de fora ou se transforma em uma forma de contestação ou alcança


resultados locais por razões inteiramente fortuitas.
Como exemplo dessa serendipidade, Tsing relata um conflito local em
torno dos dois casamentos de uma jovem. Ela era uma noiva relutante do
primeiro noivo e se recusou a coabitar com ele, mas gostou do segundo
homem com quem se casou depois que uma taxa de divórcio simbólica foi
enviada ao primeiro marido. Como esperado, o divórcio foi contestado e
vários líderes locais se envolveram no conflito. Parecia haver um impasse, até
que um oficial da seção de polícia que havia se aproximado para julgar uma
disputa separada passou a ter uma boa estadia na propriedade de um dos
líderes locais em disputa. Ouviu-se mencionar que o assentamento desse
líder era o único que mostrava sinais de desenvolvimento. O resultado foi que
um ponto de vista local venceu porque um funcionário que não sabia nada de
nada havia jantado bem.
No entanto, por que Tsing deveria assumir a existência de um único e
consensual "senso local de lógica cultural ou justiça" ao qual a resolução de
conflitos deve servir? Em meu próprio trabalho de campo entre os Kewa de
Papua Nova Guiné, a gestão de conflitos locais parece servir à lógica local.
Mas resoluções diferentes serviriam igualmente bem a essa lógica; não é um
monológico. No exemplo de Tsing, o prestígio da conexão com o exterior é
apresentado como fator decisivo. De fato, ela argumenta que os líderes locais
precisam do apoio do Estado para manter sua proeminência local (ibid.: 111).
Mas ela não cita opiniões locais que sugerem isso. Sua própria voz é a única
audível na construção de sentido nesta ocasião.
Embora Tsing remova camadas de 'diferença' e as substitua por 'conexão',
ela retém um tipo de diferença. Isso é viagem, que também se relaciona com
as visões de Meratus sobre a relação entre o interior e o exterior. Meratus
não percebe fronteiras fechadas, mas vê trocas abertas entre o interior e o
exterior. O xamanismo Meratus desenvolveu uma noção de sujeitos falantes
como 'aqueles que podem expandir, não defender, suas fronteiras físicas e
sociais' (ibid.: 179). Apesar do fato de que isso descreve uma abertura para o
conhecimento externo, ironicamente os vizinhos Banjar consideram Meratus
perigoso para seu conhecimento localizado. No entanto, esse conhecimento
localizado é notável precisamente por sua disposição aberta, e não por
qualquer conteúdo específico.
Tsing refere-se a essa disposição como a capacidade de 'emprestar poder'.
Ela descreve um exemplo de bravata, em que as brincadeiras submissas dos
homens Meratus com estranhos "[cria] uma aliança com o poderoso Outro,
que reafirma a sexualidade masculina de ambas as partes" (ibid.: 199). Essa
estratégia torna-se o empoderamento de uma sexualidade sobre outra,
lançando as mulheres como o sexo sobre o qual os homens podem ter 'poder'.
Talvez nem todos os homens sejam capazes de transformar suas
experiências humilhantes em proezas sexuais ao mesmo tempo.
20 Lisette Josephides

casa, mas aprendem pelo menos uma lição: que a afirmação de uma
sexualidade viril está ligada à autoridade (ibid.: 199).
Em outro contexto, as mulheres também podem tomar emprestado o
poder, sem a mediação da humilhação. Uma Adang, uma xamã, deu mais
grandeza a seus discursos fazendo com que Tsing os gravasse e os
reproduzisse para o público. Em outra conexão, Tsing discute o
empoderamento da agência e autodefinição em face da marginalidade
enfraquecedora. Evidência para isso é encontrada no auto-capacitação de
mulheres que tiveram ligações com homens estrangeiros. Em vez de se
considerarem vítimas usadas pelos homens para sua gratificação sexual, as
mulheres se veem como desejadas, agentes livres que tomam suas próprias
decisões de abandonar relacionamentos que interferem em sua preciosa
autonomia e liberdade.
Ironicamente, essa atividade do Meratus parece, afinal, criar uma certa
estabilidade na marginalidade. Em vez de uma areia movediça, uma
percepção de desconexão, a marginalidade torna-se uma percepção de
conexão. A bricolagem nas margens conecta, é um jogo criativo com qualquer
fragmento que se possa apreender. As conexões são elas próprias
representações, é claro. Voltarei na seção final à questão de saber se o
próprio Meratus representa para si mesmo essas conexões, ou se elas são
invenção de Tsing.

Nos parágrafos anteriores, tentei evocar as imagens que Tsing descreveu. O


que permitiu que Tsing descrevesse o Meratus dessa maneira? Sua afirmação
de falar do reino da rainha do diamante, o espaço de comunicação criado pelo
etnógrafo, e (algumas) pessoas locais deu-lhe confiança em sua
autenticidade, bem como uma posição a partir da qual falar. Para Tsing, não
há espaço neutro, ou a possibilidade de se encontrar em um espaço
totalmente estranho a um. A antropologia é a comunicação nas fronteiras,
onde um comentarista situado encontra outro. Nesse espaço, etnografia e
teoria se fundem quando os dados são vistos como derivados das interações
vivas e declarações de pessoas que têm sua própria consciência crítica. Aqui,
informantes atípicos e excêntricos oferecem metadiscursos sobre sua cultura
e o mundo mais amplo, já que o metadiscurso da marginalidade é justamente
sua cultura e experiência vivida. (Além do extraordinário, do excêntrico e do
atípico, as outras figuras de Tsing são sombrias.) Essa experiência cultural de
fragmentação torna-se a perspectiva teórica do etnógrafo, à medida que ele
engaja pedaços de abordagens clássicas com quebra-cabeças localmente
específicos. O próprio 'local' refere-se a atos de posicionamento, não a
comunidades delimitadas. O etnógrafo carrega sua própria localidade de
consciência crítica que deve engajar em interação com outros comentários
locais. É assim que teoria e etnografia se fundem analiticamente. Tsing e Uma
Adang criaram um novo evento (espaço) para si mesmos a partir desses
pedaços e peças, e esse espaço os fez ver as coisas, eles mesmos e uns aos
outros, de maneira bem diferente. Era uma nova posição. (Além do
extraordinário, do excêntrico e do atípico, as outras figuras de Tsing são
sombrias.) Essa experiência cultural de fragmentação torna-se a perspectiva
teórica do etnógrafo, à medida que ele engaja pedaços de abordagens
clássicas com quebra-cabeças localmente específicos. O próprio 'local' refere-
se a atos de posicionamento, não a comunidades delimitadas. O etnógrafo
carrega sua própria localidade de consciência crítica que deve engajar em
interação com outros comentários locais. É assim que teoria e etnografia se
fundem analiticamente. Tsing e Uma Adang criaram um novo evento (espaço)
para si mesmos a partir desses pedaços e peças, e esse espaço os fez ver as
coisas, eles mesmos e uns aos outros, de maneira bem diferente. Era uma
nova posição. (Além do extraordinário, do excêntrico e do atípico, as outras
figuras de Tsing são sombrias.) Essa experiência cultural de fragmentação
torna-se a perspectiva teórica do etnógrafo, à medida que ele engaja pedaços
de abordagens clássicas com quebra-cabeças localmente específicos. O
próprio 'local' refere-se a atos de posicionamento, não a comunidades
delimitadas. O etnógrafo carrega sua própria localidade de consciência crítica
que deve engajar em interação com outros comentários locais. É assim que
teoria e etnografia se fundem analiticamente. Tsing e Uma Adang criaram um
novo evento (espaço) para si mesmos a partir desses pedaços e peças, e esse
espaço os fez ver as coisas, eles mesmos e uns aos outros, de maneira bem
diferente. Era uma nova posição. ) Essa experiência cultural de fragmentação
torna-se a perspectiva teórica da etnógrafa, pois ela envolve pedaços de
abordagens clássicas com quebra-cabeças localmente específicos. O próprio
'local' refere-se a atos de posicionamento, não a comunidades delimitadas. O
etnógrafo carrega sua própria localidade de consciência crítica que deve
engajar em interação com outros comentários locais. É assim que teoria e
etnografia se fundem analiticamente. Tsing e Uma Adang criaram um novo
evento (espaço) para si mesmos a partir desses pedaços e peças, e esse
espaço os fez ver as coisas, eles mesmos e uns aos outros, de maneira bem
diferente. Era uma nova posição. ) Essa experiência cultural de fragmentação
torna-se a perspectiva teórica da etnógrafa, pois ela envolve pedaços de
abordagens clássicas com quebra-cabeças localmente específicos. O próprio
'local' refere-se a atos de posicionamento, não a comunidades delimitadas. O
etnógrafo carrega sua própria localidade de consciência crítica que deve
engajar em interação com outros comentários locais. É assim que teoria e
etnografia se fundem analiticamente. Tsing e Uma Adang criaram um novo
evento (espaço) para si mesmos a partir desses pedaços e peças, e esse
espaço os fez ver as coisas, eles mesmos e uns aos outros, de maneira bem
diferente. Era uma nova posição. O etnógrafo carrega sua própria localidade
de consciência crítica que deve engajar em interação com outros comentários
locais. É assim que teoria e etnografia se fundem analiticamente. Tsing e Uma
Adang criaram um novo evento (espaço) para si mesmos a partir desses
pedaços e peças, e esse espaço os fez ver as coisas, eles mesmos e uns aos
outros, de maneira bem diferente. Era uma nova posição. O etnógrafo carrega
sua própria localidade de consciência crítica que deve engajar em interação
com outros comentários locais. É assim que teoria e etnografia se fundem
analiticamente. Tsing e Uma Adang criaram um novo evento (espaço) para si
mesmos a partir desses pedaços e peças, e esse espaço os fez ver as coisas,
eles mesmos e uns aos outros, de maneira bem diferente. Era uma nova
posição.
Tsing nos dá etnografia em vinhetas. A fragmentação, mesmo do
Representando a situação do antropólogo 21

teorias, torna-se uma parte importante de sua perspectiva teórica: em vez de


sucumbir ao objetivo de construir uma grande teoria buscando a coerência
de uma única abordagem, sua fragmentação teórica imita a fragmentação das
experiências das pessoas e sua resposta à sua marginalidade. Mas uma
mudança de perspectiva poderia igualmente mostrar a antropóloga
simulando, talvez inventando, a fragmentação por seu uso seletivo de teorias
atualmente populares e alternando entre estilos narrativos. Isso sugere que
o que possibilitou a interpretação de Tsing já estava baseado em uma
interpretação da experiência anterior de Meratus.
Tsing sugere que, ao confiar suas histórias a ela, Meratus esperava que ela
as interpretasse em seu próprio mundo. A interpretação era uma atividade
em que se engajavam constantemente, não uma atividade nefasta que dava
ao etnógrafo poder sobre eles. Quando Tsing aceitou o desafio de Uma Adang
de levar sua história do mundo para os Estados Unidos, ela assumiu a
responsabilidade de explicar seus temas. Assim, os Meratus 'excêntricos' são
descritos como intelectualizadores de sua situação cultural. A história de
Uma Adang é um metadiscurso sobre cultura e percepções do mundo mais
amplo, e não apenas um dos discursos de sua cultura. Mas de outra forma é
um dos discursos culturais do Meratus. Tsing não gostaria de distinguir entre
um metadiscurso e um discurso, porque o metadiscurso de uma percepção
de conexão também descreve como as pessoas vivem suas vidas. Não há
'imponderabilia' nos relatos etnográficos de Tsing, que mostram pessoas
lidando com sua cultura de marginalidade. Em uma seção posterior,
retornarei à questão de saber se as próprias pessoas fazem essas conexões.

EM UMA VOZ AUTÊNTICA: FUNDANDO O ETNOGRÁFICO


COM O BIOGRÁFICO
A etnografia de Nadia Seremetakis parece mundos à parte da de Tsing. Ela o
construiu em oposição crítica às abordagens dos mediterrâneos anteriores,
cujas preocupações com os conjuntos binários de honra-vergonha, público-
privado e masculino-feminino pressupunham identidades formadas em uma
totalidade social compartilhada. Seu ponto de partida é que “a identidade
feminina é construída através do signo da morte e da alteridade” (1991: 72),
e assim “examinar a morte em Inner Mani é olhar para a sociedade Maniat
através de olhos femininos” (ibid.: 15, ênfase omitida). Seu relato dos ritos de
morte difere do de Hertz na medida em que ela se recusa a vê-los como
realização de separação e reincorporação e, assim, restaurando uma suposta
estabilidade social preexistente. Ela justifica essa diferença apresentando seu
relato como uma descrição da construção das mulheres, o que as mulheres
estão realmente fazendo.
As mulheres de Inner Mani, sul da Grécia, são marginalizadas interna e
externamente, pelo Estado (modernidade) e por seu gênero. Embora muitas
práticas antigas tenham caído em desuso, as mulheres continuam
22 Lisette Josephides

tradição milenar de lamentar os mortos, controlar as práticas divinatórias e


exumar os ossos. Os lamentos são performances poderosas e perigosas que
reúnem mulheres conectadas por substância compartilhada com a pessoa
morta. A boa morte é bem lamentada; um cantor solitário indica ausência de
reciprocidade passada. É necessário um coro para a participação antifônica
que atua como dispositivo mnemônico que estabelece a autoridade da
testemunha como fiadora (ibid.: 102). À medida que o lamento é passado de
cantor em cantor, ele se estabelece como verdade pela força da dor que o
produz e que é capaz de produzir nos outros. O canto torna-se um artefato ou
objeto, trocado entre mulheres (ibid.: 118). A antifonia historiciza o discurso
do cantor, fazendo do lamento a vocalização de 'todo um conjunto social'
(ibid. : 120). Como sistema de inferência moral compartilhada, o lamento
junto com a adivinhação é uma força material com um poder cultural que o
torna socialmente significativo (ibid.: 230).
A descrição de como a ação ritual das mulheres administra os espaços de
dentro e de fora oferece insights poderosos sobre as percepções de si e dos
outros (cf. Kristeva 1991). Na separação da morte, o outro alienado torna-se
a parte estranha do eu. "Xenitia (o exterior, o espaço estranho, a morte) é
formado por partes separadas do eu" (Seremetakis 1991: 216). Podemos
compreender melhor essa formulação considerando como as relações são
feitas na vida e refeitas na morte. Se, como na experiência das mulheres
Maniat, as relações que construímos com os outros são de substância
compartilhada, então, através desse compartilhamento de substância, o
outro é parte de mim e eu sou parte do outro. Quando o outro entra em
xenitia, ele/ela ainda permanece parte de mim, mas um eu alienado, uma
parte estranha do eu. Assim, o próprio espaço estrangeiro – xenitia – pode
ser interpretado como formado por partes separadas do eu. São essas 'partes
exteriorizadas, os artefatos exilados da exterioridade e da 'carne coletiva'
[que] demarcam esse mundo do outro, esse lugar do espaço do
estranhamento e, por sua vez, fazem de xenitia uma interioridade sem fim'
(ibid.).
As mulheres maníacas não realizam uma separação nos primeiros ritos da
morte. O morto não é despersonalizado no lamento, como nos funerais da
igreja, mas continua a ser referido pelo nome como parte da comunidade. No
momento da exumação, os ossos secos "desfamiliarizam" os mortos, mas não
os apagam. Os restos materiais são reordenados em uma nova relação
simbólico-material (ibid.: 189). A simbolização da morte nessa relação não é
uma alegoria, mas o fundamento da consciência histórica (ibid.: 207), pois a
exterioridade da morte se interioriza nos corpos das mulheres (ibid.: 227). O
trabalho de recolher em seus corpos a exterioridade não domesticada da
morte faz do corpo de cada mulher um interior destacado, replicando o
cosmos como fragmentos do todo (ibid.: 238). Nesse entendimento,
Representando a situação do antropólogo 23

formulação pelo encontro cultural dos fragmentos que o farão existir.


Fazer do cosmos um espaço de interioridade de gênero (isto é, trazer o
exterior para o interior) é um trabalho que envolve muita dor e risco. Em sua
mímesis corpórea da morte no processo de luto, as mulheres transformam
seus corpos em 'texto de desordem', erguendo-se a toda a altura, erguendo
os punhos para o céu, xingando e desafiando Deus. O dualismo mente/corpo
aqui expresso é o oposto dos conceitos filosóficos, onde a mente é
transcendente e o corpo circunscrito pelas condições materiais que o ligam
ao presente. Em vez disso, no processo de adivinhação, a mente se move para
o futuro, como quando um sonho corrige um aviso. Seremetakis nos adverte
a não negligenciar esses poderosos aspectos somáticos do corpo,
transformando-o de um soma físico em um signo (sema) com significado
apenas simbólico ou metafórico.
Em seu trabalho de expor a finalidade do eu social, literalmente os ossos
da sociedade, as mulheres ganham uma "sabedoria cínica", uma postura
irônica que os comentaristas muitas vezes confundem com passividade. Esse
fatalismo imbui os exumadores 'com uma sensação de futilidade que pode
ser vista como aceitação do discurso masculino do 'senso comum'. O que as
mulheres realmente exibem é 'a irônica desrealização de toda ordem social'
(ibid.: 223; ênfase omitida). Tendo construído o exílio interno, o exumer não
pode sentir a permanência neste mundo. Ela tomou a morte, um evento que
'revelou o invisível no visível', e através de vínculos 'não acessíveis às
estruturas cognitivas da vida social cotidiana' representou o irrepresentável,
ou seja, a ordem cosmológica.
Como Seremetakis é capaz de representar a ordem cosmológica
irrepresentável, tornada visível apenas em sua criação pelas mulheres
Maniat? Seremetakis se refere a si mesma, de maneira complexamente
qualificada, como uma 'antropóloga nativa' (1993: 2). Embora as relações de
parentesco sejam grandes facilitadoras - seu registro e fotografia não foram
considerados intrusivos 'desde que fossem percebidos como uma extensão
da atividade de parentesco' - ela foi, no entanto, 'objetificada, classificada e
submetida a uma leitura política pelos Maniats' (1991). : 10). Eventualmente,
a substância compartilhada, particularmente a comida, deslocou o sangue no
que pode ser visto como uma metáfora para a substituição de relações de
descendência (masculinas) por relações de troca. Como etnógrafa, ela só
poderia entrar no espaço feminino da morte tornando-se membro do coro,
uma testemunha com obrigações contratuais que obedece às regras
antifônicas locais para a produção da verdade (ibid.: 123). A dor é a chave:
sua emoção óbvia quando uma lamentadora particularmente poderosa tirou
lágrimas de seus olhos foi tomada como evidência de seu compromisso com
essa verdade, no nível profundo do sentimento involuntário.
Embora Seremetakis continue a usar a terceira pessoa para falar sobre as
mulheres, sua voz fala com a autoridade de alguém que vivenciou o que ela
está descrevendo. Seu diário de sonhos se torna um indicador
24 Lisette Josephides

da metodologia antropológica, ao traçar um desenho involuntário de sua


própria consciência em uma mimese fisiológica e cultural das criações
culturais das mulheres. A princípio, ela vê seus sonhos como pesadelos, até
que eles recebem um referente adequado pelas mulheres Maniat, que os
interpretam como avisos. Seu próprio corpo, seu inconsciente e sua
consciência tornaram-se 'testemunhas' que validaram o poder culturalmente
criativo das mulheres (ibid.: 232). Não bastava ver o mundo das mulheres
através de seus olhos; o etnógrafo teve que participar de sua criação para
experimentar o que estava sendo criado.
Seremetakis distingue esse "modo de conhecer" etnográfico da
investigação científica, levando-a a uma reflexividade que construiu uma
memória de um eu bem diferente do eu racionalizado ocidental. O sonho
revelou sua herança em uma ordem cultural da qual ela havia se afastado.
Embora involuntária e descontrolada, a interpretação do sonho era uma
designação consciente e deliberada de significado; mas, ao mesmo tempo, a
exegese é espontânea, "e o signo do sonho opera como uma voz coletiva
flexionada com significados compartilhados dentro da consciência
individual" (ibid.: 233). Essa voz falava uma língua para a qual ela não tinha
tradução, usando símbolos que ela não controlava, 'sinais que eram ao
mesmo tempo estranhos e dentro de mim; signos que falavam em referência
a um Outro interno que eu não conhecia” (ibid.: 236).
Então a interpretação já está no ato, vê-se entendendo o ritual. Há apenas
uma maneira de entender o ritual: ações, símbolos, não são polissêmicos.
Seremetakis termina com uma verdadeira nota interna: “Todas as nossas
vidas, as mulheres do Mediterrâneo viveram com uma tradição de discursos
masculinos e civilizacionais institucionalizados impostos de fora que
fragmentaram e tornaram irracional a experiência da adivinhação” (ibid.:
235). Essa identificação dá a Seremetakis sua voz autêntica e permite que ela
descreva como ela faz. Nenhum espaço crítico é deixado entre descrição e
interpretação; Seremetakis nunca questiona sua interpretação, mas a
apresenta como as coisas são. A voz do etnógrafo se funde com a voz dos
estudados.

EXCESSO ETNOGRÁFICO: RETRATOS EM AÇÃO


Os retratos são do povo Kewa das Terras Altas da Nova Guiné, que vivem em
sociedades tradicionalmente descritas como igualitárias, estruturadas pelo
sistema big man de conquista de prestígio e antagonismo de gênero que o
acompanha (Josephides 1985, LeRoy 1985). Aqui (Josephides sd) me
concentro em uma área diferente da vida do povo Kewa, as estratégias
cotidianas pelas quais eles constroem e operacionalizam sua 'cultura'. Eu
descrevo os Kewa, e permito que eles se descrevam, em narrativas longas e
desordenadas que reúnem diferentes tipos de materiais: auto-relatos
solicitados, minhas observações das estratégias eliciadoras nas interações
cotidianas das pessoas, suas
Representando a situação do antropólogo 25

brigas, disputas e assim por diante. Esses relatos excessivos quebram uma
narrativa contínua, tornando insustentável qualquer imagem única ou
generalizante da 'cultura Kewa'.
Minha abordagem fornece um corretivo para uma anterior que se
concentrava na mistificação da ação social. Em vez disso, discuto como o
conhecimento do eu e de seu contexto social e moral se torna explícito por
meio da eficácia da ação social. Os retratos que apresento não são de pessoas
em situações estáticas, são retratos dinâmicos em que emergem indivíduos
fortes que tentam forçosamente se definir dentro de certos contextos que
também estão definindo. Eles revelam situações em que os resultados nunca
podem ser previstos com base em normas ou instituições, mas são
constantemente negociáveis. Isto é assim porque sempre requer agência
para fazer as coisas acontecerem, até mesmo para reativar 'costumes' (cf.
Strathern 1988). Os resultados reais falsificam a afirmação de que as decisões
das instituições sociopolíticas constituem a palavra final que autentica a
prática cultural, enquanto os esforços diários são prevaricações ou
correções. Os dois são, antes, estratégias diferentes para fazer afirmações
sobre relacionamentos e o status das pessoas. Meus materiais de campo me
permitem mostrar como os próprios indivíduos subvertem tantas
generalizações possíveis sobre ação social e instituições culturais.

Essa imagem do povo Kewa surge de uma estratégia de escrita que não
censura os relatos excessivos. Não crio histórias como uma arquiteta que
primeiro modela uma estrutura em sua cabeça e depois seleciona os blocos
para construí-la. Dez anos atrás, era possível manter um controle rígido
sobre minhas notas de campo e usar apenas o quanto eu precisava para levar
meus pontos adiante, mas agora não posso mais subjugar as histórias de
Kewa. O que não posso subjugar, é claro, é minha própria interpretação
internalizada de meus longos anos de associação com os Kewa. Quando voltei
às minhas notas de campo, eles me impuseram um discurso sobre o qual,
como Seremetakis e seus sonhos, senti que tinha pouco controle. Com o
trabalho de campo, tempo e retorno são fatores cruciais. Depois de um
período tão longo de substâncias e emoções compartilhadas, eu
constantemente carrego meus amigos Kewa comigo, de volta ao campo, a
conferências, às aulas. Releio minhas notas de campo, suas cartas, faço
conexões constantes quando leio outros escritos, não apenas antropológicos,
que lembram um amigo ou evento Kewa. Nas minhas próprias relações
sociais e ações diárias, encontro constantemente paralelos com as situações
de Kewa. Percebo, no meio de um evento que se desenrola em minha própria
vida profissional, que uma análise crítica de uma mulher Kewa que
aparentemente não conseguiu ligar o marido a ela - portanto, não traçando
estratégias suficientemente inteligentes com as normas culturais - pode se
aplicar à minha situação, que, no entanto, eu vejo de forma diferente. Sou
forçado a questionar por que vejo as situações de maneira diferente. Essa
'crítica recíproca' (MerleauPonty 1974: 119) é o que dá autenticidade aos
relatos que surgem do encontro etnográfico. Faço conexões constantes
quando leio outros escritos, não apenas antropológicos, que lembram um
amigo ou evento Kewa. Nas minhas próprias relações sociais e ações diárias,
encontro constantemente paralelos com as situações de Kewa. Percebo, no
meio de um evento que se desenrola em minha própria vida profissional, que
uma análise crítica de uma mulher Kewa que aparentemente não conseguiu
ligar o marido a ela - portanto, não traçando estratégias suficientemente
inteligentes com as normas culturais - pode se aplicar à minha situação, que,
no entanto, eu vejo de forma diferente. Sou forçado a questionar por que vejo
as situações de maneira diferente. Essa 'crítica recíproca' (MerleauPonty
1974: 119) é o que dá autenticidade aos relatos que surgem do encontro
etnográfico. Faço conexões constantes quando leio outros escritos, não
apenas antropológicos, que lembram um amigo ou evento Kewa. Nas minhas
próprias relações sociais e ações diárias, encontro constantemente paralelos
com as situações de Kewa. Percebo, no meio de um evento que se desenrola
em minha própria vida profissional, que uma análise crítica de uma mulher
Kewa que aparentemente não conseguiu ligar o marido a ela - portanto, não
traçando estratégias suficientemente inteligentes com as normas culturais -
pode se aplicar à minha situação, que, no entanto, eu vejo de forma diferente.
Sou forçado a questionar por que vejo as situações de maneira diferente. Essa
'crítica recíproca' (MerleauPonty 1974: 119) é o que dá autenticidade aos
relatos que surgem do encontro etnográfico. Nas minhas próprias relações
sociais e ações diárias, encontro constantemente paralelos com as situações
de Kewa. Percebo, no meio de um evento que se desenrola em minha própria
vida profissional, que uma análise crítica de uma mulher Kewa que
aparentemente não conseguiu ligar o marido a ela - portanto, não traçando
estratégias suficientemente inteligentes com as normas culturais - pode se
aplicar à minha situação, que, no entanto, eu vejo de forma diferente. Sou
forçado a questionar por que vejo as situações de maneira diferente. Essa
'crítica recíproca' (MerleauPonty 1974: 119) é o que dá autenticidade aos
relatos que surgem do encontro etnográfico. Nas minhas próprias relações
sociais e ações diárias, encontro constantemente paralelos com as situações
de Kewa. Percebo, no meio de um evento que se desenrola em minha própria
vida profissional, que uma análise crítica de uma mulher Kewa que
aparentemente não conseguiu ligar o marido a ela - portanto, não traçando
estratégias suficientemente inteligentes com as normas culturais - pode se
aplicar à minha situação, que, no entanto, eu vejo de forma diferente. Sou
forçado a questionar por que vejo as situações de maneira diferente. Essa
'crítica recíproca' (MerleauPonty 1974: 119) é o que dá autenticidade aos
relatos que surgem do encontro etnográfico. que uma análise crítica de uma
mulher Kewa que aparentemente não conseguiu ligar o marido a ela -
portanto, não traçando estratégias suficientemente inteligentes com as
normas culturais - pode se aplicar à minha situação, que, no entanto, vejo de
maneira diferente. Sou forçado a questionar por que vejo as situações de
forma diferente. Essa 'crítica recíproca' (MerleauPonty 1974: 119) é o que dá
autenticidade aos relatos que surgem do encontro etnográfico. que uma
análise crítica de uma mulher Kewa que aparentemente não conseguiu ligar
o marido a ela — portanto, não traçando estratégias suficientemente
habilmente com as normas culturais — pode se aplicar à minha situação, que,
no entanto, vejo de forma diferente. Sou forçado a questionar por que vejo as
situações de maneira diferente. Essa 'crítica recíproca' (MerleauPonty 1974:
119) é o que dá autenticidade aos relatos que surgem do encontro
etnográfico.
26 Lisette Josephides

Em 'A produção da etnografia', incluo essas histórias excessivas em dois


tipos diferentes de narrativa. Uma introdução desproblematiza o processo de
'conhecer o outro' por meio de uma investigação filosófica que, em vez disso,
problematiza o eu e promove a antropologia como uma extensão da busca
cotidiana da autoconstrução. Um capítulo conclusivo reproblematiza o
processo de conhecer o outro considerando o encontro etnográfico, no qual,
afinal, ele se originou. Parcialmente como forma de reprovação, mas mais
importante como evidência, reproduzo em meu relato incidentes de minha
própria intransigência, minhas respostas recalcitrantes a situações de
campo. Eles são relevantes não apenas porque afetaram a história e como ela
foi relatada, mas também porque mostram como minhas descrições eram
muitas vezes independentes de meus sentimentos.
A estratégia faz mais do que apresentar os dois lados de uma imagem. A
introdução é também uma reflexão mais madura, minha reconstrução
intelectual do processo de compreensão. A conclusão descreve o que
aconteceu no campo, como parte da experiência vivida.
Uma vez que traço o processo de conhecer através de 'compreensão
fraturada', talvez eu seja culpado de recuperar o fracasso como sucesso: eu
aponto 'as dificuldades em nossas próprias suposições epistemológicas e
estratégias representacionais' (Visweswaran 1994: 98), mas não t,
eventualmente, vislumbra 'falha cognitiva' quando 'a interpretação é
inatingível' (ibid.). Nesta fase, não é uma questão de interpretação; é uma
questão de transformação pessoal e das relações que tornam possível o
trabalho de campo.

IDENTIFICAÇÕES E TEORIA: ETNOGRAFIA AUTO-


REFLEXIVA / INTERPRETIVA E ETNOGRAFIA
DESCONSTRUTIVA
Passo a uma consideração dessas obras a partir da perspectiva da etnografia
interpretativa e da etnografia desconstrutiva. Penso nas duas abordagens
como esposas de diferentes identificações e complicações. Não que os
etnógrafos em questão usem exclusivamente uma ou outra abordagem, mas
há ênfases perceptíveis. Primeiro, quero apresentar, brevemente, um quarto
etnógrafo, cujas visões fortes e quase intransigentes sobre a ética e a política
da representação fazem fortes contrastes com as abordagens mais mistas dos
outros.
Kamala Visweswaran, premiada com o ensaio anacronicamente (seu
sentimento, mas não palavras precisas), publicou seu segundo livro primeiro.
Em uma série de ensaios de cerca de seis anos, ela discute seus pontos de
vista sobre a etnografia feminista e os impasses da representação. Estou
interessado em sua resposta à 'recusa do assunto', uma forma de não
cooperação com o
Representando a situação do antropólogo 27

perguntas do etnógrafo. Durante o trabalho de campo na Índia sobre a luta


nacionalista pela independência, Visweswaran foi colocado em contato com
uma mulher, M, que havia sido ativista. Sua própria designação — M —
denota a decisão de Visweswaran de revelar ao leitor ainda menos de M do
que M havia revelado a ela. Em uma primeira entrevista, M evitou com
sucesso todas as perguntas do etnógrafo; em um segundo, ela descarrilou
suas investigações falando quase demais sobre questões "irrelevantes".
Visweswaran não nos conta o conteúdo da fala de M, que ela claramente vê
como uma mensagem codificada. Em vez disso, ela contextualiza a recusa de
M em falar de seu envolvimento na luta nacionalista como uma 'crítica da
nação' (1994: 67). Uma vez que a narração de histórias individuais exige a
narração do próprio coletivo, a recusa de M é interpretada como uma
Em outro ensaio, Visweswaran relata suas tentativas de entrevistar três
amigas, novamente sobre seu envolvimento na luta nacionalista. Suas
respostas são mais diretas, mas nem sempre diretas e, em alguns casos,
deliberadamente enganosas. Embora desta vez a confusão seja sobre o
casamento de dois amigos, o etnógrafo facilmente descobre que a traição do
Estado está implicada na falta de vontade das mulheres de falar. De maneira
sutil, uma mulher, Janaki, trai a outra para o etnógrafo, e o etnógrafo recorre
aos arquivos para, no final, nos contar mais da história de Janaki do que
Janaki jamais contou a ela. Dois conjuntos de traições estão em ação aqui, de
acordo com as próprias definições de Visweswaran: uma traição de um de
seus súditos por outro e uma traição do sujeito pelo etnógrafo.
Traição e fracasso são as expressões deliberadamente provocativas de
Visweswaran. Em suas trocas com M, a própria Visweswaran
provocativamente "[recupera] o fracasso, como [uma espécie de] sucesso",
uma estratégia que ela atribui criticamente às antropólogas feministas. Ela
transpõe seu próprio 'fracasso' para permitir que o sujeito fale com uma falha
na estrutura do conhecimento e na metodologia de investigação.
Como resultado dessas falhas na comunicação, Visweswaran rejeita ideias
dialógicas sobre poder falar com as pessoas no texto de uma etnografia. A
recusa do sujeito se transforma na recusa textual do etnógrafo em convidar
o leitor a participar da experiência interpretativa. Em vez disso, Visweswaran
nos oferece sua decodificação, uma interpretação informada pela
contextualização histórica. Ela 'explica' o assunto para nós, mas não vai
conspirar com o leitor em uma interpretação do assunto.
Por meio de duas estratégias distintas, Tsing também recusa um conluio
com o leitor que excluiria o Meratus. Primeiro, ela mina a relevância das
diferenças ou "exotismo" na descrição dos outros. Sua preocupação é
desvendar e problematizar camada após camada de ofuscação
28 Lisette Josephides

preconceito que define a tradição ocidental de diferenciação. (Veja, por


exemplo, sua discussão sobre a farsa de Tasaday.) Sua construção sistemática
da "marginalidade" como uma cultura de conexões (talvez negadas ou
deformadas) é o resultado concreto dessa crítica. Em segundo lugar, atribui
ao Meratus um papel crítico no encontro etnográfico (a invenção do novo
espaço) e no enquadramento teórico da sua etnografia (a fusão dos dados
com a teoria). Deixe-me detalhar o segundo ponto.
As abordagens do interpretativismo autorreflexivo e da desconstrução
têm componentes de trabalho de campo e de escrita. No texto, o
interpretativista autorreflexivo traz ao leitor uma interpretação das pessoas
que foi a conquista do etnógrafo no encontro de campo. Esta não é a
estratégia de Tsing; ela não representa o Meratus como a realização de sua
própria compreensão hermenêutica, um triunfo da identificação humana.
(Isso não quer dizer que a compreensão empática de um para um seja
excluída como metodologia de trabalho de campo – as interações de Tsing
com Uma Adang são ampla evidência do contrário; mas sugiro que o trabalho
de Tsing tenha diferentes justificativas, projetos e estratégias.) o
posicionamento é relevante aqui: ela procede da analogia e não da empatia
(ou da hermenêutica de Ricoeur). Em particular, ela chama a atenção para
suas próprias limitações como a lente responsável por refletir as limitações
das mulheres Meratus. Ela também não apresenta essa analogia criativa
como sempre sua própria realização. Ela descreve como Tani, uma mulher
que teve uma ligação com um homem estrangeiro, fez amizade com ela e
redefiniu ambas como mulheres com iniciativa e experiência, em vez de
mulheres sem proteção masculina. Essa reaproximação foi uma conquista de
Tani, não de Tsing. Tani e outras mulheres com experiências semelhantes
contaram histórias que alertaram Tsing para a importância de buscar de
maneira bastante autoconsciente maneiras de construir relacionamentos
interculturais. (Tsing tem o cuidado de dizer que não se trata de comunicação
de cultura para cultura ou de mulher para mulher, mas de 'histórias contadas
por um comentarista situado a outro' (ibid.: 225).
Tsing refere-se a essa neolocalidade como narrativa transcultural, ou
'contar diferenças culturais'. A mensagem de que todos devemos assumir a
responsabilidade por uma "imaginação posicionada" teria sido inócua e
pouco promissora sem a sugestão adicional de que deveríamos apreciar o
padrão de outros lugares (ibid.: 289). Considero que esta é a abordagem de
Tsing: apreciar o padrão de outro lugar, permitindo que seu povo se expresse
plenamente.
A co-inventividade está em primeiro plano na própria nomeação do
Meratus, que Tsing e um estudioso do Meratus criaram juntos (Tsing 1994:
286). Meratus também fazem sua entrada como estudiosos no
enquadramento teórico do empreendimento etnográfico de Tsing. Em uma
discussão de estudiosos de minorias dos EUA, Tsing acrescenta a voz de Uma
Adang, reunindo assim os dois grupos que travam batalhas análogas e
enfrentam problemas análogos (ibid.). Ela
Representando a situação do antropólogo 29

traz os líderes comunitários do Meratus diretamente para nós como teóricos


'envolvidos na construção ativa de uma dupla consciência' (ibid.: 289).
Vicente Rafael (1994: 299) observa que Tsing apresenta Uma Adang como
uma pessoa que 'sempre já sabe', enquanto a própria Tsing 'não sabe, e sabe
que não sabe'. Essa ignorância também pode ser vista como parte do
posicionamento político deliberado de Tsing. Ela faz uma escolha analítica ao
descrever o Meratus da maneira que o faz, não como uma 'cultura tradicional'
autônoma, mas como uma marginal que ilustra a instabilidade das categorias
sociais e fornece um local para ver essa instabilidade. Ela quer desconstruir
o local, mas só pode fazê-lo por meio de outra invenção, a invenção da
emergência numa relação de troca entre o local e o global. As relações
'emergentes' não são constituídas por categorias culturais locais. Essa troca
é simbolizada no próprio relacionamento de Tsing com Uma Adang, que
como todas as relações se realiza em uma coconstrução, um espaço neolocal.
Para Rafael (1994: 300), as 'intimidades compartilhadas no escuro' podem
sugerir uma 'fantasia utópica de comunicação perfeita entre culturas'. Um
antropólogo não tem escolha a não ser replicar que se a comunicação entre
culturas é utópica, então estamos vivendo em uma utopia.
Deixar as pessoas falarem por si mesmas ou permitir que elas agenciem
como atores com suas próprias perspectivas teóricas ainda pode não escapar
da suspeita de que o etnógrafo as está usando para seus próprios fins. Rafael,
novamente, comenta um episódio de In the Realm of the Diamond Queen,
onde Tsing solapa um discurso masculino com a voz de Uma Adang. A
anedota merece ser contada na íntegra. Em uma discussão acalorada,
homens não-muçulmanos do Meratus estavam debatendo com vizinhos
muçulmanos os méritos relativos da circuncisão. Uma Adang disparou,
esvaziando irreverentemente os homens: 'Quanto a mim, não posso
realmente dizer a diferença' (Tsing 1993: 293).
“A voz de uma mulher Meratus é, assim, estrategicamente implantada
como substituta da de uma antropóloga feminista, interrompendo o
monopólio masculinista das representações da alteridade”, comenta Rafael
(1994: 298). O que significa sugerir que Tsing está usando Uma Adang para
fazer seus próprios argumentos? Sugere que não é intenção de Uma Adang
subverter “o monopólio masculinista” criado pelos homens. Com um golpe
sutil e rápido, Rafael remistifica a 'diferença' que Tsing se esforçou para
desmistificar: a diferença entre o local e o global, entre a antropóloga
feminista e a 'mulher Meratus' não marcada. Mas e se Tsing, por outro lado,
estiver trazendo Uma Adang diretamente para nós, deixando-a falar com
suas próprias palavras e exibir suas próprias intervenções estratégicas?
Outra estratégia para aproximar o Meratus do leitor é a recusa de Tsing
em buscar a diferença cultural 'em soluções independentes para os
problemas existenciais humanos' (1993: 151), pelo que entendo que ela quer
dizer que o que define 'o cultural' não é o grau de sua exclusão de influência
externa para alcançar tais soluções. Esta abordagem não 'isola as pessoas
30 Lisette Josephides

representado do mundodos leitores em uma dicotomia que


superhomogeneiza os dois lados'. Assim, ela invoca um 'mundo comum', mas
com 'práticas interpretativas diversas' (ibid.). Quando ela explica os Meratus
é com base em sua observação de suas ações, não como resultado de qualquer
empatia especial.
No entanto, uma pergunta permanece. Como Tsing não deseja
superhomogeneizar, não podemos supor que Uma Adang, Induan Hilling e os
outros 'excêntricos' que ela nos traz sejam representantes do Meratus. Se
assim for, não podemos saber se os 'Meratus' fazem as conexões globais que
alguns personagens excêntricos e o etnógrafo delineiam em seu espaço co-
inventado. Tsing se preocupa com antropólogos permitindo que políticos
nacionalistas enquadrem sua compreensão dos significados culturais (1994:
288). Mas os excêntricos locais devem ser autorizados a fazê-lo? Quem pode
falar pelo Meratus?
Tsing parte da premissa de que partes das teorias são ética ou
politicamente erradas e, portanto, epistemologicamente infundadas. Seu
ponto de partida é uma perspectiva global, pois considerações anteriores a
convenceram de que a situação local é inseparável da global. Assim, há um
sentido em que as explicações fornecidas por Tsing não são explicações
etnográficas ou interpretações da etnografia.
Seremetakis procede de forma diferente. Ela desafia as teorias pelo
método mais convencional de atacá-las com observações etnográficas. Ela
não é reflexiva em termos de questionar sua própria autoridade para
interpretar: a identificação substitui a reflexividade. Ela segue uma descrição
de seu breve aprendizado falando pelas mulheres e a partir de sua
perspectiva, pintando uma imagem assombrosa delas percorrendo o
horizonte em busca de uma genealogia de substância compartilhada em tudo
que as cerca, ou por 'sinais do eu na alteridade' (1991: 217). Lendo seu texto,
temos a estranha sensação de que estamos olhando através dos olhos da
mulher enquanto ela olha para o espaço. A gente tem uma dupla sensação, de
olhar a mulher olhando e também de olhar pelos olhos dela. Se esta é uma
"arqueologia do sentimento", é poderosamente evocativa.

Três dos textos que discuto neste capítulo (Seremetakis, Tsing,


Visweswaran) fizeram parte da leitura em um de meus seminários de pós-
graduação. Alguns alunos comentaram que, embora esses textos etnográficos
ilustrassem ricamente pontos teóricos fascinantes e às vezes convincentes,
eles não nos contavam o suficiente sobre as pessoas 'como um todo', ou como
elas viviam sua vida cotidiana. Embora as descrições sejam sempre parciais,
seria uma pena se elas se tornassem ainda mais confinadas e seletivas,
especialmente porque a tarefa mais interessante da etnografia é descrever as
maneiras pelas quais as pessoas criam e recriam suas vidas e suas culturas.
Os alunos articularam o dilema sugerindo que deveria haver dois livros, já
que um nunca era suficiente. Enquanto estavam engajados pelos projetos
teóricos, eles também
Representando a situação do antropólogo 31

ansiava por outro relato que descrevesse ou evocasse a realidade cotidiana


das pessoas.
Meu projeto era fornecer essa conta. 'A Produção da Etnografia' trata das
relações necessárias para produzir conhecimento antropológico, mas
também produz esse conhecimento. Tenta mostrar que, embora esse
conhecimento tenha origem no campo, é parcial e excessivo. Sua parcialidade
me adverte a reconhecer lacunas e permanecer ciente dos limites dentro dos
quais posso falar (cf. Strathern 1991). Seu excesso me obriga a abandonar as
restrições teóricas, mas leva a novas formulações teóricas.
As observações do trabalho de campo de Tsing, apesar do fato de que ela
muitas vezes se refere ao resultado real dos eventos como fortuitos, nunca
são excessivas. Eles têm um papel a desempenhar, um ponto a fazer. Eu
permito que as histórias de Kewa se desenrolem muito além de qualquer
ponto ostensivo. A principal informante de Tsing, Uma Adang, dirige-se ao
leitor através de Tsing; ela quer que suas histórias sejam levadas para o
poderoso mundo exterior. Meus contadores de histórias apenas contaram
suas histórias para mim. Além do prazer de contar histórias, eles tinham duas
agendas. Primeiro, eles não queriam que outra pessoa os representasse para
mim, mas preferiram me contar suas próprias histórias, que se tornariam a
base de um relacionamento pessoal e não mediado comigo. Em segundo
lugar, contar histórias fazia parte do processo de eliciar respostas às próprias
construções do eu e da realidade.
Se as histórias de Kewa são dirigidas a mim e uns aos outros, eu as traio
em meu texto, trazendo-as ao leitor como a conquista de minha
compreensão? Há duas partes no meu texto, e cada uma revela uma
identificação diferente. Quando me envolvo em questões filosóficas do eu e
dos outros, uso exemplos Kewa para demonstrar que as construções sociais
Kewa, bem como as do encontro etnográfico, podem ser compreendidas por
meio dessa investigação. Estou justificando meu projeto e explicando minha
autenticidade ao leitor com base no que espero serem premissas
compartilhadas e, nessa medida, me identifico com o leitor.
Mas nos capítulos intermediários, as histórias de Kewa assumem o
controle. Sua legitimidade depende até certo ponto de minha autoridade já
estabelecida, mas sua capacidade de persuasão reside em seu poder como
histórias. Aqui trago o Kewa ao leitor e trago ao escrutínio do leitor minhas
próprias trocas e relacionamentos. Sem dúvida, às vezes sou conivente com
o leitor, supondo que um quadro está bem pintado e será evocativo. Mas
então o excesso toma conta e perco o controle de qualquer processo de
definição. Minha autoridade então se reduz a uma alegação ilusória de que
estou apresentando seus relatos com a maior precisão e autoridade possível.

Quais são os diferentes projetos de cada etnógrafo e que tipos de


complicações cada um estabelece? Um projeto é inatacável: um antropólogo
nativo fala sobre os sentidos. O outro projeto é vulnerável, sendo político.
Seremetakis sempre fala com autoridade, fundindo o
32 Lisette Josephides

etnográfico com o biográfico em uma antropologia reflexiva dos sentidos


(1993: 14) que remonta ao seu próprio passado, para recuperar uma
memória corporal implantada pela substância compartilhada da
comensalidade e a metaforização (transporte) de significados míticos que
'criam passagens entre tempos e espaços” (ibid.: 6). Ela é inflexível, segura de
si mesma, suas descrições são absolutamente convincentes como descrições
de experiências pessoais. Um terceiro projeto traça meticulosamente as
negociações, apropriações e resistências que permitiram ao etnógrafo fazer
trabalho de campo, ao mesmo tempo em que documenta o processo
observado pelo qual as ações das pessoas podem levar a uma compreensão
da 'cultura'. Por fim, a integridade dessa documentação é apresentada tanto
como resultado quanto como viabilização dessas apropriações e resistências.
Enquanto Seremetakis é um porta-voz seguro, Tsing fala com
desconfiança, expondo sua vulnerabilidade pessoal e configurando Uma
Adang como a conhecedora que 'sempre já sabe'. Não basta explicar a
diferença pela observação de que Seremetakis é uma 'antropóloga nativa',
conceito que ela mesma problematiza. Visweswaran tem uma avó na Índia,
mas não deriva autoridade dessa conexão. Muito pelo contrário, ela
deliberadamente sabota sua autoridade, enfraquecendo-se como
conhecedora. Ela e Seremetakis usam metodologias e epistemologias
bastante diferentes.
Enquanto Visweswaran transforma a recusa do sujeito em falar na recusa
do autor em permitir que o leitor participe da interpretação, Tsing explica
sua capacidade de trazer o Meratus até nós em termos das relações
alcançadas no campo, como resultado das concessões feitas ao parte do
etnógrafo e do sujeito. Tsing fala a partir desse reino negociado da rainha do
diamante, da autoridade que lhe foi conferida por Uma Adang, que pediu,
como forma de empoderamento, que suas histórias fossem levadas para os
poderosos de fora. Este detalhe etnográfico mostra como nossas estratégias
etnográficas também são moldadas pelas situações dos sujeitos, suas
percepções globais e locais e suas demandas e expectativas de nós. Não pode
haver nenhum plano de como fazer o trabalho de campo. Depende muito da
população local, e por esta razão temos que construir nossas teorias de como
fazer o trabalho de campo no campo. Provavelmente Visweswaran não
toleraria a ideia de que o sujeito deveria fazer uma concessão. No entanto,
sem concessões não pode haver comunicação, sem comunicação não há
trabalho de campo e sem trabalho de campo não há etnografia. Somente o
encontro de campo, criativo, transformador e autoritário, pode dar
legitimidade à representação etnográfica.

RECONHECIMENTOS
Sou grato aos alunos de pós-graduação que participaram do meu seminário
de Antropologia e Feminismo na Universidade de Minnesota no
Representando a situação do antropólogo 33

inverno de 1995. Por seus insights, agradeço a Susie Bullington, Christy


Garlough, Liz Hochberg, Solveig Moen, Jennie Robinson, Kathy Saunders,
Twega Tshoombe e David Weinlick.
Capítulo 3

Identificação versus identificação com 'o


Outro'
Reflexões sobre o lugar do sujeito no discurso
antropológico.

Glenn Bowman

Edwin Ardener, em um ensaio intitulado 'Antropologia Social e o Declínio do


Modernismo' apresentado antes da conferência da ASA de 1984 (Ardener
1985, 1989), apontou que a antropologia estava então atravessando uma
'ruptura epistemológica' aberta por uma crescente conscientização entre os
praticantes da campo da inadequação das categorias modernistas de 'eu' e
'outro' para suas experiências de outros povos e outros lugares. Os sintomas
da crise de confiança que ele notou ali, como em grande parte do trabalho
que produziu nas décadas de 1970 e 1980 (ver Chapman 1989), foram
elaborados ao longo dos últimos quinze anos em uma ampla gama de escritos
de outros antropólogos que investigam a produção do conhecimento
antropológico (ver Fabian 1983; Asad 1986; Sperber 1985a; Appadurai 1992
e Thornton 1992). Preeminente entre esses sintomas é um questionamento
(1) da concepção da antropologia tradicional do 'nativo' como 'fixo' em um
tempo e um lugar que torna suas práticas e crenças representativas da
totalidade daquelas de um 'povo' distinto e holisticamente concebido, (2) de
como o antropólogo está 'localizado' no campo cultural e social daqueles que
estuda, e (3) do modo como o antropólogo 'traduz' as particularidades das
experiências de campo em uma linguagem do discurso antropológico.
Tododessas questões dizem respeito a como nós, acadêmicos e
antropólogos, representamos a diferença e a alteridade. Essa afirmação não
é, imagino, controversa. Mais controverso, espero, será meu argumento de
que essa crise na forma como representamos o outro é uma consequência de
como concebemos a própria subjetividade; não apenas a subjetividade
daqueles que apresentamos como objetos de análise antropológica, mas
também, e mais centralmente, a nossa como aqueles que olham e interpretam
a vida dos outros. Neste capítulo, questiono as implicações para a
representação de outras culturas do conceito de sujeito que subscreve o
esforço antropológico.
Identificação vs identificação com 'o Outro' 35

que são descuidadamente caracterizados no discurso acadêmico e popular


contemporâneos como "pós-modernistas". Esses desenvolvimentos são
frequentemente vistos como aspectos dos processos globais
contemporâneos, em particular a elaboração de um mercado global de
mercadorias e concepções (Friedman 1992) e o concomitante apagamento
de linhas claras de distinção entre o espaço de nós mesmos e o espaço do
outro (Friedman, 1992). Foster 1991). Embora eu concorde que tais
fenômenos tornem ainda mais saliente a crise de representação que aflige
nossa disciplina, afirmo, no entanto, que essa crise já estava latente nas
categorias sobre as quais nossa disciplina foi fundada. Não é, em outras
palavras, que as mudanças no mundo tornaram impraticáveis as práticas de
nossa disciplina, mas que essas mudanças tornaram a pretensão de sua
funcionalidade ainda mais visível na situação contemporânea. Se a
antropologia não 'funciona' no mundo contemporâneo não é porque o
mundo mudou. É porque a antropologia, como expressão particular de um
projeto hegemônico em grande parte europeu, nunca funcionou como meio
de compreensão de outras culturas. Para esclarecer o que quero dizer com
isso, terei que examinar mais de perto a maneira como pensamos sobre
subjetividade e conhecimento.
"Pós-modernismo" é, como afirmei acima, um termo desleixado para
entender uma ampla e possivelmente interconectada gama de fenômenos
que afligem a cultura e a sociedade contemporâneas. A falta de clareza do
termo é evidente na diversidade dos fenômenos que afirma rotular; estes
podem ser agrupados, por um lado, em artefatos estéticos e culturais
caracterizados pelo pastiche, pela intertextualidade e pela fusão
indiscriminada de registros estilísticos 'alto' e 'popular' e, por outro, em
práticas de leitura e interpretação filosófica marcadas por uma rejeição
explícita de qualquer pretensão de discernir ou representar a realidade per
se (ver Docherty 1993). Resta saber se o futuro revelará ou não um fio
comum unindo essa diversidade; no momento, parece melhor distinguir
entre esses dois conjuntos de fenômenos e extrair do amontoado entrelaçado
de discursos pós-modernistas aqueles fios que podem contribuir para uma
compreensão de como nós, nos dias atuais, lemos o mundo. Uma das
contribuições mais salientes que a teorização pós-moderna pode oferecer é
a distinção de Zygmunt Bauman entre modernismo como um compromisso
de descrever – e legislar para efetivar universalmente – uma visão do estado
futuro do mundo 2 e o pós-modernismo como uma posição de onde o projeto
modernista de a transformação do mundo aparece como um programa
histórica e culturalmente localizável que não tem mais pretensão de
legitimidade do que o projeto de hegemonização de qualquer outro período
ou cultura (ver Bauman 1987, esp. 110-26).
A distinção de Bauman entre "legisladores" modernistas e "intérpretes"
pós-modernistas coloca em primeiro plano a questão de quem está em
posição de definir o real. Os pensadores modernistas se definiram como
membros de uma elite capaz de discernir os contornos do futuro e avaliar
quais tendências no
36 Glenn Bowman

o presente contribuiria para a realização desse futuro e que seria


retrógrado e/ou resistente ao seu surgimento. Os pós-modernistas
investigam essa ilusão de certeza por meio de uma tentativa de
compreender o que no repertório cultural da cultura ocidental permitiu que
tal confiança na presciência surgisse e reinasse por tanto tempo. É
importante para nós como antropólogos – estudiosos profundamente
envolvidos em uma tradição que serviu para diferenciar entre os povos
envolvidos no avanço da civilização e aqueles parados nos remansos de
“primitivos”, “pré-alfabetizados”, “tradicionais” ou “nativos”. culturas (ver
Appadurai 1992: 35-8) — para investigar como nossa disciplina nos legou o
alto ponto de vista de onde supostamente somos capazes de olhar, localizar
e avaliar as respectivas posições de pessoas de outras culturas no âmbito
das sociedades humanas. Uma investigação sobre as fontes da
autoconfiança modernista não pode, é claro, ignorar a questão do poder
diferencial puro; o Ocidente, desde o período dos conquistadores até o
colonialismo do século XX, provou ser capaz – através de uma combinação
de tecnologia e estratégia – de impor suas visões do passado, presente e
futuro a outros povos (ver Todorov 1984 e Asad 1983). O desenvolvimento
inicial da antropologia no berço do colonialismo teve, como indica Ardener,
uma poderosa influência na maneira como concebemos (e – argumentarei –
continuamos a conceber) o caráter do outro como firmemente afixado ao
olhar do outro. ignorar a questão do poder diferencial absoluto; o Ocidente,
desde o período dos conquistadores até o colonialismo do século XX, provou
ser capaz – através de uma combinação de tecnologia e estratégia – de
impor suas visões do passado, presente e futuro a outros povos (ver
Todorov 1984 e Asad 1983). O desenvolvimento inicial da antropologia no
berço do colonialismo teve, como indica Ardener, uma poderosa influência
na maneira como concebemos (e – argumentarei – continuamos a conceber)
o caráter do outro como firmemente afixado ao olhar do outro. ignorar a
questão do poder diferencial absoluto; o Ocidente, desde o período dos
conquistadores até o colonialismo do século XX, provou ser capaz – através
de uma combinação de tecnologia e estratégia – de impor suas visões do
passado, presente e futuro a outros povos (ver Todorov 1984 e Asad 1983).
O desenvolvimento inicial da antropologia no berço do colonialismo teve,
como indica Ardener, uma poderosa influência na maneira como
concebemos (e – argumentarei – continuamos a conceber) o caráter do
outro como firmemente afixado ao olhar do outro. o presente e o futuro em
outros povos (ver Todorov 1984 e Asad 1983). O desenvolvimento inicial da
antropologia no berço do colonialismo teve, como indica Ardener, uma
poderosa influência na maneira como concebemos (e – argumentarei –
continuamos a conceber) o caráter do outro como firmemente afixado ao
olhar do outro. o presente e o futuro em outros povos (ver Todorov 1984 e
Asad 1983). O desenvolvimento inicial da antropologia no berço do
colonialismo teve, como indica Ardener, uma poderosa influência na
maneira como concebemos (e – argumentarei – continuamos a conceber) o
caráter do outro como firmemente afixado ao olhar do outro.
antropólogo em um quadro cultural estável e imutável:
O trabalho de campo funcionalista começou quando os próprios
primitivos eram política e fisicamente acessíveis. O trabalho de campo
clássico foi feito em condições peculiares que levaram a abordagem
sincrônica a parecer uma adequação perfeita aos fatos. As sociedades
estudadas eram estranhamente pacíficas. Eles foram mantidos em um
ringue, no qual os conflitos foram minimizados sob o domínio colonial. Se
o antropólogo entrasse, o local era estável.
(Ardener 1989: 203)

O período pós-colonial abalou a confiança dos ideólogos modernistas,


incluindo antropólogos, na medida em que as potências ocidentais foram
forçadas a perder o controle sobre os povos de culturas não-ocidentais que
antes mantinham escravas e os intelectuais ocidentais foram,
consequentemente, forçados a reconhecer que esses outros também são
capazes de iniciar movimentos na arena da história. Nesse sentido, as causas
da atual crise de confiança modernista residem, pelo menos parcialmente, no
fato de que o outro se libertou da estase artificial da dominação colonial e
desenvolveu os meios de debater os discursos ocidentais sobre identidade e
cultura.3
A força das armas e a astúcia da técnica não bastam, no entanto, para
explicar o longo, só agora vacilante, domínio do Ocidente sobre o resto. Esse
domínio, eu argumentaria, teve suas raízes capacitadoras no século IV d.C.,
quando uma ramificação da teologia da diáspora judaica, separada de sua
origem
Identificação vs identificação com 'o Outro' 37

local pelas depredações de Israel nos séculos I e II pelo poder imperial


romano, foi enxertado na ideologia imperial para criar uma união de poder
estatal e religião universal expansionista (ver Frend 1984: 473-517 e 553-
91 e Kee 1982). O sujeito cristão, forjado dentro e contra o
multiculturalismo do Império Romano, era um sujeito que não só conhecia a
verdade em sentido absoluto, mas também a lançava contra o mundo. Os
cristãos foram movidos por um compromisso com o mundo vindouro e, em
busca desse mundo, estavam inicialmente dispostos a se desligar do meio
social e cultural em que foram criados para criar comunidades modeladas
em suas visões de um mundo futuro (ver Meeks 1983). Por volta do século
IV, Quando o milenarismo cristão primitivo foi incorporado por Constantino
e seus sucessores à vontade de domínio do estado imperial romano,
desenvolveu-se uma ideologia comprometida com o apagamento da
diferença cultural em busca do estabelecimento de uma ordem deste
mundo divinamente sancionada, prefigurando um outro mundo. realização
ontológica. A desintegração do poder imperial no Ocidente no século V
deixou o que restava do poder político "universal" nas mãos da Igreja, e isso
- legitimado pelo programa ideológico que Agostinho estabeleceu em seu De
Civitate Dei (CE 413-26) - levou a uma combinação de autoridade mundana
e de outro mundo no império ocidental que não foi igualada no oriente
ortodoxo, onde o poder político permaneceu nas mãos uma ideologia
desenvolvida comprometida com o apagamento da diferença cultural em
busca do estabelecimento de uma ordem deste mundo divinamente
sancionada, prefigurando uma realização ontológica do outro mundo. A
desintegração do poder imperial no Ocidente no século V deixou o que
restava do poder político "universal" nas mãos da Igreja, e isso - legitimado
pelo programa ideológico que Agostinho estabeleceu em seu De Civitate Dei
(CE 413-26) - levou a uma combinação de autoridade mundana e de outro
mundo no império ocidental que não foi igualada no oriente ortodoxo, onde
o poder político permaneceu nas mãos uma ideologia desenvolvida
comprometida com o apagamento da diferença cultural em busca do
estabelecimento de uma ordem deste mundo divinamente sancionada,
prefigurando uma realização ontológica do outro mundo. A desintegração
do poder imperial no Ocidente no século V deixou o que restava do poder
político "universal" nas mãos da Igreja, e isso - legitimado pelo programa
ideológico que Agostinho estabeleceu em seu De Civitate Dei (CE 413-26) -
levou a uma combinação de autoridade mundana e de outro mundo no
império ocidental que não foi igualada no oriente ortodoxo, onde o poder
político permaneceu nas mãos
do estado sobrevivente.4
O cristão (aqui apresentado como um 'tipo ideal') era aquele que conhecia
a verdade - não a verdade deste mundo como é, mas a verdade do que Deus
pretendia que este mundo fosse. Essa verdade ainda não foi percebida, mas
seria realizada em um futuro indeterminado, e era o trabalho do cristão
comprometido avançar no advento dessa realização. Um elemento central
para facilitar a vinda do futuro perfeito foi a divulgação – forçada quando
necessário – da Palavra de Deus. Outra, involuntária da primeira, foi a
separação da 'semente boa' da 'semente ruim'. Na prática, isso significava,
antes de tudo, a extirpação do 'paganismo' e da 'heresia' dos domínios
cristãos. Mais tarde, com a expansão do domínio ocidental sobre as culturas
não-cristãs, o projeto cristão se manifestou em Cruzadas e missões. Em todos
esses casos, a alteridade deveria ser apagada ou, onde isso se mostrasse
problemático, colocada em quarentena. O outro era um impedimento para a
vinda da 'Nova Jerusalém' e se não pudesse ser convencida a abandonar suas
crenças e práticas não-cristãs (sua cultura) deveria ser separada como palha
para não corromper ou poluir o comunidade dos salvos.
O cristianismo, em seu compromisso com a transformação do mundo em
busca do estabelecimento de um futuro estado utópico, foi o primeiro projeto
modernista. Quando sua imagem do futuro passou a ser lida por seus
herdeiros iluministas como um falso ídolo, ela transmitiu aos "novos"
modernistas a mesma subjetividade que caracterizara seus adeptos.
Iluminação
38 Glenn Bowman

Os pensadores rejeitaram as “superstições” de seus ancestrais cristãos, mas,


ao mesmo tempo em que abandonavam o outro mundo do cristianismo e
voltavam seus olhares para as coisas deste mundo, mantinham a posição de
sujeitos que conheceriam este mundo para que pudessem ser mais capazes
de remodelar à imagem de um mundo 'real' ainda não nascido. A diversidade
dos projetos agrupados como 'Iluminismo' é grande, mas todos eles
dependiam do discernimento e classificação de uma ordem 'real' (validada
cientificamente) sob o fluxo da contingência, aparências enganosas e rótulos
culturais equivocados (ver Adorno e Horkheimer 1979 , especialmente 3-42).
O estimulante exame de Mary Louise Pratt de um dos primeiros projetos
modernistas – o esforço naturalista do século XVIII para conhecer a ordem
da natureza – ilustra o caráter da compreensão do Iluminismo:

a história natural concebia o mundo como um caos a partir do qual o


cientista produzia uma ordem. Não se trata, então, simplesmente de
retratar o planeta como ele era…. Os sistemas classificatórios do século
XVIII criaram a tarefa de localizar todas as espécies do planeta, extraí-las
de seu entorno particular e arbitrário (o caos), e colocá-las em seu lugar
apropriado no sistema (a ordem – livro, coleção ou jardim). com seu novo
nome europeu secular escrito…. A nomeação da história natural é
diretamente transformadora. Ele extrai todas as coisas do mundo e as
redistribui em uma nova formação de conhecimento cujo valor reside
precisamente em sua diferença do caótico original. Aqui o nomear, o
representar e o reivindicar são todos um; a nomeação traz a realidade da
ordem à existência.
(Pratt 1992: 30, 31, 33)

Como ela aponta, essa conscientização sistemática da real ordem inerente da


natureza estava intimamente ligada a 'uma busca em expansão por recursos
comercialmente exploráveis, mercados e terras para colonizar' (ibid.: 30). A
busca desinteressada do conhecimento do naturalista não poderia ser
desvinculada de outros projetos de transformação do mundo, mais
explicitamente materialistas, iniciados nessa época:

A sistematização da natureza... modela o caráter extrativista e


transformador do capitalismo industrial e os mecanismos de ordenação
que estavam começando a moldar a sociedade urbana de massa na Europa
sob a hegemonia burguesa. Como uma construção ideológica, faz uma
imagem do planeta apropriado e redistribuído de uma perspectiva
unificada e europeia.
(Ibid.: 36)

No entanto, o desengajamento declarado do estudioso dos processos reais de


transformação do mundo foi vital para sua estatura intelectual (e muito
ocasionalmente para ela); o intelectual não foi ele (ou ela) que realizou
Identificação vs identificação com 'o Outro' 39

o trabalho de retrabalhar o mundo, mas a pessoa que legislou para esse


trabalho. O estudioso, ao postular os princípios reais de ordenação da
natureza, da história ou de qualquer outro sistema global que estivesse sob
seu olhar, equiparou seu conhecimento com a vontade de poder do próprio
mundo; a verdade latente ainda não realizada que ele ou ela percebeu era o
mesmo que o objetivo dos processos naturais, históricos e humanos, e assim
o conhecimento modernista mapeou o desenvolvimento do mundo ainda não
realizado, mas inerente. A obra de transformação do mundo poderia ser
realizada por outros de acordo com os planos que o intelectual concebeu; o
conhecimento modernista não fazia parte do processo da história, mas era
um pré-conhecimento do objetivo da história.
O sujeito modernista — o intelectual — estava, então, situado não dentro
do mundo, mas em um lugar de onde ele ou ela podia olhar e avaliar o mundo
de um ponto de vista destacado. A tarefa do intelectual era, como Descartes
(1596-1650) indicou, pensar e, por meio desse pensamento, trazer ordem a
um mundo que, sem esse pensamento, não seria mais do que caos. Essa
construção do sujeito iluminista situou o intelectual como o locus no qual a
realidade encontra seu ser, e assim efetivamente colocou o intelectual no
trono que, com o colapso da hegemonia cristã, havia sido desocupado pelo
sujeito transcendental original – Deus. Como argumenta Michel Henry, a
construção modernista do sujeito situa o intelectual (que se distingue do
resto da humanidade por sua capacidade de pensar 'objetivamente', ou seja,

Ao homem identificado como sujeito é concedido um privilégio


exorbitante, pois afinal não há ser nem ser senão em relação a ele, por ele
e por ele, e isso na medida em que ele constitui a condição a priori de
possibilidade para todos. experiência e, portanto, para tudo o que é e pode
ser, pelo menos para nós. É na medida em que ele é identificado como esse
sujeito que o homem aparece como um super-ser a quem tudo o que
confiou seu ser, um ser que o sujeito passa a ter à sua disposição e do qual
ele pode se servir, não como vê. adequado (nesse caso, ele poderia muito
bem não fazer uso dele, ou respeitá-lo, temê-lo, etc.), mas ao invés daquilo
que está em seu princípio subjugado a ele por meio de sua condição
ontológica inelutável e insuperável. , como um objeto cujo ser é o Sujeito.
(Henrique 1991: 157-8)

O modernismo constitui então o mundo como um material desordenado a ser


refeito segundo imagens de sua realização potencial geradas pelo
pensamento de uma intelectualidade. Além disso, valoriza a tecnologia como
meio pelo qual essa reconstrução deve ser realizada. O lugar do intelectual
na 'torre de marfim' da academia — institucionalizada pela
profissionalização modernista da cogitação intelectual — é um local
40 Glenn Bowman

'fora' do mundo. Deste ponto de vista, o intelectual poderia contemplar e


legislar para o mundo sem o perigo de ser implicado em sua confusão.
A tradição iluminista que deu origem às nossas concepções atuais de
conhecimento acadêmico libertou assim o pensador e legislador da
necessidade de conhecer a vontade de Deus e colocou no centro da
identidade a capacidade de conhecer em abstrato. A afirmação axiomática de
Descartes de que a essência do ser foi pensada - "Penso, logo existo"
(Descartes 1968: 54) - deixou em suspenso as origens e as condições do
pensamento; o sujeito era constituído no pensamento (aqueles que não
podiam 'pensar' eram objetos) e o que o sujeito pensava era, com efeito,
definido a priori como 'verdade'. Ao imaginar o pensamento como
fundamento ontológico do ser, o projeto iluminista tornou impensável a
questão de quais condições culturais e materiais tornavam possível essa
vontade de verdade; o pensador estava posicionado para ver o mundo como
objeto de cogitação, mas foi incapaz de objetivar sua própria posição de
sujeito como um objeto a ser analisado.5 Como os 'pensadores' se
posicionaram como aqueles 'saberes' foi uma questão que esse
posicionamento tornou impensável; a prioridade do conhecimento
intelectual dentro de um sistema ideológico que precisava de intelectuais
para validar seus projetos de transformação do mundo era tida como
evidente. As raízes culturais do modernismo estavam, portanto, fora do
quadro de contemplação; Bauman (1987: 116) escreve que “nenhum ponto
de vista externo estava disponível como um quadro de referência para a
percepção da própria modernidade. Em certo sentido, a modernidade era...
auto-referencial e auto-validadora'.6 O que a modernidade - e o sujeito no
centro dela - validou foi uma visão do mundo na qual o pensador estava
separado do mundo que ele ou ela pensava enquanto outros, enredados em
superstição e ilusão, eram objetos a serem analisados e legislados. O lugar do
conhecimento intelectual era um lugar de poder, mas essa concatenação de
conhecimento e poder tornou-se invisível pelo distanciamento do intelectual
do trabalho de domínio.
A antropologia serviu à modernidade como meio de alocar lugares e
papéis àqueles que estavam sob o domínio da modernidade, mas que ainda
não estavam investidos em seus programas. O antropólogo desempenhou um
papel importante ao imaginar os outros como aqueles que poderiam, se
pudessem ser levados a ver as inadequações de seus caminhos, ser trazidos
para o desenvolvimento progressivo da humanidade. Enquanto a
antropologia primitiva estava intimamente envolvida na criação de
categorias de diferença racial que distinguiam o humano (branco) de sub-
humanos que serviam apenas para servir como matéria a ser manipulada, a
antropologia desde o advento do funcionalismo até quase os dias atuais
buscou, em suas tentativas de discernir a lógica das formações sociais, de
constituir uma imagem de uma natureza humana dispersa, mas
potencialmente unificável, que poderia, com a modernização, ser realizada.
Asad,
Identificação vs identificação com 'o Outro' 41

indica que ainda em 1970 ele foi capaz de levar adiante uma tradição de
definir 'tradução cultural' como

uma questão de determinar significados implícitos – não os significados


que o falante nativo realmente reconhece em seu discurso, nem mesmo os
significados que o ouvinte nativo necessariamente aceita, mas aqueles que
ele é 'potencialmente capaz de compartilhar' com autoridade científica
'em alguma situação ideal'... O fato de que nessa "situação ideal" ele não
seria mais um membro da tribo berbere, mas algo que se assemelharia ao
professor Gellner, não parece preocupar esses tradutores culturais.
(Asad 1986: 162)

A antropologia moderna preocupou-se em discernir uma natureza humana


que pudesse, uma vez compreendida, servir de base para a compreensão – e
implicitamente para a dissolução – da diferença cultural. Sua tendência a
"fixar" os povos de outras culturas dentro de estruturas sociais e culturais
que os aprisionavam nos "idiomas de suas crenças" serviu para explicar por
que eles não desempenharam nenhum papel no processo de modernização;
a 'tradução' dessas crenças para o idioma da compreensão modernista serviu
como um prolegômeno à destruição daqueles aspectos de suas culturas que
impediam a assimilação ao projeto de modernidade. Os antropólogos
raramente sujavam as mãos nesse trabalho de destruição,
Um dos sintomas para os antropólogos da ruptura epistêmica, Ardener
hipotetizou, é uma reflexão sobre a maneira como a antropologia modernista
estruturou o mundo que estudou. A importante investigação de Fabian
(1983) sobre a forma como o outro foi deslocado do espaço da evolução
histórica, como o exame de Appadurai sobre a forma como os discursos
antropológicos apresentam os povos de outras culturas como 'imobilizados
por sua pertença a um lugar' (1992: 35), se engaja em um questionamento
dos efeitos da distinção modernista entre aqueles que podem pensar (e
realizar estudos antropológicos) e aqueles que são pensados por suas
culturas. Podemos agora, em um mundo em que as rápidas transformações
históricas e a crescente mobilidade entre a periferia e o centro tornaram
visível uma infinidade de outros povos não facilmente excluídos da história,
ver a arrogância de uma visão de mundo que dotou o pensamento (e,
portanto, o ser) apenas para aqueles no coração do modernismo. No entanto,
eu diria que a antropologia – apesar de uma riqueza de abordagens para a
'reinvenção' da disciplina – permanece enredada em uma armadilha
conceitual que foi construída no período da hegemonia modernista. Se a crise
do modernismo nos forçou a reconhecer que as construções modernistas do
conhecimento e da prática estão de acordo com os códigos culturais
específicos de uma sociedade historicamente específica, estamos
42 Glenn Bowman

no entanto, relutante em repensar nossa distinção autodefinida de pessoas


de outras culturas. Se não pudermos simplesmente subordinar o outro aos
nossos projetos culturais, redesenharemos as fronteiras do campo
modernista e permitiremos que o outro ocupe seu espaço cultural enquanto
permanecemos abrigados no nosso. Sperber (1985a: 62) afirma
sucintamente a lógica da reconstrução do outro pela antropologia
contemporânea como 'o Outro':

na antropologia pré-relativista, os ocidentais se consideravam superiores


a todas as outras pessoas. O relativismo substituiu essa desprezível lacuna
hierárquica por uma espécie de apartheid cognitivo. Se não podemos ser
superiores no mesmo mundo, que cada povo viva em seu próprio mundo.7

Na antropologia de hoje, o outro ainda permanece culturalmente "no lugar",


apesar da evidência nas vias de qualquer metrópole do Primeiro Mundo de
que sua localidade agora se sobrepõe espacialmente à nossa. A reificação
atual da mesma diferença cultural que o modernismo se empenhou em
dissolver é um desenvolvimento negativo8 e todas as tentativas
antropológicas contemporâneas de “reinventar” a disciplina por meio da
compreensão hermenêutica, da escrita reflexiva e do discurso dialógico
provavelmente se tornarão ineficazes pela vontade de dividir radicalmente.
nós' e 'eles' que o subscreve.
Ao longo das mudanças pelas quais o impulso modernista passou nos
últimos mil e setecentos anos, ele manteve o compromisso com a unificação
da humanidade sob a égide de um conhecimento absoluto. Aqueles definidos
como 'humanos' eram vistos como tendo, sob os acréscimos históricos de
idolatria, primitivismo cultural e superstição, o potencial para realizar a
verdade e, uma vez percebida, para se subordinar à sua ordem. O
modernismo sempre foi potencialmente universalista. A aversão
antropológica contemporânea à arrogância do modernismo iluminista,
evidente na celebração da alteridade radical e do relativismo cultural,
ameaça jogar fora a ideia de uma humanidade comum com a água do banho
do modernismo. Isso é mais, eu afirmo, do que uma reação à homogeneização
implícita no projeto do modernismo de subordinar toda a humanidade a um
regime universal de verdade. A propensão a afirmar a diferença cultural
contra o programa do modernismo de tornar todos os sujeitos do mundo
iguais a um sujeito ocidental idealizado é louvável, e o reconhecimento de
que as pessoas têm o direito à diferença não é apenas louvável, mas também
difícil no mundo contemporâneo não permitir. No entanto, é lamentável a
tendência, implícita nas novas antropologias, de caracterizar os outros como
a diferença encarnada. É também, como Sperber (1985a: 62-3) afirma,
contrafactual: e o reconhecimento de que as pessoas têm direito à diferença
não é apenas louvável, mas também difícil no mundo contemporâneo não
permitir. No entanto, é lamentável a tendência, implícita nas novas
antropologias, de caracterizar os outros como a diferença encarnada. É
também, como Sperber (1985a: 62-3) afirma, contrafactual: e o
reconhecimento de que as pessoas têm direito à diferença não é apenas
louvável, mas também difícil no mundo contemporâneo não permitir. No
entanto, é lamentável a tendência, implícita nas novas antropologias, de
caracterizar os outros como a diferença encarnada. É também, como Sperber
(1985a: 62-3) afirma, contrafactual:

A melhor evidência contra o relativismo é, em última análise, a própria


atividade dos antropólogos, enquanto a melhor evidência do relativismo
parece estar nos escritos dos antropólogos. Como pode ser? Parece que,
ao refazer seus passos, os antropólogos transformam em lacunas
insondáveis as
Identificação vs identificação com 'o Outro' 43

limites rasos e irregulares que eles não acharam tão difíceis de cruzar,
protegendo assim seu próprio senso de identidade e fornecendo a seu
público filosófico e leigo exatamente o que eles querem ouvir.

Sperber está, acredito, certo ao apontar para a capacidade de um pesquisador


de campo de se integrar - ou ela mesma no espaço conceitual de outra cultura
como prova contra ideias de diferença cultural radical. Sua afirmação de que
o antropólogo posteriormente problematiza essa incorporação para
proteger sua identidade e fornecer a um 'público filosófico e leigo exatamente
o que eles querem ouvir' é mais profunda, porém, do que parece em uma
primeira leitura; não se trata de um machismo antropológico, mas de um
investimento do antropólogo (e de seus públicos) em uma concepção de
conhecimento herdada da ideia modernista de verdade elaborada acima.
Como Sperber aponta, há uma séria disjunção entre a experiência 'intuitiva'
do pesquisador de campo de outra cultura e a maneira como essa experiência
é traduzida para um público acadêmico em textos antropológicos
apresentados em termos de 'um vago projeto científico nutrido em um
composto de reminiscências filosóficas' (1985b: 10). ). Esse projeto é a
sombra residual do modernismo que alimentou o desenvolvimento da
antropologia, e a razão pela qual o antropólogo mantém fidelidade a ele é que
ele sustenta seu investimento em uma subjetividade intelectual posta na
capacidade de conhecer a verdade sobre o mundo. Não basta ao antropólogo
compreender a lógica de outra cultura; essa lógica deve ser elevada, através
da tradução para uma linguagem técnica e universalizante, em algo mais
autoritário e 'verdadeiro' do que qualquer coisa que uma língua indígena
pudesse compreender. Como o naturalista do século XVIII, o antropólogo
deve desmembrar o mundo como experimentado e remontá-lo de acordo
com uma linguagem que possa explicar, nos termos de Sperber, "a
variabilidade das culturas humanas" (ibid.) Ou que, em meus próprios
termos , pode marcar o antropólogo como aquele que conhece a verdade por
trás dos fenômenos.
Existe uma saída para esse impasse? É possível para o antropólogo
ressituar-se – ou a si mesmo em campo e texto em um site que não nega
simultaneamente sua experiência intuitiva de ser assimilado em outra
cultura e a capacidade do “nativo” de raciocinar, inovar e se adaptar à
mudança? que se torna tão evidente para o antropólogo em campo? Eu
argumentaria que enquanto o antropólogo mantiver uma filiação à tradição
intelectual que o constitui como o sujeito que olha o mundo como objeto e
fala sua verdade, ele não pode escapar dessas consequências. A unidade do
sujeito cartesiano como "aquele que pensa o mundo" carrega em si uma
alienação radical e niilisticamente autorreferencial desse mundo; como
Conrad observou em Heart of Darkness,
44 Glenn Bowman

muito terra em pedaços" (1925: 144). É somente descartando essa noção de


sujeito unificado, cuja capacidade distintiva de raciocinar não tem nada a ver
com o mundo que ele pensa, que se pode ir além dessa alienação profunda e
profundamente destrutiva.
de FreudA investigação do início do século XX sobre a fundamentação da
consciência no inconsciente postulou o sujeito consciente e pensante não
como uma entidade completa em si mesma, mas como uma faceta de um
sujeito cindido que, por um lado, representa a si mesmo como um agente
racional autônomo. enquanto, por outro lado, retém no inconsciente os
traços de sua chegada ao ser consciente como sujeito. Lacan, que
desenvolveu insights freudianos em seu estudo da formação da identidade
na criança, sustentou que a subjetividade é iniciada em um momento de
méconnaissance quando a criança, encontrando uma imagem de si mesma
espelhada literal ou linguisticamente, identifica-se com aquela imagem
exterior que incorpora o autocontrole. , coerência corporal e poder de
chamar a atenção do cuidador que a criança carece. O bebê, nesse momento
inicial de identificação,

Essa assunção jubilosa de sua imagem especular pela criança na fase


infans, ainda afundada em sua incapacidade motora e dependência do
lactente, pareceria exibir em situação exemplar a matriz simbólica na qual
o eu se precipita de forma primordial, antes de ser objetivada na dialética
da identificação com o outro, e antes que a linguagem lhe restitua, no
universal, sua função de sujeito.
(Lacan 1977: 2)

Essa identificação primária da fase do espelho fornece, segundo Lacan, 'a raiz
das identificações secundárias' (ibid.). À medida que a criança se move na
linguagem e na teia de relações sociais que progressivamente a abraça, ela
encontra (consciente e inconscientemente) as imagens da individualidade a
que aspirará nos desejos, discursos e rituais daqueles outros com quem entra
em contato. e de quem depende. Nos termos de Althusser (1971), a
identidade surge através da interpelação do eu nos discursos dos outros.
O lugar de identidade autônomo e autogerador do sujeito pensante é,
então, uma bricolagem de identificações – algumas lembradas e outras
reprimidas – extraídas do mundo social em que ele chega à consciência. O eu
é então, em parte, o não-eu por meio do qual se constitui, e, ao reconhecer a
penetração do espaço do sujeito autônomo com a presença constitutiva de
seu outro, o sujeito revoga o direito de julgar o outro como objeto. do lugar
do eu como sujeito:

É o sujeito que consiste no 'eu represento para mim' que está à margem
da problemática, que em outras palavras não pode mais pretender
reduzir
Identificação vs identificação com 'o Outro' 45

todo o seu ser à sua fenomenalidade, à sua 'consciência', ao seu 'eu me


represento a mim mesmo', precisamente porque em seu ser há uma
infinidade de coisas que ele não está representando para si mesmo. Não
represento para mim mesmo tudo o que sou,... minha consciência não é
coextensiva ao meu ser,... há uma parte inconsciente de mim,... não sou
dono de minha própria casa.
(Henrique 1991: 164)

O sujeito que se imagina partindo e avaliando o significado de um mundo


objetivo é, de fato, fundamental e inescapavelmente implicado nesse mundo.
Qual é, então, o significado dessa desconstrução do sujeito para o trabalho
do antropólogo? Em primeiro lugar, a dissolução da posição autônoma do
sujeito que sabe nos permite voltar a atenção para a questão de como esse
sujeito se representa a si mesmo como sujeito e de onde vem a possibilidade
de ele se ver nesses termos. Essa virada revelará a subjetividade modernista
como um artefato produzido dentro da história específica das ideologias
ocidentais por modos de pedagogia e situações de autoridade que
permitiram e encorajaram o pensador modernista a pensar a si mesmo dessa
maneira particular. A autoridade absolutista e o ser autônomo do ego
cartesiano são assim dissolvidos novamente nos discursos das sociedades
das quais emergiu e o sujeito pode, assim, começar a pensar em sua
subjetividade como um fato social.
Em segundo lugar, uma consciência de como o sujeito assume sua posição
na própria sociedade do antropólogo fornece um meio de compreender o
outro não como um como nós no sentido de compartilhar uma identidade
comum, mas como alguém que, como nós, assume sua identidade através
identificações com as posições de sujeito que lhe são oferecidas pelas
situações com que se depara. O outro então se torna como nós na medida em
que, como nós, ele ou ela não tem simplesmente uma identidade, mas
constrói um repertório de identidades por meio de identificações com
posições de sujeito estabelecidas nos discursos que ele encontra ao negociar
sua vida. . O antropólogo, que ao realizar o trabalho de campo procura situar
a si mesmo – ou a si mesma como o lugar de endereçamento dos discursos e
práticas das pessoas que estuda, é legitimado em seu sentimento de alcançar
uma compreensão intuitiva de outra cultura; ele ou ela compartilha com
aqueles que são 'nativos' do outro terreno cultural a experiência de aprender
a situá-lo — ou a si mesma nos espaços de identificação proporcionados pelo
habitus daquela cultura.9 O outro não é, então, fundamentalmente diferente
de nós— não é Outro — mas compartilha conosco a necessidade de construir
sua subjetividade a partir dos elementos que lhe são fornecidos por seu
concurso com outros no mundo social; a diferença entre nós e os outros está
nos caracteres específicos e nas conseqüentes configurações dos fatos sociais
que encontramos. O antropólogo que tenta 'ver o mundo como o outro o vê',
trabalha no sentido de desenvolver um novo repertório de identificações
com ele ou ela compartilha com aqueles que são 'nativos' do outro terreno
cultural a experiência de aprender a situá-lo — ou a si mesma nos espaços de
identificação proporcionados pelo habitus daquela cultura.9 O outro não é,
então, fundamentalmente diferente de nós— não é Outro — mas compartilha
conosco a necessidade de construir sua subjetividade a partir dos elementos
que lhe são fornecidos por seu concurso com outros no mundo social; a
diferença entre nós e os outros está nos caracteres específicos e nas
conseqüentes configurações dos fatos sociais que encontramos. O
antropólogo que tenta 'ver o mundo como o outro o vê', trabalha no sentido
de desenvolver um novo repertório de identificações com ele ou ela
compartilha com aqueles que são 'nativos' do outro terreno cultural a
experiência de aprender a situá-lo — ou a si mesma nos espaços de
identificação proporcionados pelo habitus daquela cultura.9 O outro não é,
então, fundamentalmente diferente de nós— não é Outro — mas compartilha
conosco a necessidade de construir sua subjetividade a partir dos elementos
que lhe são fornecidos por seu concurso com outros no mundo social; a
diferença entre nós e os outros está nos caracteres específicos e nas
conseqüentes configurações dos fatos sociais que encontramos. O
antropólogo que tenta 'ver o mundo como o outro o vê', trabalha no sentido
de desenvolver um novo repertório de identificações com fundamentalmente
diferente de nós — não é Outro — mas compartilha conosco a necessidade
de construir sua subjetividade a partir dos elementos que lhe são fornecidos
por seu concurso com outros no mundo social; a diferença entre nós e os
outros está nos caracteres específicos e nas conseqüentes configurações dos
fatos sociais que encontramos. O antropólogo que tenta 'ver o mundo como
o outro o vê', trabalha no sentido de desenvolver um novo repertório de
identificações com fundamentalmente diferente de nós — não é Outro — mas
compartilha conosco a necessidade de construir sua subjetividade a partir
dos elementos que lhe são fornecidos por seu concurso com outros no mundo
social; a diferença entre nós e os outros está nos caracteres específicos e nas
conseqüentes configurações dos fatos sociais que encontramos. O
antropólogo que tenta 'ver o mundo como o outro o vê', trabalha no sentido
de desenvolver um novo repertório de identificações com
46 Glenn Bowman

outros 'espaços assim como o' nativo 'desenvolve meios de reconhecer-se


como abordado pelos discursos de outros povos quando deslocado de seu
território de origem por qualquer um dos vários poderes deslocalizantes no
mundo contemporâneo ou encontrando em seu território natal imagens de
territórios e endereços originários de outros lugares (ver Ossman 1994).
Nesse sentido, a 'cultura' como uma entidade discreta que 'pensa' seus
sujeitos se dissolve; a cultura é aqui reinterpretada como um conjunto de
lugares potenciais daqueles que assumem identificações no terreno que ela
hegemoniza. No entanto, a aceitação de identificações é um processo instável,
dependente não apenas dos caprichos das histórias individuais, mas também
da situação global em que essa cultura existe. Influências 'externas' entrando
', como' dentro 'pessoas' saindo', introduzirão novas articulações de
identidade nesse espaço e, como Friedman demonstra com referência ao
Havaí e ao Congo, novas formulações de identidade por aqueles que '
pertencer a uma cultura particular transformará radicalmente o caráter
dessa cultura (Friedman 1992). Meu trabalho de campo nos territórios
ocupados por Israel e na ex-Iugoslávia me familiarizou com situações em que
desenvolvimentos 'internos' e influências 'externas' dão origem a
reformulações de identidade rápidas e radicais (ver Bowman 1993, 1994a,
1994b, a ser publicado). Essas mudanças são limitadas pelos locais de
identificação disponíveis para as pessoas, bem como pelos vestígios deixados
em suas memórias (conscientes e inconscientes) de interpelações anteriores,
mas dissolvem a ideia de uma cultura essencial que pode ser identificada, ao
mesmo tempo que torna risível a idéia desses 'nativos' como pessoas
pensadas por suas culturas estáveis e capazes apenas de sofrer a história ao
invés de fazê-la.
Minha pergunta anterior sobre se é ou não necessário jogar fora o bebê de
uma humanidade comum com a água do banho do modernismo é aqui
respondida negativamente, em mais de um sentido. Eu afirmo que a
humanidade não tem, como propõe o modernismo, uma identidade comum
essencial (e ainda a ser realizada). Em vez disso, a humanidade compartilha
uma condição comum que é a ausência de identidade essencial. Os seres
humanos, que se constituem mais semioticamente do que instintivamente,
identificam-se com as posições de sujeito (colocações em relação às ações ou
emoções dos outros) apresentadas a eles por discursos na linguagem e
outros sistemas significantes (ver Vološinov 1986 [1929] e Foucault 1978,
1985, 1986). Essas identificações são motivadas pelo desejo de encontrar nos
discursos dos outros os garantes de identidade que os seres humanos não
conseguem localizar em si mesmos que se adaptam constantemente a
contextos e situações em mudança. Uma das identificações mais inebriantes
da história humana foi a da pessoa com acesso a uma verdade absoluta e
universal; o modernismo, que sucessivamente proporcionou espaços para
que o clérigo e o intelectual alcançassem esse espaço de subjetividade
soberana, não apenas legou essa identidade ao sujeito modernista, mas
também, ao fazê-lo, deu a esse sujeito a prerrogativa de identificar todos os
outros. Que ele ou ela fez isso transformando os outros em sua própria
imagem (diferido) e com referência à sua Uma das identificações mais
inebriantes da história humana foi a da pessoa com acesso a uma verdade
absoluta e universal; o modernismo, que sucessivamente proporcionou
espaços para que o clérigo e o intelectual alcançassem esse espaço de
subjetividade soberana, não apenas legou essa identidade ao sujeito
modernista, mas também, ao fazê-lo, deu a esse sujeito a prerrogativa de
identificar todos os outros. Que ele ou ela fez isso transformando os outros
em sua própria imagem (diferido) e com referência à sua Uma das
identificações mais inebriantes da história humana foi a da pessoa com
acesso a uma verdade absoluta e universal; o modernismo, que
sucessivamente proporcionou espaços para que o clérigo e o intelectual
alcançassem esse espaço de subjetividade soberana, não apenas legou essa
identidade ao sujeito modernista, mas também, ao fazê-lo, deu a esse sujeito
a prerrogativa de identificar todos os outros. Que ele ou ela fez isso
transformando os outros em sua própria imagem (diferido) e com referência
à sua apresentou a esse sujeito a prerrogativa de identificar todos os outros.
Que ele ou ela fez isso transformando os outros em sua própria imagem
(diferido) e com referência à sua apresentou a esse sujeito a prerrogativa de
identificar todos os outros. Que ele ou ela fez isso transformando os outros
em sua própria imagem (diferido) e com referência à sua
Identificação vs identificação com 'o Outro' 47

seus próprios desejos tiveram um efeito poderoso e deletério não apenas


sobre o outro assim identificado, mas também sobre o desenvolvimento de
nossas formas de conhecer o mundo e a nós mesmos. Nós, como
antropólogos, já sabemos que passamos a conhecer o outro não impondo
distância, mas esforçando-nos em nosso trabalho de campo e em nossa
análise subsequente desse trabalho para ver o mundo do outro (e nós
mesmos como intrusos nele) a partir das posições do sujeito. outro ocupa. Se
devemos desempenhar um papel em encontrar uma saída para o impasse do
fracasso epistemológico do modernismo, isso só pode ser desacreditando o
imperativo modernista de “identificar” o outro como objeto, atendendo aos
processos de chegar ao conhecimento (do outro e do outro). self) através da
'identificação com' o outro como sujeito.
Capítulo 4

Representações e a re-
apresentação da família
Uma análise de narrativas de divórcio1

Bob Simpson

O parentesco não consiste nos laços objetivos de descendência ou


consanguinidade entre os indivíduos, existe na consciência humana; é um
sistema arbitrário de representação.
(Lévi-Strauss citado em Blackwood 1986)

Em dezembro de 1992, finalmente chegou a notícia de que Charles e Diana, o


príncipe e a princesa de Gales e futuros rei e rainha da Inglaterra, deveriam
se separar. O Daily Mirror anunciou o "fim de um conto de fadas" e publicou
uma "lembrança real" de doze páginas. Os tablóides se espalharam por todos
os ângulos concebíveis, desde a virada da rainha e o destino dos "pequenos
príncipes" até o astrólogo que havia previsto a separação em seus mapas. A
família real, icônica e nuclear, evidentemente não era diferente de muitas
outras famílias na Grã-Bretanha na década de 1990, local de contradições
profundas e profundamente angustiantes entre ideais e expectativas, por um
lado, e experiências reais, por outro.
A dissolução conjugal é o meio contemporâneo para resolver o problema
da incompatibilidade e das expectativas frustradas entre maridos e esposas.
O rearranjo de papéis, identidades e relacionamentos que se segue a tal ação
sinaliza uma grande transformação da organização doméstica e de
parentesco na Grã-Bretanha na última década.2 A principal razão para isso é
que o divórcio confunde padrões normativos de reprodução e transmissão
social. Como consequência, a frequência com que os casais recorrem ao
divórcio desencadeou sua própria crise de representação em relação à
família3 A crise é evidente na retórica política e midiática em torno da família
e entre os comentaristas acadêmicos que buscam construir representações
textuais da família. De fato, um problema fundamental do estudo da família é
que estamos sempre lidando com representações de um tipo ou de outro e
escrever sobre família é se engajar na política da descrição. Finalmente, para
aqueles que se divorciam há sempre a questão de quem determina
exatamente o que deve ser considerado representações apropriadas,
precisas ou aceitáveis de relacionamentos domésticos, interpessoais e
íntimos?
52 Bob Simpson

O tema geral deste ensaio é, portanto, a família e a multiplicidade de


representações evidentes na sociedade britânica na atualidade. No entanto,
meu foco etnográfico particular é sobre a relação entre diferentes níveis de
representação e, em particular, a relação entre representações dominantes e
hegemônicas de família que têm ampla aceitação e legitimidade e a
reelaboração e re-apresentação destas nas narrativas de homens divorciados
e divorciados. mulheres.
Em seu sentido mais geral, os atos de representação envolvem a criação
de relações de 'parte por todo'. As representações culturais da família, por
exemplo, envolvem a redução da diversidade evidente a um repertório de
imagens altamente seletivas e normativas do tipo que Leach uma vez sugeriu
poder ser encontrado no verso de um pacote de cereal (Guardian, 29 de
janeiro de 1986). Atos de representação, portanto, ocultam e obscurecem a
diversidade, mas ocultam de maneira mais pertinente as questões mais
amplas de poder e ideologia através das quais uma sociedade regula e ordena
sua própria reprodução física e cultural.
Questões de legitimidade em relação às formas de família tornaram-se de
importância crescente na Grã-Bretanha à medida que o discurso sobre
familismo cresceu em sua onipresença. Ao longo da década de 1980, o
familismo foi colocado no centro do projeto thatcherista e forneceu um rico
fundo de metáforas atraentes e facilmente acessíveis – como Thatcher certa
vez observou sobre a família, “é uma creche, uma escola, um hospital, um
centro de lazer, uma lugar de refúgio, um lugar de descanso. Abrange toda a
sociedade” (Conservative Women's Conference 1988, citado em Franklin et
al. 1991: 38). A reificação da família efetivamente desviou a atenção do
projeto mais sinistro de desmantelar a cultura cívica e pública e deixar o
mercado reinar. Em sua famosa declaração de que “não existe sociedade.
Existem homens e mulheres individuais e existem famílias” (citado em
Strathern 1992: 144), Thatcher simultaneamente arriscou os limites
externos da preocupação social e o locus da empresa, escolha e consumo.
Para muitas pessoas na Grã-Bretanha, o simples fato da questão era que sua
própria experiência não estava de acordo com as representações de família
que figuravam repetidamente na retórica. Ser pai solteiro, homossexual ou
divorciado é confundir padrões de reprodução física e social ordenada na
sociedade ocidental contemporânea. Em outras palavras, ir com a corrente
afirma a família, em sua forma nuclear, heterossexual, co-residente, estável,
monogâmica, como uma estrutura natural, universal e autoevidente, mas ir
na contramão destaca a família como uma problemática e artifício
potencialmente desviante. A experiência de quem vive em tais arranjos foi, e
continua sendo, de marginalização, com suas alternativas às imagens
normativas, valores e expectativas em torno da família retratadas como
pretensão. Os dados que utilizo revelam algo da resposta daqueles que se
veem assim retratados e mostram como, por meio da narrativa, são
construídas representações alternativas de legitimidade familiar.4
Representações defamília53

A geração de tipos particulares de narrativa no contexto da entrevista de


pesquisa é retomada na segunda parte deste capítulo, que trata
explicitamente das narrativas de divórcio. As narrativas são analisadas como
representações emergentes que estão essencialmente em conflito com as
representações dominantes da família na sociedade contemporânea. As
narrativas revelam evidências de valores, atitudes e arranjos que existem
dentro do que poderia, à la Gramsci, ser chamado de familismo hegemônico.
A sequência particular de representações e re-apresentações que considero
aqui é a de eu contar a vocês sobre uma mulher que me contou sobre um
casamento que terminou cinco anos antes e, em particular, sua experiência
de maternidade após o divórcio. Isso é complementado por contas fornecidas
por seu ex-marido e seu novo parceiro. Estou, portanto, lidando com uma
história sobre poder, gênero, economia e escolha, mas em sua articulação é
um conto profundamente moral sobre a família e seu 'desmembramento'
relatado em uma série de conversas informais estendidas que livremente
constituíam 'entrevistas de pesquisa'. As histórias relatadas neste contexto
são, entre outras coisas, as re-apresentações do passado dos meus
informantes ou, mais precisamente, uma representação narrativa de pessoas
como elas se definiram e foram definidas através de relações sociais chave
em seu passado compartilhado. Mas este não é apenas um exercício de dar
sentido às auto-representações individuais através da narrativa. O exercício
ilumina as tentativas dos informantes de reapresentar a família e seus
constituintes em termos de uma estrutura sociomoral alternativa, ou seja,
A seção final do capítulo explora todas as implicações de tais narrativas
para o surgimento de novas representações que refletem os diversos padrões
de parentesco e a proliferação de formas familiares nos dias atuais. O
capítulo, portanto, retorna à questão da representação coletiva na medida
em que ilumina a maneira pela qual as tentativas individuais de narrar
antigos padrões de parentesco à luz de novos e emergentes podem entrar no
sistema dominante de representações da família nos dias atuais. Ao
descobrir quem se é em relação a outros que já foram significativos, a noção
de família e relações familiares ainda fornece um estoque crucial, embora
radicalmente transformado, de metáforas e imagens.

FAMÍLIAE REPRESENTAÇÕES: DOMINANTE, COLETIVA E


HEGEMONICA
A representação está no centro do esforço antropológico e continuará a fazê-
lo precisamente por causa de sua centralidade no pensamento humano e na
sociabilidade humana. Representar carrega a dupla conotação de tornar
presente à mente e aos sentidos enquanto representa algo que não está
presente. Atos de representação, portanto, nos permitem lidar com a
ausência como
54 Bob Simpson

uma presença imaginada, uma operação complexa que é central para a


distinção do pensamento humano tanto em termos individuais quanto
coletivos. Assim, como seres humanos, estamos continuamente e
criativamente condensando diversas experiências e emoções em destilações
complexas que são mais facilmente dadas à identificação e compreensão
intersubjetiva – precisamos apenas responder à parte e não ao todo que ela
representa. A representação, nesse sentido, é um aspecto do que Foucault
chamou de 'princípio da parcimônia' pelo qual a proliferação do significado
é mantida sob controle (1984: 118). A evidência da representação como uma
forma de condensação cultural está por toda parte, desde a representação
como reprodução, como no caso de maquetes, até símbolos e metáforas que
servem para capturar a indefinição da divindade ou da natureza. Uma
representação traz assim consigo características do tipo ideal; ou, como
Derrida o cunhou, é um "locus de idealidade" (1973: 50).
Atualmente, a família na cultura ocidental pode ser vista como um "locus
de idealidade". Desde a mais tenra idade, as crianças são socializadas em
expectativas profundamente enraizadas de um ciclo de vida em que romance,
namoro, casamento, cuidar da casa, paternidade e o projeto de “vida familiar”
de longo prazo são, com pequenas variações, acreditados para seguir em
frente. inexoravelmente um do outro (Mansfield e Collard 1988; Sarsby
1983). Esses padrões estão codificados em domínios do discurso como os da
mídia, da publicidade, do estado de bem-estar social, do sistema legal e da
igreja, para não falar da retórica dos políticos. Em cada um desses domínios
são encontradas representações poderosas do que é fazer parte de uma
“família normal” na Grã-Bretanha nos anos 1990.
Famíliatambém está ligada implícita e metonimicamente àquela outra
representação mais poderosa: o lar. A casa assume-se assim como o local
privilegiado onde se encontra o amor, a segurança, o apoio, o prazer e a
intimidade associados à família. Localizadas no contexto espacial chamado
lar, elas fazem parte das funções autoevidentes e, portanto, em grande parte
invisíveis, que a família deve desempenhar para seus membros. Concretizada
em poderosos símbolos e práticas que inscrevem relações no espaço e no
tempo, a família transmite um poderoso apelo ao 'natural' com o lar sendo
seu cenário 'natural' (Harris 1981).
Compreender a família como ela é usada nesses contextos é subscrever
uma representação coletiva extremamente poderosa no sentido
durkheimiano (1976 [1915]: 433-9) —família como representação coletiva
assim' corresponde [s] à maneira pela qual essa ser muito especial, a
sociedade, considera as coisas de sua própria existência” (ibid.: 435) e, além
disso, tem um peso considerável como prescrição ética e normativa. Se
seguirmos essa lógica, não é surpreendente descobrir que, em um momento
em que a família está se fragmentando como instituição social, o interesse
pela família como um objeto discreto de preocupação nunca foi discutido.
Representações defamília55

maior (cf. Strathern 1992). Como sugerem Gubrium e Holstein, o uso familiar
não está se transformando em um refúgio privado como Lasch gostaria, mas
é um domínio de aplicação em rápida expansão (Gubrium e Holstein 1990:
160). Em suma, quando se trata de responder à questão de quem são os
indivíduos autônomos em relação uns aos outros na sociedade
contemporânea e como eles podem conduzir seus negócios, as
representações familiares abundam e as circunstâncias precipitadas pelo
divórcio são um excelente exemplo.
O divórcio é a maior transformação na vida familiar no Ocidente hoje. É o
fim legalmente sancionado de um casamento legalmente reconhecido e se
tornou uma poderosa representação em oposição à família. Enquanto o
casamento é tomado para constituir e consolidar a família, o divórcio é seu
oposto e se baseia no imaginário da fissão e da fragmentação. Isso é visto, por
exemplo, em termos populares como 'separação', 'desintegração familiar' e
'lar desfeito'. O termo "divórcio" é, portanto, tomado como uma espécie de
abreviação para a redefinição fundamental das relações de parentesco
primário em termos emocionais e econômicos que ocorre no divórcio e na
tristeza, separação, perda, conflito, culpa e quebra de confiança que
geralmente se seguem.
Dessas ruínas, emergem novas representações da família que seria
errôneo caracterizar como totalmente coletiva ou totalmente individual. Em
vez disso, eles são parte de uma mistura cada vez mais fluida de
representações de relacionamentos íntimos e outrora íntimos que servem
para desafiar as representações hegemônicas da família. Dentro desse
"equilíbrio móvel" (Gramsci 1971) outras vozes podem agora ser ouvidas.
Por exemplo, a experiência diferente de homens e mulheres dentro de um
casamento, originalmente articulada por Bernard (1972) e cada vez mais
percebida e expressa como a metanarrativa da vida familiar, foi substituída
por uma polifonia de narrativas menores ou petit recitats. Dentro dessa
polifonia, encontramos “indivíduos negociando seus caminhos entre centros
concorrentes de gravidade filosófica e os equilíbrios cambiantes de seu
poder, jogando uma episteme contra outra como diferentes estratégias
existenciais em diferentes contextos” (Rapport, Capítulo 11 deste volume).
No que diz respeito ao divórcio, tal "pluralismo epistêmico" como Rapport (p.
181) o cunha, é crucialmente expressivo da sociabilidade desintegradora, em
vez da integrativa sugerida por muitos escritores sobre a família.5

DIVÓRCIO E NARRATIVA
Sonhamos na narrativa, sonhamos acordados na narrativa, lembramos,
antecipamos, esperamos, desesperamos, acreditamos, duvidamos,
planejamos, revisamos, criticamos, construímos, fofocamos, aprendemos,
odiamos e amamos pela narrativa.
(Hardy 1968: 5)
56 Bob Simpson

Em qualquer tentativa de chegar a um acordo com um evento traumático da


vida, a narrativa desempenha um papel fundamental como meio de ordenar
eventos passados e fornecer o telos para eventos futuros (MacIntyre 1981).
Como nos diz Arendt, "todos os sofrimentos podem ser suportados se
pudermos colocá-los em uma história" (Arendt1958: 175). Onde há um
passado problemático ou uma quebra nas expectativas normativas, a
narrativa fornece um meio de ordenar, estruturar e dar sentido à experiência
desordenada (cf. Bruner, 1990). As narrativas de que trata este capítulo são
aquelas geradas na esteira do divórcio. Tais narrativas são particularmente
reveladoras na medida em que a brecha que procuram reparar diz respeito
às noções fundamentais e paradigmáticas de família e seus elementos
constitutivos como 'paternidade', 'maternidade', 'amor' e 'casamento'. Essas
noções são o próprio material do parentesco euro-americano e constituem
forças extremamente poderosas quando se trata de moldar a identidade e a
conduta individual na sociedade contemporânea. As histórias contadas sobre
o divórcio e suas consequências são, portanto, particularmente reveladoras,
pois dizem respeito às ações e suposições que sustentam as noções
ocidentais de família. É no exame do que acontece quando ações e
expectativas entram em conflito com as representações dominantes que o
habitus da vida doméstica pode ser vislumbrado.
A necessidade particular de homens e mulheres de narrar e, assim,
reformular e retrabalhar essas representações dominantes e hegemônicas
nasce das crises desencadeadas por uma transformação radical das relações
domésticas e familiares. A família não é mais contígua a um único local
doméstico em que ambos os pais co-residiem, mas é mapeada em vários
espaços domésticos com ocupação única ou múltipla de adultos que estão
interligados pelo movimento de crianças e recursos.

NARRATIVAS DO DIVÓRCIO COMO DISCURSO MORAL


As conversas que foram registradas ao longo dos vários projetos de pesquisa
fornecem alguns relatos extremamente ricos e comoventes de como se dá
sentido às convulsões domésticas, econômicas, sociais e emocionais que o
divórcio traz em seu rastro. No entanto, na análise original desses dados,
muitos desses aspectos foram negligenciados na busca necessária de
respostas para as perguntas para as quais projetos de pesquisa específicos
foram encomendados.6 A fase inicial da pesquisa foi, para usar a expressão
de Geertz, 'experiência distante' em sua análise, buscando extrair
semelhanças de uma amostra de homens e mulheres criada como resultado
de terem a característica compartilhada de passar pelos tribunais de divórcio
em 1985. A presente análise baseia-se em um reexame do corpus reunido de
entrevistas gravadas em termos de conceitos de 'experiência próxima', ou
seja,
Uma característica importante a emergir da análise das narrativas de
divórcio
Representações defamília57

a este respeito é o seu papel como performances em que o entrevistado


apresenta ao entrevistador o que é essencialmente um relato moral
justificando por que eles se divorciaram e por que eles agiram da maneira
que agiram antes, durante e depois do divórcio (cf. Riessman 1990, 1993
também Linde 1993). O fracasso do ideal de companheirismo do casamento
e tudo o que isso implica para si mesmo, filhos e parentes mais amplos
raramente é algo que pode ser ignorado. A entrevista, portanto, oferece ao
entrevistado a oportunidade de construir uma auto-representação na qual
ele pareça ser moralmente sólido e coerente (cf. Goffman 1969: 241-4).
A este respeito, a entrevista pode ser comparada a outra forma de
representação que nunca está longe da mente das pessoas quando se
divorciam, a saber, a representação legal. O divórcio faz com que as fronteiras
do público e do privado no que se refere à família sejam redesenhadas com
uma permeabilidade um pouco maior, pois o Estado, com sua preocupação
primordial com o 'bem-estar da criança', está apto a exigir o escrutínio
público do privado, isto é, da família. , ações. O resultado pode muito bem ser
que um advogado profissional seja trazido para "representar" os interesses
fragmentados e muitas vezes opostos de diferentes membros da família. O
divórcio precipita essa preocupação mais ampla precisamente porque
pressagia um deslocamento da responsabilidade do empreendimento
coletivo da família para suas partes constituintes; não está mais claro o que
é a família como seus limites,
Aqueles chamados para representar as partes constituintes do que era
anteriormente a família podem incluir advogados, assistentes sociais,
guardião ad litem, o advogado oficial e agentes de bem-estar do tribunal.
Estes constituem a bateria de profissionais que se pode encontrar no curso
de um divórcio conflituoso. Eles, como o entrevistador da pesquisa, cada um
fornece um contexto e um cenário em que as pessoas são solicitadas,
exortadas ou simplesmente convidadas a contar histórias sobre si mesmas e
seus parceiros e o passado que eles compartilharam. Contar e, portanto,
consertar uma história sobre o passado recente é um passo necessário para
determinar o que acontece em seguida e os tipos de futuros que o narrador
pode antecipar.
É interessante notar a esse respeito que em muitas das entrevistas
realizadas a ocasião da entrevista foi vista pelo informante como uma
importante chance de corrigir deturpações, assumidas ou reais, perpetradas
por ex-companheiros, solicitadores ou pela comunidade em geral . A
oportunidade de produzir uma auto-representação desimpedida ou criticada
foi claramente bem-vinda, oferecendo um meio de expressão, expiação e,
ocasionalmente, confissão. Apesar do fato de que os informantes estavam
cientes de que suas contagens egocêntricas não seriam transmitidas além do
contexto da pesquisa, eles frequentemente comentavam o quão valioso havia
sido simplesmente contar sua história.
O que parecia prontamente aparente nos relatos, especialmente dos
homens
58 Bob Simpson

entrevistados, foi que os aspectos implícitos, invisíveis e automáticos da vida


familiar não estavam mais lá. Isso muitas vezes equivalia a uma difícil
percepção de que a vida familiar em sua forma não nuclear é uma produção
que precisa ser feita, adicionada e levada adiante, em vez de simplesmente se
desdobrar dentro de roteiros desgastados. As narrativas, portanto, revelam
evidências de tentativas individuais de reformular as representações
dominantes e hegemônicas da família dentro de uma estrutura sociomoral
alternativa consistente com o contexto radicalmente alterado de ação e
experiência. Na seção que segue, esse conflito e a busca de resolução por meio
da narrativa são explorados em relação à maternidade tal como aparece nas
tentativas de uma mulher de representar sua própria experiência como mãe
à luz de suas experiências após o divórcio.

MATERNIDADE E REPRESENTAÇÃO
Em nossos mitos pessoais a casa é o lugar onde somos plenamente aceitos,
está ligado à ideia de mulher, mãe…. Apelos para defender 'a privacidade
da família' evocam memórias e sonhos poderosos e, portanto, são capazes
de tocar acordes em muitos corações.
(Novo e David 1985: 54)

Na sociedade ocidental contemporânea, as representações hegemônicas da


maternidade são possivelmente ainda mais poderosas do que as da família,
com a mãe constituindo o centro biológico da família e a personificação do
eixo 'natureza' do parentesco ocidental (cf. Schneider 1968, 1984). Coerente
com isso é uma forte ideologia que sugere que o maior contentamento de
uma mãe vem de estar e fazer por sua família, isto é, no mínimo, seu marido
e filhos (Ribbens 1994). A maternidade é, portanto, não apenas o estado de
ser mãe, mas também um poderoso conjunto de expectativas que impedem a
reflexão sobre a experiência individual da condição ou sobre as
circunstâncias históricas mais amplas que moldam essa experiência (Kaplan
1992).
Na seção da narrativa que se segue, 7 Wendy, uma mulher da classe
trabalhadora anteriormente casada com Neil, está refletindo sobre seu
relacionamento com seus dois filhos, Nichola e Sam, de 11 e 13 anos (veja a
Figura 4.1). O trecho é retirado de uma entrevista com Wendy após uma crise
que resultou na mudança de seu filho para morar com o pai. As dificuldades
que Wendy havia vivenciado com seus dois filhos após a partida do marido a
levaram a rever fundamentalmente o que significava ser mãe. Seu relato
revela um padrão repetido no qual há uma declaração das coisas como elas
são, uma contra-afirmação de como as coisas eram e uma tentativa de
justificar o que ela sente que os outros podem ver como uma discrepância
moral entre as duas posições. As transcrições são apresentadas na íntegra e
revelam uma estrutura semelhante a um solilóquio em que Wendy está
falando consigo mesma ou,
Representações defamília59

'falando ela mesma', tanto quanto ela está falando comigo. No entanto,
mesmo a partir de um pedaço tão pequeno da história de Wendy, podemos
começar a ler algumas das suposições sobre família e parentesco que tornam
a família uma representação tão poderosa na sociedade ocidental
contemporânea.

(a linha oblíqua representa o divórcio em 1985, as linhas pontilhadas


representam as famílias em 1991

A história de Wendy
A seção seguinte trata de uma parte da conversa em que Wendy descreveu o
problema que ela tem em atender às demandas práticas e emocionais de sua
filha adolescente. Wendy se vê presa em uma armadilha odiosa (cf. Newman
1991) na qual ela sabe que o dinheiro é a chave para administrar sua casa
satisfatoriamente, mas, para ganhar dinheiro, ela precisa ficar fora de casa
por longos períodos apenas para volta esgotada e exausta com pouca energia
disponível para ser o que ela vê como uma 'boa mãe' para sua filha:

ela (Nichola) vai aparecer e ela vai dizer 'olha mãe, eu estou realmente
farta' e nós vamos resolver a partir daí... mas tudo bem, eu me sinto
culpado de vez em quando, mas eu acho como se todos os meus instintos
maternos tivessem desaparecido, [risos] porque eu acho que tem sido tão
difícil, eles me causaram tanto sofrimento, de certa forma, eu só não quero
saber, eu só quero uma vida tranquila agora depois
60 Bob Simpson

todo o incômodo. É um caso de eu a amo e farei qualquer coisa por ela e


gostaria de poder fazer mais. Eu gostaria de ter dinheiro para gastar com
ela e esse tipo de coisa para que ela pudesse fazer as coisas que ela quer
[pausa].

Neste trecho, Wendy está questionando as próprias premissas sobre as quais


sua ideia de maternidade foi construída anteriormente. Assim, em um nível,
o relacionamento com Nichola funciona bem – “estamos bem”, ela nos diz. No
entanto, há sentimentos de culpa e inadequação continuamente subindo à
superfície, o que impede que seu relacionamento aberto, direto e
comunicativo com Nichola seja levado ao pé da letra. A sensação é de que algo
que estava lá no nível do 'instinto' se foi e a extraordinariedade dessa
conclusão a faz rir de incredulidade - a ideia de ficar sem instinto é uma noção
absurda. Ser mãe, que costumava ser algo automático e prazeroso, tornou-se
algo que Wendy agora considera intensamente problemático e até doloroso.
Tudo o que ela quer é 'uma vida tranquila', que entra em conflito com o
altruísmo e o sacrifício que se espera das mães da classe trabalhadora que
vivem nas circunstâncias de Wendy. A razão que ela dá para essa retirada é
o 'pesar que ela sofreu como mãe solteira que estava longe de estar
preparada para a reação que a expedição de seu marido despertaria em seus
filhos. Ela fica com uma situação em que ela faz todas as coisas certas que
uma mãe deve fazer, mas, apesar do amor, altruísmo e um desejo profundo
de fazer mais para deixar sua filha feliz e satisfeita, há uma discrepância
quando comparada com o senso de maternidade como vivenciada
anteriormente. A razão que ela dá para essa retirada é o 'pesar que ela sofreu
como mãe solteira que estava longe de estar preparada para a reação que a
expedição de seu marido despertaria em seus filhos. Ela fica com uma
situação em que ela faz todas as coisas certas que uma mãe deve fazer, mas,
apesar do amor, altruísmo e um desejo profundo de fazer mais para deixar
sua filha feliz e satisfeita, há uma discrepância quando comparada com o
senso de maternidade como vivenciada anteriormente. A razão que ela dá
para essa retirada é o 'pesar que ela sofreu como mãe solteira que estava
longe de estar preparada para a reação que a expedição de seu marido
despertaria em seus filhos. Ela fica com uma situação em que ela faz todas as
coisas certas que uma mãe deve fazer, mas, apesar do amor, altruísmo e um
desejo profundo de fazer mais para deixar sua filha feliz e satisfeita, há uma
discrepância quando comparada com o senso de maternidade como
vivenciada anteriormente.
Os mesmos temas são reiterados com mais nuances posteriormente no
mesmo
entrevista. Estamos falando da perspectiva de Nichola ir morar com o pai.
Tendo levantado essa possibilidade, acabei de perguntar se ela achou isso
uma perspectiva preocupante e abaixo está sua resposta in extenso (eu dividi
o discurso em frases para fins de apresentação e facilidade de compreensão):

Não, porque estamos na fase em que se ela quisesse ir, ela poderia ir e eu
sentiria falta dela e ficaria chateado, mas cheguei ao ponto em que, talvez
eu esteja errado, mas eu cuida primeiro de mim e depois eu cuido dela e
cuido dela.
Eu acho que é só todo o incômodo que eu tive quando eles estavam aqui
juntos, eu passei por tanta coisa. Eu fiz um total sobre o rosto. Eu era uma
dessas pessoas que adorava crianças [pausa], mas agora não tenho tempo
para elas, não quero saber.
Eu acho que, à sua maneira, meus dois me machucaram tanto que eu me
tornei totalmente egoísta [pausa] Eu nunca fui assim Eu sempre fui
totalmente para crianças, mas eu pareço cuidar de mim primeiro
realmente .
Sinto que fiz o meu melhor por eles, eles me tiveram enquanto eram jovens
e precisavam mais de mim, e ainda estou aqui se precisarem de mim, mas
estou
Representações defamília61

cuidando da minha própria vida. Eu me sinto culpado por isso, devo


admitir, mas parece que não consigo ser de outra maneira agora. Acho que
é uma coisa horrível de se dizer realmente.
Deus, se eu soubesse então o que sei agora, nunca teria tido filhos ou me
casado. Eu poderia ter tido filhos mais tarde, mas eu definitivamente teria
uma carreira muito boa, que é o que estou tentando conseguir agora.
mas eles literalmente mudaram tanto minha atitude, é difícil de acreditar.
Eu era uma daquelas pessoas que ficava louca por bebês. Eu não quero
mais filhos, não estou interessado. Perto do fim do meu casamento, eu
estava desesperada para ter outro bebê e estou muito feliz por não o ter
feito. Essa é a única coisa que eu posso realmente agradecer a ele [pausa].
está cuidando de mim, você sabe, eu fiz o meu, mais ou menos, pouco. Eu
tive minha família, cuidei deles, ambos são razoavelmente independentes
agora. Quero dizer, ela faz tudo por si mesma, então, em certo sentido, não
sou necessária, então costumo cuidar de mim mesma. Ela realmente cuida
de mim.
Eu estava aqui soluçando e ela me ouviu chorar, ela foi para a cama, ela
desceu e estava cuidando de mim, ela me fez chá e algumas torradas, eu
sinto como se ela fosse a mãe e eu a filha.
O discurso gira como antes, instigado desta vez pela questão da
independência de Nichola. Nichola é autônoma e pode decidir por si mesma
ao optar por ficar com o pai. Se ela fizesse essa escolha, Wendy sentiria
angústia, mas seria compreensível e, embora doloroso, acabaria por ser
administrável.
É a facilidade com que Wendy encara a possibilidade da partida da filha
que a leva a se envolver em uma dialética repetitiva. Na trama que resulta,
ela luta para chegar a uma posição em que seus sentimentos e postura sejam
moralmente justificados e compreensíveis. Como mãe, ela não deve encarar
com leviandade a perspectiva da partida de sua filha, mas seus sentimentos
contradizem essa suposição. Sua aceitação triste, mas passiva, de que sua
filha pode deixá-la está em desacordo com o que ela vê como as expectativas
dominantes em torno da maternidade. Isso é revelado em frases como 'talvez
eu esteja errado', 'eu me sinto culpado por isso, devo admitir' e 'acho que é
uma coisa horrível de se dizer realmente'.
Esta última frase é particularmente reveladora porque revela até que
ponto Wendy está ciente da discrepância entre seus sentimentos e ações -
"Eu não consigo parecer de outra maneira agora" e a maneira como ela
"supõe" que isso pode acontecer. ser interpretado pelos outros em geral e
por mim, como entrevistador, em particular. Ela se encontra em desacordo
com a representação dominante da maternidade como ela a percebe nos
outros e, de fato, como ela mesma já experimentou.
A extensão dessa transformação fica clara em uma série de
62 Bob Simpson

oposições que contrastam como ela era então uma mãe dedicada, mas agora
vê as coisas de maneira bastante diferente. Ela descreve como ela era o tipo
de pessoa que voluntariamente se submeteu à atração incondicional e
irracional da maternidade; ela era uma 'que adorava crianças', era
'totalmente para crianças' e 'enlouquecia com bebês'. A referência a 'uma
dessas pessoas' sugere quão proeminente é essa representação em sua
avaliação de sua situação atual. Ela 'era' uma dessas pessoas, mas não é mais.
A razão para isso é encontrada no contraste que ela então desenha com o
presente em que coloca suas próprias necessidades antes das de seus filhos.
Isso é visto em uma série de frases como 'mas eu cuido de mim primeiro','
mas agora eu não tenho tempo para eles, eu não quero saber ',' mas eu pareço
cuidar de mim primeiro realmente ' e, finalmente, 'mas estou cuidando da
minha vida mesmo'. Wendy leva esse ponto adiante ao descrever como, no
final do casamento, ela estava "desesperada" para ter um terceiro filho. ela
agora sente que teria sido um erro responder simplesmente ao impulso de
produzir bebês.
Fazer tais declarações é claramente doloroso para Wendy por causa da
medida em que vai contra o que as mães devem fazer e sentir por seus filhos.
Significativamente, cada uma dessas declarações é seguida por uma
justificativa de como essas respostas honestas, mas potencialmente
desviantes, surgiram. A reação de Wendy é desencadeada principalmente
pelo comportamento de seus filhos após o divórcio e até que ponto eles a
'magoaram'. Aliás, isso também revela uma expectativa de Wendy's de que
as crianças, embora supostamente ajam de certas maneiras, também não
obedecem ao roteiro de parentesco esperado.
Sua justificativa secundária para seu "egoísmo" torna explícita a
instrumentalidade implícita da paternidade e, ao fazê-lo, mais uma vez faz
declarações que beiram a heresia materna. Ela aponta 'eu fiz meu, mais ou
menos, pouco' com 'pouco' referindo-se ao pacote de expectativas que ancora
a mãe dentro da unidade familiar, ou seja, como portadora e nutridora dos
filhos. Em troca de ter realizado essa tarefa como a mãe obediente, mas agora
desiludida, ela chegou ao que descreve como "tempo de cuidar de mim", um
período em que ela está olhando para suas próprias necessidades e não para
as necessidades de seus filhos.
Sugiro que ver esse processo de justificar o egoísmo parental em termos
de troca não é em si problemático nos termos da vida familiar
convencionalmente construída e pode, de fato, constituir uma parte
importante do mecanismo pelo qual pais e filhos estabelecem sua respectiva
autonomia. O que é problemático neste caso é que a troca está tendo que ser
explicitada prematuramente, chegou cedo demais para as crianças e,
portanto, está fora das expectativas dominantes de
Representações defamília63

o curso de vida e suas principais transições no que se refere às relações de


dependência mãe-filho. O resultado é que a afirmação tem que ser justificada
e ela procura fazê-lo por meio de duas ilustrações, ambas de maneiras
diferentes mostrando Wendy refletindo sobre o curso da vida.
A primeira ilustração começa com "Deus, se eu soubesse então o que sei
agora", que é seguida por uma rejeição total do projeto de família como ela
veio a vivenciá-lo. Seu desejo de ter evitado a maternidade e o casamento é
temperado pela admissão de que ela poderia ter considerado isso mais tarde,
mas primeiro teria que alcançar uma carreira de sucesso em seus próprios
termos. De fato, muitas das dificuldades dos últimos anos surgiram como
resultado de sua luta para ganhar a vida com um trabalho mal remunerado,
para melhorar sua posição no mercado de trabalho por meio do estudo e ser
uma 'boa mãe', tudo ao mesmo tempo . É a amargura dessa experiência que
a leva a ver muito explicitamente que havia um curso de vida ou roteiro que
ela estava seguindo e a desejar ter reunido a sequência de eventos do curso
de vida em um padrão bastante diferente.
A segunda reflexão de Wendy sobre o curso de vida contém uma
representação ainda mais poderosa de si mesma como fora das fixidezes do
ciclo de vida, uma vez que determinou sua perspectiva e expectativas. Aqui
Wendy está justificando sua tendência de cuidar de si mesma antes de seus
filhos em termos de sua independência e redundância - ela simplesmente não
é mais necessária. O que é intrigante nesta seção é que Wendy vai muito além
de simplesmente explicar a independência de Nichola e ilustra uma inversão
crítica no curso da vida. Wendy descreve como ficou chateada e foi consolada
por Nichola, levando-a a se sentir 'como se ela fosse a mãe e eu a filha'.

A história de Nil
Narrativas como a de Wendy não evoluem isoladamente, mas estão
enredadas nas de outras pessoas importantes, como seu ex-parceiro, seus
filhos, seus pais e seus amigos que compõem seu senso de família mudado e
cambiante. Embora as implicações dessa observação nos levem além do
escopo deste capítulo, vale a pena refletir brevemente sobre a história de Neil
e, em particular, sua avaliação de Wendy como mãe.
Nas entrevistas com Neil, marido de Wendy, há muito menos evidências
de uma narrativa emergente de oposição: nenhuma reavaliação do papel ou
mudança do curso de vida. Ele permaneceu um provedor e pai durante todo
o divórcio e, de fato, muito em breve restabeleceu uma nova família com uma
nova esposa e um novo bebê na profunda esperança de que a fórmula que
falhou da última vez ainda pudesse funcionar nesta ocasião. Ao longo de suas
entrevistas, ele expressou o desejo simples, mas ardente, de 'ser uma família
novamente'.9
Nas primeiras entrevistas, ele expressou um certo grau de surpresa por
Wendy ter achado as coisas suficientemente terríveis para justificar o
processo de divórcio - "se
64 Bob Simpson

Eu fui um espancador de esposas, ou um jogador ou qualquer coisa assim,


mas não fiz nada!' Além disso, as razões de Wendy para pedir-lhe para sair
eram, em sua opinião, frívolas e aparentemente relacionadas com pouco mais
do que seu desejo por um "estilo de vida diferente" que, em sua opinião,
poderia ter sido relativamente facilmente modificado se eles estivessem
preparados para " trabalhar nisso'. O estilo de vida a que ela aspirava era
aquele em que sua ideia tradicional de 'homem de família', sólido, previsível,
confiável e comprometido (mas, em última análise, em sua opinião, opressiva
e estupidificante) não fazia parte. Em sua narrativa, ele é retratado como o
homem bom expulso de sua família por capricho de uma mulher cruel e
egoísta. A versão reapresentada de Wendy de sua vida, como ele
ocasionalmente ouve dela e das crianças, e vê isso em seu comportamento,
simplesmente se torna mais uma evidência de sua maternidade falha – ela
supostamente “deixa as crianças correrem soltas”, “ela vem a qualquer hora”,
“ela é uma má administradora de dinheiro” e geralmente não olha para as
necessidades das crianças como uma mãe deveria. A maior evidência para ele
a esse respeito é o fato de que seu filho escolheu viver com seu pai e não com
sua mãe! A nova parceira de Neil também ecoa essas opiniões em seus relatos
de eventos recentes. Juntos, os relatos de Neil e de seu novo parceiro revelam
evidências consideráveis de uma mescla e reforço de narrativas usando
Wendy, a "mãe inadequada", como um contraste para reforçar sua aspiração
de corresponder às representações dominantes da família. 'ela é uma má
administradora de dinheiro' e geralmente não atende às necessidades dos
filhos como uma mãe deveria. A maior evidência para ele a esse respeito é o
fato de que seu filho escolheu viver com seu pai e não com sua mãe! A nova
parceira de Neil também ecoa essas opiniões em seus relatos de eventos
recentes. Juntos, os relatos de Neil e de seu novo parceiro revelam evidências
consideráveis de uma mescla e reforço de narrativas usando Wendy, a "mãe
inadequada", como um contraste para reforçar sua aspiração de
corresponder às representações dominantes da família. 'ela é uma má
administradora de dinheiro' e geralmente não atende às necessidades dos
filhos como uma mãe deveria. A maior evidência para ele a esse respeito é o
fato de que seu filho escolheu viver com seu pai e não com sua mãe! A nova
parceira de Neil também ecoa essas opiniões em seus relatos de eventos
recentes. Juntos, os relatos de Neil e de seu novo parceiro revelam evidências
consideráveis de uma mescla e reforço de narrativas usando Wendy, a "mãe
inadequada", como um contraste para reforçar sua aspiração de
corresponder às representações dominantes da família.

TRANSFORMAÇÃO E CONTRADIÇÃO NA VIDA FAMILIAR


CONTEMPORÂNEA
Narrativas de divórcio como as de Wendy e Neil constituem respostas
privadas a tensões que se originam em um padrão mais amplo de mudança
histórica na organização da vida pessoal e doméstica no Ocidente em geral e
na Grã-Bretanha em particular. Eles revelam uma grande linha divisória
entre a atração coletiva da obrigação e dependência de parentesco, por um
lado, e o impulso para a individualidade, independência e autodeterminação,
por outro.10 A tensão é vista repetidamente nos relatos de mulheres, como
Wendy, que eram bastante claras sobre sua própria necessidade pessoal de
se divorciar de seus maridos, mas eram muito mais equívocas sobre as
implicações de suas ações para seus filhos, cujas necessidades e desejos
pessoais estavam muito conscientes de que haviam superado. 11 O
elemento-chave aqui é o da escolha em circunstâncias nas quais a escolha
agora carrega seu próprio imperativo moral. A capacidade de escolha é um
dos dispositivos primários por meio do qual a individualidade autêntica é
afirmada e demonstrada publicamente. No entanto, a crescente afirmação da
escolha no campo das relações familiares nos últimos vinte anos esbarra com
uma moral amplamente enraizada na renúncia à escolha e na submersão em
dependências de um tipo ou de outro: para melhor ou para pior, na doença e
na saúde.
A consideração dessas tensões revela pistas importantes sobre as formas
Representações defamília65

que novas e emergentes representações sejam criadas para reparar essa


falha na prática. Estas são tecidas a partir das representações dominantes da
família, mas também em oposição a elas. Assim, Wendy e Neil não estão
sozinhos no estilo e conteúdo de suas narrativas; suas representações do eu
em relação à família são de fato representativas de muitas pessoas que foram
entrevistadas e, sem dúvida, de inúmeras outras que não foram. Eles são
ilustrativos da crise de representação da família que ganha ritmo à medida
que família e lar perdem sua concentricidade e estabilidade temporal na vida
de um número crescente de crianças, mulheres e homens. Mães e pais,
maridos e esposas, irmãos e irmãs não podem mais se definir diadicamente,
ou talvez mais precisamente dialogicamente, em relação uns aos outros e
devem buscar novas representações para capturar emergentes,
configurações novas e cada vez mais flexíveis. Por exemplo, homens e
mulheres que já foram íntimos e que conseguiram renegociar um
relacionamento amigável após o divórcio ou a separação frequentemente
descrevem seu relacionamento como "exatamente como irmão e irmã". Em
outras palavras, uma relação de grande proximidade e familiaridade, mas em
última análise, em que os interesses sexuais são totalmente inadequados e
acabariam tingidos pelo horror do incesto.
No divórcio, estamos de fato testemunhando o que Strathern se refere
como o primeiro e o segundo fatos do parentesco inglês moderno em larga
escala, a saber, 'a individualidade das pessoas' e 'diversidade' (1992: 22). No
caso de Wendy, busca-se a individualidade e diversificação de forma ativa e
com senso de urgência; para Neil, ela é aceita com considerável relutância e
anseio pelas supostas certezas dos arranjos patriarcais tradicionais. Em
ambos os casos, eles sinalizam um movimento em direção a uma ordenação
cada vez mais complexa de indivíduos autônomos em que há uma referência
contínua de volta às seguranças reais e imaginárias da vida familiar em algum
momento antes do divórcio ocorrer.
Além disso,as narrativas revelam que a construção e desconstrução de
representações de família não é apenas uma competência do comentarista
social, político ou teólogo, mas também uma atividade do informante (que
também pode ser qualquer um dos citados!). De fato, o informante pode ser
igualmente capaz de tecer uma descrição densa geertziana (Geertz 1973) ou
incorporar os discursos “especializados” do direito, da psicologia ou das
ciências sociais em uma apresentação do eu em relação a novos padrões de
família e parentesco (ver Edgar, Capítulo 5 deste volume). Representações
emergentes como essas ganham cada vez mais espaço no discurso popular e
são cada vez mais refletidas por meio de filmes, televisão, publicidade,
programas de bate-papo, reportagens e revistas populares.
Ficamos com uma circularidade desconcertante ou o que Giddens chamou
apropriadamente de "reflexividade da modernidade" (1991: 14). Nesse caso,
"nós", o público antropológico, podemos muito bem ser os nativos,
reformulando nossos relatos de curso de vida e parentesco, e os nativos
podem muito bem ser nós! eu
66 Bob Simpson

concluo com mais uma reviravolta reflexiva nesse ciclo representacional, a


saber, a intrigante perspectiva de que as representações textuais de
parentesco que descrevi aqui possam finalmente encontrar seu caminho de
volta ao meio em que foram geradas, tornando-se assim

uma pequena contribuição para uma vasta e mais ou menos contínua


efusão de escritos, técnicos e mais populares, sobre casamento e relações
íntimas... servem rotineiramente para organizar e alterar os aspectos da
vida social que relatam ou analisam.
(Giddens 1991: 14)

RECONHECIMENTOS
Agradecimentos a Peter McCarthy e Janet Walker, do Relate Center for
Family Studies, University of Newcastle, que fizeram parte da equipe de
pesquisa original, e a Judy Corlyon, com quem as entrevistas foram
realizadas. Comentários foram recebidos com gratidão de Mike Carrithers e
Peter Collins da Universidade de Durham e Iain Edgar da Universidade de
Northumbria. Um feedback útil foi recebido quando versões deste capítulo
foram dadas em seminários no Departamento de Antropologia em Durham e
na University College Stockton.
capítulo 5

A borboleta do dente, ou dando um


relato sensato do presente
imaginativo

Iain R. Edgar

A continuação do enigma do sonho está bem exposta na famosa história (Wu


1990: 153) do sábio chinês que sonha com uma borboleta e, sendo de mente
especulativa, considerou a explicação alternativa de que talvez estivesse
sendo sonhado pela borboleta! Este capítulo considera como os sonhos são
feitos para representar significados e, consequentemente, como essa
representação pode oferecer uma visão sobre a natureza da própria
representação cultural e, além disso, sobre o empreendimento antropológico
de escrever imagens incorporadas.
Esse trabalho de sonho ou interpretação de sonho é cultural,em vez de uma
atividade exclusivamente psicológica, é algo que poucas pessoas, além de
antropólogos interessados, parecem entender. Jedrej e Shaw (1993), em sua
discussão sobre como os sonhos e os fatos sociais se cruzam e se
desenvolvem, referem-se ao estudo clássico de Evans-Pritchard sobre a
feitiçaria Azande, no qual ele escreve:

A memória das imagens oníricas pode influenciar os comportamentos


subsequentes e os acontecimentos subsequentes podem interferir na
memória das imagens oníricas de modo que se adaptem umas às outras.
(1937: 384)

Da mesma forma, Herdt (1987: 82) afirmou

que a cultura pode realmente mudar a experiência dentro dos sonhos, ou


que as produções do sonho realmente são absorvidas e transformadas em
cultura.

Meu próprio estudo (Edgar 1995) sobre a construção de significado cultural


e os resultados da ação social do trabalho com sonhos em grupos mostrou
como os membros do grupo, por meio da discussão de seus sonhos,
passaram a tomar decisões de carreira e relacionamento significativamente
baseadas em discussões e processos em grupo. A complexidade dessa
relação entre a experiência de imagens mentais muitas vezes bizarras e sua
transformação em
72 Iain R. Edgar

significado cultural é o foco deste capítulo. Ele tem dois objetivos, primeiro
mostrar que o processo de 'trabalho onírico' ou interpretação dos sonhos é
uma sequência de representações de uma imagem onírica original em uma
forma narrativa satisfatória, que, para citar Rapport (Capítulo 11 deste
volume), está inserida em um “pluralismo epistêmico”. Em segundo lugar,
pretendo ilustrar, através da apresentação de uma narrativa editada da
discussão interpretativa que ocorreu nas reuniões de trabalho dos sonhos, a
emergência de um paradigma de empoderamento de inspiração feminista da
interpretação dos sonhos que rejeitou explícita e implicitamente os
paradigmas interpretativos psicanalíticos mais tradicionais. Se os humanos
são definidos principalmente por sua capacidade de serem "animais que se
auto-interpretam" (Obeyesekere 1990: 275, citando Heidegger),

A CONSTRUÇÃO CULTURAL DO INCONSCIENTE


Recentemente demonstrei (Edgar 1994: 100-3 e 1995), assim como outros
(Carrithers 1982; Charsley 1992), que o sonho é tanto culturalmente
formado, por meio de um processo de bricolagem, quanto entendido
simbolicamente em termos culturalmente específicos. Nessa análise,
procurei mostrar que, sem dúvida, o domínio pessoal mais remoto de todos,
o do sonho noturno, era suscetível a uma investigação de base cultural. À
medida que o estudo avançava, no entanto, fiquei cada vez mais ciente de que
os dados reais do sonho são inacessíveis, principalmente para aqueles no
grupo que ouvem o relato do trabalho onírico. Assim, questões de narração
no processo de tradução da imagem para um discurso cultural tornaram-se
primordiais na transformação da imagem em uma forma discursiva,
enquanto o próprio sonho tinha que permanecer um 'desconhecido' ou
númeno.
Usando a descrição de Kracke do sonho como uma "forma metafórica de
pensamento altamente condensada, visual ou sensorial" (1987: 38), a
interpretação dos sonhos pode ser vista como consistindo em vários estágios.
Há a lembrança do sonho pelo sonhador e a subsequente filtragem das
imagens originais no que Kracke (1987: 36) descreve como "processos de
pensamento centrados na linguagem". Essa filtragem de imagens no
pensamento é um ato de tradução que pode, na interpretação dos sonhos,
iniciar a construção do significado. A interpretação dos sonhos faz isso
relacionando as imagens visuais experimentadas com as categorias
cognitivas da cultura do sonhador. Tais categorias cognitivas carregam
implícitos modos de ordenar e sequenciar tempo e espaço, pessoa e ação que
inevitavelmente passam a definir e delimitar as leituras possíveis do texto ou
da narração. Portanto,
A borboleta do dente 73

artefato cultural no sentido de um conjunto culturalmente determinado de


signos relevantes” (1992: 88).
Analisar o processo de narrar o sonho em contexto de grupo revela o
seguinte processo interpretativo:

1 imagens de sonho;
2 narração de sonhos;
3 psicodinâmica da audiência onírica;
4 processo interpretativo;
5 relação da interpretação com o futuro do eu e do grupo.

Assim, a representação do sonho não pode ser considerada como o


'significado do sonho'. Seguindo Tedlock (1987), esses relatos de sonhos
foram inevitavelmente moldados pela teoria êmica dos sonhos e ocorreram
dentro do contexto da dinâmica cultural e interpessoal da narração dos
sonhos. No geral, então, a narrativa do sonho no grupo é significativamente
diferente da experiência original do material onírico. Mesmo em sua
rememoração, o imaginário se processa através das categorias e formas de
uma existência culturalmente construída. A associação e o embelezamento, a
censura, o desejo de privacidade e exibição influenciam a representação da
história do sonho. A dinâmica da audiência dos sonhos, o grau de confiança,
a amizade anterior, os valores compartilhados e o tempo juntos se combinam
na 'narração' e, portanto, na própria 'narrativa' (Genette 1988: 14). Assim,
não há texto de sonho final, original ou definitivo; em vez disso, a narrativa é
uma das muitas interpretações possíveis em um grupo e contexto cultural
poderosamente definidores.

ESTUDO DE CASO
Apresentarei agora dois exemplos de 'trabalho de sonho'3 dos três grupos de
trabalho de sonho de dez semanas dos quais fui co-líder. Estes grupos
tiveram a duração de duas a duas horas e meia e tiveram lugar entre
Setembro de 1989 e Junho de 1990. O recrutamento para o grupo foi feito
por publicidade local, boca a boca e através das redes de membros da agência
de formação de grupos independente local onde as sessões foram realizadas.
A literatura de recrutamento apenas sugeria que os membros potenciais do
grupo deveriam estar interessados em compartilhar seus sonhos. Não
entrevistamos ou selecionamos membros antes do início da primeira sessão
de cada um dos três grupos. Os grupos foram realizados nas dependências
dessa agência. A sala que usamos era distinta por não ter cadeiras, mas
apenas muitas almofadas grandes. O tamanho do grupo foi entre seis e doze
e incluiu homens e mulheres.
O programa do grupo geralmente começava com uma rodada
estruturada4 na qual os membros compartilhavam como estavam se
sentindo. Esta rodada de abertura proporcionou a oportunidade para os
membros começarem a relaxar, juntar-se ao grupo,
74 Iain R. Edgar

preocupações e compartilhar importantes eventos atuais em suas vidas. Os


participantes então dariam uma breve descrição de quaisquer sonhos que
tiveram e diriam se desejavam trabalhar em um sonho específico ou não.
Então o grupo escolheria dois ou três sonhos para considerar durante o resto
da noite. O método mais comum de trabalhar com um sonho era por sugestão,
discussão, associação e comparação. O grupo tentou ajudar o sonhador a
relacionar suas imagens oníricas com sua vida diurna atual, consciente.
Suplementávamos regularmente a discussão com técnicas de ação, como o
uso de exercícios de gestalt (particularmente uma identificação emocional
com diferentes partes do sonho), psicodrama, arte, meditação e visualização.
Cada sessão foi gravada em áudio para fins de pesquisa; membros tiveram
acesso às fitas,
Antes de apresentar ilustrações dos processos representativos envolvidos
na construção do significado a partir do sonho narrado e do imaginário
fantasioso, a teoria e a prática da gestalt, no que se refere ao trabalho com o
imaginário onírico, requer alguns comentários. A perspectiva da gestalt no
grupo era muito importante, sendo as técnicas da gestalt usadas
regularmente no trabalho com as imagens oníricas. Fitz Perls, o criador da
teoria da gestalt, rejeitou a noção de um inconsciente e concentrou-se em
uma preocupação com a pessoa 'entrar em contato com o aqui e agora' e
'estar em contato com seus sentimentos'. Os sonhos na teoria da gestalt são
"o caminho principal para a integração", em vez do "caminho principal para
o inconsciente" de Freud (Houston 1982: 44). Cada parte do sonho é vista
como uma parte da pessoa com a qual, potencialmente, eles podem entrar em
contato através do trabalho onírico. Mesmo uma parte insignificante de um
sonho é uma oportunidade para desenvolver uma maior integração
emocional dos vários aspectos do eu. A Gestalt-terapia é uma abordagem de
ação para reexperimentar o self em um sentido mais completo. Assim, no
trabalho onírico gestáltico, o sonhador é aconselhado a ver cada parte do
sonho como parte de si mesmo, e solicitado a se identificar emocionalmente
com a totalidade ou parte das imagens oníricas. Por isso, eles sempre falam
de seus sonhos no tempo presente – 'Eu sou o... '- ao invés de algo 'lá fora' e
impessoal. Decorrente da psicologia humanista, esta poderosa técnica tem
como objetivo o despertar pretendido de aspectos, experiências e emoções
negligenciadas e evitadas.
O processo evocativo entre sugestão e insight que leva a um conjunto de
entendimentos sobre o sonho por parte do sonhador pode ser visto na
discussão que se segue do seguinte sonho:

Eu fiquei na cama uma manhã… é apenas um sonho… é sobre meus


dentes… eles não são uma ansiedade constante, mas eu tenho medo de ter
meus dentes da frente quebrados… eu tenho coroas que eu sou
A borboleta do dente 75

autoconsciente de... o dentista no sonho colocou novos dentes... então


sinto alívio por ter dentes para cobrir as lacunas... então olho no espelho e
vejo que são os dentes da minha mãe... quando olho no espelho espelho eu
percebo que eles são mais acinzentados… isso parece bom por um tempo
até eu perceber que os novos dentes são muito mais acinzentados, o que
mostrará às pessoas que os dentes originais também eram coroas.

O seguinte é uma versão editada da discussão que se seguiu.5 D é o narrador


do sonho e Q, K, Z, J, A e U são membros do grupo:

D:Estou pensando em ficar sem dentes... em ficar cru eexposto e sobre as


pessoas saberem que há algo falso sobre você.
P:Ela mordeu?
D:Não se trata de morder… O dentista sabia que eram dentes de mãe…
minha relação com minha mãe é boa, mas distante… geralmente
sonhar com dentes é sobre seu próprio envelhecimento…
normalmente queda de dentes é sobre envelhecimento… há muito
sobre imagem e sobre ser real ... Eu tinha medo de quebrar os dentes
e aconteceu... Sofri um acidente de bicicleta e perdi os dentes da
frente... Muitas pessoas me visitaram e eu fiquei assustada por não
ter nenhum dente... Por que esse medo de não ter dentes? Istodeve
significar algo sobre não cuidar de mim mesma e se foi um acidente, tudo
bem tê-los perdido.

O narrador então fala sobre a feiúra de não ter dentes:

D:Algo está apodrecendo.


P:Como ser uma bruxa sem dentes.
D:Sim... eu estava feliz por ter os dentes da minha mãe ao invés de ser
desdentada... é triste ter acabado com algo que não está certo... eu lembro
da minha mãe tirando a dentadura da boca e limpando.... Eu não queria
os dentes da minha mãe... eu quero meus próprios dentes intactos... há
algo sobre fingimento... era um fingimento duplo... já que eu tinha as
coroas primeiro.
P:O que está sendo encoberto?
D: [risos]É sobre não ser sincero... sobre fingir ser algo que não sou... fingir
ser mais inteiro... mais perfeito do que sou.
P:Colocando em uma boa frente.
D:Isso realmente se encaixa com o trabalho... É sobre a fachada... sobre fingir
estar junto... é sobre esse trabalho que eu deveria estar fazendo... Eu não
tenho me sentido juntos lidando com todos os outros em crise
emocional.
P:É sobre ser forte.
76 Iain R. Edgar

D:No trabalho, trata-se de mim cuidando de todos os outros... e quem


cuida de mim?

D fala sobre seu sentimento de fingir e de 'ser forte' no trabalho. Não há


nenhum lugar no trabalho para ela explorar isso... nenhum lugar para ela
chamar atenção:

D:Há um limite para quanto tempo eu posso continuar fingindo... Eu tive uma
verdadeira batalha para que a gerência percebesse que os trabalhadores
precisavam de seu próprio apoio... Eu sinto que a gerência não me apoiou
ou entendeu essas necessidades... às vezes eu me culpo e acho que devo
ser capaz de administrar.
K:Eu sinto que D teve que usar (a máscara) para todos os outros... como você
está usando os dentes... você está usando para todos os outros no local
de trabalho.
A partir de:Você é o único 'aparecendo' [como os dentes].
D:É exatamente assim... Sinto que estou levando isso para os 'consumidores'
e, para mudar a situação, tive que ser muito real comigo mesmo... e com
pessoas que não senti que responderam com simpatia.
P:Você tem que ser mãe?
D:Sim... eu tenho que ser mãe de todo mundo... é assim que parece... e
ainda assim não sei como parar.
J: A imagem de morder está passando para mim... isso é o oposto de nutrir...
suavidade.
UMA:É como o carinho que eu realmente sinto falta... Eu também não estou
me preocupando muito comigo mesmo... mas há essa súbita onda de
raiva... é o ressentimento sobre dar e não receber de volta... e a falta de
resposta de outras pessoas.

D então fala sobre o dentista e sua sensação de que ela está recebendo o
segundo melhor em relação aos dentes no sonho:

P:Assim como na organização.


D:Eles não são bons o suficiente... tanto os dentes quanto o suporte de
trabalho são de má qualidade... segundo melhor... de má qualidade...
encaixa, mas não é muito bom.

D continua falando sobre não ser feliz em geral no trabalho e um membro


sugere que os dentes da 'mãe' são invasivos de alguma forma:

D:O que eu posso pegar lá é a parte invasiva... sobre limites... eu me sinto


realmente sobrecarregado e não há para onde ir... um amigo está
hospedado comigo e fez revelações dramáticas sobre seu Y
[referência alterada]... também alguém que eu conheço foi atacado
[referência alterada] isso simbolizou a gota d'água para mim...
A borboleta do dente 77

pouco de invasividade simbolizava para mim o lado terrível da


humanidade... parece ser esmagador e estou me sentindo oprimido por
isso.
A partir de:Como podemos resolver isso a tempo e preparar D para deixar o
grupo esta noite?
D:Quando penso nisso, fico com raiva e não acho que seja bom o
suficiente... estou com raiva... é muito difícil para mim ficar com
raiva... sinto que é difícil confrontar... dizer que quero e mereço algo
melhor … Eu sinto que ele [o dentista] está fazendo o seu melhor, mas
não é bom o suficiente.

D então fala com o 'dentista' através de um exercício de gestalt:

D:Eu não confio em você o suficiente para realmente me dar alguns dentes
bonitos. Eu quero alguns dentes realmente esplêndidos... Eu posso ter as
melhores coroas do mundo.
TU:Você vai pedir para ele fazer isso ou ir para outro lugar?
D:Eu não confio nele, mas parece realmente ameaçador ir para outro lugar e
começar tudo de novo e correr esse grande risco… e todos esses
dentistas são homens! Meu dentista de verdade é muito legal... então é
sobre não se contentar com coisas que não são boas o suficiente.

Nesta grande discussão sobre o 'significado' do sonho e de como suas


imagens podem se relacionar com a 'realidade', há um processo de
questionamento e sugestão e o desenvolvimento gradual do insight para o
sonhador. Que isso não é, no entanto, resultado puramente de sugestão dos
membros do grupo é mostrado no início, quando o sonhador rejeita a via de
investigação sugerida pela pergunta: "Ela mordeu?" A sonhadora conhece a
conexão "típica" dos dentes com o envelhecimento, mas não aborda esse
tema em relação ao seu próprio processo de envelhecimento. Em vez disso,
ela conecta a imposição dos dentes com a perda de dentes em um acidente e
concentra-se no tema da 'falsidade' dos dentes. Em seguida, ela fala sobre
falsidade e, em resposta a uma pergunta sobre 'o que está sendo encoberto?'
fala sobre colocar uma 'frente' no trabalho. A ideia de uma 'frente' é sugerida
por um membro e o sonhador reconhece como isso realmente 'encaixa com
o trabalho'. O próximo estágio vê a sonhadora compartilhando sua percepção
de que está 'sendo forte' para outras pessoas no trabalho, particularmente
outros trabalhadores. O símbolo dos 'dentes' agora está explicitamente
conectado com o da 'máscara' ou 'persona'. Em resposta à pergunta 'você tem
que ser mãe?', o sonhador responde: 'Sim, eu tenho que ser mãe de todo o
mundo'. A sonhadora aqui está se identificando com a "maternidade" dos
dentes sendo inseridos em sua boca no sonho e reconhece que é assim que
ela se sente em seu ambiente de trabalho. Seguindo uma sugestão de que 'os
limites estão sendo invadidos' (ou seja, os dentes postiços da mãe em sua
boca), o nível final de interpretação alcançado é que sentimentos de estar
sobrecarregado por eventos no mundo, o mundo patriarcal, são manifestos.
Os sentimentos de raiva são
78 Iain R. Edgar

articulada e, finalmente, o sonhador é facilitado a afirmar seu valor de


'primeira classe' e seu direito de ter dentes de primeira classe encaixados.
Este exemplo ilustra muito bem a progressão do insight através de
diferentes níveis. A imagem dos 'dentes' transforma-se em serem vistos
como representando a 'frente' ou 'persona' (originalmente a persona era
uma formulação junguiana). A palavra 'persona' então é expandida para se
referir a 'maternidade', talvez 'maternidade inadequada', e, finalmente, a
identificação com 'maternidade' muda para uma articulação feminista de
raiva pelo abuso patriarcal. A resolução é alcançada através da auto-
afirmação.
Mas qualquer um desses níveis de insight, que se expandem
referencialmente do pessoal para o global, pode ser visto pelo grupo como
equivalente ao 'significado' para o sonhador, pois em todos os estágios o
'sentido' está sendo derivado do 'absurdo' do o sonho. Uma série de temas,
ligados a eventos de vida, foi derivada de imagens: por referência a dados
biográficos o contexto físico dos dentes como estando na 'frente' da boca
equivale a ser uma 'frente social' para os outros também como sendo um
equipamento funcional para a mastigação de alimentos. Mas essa
compreensão do símbolo dos 'dentes' depende de um simbolismo público e
culturalmente específico que avalia o significado dos dentes, e
particularmente a natureza de gênero dos dentes 'atrativos', de certas
maneiras. Na cultura ocidentalizada, os dentes são percebidos como uma
parte muito importante de nossa frente social para o mundo, como
evidenciado pela quantidade de odontologia estética (Nettleton 1992: 18-
28). A imagem da 'mãe' neste sonho é, em contraste, contextualizada
pessoalmente, mas a sonhadora afirma que 'sua relação com a mãe é boa' e
que esse possível caminho para exploração não é perseguido. O símbolo da
'mãe' é então conectado com um contexto social e seu conjunto 'esmagador'
de sentimentos de responsabilidade pelos outros em seu local de trabalho. A
identificação cultural de cuidado e responsabilidade pelos outros com o
símbolo da 'mãe' é interpretada criticamente. Não é um aspecto gratificante
do eu do sonhador, mas sim um conjunto de respostas adquirido
inadequadamente do qual ele gostaria de se desfazer.
Há aqui uma tradução da mãe pessoal para a mãe "arquetípica" (Jung
1959: 81). Como afirma Jung, todos os arquétipos têm um aspecto
potencialmente positivo e negativo e, neste exemplo, uma representação
negativa, ou parcialmente negativa, desse conjunto de sentimentos e papéis
identifica esse arquétipo para o sonhador. Nesse cenário do grupo de sonhos,
a sonhadora conclui com uma crítica feminista de si mesma, por ter adotado
uma persona tão 'falsa' e por se identificar com um papel de 'mãe' tão
inapropriado em relação ao mundo. No entanto, sua autocrítica é desviada,
expandida e reorientada para uma raiva generalizada em relação ao abuso e
à rapacidade do homem nesta sociedade. A conclusão é auto-afirmativa,
afirmando sua individualidade autônoma e seus direitos ao melhor.
A borboleta do dente 79

a representação depende de uma série de transformações engendradas pela


interação do sonhador com o grupo: dentes = frente = maternidade = falta de
autocuidado = raiva dos homens = afirmação de si.

ANÁLISE BINÁRIA: REPRESENTANDO O


RELATÓRIO DE SONHO
O próximo exemplo é outro sonho de 'dente':

Na igreja no ensaio do coral está o vigário e eu e mais dois cantores e estou


esperando que comece... um preenchimento em um molar inferior e um
preenchimento em um molar superior e eles estão se tocando... e então eu
percebo que há um pedaço de metal descendo... [T começa a chorar um
pouco] e, na verdade, ele desce e fica preso no inferior e ainda estou
apertando e abrindo minha mandíbula... e estou quase tentando o destino
apertando cada vez mais para ver se um gancho de metal vai prender no
molar inferior e eu faço isso e com certeza eu faço até que eles se encaixem
e a única maneira de abrir minha mandíbula é puxando o recheio de baixo
e eu meio que vou... [faz barulho] e o dente embaixo se desintegra e toda
a bocaparece cheio de pedaços... e estou saindo da igreja e entrando em
uma pequena sala e me olho no espelho... e há um enorme preenchimento
em uma carga de pedaços e algumas horas depois... tenho a sensação de
algumas horas mais tarde… ainda há alguns pedaços de dente saindo e é
horrível e a tensão é horrível e eu tenho essa coisa de metal na minha boca
e eu tive um sonho anterior sobre folha de prata na minha boca e não é o
dor física é a tensão... esperando quase um choque físico.

Ao sonhador é oferecida a oportunidade de 'ser os dentes quebradiços'. Ela


não quer fazer isso, e outro membro 'duplica'6 e assim age como se ela fosse
a sonhadora: T representa a sonhadora. TT é o 'duplo' do sonhador (T).

TT:Estou caindo… estou perdendo o controle e estou muito inseguro e


vacilante e meu contato com o tecido vivo… me pare se isso não estiver
certo… estou caindo na boca de T… e desisti… sou inútil .
T:Obrigado, é realmente útil ver… o que eu acho realmente difícil é o metal e
a dureza do dente e a suavidade da boca e isso realmente me abala e
deixa meus dentes no limite. Algo sacode todo o meu ser e é toda a ideia
de comer chiclete e um amigo chegando e mastigando o quadro de
80 Iain R. Edgar

os dentes e esperar que fosse mole… é a coisa dura/mole… horrível


mesmo.
Y:Não há dor em torno disso está lá?
T:Não é a dor física é o trauma... mesmo com o papel alumínio no dente...
não é a dor que é... [ela fica em silêncio].
X:As coisas parecem inseguras com seus dentes caindo… e a qualquer
minuto algo vai acontecer.
T:Você está quase se tensionando para que algo aconteça.
P:É como se fosse um corpo estranho na suavidade de sua boca que não
deveria estar lá... é como se você estivesse colocando-o em seu teste
final... para ver como será e eu me pergunto onde esse gancho está
chegando a partir de.
T:Saiu da obturação... tem um gancho no molar superior... meio que
cresceu descendo e ficou muito pequeno [demonstra].
Y:O que te fez chorar?
T:Quando eu estava falando sobre o metal no dente. [T ainda está
estremecendo e chateado].
P:Você quer olhar para esses dois lados de si mesmo... o duro e o macio?
T:Eu reconheço que tenho ambos os lados em mim... nos últimos meses eu
cheguei a um acordo com o meu lado mais sombrio e o reconheci...
dando-lhe mais espaço como o lado suave... dizendo 'nós nos amamos,
não é?' … Já fiquei com raiva e falei coisas mais difíceis do que o
normal… isso é a coisa suave / dura?… Sim… como o lado suave é o lado
mais complacente e o lado duro diz não… na verdade isso me irrita há
muitos anos…. Eu tinha medo de expressar sentimentos que não eram
positivos e é novo sentir que está tudo bem e que posso me relacionar
com o duro e o suave…
EU:Isso é racional, mas e o horror do metal nos dentes... você pode associar a
imagem com qualquer outra coisa lá fora?
T:Eu fiz uma conexão ontem... na noite anterior ao sonho eu tive
umexperiência de uns meninos barrando o caminho enquanto eu
andava de bicicleta e um deles agarrou meu bumbum… e hoje eu fiz
essa conexão e eu estava pedalando alegremente e vi esses quatro
meninos e me joguei de cabeça na situação… e depois fiquei bastante
abalado… tive que descer da moto e me senti bastante vulnerável… e
isso me abalou e então tive o sonho naquela noite.
F:Você disse que deveria ter previsto.
T:Eu estava falando sobre isso e senti que não era o culpado e fiquei muito
bravo com isso [ainda chorando um pouco] por que eu deveria ter
que olhar para fora o tempo todo... por que eu posso me sentir
aberto?

Um membro então sugere que ela está fazendo uma conexão entre a 'falha'
A borboleta do dente 81

em seu sonho do dente e o incidente com risco de vida real. A sonhadora diz
que não tem certeza se os dois estão relacionados.

T:Não tenho certeza se o sonho está relacionado a este incidente.

Aqui a sonhadora expressa sua preocupação de que a possível conexão


interpretativa seja ilusória. Seguiu-se uma discussão sobre se T se sente
possivelmente culpado. T não afirma essa hipótese e o diálogo continua:

P: [Fala sobre como ser enfermeira]você se sente responsável por seu assédio
sexual.
T: [Fala sobre por que se sente assim]vulneráveis quando têm apenas treze
anos... quando estou realmente abalada são meus dentes que tremem de
medo, daí a conexão entre o medo dos meninos e o sonho do dente?
EU:Assim, os dentes estão 'em guarda' como uma porta levadiça.

Então, a sonhadora, decidindo 'trabalhar' nessa avenida interpretativa de


inspiração feminista, opta por encenar seus sentimentos e falar com os
garotos assediadores e usa uma almofada para expressar seus sentimentos
de maneira catártica. Outros membros 'double' para ela:

F: [Gritos para os meninos (interpretando 'ser T')]Vá embora, me deixe em


paz... tire suas patas imundas do meu traseiro.
T: [Diz que eles vão continuar]'ousada' [(para invadir seu espaço) e (em
lágrimas)]
Não me sinto forte o suficiente... ainda me sinto muito pequena e
vulnerável.
T: [saindo do drama agora]Eu sinto quando vocês dois estão falando que é
penetrantemente real e eu quero falar com eles assim, mas não tenho
forças para dizer... . [Outro membro pergunta a T] Você pode dizer a
esses garotos calmamente o que você sente?
T: [Faz isso.]
P: [Torna-se os meninos dizendo (como meninos)]Nós demos boas
risadas... você estava muito fofo vindo lá.
T:Eu não estou aqui para parecer bonito para você... Estou aqui apenas para
viver minha vida... Eu deveria ser capaz de fazer o que eu quero.
P:Eu não quis te fazer mal... foi uma boa risada.
T:Mas você se intrometeu.

A discussão continua com a expressão de raiva em relação a essas crianças e,


em seguida, uma discussão sobre como as mulheres podem se proteger de tal
assédio verbal e físico.
Neste exemplo o grupo desenvolve uma análise estruturalista
embrionária que consiste em oposições ligadas por analogia e homologia, e
utilizarei a análise binária como forma de estruturar e tornar inteligível o
82 Iain R. Edgar

fluxo interpretativo da discussão acima. A adequação de tal abordagem está


em sua ressonância com a maneira como o narrador e o grupo começaram a
estruturar suas próprias explicações e associações com o imaginário do
sonho narrado. Na medida em que estou definindo e contextualizando essa
perspectiva articulada em grupo, estou misturando uma perspectiva êmica
e ética. Vários processos interpretativos ocorrem no grupo. Na primeira
sequência o grupo facilita a conexão com o imaginário do sonho de forma
subjetiva. Acredita-se que as imagens se refiram à dualidade ou conjunto de
opostos dentro da personalidade do sonhador. A principal oposição é a de
hard/soft. Na discussão das imagens oníricas, desenvolve-se a oposição
entre os dentes duros e os tecidos moles; e entre o dente 'natural' e a
obturação de metal 'não natural'. A oposição entre a boca mole e o dente
duro é desenvolvida por um convite de um membro do grupo para que a
sonhadora veja essa oposição como uma referência aos dois lados de si
mesma, o lado macio e o duro. A sonhadora aceita essa sugestão em termos
da tensão entre seu lado amoroso, carinhoso e nutridor e seu lado assertivo,
o lado
que é capaz de lidar com conflitos e pode expressar sentimentos difíceis:

o suave é o lado mais complacente e o lado duro diz que não!... eu tinha
medo de expressar sentimentos que não eram positivos... eu consigo
relacionar o lado duro e o suave... o lado acomodado e o não acomodado.

O sonhador então re-expressa essa oposição em termos de 'acomodação' e


'não acomodação'. Nesse ponto, o sonhador declara uma possível conexão
entre as imagens oníricas daquela noite e a experiência perturbadora do dia
anterior. A princípio ela declara que essa conexão pode não estar realmente
relacionada ao imaginário, não havendo um 'gancho' claro para a projeção.
No entanto, logo depois, ela identifica a conexão em termos de sentir que seus
dentes tremem de medo e, para ela, isso estabelece a conexão entre os
'dentes' e a experiência assustadora do dia anterior. Com essas informações,
o grupo sai do formato interpretativo anterior, um modo mais gestáltico, e
assume uma postura mais social e política, até feminista, em relação à
retomada do espaço físico para todas as pessoas e principalmente para as
mulheres. Os 'dentes em ruínas' em um ponto se tornam uma metáfora para
sua atual não assertiva e 'eu em ruínas' e se transforma, na encenação que se
segue, em uma voz assertiva que reivindica seus direitos e expõe suas críticas
aos meninos. Outras oposições surgiram então: masculino/feminino;
perigo/segurança. A oposição entre dentro/fora torna-se uma analogia em
dois níveis: entre o eu acomodador/eu não acomodador e também o eu
feminista/não-feminista; passividade e assertividade também são
polarizadas. No entanto, a oposição dentro/fora também ressoa com as
possibilidades de uma referência interpretativa subjetiva/objetiva7 para o
próprio sonho. De modo geral, na dinâmica da discussão em grupo em que o
sonho é retomado e na encenação que se seguiu, em uma voz assertiva que
reivindica seus direitos e expõe suas críticas aos meninos. Outras oposições
surgiram então: masculino/feminino; perigo/segurança. A oposição entre
dentro/fora torna-se uma analogia em dois níveis: entre o eu acomodador/eu
não acomodador e também o eu feminista/não-feminista; passividade e
assertividade também são polarizadas. No entanto, a oposição dentro/fora
também ressoa com as possibilidades de uma referência interpretativa
subjetiva/objetiva7 para o próprio sonho. De modo geral, na dinâmica da
discussão em grupo em que o sonho é retomado e na encenação que se
seguiu, em uma voz assertiva que reivindica seus direitos e expõe suas
críticas aos meninos. Outras oposições surgiram então: masculino/feminino;
perigo/segurança. A oposição entre dentro/fora torna-se uma analogia em
dois níveis: entre o eu acomodador/eu não acomodador e também o eu
feminista/não-feminista; passividade e assertividade também são
polarizadas. No entanto, a oposição dentro/fora também ressoa com as
possibilidades de uma referência interpretativa subjetiva/objetiva7 para o
próprio sonho. De modo geral, na dinâmica da discussão em grupo em que o
sonho é retomado e A oposição entre dentro/fora torna-se uma analogia em
dois níveis: entre o eu acomodador/eu não acomodador e também o eu
feminista/não-feminista; passividade e assertividade também são
polarizadas. No entanto, a oposição dentro/fora também ressoa com as
possibilidades de uma referência interpretativa subjetiva/objetiva7 para o
próprio sonho. De modo geral, na dinâmica da discussão em grupo em que o
sonho é retomado e A oposição entre dentro/fora torna-se uma analogia em
dois níveis: entre o eu acomodador/eu não acomodador e também o eu
feminista/não-feminista; passividade e assertividade também são
polarizadas. No entanto, a oposição dentro/fora também ressoa com as
possibilidades de uma referência interpretativa subjetiva/objetiva7 para o
próprio sonho. De modo geral, na dinâmica da discussão em grupo em que o
sonho é retomado e
A borboleta do dente 83

representado, um sistema de classificação binária emerge através de sua


articulação:

• Boca macia: metal duro


• Natural: não natural
• Natureza suave: natureza dura
• Disposição acomodatícia: disposição não acomodatícia
• Dentro fora
• Desmoronar: difícil
• Feminino: masculino
• Feminista: não feminista
• Referentes internos: referências externas
• Psique: mundo

Ligados por homologia e analogia (Needham 1979: 66), esse conjunto de


oposições é evidente no texto. No entanto, a mudança de atitude e a
afirmação do eu estão literalmente sendo encenadas nesta representação
dramática de uma boca em ruínas e um incidente de assédio. O eu
acomodador suave, passivo e não assertivo é transformado em um eu
assertivo. Na entrevista individual com essa integrante, após o grupo, ela
concordou que o grupo havia afetado sua vida. Ela disse: 'Ah, sim,
particularmente em minha reação ao conflito... isso enfatizou minha evitação
de conflito... e me fez valorizar o confronto com o conflito.'

CONCLUSÃO
Ambos os exemplos de trabalho onírico ilustram os processos
representacionais envolvidos em tornar uma experiência visual significativa
por meio da dinâmica da narração, do processo grupal e do jogo metafórico
com o significado que se tornou a marca registrada do estilo interpretativo
desse grupo. O uso de oposições binárias no último exemplo demonstra o
sistema de dualismo epistemológico embutido na própria cognição ocidental.
Além disso, em ambos os exemplos do grupo de trabalho dos sonhos há
evidência de uma perspectiva amplamente feminista sobre o processo de
trabalho dos sonhos, e fica claro que a imagem do sonho é desenvolvida e
transformada pelo grupo para “significar” o que quer que o sonhador e o
grupo queiram.
Eu argumentaria, portanto, que esses exemplos ilustram claramente a
reformulação cultural do sonho e das imagens visuais dentro e através do
processo grupal. O significado é criado, o eu é representado e inventado em
roupas novas e muitas vezes perturbadoras. A consciência torna-se sua
imagem e abre novos campos de potencial conexão mental e afetiva. Esses
novos campos, abrangendo tanto a mente do narrador quanto a consciência
do grupo, não são, no entanto, ilimitados. O significado não é evocado fora de
seu contexto. As possibilidades interpretativas são aquelas já
84 Iain R. Edgar

dormente no repertório da sociedade moderna de significado potencial para


objetos materiais e processos culturais. Um dente, embora capaz nesses
grupos de se tornar uma metáfora vivida, evocando, simbolizando e
representando uma identidade e relacionamento pessoal de gênero,
permanece um dente firmemente dentro dos termos normalmente
entendidos na sociedade. Os processos interpretativos e representacionais
registrados são culturalmente contextualizados e pertinentes à nossa
sociedade moderna ou pós-moderna, não a qualquer sociedade (ver Layton,
Capítulo 8 deste volume).
Neste capítulo, procurei mostrar como uma perspectiva de inspiração
feminista evocou uma realidade cultural particular para os membros do
grupo; um sentido feminista surgido de um absurdo surreal. Tal análise
processual da geração de um texto social pode ser transferida também para
a produção do próprio texto etnográfico, como Josephides (capítulo 2 deste
volume) faz. A questão que surge então para a aventura antropológica de
representar o “outro” é até que ponto o texto final escrito ou visual é o
resultado de uma negociação de significado semelhante, embora geralmente
não registrada, por meio da interação e do diálogo com outros significativos,
dentro e fora do original. contexto do trabalho de campo. Além disso, se o
repertório de significados possíveis é culturalmente específico, quão sensível
a esses significados pode ser uma antropologia que não está 'em casa'?
Finalmente, pode-se perguntar se um estudo antropológico pretendido dos
conteúdos 'visíveis' do inconsciente levanta quaisquer questões
representacionais separadas e diferentes. Eu argumentaria, neste ponto, que
tal 'psicoetnografia' (Obeyesekere 1990: xix) é necessariamente limitada à
observação e compreensão de narrativas públicas cujos referentes são
culturalmente formulados e imaginativamente reinterpretados tanto pelos
participantes quanto pelo antropólogo.
Capítulo 6

Cruzando uma divisão representativa


De oeste a leste na etnografia escocesa

Jane Nadel-Klein

PRÓLOGO
Tal como acontece com a etnografia europeísta, o campo de estudo para a
antropologia da Escócia não é auto-evidente. Em suma, é disso que trata a
questão da representação. Toda a disciplina, e suas muitas encarnações
regionais, ampliou sua compreensão do que constitui seu assunto. Uma parte
necessária do estudo de qualquer pessoa agora inclui nosso relacionamento
pessoal e disciplinar com elas. O argumento seminal de Herzfeld em
Anthropology Through the Looking Glass (1987b) convidou os europeístas a
considerar a questão de como a teoria antropológica foi construída em
relação às nossas práticas etnográficas, sugerindo que nossa escolha de locais
de campo replica as suposições que fazemos sobre familiaridade e alteridade.
Neste capítulo, quero considerar como os etnógrafos representaram a
Escócia e, em particular, como a divisão convencional da Escócia em 'vocês
hielands e ye terras baixas' condicionou nossa perspectiva. Essa divisão – tão
famosa na música, na história e no guia turístico – se materializou em nossos
relatos por uma atenção desproporcional ao norte e oeste do país, ou seja, as
Terras Altas e Ilhas. E foi reforçado, não por uma intenção consciente, mas
pela ausência de fato de um discurso que vincule e envolva as várias
etnografias das comunidades escocesas em uma discussão mais ampla. Essa
divisão é, portanto, estranhamente paralela à visão turística popular
incorporada em um folheto de viagem recente: história e guia turístico —
tornou-se materializado em nossos relatos por uma atenção desproporcional
ao norte e oeste do país, ou seja, as Terras Altas e Ilhas. E foi reforçado, não
por uma intenção consciente, mas pela ausência de fato de um discurso que
vincule e envolva as várias etnografias das comunidades escocesas em uma
discussão mais ampla. Essa divisão é, portanto, estranhamente paralela à
visão turística popular incorporada em um folheto de viagem recente:
história e guia turístico — tornou-se materializado em nossos relatos por
uma atenção desproporcional ao norte e oeste do país, ou seja, as Terras Altas
e Ilhas. E foi reforçado, não por uma intenção consciente, mas pela ausência
de fato de um discurso que vincule e envolva as várias etnografias das
comunidades escocesas em uma discussão mais ampla. Essa divisão é,
portanto, estranhamente paralela à visão turística popular incorporada em
um folheto de viagem recente:
Para muitas pessoas, o norte da Escócia simboliza sua imagem do país
como um todo. Montanhas, urze, kilts e uísque são apenas alguns dos
ingredientes que contribuem para o encanto magnético das Terras Altas.
('Férias de golfe na Escócia')

A discussão que falta pode, portanto, ser chamada de “antropologia da


Escócia”. Não é sempre que se ouve tal referência.1 Talvez seja simplesmente
porque menos trabalho foi feito lá do que em outros países europeus
Atravessando uma divisão
representacional 87

regiões. No entanto, algo mais complexo e sutil está envolvido aqui em


relação à questão de como os antropólogos representaram a Escócia não
apenas para os outros, mas também para eles mesmos. Fiquei bem ciente da
possibilidade de que 'Escócia' pudesse implicar uma representação
significativamente incompleta recentemente, quando um colega inglês, ao
saber que eu pesquisava na Escócia, perguntou sobre onde nas Highlands eu
trabalhava. Aparentemente, um local de campo de Lowland era inconcebível.
Não são apenas os antropólogos que carregam o peso desse problema
representacional. No caso da Escócia – um país que tem sido caracterizado
por todos os tipos de construções regionais sobre o que significa ser escocês
– a representação é central para os debates identitários nos níveis local,
regional e nacional. A antropologia da Escócia exige a exploração dessas
posições conflitantes sobre a 'escocês' e seus domínios.
Os antropólogos normalmente não têm vergonha de declarar
especialidades de área: nas reuniões anuais da American Anthropological
Association, redes de etnógrafos organizam encontros sob rubricas como
“Etnografia Britânica e Irlandesa”, “Grupo de Pesquisa Húngaro” ou “Europa
Oriental”. O discurso mediterrâneo tem uma longa história e gerou um
debate considerável, não apenas sobre se o complexo honra/vergonha
caracteriza verdadeiramente o Mediterrâneo, mas sobre a utilidade do
próprio conceito de área de cultura (Boissevain 1979; Brandes 1987; Davis
1977; Gilmore 1982; 1987; Goddard e outros 1994; Herzfeld 1987a, 1987b;
Peristiany 1965; de Pina Cabral 1989). E agora a antropologia da nascente
União Européia está surgindo (Boissevain 1994; Shore and Black 1995;
Wilson e Smith 1993).
Praticamente e teoricamente falando, uma 'antropologia' é acima de tudo
um dispositivo heurístico, uma estrutura ampla - neste caso, regional - que
permite comparação e conexão, talvez mais frutífera dentro da própria
região. Para falar sobre a marginalização agrícola na Escócia, por exemplo,
seria desejável poder comparar as experiências de, digamos, arrendatários
das Hébridas e agricultores das planícies do nordeste. Ter “uma
antropologia” pressupõe algum consenso sobre o que está incluído – ou pelo
menos sobre o que discutir. Por exemplo, para falar sobre uma antropologia
da Escócia deve haver um grau de diálogo autoconsciente entre os
etnógrafos; uma proposta, um questionamento e uma crítica de tal
empreendimento, um envolvimento com estruturas e problemas
institucionais pan-escoceses,
Eu argumentaria que tal antropologia ainda não foi totalmente articulada,
apesar do comentário feito por Condry em seu 'Report on Scottish
Ethnography' sobre a crença do Social Science Research Council de que
88 Jane Nadel-Klein

"A Escócia era um campo de particular relevância para a antropologia social,


pois continha muitas comunidades isoladas de pequena escala que seriam
melhor estudadas pelas técnicas detalhadas do método antropológico"
(Condry 1983: i). (Essa visão bastante antiquada do que os antropólogos
fazem de melhor pode ser parte do problema, se é assim que os projetos são
financiados.) Essa falha de coerência na antropologia escocesa se deve, até
certo ponto, à nossa própria etnografia localizada — e regionalizada. práticas
em pesquisar e escrever sobre a Escócia.2 É claro que os etnógrafos
percorreram um longo caminho desde os dias em que estudos comunitários
funcionalistas, "limitados" ou a-históricos eram prática padrão. Os críticos
dessa abordagem tornaram impossível agora para qualquer pessoa
descrever com sucesso qualquer localidade como isolada ou como
'tradicional' (Bell e Newby 1971; Brody 1974; Ennew 1980). E, de fato,
etnógrafos que trabalham na Escócia hoje, como Parman (1990) nas Ilhas
Ocidentais, Cohen (1987) em Shetland ou Neville (1994) nas Fronteiras,
tiveram grande cuidado em contextualizar os processos sociais que
descrevem e analisam em contextos regionais. e até mesmo termos globais.
O que ainda falta, no entanto, é um discurso que vincule nossas várias
produções etnográficas através desse abismo simbólico escocês conhecido
como divisão Highland / Lowland.
Tal discurso poderia começar fazendo perguntas como: Até que ponto e de
que maneira a 'Escócia' é um espaço e símbolo significativo para os estudos
etnográficos contemporâneos? Como as identidades das Terras Altas e Baixas
se constroem mutuamente através da divisão como espaços culturais
significativos? A 'Escócia' significa coisas diferentes no final do século XX
para os Highlanders do que para os Lowlanders? Além da óbvia importância
do nacionalismo político para os eleitores escoceses (favoráveis ou não),
como a Escócia é imaginativamente construída por aqueles que vivem dentro
dela (Anderson 1983)? Como a iconografia do 'kitsch tartan' (Nairn 1977),
infinitamente reproduzida pela indústria turística escocesa, foi recebida nos
lares e conversas escocesas? Como as identidades locais respondem às
identidades regionais, questões nacionais e europeias? Estas e outras
questões relacionadas tornam-se ainda mais relevantes quando colocadas no
contexto dos atuais debates sobre o futuro cultural da União Europeia
(Parman 1993; Shore 1993; Wilson 1993), bem como a emergência do que
Stolcke (1995: 4) chama de 'fundamentalismo cultural' nos discursos
relativos à inclusão e exclusão de imigrantes. É claramente necessário
explorar a dinâmica das relações animadoras entre as identidades
multiplamente incorporadas e interdigitantes de povos que agora estão
sendo solicitados a contemplar uma 'europeidade' renovada e redefinida
(S.Macdonald 1993; M.McDonald 1993). 4) chama de 'fundamentalismo
cultural' nos discursos relativos à inclusão e exclusão de imigrantes. É
claramente necessário explorar a dinâmica das relações animadoras entre as
identidades multiplamente incorporadas e interdigitantes de povos que
agora estão sendo solicitados a contemplar uma 'europeidade' renovada e
redefinida (S.Macdonald 1993; M.McDonald 1993). 4) chama de
'fundamentalismo cultural' nos discursos relativos à inclusão e exclusão de
imigrantes. É claramente necessário explorar a dinâmica das relações
animadoras entre as identidades multiplamente incorporadas e
interdigitantes de povos que agora estão sendo solicitados a contemplar uma
'europeidade' renovada e redefinida (S.Macdonald 1993; M.McDonald 1993).
A questão de uma antropologia escocesa não é resolvida, eu argumentaria,
descartando a própria "Escócia" como uma "generalidade não sociológica"
(Cohen 1978: 130). Por um lado, toda explicação na ciência social requer uma
certa medida de abstração. Afinal, é isso que diferencia
Atravessando uma divisão
representacional 89

conhecimento da prática cotidiana. A questão é quais generalidades são mais


ou menos úteis do que outras. Nisso sigo Quigley (Capítulo 7 deste volume),
que também argumenta contra o descarte de bebês com efluentes; isto é, de
descartar conceitos (no seu caso, a categoria contenciosa de casta) por
completo porque eles foram sujeitos a uso indevido, má interpretação ou
essencialização. Certamente eu concordaria que há um perigo em reificar
qualquer entidade cívica como uma coletividade cultural ou em ver
fronteiras fixas e impermeáveis onde não existem. Mas 'Escócia' parece ser
um conceito bastante significativo para muitas das pessoas que vivem ao
norte do rio Tweed, para não mencionar os milhões de seus parentes que
vivem em todo o mundo. Uma indústria turística em expansão está lucrando
precisamente com o apelo desse conceito. Isso também não se limita ao
marketing da própria Escócia. Não faltam tentativas de replicar pequenas
versões da pátria em jogos das Highlands e feiras escocesas em toda a
América do Norte. Por esta razão, a 'Escócia', como intersecção de muitas
representações, é um objeto digno de consideração antropológica.
Além disso, como Cheater e Hopa apontam (Capítulo 13 deste volume), há
uma dimensão ética nos debates representacionais em que nos envolvemos:
os etnógrafos têm a responsabilidade de reconhecer suas próprias
autorrepresentações em um mundo real de contestação. representações da
identidade como um processo político', quer optemos ou não por vê-los como
'modelos populares' (p. 220; ver também Holy e Stuchlik 1981; Shore e Black
1995). Que os significados da Escócia sejam fluidos, múltiplos, variáveis,
contestados e estratégicos não significa que podemos ignorá-los
completamente e nos refugiar no localismo. De qualquer forma, os perigos
representacionais espreitam lá também. Como Knight (1994: 215)
argumenta,

É certo que a nação, em virtude do poder institucional do Estado, é uma


fonte fundamental de representações essencializadas na sociedade. Isso
não deve, no entanto, obscurecer o fato de que tais representações são
encontradas também em outros níveis sociais.

Não podemos observar a 'Escócia' diretamente. Qualquer análise


antropológica está sujeita a uma versão do princípio da incerteza de
Heisenberg, a saber, que a identidade que estamos explorando se altera em
virtude de nossa intervenção, por mais delicada que seja. A isso podemos
acrescentar um fator adicional, que nenhuma identidade jamais permanece
parada. Por isso, devemos pelo menos (1) nos esforçar para ver o máximo
possível de seus aspectos, de tantas posições quanto possível; e (2)
representar a Escócia como um conjunto de argumentos articulados, e não
como afirmações independentes. Assim, nos termos estabelecidos pelo
Rapport neste volume, esse esforço deve melhorar substancialmente e
expandir nossas habilidades de conversação com aqueles que estudamos,
bem como entre nós mesmos. Além disso, isso deve aumentar o interesse e a
relevância dos "estudos escoceses" para os europeístas, bem como para um
público antropológico mais amplo. Pois é só assim fazendo que
90 Jane Nadel-Klein

desparoquializamos a posição da obra escocesa em relação à sua tendência a


elaborar a construção da identidade numa base puramente local e a trazê-la
para o primeiro plano dos debates sobre a construção da identidade.
Isso não deve ser tomado como um chamado para se engajar em um
'bombardeio de saturação' etnográfico de todos os potenciais locais de
pesquisa de campo entre Gretna Green e John O'Groats, ou para lançar um
projeto de definição de caráter nacional. Podemos ocasionalmente dar um
passo para trás, no entanto, e pensar em como as representações de várias
comunidades escocesas podem estar ligadas e – especificamente aqui – sobre
como a prevalecente “inclinação das Terras Altas” para a pesquisa escocesa
condicionou nossas perspectivas. Estamos, como estudiosos, inteiramente
livres de perceber a Escócia como 'o oeste e o resto'? Como sugeriu Sharon
Macdonald, para muitas pessoas um mapa cognitivo da Escócia mostraria as
Highlands grandemente ampliadas para ofuscar as Lowlands (1995,
comunicação pessoal).

UMA ESCÓCIA DE REGIÕES


Na maior parte, o trabalho etnográfico na Escócia foi altamente
regionalizado. Com isso quero dizer duas coisas: primeiro, que, de longe, a
maior parte do trabalho etnográfico foi feito nas Highlands e nas Ilhas
Ocidentais e, em menor grau, nas Shetlands (ver Condry 1983); segundo, que
o trabalho em ambos os lados da Highland Line tende a ser bastante auto-
referencial regionalmente. Ao sugerir que abordemos mais explicitamente a
relevância da Escócia como um todo para as identidades locais, não estou
tentando essencializar ou objetivar esse território entre a fronteira e as
Shetlands, mas considerar (1) como nossos vários discursos regionais e
comunitários podem ser mais respondem produtivamente uns aos outros; e
(2) como nossa própria aquiescência na divisão Highland / Lowland
condicionou o que escrevemos e como vemos nossos horizontes
etnográficos. Além disso, podemos querer considerar as consequências de
um discurso localista que efetivamente isola, ainda que não
intencionalmente, cada comunidade de tal forma que suas lutas pela
sobrevivência social e cultural pareçam independentes daquelas de outras
que vivenciam os mesmos sistemas burocráticos, legais, religiosos e
educacionais, bem como como referências históricas. Isso certamente deve
ter implicações em como os etnógrafos constroem a própria Escócia como
região, como regiões ou como nação.
Podemos abordar a problemática de uma antropologia 'escocesa', então,
perguntando precisamente quais tradições regionais, se é que existem,
dentro da escrita etnográfica sobre a Escócia. Levo a sério o ponto de Fardon
de que, com uma 'visão relacional da localidade', vemos que 'etnografias
também são versões retrabalhadas, inversões e revisões de relatos
anteriores... imagens de lugares que precisam ser entendidos como
multideterminados' (Fardon 1990: 22). Como Fardon observou, o interesse
em problemas particulares, como organização de linhagens ou ideologias de
honra e vergonha, é o que nos atrai
Atravessando uma divisão
representacional 91

para nossos locais de campo. Que temas atraíram etnógrafos para a Escócia?
Que temas, ao contrário, foram deixados de fora da construção da Escócia
como sujeito antropológico?

CRUZANDO A LINHA HIGHLAND


Embora seja seguro dizer que muitos estudos sobre a política escocesa, a
economia escocesa, a literatura e as artes escocesas têm uma orientação
distintamente urbana e das terras baixas; a antropologia da Escócia
concentrou-se fortemente nas áreas ao norte e oeste da chamada Highland
Line. A revisão abrangente de Condry da etnografia escocesa indica
claramente a popularidade consistente dos locais de campo das Terras Altas
e Ilhas (Condry 1983), uma popularidade que não parece ter diminuído nos
doze anos seguintes ao seu relato.
A Highland 'Line' incorpora a noção de que a sociedade e a cultura na
Escócia foram historicamente divididas ao longo de um eixo que corresponde
basicamente à formação geológica conhecida como Highland Boundary Fault.
Uma das três falhas aproximadamente paralelas que cortam a Escócia de
sudoeste a nordeste, a Highland Fault passou a representar um cisma na
sociedade escocesa.
Ao norte e oeste da falha, a terra se eleva abruptamente em colinas
sombrias e onduladas. (Imagine a imagem paradigmática do herói de 'Os
Trinta e Nove Passos' de John Buchan caminhando pelas charnecas.) O clima
é severo - frio e úmido. Os assentamentos estão dispersos pelos vales
estreitos conhecidos como vales, ou agrupados ao longo das costas
profundamente recortadas. O cultivo é difícil e a maior parte da terra é
dedicada a pastagens ásperas, vastas propriedades desportivas e, ao longo
das costas, pesca e criação de salmão. Geralmente nos lembramos aqui do
cartão postal com imagens gêmeas justapostas umas às outras,
representando 'Verão nas Terras Altas da Escócia' e 'Inverno nas Terras Altas
da Escócia'. Cada lado mostra a mesma ovelha molhada.
Historicamente, as Terras Altas foram palco das notórias Clearances do
final do século XVIII e XIX. Este foi o processo - realmente um gesto tardio e
sombrio do movimento pan-europeu de "cerco" - pelo qual uma sociedade
organizada em torno do parentesco e da agricultura de subsistência foi
forçosamente empurrada para o mundo da agricultura capitalista. Segundo
todos os relatos, foi um processo brutal de despejo e emigração (Prebble
1963; Smout 1969). Enquanto os historiadores debatem a lógica econômica
e social dos Clearances, seu legado tem sido de concentração contínua e
exportação de riqueza pelos proprietários de terras e, portanto, de uma
economia continuamente deprimida para a maioria das comunidades das
Terras Altas. Não surpreendentemente, a maioria dos estudos dos últimos
anos se refere às Highlands como uma área 'periférica' ou 'marginal'.
A Linha demarca as construções históricas, linguísticas e sociais famosas
na música, na história e na retórica política como as Terras Altas e as
92 Jane Nadel-Klein

Planícies. Na história da Escócia, especialmente em suas versões mais


populares, tem havido muita atenção às batalhas épicas e tragédias
românticas singulares (e farsas) da vida nas Terras Altas: Flora MacDonald
resgatando Bonnie Prince Charlie do desastre em Culloden; as Clearances e
as grandes migrações para fora dos vales. Sem mencionar o Mel Gibson
pintado de azul como 'Braveheart'.
A Highland Line tem uma ressonância poderosa não apenas na Escócia,
mas em todos os lugares em que a Escócia é imaginada como um lugar de
esplendor áspero, selvagem e montanhoso. É também um ponto de venda
crucial para a indústria do turismo, que depende fortemente da 'tradição
inventada' de kilt e caber, legado de clãs e nativos pitorescos vivendo vidas
isoladas (Trevor-Roper 1983). (Mais recentemente, essa imagem do
excêntrico aborígene foi reproduzida em uma série de televisão britânica
baseada no personagem fleumático - e para alguns, ofensivo - de Hamish
McBeth, um policial das Highlands sem ambição extraordinário, baseado nos
romances de MCBeaton). fato óbvio de que nos tempos modernos,
comunicação, viagem e parentesco através desta 'Linha' são necessariamente
comuns, pode ser visto como o equador da Escócia, dividindo o conhecido do
desconhecido,
Chapman faz uma sugestão intrigante que pode ajudar a explicar as
origens históricas do viés regional na etnografia escocesa. Ele observa que
quando a antropologia passou a ser definida na década de 1920 como 'o
estudo dos povos primitivos que não tinham história' (1992: 4), os povos
celtas tornaram-se a província de 'folcloristas, linguistas e arqueólogos' e
assim 'Por duas gerações , portanto, os estudos celtas e a antropologia social
pararam quase completamente de se encontrar '(ibid.: 5; ver também Urry
1984). No entanto, a década de 1970 viu o surgimento de um novo interesse
pelos povos europeus e, portanto, pelos celtas (Chapman 1992: 5), embora
em um modo menos antiquário e mais cultural de sobrevivência. Mas 'Celt'
não é um gloss para 'Scot'. Como Chapman observou anteriormente em The
Gaelic Vision in Scottish Culture, 'Quando a identidade escocesa é procurada,
As Terras Altas foram teorizadascomo região marcada pelo
subdesenvolvimento, perspectiva consubstanciada como fato social na
criação do Highlands and Islands Development Board em 1965, e pela
dependência (Carter 1975). Seus ocupantes foram assimilados naquela
construção sócio-cultural e política econômica conhecida como Celtic Fringe
(Hechter 1975). Eles são conhecidos pelo afastamento geográfico (Ardener
1987) e por identidades comunais fortemente marcadas e marginalizadas. A
principal dessas identidades, para os antropólogos, são as do celta e do
arrendatário.
O arrendatário é uma espécie de Highlander. Tirando contas de
Atravessando uma divisão
representacional 93

Parman (1990) e Ennew (1980), pode-se dizer que o crofting é um modo de


vida emblemático das Terras Altas e Ilhas. Um croft é uma pequena
propriedade, cujos arranjos de arrendamento são protegidos por legislação
que remonta à reforma agrária da década de 1880, embora essa legislação
tenha sido substancialmente modificada desde então. Crofters combinam
agricultura de pequena escala, semi-subsistência e criação de ovelhas com
qualquer outra fonte de renda que possam colocar as mãos, incluindo pesca,
hospitalidade turística e tecelagem de Harris tweed (Mewett 1977). Crofters
normalmente são economicamente marginais. Ninguém trabalha um croft
com a expectativa de 'fazer isso' na sociedade escocesa. Em alguns aspectos,
e para alguns indivíduos, o crofting passou a representar a resistência à
modernidade e aos valores urbanos,
É quase inteiramente dentro das regiões de cultivo do oeste e noroeste
que os falantes restantes da língua celta da Escócia – gaélico – podem ser
encontrados (Dorian 1981). Parman (1990) faz um relato crítico do crofting
e sua associação simbólica com a ideia do 'Celta', um ícone cultural
fortemente associado à vida nas Hébridas e a noções de um passado
selvagem e rebelde. De fato, como Ennew observou em seu prólogo para The
Western Isles Today, há uma "tendência de mitificar as ilhas, de usá-las para
conceituar noções de comunidade, campesinato e história pré-industrial"
(Ennew 1980: xiii). O celta tornou-se uma figura um tanto ambígua, em parte
mítica, que cativou a imaginação romântica de folcloristas, compositores e
turistas por muitos anos.
Um ponto de contraste altamente significativo entre Highland e Lowland
tem sido e continua a ser as diferenças de idioma. O gaélico, a língua indígena
oficialmente suprimida após 1745, continua sendo uma presença simbólica
conspícua nas Terras Altas, embora não seja uma língua realmente falada
hoje por muitas pessoas (Armstrong 1986; Dorian 1981), apesar das
tentativas de revivê-la.4 Como observa Chapman, as Terras Altas e Lowlands
são conceitualmente divididos

pela polarização de dualidades metafóricas ao longo de um eixo entre as


duas sociedades representadas por suas linguagens. É claro que tal
simplicidade é completamente subvertida tanto pelo bilinguismo quanto
pela dispersão por toda a Escócia de seus falantes de gaélico.
(Chapman 1978: 198)

Em termos representativos, o significado disso não é apenas o de diferentes


línguas, mas a ênfase no gaélico como uma língua exótica que representa uma
espécie de segredo ou mistério cultural. Eu acrescentaria a observação de
que a própria Escócia de língua inglesa é extremamente diversa
linguisticamente, não apenas em termos do que, digamos, um americano
pode perceber, mas principalmente em termos de como as comunidades se
definem por referência a dialetos e vocabulários distintos. A curta viagem de
Fife a Angus
94 Jane Nadel-Klein

ou Aberdeen leva o viajante de um desafio linguístico a outro. Lowland Scots


é muito mais difícil para os estrangeiros entenderem do que o inglês falado
nas Highlands. Os Highlanders, de fato, são frequentemente elogiados pela
'pureza' de sua fala em inglês.5
Outra "identidade" intensamente pesquisada, embora menos
popularizada, foi a das Shetlands, de flexão nórdica. Trabalhos de Byron
(1986), Byron e McFarlane (1980), Cohen (1978, 1982, 1987) e McFarlane
(1981) registraram as questões distintivas enfrentadas pelos moradores
dessas ilhas: o desafio do desenvolvimento de petróleo offshore; relações
insider-incomer; As conexões problemáticas dos Shetlanders com o
continente, ou 'da sooth', como dizem os ilhéus de Whalsay (Cohen 1987);
organização das pescarias; e a dificuldade geral de sobrevivência econômica
em um clima implacável.
Às vezes parece que as Terras Baixas foram deixadas de fora da equação
etnográfica da Escócia. Na discussão que se segue, quero dar seguimento à
tese de Chapman e considerar o que pode significar discernir a identidade da
Escócia através da visão das Terras Baixas na antropologia escocesa. Se,
como diz Chapman, "os gaélicos escoceses" há muito ocupam o papel de
"nobre selvagem" para a primeira nação industrial" (1978: 192), que nicho
foi deixado para os Lowlanders pouco românticos e insuficientemente
"remotos"? (Ver Ardener 1987.)
É verdade que a Escócia está sendo construída como um objeto
representado apenas por algumas de suas partes? Com as Terras Altas
passando a significar “Escócia” em grande parte da literatura etnográfica e
popular, às vezes parece que as Terras Baixas da Escócia podem ser vistas
como a categoria residual: aquilo que está fora das Terras Altas. Como os
antropólogos veem as comunidades e identidades das terras baixas? Algum
tema abrangente se assemelha aos das preocupações das Terras Altas com
linguagem e cultura distintas? Ou as Terras Baixas se fundiram naquela
categoria escorregadia que Jackson (1987) se refere como “em casa”, onde
fazemos “autoetnografia”?
É possível, então, que as Terras Baixas tenham sido negligenciadas porque
parecem ser muito familiares, não realmente 'Escócia', mas 'Norte da Grã-
Bretanha' (Parman 1993). A autoetnografia ainda mantém a aura de ser um
conceito novo e um pouco desconfortável, embora os antropólogos
trabalhem em suas próprias culturas ou em culturas próximas há algum
tempo. (É claro que nem sempre é claro que grau de 'natividade' é necessário
para justificar a rubrica autoetnográfica. Se eu, como nativo de Connecticut,
EUA, estudo Escócia, certamente não estou trabalhando 'em casa', a menos
que a Europa Ocidental e a América do Norte sejam vistas como
compartilhando uma única “cultura”. ' (Jackson 1987: 8). Talvez, então, as
Terras Baixas são muito modernas. Mas a própria modernidade passou a ser
escrutinada ultimamente, problematizada e desconstruída sob o olhar pós-
moderno, a ponto de não mais
Atravessando uma divisão
representacional 95

parece tão homogêneo ou homogeneizante como antes. Um exame atento da


vida nas Terras Baixas revela uma diversidade considerável de forma,
experiência e prática na vida social.

ETNOGRAFIA DE PLANÍCIE
A leste e ao sul da Highland Line, encontra-se uma topografia geralmente
mais suave, uma maior concentração na agricultura arável, uma indústria de
laticínios em declínio e uma população muito maior e mais densamente
povoada. As Terras Baixas são frequentemente descritas como uma região de
indústria sóbria, grande realização intelectual, decadência urbana e – muito
significativamente – uma história de cooperação odiosa com os interesses
ingleses, em suma, uma região cuja cultura foi fortemente anglicizada. As
terras baixas podem até às vezes ser vistas, do ponto de vista das Terras
Altas, como uma mera extensão ao norte da Inglaterra (1978: 15-16).
A Escócia urbana é a Escócia das terras baixas. Todas as cidades da Escócia
(Glasgow, Edimburgo, Dundee e Aberdeen) podem ser encontradas lá. No
entanto, o inverso não é o caso. Nem todas as terras baixas da Escócia são
urbanas. Talvez a diferença mais significativa entre Highlands e Lowlands na
determinação da forma do desenvolvimento econômico tenha sido não
apenas a presença de cidades, mas a presença dispersa de cidades nucleadas
nas Lowlands conhecidas historicamente como Royal Burghs ou Burghs of
Barony que continuam a exercer considerável hegemonia. sobre um vasto
sertão. Esses assentamentos surgiram como centros de comércio e indústria
nos séculos XI e XII, quando receberam cartas definindo e consolidando seus
direitos de monopolizar o comércio. Esses burgos tiveram um poderoso
efeito organizador na vida econômica e política de pequenos assentamentos,
Apesar da diversidade de assentamentos e ocupações da Baixada, a
pesquisa acadêmica por antropólogos é um produto muito mais escasso.7 Foi
somente em 1963, com a publicação de Littlejohn's Westrigg, que tivemos
nosso primeiro levantamento etnográfico detalhado de uma paróquia
agrícola dispersa na fronteira. Mas foi só quando a ameaça e a promessa do
petróleo do Mar do Norte surgiram na década de 1970 que os etnógrafos
começaram a trabalhar de forma sustentada nas Terras Baixas, e quase tudo
isso se concentrou nas áreas costeiras. Ainda assim, muito pouco foi feito nas
comunidades do interior, a exceção proeminente sendo o trabalho recente de
Neville sobre protestantismo e ritual cívico nas cidades mercantis das
Fronteiras. Ela ressalta que as cerimônias anuais conhecidas como
Cavalgadas Comuns celebram não apenas a identidade local, mas também a
escocesa, comemorando a Batalha de Flodden,
As Terras Baixas geralmente atraíram o interesse daqueles - inclusive eu
- que se interessaram principalmente por comunidades pesqueiras e /
96 Jane Nadel-Klein

ou o impacto do petróleo do Mar do Norte (ver Postel-Coster e Helmerin


1973; Baks e Postel-Coster 1977; Byron e Chalmers 1993; Knipe 1984; Moore
1982; Nadel 1983, 1984, 1986; Nadel-Klein 1988, 1991; Turner 1981 ; ). Até
certo ponto, as comunidades pesqueiras atraíram tal atenção porque
parecem estar à parte da "cotidiano" do comércio escocês. Eles não são
visivelmente de “classe média” ou suburbanos, apesar das aspirações
econômicas e de estilo de vida de muitos de seus atuais moradores. Eles são,
eu ouso dizer, o análogo perfeito da Lowland para o arrendatário, fornecendo
ao etnógrafo um pequeno canto de exotismo próximo - mas não exatamente
- 'hame'.
Como se poderia antecipar, existem algumas semelhanças entre as
localidades de Highland e Lowland em termos de como seus habitantes
vivenciam a modernidade escocesa e as desigualdades de poder. Muitas
dessas comunidades costeiras do leste hoje também estão, como suas
contrapartes das Terras Altas e do norte, lutando com questões de identidade
e 'pertencimento' (Cohen 1982). Isso pode ser visto através do recente
aumento do interesse em 'patrimônio'. As aldeias de pescadores, por
exemplo, ainda são amplamente consideradas por outros escoceses como
atrasadas, duvidosas ou, na melhor das hipóteses, pitorescas. Ironicamente,
é precisamente isso que os torna tão comercializáveis para uma indústria de
patrimônio internacional. Esta versão reificada da 'tradição' está sendo
mercantilizada hoje para consumo turístico. O Scottish Tourist Board
estabeleceu uma 'Trilha do Patrimônio da Pesca' para os visitantes seguirem,
e agora parece que todas as outras vilas de pescadores, de Eyemouth a Wick,
têm seu próprio museu ou projeto de patrimônio em andamento (Nadel-
Klein, 1993). Alguns podem deplorar esse fenômeno como mais um exemplo
do triunfo do mercantilismo, como a objetificação dos aldeões para turistas
ansiosos, mas é muito mais do que isso. Tais projetos proporcionam uma
arena onde a identidade pode ser celebrada, debatida e construída. A arena
tem um preço, é claro. A construção da identidade torna-se agora um
processo parcialmente público, e todos os tipos de estranhos, incluindo
turistas, etnógrafos e profissionais de museus, são convidados a opinar,
especialmente quando a 'autenticidade' está em jogo. Não
surpreendentemente, a discussão pode ser rancorosa.
Como nas Terras Altas, a linguagem constitui um elemento dinâmico nos
discursos de delimitação. Em todas as comunidades pesqueiras que visitei,
de Nairn, no Moray Firth, a Ferryden, na costa leste, a população local
enfatiza a distinção e até a peculiaridade de seu discurso. Ao longo da costa
de Moray Firth, as pessoas se orgulham de seu dialeto do norte, que eles
chamam de dórico, e que eles usam alternadamente com um escocês amplo
mais padrão. Atestando sua vitalidade, eles apontam para poetas locais como
Peter Buchan ou Isobel Harrison, que publicam no vernáculo. Eles também
insistem em sua distinção local. 'Você sabe o que queremos dizer com 'gow'?
um velho perguntou
Atravessando uma divisão
representacional 97

eu em Buckie. 'No Broch [Fraserburgh] eles chamam de 'pule'. Isso é uma


gaivota, você sabe.
A população local muitas vezes afirma que seu discurso é praticamente
impossível para pessoas de fora entenderem (e, de fato, quando eu os entendi
– mais ou menos – eles pareciam quase desapontados). Na aldeia de Fife, em
Pittenweem, um pescador declamou uma frase rápida para me mostrar como
as vogais locais eram estranhas; e em Ferryden, em Angus, duas senhoras
idosas riram deliciadas da minha perplexidade enquanto corrigiam meu
curso errôneo dizendo o que soava como 'você oop o dreel errado'. Mesmo
quando eles desenharam como 'você está na broca errada', eu não entendi
até que eles explicaram que uma broca era a linha entre batatas ou
framboesas e que eles estavam simplesmente me dizendo que eu estava indo
na direção errada. Em cada caso, o dialeto foi usado de forma muito
deliberada e autoconsciente para fazer duas coisas;

CONCLUSÃO
Examinando a literatura sobre as comunidades escocesas, o que parece ligar
as várias etnografias e etnógrafos da Escócia é uma preocupação com a
identidade e a criação de limites no contexto da marginalidade e
marginalização. Isso é mais do que uma preocupação com as costas, embora
seja difícil evitar em um país tão ligado ao mar. As margens da sociedade
envolvem nosso interesse como desafios à homogeneização e hegemonia
aparentemente avassaladora da modernidade ocidental. E a Escócia tem
muitos desses espaços liminares, nem todos rurais. Do ponto de vista
nacionalista, a própria Escócia é uma periferia que busca ser um centro. No
entanto, do ponto de vista urbano e industrial, a Escócia perdeu muito de sua
antiga centralidade na economia do Reino Unido. De fato, pode ser difícil
dizer onde, se em algum lugar, fica o centro da Escócia9 — ou, nesse caso, se
faz sentido falar de 'um centro'. De certa forma, de fato, as Fronteiras, as Ilhas
Ocidentais, as Ilhas do Norte, as fazendas da Baixada do nordeste e as vilas
de pescadores da Baixada do centro-leste constituem efetivamente um todo
na forma como os fios de uma tapeçaria tecem uma imagem. Sem as bordas,
o centro se desenrola e se torna a margem. Se a noção de 'centro' tem alguma
validade, deve ser vista não como um espaço real e específico, mas como a
interseção de vários nós e modos de poder (ver Gupta e Ferguson 1992). A
noção de centro, como a noção de margem, é um conceito relacional.
Fazendas do nordeste da planície e vilas de pescadores do centro-leste da
planície constituem efetivamente um todo na forma como os fios de uma
tapeçaria tecem uma imagem. Sem as bordas, o centro se desenrola e se torna
a margem. Se a noção de 'centro' tem alguma validade, deve ser vista não
como um espaço real e específico, mas como a interseção de vários nós e
modos de poder (ver Gupta e Ferguson 1992). A noção de centro, como a
noção de margem, é um conceito relacional. Fazendas do nordeste da planície
e vilas de pescadores do centro-leste da planície constituem efetivamente um
todo na forma como os fios de uma tapeçaria tecem uma imagem. Sem as
bordas, o centro se desenrola e se torna a margem. Se a noção de 'centro' tem
alguma validade, deve ser vista não como um espaço real e específico, mas
como a interseção de vários nós e modos de poder (ver Gupta e Ferguson
1992). A noção de centro, como a noção de margem, é um conceito relacional.
Deixe-me brincar com algumas (perversas?) Inversões aqui. Pode-se
considerar que, vista do ponto de vista do etnógrafo, as Terras Baixas
parecem exemplificar o que Ardener quer dizer quando diz que existem
'áreas' tão antropologicamente "remotos" que não havia nada escrito nelas.
No entanto, quando alcançados, eles pareciam totalmente expostos ao
mundo exterior: eles
98 Jane Nadel-Klein

estavam continuamente em contato com ela '(Ardener 1987: 42). É claro que
Ardener estava se referindo ao oeste da Escócia como a "área em que níveis
canônicos de afastamento podem ser encontrados" (ibid.: 43). E igualmente,
é claro, as Terras Baixas são aparentemente muito "conhecidas", pelo menos
para outras disciplinas como economia, história, política e sociologia. são o
"outro" misterioso e oriental (e, portanto, um jogo justo para os
antropólogos), enquanto as Terras Baixas são o "eu" presumivelmente
conhecido e familiar (e, portanto, deve ser ignorado com segurança) (Carrier
1992; Nadel-Klein 1995) ?
Capítulo 7

Desconstruindo ficções coloniais?


Alguns truques de mágica na recente
sociologia da Índia

Declan Quigley

O tema do argumento a ser desenvolvido aqui pode ser facilmente


adivinhado a partir dos títulos de algumas das obras que formam o pano de
fundo etnográfico e teórico: Imagining India e 'Orientalist Constructions of
India' (Inden 1990, 1986); 'The Invention of Caste' e 'Castes of Mind' (Dirks
1989, 1992), 'Inventing Village Tradition' (Mayer 1993). Em um nível
substantivo, a afirmação feita nesses e em vários outros trabalhos é que
alguns dos conceitos mais queridos usados por antropólogos e sociólogos
para descrever instituições na Índia são, na melhor das hipóteses, tão
problemáticos que são virtualmente inúteis e, na pior, simplesmente
invenções da imaginação. Vou me concentrar aqui no construto que recebeu
a maioria das críticas – casta.1
O que está em causa não interessa apenas aos antropólogos especializados
na região. A inspiração para muito do que está sendo dito aqui vem de
debates em torno de questões que são de interesse geral – o orientalismo, a
invenção da tradição, a política da representação e, subjacente a tudo isso,
questões sobre o relativismo que sempre dividiram os antropólogos e que
parecem destinado a assombrar o assunto no futuro próximo. Há, no entanto,
uma particular reviravolta sul-asiática nesses debates que deriva em grande
parte de uma involução intelectual peculiar na antropologia do hinduísmo
nos últimos trinta anos ou mais.
Para definir o cenário, no entanto, deixe-me primeiro relembrar os
principais temas do Orientalismo de Said, que fornece inspiração para
grande parte do material a ser discutido aqui. Há um dilema central no
argumento de Said que pode ser resumido em uma questão que ele levanta
sem responder, embora seja, diz ele, "a principal questão intelectual
levantada pelo orientalismo" (Said 1985: 45):

Pode-se dividir a realidade humana, como de fato a realidade humana


parece estar genuinamente dividida, em culturas, histórias, tradições,
sociedades e até raças claramente diferentes e sobreviver às
consequências humanamente? Quero perguntar se há alguma maneira de
evitar a hostilidade expressa pela divisão, digamos, dos homens em "nós"
(ocidentais) e "eles" (orientais).
104 Declan Quigley

A questão é ecoada de uma forma ou de outra por vários colaboradores de


livros no gênero Writing Culture (Clifford e Marcus 1986) e Recapturing
Anthropology (Fox 1991b): como falar sobre os outros sem sublinhar sua
alteridade de uma maneira que poderia ser interpretado como depreciativo
ou de alguma forma exercendo poder sobre eles. Said não está sozinho em
parecer querer as duas coisas: as diferenças são genuínas; ainda comentar
sobre eles é imperdoável.2
Como se sabe, o tema central do argumento de Said é que, na medida em
que o Ocidente representou o Oriente, na maioria das vezes ele o deturpou e
sistematicamente o deturpou. Essa deturpação foi tanto um ato político
quanto intelectual: o retrato do Oriente como um lugar que era (e continua
sendo) misterioso ou hostil, em qualquer caso geralmente irracional, foi (e
continua sendo) uma maneira pela qual o Ocidente poderia afirmar tanto sua
própria racionalidade quanto a justiça de suas próprias instituições políticas.
Entre outras falhas de que os orientalistas são acusados está a tendência de
ressuscitar (ou inventar) um passado glorioso quando o 'verdadeiro' Islã ou
Oriente se manifestou e pelos padrões dos quais os orientais modernos
podem ser vistos como grosseiramente deficientes. Said liga esse tipo de falso
revivalismo ao privilégio da erudição textual sobre o tipo de conhecimento
que pode ser obtido a partir do conhecimento direto de outros povos (Said
1985: 92). Para Said, a teoria orientalista não derivou (e não deriva) do
conhecimento objetivo, mas de disciplinas como a filologia que se
propuseram a descobrir um Oriente 'essencial', tal como poderia ser
encontrado em línguas ou textos há muito esquecidos.
A dificuldade com esse argumento é que, embora pareça à primeira vista
simples e convincente, na verdade ele contém uma série de questões
sobrepostas muito complicadas. Estes podem ser resumidos da seguinte
forma:

1 Existe tal coisa como o 'verdadeiro' Oriente, em oposição ao Oriente (ou


Orientes) que Said afirma ter fabricado por forasteiros?
2 É possível ter uma compreensão dos 'outros' sem lhes impor uma
estrutura que eles mesmos não aceitariam?
3 É necessariamente ilegítimo definir os outros de maneira que eles não se
definiriam?
4 A representação dos outros é sempre um ato político e, em caso
afirmativo, quais são as consequências disso para a pesquisa acadêmica,
ou a erudição é sempre uma farsa?
5 A representação, em outras palavras, é sempre deturpação?

De acordo com Said, 'Orientalismo é um estilo de pensamento baseado em


uma distinção ontológica e epistemológica feita entre 'o Oriente' e (na
maioria das vezes) 'o Ocidente'' (Said 1985: 2). “Qualquer um que ensine,
escreva ou pesquise sobre o Oriente – e isso se aplica se a pessoa for
antropólogo, sociólogo, historiador ou filólogo – seja em seus aspectos
específicos ou gerais, é um orientalista e o que ele ou
Desconstruindo ficções coloniais? 105

ela faz é Orientalismo '(ibid.). Se isso inclui ou não o próprio Said é uma
questão que ele não considera.
O "ocidentalismo" indiscriminado da afirmação de Said é incrivelmente
irônico, como outros notaram (ver, por exemplo, Rocher 1993). Os
condenados incluem poetas, romancistas, filósofos, teóricos políticos,
economistas e administradores imperiais (assim como antropólogos, é claro)
– todos os quais, diz Said, “aceitaram a distinção básica entre Oriente e
Ocidente como ponto de partida para teorias elaboradas, épicos, romances,
descrições sociais e relatos políticos sobre o Oriente, seu povo, costumes,
“mente”, destino e assim por diante” (Said 1985: 2-3). Além disso, não são
apenas romancistas ingênuos e teóricos políticos que são criticados ao lado
dos imperialistas; o mesmo acontece com alguns dos heróis do anti-
imperialismo mais contemporâneo — Marx em particular. No que diz
respeito a Said, Marx é tão orientalista quanto Victor Hugo ou Lord Cromer,
A tese de Said oscila continuamente entre ser uma crítica moral e uma
crítica das práticas intelectuais e contém uma série de vertentes transversais.
Uma é que existia um Oriente 'real' (em oposição a um Oriente linguístico,
um Oriente freudiano, um Oriente Darwiniano, um Oriente racista e assim
por diante), algo diferente das invenções dos ocidentais: Oriente provocou
um escritor à sua visão; muito raramente o guiava '(Said 1985: 22). O Oriente
que foi apresentado ao Ocidente, diz ele, "não é o Oriente como é, mas o
Oriente como foi orientalizado" (ibid.: 104). Por outro lado, no final do livro,
ele questiona todo o conceito do Oriente 'como ele é':' Não é a tese deste livro
sugerir que existe um Oriente real ou verdadeiro ( Islã, árabe, ou qualquer
outra coisa)…. Pelo contrário,
Isso leva Said à conclusão de que a questão subjacente é se pode haver
uma representação verdadeira de qualquer coisa ou se, porque todas as
representações são apanhadas nas restrições linguísticas, culturais e
políticas do observador, elas são sempre necessariamente distorcidas.

Devemos estar preparados para aceitar o fato de que uma representação


é eo ipso implicada, entrelaçada, embutida, entrelaçada com muitas outras
coisas além da 'verdade', que é ela mesma uma representação. O que isso
deve nos levar metodologicamente é ver as representações (ou
deturpações – a distinção é, na melhor das hipóteses, apenas uma questão
de grau) como habitando um campo de jogo comum definido… , universo
do discurso.
(Ibid.: 272)
106 Declan Quigley

Essa posição classicamente relativista leva inevitavelmente a perguntar se é


possível dizer algo sobre qualquer coisa que não seja uma deturpação? Said
levanta a questão sem tentar respondê-la. Uma ironia de sua posição, é claro,
é que se ele fosse consistente, ele teria que admitir que sua tese anti-
orientalista é igualmente apenas outra representação ou deturpação e,
portanto, não deve ser tomada como mais "verdadeira" (todas as tais
palavras doravante colocadas entre aspas) do que as imagens fornecidas
pelos administradores-imperialistas ou filólogos do século XIX ou quem quer
que seja. Na verdade, Said parece estar vagamente ciente de que esse é o
resultado lógico de seu argumento porque ele faz poucas tentativas de
responder à questão mais abstrata de se uma representação pode escapar de
ser uma deturpação.
Ele, no entanto, confronta muito brevemente a questão de saber se uma
alternativa ao orientalismo no sentido mais estrito é possível. "Este livro", ele
pergunta, "é um argumento apenas contra algo, e não a favor de algo
positivo?" (ibid.: 325). Mas no momento em que ele faz a pergunta, restam
apenas três páginas no livro e sua resposta, redigida em termos de erudição
humanística, não fornece diretrizes claras sobre como alguém pode proceder
sem cair nas mesmas velhas armadilhas orientalistas. Há, no entanto, uma
prescrição implícita em sua declaração (com a qual eu concordo
completamente) que "trabalhos interessantes são mais provavelmente
produzidos por estudiosos cuja fidelidade é a uma disciplina definida
intelectualmente e não a um "campo" como o Orientalismo definido
canonicamente , imperialmente ou geograficamente '(ibid.: 326). O que é
mais,
Lamentavelmente, Said não equilibra seu relato mostrando o que
exatamente esses estudiosos conseguiram, o que eles demonstraram que não
é uma deturpação, ou como eles fizeram isso quando tantos outros falharam.
Em vez disso, depois de apontar que alguns estudos ideologicamente
imaculados não são apenas desejáveis, mas realmente possíveis, ele
rapidamente volta (depois de uma página) ao seu tema principal de ataque
aos orientalistas. Embora aparentemente defenda algum tipo de erudição
humanista vagamente definida como uma receita para escapar das
armadilhas do orientalismo, Said parece desconfortável sobre até onde a
erudição deve ir e às vezes até parece sugerir que o humanismo e o estudo
sustentado de outras pessoas são incompatíveis. . Ele conclui o livro dizendo:
Há problemas óbvios nisso, no entanto, o mais banal é a
indispensabilidade de abstrações em fornecer qualquer tipo de ordem
intelectual. Rotular o próprio processo de ordenação como monótono,
obscuro ou arbitrário é confundir a questão ao estigmatizar toda e qualquer
forma de investigação. E de
Desconstruindo ficções coloniais? 107

É claro que o próprio conceito de orientalismo que Said nos impõe de forma
tão persuasiva é em si mesmo uma obra-prima da abstração, até porque
ignora um enorme corpo de trabalho que, o próprio Said admite, evita as
armadilhas orientalistas comuns e constitui uma erudição valiosa. Há uma
seletividade bastante alarmante aqui: não nos são oferecidas evidências para
iluminar a verdadeira natureza daquilo que foi distorcido nem orientação
sobre o que contaria como evidência aceitável. Estas são omissões curiosas,
já que não se pode chegar a nenhuma conclusão sobre a força do caso de Said
sem elas.
Se Said não é forte nem em epistemologia nem em nos alertar para alguns
métodos mais positivos de investigação, sua crítica moral é, no entanto,
muito eficaz. O que os orientalistas modernos têm feito, ele argumenta, é
reforçar a divisão histórica entre a cristandade e o islamismo, sendo este
último “o próprio epítome de um agente estranho contra o qual toda a
civilização européia desde a Idade Média foi fundada” (ibid.: 70). O fracasso
subjacente do orientalismo ocidental é que ele não cumpre os padrões de
erudição aceitável que ele afirma ser a marca registrada da civilização
ocidental moderna e denegrir outras culturas por não adotarem. No final,
afirma Said, essa erudição declaradamente liberal e esclarecida sucumbe
precisamente aos mesmos estereótipos do racismo popular.

Mais do que qualquer outra região, talvez, a Índia tornou-se cada vez mais
opaca para não especialistas, apesar da enorme quantidade de material
disponível. O Homo Hierarchicus de Dumont não pode ser considerado o
único responsável por essa opacidade, embora tenha sido sem dúvida o vilão
mais influente. Uma teoria que afirma como uma de suas principais virtudes
ser contrariada pelos fatos não tem garantia de fazer muito sentido para não
especialistas. No entanto, possuía um apelo sem paralelo para uma geração
de antropólogos sul-asiáticos e alguns ainda se apegam às premissas básicas
da teoria, apesar da clara demonstração de que elas inevitavelmente levam a
conclusões insustentáveis. Este é um quebra-cabeça intelectual digno de um
Ph.D. tese em si mesma: isto é, por que a teoria absurda de Dumont exerceu
tal influência por tanto tempo? Minha preocupação aqui, no entanto,
Ao longo dos últimos vinte anos, o desmantelamento da teoria de castas
de Dumont tendeu a empurrar os estudantes do assunto em uma de três
direções. Uma minoria procurou fornecer uma teoria alternativa de castas –
e há várias possibilidades oferecidas, embora apenas uma delas, como
argumentei em outro lugar, considere toda a gama de fatos. uma vez que, de
longe, o maior volume de papel foi produzido por aqueles que se deslocam
nas outras duas direções, concentrar-me-ei na última aqui.
108 Declan Quigley

Por um lado, alguns se refugiaram em estudos de área, vestidos como 'um


retorno aos fatos', em oposição à teorização de Dumont ou mesmo de
qualquer um que tentasse apresentar qualquer modelo de qualquer
instituição na Índia . Embora impossível de quantificar, isso provavelmente
explica a maioria dos antropólogos que trabalham na Índia hoje para quem o
ponto de referência central é a Índia, não a antropologia, e não apenas a Índia,
mas a Índia pós-colonial. Para aqueles de nós que pesquisam sobre os
vizinhos Nepal e Paquistão, muito menos para qualquer um que veja o
coração da antropologia como comparação, esse paroquialismo, tanto
geográfico quanto histórico, é particularmente impressionante.
Por outro lado, há uma espécie de teorização vazia, na maioria das vezes
admoestando nossos ancestrais intelectuais (e o pobre Dumont geralmente
é novamente um dos principais alvos) por seu orientalismo, essencialismo e
assim por diante, e nos aconselhando a evitar esses pecados. no futuro. Assim
como com Said, no entanto, o que deveríamos estar fazendo geralmente é
articulado com menos clareza por esses autores, dos quais o mais influente é
Ronald Inden.
O que Said afirma para o Oriente árabe ou muçulmano, que este era o
'outro' contra o qual o Ocidente se definiu conspiratoriamente, Inden afirma
para a Índia: 'Sem a rocha escura da tradição indiana sob seus pés, a
racionalidade europeia não teria parecido tão brilhante. e luz '(Inden 1990:
32). Inden argumenta convincentemente que não devemos pensar na
Indologia como marginal à maneira como as ciências humanas foram
construídas nos séculos XIX e XX – e particularmente como elas foram
construídas à imagem das ciências naturais. Como Said, ele dá muita ênfase
ao papel da filologia comparada que, segundo ele, estava no cerne da maneira
como as imagens do Oriente foram construídas. Também como Said, Inden
afirma que o problema do orientalismo não é simplesmente uma questão de
como se representa o Oriente, mas de como se representa outras culturas em
geral. De fato, para Inden o problema é nada menos que o status das ciências
humanas.
O termo de abuso favorito de Inden é "essencialismo", que ele usa para
castigar outros teóricos sociais da mesma forma que algumas pessoas usam
"funcionalismo" ou "positivismo" como um termo de abuso. O problema com
o orientalismo, diz ele, “não é apenas de preconceito ou de más motivações e,
portanto, confinado a si mesmo. O problema reside, a meu ver, no modo como
as ciências humanas deslocaram a agência humana para as essências em
primeiro lugar” (ibid.: 264). A qualidade essencial óbvia atribuída aos índios
é a casta, mas esta é apenas uma entre outras que apimentam a literatura:
fatalismo, apego ao ritual, realeza divina, a "mente indígena", e assim por
diante. Definir populações em termos dessas essências imutáveis, afirma
Inden, impede que se considere as pessoas como agentes, pensando e agindo,
capazes de forçar mudanças ou tomar decisões racionais.
Desconstruindo ficções coloniais? 109

progresso. Ele mesmo faz uma série de sugestões, mas com a única exceção
da proposta de que o conceito 'política' é muitas vezes mais apropriado do
que a palavra 'sociedade', as outras mudanças exigem neologismos estranhos
que me parecem mais propensos a causar confusão do que clareza.
A maneira pela qual os índios pareciam irracionais, afirma Inden, foi
resultado direto da maneira como as populações foram classificadas em
sucessivos censos, a partir de 1872. O final do século XIX e início do século
XX viu uma profusão de publicações baseadas nesses censos com o título
usual de 'As Tribos e Castas de... [tal e tal lugar]'. 'Aqui nestes tomos de
empirismo alfabetizado', como ele coloca com desdém, 'encontra-se... o
discurso hegemônico sobre as castas da formação imperial anglo-francesa'
(ibid.: 58). Nas mãos de Inden, e é claro que ele não está sozinho, 'empirismo'
é outro termo de abuso, muito parecido com 'essencialismo'. O que Inden
despreza aqui é a tentativa de forçar as populações em escaninhos
administrativos, mesmo quando ficou claro que essas categorias foram
repetidamente contestadas pelos próprios índios.
O nome mais associado aos censos indianos é, sem dúvida, o de Herbert
Risley, o comissário do censo de 1901, autor de The Tribes and Castes of
Bengal (1891), que se tornou um modelo para estudos posteriores, e The
People of India (1908), onde tentou resumir os principais achados do
material censitário. O critério escolhido por Risley para ordenar as 'tribos e
castas' da Índia foi a 'precedência social reconhecida pela opinião pública
nativa' (1908: 111), mas, como era evidente para todos, isso gerou uma
enorme disputa, pois a questão de quem precedeu quem raramente, se
alguma vez, era inteiramente claro. O próprio Risley declarou, com referência
à pergunta do censo pedindo a casta, tribo ou raça de alguém, que: 'nenhuma
coluna na tabela do Censo apresenta uma variedade mais desconcertante de
entradas,
A reclamação bastante justificável de Inden é que os sucessores
antropológicos de Risley persistiram em seus esforços para classificar as
castas em uma escala hierárquica inequívoca, apesar do fato de que isso
gerou intermináveis petições e literatura polêmica. O que eles deveriam ter
feito, argumenta ele, era questionar a natureza da ordem que buscavam
impor e perguntar se as castas realmente existiam da maneira que os
administradores coloniais britânicos haviam imaginado. A questão é, claro,
inteiramente legítima, e eu mesmo argumentei fortemente contra ver as
castas organizadas ao longo de uma escada hierárquica com os brâmanes no
topo e os intocáveis na base. Na verdade, eu chegaria ao ponto de dizer que,
se começarmos com esse tipo de suposição (como praticamente todo
antropólogo que olha para a Índia,
110 Declan Quigley

no entanto: se uma suposição tão fundamental sobre casta deve ser


abandonada, o que resta?
Inden está certo de que se desfazer de um elemento tão querido da
compreensão tradicional de casta é demais para a maioria dos antropólogos
especializados no sul da Ásia. Como resultado, eles geralmente preferem
adotar teorias que apenas explicam alguns dos fatos enquanto afirmam que
os fatos que não são explicados (ou são totalmente contraditórios) não são
tão importantes; ou alegar que as premissas teóricas transcendem o que é
realmente observado lá fora (e, portanto, não podem ser contrariadas pela
observação). A solução preferida de Inden, adotada por vários outros desde
então, é tentar afastar completamente a discussão da organização social na
Índia das castas. (Dado que ele é co-responsável pelo verbete da
Encyclopaedia Britannica sobre casta,
Em Imaginando a Índia, Inden, portanto, defende a concentração na
realeza e na política de maneira mais geral, em vez de casta, pureza e
poluição. Uma razão para isso é que tem sido comumente argumentado que
o vício em castas e seu ritual associado é uma causa de fraqueza e
instabilidade política. Inden afirma que historicamente a causa foi o
contrário. Ele também coloca o desenvolvimento da organização de castas
em uma data muito posterior ao convencional e conclui que foi a fraqueza e
o colapso dos reinos hindus no período medieval que produziu as castas. Esta
é uma hipótese muito interessante que é digna de investigação sustentada.
Infelizmente, Inden não o explora em profundidade,
De qualquer forma, argumenta Inden, os relatos de instabilidade política
na história da Índia foram muito exagerados e isso também deveria nos levar
a desviar o olhar das castas. O último terço de seu livro é gasto examinando
um caso medieval específico em que ele pode desenvolver esse argumento e
usar sua teoria da história indiana centrada no agente, ao mesmo tempo em
que desenvolve seus vários neologismos. Enquanto a desconstrução de Inden
e a exposição do essencialismo de Risley et al. são convincentes, sua
reconstrução da história medieval indiana é tudo menos isso. O exemplo
particular que Inden escolhe, 'a política dos Rashtrakutas imperiais', é uma
boa ilustração da instabilidade política porque era um reino que estava
sujeito a intermináveis dissensões internas e se desintegrou após o espaço
relativamente curto de algumas centenas de anos. (ver Basham 1975).
Talvez a fraqueza central com a construção do argumento de Inden (e aqui
voltamos a uma tendência geral com grande parte da literatura cognata) seja
encontrada em sua afirmação de que o objeto de
Desconstruindo ficções coloniais? 111

Imaginando a Índiaé produzir 'uma história das práticas intelectuais' (Inden


1990: 99) em vez de uma sociologia histórica. Quando, por exemplo, ele cita
The History of British India, de James Mill (1858), ele é capaz de descrever de
forma pungente o legado colonial, assim como Said o faz, empregando as
palavras de Lord Cromer e outros. De acordo com Mill, "há um acordo
universal com respeito à mesquinhez, ao absurdo, à loucura das cerimônias
intermináveis, nas quais consiste a parte prática da religião hindu" (citado
em Inden 1990: 92). Poucos hoje contestariam que esse tipo de julgamento
meramente demonstra a mesquinhez, o absurdo e a loucura de certas
interpretações ocidentais de outras sociedades. Mas a afirmação de Inden
atinge muito mais fundo do que isso, porque para ele é o próprio uso de
rótulos como casta e hinduísmo que inevitavelmente leva o intérprete, ainda
que involuntariamente, ao tipo de estereótipos racistas e essencialistas que
os estudiosos e administradores imperialistas do século XIX usavam
descaradamente. É por esta razão que alguma nova abordagem, e os
neologismos que a acompanham, tornam-se inevitáveis.
Se Inden não defende a abolição da palavra 'casta', outros o fazem.
Baechler (1988: 16), por exemplo, argumenta que o conceito causa tanta
confusão que deveríamos voltar aos conceitos indígenas de varna e jati. Mas
como esses termos são igualmente contestados, isso dificilmente é uma
solução. Robert Levy, em uma notável etnografia de práticas rituais em uma
cidade-reino hindu no Nepal, adota uma abordagem teórica ligeiramente
diferente. Ele evita o uso de conceitos generalizantes como 'casta', 'sub-casta'
e 'jati' para evitar o que ele vê como forçar as múltiplas relações entre
linhagens em 'um leito procusto de termos analíticos generalizantes' (Levy
1990: 74). Sobre este argumento, no entanto, seu próprio conceito analítico
muito útil de 'cidade arcaica',
De qualquer forma, Levy ainda precisa encontrar algum tipo de rótulo
para os vários grupos cujas instituições e rituais ele discute tão
detalhadamente. Sua substituição do conceito de "casta" pela discussão do
que ele chama de "níveis de macrostatus" dificilmente avança as coisas,
porque o problema subjacente permanece: por que existem grupos que não
se casam ou fazem interjanes ou realizam rituais juntos e cujos membros
podem ter uma variedade de outras? marcadores diferenciadores: acesso à
educação, vestuário, joalharia, até arquitetura doméstica? 6
Um argumento um pouco diferente encontra-se na obra de Nicholas Dirks
e encontra eco nos escritos de dois autores recentes sobre o chamado
sistema jajmani.7 A preocupação de Dirks é menos com a representação
colonial de casta do que com a ideia de que ela não estava de fato uma forma
tradicional de organização social, mas uma que foi fabricada pelas demandas
do governo colonial (Dirks 1989: 43). Ecoando Inden e Said (cujos
112 Declan Quigley

Orientalismoele considera 'tremendamente importante' (ibid.: 48)), Dirks


argumenta que

O estudo acadêmico da Índia… involuntariamente promoveu um projeto


colonial…. A casta continua sendo o fato social central para o sul da Ásia
e... [a] importância reinante de estudiosos como Dumont (1980) e
Heesterman (1985) sugere que o fantasma da sociologia colonial ainda
nos assombra: os antropólogos ainda escrevem sobre a necessidade de
uma sociologia da Índia e os historiadores ainda emprestam de Weber e
Dumont o que precisam saber sobre a sociedade indiana antes de
prosseguir com a história social.[8] Os próprios antropólogos da Índia
permaneceram tão firmemente apegados a uma posição dumontiana
(mesmo em dissidência) que a Índia se tornou marginalizada como a terra
das castas.
(Ibid.: 43-4)

O sentimento básico aqui é indubitavelmente verdadeiro, embora alguns dos


detratores de Dumont dificilmente pudessem ser acusados de estarem
comprometidos com sua posição. Assim que Dumont (1957) propôs sua
sociologia da Índia, defendendo um casamento das descobertas etnográficas
dos estudos de aldeias com as reflexões de estudiosos brâmanes em antigos
textos sânscritos, FGBailey denunciou o empreendimento como uma forma
de 'cultura': Não há sociologia "indiana", 'Bailey argumentou', exceto em um
'vago sentido geográfico', assim como não existem princípios distintamente
indianos em química ou biologia '(Bailey 1959: 99). Bailey estava, é claro,
certo, mesmo que a noção de Dumont de uma sociologia distintamente
indiana (manifestada em supostos complexos como a disjunção hierárquica
de status e poder) lamentavelmente tenha prevalecido.9
Por outro lado, "a importância reinante de estudiosos como Dumont",
como Dirks coloca, tem menos a ver com a promoção de alguma agenda
colonialista, intencionalmente ou não, do que com o fato de que há um
problema sociológico genuíno a ser enfrentado. ser explicado. Por que há
relatos há séculos, em uma grande variedade de localidades do sul da Ásia,
de grupos que estão simultaneamente unidos e rigidamente separados uns
dos outros, o todo aparentemente ressaltado por rituais contínuos e
conceitos penetrantes de pureza e poluição? Esses ingredientes não são
criação de Dumont (embora o bolo que ele faz com eles seja) e sua aparente
"alteridade" pela experiência da maioria dos comentaristas europeus
certamente merece explicação. É muito fácil sugerir que comentarista após
comentarista, geração após geração,
Desconstruindo ficções coloniais? 113

Há um elemento central do argumento de Dirks com o qual concordo


plenamente. Apresentado pela primeira vez em sua impressionante
monografia histórica (1987), é bem resumido em um artigo posterior:

até o surgimento do domínio colonial britânico no sul da índia, a coroa não


era tão vazia quanto geralmente se dizia na história indiana, na
antropologia e na sociologia comparada em geral. Os reis não eram
inferiores aos brâmanes; o domínio político não era englobado por um
domínio religioso... A sociedade indiana, na verdade a própria casta, foi
moldada por lutas e processos políticos.
(Dirks 1989: 44-5)

Mais problemática é a conclusão que Dirks tira dessa avaliação:

Paradoxalmente, o colonialismo parece ter criado muito do que hoje é


aceito como "tradição" indiana, incluindo uma estrutura de castas
autônoma com o brâmane à frente de forma clara e inequívoca, sistemas
de troca baseados em aldeias, resíduos cerimoniais isolados do antigo
regime estatal e competição fetichista por bens rituais que não mais
desempenhavam um papel vital no sistema político... a casta - agora
desencarnada de seus antigos contextos políticos - sobreviveu.
(Ibid.: 45)

Há uma bela ironia nesta observação porque a ideia de que o colonialismo


realmente criou “uma estrutura de castas autônoma com o Brahman clara e
inequivocamente à sua frente” foi mostrada, de forma mais convincente por
Raheja (1988a, 1988b), como sendo simplesmente uma representação entre
outras — como sempre foi.11 O status do Brahman no terreno é, por sua
essência, extremamente ambíguo e isso por razões muito diretas. Existem
milhares de castas brâmanes, algumas fornecendo sacerdotes, outras não,
mas todas continuamente disputando o status umas das outras. Daqueles que
suprem os sacerdotes, as funções rituais que desempenham abrangem uma
ampla gama, desde as mais auspiciosas – que beiram a renúncia – até as
menos auspiciosas – absorvendo as impurezas dos mortos cujos exéquias
eles presidem. Dizer que o Brahman está à frente da estrutura imediatamente
levanta as questões: 'qual Brahman?' e 'qual estrutura?'.
Paradoxalmente, enquanto condena Dumont (e aqueles que discordam
dele) por retratar as formações modernas como tradicionais, Dirks parece
concordar com Dumont ao afirmar que, graças ao colonialismo, a casta de fato
se torna “desincorporada de seus antigos contextos políticos”. Há dois erros
aqui. Uma diz respeito à distinção clássica entre reis e realeza. A outra deriva
da falta de consideração de material comparativo de lugares onde a casta não
passou pela experiência colonial: o caso do vizinho Nepal (o último reino
hindu sobrevivente) é o exemplo óbvio.
114 Declan Quigley

Não há dúvida de que a elevação colonial do brâmane a uma posição de


inequívoca superioridade no "topo" da hierarquia de castas derivou de um
truque classificatório que é contrariado por evidências etnográficas e
textuais de todos os cantos do sul da Ásia hindu. É muito mais preciso e
revelador representar os sistemas de castas não como escadas ou tabelas de
classificação, mas como agrupamentos de linhagens em torno de um centro,
tanto real quanto ideológico, que é tipicamente representado como real, para
o qual todo grupo está empurrando e para o qual todos aspiram ocupar,
embora, é claro, nem todos possam fazê-lo. Na verdade, é claro, nenhum
grupo pode ocupar o centro se tomarmos a ideia de um centro literalmente,
ou seja, como um ponto, e o rei realmente só o ocupa em momentos rituais
particulares, quando o mundo é parado.
Vários autores recentes mostraram para a Índia, Sri Lanka e Nepal que o
desaparecimento dos reis tradicionais não acarretou o desaparecimento da
estrutura subjacente da realeza, uma vez que as castas dominantes
continuam a desempenhar o papel real e centralizador com toda a pompa e
cerimônia concomitantes. replicando (como sempre fizeram) o que Geertz
(1980) chamou apropriadamente de 'centro exemplar'.12 Aqueles que têm
os meios ainda 'mantêm a corte' sendo atendidos por especialistas de várias
castas. E não é preciso muito reajuste da maneira (Risley/Dumontiana) pela
qual as etnografias normalmente representam as castas ordenadas em
hierarquias verticais para ver que em todo o sul da Ásia as castas dominantes
(e, de fato, famílias de qualquer meio de qualquer casta) sempre imitaram a
função régia.
Além disso, contra Dirks, não há nenhuma evidência para sugerir que o
colonialismo seja responsável pela geração dos conceitos de poluição e as
práticas rituais que estão associadas à organização de castas – as regras e
restrições que giram em torno de alimentos, casamento e contato com outras
crianças. tão extensamente documentada na literatura etnográfica.13 A
preocupação com tais noções existia muito antes do período colonial e
sempre esteve no cerne da casta, independentemente das representações
externas do fenômeno. Não foram os colonizadores, por exemplo, que
inculcaram ideias relacionadas à intocabilidade – que certas linhagens
deveriam, em virtude das funções que desempenham, ser separadas da
sociedade propriamente dita, literal e simbolicamente.
Desconstruindo ficções coloniais? 115

'presente venenoso', passado de patrono para oficiante no curso de um ritual


como meio de expurgar a inauspiciosidade acumulada da vida social.16
Um forte argumento pode ser feito de que as preocupações hindus com
pureza e poluição não derivam fundamentalmente dos ensinamentos
bramânicos, mesmo que sejam fortemente reforçadas por eles. Eu ainda
argumentaria que a aparente onipresença dos conceitos de poluição e o ritual
que os acompanha derivam das demandas conflitantes das forças
descentralizadoras do parentesco, por um lado, e das forças centralizadoras
da realeza, por outro. Historicamente, isso é colocado em um clima político
relativamente instável, onde grupos de parentesco diferencialmente
poderosos tentam afirmar e defender sua integridade vis-à-vis uns aos outros
em uma situação em que essa integridade está sempre em perigo de ser
comprometida, tanto de dentro por causa da competição interna por
recursos quanto de fora por causa dos perigos representados por outras
políticas hostis e potencialmente predatórias. O resultado é que nem o
parentesco nem a realeza são capazes de se afirmar definitivamente sobre o
outro e, portanto, é preciso encontrar espaço político e ritual para cada um
desses princípios concorrentes de organização.
Se os portugueses nunca tivessem cunhado a palavra 'casta', é improvável
que isso fizesse com que os britânicos ordenassem as populações da Índia de
uma maneira significativamente diferente. É lamentável que a palavra 'casta'
tenha ficado tanto na consciência acadêmica quanto na popular e agora seja
imóvel. Se fôssemos livres para descrever as formações sociais às quais
normalmente nos referimos como comunidades organizadas por castas sem
realmente usar a palavra 'casta', poderíamos fazer isso com relativamente
poucas dificuldades referindo-nos às tensões que são estabelecidas pelas
demandas opostas de parentesco e realeza, respectivamente. Isso também
teria uma consequência positiva imediata.
Como então se deve representar a ordem das castas em qualquer
localidade? Minha própria preferência seria abandonar completamente as
hierarquias lineares em forma de escada. Isso obscurece o fato de que as
castas Brahman e Intocável muitas vezes têm mais em comum entre si do que
com outras castas e, nesse sentido, não são 'pólos à parte', como sugerem os
modelos convencionais. Em segundo lugar, tais representações lineares não
podem lidar com as disputas sobre status relativo que são referidas por
Risley e relatadas em praticamente todas as etnografias. Resolver essas
disputas arbitrariamente, como a maioria dos antropólogos, e antes deles
administradores do censo, tentaram fazer, espremendo as castas em uma
linha vertical artificial onde cada casta deve ser inequivocamente superior ou
inferior a qualquer outra casta é simplesmente violar a realidade etnográfica.
As disputas e a imprecisão sobre o status formam um elemento integrante do
116 Declan Quigley

estrutura das sociedades organizadas por castas. Não é como se cada casta
tivesse uma certa quantidade de pontos como um time de futebol. Cada
família em cada casta se orienta para o centro, tentando apadrinhar famílias
de tantas outras castas quanto possível. Se, então, um oleiro e um barbeiro,
por exemplo, ambos afirmam superioridade de status um sobre o outro, isso
faz todo o sentido, pois cada um pode reivindicar apadrinhar certas outras
castas em sua emulação do centro (casta real ou dominante) e cada pode
alegar excluir o outro de seus rituais e de sua gama de parceiros de
casamento aceitáveis. A imprecisão de suas posições de status em relação
umas às outras é precisamente porque elas estão normalmente afirmando
suas reivindicações de status em relação à(s) casta(s) dominante(s) e não a
outras castas não dominantes como elas.
O modelo de sistemas de castas que eu preferiria se basearia em torno de
um centro dominante compreendendo linhagens de proprietários de terra
que idealmente teriam em seu centro um rei, e em um passado relativamente
recente o fez em muitos casos. As vantagens de tal modelo são várias, mas a
mais importante delas é simplesmente que é possível representar as castas
de uma maneira que permita as relações ambíguas entre diferentes grupos e
que mostre as posições estruturalmente semelhantes das castas que
desempenham funções sacerdotais análogas. como os barbeiros e certos
brâmanes costumam fazer. Um modelo simplificado e idealizado é
apresentado na Figura 7.1.

Para aqueles que se opõem a modelos ou tipos ideais de qualquer tipo em


princípio, pouco se pode dizer. O modelo destina-se simplesmente a orientar
a análise de castas para longe das hierarquias perpendiculares, não para
negar que a realidade é muito mais complexa.17 Um fator a ser considerado,
por exemplo, é que as castas variam enormemente em tamanho e quanto
maiores elas mais provável
Desconstruindo ficções coloniais? 117

eles devem ser diferenciados internamente em subgrupos mais ou menos


exclusivos cujas linhagens preferem, sempre que possível, casar-se apenas
entre si. Outra é que os intocáveis podem ser considerados, literal e
simbolicamente, como simultaneamente na comunidade e fora dela, e pode
haver outros na localidade, como ascetas errantes, membros de seitas
independentes e aqueles que pertencem a outros grupos étnicos, que gozam
de um status de natureza diferentemente ambígua. Este é apenas o começo
das complicações: a estrutura subjacente da casta representada na Figura 7.1
está sujeita a variações infinitas, mas há, por tudo isso, um padrão subjacente.

Quando generalizado à maneira de Said, o argumento anti-orientalista não é


apenas poderoso, ele efetivamente inibe os antropólogos ocidentais de dizer
qualquer coisa sobre alguém por medo de equiparar alteridade com
inferioridade. Embora não haja dúvida de que o conceito de casta é
particularmente propenso a ser sequestrado por essencialistas, muitas vezes
involuntariamente, isso não significa que ele possa ser simplesmente
evocado. Tampouco significa que não se possa fazer certas afirmações diretas
sobre a organização de castas que permitam começar a construir uma teoria
de como a instituição funciona. É claro, por exemplo, que a casta é produto
das planícies férteis, não da montanha, floresta ou deserto, nem mesmo do
Estado burocrático moderno – ainda que tenha conseguido encontrar um
novo nicho lá no caso indiano. Também é evidente que a casta não pode, em
geral, ser explicada em termos de raça ou ocupação, como muitos tentaram
fazer. Existem algumas correlações com ambos, e é por isso que certas
pessoas construíram teorias em termos deles em primeiro lugar, mas
também há tantas exceções que algum outro tipo de explicação deve ser
buscado.
Quanto ao conceito de casta ser nosso ou deles, não é, em um sentido
importante, nenhum dos dois. O conceito de casta com o qual os antropólogos
estão lidando não é de uso geral em nenhuma cultura ocidental. Muitos
antropólogos e sociólogos, muito menos o público em geral, têm apenas uma
vaga ideia do que é a organização de castas. Podemos explicar o que esses
conceitos significam em inglês, francês ou alemão comum e cotidiano, mas
também podemos explicá-los usando hindi ou nepalês ou qualquer outra
língua do sul da Ásia.
A mensagem dominanteda literatura desconstrucionista em
antropologia é que devemos renunciar aos nossos velhos hábitos
essencialistas e seguir em frente. Mas, curiosamente, a mesma literatura se
deleita em chafurdar morbidamente nas práticas intelectuais de nossos
precursores, insinuando que seus fantasmas podem ser impossíveis de
escapar. Vários métodos de exorcismo foram propostos, sendo o mais comum
a consciência reflexiva, mas os remédios parecem ter eficácia limitada.
Devemos, então, ficar comentando apenas as posições de onde olhamos, e
não mais o que olhamos? Alguns, como Rabinow (1991), parecem
118 Declan Quigley

inclinar-se nesta direção. Ou devemos recuar para a antropologia nativista


como outros sugeriram? Em caso afirmativo, que implicações isso tem para
a perspectiva comparativa, tão assiduamente cultivada? Paradoxalmente, os
autores que venho considerando parecem concordar implicitamente que
agora estamos presos a isso também.
O 'relativismo subjacente à crítica pós-moderna', como Fox (1991a: 6) o
chama, parece ter levado ao impasse teórico e à autocensura a que aludi na
abertura com Said: as divisões sociais são bastante reais, mas agora estamos
proibido de comentá-los de qualquer forma que pudesse ser interpretada
como essencialista. E qual não pode? Ironicamente, essa 'desconstrução'
levou a um tipo bizarro de regressão que pode ser ilustrado retornando uma
última vez ao debate sobre a natureza (ou insubstancialidade) da casta.
Os estudos de aldeias que caracterizaram o período pós-independência na
Índia foram uma tentativa de corrigir a visão distorcida que havia sido
inventada pelo casamento da classificação administrativa com a abstração
fantasiosa de antigos textos religiosos. Sem dúvida, isso representou um
avanço na medida em que premiava a observação sobre a especulação, mas
tendia a produzir uma forma um tanto limitada de empirismo de estudo da
aldeia. A teoria das castas de Dumont foi uma tentativa de transcender essa
visão limitada e, nesse aspecto, também representou um avanço genuíno ao
insistir na busca de estruturas subjacentes e ao vincular essa busca a
problemas mais gerais da sociologia comparada. Das duas tendências
atualmente predominantes, no entanto, nem é provável que forneça o tipo de
estímulo fornecido pelo Homo Hierarchicus por mais de um quarto de século.
Por um lado, há aqueles que encontram evidências de orientalismo em todos
os lugares que olham; por outro, vemos um novo particularismo, em grande
parte resultado da crescente influência dos estudos históricos. Ambas as
tendências são mais sufocantes da teoria do que qualquer coisa produzida
pelos antigos estudos de aldeia ou pela especulação mais selvagem de seus
predecessores coloniais.
Talvez a ausência de teoria seja agora o ponto: esta certamente parecia ser
a mensagem dominante vinda da última conferência sobre castas que
participei. ser um realismo residual, um reconhecimento de que as divisões
particulares no que se convencionou chamar de "castas" não parecem estar
em perigo iminente de desaparecer (no presente ou no passado), mesmo que
a palavra "casta" seja cada vez mais problemático por razões políticas e
analíticas e pode ser dispensado por meio de um pouco de conjuração
terminológica. Não hesito em acrescentar ao coro que as representações de
Dumont da Índia, do hinduísmo e da casta equivaliam a deturpações
grosseiras. Mas suas deturpações tinham, no entanto, certas virtudes.
Desconstruindo ficções coloniais? 119

Capítulo 8
Representando e traduzindo o lugar
das pessoas na paisagem do norte da
Austrália

Robert Layton

INTRODUÇÃO

Antropologia e discurso indígena


De acordo com as tradições do povo Alawa do norte da Austrália, seres
ancestrais com atributos humanos e animais moldaram a paisagem.
Enquanto viajavam, esses seres inventavam os dramas que as pessoas vivas
representam hoje. As rotas percorridas pelos seres ancestrais pela paisagem
e os locais que eles criaram durante suas viagens mapeiam a formação da
terra. Eles também fornecem uma estrutura para a atribuição de
responsabilidades espirituais a pessoas dentro de áreas delimitadas
conhecidas na literatura antropológica (seguindo Stanner 1965) como
propriedades. Cada grupo local tem a responsabilidade de reencenar
episódios nos dramas que os ancestrais realizaram pela primeira vez dentro
de sua área de terra. Tais obrigações são passadas de geração em geração,
para que as responsabilidades das pessoas vivas possam ser especificadas
em termos daquelas anteriormente desempenhadas por seus pais e avós. As
lendas alawa e a terminologia de parentesco podem, portanto, também ser
interpretadas como fornecendo, entre outras coisas, uma representação das
relações entre as pessoas e a terra. As comunidades aborígenes reconhecem
que os processos normais de maturação e morte, os acidentes demográficos
que esgotam ou aumentam os grupos e as pressões do assentamento colonial
exigem repetidas renegociações das responsabilidades das pessoas e até
mesmo de sua posição dentro de um sistema de parentesco, mas a estrutura
ancestral dentro da qual essas negociações são conduzidas é considerado
imutável. Enquanto o primeiro é reconhecido como uma arena de
contestação política indígena, o segundo não o é,
Um mapa das rotas percorridas pelos seres ancestrais e a distribuição das
propriedades dos clãs mostra uma clara correlação entre as representações
Alawa e ocidentais da paisagem. Os ancestrais tendem a viajar ao longo dos
riachos, enquanto as margens das propriedades frequentemente se
encontram em bacias hidrográficas. Isso convida um
Representando o lugar das pessoas na paisagem 123

tradução das tradições Alawa em termos ecológicos. No entanto, as traduções


antropológicas da ontologia indígena nunca foram inteiramente satisfatórias,
porque não podem tornar racionais práticas como ritos de aumento em locais
sagrados, também baseados em lendas. 'Sítios sagrados' são lugares onde os
ancestrais nasceram, acamparam ou entraram no solo. Seu poder criativo
permanece dentro da rocha ou do solo e pode ser liberado ao golpear ou
esfregar o local. No decorrer deste capítulo, argumentarei que tanto os
discursos alawa quanto os ocidentais abrangem representações da paisagem
e indagarei quão adequadamente as representações indígenas podem ser
traduzidas para aquelas incorporadas ao discurso ocidental.

Direitos da terra
A antropologia não é a única tradição ocidental que tentou traduzir a cultura
indígena australiana. Uma tradução legal do discurso indígena está
incorporada na Lei do Direito à Terra do Território do Norte de 1976. A
capacidade dos requerentes de atender aos critérios legais durante as
audiências é testada de acordo com métodos e critérios de prova que são
estranhos não apenas aos requerentes, mas também aos antropólogos (Bern
e Labalestier 1985; Hiatt 1984; Layton 1983, 1995). No curso de uma
reivindicação de terras, o antropólogo como “testemunha especializada” (ver
Okely, Capítulo 14 deste volume) deve fazer malabarismos com
representações alternativas (indígenas e ocidentais) e diferentes traduções
de representações indígenas (antropológicas e legais), de uma forma o que
torna aparente a relatividade de cada representação.
Os Alawa fizeram duas reivindicações de terras bem-sucedidas sob os
termos da legislação de direitos à terra no Território do Norte da Austrália.
Ao contrário dos direitos Maori definidos no Tratado de Waitangi, ou na
legislação Mabo mais recente na Austrália, a Lei de Direitos da Terra do
Território do Norte da Austrália de 1976 não reconhece que o título legal
existia antes da colonização. Em vez disso, é o Governo Federal que cede sua
propriedade sobre terras não alienadas a requerentes bem-sucedidos (como
no caso maori, nenhuma reivindicação pode ser apresentada a terras que já
foram alienadas a outros). Como os maoris, os requerentes da Lei de Direitos
Territoriais do Território do Norte devem demonstrar que pertencem a
grupos de descendência locais, mostrar a localização dos locais na terra pelos
quais esses grupos são responsáveis, e demonstrar que continuaram a
cumprir as suas responsabilidades apesar das depredações do colonialismo.
As reivindicações de terras podem ser contestadas por agências
governamentais e por empresas privadas e indivíduos que afirmam
interesses conflitantes na terra (ver Cheater e Hopa, Capítulo 13 deste
volume).
Este capítulo toma como estudo de caso o material coletado durante a
preparação das reivindicações de terras de Hodgson Downs e Cox River para
o país de Alawa (veja a Figura 8.1), a fim de explorar até que ponto os pontos
de
124 Robert Layton

contato pode ser encontrado entre o discurso Alawa e ocidental sobre o lugar
das pessoas na paisagem. Defendo que o discurso, no sentido definido por
Foucault (1972), é o equivalente linguístico do estilo artístico, como
discutido por Gombrich (1960). O pós-modernista francês Jacques Derrida
argumentou que a impossibilidade de tradução exata entre línguas
demonstra que não há significado transcendental que exista fora da
linguagem. Uma vez que só podemos conhecer o mundo em termos de seu
significado para nós, o conhecimento é um artefato da linguagem e tão
arbitrário quanto a própria linguagem (Derrida 1976: 49-50). Derrida
considera que a linguagem escrita e falada estão sujeitas às mesmas
restrições. Sua afirmação está subjacente a muitos dos argumentos
apresentados no debate sobre a 'cultura da escrita' e será avaliada
criticamente no decorrer deste capítulo.

Figura 8.1Localização do país Alawa


Representando o lugar das pessoas na paisagem 125

ESTILO VISUAL E DISCURSO VERBAL

Representação dentro arte


Saussure considerava que a fala era a expressão primária da linguagem e a
escrita uma representação secundária. Ao redefinir a escrita como 'qualquer
forma que deixe um rastro ou inscrição' (Derrida 1976: 46-8), Derrida foi
capaz de tornar a fala uma forma de escrita e, assim, obscurecer a
possibilidade de referência ostensiva. Todas as formas de linguagem tornam-
se auto-referenciais, definindo o significado das palavras ao situá-las em
oposição a outras palavras. Rapport, no capítulo 11 deste volume, usa
"referência" no sentido de Derrida. Defendo, ao contrário, que as
representações apontam em duas direções. Eles apontam para fora, por meio
de referência ostensiva a um mundo de experiência que nós e o artista
podemos perceber, como a topografia do norte da Inglaterra. Eles também
apontam para dentro, por meio do significado estrutural, significação ou
autorreferência a um mundo intersubjetivo definido pela cultura do artista
ou do cartógrafo. Sugiro que nossa capacidade de perceber o mundo, embora
nunca total ou desmotivada, é sempre mais refinada do que qualquer
representação particular que possamos construir.
Em seu livro, Art and Illusion (1960), Gombrich argumentou que os estilos
representacionais destinam-se a transmitir certos tipos e quantidades de
informação. Uma pintura de JMWTurner do Rio Greta contém tipos de
informação muito diferentes de um mapa topográfico do mesmo local, mas,
como argumentou Gombrich, ambos podem ser considerados 'corretos'.

Dizer de um desenho que é uma visão correta do Tivoli... significa que


aqueles que entendem a notação não obterão nenhuma informação falsa
do desenho — se ele dá o contorno em poucas linhas ou escolhe 'cada folha
de grama'.
(Gombrich 1960: 78; ênfase original)

A localização de Turner pode ser identificada combinando sua pintura com a


aparência do mesmo local hoje; o mapa topográfico pode ser testado usando-
o para navegar até a junção dos Tees e Greta. Uma apreciação do sucesso do
estilo pode ser obtida a partir da consideração do propósito que ele pretendia
alcançar. Turner foi contratado para ilustrar a história de Yorkshire e foi
atraído pelo rio Greta, não apenas porque Cotman o pintou onze anos antes,
mas porque Sir Walter Scott compôs um poema exaltando a selvageria das
árvores e da água corrente (Hill 1984 : 68-9). Ninguém conseguia encontrar
o caminho do castelo de Barnard para a Greta usando a pintura de Turner,
mas, igualmente, ninguém conseguia apreciar a grandeza da cena a partir de
um mapa topográfico. Qualquer estilo visual exige um compromisso entre
detalhes representativos e clareza de expressão. A pintura de Turner
renuncia a detalhes da folhagem para evocar uma sensação de distância; o
mapa topográfico
126 Robert Layton

torna a floresta em termos de um motivo de 'árvore' padronizado e repetido


sem levar em conta variações na forma ou distribuição.

Referencial (ostensivo) e estrutural significado


Em contraste com a posição de Derrida, o argumento de Gombrich
permanece, portanto, na premissa de que os estilos artísticos podem ser
avaliados com referência a objetos que existem fora da tradição artística. O
mesmo argumento pode ser feito para o discurso linguístico? O filósofo Quine
imagina um antropólogo ou linguista chegando a uma comunidade
desconhecida e buscando entender sua linguagem. Quine argumentou que
uma distinção pode ser feita entre palavras que se referem a objetos e
aquelas que não se referem. Palavras como 'coelho', que se referem a objetos,
podem ser aprendidas por 'ostensão', ou seja, apontando para uma classe de
objetos a que se referem (Quine 1960: 17), mas muitas palavras como
'solteiro' são apenas parcialmente explicado pela ostensão. 'Informações
colaterais' são necessárias para fornecer uma compreensão completa do
status de bacharel. As teorias causais pertencem à estrutura cultural e uma
frase como 'neutrinos carecem de massa' (ou, pode-se acrescentar, 'locais
sagrados contêm energia criativa') situam-se no pólo oposto de 'coelho'
(ibid.: 76). A experiência nunca é adequada para determinar qual das muitas
teorias possíveis é correta: "as alternativas surgem: as experiências exigem a
mudança de uma teoria, mas não indicam exatamente onde e como" (ibid.:
64).
Puttnam sugeriu que o problema com a distinção de Quine entre
observação e sentenças teóricas era que um termo como bosorkanyok
poderia igualmente significar "velha feia com verruga no nariz" ou "bruxa".
Este último está embutido dentro de uma teoria do ser, o primeiro
aparentemente não está (Puttnam 1995). Sugiro que termos como
'bosorkanyok' possam ser elucidados em frases que mostrem as conexões
causais postuladas entre referentes ostensivos, como 'um 'bosorkanyok'
adoece as pessoas viajando à noite como uma luz branca e comendo seus
órgãos'. No entanto, se as representações são subdeterminadas pela
experiência, só podemos fazer uma correspondência imperfeita com
construções causais em nossa própria cultura. Como observa Puttnam, é a
tradução de sentenças teóricas indígenas, ao contrário das 'sentenças de
observação', que inevitavelmente será incompleta (ibid.).

DISCURSO COMO REPRESENTAÇÃO VERBAL


Gombrich mostrou que o estilo é uma dimensão necessária de qualquer
tradição artística. O mesmo ocorre na linguagem. A concepção de estilo de
Gombrich corresponde em muitos de seus aspectos à concepção de
"discurso" de Foucault, como indicam as seguintes passagens de sua obra.
Representando o lugar das pessoas na paisagem 127

Gombrich (1960) Foucault (1972)


O historiador sabe que se esperava Uma história do referente é possível,
que as imagens informativas mas Foucault deseja estudar como as
fornecessem diferiram amplamente coisas são faladas dentro dos termos
em diferentes períodos (p. 59). estabelecidos por um determinado
Não faz sentido olhar para um discurso (p. 48).
motivo a menos que se tenha O livro e a obra não devem ser
aprendido a classificá-lo e localizá- tratados como totalidades; cada livro
lo dentro da rede de formas se relaciona com outros escritos na
esquemáticas (p. 63). Uma pintura mesma tradição. (pág. 24).
'correta' não é um registro fiel de Um discurso não é um mero
uma experiência visual, mas a cruzamento de palavras e coisas, mas
construção fiel de um modelo uma prática que forma
relacional (p. 78). sistematicamente os objetos de que
A quantidade de informação que
fala (p. 49).
nos chega do mundo visível é
A 'positividade' de um discurso
incalculavelmente grande, e o meio
especifica os objetos de que trata, os
do artista é inevitavelmente
tipos de enunciação e os conceitos
restrito e granular (p. 182).
que manipula e as estratégias que
Não podemos manter duas leituras
emprega. Estas estabelecem as
conflitantes de uma figura ambígua
simultaneamente em nossas possibilidades de uso e apropriação
mentes (p. 198)... estamos cegos oferecidas pelo discurso (p. 183).
para as outras interpretações As regras de um discurso
possíveis (p. 210). Os hábitos são determinam quais posições o sujeito
necessários à vida, o postulado de pode assumir em relação ao objeto
um olhar imparcial exige o do discurso: como questionador
impossível (p. 251). direto, observador, decifrador etc., e
A revisão que Gombrich defende na define quais afirmações são
história da representação visual é consideradas válidas, marginais ou
paralela à revisão que foi exigida na irrelevantes (p. 62).
história da ciência (p. 271).

A principal diferença entre Gombrich e Foucault é que Gombrich tem uma


postura mais modernista em relação ao mundo percebido. Ele está
interessado em como um mundo natural postulado é representado enquanto
Foucault tende a colocar essa questão de lado, não porque seja impossível
investigar – “tal história do referente é sem dúvida possível” (Foucault 1972:
47) – mas porque ele deseja confinar sua análise às relações internas de um
discurso (ibid.: 45). Este capítulo argumentará, no entanto, que a
compreensão antropológica das representações de outra cultura depende da
identificação dos objetos aos quais essas representações se referem. Só então
podemos buscar em nosso próprio repertório cultural as representações
correspondentes e tentar traduzir o discurso indígena em um familiar.
128 Robert Layton

Como os diferentes estilos de arte, cada discurso se concentra em certas


qualidades da experiência e desconsidera outras. As premissas causais que
subscrevem um discurso tornam certas interpretações inquestionáveis, mas
também permitem que outras interpretações sejam questionadas, ou seja,
colocadas e avaliadas. Como o historiador ou antropólogo da arte, o
estudante de discursos exóticos pode perguntar de que maneira um discurso
desconhecido fornece representações aparentemente familiares e de que
maneira ele descreve qualidades do mundo para as quais nosso próprio
discurso é cego.
Assim, embora eu concorde com Rapport (Capítulo 11 deste volume), que
"os seres humanos agem em relação às coisas com base nos significados que
as coisas têm para eles", questiono se pode ser dito que "não há verdade
objetiva sobre o mundo, [porque] o mundo pode ser interpretado igualmente
bem de maneiras muito diferentes e profundamente incompatíveis”
(Rapport p. 182). Pode-se chegar a um acordo sobre a verdade de que certos
objetos existem. A dificuldade é que nossos julgamentos da racionalidade dos
discursos uns dos outros sobre esses objetos serão sempre expressos dentro
das hipóteses causais embutidas em nosso próprio discurso. Nossas
representações, ainda que dos mesmos objetos, estão sendo puxadas em
direções diferentes por sua inserção em diferentes sistemas de significação.
Quando deixamos de combinar suas representações com um objeto cuja
existência admitimos, Quine (1960: 69) considera tais apelos ao "misticismo
primitivo" como último recurso. Argumento que uma estratégia preferível é
suspender nosso julgamento e permitir 'espaço' cognitivo suficiente para a
coexistência de ontologias conflitantes. Quine (1960: 69) considera tais
apelos ao "misticismo primitivo" como último recurso. Argumento que uma
estratégia preferível é suspender nosso julgamento e permitir 'espaço'
cognitivo suficiente para a coexistência de ontologias conflitantes.
A primeira tentativa de uma comunidade indígena no Território do Norte
da Austrália de obter o reconhecimento legal de seu título tradicional de terra
falhou porque o juiz decidiu que a lei australiana não incorporava uma
definição de propriedade correspondente à que a comunidade reivindicava
(ver Layton 1985) . Quando o Governo Federal respondeu introduzindo a
legislação do Direito Territorial do Território do Norte, criou tal 'espaço' ao
inserir na legislação uma tradução das representações indígenas. Foi
reconhecido um conceito culturalmente relativo de responsabilidade
coletiva pelos sítios, que definia a propriedade aborígine tradicional como
decorrente de 'afiliações espirituais comuns a um sítio na terra,
Representando o lugar das pessoas na paisagem 129

TRADUZINDO REPRESENTAÇÕES INDÍGENAS


Uma revisão da história da antropologia australiana mostra que as traduções
que têm sido propostas para o discurso indígena dependem
substancialmente de quais objetos são tomados como referentes desse
discurso. Na virada do século, Baldwin Spencer e FJGillen realizaram trabalho
de campo no centro e no norte da Austrália durante o início do período
colonial, cerca de vinte anos após as primeiras estações de gado terem sido
instaladas em terra ao longo da rota da linha telegráfica terrestre entre
Darwin e Adelaide. O trabalho de Spencer e Gillen tinha dois temas
principais: terminologia de parentesco e cerimônia. Muitas das comunidades
com as quais trabalhavam ainda viviam em seu país tradicional, e Spencer e
Gillen puderam esboçar os vínculos entre parentesco e cerimônia que se
estabeleceram localizando seus referentes na paisagem.

Cada grupo totêmico de indivíduos originou-se como a prole de uma


criatura ancestral, homônima, que andava pelo país fazendo serras,
riachos, charcos e outras características naturais. Onde quer que ele
realizasse cerimônias sagradas, lá ele deixava para trás indivíduos
espirituais, que emanavam de seu corpo.
(Spencer e Gillen 1904: 170)

Spencer e Gillen descobriram que as cerimônias celebram as atividades de


heróis ancestrais em locais da terra: "a que testemunhamos estava ligada a
um totem de cobra chamado Putjatta, e estava associada a um lugar
conhecido como Liaritji" (ibid.: 222). Eles registram a palavra mingaringi
(miniringgi) como o termo para 'chefe' entre as tribos costeiras, e
descobriram que o papel era transmitido patrilinearmente (ibid.: 23-4).
Em seu prefácio de The Native Tribes of Central Australia (1899), de
Spencer e Gillen, JGFrazer pegou o que ele considerava ser o suporte que sua
etnografia fornecia para suas teorias da evolução cognitiva. Ele interpretou
as características topográficas que estão sujeitas a ritos crescentes como o
objeto principal do discurso religioso aborígine e argumentou que a obra de
Spencer e Gillen apontava para a crença na concepção espiritual, na qual o
nascituro é animado pelo espírito de um ser ancestral, como a fonte mais
provável de totemismo. Ele queria elucidar o princípio da causação que
supostamente permitia que um ritual de golpe ou pintura de rochas
aumentasse o número de espécies totêmicas, e concluiu que as descobertas
de Spencer e Gillen apoiavam a teoria de Hegel de que uma Era da Magia
precedeu a Era da Religião (ver Ackerman 1987: 154). Durkheim, por outro
lado, encontrou uma demonstração de sua teoria da origem sociológica da
religião na obra de Spencer e Gillen. O grupo social era visto como o objeto
ao qual os ritos se referiam. Cerimônias, Spencer e Gillen observaram em
1896-7,
130 Robert Layton

foram interpretados como uma expressão simbólica da interdependência da


sociedade e do indivíduo. "O essencial", escreveu Durkheim, "é que os
homens estejam reunidos, que os sentimentos sejam sentidos em comum"
(1915: 386). A coletividade social era considerada o referente da religião.
Como Durkheim, ao contrário de Frazer, afirmou ter encontrado uma função
real para a religião aborígine, e não ilusória, sua abordagem forneceu o
paradigma dominante para os antropólogos funcionalistas que se seguiram.
Spencer estava entre os defensores da criação de assentamentos especiais
em reservas para proteger os aborígenes da exploração por colonos e treiná-
los para serem assimilados pela comunidade dominante (Rowley 1970: 248,
256). Quando os antropólogos começaram a explorar a estruturação interna
das unidades de organização social humana elementar de Durkheim, eles se
apoderaram do "método genealógico" porque os indivíduos eram referentes
ideais sobre os quais ancorar construções sociais. A pesquisa de Radcliffe-
Brown no norte da Austrália Ocidental foi realizada em uma área
severamente perturbada por assentamentos pastoris. Muitas de suas
informações foram coletadas em um hospital de isolamento para vítimas de
doenças venéreas, onde obteve genealogias e declarações de regras de
casamento, mas não observou a vida cotidiana no próprio país de seus
informantes (Kuper 1983: 44-5). Embora alguns grupos, como os Alawa e os
Gurinji, permanecessem em fazendas de gado, a etnografia subsequente foi
geralmente conduzida nas missões da igreja e nos assentamentos
governamentais para os quais a maioria dos aborígenes do Território do
Norte havia sido removida. A pesquisa detalhada de Warner entre os Yolngu
(seu 'Murngin') do nordeste da Terra de Arnhem foi conduzida
principalmente na missão Millingimbi entre 1926 e 1929 (Warner 1937).
Warner observou o significado dos locais sagrados nas lendas e rituais que
estudou. Ele considerava a natureza e a organização social como os dois
'referentes' da cerimônia de Murngin (Warner 1958 [1937]:
Assim, foi somente quando os próprios aborígenes começaram a deixar os
assentamentos artificialmente grandes e sedentários criados pelos colonos e
a retornar aos seus países tradicionais que se tornou viável para os
antropólogos estudar a relação entre visão de mundo, povo e país. A
etnografia que segue examina essa relação em detalhes.

A PAISAGEM CULTURAL DE ALAWA


Os Alawa vivem no Território do Norte da Austrália. Embora
tradicionalmente caçadores e coletores, os Alawa foram submetidos a um
século de colonização por pastores que trouxeram uma economia pecuária
para a região. O povo Alawa, no entanto, manteve uma presença contínua em
seu território tradicional, apesar dos massacres
Representando o lugar das pessoas na paisagem 131

infligidos durante o início do período colonial. A situação maori descrita por


Cheater e Hopa (Capítulo 13 deste volume), na qual a identidade maori não
tem mais uma base rural, difere marcadamente daquela de muitas
comunidades indígenas no Território do Norte da Austrália. As práticas
tradicionais de caça e coleta continuam importantes e os Alawa têm sido tão
bem sucedidos em manter seu sistema tradicional de posse da terra que,
graças às reivindicações de terras de Cox River e Hodgson Downs em dois
antigos arrendamentos pastoris, grande parte de seu país tradicional é agora
propriedade aborígine. Roper Kriol é o meio habitual de conversação diária,
embora muitas pessoas de meia-idade e mais velhas sejam fluentes em
Alawa.

SUBSISTÊNCIA: MAPEAMENTO NA ECOLOGIA

O ambiente
Hodgson Downs está situado no País do Golfo do Território do Norte, dentro
do que o discurso ecológico ocidental chama de zona climática de monção, e
é dominado por vegetação de savana aberta. A pastagem cobre as planícies
de inundação do rio. As lagoas e suas margens são as mais ricas em espécies
úteis, seguidas pelos bosques, que crescem em solo arenoso e campos de
cascalho. Menos espécies úteis são encontradas no país do penhasco. A água
não é apenas intrinsecamente importante para a sobrevivência humana;
reservatórios naturais permanentes de água também sustentam a maioria
dos recursos de subsistência. No seguinte relato do ambiente Alawa, baseio-
me na instrução do Alawa sênior, recebida durante a preparação das
reivindicações de terras de Cox River e Hodgson Downs.
Alawa orienta-se dentro de seu ambiente de acordo com dois princípios, a
posição do sol e a direção do fluxo do rio. As listas a seguir fornecem termos
de Alawa na coluna da esquerda e seus equivalentes em Kriol à direita.

ngunagadi lado do
nascer do
sol(Leste)
lurunggadi lado do pôr
do
sol(Oeste)

Como a direção predominante do fluxo do rio é de sul para norte, os termos


direcionais Alawa a montante e a jusante tendem a corresponder,
fortuitamente, aos termos sul e norte.

valor a montante
lingerie Rio abaixo

Uma terminologia detalhada para descrever a paisagem existe no Alawa


132 Robert Layton

Língua. País, no sentido material de solo ou solo, é bangara.


Entre as zonas ecológicas identificadas pelos Alawa estão:

uraiou wuran adubo


manguru planície aberta
lirrimunja país de cascalho
namurlmiyn colina redonda (namurl = pedra grande)
ngayiwurr país do penhasco

A distribuição geral dessas zonas ecológicas está representada na Figura 8.2.


País também pode ser referido de acordo com as espécies dominantes na
floresta. Mandiwaja é uma região de acácias raquíticas, como cresce em
colinas de arenito ou afloramentos rochosos (o 'objeto' que os Alawa
chamam de Mandiwaja é traduzido por Wightman et al. (1991) como
Cassytha filiformis, uma trepadeira retorcida que cresce sobre outras
plantas). País Anawun ou lancewood (lancewood = Acacia shirleyi) é
encontrado em encostas íngremes. Bijinlan é o país da goma-branca,
Wamba é a árvore de goma dos montes de areia (não consegui obter nomes
equivalentes no discurso botânico ocidental para Bijinlan e Wamba).
Proposições sobre onde forragear podem ser feitas e testadas dentro do
discurso Alawa. O país de Mandiwaja é bom para caçar emas. Wiyaragu, país
da árvore-fumaça/jaca-amarela, é bom para caçar o canguru das planícies
(Wiyaragu = Eucalyptus pruinosa). A folhagem densa de Anawun
(lancewood) impede que outras plantas cresçam por baixo e as pontas
afiadas de seus galhos quebrados são fatais para os pneus dos veículos com
tração nas quatro rodas. Anawun não é um habitat rico para forrageamento.
Povinelli (1993) fornece bons exemplos comparativos de discurso sobre a
probabilidade de
forrageamento bem sucedido na Península de Cox.
A ideia de que a ciência ocidental pode aprender com o conhecimento
ecológico indígena está agora bem estabelecida (por exemplo, Williams e
Baines 1993; Baker et al. 1993; Richards 1993). Mas o conhecimento
ecológico Alawa é fundado em um conjunto diferente de premissas causais
das nossas. A paisagem é vista como produto de forças sencientes, e mesmo
as inferências mais práticas têm implicações diferentes daquelas que podem
ter para nós (cf. Povinelli 1993; Wilkins 1993). Uma criatura, por exemplo,
está se comportando como se fosse apenas um animal de caça ou como a
encarnação de um ser ancestral? O discurso sobre as ações dos heróis
ancestrais é mais como uma geomorfologia indígena, revelando a estrutura
causal subjacente ao mero solo ou solo.

ANCESTRAIS E ECOLOGIA
Nas palavras de um homem Alawa, 'Quando o mundo foi criado, os sonhos
fizeram os lugares'. Como os seres heróicos que combinaram os atributos de
humanos e animais acamparam e viajaram pelo país,
Figura 8.2Ecologia de Alawa
134 Robert Layton

seus corpos, artefatos e ações tornaram-se lugares imbuídos de sua presença.


Se as rotas dos seres ancestrais são traçadas em um mapa topográfico, fica
claro que eles geralmente seguem (porque moldaram) rios, riachos ou vales
durante sua viagem. Muitas vezes, os ancestrais liberavam nascentes ou
cavavam poços em busca de água. Quando um ser ancestral atravessa
terreno(s) rochoso(s) seco(s), ele normalmente não para. As referências à
paisagem estão profundamente enraizadas no discurso alawa sobre os
ancestrais, mas a tradução às vezes é mais difícil do que no caso da topografia
e das espécies naturais porque expressam a teoria alawa da formação da
paisagem.
Yargala, o Canguru das Planícies, viajou pela rota do Lilirrganyan Creek
até o ponto em que deságua no terreno pantanoso e se funde com o principal
rio Hodgson. Na única ocasião em que ameaçou sair do riacho, foi perseguido
pelo Bush Turkey, que tinha seu ninho em uma colina vizinha. Yargala foi
caçado por dois cães. Ele também estava doente e tossiu cuspe que se tornou
ocre vermelho em Danggalaraba, a jusante de Lilirrganyan. O ocre é usado
regularmente por Alawa para pintar cascas e outros artefatos. Ao chegar a
Iwujan, Yargala ficou tão doente que teve que rastejar o restante do caminho
até Minyerri, onde se encontrou com o Guyal Goanna. Yargala dirigiu-se a
Goanna como Gugu (mãe da mãe da 'Vovó') e pediu-lhe que lhe arranjasse
uma esposa. Goanna só lhe ofereceu uma mulher idosa. Yargala ficou tão
zangado que cuspiu sua Bad Cold Sickness, que permanece embutido na
plataforma rochosa próxima à lagoa de Minyerri. Depois de viajar uma curta
distância até o rio Hodgson, ele virou para o leste e seguiu riachos que
deságuam no rio Hodgson através da planície de Windiri. Chegando à
cabeceira desses riachos, ele se levantou no divisor de águas e olhou para as
planícies e bacias de barro que ocupam o lado leste de Hodgson Downs,
falando Mara pela primeira vez, antes de viajar pelo riacho Dirinyinji (Mason
Gorge).
Wadabir, a Goanna Negra, viajou pelo rio Hodgson, criando muitas das
lagoas permanentes entre seu local de nascimento e Minyerri, local da
herdade da Estação e da comunidade Alawa. O mesmo padrão pode ser visto
nas rotas de outros seres ancestrais. As Mungamunga ("Mulheres
Selvagens") subiram o rio Hodgson, tomando uma rota ligeiramente a oeste
do Goanna. Um par de Warradbunggu (Pythons) desceu Awulngu (Paisley)
Creek, que drena o canto sudeste de Hodgson Downs, parou no rio Hodgson
em Muwalanlan (Cork Hole), depois virou Midiri (Kempsey) Creek. Um
segundo par de pítons atravessou as panelas de barro baixas no canto
nordeste de Hodgson Downs. Essas pítons são conhecidas, respectivamente,
como 'Top' e 'Bottom' Warradbunggu.
Representando o lugar das pessoas na paisagem 135

Parentesco COM A TERRA

Pessoas e país
Os direitos e as responsabilidades de cuidar da terra são detidos por grupos
de pessoas vivas. As áreas de terra mantidas por tais grupos são
freqüentemente referidas na literatura antropológica como 'propriedades'
(seguindo Stanner 1965). Alawa se refere a eles como 'países'; mas a palavra
alawa para 'país' nesse sentido (ninda) não é a palavra usada para significar
país no sentido topográfico (bangara). Os países (propriedades) são
essencialmente aglomerados de sítios em vez de áreas delimitadas de terra.
Os grupos detentores dessas propriedades estão associados a quatro semi-
metades. As semi-metades Murungun e Mambali juntas compreendem uma
metade sem nome, enquanto a outra consiste nas semi-metades Budal e
Guyal.
Os principais rios são divididos em blocos pertencentes a países de semi-
metades alternadas. Cada um se estende ao longo de riachos tributários. Em
rios e riachos, os limites da propriedade são tipicamente definidos com
precisão e uma árvore sagrada, rocha ou poço de água será conhecido por
marcar o 'último lugar' em uma determinada propriedade. Longe dos
principais cursos de água, os limites são menos definidos, mas tendem a
corresponder às bacias hidrográficas. O foco dos países está, no entanto, nos
pontos centrais e não nas margens, em contraste com a noção ocidental de
áreas delimitadas. São os rastros percorridos pelos seres heróicos que
determinam os focos das propriedades. Cada herói ancestral pertence a uma
semi-meia particular. Yargala (Canguru das Planícies) é Budal, Wadabir
(Black, ou Water Goanna) e Jambirina (Bush Turkey) são Guyal.

Herança ou direitos e responsabilidades


A participação em semi-metades, como Maori Iwi, é transmitida de pai para
filho. O casamento é proibido entre Budal e Guyal, constituindo, como eles,
um patri-meio sem nome. O casamento também é proibido entre Murungun
e Mambali. O padrão de casamento preferido é que Budal se case com
Mambali em uma geração e Murungun na próxima. As outras três semi-
metades devem observar uma alternância semelhante. O sistema de
subseções especifica os casamentos que devem ser realizados para manter
tal padrão. Todo indivíduo deve, portanto, ter parentes próximos em todas
as quatro semi-metades. Aqueles que herdam a participação no grupo
responsável por um país por meio de seus pais são chamados de miniringgi.
Aqueles que herdam a filiação através de suas mães são denominados
junggaiyi, enquanto aqueles que herdam a filiação através de suas mães são
denominados darlnyin. Cada indivíduo pertencerá a três desses grupos, cada
um com um país diferente, e desempenhará um papel diferente em cada
grupo.
Os rastros ancestrais descritos no mito mapeiam esse parentesco no
136 Robert Layton

paisagem. A terminologia de parentesco Alawa tem a mesma estrutura que o


sistema de subseções. Cada patrilinha corresponde a uma semi-metade, mas
leva quatro em vez das duas gerações do sistema de subseção para completar
um patri-ciclo. A realização de cerimônias é fundamental para afirmar sua
posição na sociedade Alawa. Os próprios Alawa afirmam isso claramente. 'A
cerimônia segura o país' (Dawson Daniels, um homem Mara). 'Assim que
você perde a cerimônia, você está acabado' (Philip Watson).
Há uma interdependência política inescapável entre pessoas de diferentes
clãs e metades opostas. Aqueles que estão na relação de miniringgi com uma
cerimônia pedem que ela seja realizada, mas são os junggaiyi e darlnyin que
concordam com o tempo. A participação de junggaiyi em uma cerimônia é
essencial. Tampouco são meros assistentes. 'Se eu disser que quero uma
[cerimônia]', disse um homem de Mambali, já falecido, 'os caras têm que fazer
o trabalho'. Os junggaiyi preparam a pista de dança e os equipamentos
cerimoniais, decoram o miniringgi e cantam as canções. Junggaiyi pode
expressar sua dominação sobre os miniringgi durante as cerimônias
provocando-os e criticando seu desempenho. Como disse o falecido Silas
Roberts durante a cerimônia realizada em Hodgson Downs em 1979, 'ele (o
junggaiyi) tem permissão para fazer isso porque ele é mestre de cerimônias'.
Gudabi disse, 'Ninguém pode discutir com o junggaiyi, porque ele é um
vencedor.' Os Miniringgi não podem se aproximar de locais sagrados
importantes, caso o poder ancestral que deles emana os faça adoecer.
Junggaiyi cuida de locais sagrados. Se um junggaiyi encontrasse os rastros
(pegadas) de um miniringgi indo para um local fechado, ele o multaria. Se um
galho cair de uma árvore sagrada, os miniringgi são obrigados a pagar uma
multa ao junggaiyi (ver Layton 1985).

Concepção filiação
Cada adulto tem um nome pessoal que é o nome de um site ao qual ele está
miniringgi. Assim, Sandy Mambuji (já falecido), recebeu o nome da rocha na
Lagoa Minyerri onde o Goanna foi morto. Hatrick Buranjina recebeu o nome
de uma das lagoas em que o Goanna parou em sua jornada para Minyerri. É
direito do Hatrick decidir quem levará o nome quando morrer. O pai de
Stephen Roberts (um homem Budal) tinha dois cães de caça que ele nomeou
em homenagem aos cães que perseguiam Yargala, o Canguru das Planícies.
Espíritos animadores de nascituros foram deixados em certos pontos da
paisagem pelos heróis ancestrais. Diz-se que cada criança foi 'embebida na
água' em que seu espírito jazia antes da concepção. O espírito animador de
uma criança é geralmente encontrado por um ou outro de seus pais,
geralmente em uma propriedade da semi-metade à qual seu pai é miniringgi.
Menos frequentemente, é uma propriedade da outra semi-metade
pertencente à mesma metade sem nome.
A afiliação da concepção, portanto, fornece um meio de mapear
Representando o lugar das pessoas na paisagem 137

contingências em um sistema aparentemente inflexível de afiliação social e é


um elemento crucial do discurso Alawa sobre o lugar das pessoas na
paisagem. Caracteristicamente, o espírito animador usa um item de alimento
vegetal ou animal coletado por seus pais para chegar ao ventre da mãe. Como
os pais devem estar acampados em uma propriedade para encontrar um
bebê lá, a afiliação da concepção provavelmente refletirá os padrões de
residência. Durante os períodos de convulsão social criados pelo
colonialismo e pelo trabalho na indústria pastoril descritos abaixo, a filiação
da concepção proporcionou um meio para que as crianças nascidas longe das
propriedades dos pais fossem integradas na comunidade onde os pais
haviam estabelecido residência.
Se o espírito animador não for encontrado na propriedade que é de seu
pai por descendência patrilinear, o bebê tem os direitos potenciais de
miniraternidade tanto na propriedade de seu pai quanto em sua propriedade
de concepção, embora estes só possam ser ratificados pelo junggaiyi. Se o
'chefe (junggaiyi) dessa água' consentir, então o filho de pais Alawa
'encharcado' no país Mara pode se tornar miniringgi para uma propriedade
Mara e o filho de um homem Murungun 'encharcado' em uma propriedade
Mambali pode se tornar miniringgi para Mambali.

Casamentos errados
Existem duas formas principais de "casamento errado". No primeiro, as
pessoas se casam na patri-metade correta, mas na semi-metade 'errada'
dentro dessa metade, ou seja, a semi-metade de sua mãe e do irmão da mãe.
Na prática, essa escolha de casamento é tolerada e ocorre com relativa
frequência (em cerca de 25% dos casos em uma amostra extraída de
genealogias compiladas para a reivindicação de terras do Rio Cox/Alawa).
Embora tal casamento reduza o escopo da rede social do Ego, ele não infringe
a distinção básica entre os papéis miniringgi e junggaiyi. Significa
simplesmente que pai e filho serão junggaiyi para a mesma semi-metade, em
vez de semi-metades diferentes na mesma patri-metade.
Muito mais sérios são os casamentos entre as metades, ou seja, entre Guyal
e Budal, ou Mambali e Murungun. Esses casamentos são chamados de "casar
com a avó" e, como o pai e a mãe de Ego vêm da mesma metade patrimonial,
o Ego é potencialmente tanto miniringgi quanto junggaiyi para os mesmos
complexos cerimoniais. Uma vez que os dois papéis são absolutamente
opostos (junggaiyi deve desempenhar funções proibidas ao miniringgi), um
indivíduo não pode desempenhar ambos e uma decisão deve ser tomada
sobre qual será escolhido antes que o indivíduo possa assumir o status
cerimonial. Aqui, novamente, o discurso Alawa fornece proposições
alternativas. Convencionalmente, os filhos de casamentos errados recebem o
status de semi-meia e subseção que teriam recebido se sua mãe tivesse se
casado corretamente. Se a família do pai é poderosa, no entanto, eles podem
insistir que os filhos 'seguem o pai'. Qualquer que seja o curso de ação
tomado, um grupo perderá membros em potencial. No primeiro caso, o grupo
da mãe mantém a
138 Robert Layton

filhos como junggaiyi, mas o grupo do pai os perde como miniringgi. Na


segunda, o grupo da mãe perde junggaiyi. O resultado de qualquer caso será
uma questão de negociação (ver Bern 1979), e argumentos poderosos podem
ser montados em ambos os lados. A questão não pode ser resolvida sem
determinar a qual propriedade as crianças devem ser associadas, seja como
miniringgi ou junggaiyi. É o junggaiyi das propriedades apropriadas que deve
decidir.
O discurso de Alawa sobre as pessoas e a terra permite, assim, um debate
refinado sobre como os direitos e responsabilidades podem ser alocados.
Embora incorpore um modelo normativo que mostra como a filiação das
pessoas deve ser determinada, Alawa reconhece que as circunstâncias
podem divergir do modelo e reconhece formas alternativas de lidar com tais
discrepâncias. A antropologia social, em geral, reconhece a validade desse
debate. Embora tenha sido questionado durante a primeira aplicação do
Northern Territory Land Rights Act no Ranger Uranium Environmental
Inquiry (ver Layton 1985: 156-7), também foi, em princípio, concedido
durante reivindicações de terras sob o Act. No caso do conhecimento
ecológico tradicional, o diálogo intercultural é possível porque se supõe que
tanto os discursos indígenas quanto os ocidentais representam objetos
externos a ambos. No caso da filiação social, os seres humanos individuais
são tomados como pontos de referência comuns (o método genealógico),
assim como a terra, mas a ortodoxia antropológica considera as relações
sociais entre as pessoas como inteiramente construídas culturalmente e,
portanto, determináveis apenas por aqueles que são participantes
competentes no processo. cultura. Podemos suspender a descrença porque
aceitamos que nossas próprias ideias de parentesco são culturalmente
construídas. O passo crítico em relação às reivindicações de terras, no
entanto, foi a demonstração de que a sucessão era regida por princípios e não
pelo oportunismo; um ponto argumentado com sucesso por testemunhas
antropológicas no inquérito Ranger (Peterson et al. 1977). mas a ortodoxia
antropológica considera as relações sociais entre as pessoas como
inteiramente construídas culturalmente e, portanto, determináveis apenas
por aqueles que são participantes competentes da cultura. Podemos
suspender a descrença porque aceitamos que nossas próprias ideias de
parentesco são culturalmente construídas. O passo crítico em relação às
reivindicações de terras, no entanto, foi a demonstração de que a sucessão
era regida por princípios e não pelo oportunismo; um ponto argumentado
com sucesso por testemunhas antropológicas no inquérito Ranger (Peterson
et al. 1977). mas a ortodoxia antropológica considera as relações sociais
entre as pessoas como inteiramente construídas culturalmente e, portanto,
determináveis apenas por aqueles que são participantes competentes da
cultura. Podemos suspender a descrença porque aceitamos que nossas
próprias ideias de parentesco são culturalmente construídas. O passo crítico
em relação às reivindicações de terras, no entanto, foi a demonstração de que
a sucessão era regida por princípios e não pelo oportunismo; um ponto
argumentado com sucesso por testemunhas antropológicas no inquérito
Ranger (Peterson et al. 1977). foi a demonstração de que a sucessão era
regida por princípios e não por oportunismo; um ponto argumentado com
sucesso por testemunhas antropológicas no inquérito Ranger (Peterson et al.
1977). foi a demonstração de que a sucessão era regida por princípios e não
por oportunismo; um ponto argumentado com sucesso por testemunhas
antropológicas no inquérito Ranger (Peterson et al. 1977).

LUGARES SAGRADOS
Há um terceiro aspecto da representação de Alawa, no entanto, que não
coincide com nenhuma representação ocidental da paisagem. Este é o
fenômeno dos locais sagrados. Há uma série de lugares criados por seres
ancestrais onde seu poder criativo pode ser liberado esfregando ou batendo
na rocha. Um desses casos é o dos ovos de Wadabir, deixados em Galalgalal-
arrganya. O espeto de Yargala, deixado em Minyerri, é protegido por
pedregulhos para garantir que não seja atingido acidentalmente, causando
uma epidemia de resfriados. Enquanto se preparava para a reivindicação de
Hodgson Downs, Ross Howie, o advogado que representaria os reclamantes,
perguntou a várias pessoas por que era importante realizar cerimônias. Uma
razão geral dada para comemorar as viagens dos ancestrais é renovar a
fertilidade que eles criaram. As cerimônias são realizadas 'para manter o país
vivo' ou, como
Representando o lugar das pessoas na paisagem 139

Bandiyan disse: 'A cerimônia mantém o país vivo, é a nossa vida.' Uma vez
que Hodgson Downs fica no coração da colonização pastoral no Território do
Norte, é um fato notável que continua sendo um centro de cultos que
celebram o apego tradicional do povo à terra. Esta é precisamente a outra
razão que as pessoas deram para realizar cerimônias. Ashwood Farrell
expressou-se modestamente, 'a cerimônia cuida do país, então não queremos
perder nosso país'. August Sandy foi mais direto: se as cerimônias não fossem
realizadas, "alguém como você poderia atirar em nós e nos expulsar de
nossas terras".
Enquanto a ideologia indígena sustenta que os sítios foram criados pelos
seres ancestrais em um tempo passado, ainda é possível perceber sítios não
identificados anteriormente na paisagem. Durante a preparação da
reivindicação de terras do rio Cox, visitamos um local bem conhecido no rio
Arnold, no qual as pítons deixaram seus ovos. Enquanto viajávamos em
direção ao local anterior na trilha das pítons, um dos homens mais velhos que
eu acompanhava descobriu uma coleção semelhante de pedregulhos
esféricos em um buraco na margem do rio alguns quilômetros a jusante.
Sabendo que as pítons haviam viajado rio acima, ficou imediatamente claro
para ele que este era outro local na mesma trilha (ver Layton 1993: 117). Ao
preparar a reclamação de Hodgson Downs, ocorreu um evento semelhante.
Tínhamos sido levados a um local onde um grupo de ancestrais realizou pela
primeira vez uma cerimônia que envolve a construção de postes de madeira.
Na viagem de regresso, por um trilho que seguia o sentido do seu percurso, o
grupo parou para cortar árvores para uso num próximo rito mortuário.
Caminhando por uma plataforma rochosa, encontramos dois buracos
desgastados na rocha que pareciam os buracos de postes deixados após uma
cerimônia. Ficou claro que os mesmos ancestrais pararam aqui.
Um aspecto fascinante da Lei de Direitos de Terras do Território do Norte
é o reconhecimento de que os direitos aborígenes à terra não podem ser
traduzidos em conceitos de propriedade ocidental e sua conseqüente
incorporação de uma definição em termos de responsabilidade por locais
sagrados. No entanto, está implícito na Lei que os sítios que são objeto de
'propriedade tradicional' e o conhecimento a eles associado são
predeterminados por um corpo de tradição. O caso de leituras conflitantes
de Coronation Hill é um exemplo em que a discordância dentro da
comunidade indígena foi tomada por oponentes australianos brancos dos
direitos à terra para desacreditar as reivindicações aborígenes como ficções
(Keen 1992; Merlan 1991; cf. Weiner 1995).
No entanto, o reconhecimento de locais sagrados anteriormente
desconhecidos não é o ato oportunista que pode parecer a alguém cujas
representações consideram tais locais como ilusórios. Tony Tjamiwa, um dos
guardiões seniores de Uluru na Austrália central, comentou enquanto eu
trabalhava na renomeação do Parque Nacional de Uluru para a Lista do
Patrimônio Mundial sobre o prazer que ele sentia ao ensinar turistas a
reconhecer locais sagrados ao redor da Rocha. As pessoas que passaram a
vida inteira no país, disse ele, podem
140 Robert Layton

reconhecem um lugar da lei quando vêem um, mas os turistas têm que ser
levados e apontados. "O que é isso?" eles perguntaram. E então, ele
continuou, você pode ver a alegria em seus rostos quando eles começam a
entender. Outro incidente que ocorreu durante a preparação para a
reivindicação de Hodgson Downs exemplifica o ponto de Tjamiwa. August
Sandy, um homem sênior de Budal, sabia de um local dentro da área de
reivindicação que havia sido criado quando o Barramundi e o Native Cat
pularam para uma escarpa rochosa do país mais a leste. Ele havia visto o local
quando jovem, quando estava reunindo gado. August também sabia que os
proprietários tradicionais eram aqueles que mantinham os sítios
Barramundi e Native Cat a leste. Quando os proprietários foram abordados,
ficou claro que esses homens nunca haviam visitado o local. Foi organizada
uma viagem de helicóptero que colocaria agosto, os proprietários e um
antropólogo no topo da escarpa remota. À medida que nos aproximávamos,
os donos souberam imediatamente onde ficava o local, apontando excitados
para as duas piscinas rochosas na beira do penhasco. Tais experiências
provocam uma sensação intrigante de que as representações Alawas da
paisagem são sensíveis a características às quais as representações
ocidentais são cegas.

CONCLUSÕES
O estilo das representações alawa da paisagem, e o lugar próprio das pessoas
dentro dela, põe em foco uma série de 'objetos' aos quais correspondem
'objetos' do discurso ocidental. Os tipos de proposições que podem ser
enquadradas na ontologia Alawa e submetidas à avaliação crítica às vezes
correspondem de perto às que nos são familiares, mas, outras vezes, nos
parecem decididamente exóticas. A pergunta, 'onde podem ser encontrados
animais de caça e plantas alimentícias?' é aquele sobre o qual Alawa e os
ocidentais podem se engajar em um diálogo frutífero. Tanto nós quanto eles
consideramos o comportamento cotidiano da presa como independente das
concepções humanas dele e, portanto, ambos aceitamos que a experiência de
caça colocará nossas representações desses 'objetos' à prova. Quanto à
filiação das pessoas ao país, reconhecemos as próprias pessoas e lugares
dentro da paisagem a que pertencem como 'objetos' aos quais o discurso
alawa faz referência, mas consideramos o discurso alawa sobre filiação social
como uma esfera autônoma de construção cultural. Discurso sobre a questão
'o que é um local sagrado?' é mais difícil de traduzir. O discurso Alawa
representa a paisagem como corporificação de agências animadas, enquanto
nós a representamos como produto de forças cegas. Como Evans-Pritchard
na ecologia Nuer, podemos representar a paisagem Alawa como um espaço
ecológico que molda as concepções Alawa de espaço social (Evans-Pritchard
1940), mas no que diz respeito ao discurso Alawa sobre locais sagrados
somos tentados, novamente como Evans-Pritchard , para concluir que 'Eles
raciocinam excelentemente no idioma de suas crenças, mas não podem
raciocinar fora ou contra suas crenças. mas consideram o discurso alawa
sobre filiação social como uma esfera autônoma de construção cultural.
Discurso sobre a questão 'o que é um local sagrado?' é mais difícil de traduzir.
O discurso Alawa representa a paisagem como corporificação de agências
animadas, enquanto nós a representamos como produto de forças cegas.
Como Evans-Pritchard na ecologia Nuer, podemos representar a paisagem
Alawa como um espaço ecológico que molda as concepções Alawa de espaço
social (Evans-Pritchard 1940), mas no que diz respeito ao discurso Alawa
sobre locais sagrados somos tentados, novamente como Evans-Pritchard ,
para concluir que 'Eles raciocinam excelentemente no idioma de suas
crenças, mas não podem raciocinar fora ou contra suas crenças. mas
consideram o discurso alawa sobre filiação social como uma esfera autônoma
de construção cultural. Discurso sobre a questão 'o que é um local sagrado?'
é mais difícil de traduzir. O discurso Alawa representa a paisagem como
corporificação de agências animadas, enquanto nós a representamos como
produto de forças cegas. Como Evans-Pritchard na ecologia Nuer, podemos
representar a paisagem Alawa como um espaço ecológico que molda as
concepções Alawa de espaço social (Evans-Pritchard 1940), mas no que diz
respeito ao discurso Alawa sobre locais sagrados somos tentados, novamente
como Evans-Pritchard , para concluir que 'Eles raciocinam excelentemente
no idioma de suas crenças, mas não podem raciocinar fora ou contra suas
crenças. O discurso Alawa representa a paisagem como corporificação de
agências animadas, enquanto nós a representamos como produto de forças
cegas. Como Evans-Pritchard na ecologia Nuer, podemos representar a
paisagem Alawa como um espaço ecológico que molda as concepções Alawa
de espaço social (Evans-Pritchard 1940), mas no que diz respeito ao discurso
Alawa sobre locais sagrados somos tentados, novamente como Evans-
Pritchard , para concluir que 'Eles raciocinam excelentemente no idioma de
suas crenças, mas não podem raciocinar fora ou contra suas crenças. O
discurso Alawa representa a paisagem como corporificação de agências
animadas, enquanto nós a representamos como produto de forças cegas.
Como Evans-Pritchard na ecologia Nuer, podemos representar a paisagem
Alawa como um espaço ecológico que molda as concepções Alawa de espaço
social (Evans-Pritchard 1940), mas no que diz respeito ao discurso Alawa
sobre locais sagrados somos tentados, novamente como Evans-Pritchard ,
para concluir que 'Eles raciocinam excelentemente no idioma de suas
crenças, mas não podem raciocinar fora ou contra suas crenças.
Representando o lugar das pessoas na paisagem 141

porque eles não têm outro idioma para expressar seu pensamento '(Evans-
Pritchard 1976: 159). No entanto, como Ahern (1982) demonstrou, Evans-
Pritchard estava igualmente vinculado por suas próprias regras
constitutivas. A análise do discurso de Foucault demonstra como as próprias
representações ocidentais mudaram ao longo do tempo, trazendo novas
questões em foco e tornando outras irrelevantes ou desinteressantes.
Identificar os referentes do discurso torna possível alguma medida de
tradução transcultural (cf. Kohn 1995). Se o critério para a tradução completa
é tornar familiares até mesmo as teorias causais de outras culturas, então a
tradução completa das representações Alawa é impossível.
Quando identificamos 'objetos' do discurso alawa na paisagem e nas
pessoas, podemos comparar as representações alawa com as nossas, como
podemos comparar os estilos artísticos contrastantes dos mapas Ordnance
Survey e as pinturas de JMWTurner, ou dois discursos foucaultianos.
Podemos perguntar quais aspectos dos referentes são trazidos à tona, e quais
são invisibilizados, em ambos os discursos. Mas as teorias causais fazem
parte da significação e, embora se manifestem no discurso alawa, não são
mais inteiramente determinadas pela experiência do que nossas teorias. As
hipóteses causais são sempre provisórias e repousam em premissas que não
podem ser examinadas de dentro da teoria. É uma medida da autonomia
política aderida à cultura aborígene pela comunidade dominante que, na Lei
do Direito à Terra do Território do Norte,

RECONHECIMENTOS
O Conselho de Terras do Norte, Darwin, me deu permissão para usar o
material coletado enquanto empregado por eles para trabalhar nas duas
reivindicações de terras. Todo o material foi verificado para publicação com
o Alawa durante a preparação dos relatórios dos antropólogos sobre as
reivindicações. Barry Gower e Jim Good me orientaram para a escrita de
Quine e Puttnam, e Nigel Rapport me incentivou a ler Derrida mais de perto.
Todos ajudaram a melhorar este capítulo.

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Capítulo 9

Ecoando o passado no Japão rural

John Knight

INTRODUÇÃO
Este capítulo trata do estudo antropológico de lugares muito estudados.
Minha participação repentina em um festival recém-criado no município de
Hongu, no planalto japonês (relembrado em detalhes abaixo) ocasiona um
exame de uma campanha de revitalização rural liderada pelo estado como
uma forma institucionalizada de gestão de representação. Minha presença
ativa no Echo Festival me levou a refletir sobre o modo como minha própria
prática antropológica se tornou localmente subsumida e institucionalmente
direcionada a um propósito internamente especificado. O que se segue é uma
tentativa de explorar, com respeito ao Japão contemporâneo das terras altas,
uma manifestação local particular do que Giddens chama de 'reflexividade
institucional' (1991). Para apresentar um esboço desse teatro local de
autorrepresentação, identifico os estudos anteriores realizados,
Antropólogos que trabalham no Japão rural frequentemente encontram
folclore escrito e folcloristas ativos em seu campo. Ben-Ari descobriu que um
relato do rito em uma vila suburbana que ele estudou já havia sido publicado
por um folclorista da região (Ben-Ari 1991: 92). Martinez lembra o problema
específico que encontrou no início de seu trabalho de campo na vila de
mergulho de Kuzaki:

[A] Todas as minhas perguntas foram respondidas com 'Leia este artigo,
por favor, ele lhe dirá tudo o que você precisa saber' ou 'Você sabe, um
professor muito instruído da universidade X me perguntou exatamente a
mesma coisa no ano passado e eu tive que dizer a ele que eu não sabia, eu
apenas faço isso.'
(Martínez 1990: 105)

O sul da Península Kii, onde realizei trabalho de campo antropológico,


também é um lugar muito estudado e escrito. É nacionalmente famosa pela
peregrinação de Kumano, que começou no início do século XI, embora mais
recentemente tenha sido aclamada como um repositório da cultura indígena
da idade da pedra.1 Como um dos lugares mais remotos do Kansai
Ecoando o passado no Japão rural 145

há muito tempo, folcloristas japoneses também se interessam pela parte sul


da península. Alguns antropólogos culturais japoneses bem conhecidos
também realizaram pesquisas na área, antes de realizar trabalho de campo
no exterior mais tarde. . Um visitante das livrarias em qualquer uma das duas
cidades costeiras descobriria prateleiras especiais dessas publicações locais.
Martinez descreve uma situação em que o conhecimento local se
textualizou, onde a pesquisa de campo passa a se assemelhar à pesquisa em
biblioteca. Aqui minha preocupação é com um legado local menos óbvio de
tais estudos anteriores. Os informantes podem se submeter a publicações
acadêmicas anteriores sobre alguns assuntos, mas o processo de gestão do
conhecimento no Japão rural contemporâneo também pode significar que a
população local se torna mais ativa e assertiva. Além disso, sugerirei que o
legado de estudos acadêmicos passados deve ser visto em conjunto com a
gestão estratégica do conhecimento praticada nos municípios rurais
japoneses. O governo local é um patrocinador da observação, documentação
e disseminação do conhecimento da tradição e história local. Este é um
processo em que pesquisadores de fora podem, como veremos, se verem
recrutados.

O FESTIVAL DO ECO
Hoje, no terceiro domingo de novembro, o 'Echo Festival' (kodama matsuri)
está sendo realizado na cidade montanhosa de Hongu. O pátio e os arredores
do Mountain Village Development Center de vinte anos foram preparados
com tendas e bandeiras (bandeiras do mundo). Por volta das 10 horas, uma
multidão de cerca de duas mil pessoas se reuniu, principalmente moradores
locais, mas também excursionistas de outras partes da península e turistas
da cidade hospedados nas estâncias termais locais.
Uma das principais características do festival é a maratona de equipes que
circunda a cidade. Há muitas outras atrações diferentes. Incluídos na gama
de barracas estabelecidas estão aquelas que vendem produtos caseiros
locais, como geleias, picles e pão, e outras que vendem comida quente pronta
para comer, como macarrão frito e bifes. Em outros lugares, há barracas com
produtos agrícolas, artesanato em madeira, selos e antiguidades. Entre as
outras atrações estão um minizoológico com javalis, veados, macacos,
coelhos, pôneis e papagaios; várias atividades conjuntas, como martelar
arroz, escalada em corda, marcenaria, fabricação de chapéus (de junça) e
fabricação de sandálias (de palha); há também uma exposição de máquinas
agrícolas e florestais e, dentro do próprio centro, de flores de orquídeas. No
foyer do centro há uma exposição permanente de animais empalhados da
floresta (serow, doninha, raposa), ferramentas tradicionais de agricultura e
silvicultura (arados velhos, foices, machados, serras) e itens de vestuário
tradicional (chapéus de junça, sandálias) — o início do que se espera
eventualmente evoluir para um museu local com seu próprio edifício
separado. No final do dia, haverá uma apresentação ao vivo de uma trupe de
tambores local.
146 João Cavaleiro

Um canto do pátio parece estar atraindo particular interesse das


multidões do festival, das crianças e das câmeras de televisão presentes para
cobrir o evento. Em 'John's corner' (jon san no kona) está um antropólogo
estrangeiro sentado a uma mesa em frente a um grande quadro de avisos com
a imagem de um lobo. Aqui as histórias de lobos estão sendo contadas por
transeuntes (principalmente homens velhos), escritas e depois coladas no
quadro de avisos.
O Festival do Eco, criado em 1985, é um evento novo, organizado e
supervisionado pela prefeitura. A ideia básica do festival é que os próprios
cidadãos coloquem as atrações. Cada grupo local, local de trabalho e
associação – os bombeiros, os correios, a Cooperativa Florestal, o Grupo de
Jovens, a Associação de Mulheres, etc. – é chamado a fazer algo pelo festival.
Existem muitos 'festivais' locais, mas estes são principalmente festivais de
aldeias; o Festival do Eco é uma ocasião em que a população da cidade como
um todo pode se reunir e se misturar, e quando os cidadãos podem apreciar
as 'atividades culturais' uns dos outros (bunka katsudo). O festival é sobre
diversão, com cidadãos entretendo cidadãos, mas também sobre instrução,
cidadãos ensinando cidadãos. Há um canto florestal onde as pessoas podem
obter dicas e conselhos sobre o cultivo da madeira e os cuidados com as
plantações das florestas familiares. E há mostras de artesanato onde os
'professores' são velhos que ainda se lembram do artesanato tradicional local
e que, neste dia, têm a oportunidade de passar os seus conhecimentos aos
mais novos.
Minha participação no festival deveu-se a uma ideia de última hora de K,
meu amigo e informante-chefe. K é um proprietário florestal (yamanushi,
'proprietário da montanha') na casa dos cinquenta anos que, há dez anos,
construiu uma pousada em uma das vilas centrais do spa. Foi iniciativa dele
providenciar, com a prefeitura, que eu tivesse meu próprio cantinho. Realizei
trabalho de campo em Hongu entre 1987 e 1989, período durante o qual me
concentrei no tema do despovoamento rural, particularmente seus efeitos
sociais locais. Cinco anos depois, eu estava de volta a Hongu em uma viagem
de volta de cinco semanas, desta vez para investigar ideias locais sobre a
floresta. Desenvolvi uma resposta padrão para a pergunta inevitável e
recorrente sobre o que eu estava fazendo em Hongu. Da última vez eu havia
investigado 'assuntos da aldeia' (sato no koto); desta vez eu queria aprender
sobre 'assuntos da floresta de montanha' (yama no koto). K ficou
particularmente encantado com meu interesse agora bem desenvolvido pela
silvicultura. Como silvicultor de uma aldeia nas terras altas, foi ele quem me
ajudou.
Comecei a me movimentar entrevistando pessoas sobre as florestas e logo
descobri um rico conhecimento sobre seus habitantes animais e espirituais.
Um animal, em particular, continuou recorrente: o lobo. Diz-se que o lobo
japonês (nihon okami) foi oficialmente extinto no início do século – o corpo
do último lobo japonês pode ser encontrado no Museu de História Natural de
Londres – mas houve muitos relatos de avistamentos de lobos. encontros ou
as descobertas de vestígios de lobos desde então, e algumas pessoas
sustentam que os lobos ainda estão por aí nas montanhas em algum lugar. K
Ecoando o passado no Japão rural 147

tinha suas próprias histórias familiares de lobos — como seu avô tinha sido
seguido por um lobo por uma trilha na floresta — e desenvolveu um interesse
intenso pelo que eu estava fazendo. Logo começamos a conversar com
pessoas conhecidas por terem histórias de lobos para contar.
Então, como a minha estadia estava chegando ao fim, surgiu a ideia de um
canto no festival. K foi inflexível. Seria uma excelente oportunidade para
coletar mais histórias de lobos e, além disso, como seria meu último dia lá (eu
estava programado para retornar à Grã-Bretanha no dia seguinte), daria às
pessoas a chance de se despedir de mim. Eu não teria que me preocupar com
isso; ele, K, organizava tudo e ficava ao meu lado. Um pouco relutantemente,
eu concordei.
Enquanto K e eu coletamos as histórias no festival, me ocorreu que esta
era a primeira vez que eu coletava dados involuntariamente. Eu estava
interessado no folclore do lobo, mas não estava interessado em coletar
'testemunhos' (mokugekiolan) como tal, que eu associava às pesquisas do
tipo salvamento dos folcloristas japoneses, e eu estava inquieto com a ideia
de fazê-lo como um espetáculo público . A coisa toda foi ideia de K e dos
organizadores da prefeitura, e eu estava fazendo isso porque me pediram. Fiz
minha parte, ouvindo e colecionando as histórias, achando algumas
interessantes (havia muita repetição). Uma equipe de filmagem da televisão
de Wakayama estava cobrindo o festival como um todo e, enquanto coletava
as histórias, fui devidamente entrevistado – sobre lobos, tradições da aldeia
e meu relacionamento com Hongu.
K era bastante experiente e era um informante experiente, tendo sido
entrevistado por folcloristas visitantes e outros acadêmicos muitas vezes no
passado (e mencionado pelo nome em seus livros). Ele assumiu o comando
de 'John's Corner'. Ele conhecia o procedimento, garantindo que todos
aqueles com histórias de lobo escrevessem seu nome, idade e aldeia. Depois
de um tempo, K, insatisfeito com a quantidade e a qualidade dos testemunhos
que tínhamos coletado até então, decidiu fazer algo a respeito. Era
importante cobrir pelo menos a parte superior do quadro de avisos para
chamar a atenção, para que as pessoas parassem para lê-lo. Assim,
determinado a fazer da coisa um sucesso, K começou a circular entre a
multidão no pátio, retirando proprietários de terras e trabalhadores
florestais que conhecia (em alguns casos quase à força). Em geral, aqueles
trazidos pareciam felizes em cooperar e nos dar suas histórias, mas outros
lutaram. Enquanto um velho silvicultor, caneta na mão, tentava pensar em
algo, K, primeiro encorajador e depois um pouco impaciente, listou algumas
das histórias que já tínhamos ouvido de outros. Será que o velho não tinha
ouvido falar de tal e tal história - por exemplo, o lobo vindo à noite para beber
do balde de urina da família (colocado do lado de fora da casa), a família
encontrando o balde vazio na manhã seguinte - quando ele estava jovem, de
um
148 João Cavaleiro

pai ou avô, ou de outra pessoa em sua aldeia? O incentivo foi amplamente


bem sucedido; outros, que permaneceram em dúvida, foram encaminhados
por K ao quadro de avisos, na esperança de encontrar nele inspiração
suficiente para nos contar uma história.
As táticas práticas de K pareciam funcionar: a maioria das que ele
trouxeconseguimos escrever algo antes de seguir em frente, e no final da
manhã tínhamos vinte e seis testemunhos de 'testemunhas' (mokugekisha).
'Minha mãe diz que quando ela era jovem o lobo vinha à noite beber a urina
do lado de fora da casa.' “Eu estava coletando cogumelos na floresta mista
perto de X, e enquanto descia para um vale, vi na encosta bem na frente dos
meus olhos o que pensei a princípio ser um cachorro correndo muito rápido.
Cerca de quarenta anos atrás.' 'Quando eu estava trabalhando nas montanhas
em X — em 1944 ou 1945 — uma noite eu caminhei com um amigo de Y a Z
e ouvimos o pardal [um pássaro lendário associado ao lobo].'

A cena do festival reúne uma série de temas diferentes, incluindo


(1) hierarquia social (K o proprietário da floresta usando seu poder para
acumular testemunhos), (2) a divisão entre as aldeias do planalto (com sua
preponderância de famílias de silvicultores) e os assentamentos cada vez
mais concentrados a jusante, (3) a exibição de proficiências cidadãs, e (4) a
transmissão do passado tradicional.
A minha própria participação no festival, sugiro, enquadra-se no tema
principal: o processo pelo qual o conhecimento tradicional e folclórico dos
aldeões mais velhos é documentado e depois exibido em público, servindo
para educar os cidadãos mais jovens sobre o património tradicional da
cidade que mora em. A característica improvável do evento foi que essa
transmissão de conhecimento estava aparentemente sendo organizada e
orquestrada por um jovem estudioso estrangeiro.

REVITALIZAÇÃO RURAL
A área da aldeia montanhosa de Hongu, localizada na península de Kii, no
centro do Japão, perdeu mais da metade de sua população nos últimos trinta
anos devido à emigração para as cidades. O estado japonês do pós-guerra
tentou apoiar e reviver áreas despovoadas como Hongu através do uso de
subsídios de um tipo ou de outro e atrair capital japonês para longe dos
centros urbanos.
Na década de 1950, as unidades do governo local foram amalgamadas em
nome da racionalização administrativa. Hongu compreendia cerca de
cinquenta assentamentos de aldeias que compunham cinco distritos antigos
antes da fusão. A fusão encontrou alguma oposição localmente e um dos
antigos distritos se dividiu como resultado. Num esforço para integrar
socialmente as novas localidades, muitos municípios rurais lançaram, desde
a década de 1970,
Ecoando o passado no Japão rural 149

programas de construção de comunidades, conhecidos como machizukuri


(lit. 'criação de cidades') e komyunitizukuri ('criação de comunidades'),
envolvendo o estabelecimento de novas instalações municipais, o
aprimoramento da infraestrutura municipal e o desenvolvimento de novos
símbolos municipais, festivais e o lançamento de campanhas municipais de
conscientização. As festas, eventos e símbolos municipais (logo-bandeira,
canto, flor, árvore, pássaro, etc.) são os meios comuns utilizados para
promover a identificação com o concelho junto dos cidadãos. Os governos
municipais tentam ativamente superar o que eles veem como paroquialismo
da aldeia ao promover a solidariedade entre os cidadãos municipais.
Há uma preocupação em projetar a identidade local para o exterior,
através da produção e venda de bens diferenciados localmente. A
revitalização rural japonesa representa uma competição entre os municípios
rurais pela distinção aos olhos da população urbana. Tais produtos rurais
tornam-se a 'face' do município para o mundo além (Hiramatsu 1988: 1).
Os municípios rurais olham simultaneamente para dentro para promover
a integração social e para o espaço nacional (de mercado) mais amplo para
garantir o seu futuro económico. Em ambos os casos, o passado ocupa um
lugar fundamental: constitui o patrimônio tradicional da nova comunidade
municipal e a base do apelo nostálgico da localidade aos japoneses urbanos
no turismo e na venda de produtos alimentícios.

Do folclore da vila à tradição da cidade


O passado é objeto de grande preocupação nos atuais municípios rurais.
Como no Japão de forma mais ampla, a escala e o ritmo da ocidentalização do
pós-guerra – nas áreas de trabalho, vestuário, alimentação e estilo de vida
mais amplamente – foram sentidos de forma aguda nas áreas rurais. Na
população idosa de Hongu, muito desse passado permanece: mulheres mais
velhas vestindo as calças monpe, comendo okayu san (mingau de arroz) em
vez de arroz, o transplante de mudas de arroz à mão, etc. O despovoamento
emigratório em grande escala nas décadas do pós-guerra, ao remover em
massa as gerações mais jovens, apenas reforça essa impressão de
comunidades antigas e tradicionais. Mas essa mesma tendência, em um
sentido importante, fraturou a continuidade local.
Antes, quando a família-tronco co-residencial de três gerações era a
norma, o conhecimento e a tradição tradicional podiam ser transmitidos pela
linha da família. Um aspecto disso era o kafu, os modos da família,
transmitidos da mãe para a esposa do filho. Outra foi a contação de histórias
à noite pelos avós.

Dependente de seus próprios recursos para entretenimento, a família


recorreu a seus membros mais velhos em busca de histórias para passar
as longas noites de inverno. O avô, nascido na casa em que viveu toda a
sua vida, foi
150 John Knight

obrigado a recordar as histórias que ouvira quando criança de seus


próprios avós...
(Adão 1967: 107)

Nas aldeias migrantes dos dias de hoje, no entanto, esse conhecimento


tradicional não é mais transmitido diretamente às gerações mais jovens.
Mesmo que os mais jovens residam localmente, eles tendem a fazê-lo, se
casados, separados dos pais, em casas separadas. O passado tradicional é
pouco menos separado das gerações mais jovens do que as remotas aldeias
do planalto estão da cidade. Ao acentuar a marginalização espacial, o
despovoamento rural ameaça uma descontinuação radical da tradição local.
Os governos locais responderam a essa situação entrando na brecha para
se tornarem guardiões do passado tradicional. Um aspecto desse papel é a
transmissão de contos orais e conhecimento para a próxima geração na
forma escrita. Na década de 1980, a maioria dos municípios da Península de
Kii, como os municípios japoneses mais amplamente, produziram (através de
suas Seções de Educação) livros sobre costumes, tradições, folclore e história
locais. Totsugawa mura, ao norte de Hongu, produziu volumes de contos
populares especificamente para crianças pequenas com letras grandes e uso
simplificado de caracteres chineses (TMKI 1989). A ideia por trás disso é
permitir que os mais novos aprendam sobre o folclore de sua aldeia natal ou
furusato. O prefeito de Totsugawa elogia outro livro sobre 'contos antigos',
(mukashibanashi),

Escondido em contos antigos, nossa cultura tradicional, está a sabedoria e


o modo de vida de nossos ancestrais. Mas esses velhos contos estão se
perdendo rapidamente para nós, e se não os juntarmos agora, não teremos
outra chance… é extremamente importante que agora, nos vários campos
da educação, em casa, na escola e na sociedade, esses preciosos contos
antigos podem agora ser ouvidos [por crianças], ou usados [por eles] para
escrever novas composições.
(TMKI 1989:i)

Quando questionados, os funcionários municipais são explícitos sobre o


papel dos avós substitutos de tais textos. Enquanto uma geração atrás havia
um contador de histórias de avós, hoje isso é cada vez menos o caso. Daí a
importância dos pais lerem esses contos para seus filhos.
Existem duas coleções de folclore sobre Hongu, ambas publicadas na
década de 1980. Um foi produzido por um grupo de estudiosos da Kinki
Folklore Scholars Society (KMG 1985). O outro foi produzido pela Wakayama
Prefecture Folktale Society (WKMK 1981), um grupo amador que produziu
publicações folclóricas para municípios de toda a província.
Kumano Hongu no Minwa(Contos populares de Kumano Hongu)
(WKMK
Ecoando o passado no Japão rural 151

1981) é um grande livro de 200 páginas baseado em uma viagem de campo


de três dias em julho de 1980 por uma 'equipe de reportagem' de quinze
membros ou tanpodan (todos os membros residentes na prefeitura). Nesse
período, a equipe, dividida em cinco grupos de três, visitou vinte aldeias
separadas e conheceu pouco mais de setenta 'narradores' idosos (katarite).
Ao todo, os grupos coletaram com seus gravadores 146 peças de 'conversa
fiada' (sekenbanashi), 85 lendas (densetsu), 15 contos antigos
(mukashibanashi), 70 relatos sobre costumes tradicionais (seikatsudan) e 22
canções (uta) –338 peças de informações gerais. Para cada item do folclore,
são dados o nome e a aldeia do 'narrador' — informante, mais o nome da
pessoa que o registrou. Na parte de trás do volume,
A maior parte do livro (cerca de cinqüenta páginas), aquela sobre
sekenbanashi, consiste em ditos e breves relatos sobre os espíritos e animais
que habitam a floresta da montanha. Muitos sekenbanashi referem-se a
estranhos incidentes que ocorreram nas montanhas: como quando o
narrador ou um familiar, vizinho ou outro conhecido foi enganado por um
animal (como o cão-guaxinim), ou ainda quando um animal mítico (a
serpente tsuchinoko ) foi manchado. Os principais animais da floresta
apresentados são a raposa, o cão-guaxinim, o javali, o lobo e a cobra, e os
contos são de malandragem de animais, possessão de espíritos animais,
encontros misteriosos ou noturnos com animais ou monstros perigosos e
assim por diante.3
Novas comunidades também precisam de passados tradicionais. Na
década de 1980 foi estabelecida em Hongu uma Carta do Cidadão, na qual foi
consagrado o objetivo de 'olhar para um futuro próspero, valorizando a
nossa natureza, história e tradições'. Um sentimento semelhante é
frequentemente expresso pelo prefeito de Hongu. Enquanto em seus
discursos e mensagens nos jornais, o prefeito invariavelmente se refere ao
futuro (por exemplo, a construção da cidade para o século XXI), também há
referências ao passado ancestral.

De nossos ancestrais distantes, herdamos a grande natureza de nosso


furusato [aldeia natal], e esses ancestrais, enfrentando grandes
dificuldades, construíram nossa história, cultura e tradição. Acredito que
é nossa responsabilidade novamente passar um furusato ainda melhor
para nossos descendentes.

Se os cidadãos da nova comunidade ainda são descendentes, eles também


continuam sendo aldeões – só que agora em um sentido tradicional e
ancestral. Assim, enquanto a disposição básica da aldeia de tratar todos os
não-aldeões como forasteiros deve ser combatida, outras características da
aldeia podem ser reivindicadas como tradição. É nesse sentido que o
entusiasmo oficial pelo folclore na década de 1980 pode ser melhor
compreendido. Através da apropriação folclórica das lendas, costumes
lembrados e antigas crenças de suas aldeias constituintes, o moderno
152 João Cavaleiro

município rural adquire um passado tradicional e uma história mais


profunda. Há um lugar para a particularidade da aldeia nas novas
comunidades rurais, desde que seja desvinculada de qualquer sentimento de
exclusividade da aldeia. Aldeias outrora ferozmente separadas são agora
textualmente listadas e serializadas como tantos itens do folclore que juntos
se tornam o passado tradicional da comunidade municipal.
No boletim bimestral da cidade de Hongu, dois arquivistas municipais em
tempo integral escrevem uma matéria regular sobre o folclore e a história da
cidade.4 Itens como a associação de uma rocha em particular com cobras
gigantes, o caráter espiritual de uma árvore de cânfora de formato o perigo
associado a um determinado trecho de rio devido aos goblins da água
(kappa) era até então conhecido apenas pelos aldeões locais próximos, e
apenas pelos mais velhos. O que a folha de notícias faz é ajudar a converter o
folclore da aldeia em tradição da cidade, de modo que as crenças
desaparecidas dos antigos sejam preservadas como uma herança comum
compartilhada pela geração mais jovem.

Apelação externa
Folclore, tradição e história são de importância crescente no Japão atual. Diz-
se que o Japão está experimentando um 'boom de nostalgia' em áreas como
artes, entretenimento, mídia de massa, publicações, turismo e política (Kelly
1986; Robertson 1991, 1995; Ivy 1995). Para Ivy, 'japoneses de todas as
gerações' estão buscando um 'reconhecimento de continuidade' em resposta
à instabilidade da modernidade capitalista (Ivy 1995: 10). O Japão rural
muitas vezes fornece o foco para essa preocupação nacional com a
revitalização da tradição. As aldeias são representadas como repositórios de
uma tradição nacional — de solidariedade e harmonia social — perdida nas
cidades.
O folclore também é usado como um recurso para tornar as áreas rurais
mais atraentes para os japoneses urbanos. Um lugar particularmente famoso
nos anais do folclore japonês – a área de Tono cujos costumes foram
documentados por Yanagita Kunio – tem, desde a década de 1970, usado sua
fama folclórica para se transformar em um grande parque temático para
atrair turistas (Ivy 1995: Cap. 4; Kanzaki 1988: 108-20; veja também Hendry,
Capítulo 12 deste volume). Mas áreas rurais menos conhecidas em todo o
Japão, como repositórios de aldeias sobreviventes (furusato) de costumes
folclóricos desaparecidos, têm se empenhado de forma semelhante em
projetar uma imagem tradicional para a nação em geral, construindo museus
folclóricos e realizando festivais.
A década de 1980 viu uma tendência pela qual muitos japoneses urbanos
formaram afiliações com municípios rurais, representados como sua
'segunda aldeia natal' (dai ni furusato), e se tornaram aldeões honorários.
Embora, em sua maioria, essas associações conhecidas como furusatokai
sejam veículos de comércio de alimentos, elas têm, como sugere o idioma
furusato, um componente afetivo acentuado. No Hongu furusatokai formado
em 1984, além dos pacotes trimestrais de alimentos enviados aos 'membros'
urbanos, há uma folha de notícias especialmente preparada contendo
notícias da 'aldeia natal' (por exemplo, colheitas abundantes, inundações
Ecoando o passado no Japão rural 153

danos), perfis e entrevistas com a população local (especialmente os


produtores de alimentos) e reportagens regulares sobre dialeto e folclore
locais.5
Da mesma forma, a história e o folclore são proeminentes nos panfletos
turísticos. Na sua análise da cerimónia pública de uma aldeia suburbana
popular entre os turistas, Ben-Ari salienta as referências ao período
Tokugawa (1603-1867) (Ben-Ari 1991: 94). O antiquarianismo em Hongu
normalmente se concentra nos tempos medievais, e nos séculos XI e XII (o
final do período Heian) em particular. Os turistas que visitam Hongu podem
ler sobre a peregrinação medieval, contos de curas milagrosas que
ocorreram nas fontes termais locais ou lendas de aldeias escondidas
colonizadas pelo lado derrotado nas guerras de Genpei do século XII. O
folclore também pode ser a fonte de símbolos locais usados no turismo e a
inspiração para eventos turísticos, como as expedições de caça a criaturas
lendárias que dizem habitar as montanhas.
no presente. Esta tendência, encontrada em todo o Japão, é promovida pelo
governo central que, em 1992, aprovou uma legislação disponibilizando
fundos estatais para os municípios locais com o objetivo de reviver festivais
tradicionais em conexão com a promoção turística (Shioji 1994: 33-4). Em
Hongu, festivais antigos e descontinuados foram revividos, festivais
existentes embelezados e novos estabelecidos.7 Novamente, há uma lógica
dupla em ação aqui: além de tornar Hongu mais atraente para o exterior, os
festivais são um meio de promover a integração municipal.

Publicidade gestão
Os governos locais japoneses têm sede de publicidade. É comum que jornais,
rádio e televisão sejam contatados com antecedência para garantir a
cobertura dos eventos locais. Muitas vezes, é mantido um arquivo local de
aparições na mídia ou menções ao município. Em Hongu, os funcionários da
prefeitura geralmente se referem à importância do 'PR' na revitalização
rural, e isso tende a significar publicidade. Quanto mais publicidade um lugar
como Hongu receber, maior será seu 'reconhecimento de nome' ou chimeido
- um termo de marketing comumente usado nos círculos do governo local. As
localidades tentam se projetar como tantas 'marcas': quanto maior o
reconhecimento do nome, mais provável é que sejam visitadas ou que seus
produtos locais especiais sejam comprados. A maioria dos governos
municipais se esforça para obter esse reconhecimento público e, às vezes,
isso ocorre através de meios de busca de publicidade bastante descarados.
Lembro-me de participar de uma expedição para capturar a serpente mítica,
o tsuchinoko. Das cerca de cem pessoas reunidas, cerca de metade eram dos
meios de comunicação de massa (equipes de televisão, repórteres de jornais
e revistas, etc.)!
Há uma intensa competição pela exposição na mídia entre os municípios
japoneses. A criação de eventos é, portanto, uma atividade muito importante.
Idealmente, os eventos devem ser telegênicos, espetaculares, atrair
multidões e envolver
154 João Cavaleiro

atividades, roupas incomuns e pessoas de fora. A presença de câmeras de


televisão representa um reconhecimento da importância de um evento e
pode adicionar uma emoção extra aos procedimentos. Do ponto de vista do
governo municipal, o grau de exposição na mídia pode ser uma medida do
sucesso de um evento local.
A crescente importância atribuída à busca de publicidade se reflete no
crescimento da Seção de Turismo na prefeitura de Hongu, que se tornou
virtualmente um departamento de relações públicas. Quando chega uma
pergunta de um produtor de televisão sobre fazer um programa sobre tal e
tal assunto, a equipe consulta uma lista informal de pessoas locais
conhecedoras de coisas diferentes. Dado o seu conhecimento de silvicultura,
sua paixão pela revitalização rural e sua articulação na televisão, K é
frequentemente contatado e apareceu na televisão inúmeras vezes.
Observadores externos, como o antropólogo, também podem se ver
recrutados em aparições na mídia.8
Embora a televisão e outras formas de cobertura da mídia sejam
principalmente sobre publicidade no mundo além, também é algo apreciado
localmente. Assim, sempre que um programa de televisão com Hongu estiver
programado para ser exibido, a prefeitura lembrará diariamente os cidadãos
por meio de seu sistema de som público com uma semana de antecedência
para assisti-lo. Esses programas são invariavelmente gravados e existe um
arquivo de vídeo informal.

O PROJETO DO ECO
O Echo Festival foi produto de uma iniciativa específica de construção da
imagem municipal em meados dos anos 1980. Sob a direção da prefeitura,
em 1984 foi formado um comitê composto por quinze eminentes cidadãos de
Hongu com o objetivo de elaborar um plano de longo prazo para o
desenvolvimento da cidade no século XXI. K era o presidente do comitê; entre
os membros do comitê estavam outros proprietários florestais, proprietários
de pousadas turísticas e vereadores. Uma consultoria de desenvolvimento
urbano aconselhou o comitê em suas tarefas: considerar os objetivos básicos
do desenvolvimento de Hongu, os meios pelos quais eles devem ser
realizados e o tipo de imagem que a cidade precisa projetar. O processo
visava combinar assessoria especializada (promoção local) com consulta
democrática e participação popular. O comitê realizou 'audiências' nas quais
representantes de uma ampla gama de grupos e associações locais
(Associação de Mulheres, Grupo de Jovens, Associação de Proprietários de
Pousadas, etc.) Fora. Como sugere a ênfase colocada no caráter cidadão do
comitê, a construção da comunidade e o planejamento estratégico devem
emanar dos cidadãos. Com a orientação de funcionários municipais e
consultores profissionais, os membros do comitê foram convidados a a
construção da comunidade e o planejamento estratégico devem emanar dos
cidadãos. Com a orientação de funcionários municipais e consultores
profissionais, os membros do comitê foram convidados a a construção da
comunidade e o planejamento estratégico devem emanar dos cidadãos. Com
a orientação de funcionários municipais e consultores profissionais, os
membros do comitê foram convidados a
Ecoando o passado no Japão rural 155

deliberar sobre a forma e a aparência da comunidade local nos próximos


anos e reembalá-la simbolicamente.
Eventualmente, mais de um ano após a sua formação, o comitê de cidadãos
produziu seu 'relatório abrangente de longo prazo' de 150 páginas. Fazendo
uso liberal de diagramas de caixa e seta, a primeira parte do relatório
apresenta a 'visão' para o futuro, cujo princípio fundamental é a preparação
da população local - o principal 'recurso' (shigen) para o futuro —Enfrentar
o desafio das tendências económicas como o crescimento do turismo e o
interesse pelas artes e ofícios populares. A segunda parte, maior, faz
sugestões para melhorias nas áreas de educação, saúde, bem-estar, emprego
e construção de estradas. Um tema recorrente é o de motivar as pessoas
locais a se esforçarem para melhorar as coisas participando mais da
sociedade local ('criação de comunidade'), bem como incentivá-las a se
desenvolverem plenamente (através da educação de adultos, esportes, artes
e assim por diante).
O relatório adota um conjunto de palavras-chave, conceitos-chave e frases
de efeito. Doravante 'eco' (kodama) seria a 'palavra-chave' de Hongu. Hongu
seria 'Echo Town' (Kodama no machi) e realizaria um 'Echo Festival' anual.
Seria também a 'marca' (burando) de Hongu: o estabelecimento de uma
identidade 'marca kodama' é a chave para o apelo local ao exterior e,
portanto, o sucesso econômico em áreas como o turismo.
A palavra kodama tem uma associação local pronta: o eco que volta
gritando nas montanhas. De fato, outra palavra para eco, yamabiko, inclui
nela o caractere para 'montanha'.9 Além disso, o comitê selecionou o termo
porque é escrito com os dois caracteres chineses para 'árvore' e 'espírito',
respectivamente.

'Eco' representa tanto o recurso local distintivo de Hongu quanto seu uso
na revitalização local (a propagação das ondas de eco)…. 'Árvore', como o
personagem sugere, indica o rico recurso das florestas e expressa a
sensação calorosa da madeira…. Por outro lado, 'espírito' expressa a
atmosfera de Hongu, sua cultura histórica baseada na religião de Kumano
[antigo nome da região], sua cultura espiritual, suas festas e observâncias
tradicionais, ou seja, o invisível humano e outros recursos.

No relatório, kodama é usado tanto como substantivo quanto como verbo.


Hongu é 'Echo Town' (kodama no machi), e seu desenvolvimento é
comparado à propagação das ondas sonoras de um eco — 'criação de cidade
que ecoa' (kodama suru machizukuri) — uma espécie de efeito cascata. O
relatório ilustra este ponto com um diagrama conceitual mostrando as ondas
sonoras concêntricas do eco. A mensagem é clara: a tarefa à frente, à medida
que o século XXI se aproxima, é 'ampliar o eco de Hongu' (Hongu no kodama
o hirogeru).
O eco da montanha é uma multiplicação natural de um ato humano:
gritando para as montanhas — projetando a voz através do espaço — o
156 João Cavaleiro

som é estendido ao longo do tempo. Esta metáfora de desenvolvimento é


semelhante em tipo à de 'ativação' (kasseika, um termo originalmente
retirado da química (ver Steffenssen nd), amplamente usado no
renascimento rural japonês: aqui a tarefa dos líderes é iniciar uma processo,
tornando o que está adormecido em algo ativo.
Em ambos os casos, os atos humanos levam a retornos desproporcionais.
Se apenas os cidadãos fizerem um esforço inicial - se unirem para vender
produtos agrícolas em barracas de beira de estrada aos visitantes, ou
realizarem a coleta coletiva de lixo, para dar dois exemplos recentes - eles
estimularão uma resposta nos outros e, dessa forma, um efeito social
desordenado será resultado de um pequeno esforço inicial. Deve-se
acrescentar que o relatório do comitê também colocou uma forte ênfase na
liderança e na 'formação de líderes' (riidazukuri): os jovens devem ser
incentivados a desenvolver qualidades de liderança para 'ativar' o potencial
da sociedade rural. Aqui, ideias de liderança inovadora, em que os indivíduos
são encorajados a desenvolver novas ideias e convencer os outros de seu
valor, são vistas como complementando as tradições comunitárias de
solidariedade e cooperação da aldeia.
O Echo Festival, então, foi um dos primeiros resultados concretos desse
exercício de planejamento de longo prazo. Seria um estímulo para a
população local realizar 'atividades culturais'; ao exibi-los ou realizá-los
publicamente, outros cidadãos também seriam encorajados a adotar tais
passatempos.

CONCLUSÃO
O festival em que fui envolvido faz parte de uma estratégia mais ampla de
construção da comunidade, que envolve a participação não apenas de
funcionários municipais, mas também de uma série de pessoas de fora —
turistas (amadores e profissionais), folcloristas, equipes de televisão e
consultores profissionais.
A minha inquietação com o meu papel no Echo Festival tinha a ver com a
minha consciência da institucionalização local existente de uma tradição de
estudo-folclore. Isso não tomou a forma de praticantes locais (além dos dois
arquivistas municipais) ou da contratação de especialistas externos (mas
veja o surgimento da arqueologia pública no Japão (Barnes 1993: 36). Tinha
mais a ver com a familiaridade local com pesquisadores de fora e, em
particular, com tradições folclóricas de pesquisa de salvamento. Foi essa
tradição instituída de observação e documentação durante o Echo Festival
que gerou meu sentimento de perda de autonomia.
Um segundo 'eco' deve ser reconhecido. Para os municípios rurais
japoneses, a nação além é também o meio para um efeito de eco. As atenções
de estudiosos de fora são direcionadas a propósitos locais, transformando o
conhecimento local em tradição municipal textualizada. Por meio desse
reconhecimento externo — e intitulado —, tais
Ecoando o passado no Japão rural 157

os estudiosos conferem uma importância ao folclore local. Assim como ao


gritar para o interior da montanha a voz de alguém volta de outro lugar,
também através da aceitação textual do conhecimento local por acadêmicos
e estudiosos de fora, o passado local passa a ser experimentado de novo,
como emanando de outro lugar (nacional). .
O folclore é frequentemente relacionado ao nacionalismo e à demanda por
tradição nacional localizada localmente (Herzfeld 1982; Kirshenblatt-
Gimblett 1992: 41-4). O propósito ostensivo do folclore é conservar as
tradições, costumes e saberes locais, embora no processo de documentação
e exposição nacional, a transformação possa ocorrer. A razão para a
intervenção nacional (ou pelo menos externa) é precisamente a de
salvamento: para que uma tradição local descontinuada não se perca
completamente. A intervenção nacional na forma de documentação folclórica
é, portanto, muitas vezes uma expressão do declínio local; Idealmente, a nova
exposição nacional recebida pela tradição local resultará, em virtude de um
maior senso de importância, na conservação local.
Mas a disposição local para o folclore de que trato aqui é bem diferente.
Embora haja definitivamente um forte interesse nacional pelo costume local
– caracterizado como o verdadeiro repositório da tradição nacional – a
iniciativa de observar e documentar aqui é endógena. Não é um caso de
preocupação nacional e indiferença local à tradição local, ou simplesmente
de uma exortação nacional à conservação. Pois, juntamente com a crença de
que a ampliação nacional da tradição local pode aumentar seu valor, existe
uma consciência forte e bem difundida em lugares como Hongu do
imperativo de apelar à nação mais ampla como repositório regional de uma
tradição em extinção. É um exemplo de uma localidade afirmando sua
importância nacional no contexto de uma multiplicidade de reivindicações
semelhantes e concorrentes de outros municípios rurais.
Reconhecer a importância de forças externas de representação não é, no
entanto, aceitar uma determinação de mão única, de nação para aldeia. Em
um lugar como Hongu, a escala e a regularidade da representação externa é
tal (mídia de massa, agências de turismo, acadêmicos) que nenhuma fonte
isolada pode ser considerada como tendo um poder de representação
hegemônico. Em vez disso, a aceitação de representações externas é de
caráter ativo e seletivo porque a localidade tem seus próprios interesses
representacionais.
Esta situação de pluralismo representacional em relação à aldeia tem
certas implicações. O fato de já existir uma história de autorreflexão local e
(re)formulação de imagem/identidade, algo que se intensificou nas últimas
duas décadas, cria um tipo de contexto específico para o posicionamento da
prática antropológica. Nos municípios rurais japoneses, o antropólogo está
lidando com um contexto social em que a cultura é objeto de projeto e
elaboração, e onde há uma projeção rotineira e estratégica pelo estado local
de representações comunais tanto para a cidadania local quanto para a nação
mais ampla.
Esta colocação é, naturalmente, mais mediada pelo indivíduo
158 João Cavaleiro

relações se estabeleceram entre antropólogo e informantes. Na minha


relação com K — um homem que se dividia entre terras altas e planícies,
silvicultura e turismo, tradição e construção de comunidades — eu havia, de
fato, encontrado um importante ponto nodal nesse complexo processo
representativo. Este não era um ponto de observação fora desse processo,
mas um nicho interno a ele. Ao bancar o folclorista a mando de K, também
me vi contribuindo para o eco do passado da aldeia no presente municipal.
Capítulo 10

O Museu como espelho


Reflexões etnográficas

Sharon Macdonald

INTRODUÇÃO
Os museus, como a antropologia, experimentaram uma versão da chamada
'crise da representação'. público. Como na antropologia, essas são questões
contestadas. E como na antropologia, eles ocorrem dentro de um contexto
politizado no qual a prática está sendo cada vez mais sujeita a escrutínio e
formalização por meio de dispositivos culturais como 'indicadores de
desempenho', 'responsabilidade pública', 'avaliação formativa e somativa',
'revisão por pares', 'reestruturação gerencial' e 'declarações de missão'.
Minha intenção aqui é explorar algumas das implicações políticas e
teóricas de diferentes práticas representacionais na antropologia por meio
de reflexões extraídas de uma etnografia que realizei no British National
Museum of Science and Industry (the Science Museum), Londres, entre 1988
e 1990.2 I Estou preocupado tanto com os dilemas representacionais
particulares que uma instituição oficial de representação tão poderosa pode
criar para a etnografia, quanto com a maneira pela qual as próprias práticas
e contextos de representação dos curadores de museus podem lançar luz
sobre os da antropologia. Um museu, sugiro, é bem adequado para fornecer
tal iluminação, pois não apenas faz parte de uma estrutura cultural ocidental
familiar, mas também oferece paralelos e sobreposições com o próprio
contexto institucional, política e práticas da etnografia. Isso é,
Escrevendo sobre 'antropologia em casa', Marilyn Strathern sugere que
problemas particulares são levantados ao tentar realizar a antropologia no
contexto que produziu a própria antropologia. Ela chama isso de
'autoantropologia' (1987). O problema surge do fato de compartilharmos
conceitos com os sujeitos de nossa pesquisa e, portanto, a especificidade e a
dependência de contexto desses conceitos não são postas em relevo.3 Isso
significa
162 Sharon Macdonald

que nos falta a 'reflexividade rotineira' (ibid.: 28) que o trabalho de campo
culturalmente mais distante gera. Isso não quer dizer que a antropologia
perto de casa seja impossível ou não seja uma antropologia adequada, mas
que temos que trabalhar mais para introduzir os tipos de 'artifício' (ibid.) que
destacam a especificidade e a relatividade. Se este é um desafio particular
para a antropologia próxima de casa, no entanto, também oferece uma
promessa particular. Pois o próprio fato de conceitos compartilhados
significa que, ao explorar as constelações semânticas e as implicações do
conhecimento e da prática de nossos sujeitos, exploramos simultaneamente
as nossas próprias. Isso torna os etnógrafos do contexto reflexivo íntimo
particularmente bem posicionados para voltar a antropologia para o tipo de
"crítica cultural" - "o trabalho de refletir sobre nós mesmos" (Marcus e
Fischer 1986: 111) - em que Marcus e Fischer, entre outros, sinto que deve
ser engajado. Este é um trabalho que a etnografia culturalmente distante,
apesar de todo o seu potencial de 'reflexividade rotineira', muitas vezes
negligencia (ibid.).
Neste capítulo, discuto problemas políticos e teóricos de representação
principalmente por meio de descrições de relatos de curadores de museus
sobre minha presença como etnógrafo no museu e de respostas a algumas de
minhas primeiras tentativas de escrever sobre meu trabalho de campo.
Abordar as questões dessa maneira me permite ilustrar as deficiências como
as vejo em algumas das ênfases da escola da 'cultura da escrita' (Clifford e
Marcus 1986). Dilemas de representação etnográfica, defendo, permeiam
todas as etapas do processo etnográfico e certamente não estão confinados
entre capas de livros (cf. Spencer 1989). em menor grau, na formação e
reformulação do que será escrito – e reescrito (e publicado ou não
publicado). De fato, é essa natureza dialógica do processo etnográfico que é
um dos aspectos mais importantes e razões para fazer a etnografia. O
etnógrafo é parte integral desse processo não apenas como autor, mas
também como 'um signo aberto à interpretação' (Herzfeld 1983: 158;
Hastrup 1987: 100), e isso precisa ser reconhecido não apenas por correção
reflexiva, mas porque essas interpretações ambos refletem sobre
características substantivas do caso que estamos explorando e sobre o(s)
contexto(s) de nosso próprio esforço. : ou seja, um contexto no qual as
tentativas de definir, impor ou estabilizar significados têm consequências.

POLÍTICA EM PROCESSO
Na época em que realizei meu trabalho de campo, os eventos no Museu da
Ciência eram altamente politicamente carregados. Muitos museus nacionais
estavam passando por grandes mudanças – cobrando pela entrada,
comercializando-se, despojando-se da equipe de pesquisa – e estas foram
muitas vezes severamente criticadas na imprensa (ver Macdonald e
Silverstone 1990). Outro museu nacional tinha
O Museu como espelho 163

já decidiu não acolher o estudo devido à sensibilidade do pessoal num


momento de reestruturação institucional. O fato de o Museu da Ciência ter
concordado em ser 'cobaia' (como era referido no Museu) deveu-se em parte
ao fato de que a pesquisa, ao ser financiada pelo programa 'Public
Understanding of Science' do ESRC, combinava perfeitamente com o
Declaração de missão recém-formulada do Museu para promover o
'Compreensão Pública da Ciência'.
O foco do estudo foi a realização de uma grande exposição de longo prazo
(£ 1,2 milhão, 750 metros quadrados) sobre comida: Food for Thought: The
Sainsbury Gallery. Porque esta exposição foi a primeira a ser totalmente
produzida desde a nomeação de um novo Diretor do Museu, e porque estava
sendo amplamente anunciada no Museu e na imprensa como sintomática de
uma nova direção para os museus nacionais, meu relato seria
inevitavelmente fornecer munição potencial nas batalhas sobre o papel, as
estratégias e os objetivos adequados dos museus - embora ninguém
(inclusive eu) tenha certeza de qual lado.
Levei algum tempo para perceber isso. Como a maioria das pessoas a
quem fui apresentado nos meus primeiros dias no Museu parecia ter gostado
do estudo, fui enganado ao acreditar que seu status era, portanto, de alguma
forma não problemático. O que estava acontecendo, no entanto, era que
diferentes indivíduos, grupos e facções de funcionários do museu estavam
investindo no estudo embrionário com suas próprias interpretações,
esperanças e expectativas. Como escriba no meio deles, eu estava ali para ser
conquistado. A disposição de muitos funcionários do museu em falar comigo,
com alguns se oferecendo espontaneamente para entrevistas, não foi, então,
surpreendente. Inicialmente, no entanto, tomei isso como um sinal de
abertura e até mesmo de uma atitude desinteressadamente "científica" em
relação à pesquisa. Eu ainda tinha que perder minha inocência.
ApesarEu era inicialmente ingênuo sobre as implicações políticas
imediatas de minha posição no Museu, meu "porteiro" não era, 6 embora na
época eu achasse suas sensibilidades exageradas. Ocasionalmente, cheguei a
suspeitar que ele não apoiava totalmente a pesquisa, embora os atos que
interpretei como sabotagem fossem, percebo em retrospecto, tentativas de
protegê-la. Por exemplo, ele fez uma tentativa consistente e concertada de
definir a política fora do estudo – ou pelo menos para me persuadir de que,
se deveria ser incluído, deveria ser de forma fortemente velada. Ele defendeu
uma decisão de que eu não deveria comparecer a uma reunião
particularmente delicada, alegando que eu estava interessado 'em ações, não
em percepções' e a reunião seria apenas reveladora disso; ele também apoiou
um pedido para que eu não gravasse outro conjunto de reuniões, alegando
que meus interesses estavam nas questões gerais levantadas e não em
encontros específicos. Em algumas reuniões no Museu ele comentava em voz
alta que eu deveria ter certeza de tomar nota do que os participantes estavam
vestindo, assim, eu presumi, desviando a atenção daquilo para o qual meu
olhar estava realmente direcionado. (Embora, na verdade, ele me disse mais
tarde, ele estava
164 Sharon Macdonald

tentando me alertar para o traje casual de alguns funcionários do museu, que


ele interpretou como se apresentando como acadêmicos - algo que eu não
consegui entender.)
Com o tempo, fiquei cada vez mais ciente das diferenças marcantes entre
as opiniões dos funcionários do Museu sobre as mudanças recentes no Museu
e as direções que o Museu deveria tomar; e conscientes dos problemas muito
reais para os funcionários do Museu, muitos dos quais temiam por seus
empregos em um clima de constante reestruturação e 'racionalização'
gerencial. Tornei-me mais autoconsciente sobre o que poderia e deveria
escrever. Em uma ocasião, quando alguém fez um relato politicamente
delicado e pessoalmente comprometedor dos processos envolvidos na
realização de outra exposição, eu não tomei notas, tão conspícuo parecia
minha escrita. Um curador ao meu lado notou que minha caneta ainda estava:
'Eu pensei que você estaria rabiscando isso freneticamente' ele comentou. E
assim eu deveria ter sido, se não fosse pelo meu sentimento de que a visão
indígena teria sido que eu não deveria. Era difícil, então, manter a posição de
"inscrição total" (por mais impossível que isso seja, é claro, em qualquer
caso). O próprio ato de escrever era conspícuo, um ato imbuído do significado
de que algo significativo estava acontecendo.
Também entrei em contato com funcionários que suspeitavam da
pesquisa que eu estava fazendo, alguns dos quais a consideravam análoga a
um exercício anterior de consultoria que, segundo se acreditava, levou a
redundâncias. O próprio rótulo da minha pesquisa — 'Compreensão Pública
da Ciência' — carregava conotações que sugeriam o mesmo, 'Compreensão
Pública da Ciência' sendo usado no Museu como uma abreviação para se
referir a mudanças em andamento que mudaram a ênfase institucional mais
para o atendimento aos visitantes , e menos para cuidar de artefatos, do que
anteriormente. No entanto, enquanto o rótulo 'Compreensão Pública da
Ciência' carregava conotações das quais eu desconhecia inicialmente, outros
rótulos com os quais eu estava associado, notadamente 'acadêmico',
carregavam conotações muito diferentes. Como no comentário do meu
gatekeeper sobre o vestido, acima, “acadêmicos” opunham-se implicitamente
a “gerentes”: eles eram considerados não apenas como relativamente
desleixados (uma imagem à qual eu me conformava), mas também como
inerentemente do lado da erudição e de uma espécie de desdém pelos
insignificantes imediatismos materiais com os quais os “acadêmicos” os
gerentes eram supostamente obcecados. No geral, então, havia incerteza
sobre qual poderia ser minha posição, e o processo de trabalho de campo
envolveu não apenas minha negociação entre diferentes grupos, mas sua
negociação e tentativas de influenciar o que eu via e o que eu poderia
escrever. Eu e minhas atividades podem ser referidas em termos que
parecem familiares, mas no Museu elas carregavam uma carga semântica
específica da qual só tomei consciência com o tempo. eles eram vistos não
apenas como relativamente desalinhados (uma imagem à qual eu me
conformei), mas também como inerentemente do lado da erudição e de uma
espécie de desdém pelas insignificantes imediações materiais com as quais
os "gerentes" eram supostamente obcecados. No geral, então, havia incerteza
sobre qual poderia ser minha posição, e o processo de trabalho de campo
envolveu não apenas minha negociação entre diferentes grupos, mas sua
negociação e tentativas de influenciar o que eu via e o que eu poderia
escrever. Eu e minhas atividades podem ser referidas em termos que
parecem familiares, mas no Museu elas carregavam uma carga semântica
específica da qual só tomei consciência com o tempo. eles eram vistos não
apenas como relativamente desalinhados (uma imagem à qual eu me
conformei), mas também como inerentemente do lado da erudição e de uma
espécie de desdém pelas insignificantes imediações materiais com as quais
os "gerentes" eram supostamente obcecados. No geral, então, havia incerteza
sobre qual poderia ser minha posição, e o processo de trabalho de campo
envolveu não apenas minha negociação entre diferentes grupos, mas sua
negociação e tentativas de influenciar o que eu via e o que eu poderia
escrever. Eu e minhas atividades podem ser referidas em termos que
parecem familiares, mas no Museu elas carregavam uma carga semântica
específica da qual só tomei consciência com o tempo. e o processo de trabalho
de campo envolveu não apenas minha negociação entre diferentes grupos,
mas sua negociação e tentativas de influenciar o que eu via e o que eu poderia
escrever. Eu e minhas atividades podem ser referidas em termos que
parecem familiares, mas no Museu elas carregavam uma carga semântica
específica da qual só tomei consciência com o tempo. e o processo de trabalho
de campo envolveu não apenas minha negociação entre diferentes grupos,
mas sua negociação e tentativas de influenciar o que eu via e o que eu poderia
escrever. Eu e minhas atividades podem ser referidas em termos que
parecem familiares, mas no Museu elas carregavam uma carga semântica
específica da qual só tomei consciência com o tempo.
O Museu como espelho 165

SOBRE ESCAVAR E VOAR


Durante o trabalho de campo, recebi muitas referências e alguns conselhos
sobre como escrever meu relato. Havia aqui duas perspectivas bastante
diferentes que vinham daqueles com visões alternativas sobre o modo como
as exposições do museu deveriam ser. Por um lado, o desejo de que eu não
escrevesse em jargão e que meu relato fosse o mais transparente e
compreensível possível. Esse apelo veio, em grande parte, dos funcionários
do museu que também afirmam que as exposições do museu devem atender
a um público leigo o mais amplo possível e que o texto das exposições do
museu deve ser facilmente compreensível. Por outro lado, havia aqueles que
se revelavam em argumentos acadêmicos e dispositivos literários. Eles
ansiavam, ou essa era minha percepção, por um relato que – ao espelhar suas
próprias práticas – jogasse um jogo no qual eles fossem leitores privilegiados.
Essas duas perspectivas eram muito mais do que minha etnografia. Isso
foi apenas uma manifestação de um conjunto ramificado de diferenças entre
os funcionários do museu. As perspectivas devem ser vistas como tipos ideais
em vez de uma divisão absoluta de indivíduos, no entanto, pois na prática
alguns indivíduos eram ambivalentes ou mudaram de posição (embora eu
também tenha descoberto que, ao ler os rascunhos deste capítulo, a maioria
dos funcionários do museu é adepta de identificando apenas quem é de qual
tipo). Mesmo que todos os indivíduos não se enquadrem nela de forma
absoluta e existam algumas zonas cinzentas, a divisão pode ser vista como
uma linha central de fissão no Museu e, como tal, uma das forças motrizes da
ação e dos acontecimentos. Os dois lados representam sistemas
classificatórios concorrentes, mapeando o espaço semântico que é o Museu
através de seus embates conceituais. Os termos que uso para descrever esses
tipos se inspiram em um comentário de Clifford Geertz sobre etnografia,
publicado na mesma época do meu trabalho de campo e referindo-se às
respostas à crise de representação da etnografia. Essas respostas, ele sugere,
foram polarizadas em uma atitude de 'cavar ("Não pense em etnografia,
apenas faça")" e "voar ("Não faça etnografia, apenas pense sobre isso")"
(1988). : 139). Com base neles, uso os nomes Diggers e Flyers. basta pensar
nisso”)” (1988: 139). Com base neles, uso os nomes Diggers e Flyers. basta
pensar nisso”)” (1988: 139). Com base neles, uso os nomes Diggers e Flyers.
Os Coveiros na história do meu museu são os pragmáticos; aqueles que
mais desconfiam da metáfora, do argumento complexo e das 'grandes
palavras'. Fazer exposições não é tanto uma questão de criatividade e auto-
expressão, mas um processo a ser gerenciado, uma questão de relativa
eficiência ou ineficiência. Para Diggers, um público leitor ou público
relativamente não especializado é tanto o principal motivo para a criação da
exposição quanto a principal legitimação para seu sucesso ou sucesso.
166 Sharon Macdonald

por outro lado. A exposição no centro deste estudo etnográfico foi dominada
em grande parte (embora não inteiramente) por um ethos Digger, embora
também haja uma tendência dentro das exposições à medida que progridem
para se transformar de uma posição relativamente flutuante para uma
posição mais entrincheirada. 1.
Os panfletos, por outro lado, adoram argumentos e ideias intelectuais em
si. Muitos deles consideram o Museu e sua política como um jogo – um jogo
no qual eles podem participar, mas apenas enquanto simultaneamente se
afastam e se observam fazendo isso. Isso não quer dizer que os Flyers sejam
necessariamente do tipo tranquilo e legal: pelo contrário, muitos deles são
pessoas argumentativas apaixonadas, cientes de que este é um jogo em que
as apostas podem ser altas. Essas apostas incluem 'poder', 'status', 'liberdade
intelectual' e 'credibilidade acadêmica'. Ao fazer exposições, os Flyers
valorizam muito a pesquisa e, talvez, noções bastante sofisticadas do que a
exposição deve alcançar. Eles podem, por exemplo, tentar encontrar
maneiras de introduzir diferentes 'vozes' e 'dimensões reflexivas' em suas
exposições. No geral, Os panfletos não estão tão preocupados com o que os
Diggers chamam enfaticamente de 'o Público'. De fato, é comum os Flyers se
oporem a um conceito tão 'monolítico' e argumentar que o público com o qual
o Museu lida é bem mais sofisticado/complexo/educado/inteligente do que
os Diggers imaginam.
Então, como Diggers and Flyers encaravam uma etnografia do Museu?
Como mencionei, havia diferentes expectativas quanto ao estilo de escrita
que seria empregado: transparente (os Diggers) ou calcado em alusão
literária (os Flyers). Também havia diferenças nas maneiras como Diggers e
Flyers se comportavam comigo. No geral, Diggers me deixou para continuar
com minha tarefa peculiar. Eles às vezes expressavam perplexidade sobre o
que diabos eu 'descobriria' ou como conseguiria processar os dados que
havia coletado. Na maioria das vezes, porém, parecia-me que eles viam a
pesquisa em vez de um exercício de consultoria de gestão. Eu estava lá para
observar como eles 'tomavam decisões'. Central para o resultado de qualquer
decisão eram as 'restrições práticas' que Diggers enfatizava que não podiam
e não deveriam ser subestimadas. Um relato detalhado do processo de
criação da exposição deve, inevitavelmente, mostrar isso claramente; e
esperançosamente justificaria o bom senso e a gestão eficaz dos Diggers,
mostrando-os lutando com o maior sucesso possível contra forças externas
intransigentes. O bom senso é um ideal fundamental do Digger e um princípio
organizador.
Flyers têm uma visão bastante diferente. No que diz respeito às suas
interações comigo no Museu, eles relutavam em se ver como objetos de
etnografia. Eles próprios eram espectadores e o conhecimento que
transmitiam não poderia ter o status de 'dados': já havia se configurado em
algo mais ou menos como etnografia, ou assim supunham. Por esta razão, a
Flyers às vezes não queria que eu
O Museu como espelho 167

gravar conversas com eles ou até mesmo fazer anotações: a nossa era uma
discussão entre observadores, não observador e observado. Embora os
Flyers vissem suas próprias conversas individuais comigo de observador
para observador, eles geralmente estavam bastante interessados em ter um
etnógrafo como público ou testemunha em suas interações com o resto do
Museu. Importante aqui é o fato de que os Flyers, embora possam ocupar
altos cargos no Museu, tendem a se definir como separados do resto do
Museu: eles se vêem como uma minoria incompreendida. O que eles queriam
era que eu visse seu calibre intelectual e os visse, talvez de maneira irônica e
espirituosa, destacando "o absurdo" (como se disse) do gerencialismo de
museu. Como os Diggers, eles esperavam uma espécie de vingança,
O que Flyers parecia esperar da etnografia resultante era que pelo menos
ela fosse inteligente e cheia de sutis duplos sentidos e alusões, e no máximo
que apresentasse o Museu sob uma luz completamente nova e exótica. Um
curador circulou um pequeno artigo chamado "The Museum People: An
Interactive Approach", fortemente influenciado por The Mountain People, de
Colin Turnbull, que era uma versão exótica e divertida do tipo de relato que
ela imaginava que eu poderia escrever. Os panfletos pareciam querer tornar-
se estranhos. Em parte, isso era simplesmente uma expectativa do que os
antropólogos fazem. Mas havia mais do que isso, eu acho. Primeiro, tal
exotismo seria jogar o tipo de jogo pelo qual os Flyers são atraídos: fazer-
estranho seria, por si só, talvez, negar o negócio sério e concreto do senso
comum que Diggers desejava defender. A este respeito (como em muitos
outros), Flyers não são diferentes de etnógrafos relativizadores para quem
não existe algo como 'senso comum' - é 'um sistema cultural' (Geertz 1983:
cap. 4). sistema em todas as suas peculiaridades como culturalmente
específico e relativizado, o sistema é privado de parte de sua autoridade. Um
Flyer, por exemplo, costumava repetir para mim que o Museu era 'Lululand'
ou 'Bozoland'. Ele o comparou com 'o mundo real' ou 'grandes negócios' e 'a
cidade', onde coisas como 'responsabilidade' eram importantes. Ele próprio
preferia "Lululand", afirmou, não porque foi enganado ao acreditar que era o
mundo real, mas porque o divertia. Para Flyers, então, um relato etnográfico
que exotizasse o Museu — apresentando-o como 'Lululand' — concordaria
com sua própria percepção do Museu como algo que não fazia parte do
'mundo real'. O etnógrafo seria capaz de demonstrar que por trás de sua
retórica o Museu era, de fato, uma cultura totalmente não racional e
possivelmente “primitiva”.
Outra percepção de uma etnografia – que poderia ser acoplada às ideias
de Digger ou Flyer – era que ela destacaria especificamente as características
individuais, idiossincráticas e humanas da produção de exposições. Em sua
forma mais dura, o que parecia ser esperado era 'a sujeira': um conto de
168 Sharon Macdonald

putaria, erros e especulação individual. Mais suavemente, era uma


expectativa de uma conta em que o acaso e os eventos aleatórios, as inter-
relações pessoais e as características muito específicas da "criatividade"
seriam os operadores centrais. Embora esses fatores certamente
desempenhem um papel, essa expectativa no Museu era muitas vezes
característica de um mal-estar com todas as tentativas de reestruturar o
museu ou encontrar formas mais eficazes e eficientes de organizar e treinar
pessoas. A etnografia, ao sugerir que fatores não planejados, casuais e
individualistas foram as verdadeiras forças motrizes por trás da forma que
se seguiu da exposição, colocaria em dúvida todo o empreendimento de
tentar mudar o Museu.
Diggers and Flyers não tinham status igual no Museu durante o período
do meu trabalho de campo. Embora cargos mais altos fossem ocupados por
Flyertypes, a retórica dominante estava mais próxima da dos Diggers. Isso foi
trazido por um novo diretor que queria colocar o público em primeiro plano
e abolir o que ele chamava de mentalidade de 'dinossauro'. O diretor
costumava falar a linguagem de Digger em sua tentativa de varrer o que ele
via como certas forças conservadoras no Museu, o modo cultural dominante
para mudar as instituições no final da década de 1980 sendo um discurso de
eficiência e gerenciamento. No entanto, ele também foi atraído por uma
credibilidade acadêmica do tipo Flyer e me pareceu que as oscilações e
vacilações que muitos funcionários do Museu percebiam que ele estava
fazendo poderiam ser vistas como tentativas de conciliar elementos desses
sistemas concorrentes.
Essas várias percepções da etnografia não foram particularmente
desafiadas pela maneira como a realizei. Ficar sentado fazendo anotações ou
gravando, tomando café e geralmente acompanhando e fazendo perguntas,
eram inócuos o suficiente para serem interpretados de qualquer maneira. O
dizer ou a descrição da etnografia, no entanto, era potencialmente mais
formativo, e eu me vi adaptando minhas descrições com o passar do tempo e
em relação ao meu público. A princípio, costumava enfatizar que o projeto foi
financiado no âmbito de um programa de 'Compreensão Pública da Ciência',
concentrando-se assim, imaginei, em seu valor e valor de uso. No entanto,
Logo larguei meus murmúrios adicionais bastante confusos sobre
'concepções e construções da ciência', pois a própria equipe da exposição já
havia configurado a pesquisa no formato de consultoria de gestão e me
resgataria dizendo que eu estava lá para olhar 'a maneira como tomamos
decisões' . Embora eu nunca tenha ficado muito feliz com essa caracterização
– temendo que ela criasse expectativas bastante concretas de resultados
úteis –, às vezes eu me via adotando.
Outras vezes, principalmente com Flyers, eu aproveitava ao máximo meu
papel enigmático, ocasionalmente fazendo comentários enigmáticos sobre
coisas como totemismo ou xamanismo. À medida que a pesquisa avançava,
passei a colocar a definição de mim mesmo como antropólogo mais em
primeiro plano. Havia muito
O Museu como espelho 169

diversão no Museu com a ideia de que a equipe de exibição de alimentos era


minha 'tribo' e, tendo aduzido que falar em tais termos não era considerado
grosseiramente ofensivo, senti algum alívio em me despojar um pouco, pelo
menos, da política prática. fazendo manto em que a pesquisa tinha sido
enfeitada em seus estágios iniciais.

A POLÍTICA DA ESCRITA DE CONTEXTO PARALELO


As diferentes visões do que eu produziria criaram um dilema para escrever.
Deveria eu apresentar o tipo de relato que os Coveiros poderiam desejar ou
o que os Flyers prefeririam? E quais seriam as consequências da seleção?
Ficou bastante claro que tudo o que eu escrevesse seria rapidamente
divulgado e lido avidamente dentro do Museu e que seria apropriado nos
debates em andamento e nas várias agendas.7
Talvez não surpreendentemente, o primeiro artigo escrito sobre o
trabalho de campo foi uma decepção tanto para Diggers quanto para Flyers
– e politicamente caiu como um peso de chumbo.8 Uma grande análise das
mudanças nos modos de exibição em museus, localizando mudanças
recentes dentro de um contexto político mais amplo, era ao mesmo tempo
muito literato para Diggers e insuficientemente misterioso para Flyers.
Felizmente, amigos do tipo Digger e Flyer no Museu começaram a tentar
recuperar algo da situação embaraçosa. Diggers me disse que uma seção
relativamente descritiva sobre a exposição em si "parecia muito mais sensata
do que o resto". A Flyer, por outro lado, observou que no final do artigo,
quando começou a se aprofundar em algumas das ideias de Susan Stewart
sobre objetos e a natureza da coleção, ele "começou a ficar interessante".
Incorporado como estava na cultura do Museu na época, e de forma mais
duradoura na cultura universitária não muito diferente, também tentei
inventar desculpas para o que parecia potencialmente desastroso na época.
Enfatizei que o artigo havia sido escrito para um público específico e
extremamente peculiar, os leitores de Estudos Culturais. Não era o tipo de
coisa que eu escreveria normalmente. Esse argumento de 'público-alvo' era
muito com o qual Diggers simpatizava, mesmo que eles pudessem achar a
escolha do público perversa (especialmente para um primeiro artigo após o
trabalho de campo). Também insinuei que o artigo não era tão 'acadêmico'
como alguns seriam (um argumento para apelar aos Flyers); e que eu estaria
escrevendo coisas diferentes para diferentes propósitos e públicos (tentando
agradar a todos),
Escrever, então, era problemático porque inevitavelmente entrava na
briga das agendas concorrentes existentes; mas também porque a própria
forma da escrita ('antropológica' e 'acadêmica' ou 'importante' e 'descritiva')
pode ser vista para apoiar a perspectiva de uma ou outra facção dentro do
Museu. Etnógrafos em muitos outros, muitas vezes longe de
170 Sharon Macdonald

paralelo, os contextos têm,é claro, experimentaram conjuntos


semelhantes de entendimentos sobre a forma e as consequências de seu
trabalho: a expectativa de que eles atuem como defensores ou criadores de
políticas, por exemplo (veja, por exemplo, Okely, Capítulo 14, e Knight,
Capítulo 9 deste volume) . Um contexto sobreposto e profundamente
reflexivo, como um museu, no entanto, tem uma série de sobreposições mais
específicas que geram problemas teóricos e políticos específicos.
Uma objeção ao primeiro trabalho de pesquisa foi sua referência bastante
liberal às 'crises' enfrentadas pelos museus. A descrição de museus em crise
foi difundida tanto dentro do Museu quanto em reportagens da mídia
contemporânea e considerei o uso do termo no artigo como uma descrição
etnográfica dessa percepção generalizada. Vários leitores do Museu, no
entanto, o entenderam como meu próprio termo avaliativo e argumentaram
que o jornal, ao compartilhar um termo com a mídia, era, portanto,
'jornalismo'. O próprio "jornalismo" se opunha à "pesquisa"; e ficou
impressionado em mim que, se o que escrevi era para ser visto como
'pesquisa', então era imperativo que não parecesse de forma alguma com
jornalismo. Além disso, Disseram-me que corria o risco de colocar em risco
todo o status precário da pesquisa dentro do Museu se produzisse um
trabalho que não parecesse 'pesquisa adequada'. O problema não foi visto na
exatidão ou veracidade do meu relato, nem na sua referência acadêmica, mas
no que a equipe do Museu percebeu ser uma semelhança muito próxima com
outras formas culturais de representação (jornalismo); e ao fato de que não
era considerado suficientemente útil e prescritivo, nem suficientemente
obscuro e erudito.
O problema, então, era uma das classificações muito semelhantes na
cultura do Museu, mas não uma identidade completa. Nossas visões de
pesquisa eram semelhantes, mas não exatamente as mesmas. Aqui podem
ocorrer mal-entendidos de ordem bastante sutil. Um, por exemplo, envolvia
o uso de aspas. O rascunho do artigo estava fortemente polvilhado com eles.
Isso é algo que muitas vezes me pego fazendo: faz parte de um
distanciamento que considero necessário para a análise. Termos entre aspas
são termos que, se não fosse o caso de meus súditos compartilharem a mesma
língua materna que eu, estariam em uma língua estrangeira. No entanto, as
aspas em outras formas de escrita – especialmente no jornalismo – têm um
sentido bastante diferente. Eles sinalizam o pejorativo ou irônico. E foi assim
que foram interpretados por alguns leitores do Museu. 'Gestão', assim,
tornou-se algo que eu estava insinuando ser apenas objetos de 'chamado
gerenciamento', 'declarações de missão' e 'indicadores de desempenho' do
ridículo. No contexto paralelo, então, a significância poderia ser atribuída às
ações do etnógrafo em um nível muito fino: neste caso, o dos diacríticos
usados na escrita.
É importante notar que estamos lidando aqui com graus de sobreposição
e com o que Michael Herzfeld chamou de 'relatividade da inocência' (1987:
181) ao invés de identidade. É muito fácil em um contexto perto de casa
O Museu como espelho 171

pensar-nos sabendo onde de fato somos neófitos, como ilustra o exemplo de


minha própria ingenuidade inicial sobre os efeitos e classificações de minha
presença como etnógrafo no Museu. Por mais sobrepostas que as visões de
pesquisa do Museu possam ser, elas nem sempre são exatamente as nossas.
No entanto, como acontece com as vírgulas, as diferenças às vezes são de uma
ordem bastante sutil – elas são do tipo que pegam você desprevenido.
O problema da etnografia aqui também diz respeito ao espaço crítico para
a interpretação. A compatibilidade conceitual torna facilmente as
especificidades culturais e as dependências de contexto invisíveis. A tarefa
parece traduzir nossa própria linguagem de volta para si mesma. No entanto,
na prática – na multidão de um contexto empírico em mudança e negociado
– há constantemente lacunas emergindo através das quais podemos
vislumbrar as categorias e padrões significativos em ação (Ardener 1982). Se
o trabalho de campo autoantropológico se reflete na etnografia, as imagens
que ele fornece são muitas vezes borradas nas margens e há rachaduras em
algumas superfícies (cf. Fernandez 1980: 36). Atenção especial a isso,
exploração desses mal-entendidos casuais do cotidiano que a etnografia
continuamente lança e mapeamento dos padrões cambiantes e lealdades em
torno das definições, é tudo parte do processo pelo qual podemos distinguir
o significativo e o cultural ou contextualmente específico. Precisamente
porque os curadores e intérpretes de museus (como agora são chamados com
bastante frequência) têm opiniões e práticas associadas a questões que
também são centrais para a etnografia – questões como a relação entre
conhecimento e propriedade, do que constitui um conhecimento válido ou
relato autêntico, ou da parte que concedemos aos leitores em nossos textos –
oferece um contexto no qual podemos observar a construção e reconstrução
muito ativa e até mesmo contestada de conceitos 'etnográficos'.
Ao mesmo tempo, o contexto reflexivo, próximo de casa, também apaga a
reconfortante distinção entre o 'estar lá' e o 'estar aqui' da pesquisa
etnográfica (Geertz 1988). Os sujeitos da etnografia esperam ler o que está
escrito sobre eles e provavelmente serão diretos ao expressar suas opiniões
sobre isso. Qualquer texto é completamente "mundano" (Frankenberg 1993:
54; após Said 1983) — um evento capaz de afetar o status e a carreira dos
indivíduos. De fato, alguns tipos de texto originários do Museu tornam isso
particularmente provável. O relatório da consultoria de gestão, por exemplo,
é um documento destinado a ter efeitos imediatos e concretos. Isso me veio
à mente com muita força depois que escrevi um relato sobre a realização da
exposição de Alimentos e a apresentei ao Museu em formato de relatório. Um
membro da equipe do Museu foi instruído pela alta administração a fazer
alterações na exposição de acordo com as recomendações que se supunha
que eu teria feito. No entanto, o relatório continha pouco que pudesse ser
imediatamente 'operacionalizado' neste
172 Sharon Macdonald

caminho. Mais uma vez, a disjunção entre nossas expectativas de um


relatório era de ordem sutil.
A vida da escrita na etnografia sobreposta não termina necessariamente
no ponto em que ela entra novamente no contexto do trabalho de campo. No
mundo atual da pesquisa social, a disseminação além da academia e a
relevância política em arenas como museus e indústrias de lazer tornaram-
se parte dos meios pelos quais nossa pesquisa é legitimada e seu
desempenho avaliado. Tal como no Museu, os 'utilizadores' assumiram um
estatuto acrescido na legitimação das nossas práticas e produtos. Isso
significa que o poder dos sujeitos da pesquisa para defini-la – como
'irrelevante', 'superficial' ou 'tolice errante' talvez – é um poder com efeitos
potencialmente muito reais no mundo da pesquisa etnográfica
contemporânea. Nossos sujeitos podem se tornar não apenas leitores, mas
árbitros de nosso trabalho. E uma instituição como um museu nacional é
capaz de falar com uma voz indubitavelmente autoritária. De fato, foi-me dito
em uma ocasião no Museu, de uma maneira mais útil e amigável do que as
palavras podem sugerir: 'Lembre-se, nós temos alguma influência.
Poderíamos dizer "Ah, sim, ela esteve aqui por um tempo, mas ela realmente
não entendeu o que estava acontecendo". Provavelmente somos mais
poderosos do que você.' Sem dúvida.

PROBLEMAS PARALELOS
No entanto, a dificuldade de escrever sobre o Museu não é apenas uma
questão de lidar com 'uma instituição poderosa' (ou 'estudar'), mas também
de negociar um caminho através de agendas e expectativas bastante
diferentes - e diferentes perspectivas politizadas sobre a própria
representação . Aqui, tentei descrever isso através da minha experiência de
representar o Museu e suas representações do que eu estava fazendo. Isso,
no entanto, é apenas uma realização de um debate em andamento dentro do
Museu sobre seus próprios papéis e estilos representativos – um debate que
se tornou cada vez mais acalorado e polarizado durante a década de 1980.
Muitos dilemas percebidos pela equipe do museu surgiram da dificuldade de
conciliar diferentes demandas sobre, por exemplo, erudição versus
populismo, atuando como vitrine para a ciência e indústria nacional ou
informando o público sobre o melhor da ciência e tecnologia. Todos esses
problemas foram exagerados pelas múltiplas, e muitas vezes contraditórias,
demandas feitas ao Museu. Por um lado, o seu financiamento futuro parecia
estar relacionado com o número de visitantes que conseguia atrair, por outro,
estava a ser chamado a cumprir um papel educativo; questionou-se a
extensão de suas vastas coleções armazenadas, sua seletividade e seus
silêncios; seu nacionalismo estava sendo desafiado ao mesmo tempo em que
era chamado para expor a Grã-Bretanha; o número de visitantes estava sendo
proposto como um indicador chave de desempenho ao mesmo tempo em que
os visitantes começaram a pagar uma taxa de entrada; os resultados da
pesquisa estavam sendo monitorados enquanto a curadoria Todos esses
problemas foram exagerados pelas múltiplas, e muitas vezes contraditórias,
demandas feitas ao Museu. Por um lado, o seu financiamento futuro parecia
estar relacionado com o número de visitantes que conseguia atrair, por outro,
estava a ser chamado a cumprir um papel educativo; questionou-se a
extensão de suas vastas coleções armazenadas, sua seletividade e seus
silêncios; seu nacionalismo estava sendo desafiado ao mesmo tempo em que
era chamado para expor a Grã-Bretanha; o número de visitantes estava sendo
proposto como um indicador chave de desempenho ao mesmo tempo em que
os visitantes começaram a pagar uma taxa de entrada; os resultados da
pesquisa estavam sendo monitorados enquanto a curadoria Todos esses
problemas foram exagerados pelas múltiplas, e muitas vezes contraditórias,
demandas feitas ao Museu. Por um lado, o seu financiamento futuro parecia
estar relacionado com o número de visitantes que conseguia atrair, por outro,
estava a ser chamado a cumprir um papel educativo; questionou-se a
extensão de suas vastas coleções armazenadas, sua seletividade e seus
silêncios; seu nacionalismo estava sendo desafiado ao mesmo tempo em que
era chamado para expor a Grã-Bretanha; o número de visitantes estava sendo
proposto como um indicador chave de desempenho ao mesmo tempo em que
os visitantes começaram a pagar uma taxa de entrada; os resultados da
pesquisa estavam sendo monitorados enquanto a curadoria o seu
financiamento futuro parecia estar relacionado com o número de visitantes
que conseguia atrair, por outro estava a ser chamado a cumprir um papel
educativo; questionou-se a extensão de suas vastas coleções armazenadas,
sua seletividade e seus silêncios; seu nacionalismo estava sendo desafiado ao
mesmo tempo em que era chamado para expor a Grã-Bretanha; o número de
visitantes estava sendo proposto como um indicador chave de desempenho
ao mesmo tempo em que os visitantes começaram a pagar uma taxa de
entrada; os resultados da pesquisa estavam sendo monitorados enquanto a
curadoria o seu financiamento futuro parecia estar relacionado com o
número de visitantes que conseguia atrair, por outro estava a ser chamado a
cumprir um papel educativo; questionou-se a extensão de suas vastas
coleções armazenadas, sua seletividade e seus silêncios; seu nacionalismo
estava sendo desafiado ao mesmo tempo em que era chamado para expor a
Grã-Bretanha; o número de visitantes estava sendo proposto como um
indicador chave de desempenho ao mesmo tempo em que os visitantes
começaram a pagar uma taxa de entrada; os resultados da pesquisa estavam
sendo monitorados enquanto a curadoria o número de visitantes estava
sendo proposto como um indicador chave de desempenho ao mesmo tempo
em que os visitantes começaram a pagar uma taxa de entrada; os resultados
da pesquisa estavam sendo monitorados enquanto a curadoria o número de
visitantes estava sendo proposto como um indicador chave de desempenho
ao mesmo tempo em que os visitantes começaram a pagar uma taxa de
entrada; os resultados da pesquisa estavam sendo monitorados enquanto a
curadoria
O Museu como espelho 173

e orçamentos e pessoal de pesquisa foram cortados. Essas múltiplas


demandas, me pareceu, criaram uma sensação de ameaça que alimentou uma
polarização entre cavar e voar. Diggers defendiam a possibilidade de criar
exposições que não manifestassem a arrogância intelectual do passado
(descrito como 'teses de doutorado coladas em painéis' por um); Os panfletos
temiam ser inundados pelo filistinismo ("Chegamos a um ponto em que as
exposições são administradas no mesmo departamento que os banheiros").
Cada um não estava disposto a ceder terreno ao outro porque muito havia se
entrelaçado em cada questão.
Cavar e voar são alternativas familiares aos etnógrafos. Devemos
mergulhar na descrição ou voar para a interpretação? Nossas etnografias
devem ser factuais, 'próximas à experiência' e escritas com senso comum? Ou
devemos escrever o tipo de relatos exóticos, 'experiência-distantes',
reflexivos, literários e densos que os Flyers desejam? O que o Museu nos
mostra é que essas questões não podem ser desvinculadas de seu contexto e
implicações políticas. Nossos colegas acadêmicos e exercícios de revisão de
pesquisa podem exigir voos altos, nossos órgãos de financiamento e
anfitriões de trabalho de campo que sejamos realistas. Nos debates sobre
"Escrever Cultura" da antropologia, tais políticas estiveram apenas semi-
presentes. Consideramos as implicações de estilos particulares de
autoridade e silenciamento; mas — com exceção de algumas críticas
feministas (por exemplo, Mascia-Lees et al. 1989;
As noções de representação mantidas em um contexto etnográfico como
um museu nacional são, então, desconcertantemente próximas de casa. Eles
não podem ser descritos com segurança em alteridade porque são parte de
nosso próprio discurso e de um mundo amplamente, embora não totalmente
compartilhado, de semântica representacional contestada. No que
escrevemos, participamos – por mais que desejemos que fosse de outra
forma – de uma batalha cheia de significados sobre a representação e seus
usos, na qual o próprio formato e estilos de nossos modos de representação
escolhidos são passíveis de interpretação conseqüente. Ao escrever,
inevitavelmente nos escrevemos em um contexto particular e politizado. O
desafio é romper com o posicionamento fácil e destacar a semântica e a
política das próprias práticas representacionais.

RECONHECIMENTOS
Desejo expressar meus sinceros agradecimentos ao pessoal do Museu da
Ciência, especialmente àqueles com quem me envolvi mais intimamente,
tanto por acolher a pesquisa quanto, em muitos casos, por comentar versões
deste e de outros textos. Também agradeço aos seguintes por comentarem
sobre rascunhos ou apresentações de versões deste capítulo: Michael
Beaney, Georgina Born, Michael Herzfeld, Michael Hitchcock, Eric Hirsch,
Janet Rachel, Roger Silverstone, colegas do Departamento de Sociologia e
174 Sharon Macdonald

Antropologia da Keele University, colegas que trabalham no programa


'Public Understanding of Science', o público na conferência 'Anthropology
and Representation' e os editores deste volume. Embora os agradecimentos
não sejam, é claro, uma convenção textual inocente, os agradecimentos não
devem ser considerados de acordo com meus argumentos aqui.
Capítulo 11

Edificando a antropologia
Cultura como conversa; representação como
conversa

Nigel Rapport

A conversação, entendida amplamente, é a forma das transações humanas


em geral.
(Alasdair MacIntyre, Depois da
Virtude)

TRÊS COMEÇOS
De Clifford Geertz, de Jane Austen e de Michael Oakeshott, recebemos
representações do processo cultural – a construção, troca e interpretação de
formas culturais – como conversas. Sua convergência nesta imagem me atrai;
também a maneira como suas representações podem ser encontradas
dialogando umas com as outras, apontando para uma imagem de processo
cultural ao mesmo tempo complexa, múltipla e contraposta. Começo, então,
com a conversa deles.
Clifford Geertz nos fala da interpretação endêmica da experiência que os
membros da cultura empreendem para dar sentido e sentido ao que acontece
(e o que eles fazem acontecer) para seus companheiros e para eles mesmos.
'A vivência real dos eventos' nunca é mera senciência, mas sempre senciência
interpretada: 'toda experiência é experiência construída' (Geertz 1973: 405).
No entanto, isso não é para “dar lugar” ao psicologismo, porque a experiência
humana e sua interpretação são coisas que os seres humanos empreendem –
“como qualquer outra coisa” – no mundo social, em público: uma “psicologia
ao ar livre” situa o pensamento firmemente “no interior”. o mundo '(Geertz
1983: 153). Pensar, portanto, não é um processo misterioso que ocorre em
uma gruta secreta na cabeça. Pelo contrário, o pensamento é uma atividade
pública e inerentemente social em suas origens, funções, formas e aplicações.
As atividades ao ar livre (arar e vender) são tão bons exemplos disso quanto
as experiências no armário (desejando e lamentando). Pois o pensamento
consiste em traficar as formas simbólicas disponíveis em uma comunidade
— rituais, ferramentas, palavras, ídolos, poços de água, gestos, marcas,
imagens, sons. São essas formas simbólicas – derivadas de uma tradição
cultural, garantida por um status quo social – que
178 Nigel Rapport

possibilitam (que carregam, que incorporam) significados, e nenhum


pensamento é possivelmente empreendido sem eles: pensar é símbolo, usar
é ação social. Em suma, a experiência e a sua reflexão ocorrem no mesmo
mundo público: o seu habitat natural é o pátio da casa, o mercado, a praça da
cidade. O que caracteriza ambos é a troca pública de sistemas compartilhados
de símbolos. De fato, é “sob a orientação” desses símbolos que qualquer
pensamento sobre cultura deve ser entendido, enquanto a vida social pode
ser caracterizada como uma conversa de símbolos: uma troca contínua de
formas culturais em que a vida é vivida como experiência e interpretada
como significado.
Se, para Geertz, a percepção, o conhecimento, a lembrança, o raciocínio, a
intenção, a imaginação, o julgamento, o sentimento e a ação humanos são
determinados pelas formas simbólicas em cujos termos eles são expressos e
assim “acontecem”, então para Jane Austen, a conversa de formas permite
uma apreciação mais sutil (cf. Handler e Segal 1990). Em contraste com uma
descrição sobredeterminante do comportamento normativo em que a
convencionalidade cultural se traduz inexoravelmente em
compartilhamento social, homogeneidade, consistência e comunicação, a
visão de Austen dos jogos de linguagem e das formas (simbólicas) de vida
(social) é que eles estão sempre sujeitos. à interpretação criativa: a uma
manipulação e re-renderização independente por um indivíduo: ao que
Handler e Segal chamam (1990: 87) de 'ação alter-cultural'. (Ela interpreta
Ayer para Wittgenstein de Geertz.) Para Austen, sistema de símbolos e
habitus não são tanto garantias de significado, legitimidade e reprodução da
ordem estabelecida, mas recursos comunicativos e contrapesos à pragmática
do 'jogo social sério' de diferentes indivíduos (ibid.: 16). Para as heroínas dos
escritos de Austen e seus parceiros, em vez de regras a serem tomadas literal
ou normativamente, a etiqueta e a propriedade convencionais são questões
para comentários e análises metacomunicativas – e, portanto, deslocamento
– na construção pessoal da ordem. Assim, na padronização e estruturação da
sociedade inglesa do início do século XIX (por mais que pareça axiomática e
inequívoca), Austen não descreve nenhum sistema sociocultural singular,
unitário, integrado ou limitado. Em vez disso, ela encoraja seus leitores a
apreciar a maleabilidade e a mutabilidade da realidade social, e o potencial
criativo da criação do mundo individual alter-cultural. Assim, não apenas
suas heroínas estão familiarizadas com o que podem criar variadamente a
partir das normas simbólicas do dia, mas entre suas criações não há tanto
uma denominação comum quanto uma conversa (deliberação, negociação,
confronto). Os leitores encontram interação e inter-referência entre
múltiplas realidades, representadas textualmente por uma dialógica
narrativa sem fechamento e sem fim, em que nenhuma voz mapeia, domina
ou media as outras. A vida social, evidencia Austen, é uma diversidade de
histórias que devem ser contadas em conjunto. mas entre suas criações não
há tanto uma denominação comum quanto uma conversa (deliberação,
negociação, confronto). Os leitores encontram interação e inter-referência
entre múltiplas realidades, representadas textualmente por uma dialógica
narrativa sem fechamento e sem fim, em que nenhuma voz mapeia, domina
ou media as outras. A vida social, evidencia Austen, é uma diversidade de
histórias que devem ser contadas em conjunto. mas entre suas criações não
há tanto uma denominação comum quanto uma conversa (deliberação,
negociação, confronto). Os leitores encontram interação e inter-referência
entre múltiplas realidades, representadas textualmente por uma dialógica
narrativa sem fechamento e sem fim, em que nenhuma voz mapeia, domina
ou media as outras. A vida social, evidencia Austen, é uma diversidade de
histórias que devem ser contadas em conjunto.
Para Michael Oakeshott, a conversa é o que as culturas humanas realizam
e o que as sociedades humanas herdam. A conversação é um encontro de
vozes falando em diferentes idiomas ou modos. Ciência, poesia, prática
Edificando a antropologia 179

atividade, história — os sistemas de símbolos de Geertz — são tais modos de


fala, diferentes universos de discurso (formas de vida wittgensteinianas). É a
própria diversidade, a multiplicidade de vozes diferentes falando em
diferentes idiomas ou modos, que 'faz' a conversa. As vozes não compõem
uma hierarquia, e a conversa não chega a ser uma discussão; as diversas
vozes podem diferir sem discordar, e podem parecer dizer a mesma coisa
sem concordar. Assim, a conversação não é uma indagação, contestação,
exegese ou debate; não se propõe a persuadir, refutar ou informar. A
conversação não tem verdade para descobrir, nenhuma proposição para
provar, nenhuma conclusão para buscar; a razão não é soberana nem
primária, e não há inquérito cumulativo ou conjunto de informações para
salvaguardar. Em vez de, assim como “pensamentos de diferentes espécies
ganham asas e brincam uns com os outros” – respondendo e provocando o
movimento um do outro, inter-relacionando-se obliquamente sem assimilar
–, seus pensadores individuais se engajam na “aventura intelectual não
ensaiada” da vida social (Oakeshott 1962: 198). Acontecendo em público e
dentro de si mesmos, a conversa finalmente contextualiza cada atividade e
enunciado humano...
O que desejo fazer aqui é levar a sério essas representações
conversacionais da conversa da vida social: tratá-las como uma receita para
a representação antropológica da vida social. A representação pode ser
fatalmente propensa à redução, na medida em que conceitos substituem
processos complexos de interpretação e textos singulares representam
trocas plurais. No entanto, se reunir em um texto as vozes e epistemes
distintas, diversas e incompatíveis de um meio social de forma a apontar sua
irreconciliabilidade e sua interação pode ser descrita como 'escrever
conversacionalmente', então ainda pode ser possível afirmam que 'a
conversação epistemológica deste texto é como a conversação cotidiana da
vida social'.

CONVERSA E CONTAS ANTROPOLÓGICAS


A conversa como foco, tema e imagem não é estranha à representação
antropológica. Assim, podemos facilmente aceitar, até mesmo esperar,
conversas entre informantes no texto antropológico; oratória, disputa, cura e
xingamento podem eliciar relatos precisos da expressão verbal e de outras
expressões e trocas no campo (R.Paine, APCohen, J. Favret-Saada). Da mesma
forma, passamos a aceitar, até mesmo esperar, que a conversa entre
informante e antropólogo seja recontada; à medida que a antropóloga entra
em relações no campo, verbais e outras, esse campo toma forma para ela, é
de fato moldado por suas interações (J.Briggs, A.James, V.Crapanzano). Da
mesma forma, pode-se esperar que o texto antropológico se envolva em
trocas conversacionais entre o escritor e seu grupo de referência;
180 Nigel Rapport

pelo efeito que ele gostaria que sua escrita tivesse sobre os outros
(P.Rabinow, J. Clifford, A.Campbell). Finalmente, agora prevemos que o relato
antropológico alcance seu efeito por meio de uma conversa com seu leitor;
como a representação objetiva e positivista é denegrida como
epistemologicamente equivocada e moralmente questionável, espera-se que
o leitor faça sentido por meio de uma evocação e performance do texto
(E.Bruner, S.Tyler, D.Tedlock).
O que eu gostaria de acrescentar a esta apreciação da conversação é, em
primeiro lugar, uma aceitação antropológica consciente da conversação da
vida social: que usamos a conversação como foco, tema e imagem
antropológicos por causa da importância “natural” da conversação: ela vai no
centro do intercâmbio social e do processo cultural. Em segundo lugar,
gostaria de acrescentar ao uso antropológico existente uma aceitação do
relato escrito como implicando conversação: conversa entre sistemas de
criação de sentido (Geertz), histórias heróicas (Austen), universos de
discurso (Oakeshott), em uma palavra, epistemes. Representar a diversidade,
a abertura, o relativismo caótico que compreende o processo cultural não é
pretender representar um meio social isoladamente, de forma constante e
como um todo, mas engajar-se no pluralismo epistemológico,
Deixe-me elaborar esses pontos por sua vez.

CONVERSA COMO OCORRENDO NATURALMENTE


Há dois aspectos básicos na proposição de que a conversação é uma
importante característica natural da cultura e da sociedade: diversidade
epistêmica e interação epistêmica (cf. Rapport 1987: 141ss.).
Uma apreciação da conversação natural (embora mais sociológica do que
antropológica) não é novidade na contabilidade sociocultural. As abordagens
do interacionismo simbólico (Blumer), da etnometodologia (Garfinkel) e da
sociologia do conhecimento (Berger e Luckmann) o tornam central em seus
projetos. Como diria Blumer, então: se os seres humanos agem em relação às
coisas com base nos significados que as coisas têm para eles, e esses
significados são a condição sine qua non da existência social das coisas per
se, então é em conversa com seus semelhantes, nos processos de interação,
que essa construção de sentido ocorre (Blumer 1969: 3). Para Garfinkel,
enquanto isso, é na conversa que entram em jogo a competência, o
conhecimento e os pressupostos de senso comum compartilhados, mas
implícitos, dos membros da cultura; é aqui que os membros fazem o trabalho
de apreender habilmente (ainda que contingente e involuntariamente) a
ordem e a razoabilidade na vida social (Garfinkel 1972: 323). E, novamente,
para Berger e Luckmann, assim como a realidade social é uma construção
humana precária, um trabalho cotidiano contínuo diante da entropia (e da
anomia que ameaça), a conversação é o veículo mais importante de
manutenção da realidade; trabalhando em seu aparato de conversação, o
Edificando a antropologia 181

indivíduo protege e confirma a consistência de seu mundo (Berger e


Luckmann 1966: 140).
Igualmente, no entanto, para cada uma das teses acima, a conversação
cede e pode ser tratada em termos de uma singularidade epistemológica. Em
cada caso, a conversa se conecta com (é precedida e seguida por) uma única
estrutura social e uma cultura consensual. Por meio da interação simbólica
(blumeriana) e da indicação mútua, então, emerge um grupo de objetos
comuns para um grupo de pessoas. Tais objetos têm o mesmo significado; a
conversa resulta em perspectivas compartilhadas, em alto grau de consenso
sobre o que as pessoas chamam de 'realidade'. Esse consenso então permite
que os membros do grupo definam e estruturem em comum a maioria das
situações em que se encontram e ajam da mesma forma (Blumer 1972: 187).
Enquanto isso, ao cumprir as expectativas comuns (garfinkelianas) de
interpretação na conversa, o material da vida cotidiana ganha não apenas um
caráter responsável e "metódico", mas também um caráter comum. Graças às
estruturas sociais estáveis subjacentes aos processos de interpretação
inconsciente, os sistemas culturais se replicam na forma de mundos que seus
membros conhecem em comum e tomam como certos (Garfinkel 1964:
passim). Por fim, a conversa que (après Berger e Luckmann) mantém
consistentemente uma construção da realidade contra o caos também serve
para estruturar as percepções subjetivas em uma ordem social típica,
intersubjetiva, coesa e universal. Isso restringe o que os indivíduos
experimentam em termos do que podem comunicar, uma vez que a
conversação não pode deixar de se acomodar ao edifício de categorias
coercitivas e normas objetivas que é a linguagem de uma sociedade (Berger
e Luckmann 1969: 66).
A proposição para a ocorrência natural de diversidade epistêmica e
interação epistêmica postularia um caráter diferente e um fim diferente para
a conversação.

DIVERSIDADE EPISTÊMICA E INTERAÇÃO EPISTÊMICA


É um lugar-comum da reportagem antropológica atual que o mundo de hoje
('globalizado', 'pós-moderno') é caracterizado pela ausência de um discurso,
narrativa ou episteme sintetizador consensual e pela presença de um
suprimento inesgotável deles (Tyler 1986: 132). . Da mesma forma, nenhum
local possui uma ordem local (simbólica ou estrutural) de coisas através da
qual o mundo é entendido e normalizado: em vez de um totalismo ideológico
abrangente, o local é o lar da interseção de uma diversidade de sistemas
limitados de significado. Moore 1987: 730). Vivemos, em suma, em um
mundo de 'pluralismo epistêmico', com indivíduos negociando seus
caminhos entre centros concorrentes de gravidade filosófica e os equilíbrios
cambiantes de seu poder,
182 Nigel Rapport

Não duvido da veracidade dessas representações. Mas quão nova é a


condição? As manobras cognitivas e práticas entre uma pluralidade de
epistemes sócio-historicamente situadas nunca foram características de
vidas individuais? Não descreve o local e o global em todas as épocas? Eu
diria que sim.
Isaiah Berlin formulou esta proposição de forma mais sucinta ao
relembrar o aforismo kantiano de que "da madeira torta da humanidade
nunca se fez nada reto" (Berlin 1990: 48). Para ampliar um pouco isso, entre
os valores supremos, as respostas verdadeiras, os fins finais perseguidos por
diferentes indivíduos e suas diversas visões de mundo, podemos esperar
nenhuma comensurabilidade necessária, nenhuma reconciliação final,
nenhuma síntese verdadeira; sempre se pode esperar que os "grandes bens"
colidam, não havendo meios determinados de juntar diferentes "bens": não
há um único padrão ou critério abrangente disponível para decidir ou
harmonizar moralidades distintas. Além disso, isso não é apenas no caso dos
valores de uma sucessão de civilizações ou nações, tempos e lugares, mas
também em relação aos indivíduos contemporâneos - mesmo 'divíduos' (cf.
Relatório 1993). Por esta razão, pode-se dizer que todo meio social está
fundado na incompatibilidade e na indeterminação, nas “realidades
humanas” de contradição e ambiguidade (Fernandez 1985: 750), seus
membros em busca de algum grau de “desarmonia de fins” (Douglas 1966:
140).
E porque? Por causa do que todo estudante de antropologia do primeiro
ano agora percebe: o mundo é construído culturalmente, na interação social,
em uma base contínua (ad hoc, contingente, conjectural, contestadora,
'poética'). A diversidade epistêmica e a interação epistêmica são as condições
naturais da vida humana porque a forma e o conteúdo dessa vida estão
sempre sendo criados de novo.
Nietzsche é responsável por trazer tal percepção à consciência moderna
de forma mais contundente e polêmica – e assim por sustentar
filosoficamente o projeto antropológico moderno de elucidar a diversidade
(cf. Shweder 1991: 39). Como Nietzsche diz, sendo o produto conjunto da
matéria inefável e da interpretação humana, não há verdade objetiva sobre o
mundo, e não possui caráter independente: o mundo pode ser interpretado
igualmente bem de maneiras muito diferentes e profundamente
incompatíveis, seus fatos 'sendo construído não descoberto. Sendo este o
caso, nunca poderia haver uma teoria 'completa' ou uma interpretação final
do mundo ou qualquer outra coisa, meramente uma série de perspectivas
sucessivas (conversando): 'nenhum significado... mas incontáveis
significados'; cada interpretação, cada 'fato', simplesmente uma versão entre
muitas (Nietzche 1968: no. 481). O mundo deve ser pensado como uma
espécie de obra de arte ou texto literário, exigindo leitura e interpretação
para ser dominado, compreendido, tornado habitável. E cada leitura e
interpretação se traduz em um conjunto diferente de práticas e modos
Edificando a antropologia 183

da vida, cada uma aumentando a complexidade e multiplicidade do objeto


indeterminado que é 'o mundo'.
Possivelmente é a literariedade e a arte da descrição acima – o
“esteticismo” de Nietzsche – que obscureceu a verdade (a “verdade”) dessa
imagem de diversidade epistêmica até recentemente: por que os
antropólogos postularam essa diversidade e interação como uma
característica pós-moderna, parte e parcela de um mundo 'criolizante'
(Hannerz), 'hibridizando' (Bhabha), 'comprimindo' (Paine), 'sincronizando'
(Tambiah), ao invés de uma característica endêmica da vida social. Afinal, no
literário e no artístico devia arriscar-se o acrítico e o impressionante (o
feminino); somente eliminando as coisas 'poéticas' e 'figurativas' a
antropologia poderia esperar evitar o 'ficcional', o 'mítico' e o 'fantástico', o
'intuitivo' e o 'subjetivo', o 'metafísico' e o 'avaliativo', e assim alcançar a
racionalidade (e 'masculinidade') de uma ostensiva apreciação científica da
sociedade (cf. White 1976: 25; ver também Layton, Capítulo 8 deste volume).
Com a 'virada literária' na antropologia, no entanto, esta última retórica foi
desconstruída e o valor do esteticismo nietzschiano na representação da
sociedade promulgado (cf. Rapport 1994: passim). Houve também um
reconhecimento de que evitar a diversidade endêmica da construção cultural
em seu relato — o 'labirinto da interação'; rico em conteúdo, variado,
multifacetado, vivo e sutil (Feyerabend 1975: 17-18) – pode contribuir para
a limpeza, o sistema, a clareza e o contentamento da ordem, mas apenas sob
a égide de algum dogma totalizante e à custa de uma representação totalitária
(Louch 1966: 239). Com a 'virada literária' na antropologia, no entanto, esta
última retórica foi desconstruída e o valor do esteticismo nietzschiano na
representação da sociedade promulgado (cf. Rapport 1994: passim). Houve
também um reconhecimento de que evitar a diversidade endêmica da
construção cultural em seu relato — o 'labirinto da interação'; rico em
conteúdo, variado, multifacetado, vivo e sutil (Feyerabend 1975: 17-18) –
pode contribuir para a limpeza, o sistema, a clareza e o contentamento da
ordem, mas apenas sob a égide de algum dogma totalizante e à custa de uma
representação totalitária (Louch 1966: 239). Com a 'virada literária' na
antropologia, no entanto, esta última retórica foi desconstruída e o valor do
esteticismo nietzschiano na representação da sociedade promulgado (cf.
Rapport 1994: passim). Houve também um reconhecimento de que evitar a
diversidade endêmica da construção cultural em seu relato — o 'labirinto da
interação'; rico em conteúdo, variado, multifacetado, vivo e sutil (Feyerabend
1975: 17-18) – pode contribuir para a limpeza, o sistema, a clareza e o
contentamento da ordem, mas apenas sob a égide de algum dogma
totalizante e à custa de uma representação totalitária (Louch 1966: 239).
Houve também um reconhecimento de que evitar a diversidade endêmica da
construção cultural em seu relato — o 'labirinto da interação'; rico em
conteúdo, variado, multifacetado, vivo e sutil (Feyerabend 1975: 17-18) –
pode contribuir para a limpeza, o sistema, a clareza e o contentamento da
ordem, mas apenas sob a égide de algum dogma totalizante e à custa de uma
representação totalitária (Louch 1966: 239). Houve também um
reconhecimento de que evitar a diversidade endêmica da construção cultural
em seu relato — o 'labirinto da interação'; rico em conteúdo, variado,
multifacetado, vivo e sutil (Feyerabend 1975: 17-18) – pode contribuir para
a limpeza, o sistema, a clareza e o contentamento da ordem, mas apenas sob
a égide de algum dogma totalizante e à custa de uma representação totalitária
(Louch 1966: 239).

ECLECTISMO NARRACIONAL
Se a conversação de epistemes é e sempre foi a condição natural da vida
social, então como ela pode ser adequadamente representada na
antropologia? Como resistir à tentação, como coloca Herzfeld (1993: 184), de
reduzir a experiência social a modelos únicos? Tomando emprestado de
Feyerabend, por ser epistemologicamente 'oportunista' (1975: 18); de Bohr,
ao insistir na 'complementaridade' epistemológica (Claxton 1979: 415); de
Simmel, ao recusar a resolução epistemológica ou 'encerramento' (1971: xii).
Partindo igualmente da complexidade e diversidade intrínsecas da vida
social, esses comentaristas metodológicos se encontram igualmente na
insistência de que nenhuma teoria, episteme ou narrativa que o comentarista
social pudesse importar cobriria todos os “fatos” que estão vivos e sendo
trocados em um meio social. . Qualquer tentativa de forçar a vida social em
uma ou outra perspectiva termina em tautologia e serve apenas para destruir
a 'realidade' em estudo. Adotar um ecletismo de estilo narrativo, no entanto,
é libertar o relato de um obsessivo combate aristotélico entre singularidades
em luta. E apenas em tal ecletismo — localizando o comportamento humano
em mais de um quadro de referência ao mesmo tempo; localizar esses
quadros (muitas vezes mutuamente exclusivos)
184 Nigel Rapport

referência na conversação uns com os outros – pode-se escapar à noção de


que, em última análise, a diversidade epistêmica pode e deve ser “resolvida”
em termos de um limite finito de possibilidade (sociedade; estrutura) ou um
código em última análise determinante e integrador (Deus; gramática? ).
Se na física moderna o ecletismo alcançou fama como meio de lidar com a
exclusividade mútua das teorias que postulam a natureza dos elétrons como
partículas e como ondas – como entidades materiais isoladas ou como
perturbações em um campo contínuo – então o corolário direto disso em a
antropologia pode dizer respeito à disputa entre teorias do significado. O
significado é uma função da intenção individual (isolada) em um
determinado momento e um ato que pode alterar ou subverter
intencionalmente qualquer sistema coletivo que o fundamenta? Ou o
significado é um fato coletivo (contínuo), derivado de códigos e mecanismos
textuais culturalmente determinados que transcendem a vontade particular?
O ecletismo narrativo permitiria tais exclusões mútuas (assim como outras
que se poderia nomear – sujeito versus objeto, instância versus categoria,
desempenho versus competência, evento versus estrutura) e oposições mais
plurais (funcionalismo versus interacionismo simbólico versus marxismo
versus estruturalismo versus pós-modernismo) para aparecer dentro do
mesmo texto. De fato, o ecletismo narrativo insistiria que esse era o caso: que
o texto foi construído a partir de uma conversa entre diferentes realidades
epistêmicas.

A CONTA ANTROPOLÓGICA
Em sua representação da vida social contemporânea de Chagga (Moore 1987:
passim) – 500.000 pessoas vivendo nas encostas do Monte Kilimanjaro – e
ciente do “fato” de que os eventos daquela vida não eram instâncias
coerentes de estruturas compartilhadas e pré-existentes ( normativo,
convencional, gramatical) tanto quanto revelações de multiplicidade e
indeterminação, de contestação e mudança, Sally Falk Moore insiste que o
“acontecimento” de seu texto não deve ser caracterizado ou informado por
nenhum modo único de conhecer ou interpretar. Ela opta, portanto, por
construir sua narrativa antropológica em torno da análise de três 'anedotas
decepadas' que lhe foram contadas (sobre a transferência de terras), e
processar (conversar) entre e entre seus temas sobrepostos: o significado do
bem e do mal; a competição por um recurso escasso; os poderes contestados
e as fraquezas da igreja e do estado. O que a conversa de seu texto elucida é
que 'como um raio de sol', as anedotas podem ser vistas levando em todas as
direções. Eles são permeados de ambiguidade, com 'uma contiguidade de
contrários'. Cada anedota carrega concomitantemente mensagens
antitéticas; cada tema está aberto a interpretações contraditórias; cada
declaração feita por seus protagonistas, ou por ela, sua repórter, poderia ser
mostrada como tendo tipos de 'anti-declarações auto-subversivas' anexadas
a ela. No mínimo, em sua exposição detalhada de redes sociais interligadas
Cada anedota carrega concomitantemente mensagens antitéticas; cada tema
está aberto a interpretações contraditórias; cada declaração feita por seus
protagonistas, ou por ela, sua repórter, poderia ser mostrada como tendo
tipos de 'anti-declarações auto-subversivas' anexadas a ela. No mínimo, em
sua exposição detalhada de redes sociais interligadas Cada anedota carrega
concomitantemente mensagens antitéticas; cada tema está aberto a
interpretações contraditórias; cada declaração feita por seus protagonistas,
ou por ela, sua repórter, poderia ser mostrada como tendo tipos de 'anti-
declarações auto-subversivas' anexadas a ela. No mínimo, em sua exposição
detalhada de redes sociais interligadas
Edificando a antropologia 185

estruturas organizacionais, de ricos sistemas de categorias simbólicas, e de


múltiplos modos de produção e distinções de classe, as anedotas oferecem
simultaneamente fuligem aos moinhos explicativos do funcionalismo, do
estruturalismo e do marxismo. Mas, da mesma forma, qualquer tentativa de
afirmação totalizante da verdade por qualquer uma dessas ideologias
explicativas pode ser facilmente desconstruída. Assim como o apego de
Chagga a qualquer ordem e ordenação única ou consistente das coisas é
fragmentário e intermitente, também deve ser a atitude do antropólogo em
relação a qualquer episteme. As anedotas revelam uma multiplicidade de
epistemes, em combinação criativa, em termos das quais Moore, como
Chagga, pode construir continuamente o mundo social como significativo e
novo.
Na obra de Moore podem ser encontradas ressonâncias das tentativas de
Amos Oz de dar voz à "coleção inflamada de argumentos", "a assembléia
gritante de cerca de cinco milhões de profetas e primeiros-ministros" que é
o Israel moderno (1992; e cf. Marx 1980: 15 -25). In the Land of Israel (1983),
por exemplo, representa uma jornada conversacional que Oz empreende
entre alguns dos mundos que os israelenses fazem para si mesmos. Incluídos
na cifra de Oz de cinco milhões de israelenses estão, é claro, árabes
israelenses, beduínos e drusos. Deixando de lado essas fontes convencionais
de diversidade epistêmica, no entanto – para não mencionar a dos palestinos
– deixe-me apresentar aqui alguns de meus trabalhos de campo entre
imigrantes judeus (americanos) em Israel. Escrever conversacionalmente
sobre minhas próprias experiências etnográficas pode ser um relato mais ou
menos como o seguinte.
Mitzpe Ramon é uma cidade no deserto de Negev, situada a cerca de um
terço do caminho ao longo da estrada deserta de Beer Sheva, no norte, até
Eilat, no extremo sul de Israel. Criada por agência governamental em meados
da década de 1950, Mitzpe Ramon ainda pode ser descrita como uma cidade
nova, com pretensões de ser uma cidade em desenvolvimento. O
desenvolvimento, no entanto, tem sido lento porque, embora o governo
tenha fornecido a infra-estrutura de uma cidade - blocos de apartamentos e
'villas' isoladas, uma zona industrial, escolas, clínicas, centro de visitantes,
escritórios do governo local e shopping center - Mitzpe Ramon não foi (pelo
menos até o recente influxo de judeus russos em Israel) um lugar popular
para se viver. Mesmo com incentivos governamentais na forma de subsídios
monetários (aluguel, passagens de ônibus, impostos, transporte) a cidade
permaneceu distante de outros centros populacionais, desconectado dos
(poucos) kibutzim e bases militares mais antigos e, após a abertura de uma
nova estrada para Eilat, removido do costume transitório. No final da década
de 1980, então, cerca de trinta e cinco anos após sua fundação, a cidade ainda
tinha a sensação de um posto de fronteira (se não uma cidade fantasma). Com
alojamento para 6.000 habitantes, tinha menos de 2.000 habitantes.
Rodeados pelas carcaças abandonadas de unidades fabris, lojas não alugadas
e apartamentos vazios, seus habitantes viviam de programas patrocinados
pelo governo, de turistas intermitentes, pensões e poupanças. Com
alojamento para 6.000 habitantes, tinha menos de 2.000 habitantes.
Rodeados pelas carcaças abandonadas de unidades fabris, lojas não alugadas
e apartamentos vazios, seus habitantes viviam de programas patrocinados
pelo governo, de turistas intermitentes, pensões e poupanças. Com
alojamento para 6.000 habitantes, tinha menos de 2.000 habitantes.
Rodeados pelas carcaças abandonadas de unidades fabris, lojas não alugadas
e apartamentos vazios, seus habitantes viviam de programas patrocinados
pelo governo, de turistas intermitentes, pensões e poupanças.
Fazendo de Mitzpe Ramon um lar, portanto, decidindo que Mitzpe
186 Nigel Rapport

Ramon seria onde se viveria, exigia esforço repetido, senão contínuo:


justificar sua decisão de vir e permanecer; acertar as relações com as
burocracias governamentais; transformar os poucos colegas residentes em
'vizinhos'. E, transformando essa voz 'profissional' em 'pessoal' (Hockey e
James 1993: 4), deixe-me listar algumas (vinte e cinco) das maneiras pelas
quais encontrei pessoas fazendo do lugar sua casa quando, em 1989, aluguei
um apartamento da agência de habitação do governo, mudou-se e entrou em
interação com os moradores locais. Eu era um novo imigrante, aberto a
conhecer outros novos imigrantes, falantes de inglês, vizinhos e qualquer
pessoa que quisesse conversar comigo enquanto eu andava pelas ruas, fazia
compras e participava de reuniões sociais:

1. Rachel: Você fala inglês? [enquanto passo na rua carregando um


dicionário hebraico-inglês]. Oh, você é inglês; Eu sou americano. Estou
aqui há cinco meses – embora tenha acabado de voltar dos Estados
Unidos.
2. Shmuel: Não há cobrança [já que ele vem ao meu apartamento do andar
de baixo e me fornece um novo fusível de porcelana]. Isso é o que
significa ser vizinho.
3. Alex: Ouvi dizer que alguém estava se mudando para a casa ao lado, mas
não vi ninguém por muito tempo [enquanto nos encontramos nas
escadas]. Você vai morar aqui agora? O tempo todo? Você estará aqui no
sábado? [O dia, isto é, em que o transporte público para, em que as
pessoas visitam suas famílias e em que os que ficam em Mitzpe são ainda
menos.]
4. Baruch: Você arrumou o gás no seu apartamento? O meu está lindo agora
[e ele me leva para dentro]. Não sei bem como nem porquê, Nigel, mas
estou muito feliz aqui. E como todas as experiências místicas, sei que não
devo olhar muito de perto ou desaparecerá!
5. Rachel: Eu não sabia que você precisava de um emprego para se mudar
legalmente para cá [ela explica durante um intervalo para o café na aula
de hebraico]. De qualquer forma, eles inventaram um para mim como
ceramista oficial da Escola de Campo. Fui trazido aqui por esta
organização que tenta fazer com que as empresas venham para Mitzpe e
depois as combina com as pessoas daqui: necessidades e habilidades.
6. Rachel: Você já ouviu as últimas notícias? Não tomo há dois ou três dias
[enquanto tomamos café no meu apartamento]. O que está acontecendo
com os EUA?…. Acho que poucas pessoas terão energia mental para viver
em um lugar como este. (E em um país de quatro milhões de pessoas, não
haverá os números; eles vão querer ser por todos os outros.) Mas foi
como o caminho que eu tive que percorrer para me completar.
7. Sandra: Estamos aqui há quatro meses. Passamos três anos em Netanya,
mas os aluguéis estavam ficando exorbitantes. E nós preferimos o clima
aqui embaixo. Menos quente e úmido…. Alguém na AACI Beer Sheva me
disse que havia um antropólogo vindo morar aqui — a Associação de
Americanos e Canadenses em Israel. vou colocar um
Edificando a antropologia 187

até aqui: fazer a ligação com a cidade, organizar atividades locais. De


alguma forma, eu e Irwin conseguimos o emprego. Então estarei
entrando em contato com você! [a aula de hebraico termina e nos
separamos].
8. Jane: Você mora aqui? [enquanto nos encontramos no ponto de ônibus].
Oh. Esses blocos são onde todos começam em Mitzpe!
9. Sandra: Estou interessada em saber quais plantas e animais naturais do
deserto são comestíveis e como prepará-los [quando começamos nossa
aula de hebraico]. Eu gostaria de ensinar esse tipo de preparação: uma
espécie de curso de sobrevivência.
10. Sandra: Você pode reclamar inúmeras vezes com a Agência de Habitação
e não chegar a lugar nenhum. Mas temos que mostrar a eles que não
vamos tolerar qualquer coisa. [Nós nos encontramos na fila do banco.]
11. Rachel: Esse judaísmo é algo em mim, Nigel. E faz algo semelhante entre
todos os diferentes tipos em Israel: geneticamente semelhantes, ou o
mesmo circuito na cabeça, o que causa comportamento e reações
semelhantes aqui.
12. Miriam: Basta perguntar a Dina no quiosque de felafel e ela vai pedir o
jornal que você quiser – tipo, o hebreu fácil.
13. Alex: Meus pais moram em Rehovot. Às vezes eu os visito toda semana
ou quinzenalmente. Então talvez não por meses. [Almoçamos no meu
apartamento.] Eu gosto muito de Mitzpe: a paz, o sossego, [rindo] sem
vida social! Primeiro eu vim quando estava no exército, na base de
Ramon. Todo mundo odiava o lugar; Mitzpe era uma piada para eles. Eu
era conhecido como o único da base que gostava da área e queria ficar
depois por opção!... Mas posso ter que sair logo quando meu curso de
engenharia terminar. A menos que eu consiga um emprego no
observatório astronômico. Isso seria bom!
14. Rachel: Vou pegar meu seguro-desemprego: me sinto um pouco
hipócrita em fazer isso.
15. Morris: Já trouxemos dez pessoas aqui conosco. Gostaríamos de iniciar
uma comunidade de pessoas aposentadas de língua inglesa.
16. Morris: Estamos no sistema de TV a cabo Mitzpe: 30 shekels por mês
para filmes em vídeo e coisas da BBC que um homem aqui coloca das 6
da manhã à 1 ou 2 da manhã [enquanto assistimos TV em cores em sua
vila].
17. Rachel: Minha remessa dos Estados Unidos chegou aqui do porto de
Haifa, então estou me sentindo mais em casa vendo meus móveis no
apartamento.
18. Rachel: Há uma reunião na próxima semana para ver as atividades da
AACI em Mitzpe. Eu quero um centro de cultura para poesia e arte e
encontros, e obter energia. E a AACI poderia organizá-lo. [Nós nos
encontramos enquanto ela passeia com seu cachorro pela cidade.] Se
isso realmente decolasse, eu poderia imaginar comprar uma casa aqui.
19. Morris: Há uma reunião da AACI no sábado à noite depois do Shabat. Por
favor, tente vir, Nigel [enquanto nos encontramos no supermercado].
Precisamos decidir que tipo de atividades queremos aqui…. Se Rachel
quiser um centro de poesia, etc., podemos indicá-la como Chefe de
Cultura!
20. David: Conheça Eugene, Nigel! Nós nos conhecemos em Beer Sheva. [Nós
188 Nigel Rapport

aperto de mão na reunião da AACI.] Eu estava procurando um lugar para


morar no Negev, e já tinha desistido de Mitzpe ('cos da burocracia)
quando Eugene veio e disse que havia encontrado uma casa para nós.
Então, no dia seguinte, fomos a Jerusalém e sentamos do lado de fora do
gabinete do Ministro da Habitação até que o vimos e obtivemos
permissão para morar aqui.
21. Alex: Não sou russo; não há russos aqui. Rachel pode ainda ser americana
porque acabou de chegar. Mas deixei a Rússia quando tinha 18 anos e
estou aqui há dez anos. Minhas experiências são todas experiências
israelenses.
22. Rachel: Alex e eu poderíamos colocar nossas discussões políticas em
música. Sabemos exatamente onde convergimos e divergimos. É sempre
o mesmo.
23. Alex: O lugar realmente mudou em dois anos. Agora há realmente um
círculo de pessoas legais se desenvolvendo. Dois anos atrás eu estava
quase sozinho.
24. Dan: Eu tenho coletado cactos nesta área experimental da universidade
em Beer Sheva para plantar no meu jardim [quando nos encontramos no
ônibus para casa].
25. Rachel: O que eu faria se não tivesse com quem conversar, Nigel? Tenho
andado muito deprimido. Eu ainda estou deprimido, mas menos assim….
Vou começar um trabalho de jardinagem de manhã. Porque o homem
com quem fiquei é o Chefe dos Jardins.

A lista, claro, é interminável. As pessoas nunca param de 'fazer da Mitzpe sua


casa' - é uma prática contínua - e não há nada dito ou feito que não possa ser
considerado como de alguma forma representando o grão simbólico para o
moinho de fazer o lar. Além disso, as ordenações possíveis do acima, a
interpretação da ordem que ele contém e as formas de interpretá-los, são
múltiplas. Atualmente, a lista reflete as palavras reais que registrei em meu
diário de campo e a ordem cronológica de meu registro. Tal listagem,
desnecessário dizer, já representa uma interpretação, uma ficção – minha
composição, excerto e justaposição.
Ir mais longe nessa interpretação pode ser apontar uma série de
estratégias sobrepostas de tomada de casa entre diferentes falantes e/ou
atos de fala:

• a procura de colegas falantes de línguas antigas (inglês) como base de


novas relações sociais em Mitzpe (excertos números 1, 7, 15).
• a ligação das experiências de alguém em Mitzpe a diferentes níveis de
experiência anterior – em Israel, no Ocidente, no mundo – de modo que
sob a égide conceitual de 'estar aqui', haja uma lógica contínua para a
vida de alguém (4, 6 , 11, 21).
• a ostentação e o compartilhamento do conhecimento sobre as formas de
lidar com os serviços locais e a infraestrutura da cidade (10, 12, 14, 20).
• a expressão de um conjunto complexo de reações emocionais às
circunstâncias e a si mesmo, todas as quais Mitzpe é pano de fundo,
mediador ou parte para (6, 14, 17, 25).
Edificando a antropologia 189

• a colocação da vida de alguém em Mitzpe dentro de um período de tempo


que liga o passado e o futuro de maneira perfeita e 'natural' (3, 7, 13, 25).

Pode-se também ir mais longe na interpretação, apontando como as


estratégias domésticas se desenvolvem e mudam à medida que os falantes
conhecem Mitzpe e uns aos outros melhor:

• desde recontar a serendipidade que levou alguém a viver em Mitzpe (4,


5, 20) até imaginar os desenvolvimentos futuros em Mitzpe que alguém
teria sido instrumental em realizar (9, 15, 18, 19).
• de uma jornada pessoal expressa em termos de residência em diferentes
partes do globo ou pelo menos Israel (1, 7, 20) para uma jornada entre
residências dentro do próprio Mitzpe (8, 18).
• da brandura das aberturas conversacionais iniciais (redundantes,
clichês, estereotipadas: 1, 2, 10) às sutilezas e ironias das relações
rotineiras onde até a disputa pode ser harmônica (18, 21, 22).

Pode-se também desenvolver a interpretação apontando como as estratégias


caseiras (do mesmo ou de diferentes falantes) são inconsistentes,
incompatíveis ou paradoxais umas em relação às outras:

• de reconhecer ou reivindicar um status de pioneiro para si mesmo em


Mitzpe que inevitavelmente se isola da comunidade de Israel (6, 13) para
ansiar por um momento em que haja uma comunidade israelense em
Mitzpe (15, 18).
• desde lamentar as convoluções burocráticas (ameaçadoras ou apenas
perversamente facilitadoras) que precederam a chegada a Mitzpe (5, 20)
a conceber seu estabelecimento em Mitzpe em termos do funcionamento
de uma burocracia, e até mesmo tornar-se seu funcionalismo (7, 18, 19)
.
• de conceber a viagem para Mitzpe em termos de um novo começo ou tipo
de vida para si mesmo (6, 7, 13, 21) para rotinizar essa vida em termos
de habilidades, atividades e práticas com as quais se forneceu antes (5,
9, 15, 17).

Pode-se também focar em como as estratégias domésticas são de tipos muito


diferentes, cujas inter-relações podem ser tanto polares quanto escalares:

• individualista, imaginando-se em casa em Mitzpe como centrado em si


mesmo (13, 17, 24) versus coletivista, imaginando-se em casa em um
grupo (15, 19, 22, 23, 25).
• independente, sabendo-se o engenheiro do próprio destino em Mitzpe
(21, 24) versus dependente, reconhecendo a mão orientadora dos outros
na busca de um nicho e um lar (5, 20).
• do afetivo, vendo a própria casa de maneira emocional, mental ou mística
(11, 22) ao materialista, reconhecendo a casa em termos de seus objetos
e marcos físicos de Mitzpe (8, 12, 16) para ambos ao mesmo tempo (2, 4,
6 , 11, 13, 25).
190 Nigel Rapport

Na verdade, eu gostaria que todas essas coisas fossem ditas sobre o lar
conversacional em Mitzpe Ramon – e mais: como as estratégias poderiam ser
vistas como tendo um componente étnico (falar com o mundo social em Israel
e além conforme concebido em termos da politização da identidade cultural),
e um gênero e um status e um componente de idade, bem como uma
combinação destes. Como as estratégias poderiam ressoar com uma análise
estruturalista (com uma elucidação de binarismos simbólicos —
deserto/cidade, místico/racional, judeu/gentil, espontâneo/institucional,
desenvolvimentista/burocrático — em termos dos quais os enunciados
constituem um texto ritual ), ou uma análise marxista, ou funcionalista ou
psicanalítica, ou uma combinação destas. Como, além de estratégias de
significação, eu poderia ter focado na sobreposição de tonalidades no acima,
ou individualidades dos falantes, ou intenção perlocucionária, ou o tipo de lar
que Mitzpe Ramon é concebido como se tornando e o resultado de sua
significação. Como a 'conversa' dessas vozes justapostas pode se traduzir
como contestação de poder, autorrealização, pertencimento ou falta de
comunicação.
O que eu não gostaria de dizer é que existe uma estrutura social única ou
coerente ou de denominação comum que subjaz ao meio Mitzpe (que explica,
fundamenta, contextualiza e determina as tentativas acima de fazer o lar).
Nem, de fato, gostaria de dizer que essas tentativas exigem um modo de
interpretação único ou coerente ou de denominação comum, incluindo a
interpretação de que todas elas são sobre o lar, ou sobre qualquer coisa. Tudo
o que pode ser feito é fornecer um texto que represente a conversa da vida
social como ela é (diversamente) vivida nas interações individuais. Além
disso, como representação metafórica disso, pode-se oferecer um texto que
conversa consigo mesmo em vozes tão diferentes que qualquer voz atua para
questionar a completude possível de qualquer outra, evocando assim no
leitor, como no escritor,

ANTROPOLOGIA EDIFICANTE: SEM FIM


Richard Rorty fez uma distinção entre dois tipos de explicação da realidade
social (1980: 357-72). Uma que ele chama de 'sistemática' e outra
'edificante'; (Mannheim uma vez falou de 'sistematizar' e 'experimentar' com
efeito semelhante (1952: 48)). A conta sistemática é caracterizada pela
objetividade; o ponto final é um sistema de explicação monológica,
argumento e acordo que possuirá comensurabilidade universal (para que
todos possam ser aculturados e se conformarem à sua linguagem de fato e
função). Espera-se que a institucionalização de tal conta, se não dure por toda
a eternidade, pelo menos forneça as bases do progresso futuro. Em contraste,
o relato edificante é desconfiado da noção de essências e dúbio quanto às
afirmações de que a realidade pode agora ser precisa, holística,
singularmente,
Edificando a antropologia 191

desinteressadamente, ser explicado e descrito. Pois há inelutavelmente a


contingência e a diversidade do existente (as 'contradições' e a 'discordância'
(Mannheim)), os interesses situados das epistemes existentes, e há sempre a
poesia do novo. A diversidade e a novidade sempre escaparão dos limites da
comensuração final entre as práticas humanas. Diante de uma indagação
essencialista, então, o relato edificante mantém uma conversa entre
diferentes modos de estar no mundo; como a realidade é múltipla, sua
representação realista pode evitar qualquer enquadramento singular e
autoritário. Diante dos argumentos sistemáticos e da tradição, portanto,
oferece aforismos, sátiras, paródias; estima as contínuas metamorfoses da
metáfora e da poesia. Claramente,
Mas então, para Rorty, o relato edificante não trata apenas da conversa
como assunto e estilo, mas também faz com que a conversa continue. Ao ler
e depois escrever sobre a obra de arte da vida social, ela compõe outro
capítulo dentro dela; ela se soma ao conjunto de construção e interação
epistêmicas. Através da justaposição e bricolagem epistêmica vai além do
que descreve como existente atualmente para escrever algo novo. Isso Rorty
descreve como um processo de transfiguração: sempre abrindo o presente
para as potencialidades do novo, sem nunca abrir mão do compromisso com
a conversa em si.
De fato, a 'transfiguração' é o credo edificante: sempre encontrar maneiras
diferentes e frutíferas de falar e conversar, de modo a transcender o presente
em novas possibilidades de si e da sociedade. Pois, ao proporcionar novas
escritas da realidade, sempre pode florescer uma diversidade e interação
epistêmica, oferecendo novas formas de nos descrever e novas
possibilidades de pensar sobre nossa experiência. Assim, um relato
edificante coloca a reescrita como a coisa mais importante a ser feita,
também a mais digna. Continua a assegurar uma representação dos seres
humanos não como objetos epistêmicos singulares e limitados, mas sim
como seus próprios sujeitos plurais e ilimitados.
Em uma antropologia edificante, enfim, encontra-se uma estimativa de
que o processo redutivo da representação pode ser superado se não se
admite fim. 'Sabedoria', conclui Rorty (1980: 378), é a capacidade de
'sustentar uma conversa' entre epistemes, enquanto

[Olharpara a comensuração ao invés de simplesmente uma conversa


contínua... é tentar escapar da humanidade.
192 Nigel Rapport

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Capítulo 12

Quem está representando quem?


Jardins, parques temáticos e o antropólogo
no Japão

Joy Henry

INTRODUÇÃO
A um dia de viagem de volta de Tóquio, e muito elogiado pelas brochuras
turísticas internacionais, encontra-se o local histórico, religioso e
esteticamente deslumbrante de Nikko. Situado entre as primeiras
cordilheiras verdadeiramente espetaculares após a monotonia da planície de
Kanto, esta coleção de santuários e templos exibe o que há de mais moderno
na arquitetura japonesa, inspirado desde o século VIII pela beleza natural de
seus arredores. Aqui é o epítome do sentimento japonês de unidade entre
cultura e natureza, frequentemente expresso, onde a visão dos designers e as
habilidades dos artesãos se fundem com as criações inspiradoras dos deuses.
Como o pôster defende, ao apresentar aos visitantes estrangeiros uma
expressão japonesa de profunda apreciação, 'Não diga kekko (esplêndido)
até que você tenha visto Nikko.'
Muitos japoneses, se solicitados a nomear um único local para resumir sua
cultura, para falar com o mundo exterior de seu povo, sem dúvida
escolheriam Nikko. É acessível o suficiente para ser visitado pelo curto
período de horas ou dias normalmente disponíveis para os visitantes, e inclui
muitos dos aspectos da arte, história e religião que o povo japonês sentiria
melhor expressando sua visão de mundo. Também é de fácil acesso a fontes
termais, onde os humanos podem se comunicar fisicamente com os recursos
naturais que o Japão tem a oferecer. Existe logicamente, portanto, um trem
esplêndido e confortável que sai regularmente do centro de Tóquio para o
destino e que leva uma anfitriã que fala inglês para cuidar dos hóspedes
estrangeiros.
Este mesmo trem, com apenas um pequeno desvio, transporta passageiros
para outro ponto turístico, embora desta vez os turistas sejam mais
geralmente japoneses. De Kinugawa Onsen, um resort de águas termais onde
os passageiros descem, os ônibus circulam com frequência para duas
atrações do final do século XX. Uma delas é uma vila japonesa histórica
reconstruída, onde os cidadãos japoneses ocidentalizados podem voltar com
nostalgia ao período
Quem está representando quem?
195

quando o Japão estava fechado para o mundo exterior; o outro é uma coleção
de 102 edifícios 'mundialmente famosos', cada um construído como uma
'réplica fiel' em uma escala de 1/25 do local original. 'Como se você fosse
Gulliver', diz a brochura, 'venha conhecer este parque temático único e
inteligente... e experimente 5.000 anos de história.'
As pirâmides estão lá, assim como o World Trade Center. O Coliseu e o
Parthenon levam à Torre Inclinada de Pisa e ao Duomo de Milão. A Grande
Muralha da China está em exibição, assim como o Taj Mahal. A Torre de
Londres é outra característica, assim como o Palácio de Buckingham, o Big
Ben, as Casas do Parlamento e uma variedade de outros castelos e palácios
europeus. A Basílica de São Pedro no Vaticano é cuidadosamente
representada, assim como Nôtre Dame, a Abadia de Westminster e a Torre
Eiffel. Por alguma razão, o Castelo de Dover foi selecionado para exibição,
assim como a única igreja norueguesa de Borgund, do século XII,
marginalmente anterior. Não há nada da África ou da Austrália, embora as
cenas de rua de Nova York,
Na última parte da exibição, há um grande número de santuários e templos
japoneses, juntamente com cenas do país japonês, e um sistema ferroviário
em funcionamento leva de volta à Tóquio do século XX, para que o visitante
não tenha dúvidas sobre a importância do Japão. lugar neste museu de
desenvolvimento arquitetônico. De fato, o que parece à primeira vista ser
uma expressão maravilhosa da 'internacionalização' que o Japão vem
defendendo firmemente nos últimos anos, desaparece um pouco no final.
Minha decepção foi agravada ainda mais pelos petiscos cosmopolitas pouco
apetitosos disponíveis no café e pela total falta de um telefone que pudesse
ser usado para fazer chamadas internacionais. Estes estão prontamente
disponíveis na maioria das cidades no Japão, mas a equipe do escritório na
chamada 'Praça Mundial' nem sabia,
Este parque claramente não é projetado para o visitante estrangeiro. A
anfitriã que fala inglês fica com o trem da linha principal para Nikko, e há
apenas um punhado de inglês em evidência entre os funcionários dos
sistemas de transporte de Tobu na área da World Square. Há também poucos
sinais escritos em inglês, e os nomes e explicações dos locais do mundo são
retratados em japonês, até o ponto de transliterar os títulos em língua
ocidental para o script katakana japonês. Enquanto panfletos e brochuras
para Nikko estão prontamente disponíveis em inglês, francês e vários outros
idiomas, o único inglês no 'Guia-guia' da Tobu World Square está
evidentemente lá para adicionar um sabor internacional a ele.
196 Joy Henry

REPRESENTAÇÃO OU APROPRIAÇÃO
Aqui temos dois exemplos de 'representação' a considerar. O primeiro é
ostensivamente um caso de auto-representação, o segundo menos
claramente. Ambos os exemplos viram o jogo sobre as preocupações do
antropólogo em representar "o outro" (ver Knight, Capítulo 9 deste volume).
Nesse caso, o antropólogo tornou-se 'o outro', tanto como parte de uma
audiência potencial, quanto como parte da cultura representada. Portanto,
oferece uma oportunidade de reagir e analisar as representações de um
ponto de vista incomum. Há claramente o ponto de vista do 'representado',
mas neste caso 'o representado' está examinando o material no contexto de
um conhecimento muito mais amplo das formas japonesas de representação.
Neste capítulo, examino os dois casos apresentados acima no contexto de
um estudo anterior de jardins japoneses, que se baseou em muitos trabalhos
anteriores no Japão sobre uma variedade de assuntos, sempre envolvendo
algum grau de apresentação ou representação. Argumentarei que meu
desconforto na Tobu World Square é paralelo ao desconforto (e pior)
experimentado pelos indígenas quando descobrem que sua cultura não foi
apenas representada, mas apropriada por membros de outra cultura para
seus próprios propósitos. A extensão em que essa apropriação é divertida,
irritante ou francamente insultante está, sem dúvida, relacionada ao
diferencial de poder entre os povos envolvidos, e mudará à medida que esse
diferencial se ajusta, mas argumentarei que também há um fator de tempo
envolvido.
No caso de Nikko, muito do que é descrito como cultura japonesa
claramente se originou na China ou na Coréia, ou veio do continente de mais
longe. Os templos budistas ainda podem ser comparados com edifícios
budistas em outros lugares, e descrições detalhadas deles podem fazer
referência aos fatores influentes. A influência xintoísta inicial é menos
frequentemente relacionada a possíveis fontes no taoísmo ou no xamanismo
coreano, que antecedem o registro histórico no Japão, apenas um pouco mais
antigo que as origens de Nikko no século VIII, e a coleção existente de
edifícios é claramente escolhida para representar os japoneses. cultura. Se
apropriado há muito tempo, a influência cultural torna-se uma fonte de
orgulho na herança de alguém, como um chinês ou coreano pode
experimentar em uma visita a Nikko.
Podemos acusar os criadores japoneses do Tobu World Square de se
apropriarem da cultura estrangeira para seus próprios propósitos, mas seria
menos provável que caluniássemos tais calúnias contra os artistas e artesãos
que criaram Nikko há muito tempo. Nas próximas páginas, examino alguns
outros exemplos de parques e jardins no Japão para tentar estabelecer
exatamente o que está sendo representado e por quê, e depois volto para ver
como essas descobertas podem esclarecer a situação do antropólogo que
representa as pessoas com quem ele ou ela trabalhou. Concluo sugerindo que
os antropólogos têm um papel valioso a desempenhar neste mundo de
apropriação cultural.
Quem está representando quem?
197

JARDINS COMO PRECURSORES DO PARQUE TEMÁTICO


Recentemente, argumentei que locais como o Parque Nacional Nikko e a
Tobu World Square podem ser interpretados da mesma forma que os jardins
japoneses (Hendry 1997), e nesta seção considero por que isso deveria ser
assim e o que esses paralelos podem nos dizer sobre as formas de
representação. Estamos preocupados com meios de representação bastante
sutis e sofisticados, que vão muito além da 'forma linear, acadêmica de
escrita' tão questionada no debate 'Cultura Escrita'. Eles são, como outras
formas, abertos a uma variedade de interpretações, mas os primeiros
documentos a fazer menção ao niwa, a palavra ainda usada para 'jardim',
datam do século VII, quando foi usado para descrever um lugar purificado
para o adoração dos deuses (Bring e Wayembergh 1981: 145; Hayakawa
1973: 27). Nos séculos seguintes, houve muitas influências e
desenvolvimentos,
Os famosos jardins Zen do Japão são um excelente exemplo. Em um nível,
eles são projetados para representar uma versão tridimensional de um tipo
de desenho de uma cena natural. Pedras e seixos substituem a tinta como
suporte, reunidos de tal forma que podem retratar, sem água, riachos,
cachoeiras e oceanos, assim como montanhas e costas rochosas mais
parecidas com sua forma original. Entre as pedras, algumas pequenas
árvores e arbustos podem ser plantados para representar os elementos
verdes da paisagem, mas estes não são essenciais, e alguns dos jardins mais
famosos têm pouco mais do que musgo para aliviar os tons de cinza da rocha
e do seixo.
Em outro nível, elementos desses jardins também podem representar
ilhas e montanhas míticas, como o Monte Hôrai e o Monte Sumeru, bem como
seres simbólicos, tipicamente uma tartaruga e um guindaste. Essas próprias
bestas representam outra coisa. Juntos, eles são frequentemente usados
como símbolos de longevidade, mas no jardim Daisen-in em Kyoto, diz-se que
o primeiro representa as profundezas em que o espírito humano pode
afundar, pois busca o fundo do oceano, e o último as alturas. para o qual o
espírito humano pode voar (Daisen-in nd). Mt Hôrai, no meio, representa
assim uma união do céu e da terra, alegria e decepção, que dizem
compreender a experiência humana.
Outros jardins zen são muito menos explícitos sobre o que estão
representando, e o observador é deixado para contemplar e se maravilhar
com os pensamentos profundos do designer de jardins que os criou. Uma
enorme cachoeira de pedra seca no chamado Moss Garden em Kyoto, criada
no século XIV pelo padre Muso Sôseki, é dito por um comentarista para
"expressar a paixão que assolava o coração de um grande homem que... um
Japão dilacerado por conflitos civis... e cheio de sofrimento e insegurança
'(Hayakawa 1973: 64). Outros comentadores têm interpretações muito
diferentes deste famoso
198 Joy Henry

jardim de pedra, e quanto mais misterioso o significado, mais atraente parece


ser um jardim zen.
Ainda em outro nível, os jardins Zen representam os jardins japoneses em
geral, e estes têm sido usados como símbolos da cultura japonesa. O uso de
um simples arranjo de pedra / seixo para representar os pensamentos
humanos mais profundos é visto na visão japonesa como uma alta forma de
realização cultural. , a este respeito, os jardins japoneses foram comparados
com os jardins da Europa, que procuravam retratar um paraíso por vir
(Comito 1978: xi). No Japão, eles também davam continuidade a tradições
mais antigas, onde um lago, com ilhas, é uma forma, aparentemente de
origem chinesa ou coreana, que se diz ter se desenvolvido a partir dos
esforços de um imperador chinês para atrair os deuses para seu palácio,
criando uma representação de suas ilhas míticas. (Keswick 1986: 35-40;
Kuck 1968: 39-43).
Essas ilhas flutuavam dentro e fora de vista enquanto os marinheiros
tentavam alcançá-las, dizia-se, e, também no Japão, acreditava-se que as
divindades habitavam lugares inacessíveis e perigosos cujas reconstruções
poderiam oferecer um local mais seguro para comunicação. Onde as
montanhas eram adoradas, por exemplo, um santuário seria construído a
uma distância adequada, embora um santuário interno menor também seja
encontrado mais acima na montanha. Nesse caso, o santuário interno ou miya
é conhecido como okumiya, onde o termo oku significa uma espécie de
profundidade interna, também usada para falar do interior, da parte privada
de uma casa, ou do interior profundo de uma floresta. Diz-se que criar um
senso de oku é um aspecto importante de fazer um jardim no Japão, e tem
sido argumentado que o jardim é uma maneira de domar o mundo exterior,
talvez perigoso, em um interior,
O mundo 'natural' é virtualmente inseparável do sobrenatural na visão
japonesa, por isso é um pequeno passo para ver um jardim como trazendo
maior acessibilidade ao cenário deslumbrante que está além do fácil
encontro. O tsuboniwa moderno, 3 uma criação minúscula que pode ser
encaixada na casa ou apartamento mais restrito, segue os mesmos princípios.
Muitas vezes escondido do mundo exterior, o jardim, no entanto, representa
o grande exterior de uma forma segura e fechada. Uma série de rochas pode
representar uma poderosa cadeia de montanhas, um punhado de seixos uma
cachoeira rugindo e uma pequena árvore cuidadosamente distorcida pode
sugerir que o vento continuamente puxando os galhos em uma determinada
direção. Os donos do jardim podem sentar-se no conforto relativo de sua
própria casa, imaginando uma visita à beleza acidentada da selva japonesa,
Esse medo associado ao exterior na visão japonesa é um fenômeno
interessante que sustenta grande parte do argumento deste capítulo, embora
não precise nos deter aqui por muito tempo, pois está bem documentado em
outros lugares, e também é, sem dúvida, uma característica reconhecível de
muitos
Quem está representando quem?
199

visões de mundo. No caso japonês, faz parte da socialização geral de uma


criança fazer uma distinção clara entre o interior e o exterior, e a segurança
concomitante do primeiro e os possíveis perigos do segundo. A distinção
entre dentro e fora é uma das principais características organizacionais da
vida social japonesa, recentemente analisada com grande rigor teórico como
o foco importante para a compreensão de temas muito contestados do eu e
da sociedade, hierarquia e autoridade, conflito e a singularidade do povo
japonês. (Bachnik e Quinn 1994).
Na prática, as fronteiras de dentro e de fora mudam constantemente. Eles
começam para a criança em casa e então se movem gradualmente mais e mais
para fora através da vizinhança, jardim de infância, escola e, eventualmente,
o local de trabalho, embora em qualquer situação a comunicação prossiga
com base na relativa intimidade compartilhada. Espacialmente, certas áreas
podem ser tornadas relativamente para dentro por meio de cercamento e
domesticação, e eu argumento que é o que está acontecendo na criação de
um jardim, seja parte de uma casa, um santuário ou um templo. Em cada caso,
a representação do mundo exterior permite uma 'domesticação' dele, para
usar o termo de Kalland, ou 'envolvê-lo', para usar o meu próprio (Hendry
1993, 1994, 1997) e possibilita a comunicação com o natural e o
sobrenatural. fenômenos mantidos para habitar no além selvagem.
Esses naturaise fenômenos sobrenaturais podem significar perigo. Em
uma terra onde terremotos e erupções vulcânicas não são incomuns, e tufões
anuais trazem danos causados por inundações e ventos, não é de
surpreender que as pessoas tenham um respeito saudável pelas forças da
natureza. Os seres sobrenaturais que fazem parte deste mundo "natural"
exterior também são muitas vezes de status ambíguo. Em geral, se forem bem
tratados, responderão com benevolência, e muitos rituais religiosos se
baseiam nessa suposição. Procuram-se muitas vezes explicações de
infortúnios, aqui como alhures, em violação do bom trato, e procuram-se
soluções em oferendas e rituais. A prevenção de tal violação é considerada
preferível, no entanto, e grande parte da vida social japonesa, bem como a
atenção ao sobrenatural, baseia-se nesse princípio.

REPRESENTAÇÕES DO MUNDO NO JAPÃO


Esses mesmos princípios entram em jogo ao lidar com estrangeiros, é claro,
e é minha opinião que parques temáticos como o Tobu World Square podem
ser vistos como servindo a um propósito de domesticação paralelo ao
descrito acima para jardins. Durante o primeiro encontro do Japão com os
europeus no século XVI, os forasteiros eram literalmente conhecidos como
bárbaros "selvagens" (yabanjin), e sua inevitável associação com o exterior
em relação ao Japão implica a necessidade de domá-los ou embrulhá-los para
consumo local. Há uma sobreposição entre estrangeiros ou estranhos e
deuses no folclore japonês – eles compartilham qualidades ambíguas de
benevolência e perigo, por
200 Joy Henry

uma coisa, e os espíritos têm o hábito de aparecer disfarçados de estranhos.4


Os jardins ajudam as pessoas a chegar a um acordo com estranhos,
espirituais ou corporais, e as representações do mundo exterior oferecem
uma oportunidade para o mesmo benefício.
Nos últimos anos, uma abundância de parques temáticos de países
estrangeiros foram abertos no Japão, juntamente com uma política oficial de
'internacionalização'. Um dos primeiros exemplos foi a Disneylândia, que é
amada por seus visitantes japoneses, e a Tobu World Square é uma das mais
recentes. No frio norte do Japão, um 'Mundo Canadense' foi inaugurado em
1990 com a casa de Anne of Green Gables e o maior campo de lavanda do
país. No sul mais quente, o 'Parque España' abriu em 1994, anunciando
especificamente 'a experiência espanhola sem ir à Espanha'. Uma versão
compacta da Itália aparentemente pode ser encontrada nas montanhas de
Nagano, uma vila russa em Niigata (Pitman 1994: 3), e uma comunidade
perto de Kyoto até comprou o pavilhão dinamarquês da EXPO de 1992 em
Sevilha para autenticar um toque escandinavo à sua comunidade (Knight
1993).
Um dos primeiros desses parques temáticos nacionais, que foi
recentemente reconstruído, foi Hollanda Mura, uma vila holandesa em
Kyushu, que lembra Deshima, o assentamento da ilha de Nagasaki que foi o
local de casas estrangeiras, principalmente holandesas, durante o período de
mais de 200 anos em que o Japão estava fechado para o mundo exterior. O
novo 'Haus ten Bosch' exibe réplicas em tamanho real de edifícios holandeses
reais, incluindo moinhos de vento, e vários museus de arte e cultura
holandesas. pelas ruas, mancando em tamancos, ou servindo bebidas e
comidas holandesas nos bares e restaurantes para complementar sua
mesada. Um museu histórico retrata as relações passadas do Japão com o
mundo exterior, principalmente com os holandeses em Deshima.
Em outra ilha, escondida no Mar Interior de Seto, o tema é a Grécia antiga
e moderna. Abençoado com um clima quase mediterrânico, este local
resguardado era há muito conhecido pela produção de noodles de arroz, mas
em 1973 um empresário hoteleiro, natural da ilha, decidiu desenvolver outra
linha. Nestes anos de confiança crescente, após a derrota e destruição da
Segunda Guerra Mundial, era oportuno olhar para a paz no mundo, e decidiu
aproveitar o clima ameno para cultivar um parque de oliveiras, denotando a
antiga símbolo do ramo de oliveira. Uma série de visitantes internacionais
foram convidados a plantá-los, sendo os dois primeiros instalados pelo
Secretário Geral das Nações Unidas e pelo Embaixador da Grécia no Japão
(Hatziyannaki 1994: 54).
Também foi construída uma réplica de um antigo templo grego, com
mármore da Grécia e uma chama eterna transportada do olímpico original
em
Quem está representando quem?
201

Atenas. Com um santuário xintoísta dentro dele, este Templo da Paz serve
como foco para um festival anual, quando a população local se veste com
mantos gregos e coroas de louro e lê traduções de obras de Homero,
Heródoto e outros gregos antigos que escreveram sobre o assunto. Paz. Em
meados da década de 1980, esta ilha foi descoberta por um ambientalista
grego visitante que ficou impressionado com o 'espírito grego no Japão' e
instigou um acordo de geminação com a ilha grega de Milos. Seguiram-se
várias visitas e intercâmbios, foi instalado um museu e está em curso a
construção de um centro cultural com teatro próprio (ibid.).
Um grande projeto foi projetado para esta ilha e, nos próximos dez anos,
prevê-se que haverá uma vila grega completa e um 'Dolphinland' para
impulsionar o atual milhão de turistas japoneses em uma clientela
internacional muito maior. O milionário que projetou o parque da paz ainda
está vivo, embora agora na casa dos noventa, e sua visão original de paz e
comunicação entre culturas é admirada pelo jornalista grego que escreveu
sobre esta ilha na Olympic Airways Inflight Magazine (ibid.). Ela também
argumenta que enquanto 'o Ocidente está tendo dificuldade em se libertar de
seus preconceitos estéticos e culturais', os japoneses modernos são mais
capazes de 'reconhecer valores em culturas que são estranhas à sua própria
e adaptá-los à sua própria maneira' (ibid. .: 55-6).
Uma atitude positiva menos intransigente foi adotada pelo jornalista
britânico Hugo Gurdon, que escreveu o texto em uma edição do Weekend
Daily Telegraph de uma primeira página inteira dedicada a British Hills, uma
tentativa de uma fundação educacional japonesa de trazer uma fatia
autêntica da Grã-Bretanha para dentro de uma hora de Tóquio (Gurdon
1994). Ele descreve a reprodução importada de edifícios britânicos,
representando períodos do século XII ao século XIX, e os personagens
britânicos importados, como um mordomo fictíciamente chamado 'Stanbury'
e um publicano chamado Bill Brown. Ele relata que não se pode apenas
estudar inglês, mas receber aulas em uma variedade de costumes britânicos,
como remover uma espinha de peixe da boca no banquete de um embaixador
e como cozinhar tortas de gengibre e limão na cozinha da senhora Beeton
(ibid. ).

PROPÓSITO E REAÇÃO
Esta última seção examina mais detalhadamente o papel desempenhado pela
representação em alguns desses casos e, quando disponível, considera as
reações dos representados. A Disneylândia está claramente mais preocupada
com o jogo e a diversão do que com a representação precisa dos temas
históricos, exóticos e imaginários que ela chama para criar seus brinquedos,
embora desde o início tenha empregado ajudantes americanos e outros
estrangeiros para adicionar um ar exótico
202 Joy Henry

para os desfiles.6 Há também uma espécie de zelo missionário sobre o tema


internacional de um pequeno mundo compartilhado, e há, sem dúvida, algum
grau de fervor ideológico por trás dos objetivos econômicos mais evidentes
do empreendimento.
Tobu World Square, por outro lado, embora ainda claramente um
empreendimento econômico, faz questão de enfatizar a precisão com que as
maquetes dos edifícios mundialmente famosos foram criadas, e não há
passeios para os visitantes. Em vez disso, pode-se comprar uma 'carta de
jogo' e fazer com que pequenas figuras realizem várias atividades para serem
examinadas pelo visitante. Um elenco de 140.000 homens, mulheres e
crianças minúsculos cantarão e dançarão, dirigirão veículos e geralmente
seguirão suas vidas de uma maneira que sem dúvida é considerada uma
representação precisa da vida nos vários locais descritos. Um pouco de dados
históricos é apresentado na frente de cada edifício, que também é
cuidadosamente datado em um sistema de calendário gregoriano não
necessariamente usado para retratar a história japonesa.
British Hills foi criado para desempenhar um papel educacional. Isso não
é negar o fator econômico, pois as 'fundações educacionais' japonesas são
notórias por seus objetivos orientados para o lucro. entre si sobre seu papel.
De acordo com Gurdon, muitos dos alunos japoneses entendem muito pouco
das palestras que recebem, mas podem pelo menos absorver a atmosfera.
O desenvolvimento de inspiração grega da ilha de Shodoshima, por outro
lado, virou-se para a ideologia para apoiar o lado econômico. Em 1973, o
Japão começou a recuperar a autoconfiança após o choque da derrota em
seus esforços para estabelecer um império maior e a primeira experiência
em sua história de ocupação por um povo estrangeiro. O tema da paz era
poderoso para ser empregado, e as associações gregas clássicas estavam
suficientemente distantes dos recentes encontros internacionais e de sua
própria mitologia manchada para fornecer um modelo adequado a ser
empregado, tanto em casa quanto, eventualmente, em escala internacional.
Desenvolvimentos posteriores nesta ilha perseguiram o tema mais recente
da 'internacionalização' com seus arranjos de geminação, museu e assim por
diante.
A Haus ten Bosch, por outro lado, representa a verdadeira história
japonesa. A infiltração de conhecimento da Europa não foi insignificante
durante o período em que o Japão foi oficialmente fechado, e se os holandeses
foram diplomáticos o suficiente para manter relações informais quando o
país foi formalmente selado, eles também pareceriam um povo apropriado
para liderar uma nova era de relações internacionais. boa vontade à medida
que as relações japonesas com a Europa se aquecem novamente. Esta
comunidade é um parque temático, com um papel educativo e uma certa
autenticidade assegurada pela sua associação a uma excelente universidade
europeia, mas é também um local de diversão e divertimento. A aldeia
original aparentemente foi transformada em um parque para crianças, e a
contemporânea oferece muitas atividades de lazer.
Quem está representando quem?
203

Os titulares das várias nacionalidades representadas encontraram


claramente formas de explorar o interesse japonês, seja meramente no
emprego, seja nas atividades acadêmicas dos holandeses. As reações dos
jornalistas também são interessantes. Os gregos tiveram muito mais tempo
para se acostumar com as pessoas que os representam e seu passado ilustre
do que os britânicos, e a reação otimista provavelmente reflete isso, mas
Gurdon conclui com uma nota cínica. Comentando sobre a falta de acordo que
ele discerne entre os funcionários britânicos em British Hills sobre como seu
país deveria ser representado de qualquer maneira, ele admite que a
fundação educacional japonesa talvez tenha comprado uma versão da Grã-
Bretanha mais deprimentemente precisa do que esperava - 'um confuso e
pequeno território defensivo onde um passado glorioso luta com um
presente mundano '(ibid.).
Ainda podemos rir, no entanto, como a maioria dos que leram o artigo de
Gurdon sem dúvida o fizeram, e essa foi também a reação do público
majoritariamente britânico da reunião da Japanese Garden Society em
Cheshire quando eles foram informados sobre os toques ingleses que foram
escolhidos para um novo parque sendo construído no Japão no local de um
dos três jardins públicos mais famosos e antigos, Kairakuen em Mito. Este
parque aparentemente incluirá uma 'gruta', um 'jardim secreto', um 'jardim
aromático' e um 'moinho de água tradicional inglês' (comunicação pessoal do
designer). Parecia irônico que um grupo de pessoas reunidas para aprender
a representar o Japão em seus próprios jardins risse quando lhes foi
apresentado um caso do processo oposto.

APROPRIAÇÃO E PODER
Neste último exemplo, podemos nos perguntar, no entanto, se o povo
britânico reunido estava de fato representando o Japão em seus jardins.
Como argumentei em outro lugar, eles gostavam dos jardins por seu valor
estético, 8 e não por sua conexão particular com o Japão. De fato, eles se
apropriaram de uma forma cultural para seu próprio benefício, assim como
seus antepassados fizeram no século XIX, e é essa apropriação que pode ser
o aspecto perturbador das chamadas representações. Os britânicos e outros
colonos trouxeram várias lembranças, ou troféus, de suas viagens e os
exibiram em lugares ilustres como casas de campo e o Museu Britânico. Essas
são algumas das representações às quais seus proprietários originais se
opõem — em parte porque foram apropriadas pelos britânicos para seus
próprios propósitos; estético, educativo,
Em uma situação em que o antropólogo está claramente em posição de
superioridade econômica, e associações históricas de desigualdade são
invocadas pela relação entre os representados e seus protagonistas, questões
políticas e éticas podem certamente parecer importantes. Nas
representações entre os povos em pé de igualdade, as coisas podem tomar
204 Joy Henry

em uma tonalidade diferente. DPMartinez discutiu as representações visuais


na tela da televisão da Grã-Bretanha no Japão e do Japão na Grã-Bretanha
(Martinez, no prelo). Em ambos os casos, há muita diversão e alegria, bem
como documentários sérios sobre o outro, e isso, eu acho, é uma medida de
relativa igualdade e respeito mútuo, embora tingido de um elemento de
xenofobia.
Para um espectador britânico assistir e desfrutar de um programa de
perguntas e respostas japonês tirando sarro do povo britânico expressa um
grau de sofisticação que não seria possível, ou mesmo aceitável nestes dias
de correção política, entre um par de nações em uma situação pós-colonial.
Da mesma forma, os japoneses podem ver o lado engraçado do show de Clive
James em que são retratados com humor. No Japão, os papéis de riqueza e
poder relativos são invertidos em comparação com a posição dos
antropólogos no Terceiro Mundo, de modo que o etnógrafo é frequentemente
aquele que busca a indulgência do informante na troca de presentes e
serviços (Okely e Calloway 1992: 170). –1; cf. Caplan 1994).
Além disso, ao contrário da situação em outras comunidades do Pacífico
da Austronésia e em partes do mundo pós-colonial, muitos japoneses
apreciam o interesse antropológico em sua cultura. Meus informantes são
geralmente extremamente gentis e cooperativos, contanto que eu os
presenteie com histórias do 'exterior', e eles raramente expressam
indignação por serem objetos de estudo.9 De fato, como muitos escritores
apontaram recentemente, o povo japonês parece quase obcecado com
interesse em si mesmos (Yoshino 1992 resume a literatura) e o antropólogo
japonês Aoki Tamotsu recentemente lamentou o fato de que os antropólogos
estrangeiros não desempenham um papel mais ativo na interpretação do
Japão com precisão para o mundo exterior. 'Não estou convocando
antropólogos... para serem apologistas deste país', escreve ele,
Aoki cita Ruth Benedict como a única antropóloga a ter feito isso com
sucesso até hoje, e isso, ele argumenta, explica a contínua popularidade de
seu livro, The Chrysanthemum and the Sword (Benedict 1954), que
aparentemente vendeu 350.000 cópias em inglês e mais de um milhão em
tradução japonesa (Aoki 1994: 4-5) desde que saiu em 1946. Ele explica suas
realizações notáveis em termos de seu relativismo cultural excepcional, 'seu
contraste consistentemente equilibrado entre a América e o Japão' (ibid.: 5)
. Aoki concorda com a avaliação de Geertz do livro como sendo sobre a
América tanto quanto sobre o Japão, e isso ele admira, citando Works and
Lives que 'o que começou como um tipo familiar de tentativa de desvendar
mistérios orientais acaba, com muito sucesso, como uma desconstrução…
das claridades ocidentais. Ao fechar,
A citação positiva de Aoki do trabalho de Benedict é interessante em vista
da
Quem está representando quem?
205

reação mista que gerou ao longo dos anos. Imediatamente após a Segunda
Guerra Mundial, foi criticado no Japão por aparentemente colocá-la em uma
posição inferior em relação aos Estados Unidos, embora eu tenha encontrado
pouca substância para essas alegações em uma releitura recente (Hendry
1997). Parte dessa impressão pode ter sido devido à má tradução da palavra
"culpa" para o japonês, mas também pode ter sido a reação ofendida de um
povo derrotado às percepções alarmantes e precisas de um de seus
conquistadores. Aoki agora escreve de uma posição de poder relativo, e
talvez seja capaz de ver as coisas de forma mais desapaixonada.
Voltando, então, à representação antropológica, não podemos aplicar o
mesmo argumento? Os antropólogos lutam pela precisão em seus estudos e
coletam material consultando seus informantes, mas estão escrevendo para
eles ou para seus colegas na academia? Seus colegas são, afinal, aqueles que
compartilham um conhecimento de trabalhos e teorias anteriores, e alguns
dos exemplos clássicos foram quase totalmente divorciados das pessoas que
eles “representam”. Os estudos recentes dos ilhéus de Trobriand são
interessantes, assim como os estudos dos Nuer e dos Azande, mas mesmo
que diferentes, dificilmente negam o trabalho anterior, agora firmemente
apropriado como antropologia.
O antropólogo local, Tamotsu Aoki, gosta do trabalho de Ruth Benedict
porque sente que retrata tanto os Estados Unidos quanto o Japão. Ele sente
que este é um verdadeiro caso de relativismo cultural, e ele obviamente não
se sente apropriado, como outros parecem se sentir. Antropólogos
estrangeiros que trabalham no Japão geralmente são imediatamente
colocados em contato com antropólogos locais e, embora alguns deles não
sintam respeito suficiente por seu trabalho (Aoki 1994: 6), outros
escreveram sobre a importância da cooperação (Yoshida 1987: 21). -3).
Talvez o respeito mútuo e a cooperação entre os antropólogos criassem uma
situação verdadeiramente madura em que a representação perderia muito
de seu componente político, ético e até satírico.
Capítulo 13

Representando a identidade
Angela Cheater e Ngapare Hopa

INTRODUÇÃO
É extremamente difícil representar a identidade individual de forma
completa e precisa, porque ela é fluida, situacional e fundamentalmente
política. Relacionamentos complexos ligam os indivíduos às várias categorias
e grupos aos quais são afiliados e dos quais extraem os componentes de suas
identidades específicas. Assim, a historicidade do que os cientistas sociais
chamaram anteriormente de 'cultura' é contestada (Touraine 1977). Além
disso, os Estados tanto constroem essa historicidade quanto atribuem
identidade categórica aos indivíduos. Este capítulo considera o papel do
Estado na construção da identidade, uma abordagem compartilhada por
Gladney (1991) e Gell (1994).
Desde a década de 1960, a etnogênese (a contínua criação da etnicidade)
é reconhecida por antropólogos (assim como por ativistas políticos
envolvidos nesse processo) como uma estratégia política nas disputas por
recursos. Cohen (1969) argumentou que a 'retribalização' (o termo anterior
para etnogênese) é sobre a proteção do controle sobre os recursos, e
prefigurava a posterior 'invenção da tradição'. A tentação nos estados mais
antigos, no entanto, é negar a natureza política dos processos etnogenéticos
entre as minorias indígenas. Por exemplo, as "primeiras nações" como os
saami, os índios ameríndios e os maoris foram responsáveis por destruir a
construção de assimilação indígena por seus colonos em democracias
indiferenciadas. Esses processos ameaçam os pressupostos majoritários de
integração política em tais estados. No entanto, Norton (1993) vê a
identidade maori recentemente reafirmada como uma construção de
discurso, não política; seu relato privilegia as interpretações teóricas de
forasteiros (Hanson 1989; Keesing 1989; Linnekin 1990, 1992) sobre os
relatos empíricos detalhados de intelectuais de elite envolvidos nesse
processo (Greenland 1991; Jackson 1989; Walker 1990, 1994).
Argumentamos que essa ênfase é enganosa.
Representando a identidade
209

MAORI E O ESTADO
De início questionamos a natureza dessa identidade conhecida
internacionalmente como 'maori'. Primeiro, a etnia 'maori' é um produto
colonial, cobrindo as divisões internas entre os próprios indígenas. Data
muito precisamente da primeira semana de fevereiro de 1840 (Walker 1990:
94), quando os missionários redigindo e traduzindo o Tratado de Waitangi
em nome do vice-governador Hobson usaram 'maori' (então significando
'povo comum') em preferência a ' Neozelandeses (como eram conhecidos há
200 anos) para se referir aos habitantes indígenas do país (Sharp 1990: 50).
Esta última designação foi apropriada pelos colonizadores, eles próprios
posteriormente construídos como 'Pakeha' pelos habitantes indígenas do
país.
Desde 1840, portanto, a construção da etnia maori depende muito do
Estado, refletida na relação especial que todas as mais de setenta tribos
maoris1 reivindicam com a ambígua Coroa como co-signatária do Tratado de
Waitangi. Embora a Coroa Britânica tenha sido colonizadora do passado e
retenha (através do Conselho Privado e do Governador-Geral) o controle
simbólico final do estado (Pakeha) da Nova Zelândia, em 1881 ela abandonou
a responsabilidade por seu próprio Tratado de Waitangi (Orange 1987: 202)
. O estado da Nova Zelândia agora reivindica status pós-colonial e procura
remover os símbolos residuais de sua antiga dependência de colonos, mas
estranhamente os neozelandeses ainda se referem ao seu estado como 'a
Coroa'.
Uma segunda questão diz respeito aos processos envolvidos na auto-
identificação. A identidade maori não tem mais base rural, pois a taxa de
urbanização (80%) não diferencia os maoris de outros neozelandeses. No
censo de 1991, 511.278 neozelandeses (15,2 por cento do total)
identificaram-se como tendo alguma ascendência maori, dos quais 323.493
(63 por cento) reivindicaram apenas a etnia maori. a lista de eleitores maoris.
Esta discrepância faz parte de uma tendência em curso. Em 1975, as regras
do censo foram alteradas para permitir a auto-identificação étnica e o
Tribunal Waitangi4 foi estabelecido; ativos substanciais foram
posteriormente transferidos do estado para Maori. Em 1991, a proporção
maori na população total quase dobrou, apesar de uma taxa líquida anual de
reprodução de 1,2%. Simultaneamente, a proporção de eleitores Maori na
categoria étnica total caiu de forma constante. De acordo com a escolha pré-
colonial de fidelidade política, a maioria dos auto-identificados Maori deseja
manter em aberto suas futuras opções de identidade na política nacional.
Mesmo no nível dos agregados nacionais, então, a etnia maori coletiva e
individual se revela como diferenciada e situacional, respondendo às
influências do Estado.
Um terceiro problema reside no claro envolvimento financeiro do estado
na construção do Maoridom, particularmente das 'tribos' (iwi) (Cheater
1994: 57-8). Por exemplo, o estado subsidiou a Pesquisa Etnológica Maori
210 Angela Cheater e Ngapare Hopa

Tabuleiro, marae urbano (terra reservada para uso cerimonial) e o kohanga


reo ou 'ninhos de linguagem' para crianças pequenas. Além disso,
estabeleceu o Instituto de Artes e Ofícios Maori, o Tribunal Waitangi, a
Comissão de Língua Maori, estruturas de autoridade tribais, várias estruturas
estatutárias efêmeras, como a Agência de Transição Iwi, serviços de
assistência social e ensino da língua maori nas escolas estaduais. Finalmente,
o papel dos kaumatua (anciãos tribais) foi estabelecido dentro das
burocracias estatais.
Em resposta direta a esses processos de construção da identidade maori
pelo Estado, surgiram organizações políticas oposicionistas pan-maori. O
kingitanga (Movimento do Rei) começou em 1853 e elegeu um rei maori - o
chefe Waikato Te Wherowhero - em 1858. As conferências intertribais foram
realizadas em Auckland e Waitangi nas décadas de 1860 e 1880, e o
kotahitanga (Parlamento Maori) foi fundado no início 1890 (Laranja 1987:
142, 192, 195, 224). Parlamentos alternativos, como movimentos religiosos
sincréticos de natureza política, sinalizaram tentativas ativas dos maoris de
recuperar o controle da produção de sua historicidade do estado em rápido
desenvolvimento. No entanto, estes logo se desvaneceram para serem
substituídos, nas últimas duas décadas, por marchas de terra e ocupações de
territórios de disputa de posse.
Antes de examinar em detalhes as representações contemporâneas
conflitantes da identidade maori decorrentes do iwi e da política nacional, é
importante notar que quase 30% de todos os maoris urbanizados auto-
identificados - muitos dos quais provavelmente não falam a língua maori -
não podem ou irão não, identificar-se com qualquer iwi (tribo) ou hapu
(linhagem). Dado que a política estatal insiste em devolver recursos ao iwi,
as pessoas sem identidade iwi serão, portanto, excluídas do acesso aos
benefícios de tais recursos, apesar de sua auto-identificação como 'maori'. Já,
à medida que um número crescente de reclamações do Tribunal Waitangi são
resolvidos e os recursos 'retornados' aos 'maori' na forma de Conselhos de
Confiança Tribais, esses Conselhos de Confiança estão compilando listas de
membros beneficiários. A reconstrução de iwi pelo estado nega assim
qualquer significado baseado em recursos para a auto-representação como
'maori' sem uma identidade tribal efetiva, mesmo quando uma minoria
significativa de maori é destribalizada. Claramente, portanto, no
renascimento maori, "construções culturais de identidade" surgiram de, ou
em oposição à ação estatal. Isso enfraquece a sugestão de Norton (1993: 742)
de que a identidade emerge da geração de identidades de oposição
envolvidas no "diálogo" do conflito intergrupal, na invenção da tradição e na
objetivação da cultura. Mesmo identidades intertribais de oposição foram
fomentadas, intencionalmente ou não, pela política estatal. 'construções
culturais de identidade' surgiram da ação do Estado ou em oposição a ela.
Isso enfraquece a sugestão de Norton (1993: 742) de que a identidade
emerge da geração de identidades de oposição envolvidas no "diálogo" do
conflito intergrupal, na invenção da tradição e na objetivação da cultura.
Mesmo identidades intertribais de oposição foram fomentadas,
intencionalmente ou não, pela política estatal. 'construções culturais de
identidade' surgiram da ação do Estado ou em oposição a ela. Isso enfraquece
a sugestão de Norton (1993: 742) de que a identidade emerge da geração de
identidades de oposição envolvidas no "diálogo" do conflito intergrupal, na
invenção da tradição e na objetivação da cultura. Mesmo identidades
intertribais de oposição foram fomentadas, intencionalmente ou não, pela
política estatal.
O estado exerce uma influência crítica sobre a política interna do iwi por
meio da restauração das bases de recursos tribais. Embora 335 reclamações
perante o Tribunal ainda não tenham sido determinadas, 5 o estado da Nova
Zelândia, que definiu unilateralmente a extensão de sua própria culpa pela
agressão colonial, quer uma solução final de todas as reclamações de
recursos rapidamente. Dentro do
Representando a identidade
211

do envelope fiscal do estado', no valor de NZ $ 1 bilhão a pagar na próxima


década, espera-se que a iwi negocie seus respectivos créditos pendentes. Os
limites fiscais e de data (1997) para reclamações finais ao Tribunal Waitangi
sugerem que o estado pretende limitar a etnogênese maori cortando seu
fluxo de recursos. Essa questão de recursos, portanto, enquadra a relação
entre os negociadores de 'elite' e o povo maori comum como uma série de
disputas dentro da arena da política nacional e tribal maori. Como mostram
os exemplos a seguir, a questão da identidade está no centro dessas disputas:
quem decide quem é maori? O que 'ser maori' representa?

MAORI E A TERRA
Os maoris esperam, e seus ativistas exigem, o reconhecimento dos direitos
garantidos a eles pelo artigo 2º do Tratado de Waitangi: a 'posse total,
exclusiva e imperturbável de suas terras e propriedades, pesca e outras
propriedades'. Os maoris afirmam que esses direitos, baseados no controle
soberano (rangatiratanga), nunca foram renunciados voluntariamente, mas
foram gradualmente apropriados pelo estado (Jackson 1989; Walker 1990).
As tentativas de recuperá-los alimentaram protestos históricos que
continuam até o presente. Estes foram complicados pelo conflito de
significados entre rangatiratanga, como transmitido na versão maori do
Tratado de Waitangi, e o neologismo, kawanatanga, usado para traduzir a
soberania britânica da versão inglesa (Kelsey 1990: 91-2).
A auto-identificação com a terra é crucial para a identidade maori —
tangata whenua significa 'povo da terra' — mas o Estado interveio cedo nos
direitos indígenas à terra. Ele reivindicou um direito de preferência a todas
as terras maoris não utilizadas através do Tratado de Waitangi (Orange
1987: 42), e mais tarde travou uma guerra contra os proprietários maoris
relutantes em vender. Assim, em 1900, por meio de conquista e confisco, o
novo estado havia convertido mais de 90% das terras do país de propriedade
indígena para propriedade de colonos (incluindo o estado) (Walker 1990:
139). Em particular, a terra confiscada (raupatu) tem sido uma questão de
grande importância política para os maoris desde as guerras de terra de
1845-1872 (Belich 1986), e foi inextricavelmente entrelaçada em sua
construção de identidade nos tempos coloniais. Examinamos brevemente um
exemplo dessa integração da perda de terra na identidade maori
contemporânea.
No quadrante noroeste da Ilha Norte, conhecido como Waikato, a maioria
das tribos se considera descendente dos fundadores da sociedade maori que
chegaram na waka (canoa) Tainui.6 A identidade maori no Waikato é, no
entanto, ambígua. As duas opções são uma identidade waka supostamente
baseada em descendência como 'Tainui', também glosada como uma
identidade iwi; ou uma localidade – e identidade iwi baseada em
descendência como 'Waikato'. Estas duas opções são ainda mais complicadas
pelo fato de que 'Tainui' em si é um
212 Angela Cheater e Ngapare Hopa

identidade construída: no século passado, a identidade local era


inequivocamente 'Waikato'. A 'Tainui' só se desenvolveu a partir de 1946,
quando foi formalmente definida pelo Estado7 como compreendendo os
trinta e três hapu (então entendidos como subtribos) de Waikato que
sofreram o confisco de suas terras em 1863. A identidade institucionalizada
de Tainui, portanto, data de o estabelecimento em 1947 do Tainui Maori
Trust Board (TMTB), para representar esses hapu. Os objetivos fundadores
do TMTB incluíam apoiar e financiar o kingitanga (movimento do rei) e
manter sua mana 'até que Tainui fosse unido como uma tribo'.8
Qual opção de identidade iwi ('Waikato', 'Tainui', ou uma combinação
hifenizada dos dois) que qualquer indivíduo na região de Waikato escolhe é
influenciada pela visão e relação dessa pessoa com o kingitanga (movimento
do rei) como parte de ' Tainui 'em vez de' Waikato 'construção de instituições
e construção de identidade. Dentro da política maori local de Waikato, é
desaconselhável se expressar, mesmo que implicitamente, contra o
kingitanga, pois, no final de 1994, o TMTB propôs que o apoio ativo ao
kingitanga fosse um critério para o desembolso de benefícios financeiros
para raupatu marae. Embora a reivindicação de 1,2 milhão de acres9 de
Tainui tenha gerado retornos menores do que muitas outras reivindicações
de terras, o que é importante aqui é a visão do estado dessa reivindicação
como um modelo para o assentamento de outros dentro do 'envelope fiscal'.
Resta saber se esta alegação foi realmente tratada satisfatoriamente. Foi
aparentemente "resolvido" pela Lei de 1946, mas membros insatisfeitos das
gerações mais jovens conseguiram repetidamente estabelecer preços
abertos de "acordos" aparentemente sólidos para renegociação, não apenas
no Waikato.
Parte do 'assentamento' Tainui raupatu envolveu uma quantidade
relativamente pequena de terra doada em 1853 à igreja anglicana para
estabelecer escolas maoris, por um indivíduo. Mas os seus herdeiros, assim
como os cinco hapu em cujo território esta terra se encontra, 10 foram
efectivamente impedidos de prosseguir as suas reivindicações específicas
sobre esta terra porque o Estado, representado pelo Ministro das Terras, quis
devolver estas terras para onde eles pertencem, com Tainui'.11 "Tainui" aqui
não significava os cinco hapu mencionados acima que originalmente doaram
esta terra, nem mesmo os trinta e três que mais tarde sofreram o confisco.
Em vez de, o estado acedeu de bom grado às propostas do TMTB para
conferir a propriedade desta e de outras terras devolvidas ao falecido
fundador da kingitanga12 e para criar três 'curadores de custódia' da
linhagem real (incluindo a rainha maori) para supervisionar o TMTB como
'administrador fiduciário' de o Fundo Potatau Te Wherowhero. Esses
curadores desembolsariam fundos para fins educacionais para aqueles que
se registrassem como beneficiários no TMTB.
Por meio de sua recente reivindicação de raupatu e de seu compromisso,
os negociadores muito astutos de Tainui, portanto, fortaleceram
simultaneamente, tanto simbólica quanto institucionalmente, suas
reivindicações silenciosas de iwi e (para o kingitanga) identidade pan-maori.
Embora essas alegações fossem apenas implicitamente
Representando a identidade
213

parte do discurso de Tainui, com a colaboração do Estado, eles conseguiram.


Isso foi feito às custas das partes interessadas legítimas no país que foram
claramente identificadas com hapu específicos. Assim, essas partes
interessadas foram colocadas na difícil posição de saber que, se recorressem
da decisão do tribunal com sucesso, a propriedade da terra em questão
reverteria para o estado. Se eles defendessem seus próprios interesses hapu,
corriam o risco de serem acusados de agir contra seus próprios iwi e contra
interesses 'maori' mais amplos de reparação genérica do Estado. Seu caso
legal era bom, mas eles haviam sido politicamente derrotados em relação a
seus próprios interesses e identidades específicas baseadas na terra. No
entanto, eles decidiram por uma questão de princípio defender sua
identidade em outras ações legais, apesar das estimativas de custo mínimo
de NZ $ 25,
Claramente, ao longo do tempo, o estado e a kingitanga foram se
aproximando um do outro em seu apoio mútuo, apesar da tradicional
rejeição da autoridade estatal por parte da kingitanga. Sua colaboração
mútua rendeu a legitimação estatal de instituições ostensivamente
autônomas e a legitimação kingitanga/Tainui do biculturalismo. A
preocupação política para alguns é que essa aliança de interesses pode ter
afetado identidades subtribais específicas e efetivamente mistificado o
Waikato Maori comum em relação a seus interesses de longo prazo em ativos
restaurados.

IDENTIDADE MAORI E RECURSOS


Nosso segundo exemplo do problema de fazer representações da identidade
maori centra-se na questão dos recursos. No início da década de 1980, o
Partido Trabalhista da Nova Zelândia desenvolveu simultaneamente duas
políticas potencialmente conflitantes, envolvendo o Tratado de Waitangi e a
reestruturação da economia neozelandesa. em vez disso, ele direitos (Kelsey
1990: 92-3). A privatização corporativa das operações comerciais e
pesqueiras do Estado afetou particularmente os maoris e suas reivindicações
de recursos sob o Tratado (Kelsey 1990), com o resultado de que a disputa
de recursos que se seguiu passou a incluir litígios entre o Estado e os
requerentes maoris de ações pan-tribais, bem como identidades específicas
de iwi e hapu.
Por exemplo, a corporatização de ativos estatais ameaçou as
reivindicações maoris de uma série de recursos que eles queriam de volta e,
portanto, afetou os esforços maoris para reconstituir sua etnia em uma base
de recursos. Enquanto a Lei de Empresas Estatais de 1987 protegia as
reivindicações de terras já apresentadas (dependendo das recomendações
finais do Tribunal de Waitangi sobre reivindicações específicas), não havia
proteção para novas reivindicações ou para outras ainda em gestação. Além
disso, dada a duração das audiências do Tribunal e a velocidade com que a
corporatização estava ocorrendo, não havia garantia
214 Angela Cheater e Ngapare Hopa

que os recursos em questão estariam na posse de uma empresa estatal no


momento em que possíveis reivindicações futuras fossem formuladas.
Informações e mapas da Coroa sobre quais terras deveriam ser alocadas para
empresas estatais não estavam disponíveis porque o estado não os preparou;
e onde havia informação, o acesso a ela era deliberadamente negado (Kelsey
1990: 86-7). Além disso, a lei cobria apenas terras, não carvão, florestas, rios
ou leitos de lagos, o que geraria mais disputas. As corporações recém-
formadas ignoravam as proteções existentes para as reivindicações maoris
em sua lei de governo. Claramente, a corporatização criou novos problemas
para o processo de reclamação.
Em resposta a esses problemas, o Conselho Maori da Nova Zelândia
(NZMC) 14, estabelecido pelo estado pan-maori, expressou preocupação de
que os interesses de recursos de muitos iwis menores permanecessem
vulneráveis e que a proteção de reivindicações existente era inadequada sob
o State-Owned Enterprise Act . Em seu nome, portanto, em 1987, o Conselho
solicitou ao Tribunal Superior uma liminar impedindo a transferência de
quaisquer ativos sujeitos a reclamações perante o Tribunal de Waitangi. A
adjudicação desta liminar manteve a soberania do Parlamento da Nova
Zelândia, reiterando que o Tratado de Waitangi e seus princípios não seriam
juridicamente aplicáveis, a menos que incorporados por estatuto à lei
nacional. O resultado prático do caso foi um pedido judicial para que a Coroa
e os maoris cooperassem no estabelecimento de um sistema para lidar com
as preocupações maoris. Nenhum ativo tangível foi adquirido pelos maoris e
a Coroa permaneceu no controle. No entanto, os 'princípios' do Tratado
guiaram o acordo de que quaisquer terras da Coroa vendidas por empresas
estatais seriam readquiridas e devolvidas à propriedade maori se isso fosse
recomendado pelo Tribunal Waitangi. Para outros recursos – árvores
estatais da Forestcorp ou carvão Coalcorp – a posição não era clara. Assim, a
intervenção do NZMC garantiu coletivamente alguma nova proteção para as
reivindicações de terra, reforçando a centralidade da terra dentro dos
processos de construção de identidade maori. Para outros recursos – árvores
estatais da Forestcorp ou carvão Coalcorp – a posição não era clara. Assim, a
intervenção do NZMC garantiu coletivamente alguma nova proteção para as
reivindicações de terra, reforçando a centralidade da terra dentro dos
processos de construção de identidade maori. Para outros recursos – árvores
estatais da Forestcorp ou carvão Coalcorp – a posição não era clara. Assim, a
intervenção do NZMC garantiu coletivamente alguma nova proteção para as
reivindicações de terra, reforçando a centralidade da terra dentro dos
processos de construção de identidade maori.

UMA HISTÓRIA DE PEIXE?


Talvez a mais controversa de todas as questões de recursos tenha sido a
privatização da indústria pesqueira, paralela à batalha da corporatização. De
fato, os peixes já estavam na mesa durante o litígio e a resolução de questões
de corporatização: os principais atores maoris eram frequentemente
esticados entre os dois (Kelsey 1990: 99). Embora o estado acomodasse
alguns direitos maoris dentro da indústria pesqueira, manteve o controle
final sobre o recurso e seu uso futuro. Ao conferir o status de 'negociador
maori' a indivíduos que eram meros litigantes ou observadores do processo
de reivindicação, o Estado impediu que 'outros requerentes potenciais
entrassem nos debates e complicassem o campo' e, até certo ponto, separou
os negociadores de seus iwis. bases (Walker 1994: 15). Elevado dentro do
Representando a identidade
215

estrutura de poder do estado, esses negociadores foram descritos


pejorativamente pelos companheiros Maori como o 'gabinete marrom'
(Walker 1994).
Os maoris dominaram a indústria pesqueira da Nova Zelândia até o século
XIX, até serem expulsos por seus colonizadores, que mais tarde construíram
direitos de pesca indígenas de modo que se limitassem às necessidades
recreativas e cerimoniais. Em 1983, a sobrepesca industrial e a falha na
conservação do recurso persuadiram o estado a criar um Conselho da
Indústria Pesqueira. No entanto, os maoris não foram consultados. Em 1986,
este Conselho definiu áreas de gestão de quotas e capturas totais permitidas
para diferentes espécies. As quotas eram direitos de propriedade privada
transferíveis individualmente para pescar e vender uma certa tonelagem de
peixe. Os titulares de quotas podiam utilizá-los eles próprios, vendê-los ou
alugá-los a terceiros. Esse sistema efetivamente privatizou a pesca e ignorou
o argumento maori de que, sob o Tratado de Waitangi, a pesca da Nova
Zelândia era de propriedade exclusiva dos maoris.
Cinco tribos do extremo norte da Ilha, com um longo envolvimento pré-
colonial na pesca comercial, cuja reclamação 'Muriwhenua'15 foi feita
perante o Tribunal Waitangi, temiam que a emissão de cotas retirasse a pesca
do controle da Coroa. O Tribunal, portanto, solicitou urgentemente ao
governo que não alocasse cotas até que a reclamação fosse considerada. Esse
pedido foi ignorado, mas um relatório provisório caracterizou as cotas
individualmente transferíveis como contrárias aos princípios do Tratado,
observando que deveria haver negociações com as tribos envolvidas pelo
direito comercial de pescar em suas águas (Kelsey 1990: 114). Em 1987, uma
reclamação nesse sentido foi apresentada ao Supremo Tribunal
conjuntamente pelo Conselho Maori da Nova Zelândia, 16 o Conselho de
Confiança Tainui Maori, Ngai Tahu17 e as cinco tribos 'Muriwhenua'.
De acordo com a reiteração do tribunal sobre o status legal dos maoris e
da Coroa como parceiros do tratado, e com as garantias do Artigo 2 da
rangatiratanga, os negociadores maoris reivindicaram 100 por cento das
pescarias, mas admitiram a disposição de compartilhar 50 por cento com seu
tratado parceiro. No entanto, isso colocou a identidade em questão na medida
em que resultou em dissensões entre os próprios negociadores maoris,
preocupados em proteger seus interesses tribais individuais tanto quanto
seus interesses coletivos 'maori'.
Nos meses seguintes, inúmeras propostas buscaram diminuir a
participação maori de 50% acordada. Talvez como uma defesa contra tais
propostas, o Ministro de Assuntos Maori encomendou uma estratégia de
desenvolvimento para a pesca comercial Maori, que foi produzida pelo
Centro de Estudos e Pesquisa Maori da Universidade de Waikato. Eles
recomendaram que as cotas de pesca maori fossem controladas e
administradas por uma estrutura corporativa maori, em vez de serem
fragmentadas pela distribuição ao iwi. O objetivo era abrir a pesca comercial
à participação maori com uma base de capital forte e corporativa, um
movimento que conflitava com a determinação do Estado de não entregar o
controle completo sobre o
216 Angela Cheater e Ngapare Hopa

indústria pesqueira aos maoris. Tal estrutura corporativa equilibraria o


rangatiratanga pan-maori com a tutela dos interesses pesqueiros locais. Uma
empresa totalmente comercial e orientada para o lucro permitiria a
representação de interesses maoris estaduais e regionais em seu conselho,
ao mesmo tempo em que criava uma rede de empresas de pesca iwi. Os
escritórios regionais permitiriam a representação de interesses maoris de
nível inferior por meio de negociação com tribos e confederações baseadas
em canoas.
Eventualmente, a Lei de Pesca Maori de 1989 forneceu níveis de controle
que ficaram muito aquém das expectativas Maori, mesmo considerando
recursos pesqueiros localizados. Em vez disso, a lei previa um assentamento
pan-tribal 'maori' por meio de uma estrutura de dois níveis, a Comissão de
Pesca Maori (MFC) e sua ala comercial (Walker 1994: 15). Uma cota muito
reduzida (10%) foi alocada, cuja aquisição total levaria quatro anos, e a lei
impediu a ação independente de iwi ressentidos por sua perda de autonomia
e exclusão do processo de tomada de decisão. No entanto, em 1992, surgiu
uma oportunidade de expandir as cotas de peixes maoris quando uma
empresa de pesca industrial, a Sealords, entrou no mercado por NZ$ 375
milhões. Os negociadores do MFC fecharam um acordo com o Estado, que
investiu NZ$ 150 milhões para financiar a compra de metade da Sealords pela
Maori; parceiros de joint venture compraram a outra metade. As condições
desse arranjo exigiam que os maoris renunciassem à sua reivindicação de
todas as pescarias; renunciar à proteção dos seus direitos de pesca
existentes; e aceitar uma cota fixa de 20% para todas as novas espécies. O
acordo também trouxe a Maori em parceria com o capital do setor privado,
um novo relacionamento também se desenvolvendo em outros setores.
Este acordo não foi, no entanto, sem seus críticos. A clivagem entre as
tribos costeiras e do interior sobre os direitos de pesca offshore foi uma
característica específica da disputa, com os iwi costeiros defendendo a
distribuição limitada contra as tribos do interior que desejam uma parte. Iwi
preocupados com as oportunidades de emprego na indústria pesqueira
estavam descontentes por serem 'consultados' somente após o acordo ter
sido alcançado, e não estavam convencidos, como um negociador alegou, que
era 'o único negócio na cidade' (Walker 1994: 16) . As questões não foram
debatidas satisfatoriamente: os representantes tribais não foram informados
antes de serem chamados ao Parlamento em setembro de 1992 para assinar
o Termo de Acordo; alguns compareceram pensando que era apenas mais um
encontro sobre peixes, e então deveriam ler um documento de 26 páginas e
compreender suas implicações econômicas e políticas antes de assinar em
nome de seu hapu ou iwi; outros se recusaram a assinar porque não tinham
mandato para fazê-lo (Walker 1994: 17).
Alguns iwis mais tarde levaram suas queixas ao Tribunal de Waitangi, ao
Tribunal Superior e ao Tribunal de Apelação. Aqui, pela primeira vez, os
negociadores do MFC foram questionados sobre seu mandato e solicitados a
especificar quais interesses eles realmente representavam (Walker 1992: 1).
As assinaturas do Termo de Liquidação apresentam inúmeras anomalias,
refletindo descuido,
Representando a identidade
217

imprecisão e pressa, mas sua característica mais desagradável foi a


eliminação dos direitos iwi de fazer quaisquer outras reivindicações sobre a
pesca para fins comerciais. Ele também continha a semente do 'envelope
fiscal' de 1994:

Os maoris reconhecem que a Coroa tem restrições fiscais e que esse


acordo necessariamente restringirá a capacidade da Coroa de atender a
qualquer fundo que a Coroa estabeleça como parte da estrutura geral de
liquidação da Coroa, a liquidação de outras reivindicações decorrentes do
Tratado de Waitangi.
(Governo da Nova Zelândia 1992: 22)

Assim, a pressa em assinar a Escritura, o fracasso do governo e dos


negociadores em garantir que as questões fossem devidamente debatidas
nos marae em todo o país e a eliminação do direito de reivindicação nos
termos do Tratado provocaram uma resposta irada e amarga. Treze tribos
dissidentes buscaram uma liminar do Tribunal Superior contra o Ato.18 Na
audiência do tribunal foram divulgadas preocupações sobre liderança e
tomada de decisões 'maori'; o processo de consulta (ou falta dele); tipos de
líderes, seus meios de nomeação e seus mandatos; e quem determinados
líderes estavam realmente representando quando assinaram a Escritura.
Também foram levantadas questões técnicas: há uma diferença de
significado entre a palavra maori hapu e a palavra inglesa tribo nos textos do
Tratado? Hapu é uma tribo ou uma subtribo? Os líderes dos iwi
(recentemente institucionalizados pelo Estado) ou hapu (legitimados pelo
Tratado) devem representar seu povo? O acordo foi contestado por seis
membros do Parlamento Maori, e um representante do Congresso Nacional
Maori intimou as Nações Unidas a investigar esta violação dos direitos
indígenas pelo governo da Nova Zelândia (Walker 1994: 19). Essa confusão
sobre a identidade étnica foi reconhecida pelo presidente do Congresso
Nacional Maori19 que, em 1993, alertou que essas questões assombrariam o
estado no futuro. e um representante do Congresso Nacional Maori intimou
as Nações Unidas a investigar essa violação dos direitos indígenas pelo
governo da Nova Zelândia (Walker 1994: 19). Essa confusão sobre a
identidade étnica foi reconhecida pelo presidente do Congresso Nacional
Maori19 que, em 1993, alertou que essas questões assombrariam o estado
no futuro. e um representante do Congresso Nacional Maori intimou as
Nações Unidas a investigar essa violação dos direitos indígenas pelo governo
da Nova Zelândia (Walker 1994: 19). Essa confusão sobre a identidade étnica
foi reconhecida pelo presidente do Congresso Nacional Maori19 que, em
1993, alertou que essas questões assombrariam o estado no futuro.
O conflito sobre os Senhores do Mar entre os membros do 'gabinete
marrom' e iwi ilumina assim as complexidades, tensões e dinâmicas
envolvidas na (re)construção de identidades coletivas 'maori' e iwi
específicas. Também destaca o papel influente do governo, que claramente
manipulou esses processos de acordo com sua própria agenda,
reconhecendo líderes específicos com base em suas próprias definições
estatutárias.

O ENVELOPE FISCAL: UMA SOLUÇÃO FINAL?


Em 8 de dezembro de 1994, o estado lançou três folhetos intitulados Crown
Proposals for the Settlement of Treaty of Waitangi Claims, que confirmaram
rumores anteriores sobre as intenções do estado de finalizar a liquidação de
todas as reivindicações de recursos maori pendentes dentro de um limite de
NZ $ 1 bilhão. A oposição maori ao 'envelope fiscal' se concentrou na crise de
1995
218 Angela Cheater e Ngapare Hopa

comemoração da assinatura do Tratado de Waitangi, que, em sua versão


maori, preservou a decisão soberana dos povos indígenas da Nova Zelândia.
Como mostramos, no entanto, o Tratado está cada vez mais ameaçado como
uma plataforma futura para afirmar uma identidade maori separada e
baseada em recursos. Os ativistas interromperam tanto esses procedimentos
rituais, insultando funcionários do estado e levantando a bandeira
kotahitanga para substituir a bandeira do governador-geral da Marinha da
Nova Zelândia, que funcionários e diplomatas estrangeiros deixaram o marae
e os eventos noturnos foram cancelados. A mídia sensacionalizou a
indignação e o constrangimento do primeiro-ministro, funcionários do
estado (alguns maoris), convidados e anfitriões maoris locais. Enquanto os
manifestantes foram condenados20 por não cumprirem as cortesias comuns
e o protocolo marae, uma perspectiva mais ampla pode se concentrar nas
diferentes representações da identidade maori oferecidas pela Television
New Zealand, 21 ativistas radicais, anciãos maoris e veteranos de guerra.22
Os ativistas apenas repetiram os protestos anuais de uma década antes,
incluindo a marcha de 1984 sob a bandeira kotahitanga ( Walker 1990: 234-
6). Na raiz de seu protesto estava a questão da soberania, rangatiratanga,
bem como a da identidade.
Em meados de setembro de 1994, antes da divulgação oficial das
propostas do Estado em 8 de dezembro, o Ministro de Assuntos Maoris não
havia deixado dúvidas sobre as intenções assimilacionistas da Coroa:
determinar acordos de tratados e torná-los inegociáveis; limitar a
quantidade de dinheiro disponível para liquidação; assegurar que os acordos
sejam completos e definitivos; manter a propriedade dos recursos naturais
(terra, pesca, florestas); fornecer serviços aos maoris da mesma forma que a
todos os neozelandeses, sem levar em conta os direitos específicos dos
maoris; determinar procedimentos (incluindo um 'título de mandato') para
representação tribal em reivindicações do Tratado; e, finalmente, remover o
termo 'maori' dos livros jurídicos (Te Kawariki outubro de 1994, p. 1; janeiro
de 1995, p. 2).
A oposição de pré-lançamento ao envelope fiscal veio de vários grupos e
organizações maoris, incluindo jovens membros de grupos de interesse ad
hoc marginalizados e desprivilegiados por anciões tribais, bem como
membros mais velhos de organizações maori conservadoras, como a
Federação das Autoridades Maori.
Com a divulgação das propostas do Estado, o ímpeto de protesto
aumentou e, impulsionado pelos pedidos de iwi em busca de seu conselho,
Sir Hepi Te Heuheu, chefe supremo de Tuwharetoa, escreveu publicamente
ao primeiro-ministro, 23 afirmando que "não tinha opção mas rejeitar a
estrutura política total contida nas Propostas da Coroa para a Liquidação das
Reivindicações do Tratado de Waitangi'; e essa

[a] diminuição unilateral pelo Governo do significado constitucional


fundamental do Artigo Dois do Tratado de Waitangi é
Representando a identidade
219

nem justificável nem aceitável. Acredito que as políticas que minimizam


ou evitam o Artigo Dois não fornecerão opções construtivas ou
duradouras.

No início de 1995, uma reunião convocada por Sir Hepi para discutir as
propostas do envelope fiscal rejeitou por unanimidade essas propostas e
exigiu a 'interrupção imediata da alienação, por venda ou outros meios, de
todos os bens e recursos detidos direta ou indiretamente pela Coroa e/ou
autoridades públicas sobre as quais os maoris reivindicaram um interesse ou
são susceptíveis de reivindicar um interesse '(Tuwharetoa Maori Trust
Board 1995). Exceto por alguns indivíduos, alguns dos quais se opuseram às
suas ações anteriores, o Conselho de Confiança Tainui Maori, representando
Waikato, estava visivelmente ausente. De Waikato, sobre as propostas de
liquidação do Estado, houve silêncio, porque, em 21 de dezembro de 1994, o
TMTB havia assinado um Acordo de Chefes com a Coroa para a liquidação de
sua reivindicação de terras raupatu, efetivamente (incluindo uma cláusula de
escalação) dentro de ' parâmetros do envelope. Uma tentativa de um grupo
de jovens de fazer com que a assembléia de tribos condenasse as ações do
TMTB foi perdida. A afirmação da postura de Tainui veio de Ngapuhi e Te
Arawa, ambos ligados genealogicamente ao kingitanga. Ao rejeitar as
propostas da Coroa, seus representantes reconheceram o direito de Tainui
de tomar suas próprias decisões sem interferência, confirmando, consciente
ou inconscientemente, a natureza autônoma da política tribal historicamente
até o presente. Enquanto outras tribos buscaram suas reivindicações através
do Tribunal Waitangi, o TMTB tem, desde a década de 1980, recorrentemente
procurado negociar diretamente com o estado em nome do iwi. Sua
estratégia tentou simultaneamente criar uma identidade independente
tainui (em vez de Waikato) iwi dentro de uma identidade coletiva 'maori',
mas claramente sua construção de identidade iwi tem precedência.

CONCLUSÕES
Neste capítulo, tentamos vincular a política e a ação do Estado a questões de
identidade e sua representação nos níveis tribal e pan-maori, e identificar
oportunidades geradas externamente e restrições à etnogênese maori na
autoproclamada Nova Zelândia pós-colonial. A evidência que examinamos
aqui é tanto legal e política quanto antropológica, mas é de importância
central para todas as três disciplinas na compreensão da etnogênese nos
diferentes níveis de hapu, iwi e maoridom como um todo. Como o estado
endureceu o iwi por meio de conselhos tribais de confiança, o iwi pode
ameaçar eliminar o hapu. Os processos políticos modernos podem, assim,
finalmente destruir a fluidez central dos alinhamentos de poder nas
tradições políticas maoris, sem que a unidade geral seja alcançada.
Em suma, incomoda-nos as representações antropológicas da identidade
que favorecem a simplificação excessiva de que a identidade étnica é um
inocente resultado sociológico de um discurso não ameaçador estabelecido
em contextos
220 Angela Cheater e Ngapare Hopa

em que os fatores sociais, econômicos e políticos são igualmente ponderados.


Para os próprios atores, a 'representação' é muitas vezes de dois gumes,
como quando a representação da identidade conota, mútua e implicitamente,
representação política. Quando aqueles que conduzem o processo de
construção de identidade definem sua atividade como uma “luta sem fim” de
longo prazo (Walker 1990) e, como os pós-modernistas, são “terrivelmente
sérios sobre suas auto-representações” (Lee e Ackerman 1994: 43), essas
alegações êmicas não devem ser diluídas pela "objetividade" ética. Neste
capítulo, tratamos com seriedade as representações dos atores políticos
sobre suas próprias ações, conscientes de que nossas interpretações, como
outras, podem entrar no processo político em seu detrimento. No mundo real
de representações contestadas de identidade como um processo político,
pessoas reais são assediadas, 24 sofrem ameaças ao seu emprego e segurança
pessoal, quase faliram em litígios sobre suas reivindicações de direitos e
recursos e podem morrer em defesa de reivindicações de identidade. Os
relatos emic são, é claro, eles próprios parte desses processos políticos e,
como tal, partidários por omissão ou comissão, mas mesmo como discurso
partidário, eles se autoidentificam como intenção política. O discurso é uma
parte muito pequena de uma realidade política mais ampla para quem o vive;
e tentamos mostrar que sua maior importância reside no discurso
hegemônico das definições estatutárias. partidários por omissão ou
comissão, mas mesmo como discurso partidário, eles se auto-identificam
como intenção política. O discurso é uma parte muito pequena de uma
realidade política mais ampla para quem o vive; e tentamos mostrar que sua
maior importância reside no discurso hegemônico das definições
estatutárias. partidários por omissão ou comissão, mas mesmo como
discurso partidário, eles se auto-identificam como intenção política. O
discurso é uma parte muito pequena de uma realidade política mais ampla
para quem o vive; e tentamos mostrar que sua maior importância reside no
discurso hegemônico das definições estatutárias.
Capítulo 14

Algumas consequências políticas


das teorias da etnia cigana
O lugar do intelectual

Judith Okely

A representação pelo intelectual ou acadêmico de ideologias étnicas poderia


ser interpretada de maneira puramente escolástica, onde uma cronologia de
diferentes teorias poderia permanecer em grande parte não lida pelos
próprios grupos. A complexidade surge quando se reconhece que as ideias
têm consequências além do erudito, tanto na sociedade dominante mais
ampla quanto para grupos étnicos ou minorias. Existem fatores
historicamente específicos que afetam o surgimento e a influência de
algumas ideias em oposição a outras. As ideias não brotam do intelectual
como isoladas. Além disso, embora as teorias de intelectuais individuais
possam ser totalmente adotadas, elas também podem ser ignoradas,
completamente distorcidas ou apenas parcialmente compreendidas.
A questão de saber se as ideias em si trazem mudanças ou garantem
continuidade pode ser situada em um velho debate dentro do marxismo. A
posição agora geralmente desacreditada e reducionista do economicismo
afirmava que as ideias apenas refletiam o modo de produção. A
interpretação marxista da década de 1970 do papel das ideias na história
(via Althusser e Gramsci) rejeita a noção de que as ideias são mero
epifenoma, mas podem refletir e, por sua vez, afetar ou superdeterminar a
infraestrutura. Gramsci (1971) deu um lugar especial ao papel do
intelectual, enquanto Althusser (1971) enfatizou a importância da
pedagogia e sua ideologia como parte do aparato estatal. Parto do
pressuposto teórico de que o poder de algumas ideias em oposição a outras
depende do momento histórico que deu o contexto para o florescimento
dessas ideias. Mas, por sua vez, essas ideias, cristalizadas por acadêmicos e
intelectuais, têm o potencial de afetar a história. Existem complexidades
adicionais na análise. Não se pode presumir que os intelectuais, mesmo em
uma posição estabelecida como acadêmicos, inevitavelmente atuem como
“deputados” do Estado ou do “grupo dominante” exercendo as funções
subalternas de hegemonia social e governo político” (Gramsci 1971: 12).
Gramsci é convincentemente cético em relação a "essa utopia social pela
qual os intelectuais se consideram 'independentes', autônomos, dotados de
um caráter próprio" (ibid.: 8). No entanto, eu afirmo que os intelectuais e
mesmo os acadêmicos mais entrincheirados estão em posição de apresentar
ideias que são inconsistentes e Não se pode presumir que os intelectuais,
mesmo em uma posição estabelecida como acadêmicos, inevitavelmente
atuem como “deputados” do Estado ou do “grupo dominante” exercendo as
funções subalternas de hegemonia social e governo político” (Gramsci 1971:
12). Gramsci é convincentemente cético em relação a "essa utopia social
pela qual os intelectuais se consideram 'independentes', autônomos,
dotados de um caráter próprio" (ibid.: 8). No entanto, eu afirmo que os
intelectuais e mesmo os acadêmicos mais entrincheirados estão em posição
de apresentar ideias que são inconsistentes e Não se pode presumir que os
intelectuais, mesmo em uma posição estabelecida como acadêmicos,
inevitavelmente atuem como “deputados” do Estado ou do “grupo
dominante” exercendo as funções subalternas de hegemonia social e
governo político” (Gramsci 1971: 12). Gramsci é convincentemente cético
em relação a "essa utopia social pela qual os intelectuais se consideram
'independentes', autônomos, dotados de um caráter próprio" (ibid.: 8). No
entanto, eu afirmo que os intelectuais e mesmo os acadêmicos mais
entrincheirados estão em posição de apresentar ideias que são
inconsistentes e Gramsci é convincentemente cético em relação a "essa
utopia social pela qual os intelectuais se consideram 'independentes',
autônomos, dotados de um caráter próprio" (ibid.: 8). No entanto, eu afirmo
que os intelectuais e mesmo os acadêmicos mais entrincheirados estão em
posição de apresentar ideias que são inconsistentes e Gramsci é
convincentemente cético em relação a "essa utopia social pela qual os
intelectuais se consideram 'independentes', autônomos, dotados de um
caráter próprio" (ibid.: 8). No entanto, eu afirmo que os intelectuais e
mesmo os acadêmicos mais entrincheirados estão em posição de apresentar
ideias que são inconsistentes e
Consequências das teorias da etnia cigana 225

potencialmente subversivas às políticas e ideologias atualmente


identificáveis associadas à sociedade 'civil' ou 'política' de Gramsci (ibid.: 12).
Sugiro várias possibilidades amplas ao considerar a influência de ideias e
intelectuais. Alguns podem se sobrepor:

1 Anonimizado e generalizado
Primeiro, há o que pode ser identificado como a influência acadêmica
generalizada e impessoal de ideias e conceitos na história. Aqui as noções
tornaram-se amplamente separadas dos escritores e teóricos originais. Meus
exemplos neste capítulo incluem o difusionismo e a associação de uma
cultura primitiva e uma língua "raiz" com um único local geográfico de
origem para todos os usuários da língua subsequentes.

2 Influência nomeada dentro de uma especialização acadêmica e


possivelmente além
Em contraste com a tese de Foucault de que o autor individual pouco conta,
Said (1978: 23-4) se preocupou com a dialética entre textos nomeados e uma
complexa formação coletiva. Nesse espírito, estou preocupado em vincular
intelectuais e textos individuais com ideias sobre etnicidade e a mudança de
posição de um grupo étnico.
Esta segunda categoria é onde o texto nomeado e referenciado do
intelectual tem influência junto a um público especializado. As ideias podem
ser totalmente plausíveis dentro das disciplinas específicas. Se escrito em
uma linguagem acessível, o texto pode atingir um público mais amplo. Alguns
aspectos também podem ser úteis para a construção de uma ideologia por
um grupo étnico específico naquele momento histórico, enquanto outros
aspectos podem ser ignorados. Alternativamente, as ideias podem ser
absorvidas muito mais tarde. A seletividade também pode ser encontrada no
uso que o texto é dado pelos representantes majoritários do Estado.

3 Influência nomeada, mas não intencional


Isso diz respeito à influência das ideias do intelectual em contextos
totalmente não intencionais e possivelmente distorcidos. A leitura e o uso do
texto podem ter efeito contrário ao imaginado pelo autor. Aqui a morte do
autor pós-modernista e suas intenções têm relevância. Normalmente o
contexto está além da disciplina acadêmica e ainda assim os textos dão
autoridade justamente porque são nomeados individualmente. As ideias
podem revelar-se inesperadamente convenientes para outro grupo ao qual o
intelectual não se dirigiu diretamente, por exemplo, neste caso, os Viajantes
da Nova Era.
226 Judith Okely

4 Política conselheiro
Uma outra categoria de influência é quando um intelectual ou acadêmico
atua como pesquisador de políticas ou até mesmo como conselheiro político.
Em geral, o consultor de políticas é obrigado a abordar os tomadores de
decisão dominantes dentro de procedimentos pré-estabelecidos e muitas
vezes limitados. A interpretação de suas ideias pode acabar de uma forma
diferente.
É essa categoria de influência que é mais vulnerável aos interesses
imediatamente reconhecidos da sociedade "política" de Gramsci,
especialmente na Grã-Bretanha. Nas décadas de 1960 e 1970, havia uma
prática estabelecida no governo de consulta a intelectuais ou 'os grandes e os
bons'. Meu exemplo dos ciganos neste capítulo registra várias consultas não
governamentais durante a formulação de políticas. O contexto histórico
agora mudou. Nas décadas de 1980 e 1990, as Comissões Reais quase
desapareceram. O grande e o bom são ignorados, e quase três décadas de
políticas liberais em relação aos ciganos foram completamente revertidas.

5 Ativista
O intelectual pode ter influência como ativista. Idealmente, o intelectual deve
estar em condições de combinar teoria e prática. Ao mesmo tempo, o
intelectual-ativista se vale de habilidades especiais como base de
conhecimento para a ação. O ativista pode tentar efetuar mudanças por
meios extraparlamentares. Alguns indivíduos são iniciadores carismáticos.
Aqui os meios de comunicação de massa podem ser explorados. Novamente,
o contexto histórico e cultural é relevante. Enquanto na Inglaterra, se não na
Grã-Bretanha, o intelectual tem uma posição um tanto subjugada e até
mesmo denegrida na estrutura de poder, na França existe um enorme
respeito pelos intelectuais além dos portais acadêmicos (Gramsci 1971: 18;
Sartre 1978).

6 O intelectual Como insider ou estranho


A identidade étnica do intelectual é muito relevante. A noção bastante flexível
de Gramsci do intelectual orgânico é mais apropriada (1971). Para o
intelectual, seja como especialista acadêmico, autor, conselheiro político ou
ativista, pertencer a um grupo étnico é capital cultural em uma luta de
representação. Os intelectuais como membros de um grupo étnico podem ser
encontrados em cada uma das categorias 2 a 5 ou todas simultaneamente.
Intelectuais de fora, simpatizantes ou antagônicos ao grupo étnico, têm
influência variada na representação da etnia. Há também representações de
indivíduos alegando pertencimento fictício ao grupo étnico (Liégeois 1976).

Examinarei a gama de influências e posições possíveis para o intelectual em


relação às representações ideológicas e políticas de um
Consequências das teorias da etnia cigana 227

minoria relativamente impotente, os ciganos. As ideologias da etnia cigana


mudaram, se cruzaram ou entraram em conflito de acordo com o momento
histórico. Baseio-me principalmente na minha experiência multifacetada de
envolvimento com ciganos, intervenções não ciganas e pesquisa
antropológica durante um período de vinte e cinco anos. As leituras seletivas
de meus próprios textos por outros e suas influências fazem parte da
etnografia deste capítulo.

TEORIAS DE ORIGEM: DESPERSONALIZADAS


OU AUTORIZADAS INDIVIDUALMENTE
À luz da primeira e da segunda categorias de influência, considerarei os
efeitos mais gerais de teorias sociais não específicas sobre o grupo. Em
outro lugar (Okely 1983, 1984), esbocei como os ciganos foram registrados
pela primeira vez como "egípcios" na Grã-Bretanha em 1505 e sob outros
rótulos na Europa. No século XIX, etimologistas e estudiosos começaram a
documentar dialetos e 'línguas' romani ou 'ciganos'. Conexões estreitas
foram feitas com um sânscrito pré 1000 dC. Essas descobertas foram então
combinadas com teorias difusionistas da cultura. Os ciganos forneceram um
estudo de caso perfeito: todas as semelhanças entre esses grupos foram
explicadas pela migração da Índia; o berço ariano. Convinha aos indianistas
privilegiar uma explicação migratória linear para alguns elementos
linguísticos, mas não para os vocabulários e línguas europeus encontrados
entre os ciganos. Essas teorias permaneceram influentes sem levar em
conta as teorias concorrentes das ciências sociais. Autores nomeados são
menos frequentemente referidos.
As teorias especulativas tornaram-se "fatos" endurecidos.
Há atrações poderosas nesses mitos de origem. Isso é menos um
orientalismo (Said 1978), mas mais uma 'orientalização' dos ocidentais. É
paradoxal que os ciganos se tornassem aceitáveis para alguns apenas se
pudessem ser reificados como "o outro" de fora do Ocidente. Essa reificação
teve algumas consequências incapacitantes para aqueles assim classificados,
embora às vezes o exotismo tenha sido percebido como uma forma de
aprovação romântica. As ideologias da 'raça' indiana têm sido usadas para
destacar uns poucos míticos aceitáveis ou extintos. Nisso, intelectuais não
ciganos e 'cavalheiros estudiosos' tiveram influência (Okely 1983).
Uma contra-teoria ao indianismo pode ser vista como um exemplo da
segunda e terceira categorias de influência, respectivamente. Como
antropólogo cético, em minha monografia The Traveler-Gypsies (1983) e em
1984, questionei a única origem indiana e a migração linear como explicação
suficiente para a primeira 'aparição' dos ciganos na Europa. Sugeri que não é
por acaso que sua visibilidade surgiu com o colapso do feudalismo, quando
uma multiplicidade de pessoas foi lançada no mercado. Embora tais teorias
tenham sido absorvidas aparentemente sem grande controvérsia dentro da
disciplina de antropologia social, elas foram ignoradas por um gênero de
gipsiólogos ou erroneamente interpretadas como uma teoria ideológica.
228 Judith Okely

de (construção) de um grupo étnico. Alternativamente, minha contra-teoria


foi bem recebida pelos representantes escoceses, irlandeses (Okely 1994) e
New Age Traveler.
Durante meus anos de trabalho de campo entre os ciganos na Inglaterra,
a ascendência indiana nunca foi reivindicada nem nunca foi objeto de
discussão. Os ciganos às vezes com genuína curiosidade intelectual me
perguntavam, como um especialista acadêmico, de onde eles tinham vindo.
As discussões abordaram amplas questões filosóficas.
Uma noite, vários Viajantes no meu trailer me perguntaram de onde os
seres humanos tinham vindo. Quando esbocei a teoria da origem indiana
para os ciganos, uma cigana zombou do marido: "Seu índio, você!" Era mais
provável que ela estivesse acrescentando uma camada cultural de caubóis e
índios americanos do que o subcontinente à piada.

REPRESENTANTES E ATIVISTAS FICTIVOS


Embora os intelectuais possam ser não alfabetizados, no caso dos ciganos
ainda há relativamente poucos exemplos de membros étnicos individuais do
grupo que são identificados como intelectuais alfabetizados. Um dos
principais motivos é a história dos ciganos como um povo não alfabetizado.
Assim, o acesso direto dos ciganos às ideias emanadas de textos acadêmicos
pode ser ainda mais distorcido do que o de uma população alfabetizada. A
outra explicação importante é o estigma associado à ascendência cigana
entre os indivíduos que optaram por trabalhar e viver em um ambiente
predominantemente não cigano. Há, no entanto, momentos históricos em
que é relativamente seguro ou mesmo vantajoso reconhecer a ascendência e
a identidade cigana. Isso ocorreu desde a década de 1970 no Ocidente e na
década de 1990 na Europa Oriental (Beck 1993).
Na década de 1970, durante meu trabalho de campo inicial e principal,
havia muito poucos representantes políticos ciganos, muito menos
intelectuais alfabetizados na Grã-Bretanha que operavam em círculos
políticos não ciganos (gorgio). (Gorgio é o rótulo pejorativo dado pelos
ciganos aos não-ciganos.) Os ciganos na Grã-Bretanha, de qualquer forma,
não reconhecem 'líderes', embora vejam a utilidade em circunstâncias
relevantes de intermediários e negociadores com autoridades de gorgio
(Okely 1983). No entanto, houve por um tempo o curioso fenômeno de um
ou dois gorgios intelectuais-ativistas que assumiram uma identidade étnica
e ancestralidade fictícia cigana. A suposta pertença ao grupo serviu tanto
para dar autenticidade à sua escrita quanto à sua participação política em
nome dos ciganos.
Aqui está um exemplo do membro fictício como ativista e intelectual
(categorias 5 e 6). Após a Lei de Locais de Caravanas de 1960 na Inglaterra e
no País de Gales, as autoridades locais fecharam muitos acampamentos
administrados por ciganos. Onde quer que os Ciganos ou Viajantes se
deslocassem, eles se deparavam com maior visibilidade e aumento dos
despejos. Gratton Puxon, um gorgio de origem inglesa de classe média, que
conheceu ciganos quando viajava
Consequências das teorias da etnia cigana 229

no exterior, tornou-se um importante ativista. Ele encorajou a resistência não


violenta aos despejos e informou a imprensa com antecedência. No início da
década de 1960, ele se tornou o secretário do Conselho Cigano, que incluía
oficiais ciganos e gorgio. Tanto o Conselho Cigano quanto o próprio Puxon
chamaram a atenção da mídia e tornaram os despejos mais controversos. Na
imaginação pública do gorgio, Puxon era frequentemente visto como o único
representante cigano dos ciganos. No entanto, no meu trabalho de campo
descobri que alguns ciganos não faziam ideia da sua existência. Outros foram
muito ambivalentes sobre suas táticas, pois os Viajantes se tornaram
vulneráveis a multas mais punitivas, prisão e maior visibilidade para a
polícia. Um disse: 'Está tudo bem esses gorgios se deitando na frente dos
motores, mas no final somos nós que ficamos na beira da estrada para pagar
as multas'.
O Conselho Cigano foi reconhecido nas negociações com o governo central,
que até então respondia quase exclusivamente às representações de
moradores anti-ciganos e conselhos locais. Eventualmente, a benção mista da
Lei de Locais de Caravanas de 1968 foi aprovada. Isso obrigou as autoridades
locais a fornecer locais em troca de poderes draconianos para remover os
ciganos remanescentes de localidades 'designadas'.
Quando Puxon estava no exterior, o Departamento do Meio Ambiente
convenceu o Conselho Cigano, com toda a publicidade que o acompanhava, a
validar o primeiro conjunto de designações. Em seu retorno, Puxon repudiou
essa estratégia, mas o ímpeto político havia sido perdido. Ele e outro gorgio,
um linguista com uma tese de doutorado sobre os dialetos dos ciganos do
Leste Europeu, publicaram uma notável documentação dos séculos de
perseguição e genocídio nazista dos ciganos (Kenrick e Puxon 1972). Mais
especulativamente, os autores reiteraram a crença em uma origem indiana
linear e terminaram com uma afirmação utópica:

A atual onda no mundo cigano será em breve uma revolução…. A


mensagem penetrou, particularmente para uma juventude inquieta, que
estamos em uma época de turbulência racial e nacionalismo ressurgente.
Está claro para os ciganos de hoje... que, embora sejam os primeiros
negros da Europa, eles são os últimos a elevar seu padrão e buscar a
emancipação.
(Ibid.: 210.214)

Na versão alterada de 1995, toda essa retórica foi apagada do texto. Uma
validação textual de Puxon como 'líder' cigano existe na monografia de
doutorado do sociólogo Thomas Acton (1974). Embora contenha excelentes
relatos históricos dos ciganos e das políticas estatais, quando o autor
considera a década de 1960, houve uma tentativa no texto de influenciar os
eventos subsequentes, inflando o papel do indivíduo gorgio como líder
cigano de uma organização internacional de massas (comunicação pessoal
Acton) . Pelo menos uma revisão em uma revista de ciências sociais aceita
essas afirmações de forma acrítica.
230 Judith Okely

Puxon apareceu na televisão usando um lenço, a insígnia do folclorista de


um cigano 'verdadeiro', falando do 'meu povo'. Os ciganos que encontrei que
o conheciam sempre o descreviam como um gorgio. Certamente, a mídia de
massa o apresentou como um cigano, e nisso meus co-autores e eu fomos
convidados a cooperar. Um gorgio associado de Puxon e o leitor da editora
do Gypsies and Government Policy in England (Adams et al. 1975)
autorizados conjuntamente (Adams et al. 1975) solicitou, sem sucesso, que
redescrevêssemos Puxon como cigano. Como filho de um corretor de imóveis
em escola pública, ele não tinha vínculos de parentesco cigano, exceto que
havia se casado recentemente com uma cigana da Iugoslávia. Chamá-lo de
cigano não seria compatível nem com os próprios critérios dos ciganos nem
com os da sociedade em geral, embora fosse politicamente conveniente com
os funcionários de Gorgio. Puxon sempre foi mais bem-sucedido, e de fato
brilhante, como intermediário em relação à sociedade dominante do que
como líder indígena em busca de reconhecimento por ciganos e viajantes. De
qualquer forma, desde a década de 1980, ele cortou os laços com os ciganos
e atualmente é descrito como tendo "retornado ao jornalismo em tempo
integral" (Kenrick e Puxon 1995: frontispício).

NACIONALISMO TERRITORIAL
Nas décadas de 1960 e 1970, os ativistas pró-ciganos do gorgio, como os
ciganos antes e depois, experimentaram táticas de acerto e erro, diferentes
identidades e estratégias. Inspirado pelo movimento Black Power e pelas
lutas de independência anticoloniais da década de 1970, houve uma conversa
considerável, principalmente entre os ativistas do gorgio, do "nacionalismo"
cigano (Kenrick e Puxon 1972; Acton 1974). Havia ambiguidade sobre se esse
nacionalismo também abraçava um território e um estado-nação separados
(Acton 1974: 233-4), especialmente porque os ciganos têm uma economia
interdependente com a dos não-ciganos sedentários. Vários gorgios e figuras
de proa da mídia cigana, incluindo Puxon, defenderam uma pátria cigana
chamada Romanestão. Dado o relativo silêncio sobre o assunto entre a massa
de ciganos, isso foi, com efeito, a imposição etnocêntrica de um modelo
sedentário sobre um povo tradicionalmente nômade. Nem outra fatia da
Palestina nem da Índia foram sugeridas, mas sim a Macedônia. Brian Raywid,
um gorgio que havia compartilhado a vida na estrada com os ciganos
(1964,1966), escreveu-me no início dos anos 1980 com considerável
previsão:

Não vejo sentido nem mesmo no conceito mítico de um estado cigano. Isso
destruiria os ciganos. E o local 'escolhido' (que tipo de gorgios visionário
para fazer isso em nome dos ciganos) é a Macedônia, uma província
federada da Iugoslávia e com uma mistura de nacionalidades voláteis,
inclusive os albaneses. É de se admirar que a superfície da lua não tenha
sido sugerida como mais prática e hospitaleira.
(Comunicação pessoal 1983)
Consequências das teorias da etnia cigana 231

Mais tarde, ele lembrou como havia discussões entre os gorgioassociates


ingleses sobre qual deles deveria ser o primeiro presidente ou primeiro-
ministro dessa utopia romena macedônia.
Outra estratégia política foi o Congresso Mundial Romani que provou ser
útil a longo prazo com a UNESCO, mas no início estava imbuído de armadilhas
nacionalistas. Aqui, organizações vagamente formadas se reuniram sob o
rótulo em 1971 (com Puxon como secretário) para uma reunião em Londres,
seguida de um festival em Hampstead Heath. Puxon, conforme registrado por
Acton, "adaptou livremente as palavras de Stokeley Carmichael, para dizer
'elevar o padrão do nacionalismo rom é como gritar de repente um segredo
em uma sala lotada'" (1974: 235). Os ciganos foram presenteados com um
hino nacional e uma bandeira. No entanto, o romancista cigano francês,
Mateo Maximoff, expressou a opinião de que os ciganos não queriam nem
precisavam de um estado-nação. O problema foi posteriormente resolvido
por Puxon "e outros militantes da Europa Ocidental [sic]", sugerindo que
"devemos criar o Romanestão em nossos corações" (ibid.: 234). Acton, o
sociólogo não cigano, expressou recentemente um ceticismo mais
pronunciado em relação ao Romanestão (Acton e Gheorghe 1993: 13), mas
não reconhece que gorgio 'líderes' ou 'militantes' foram alguns dos principais
instigadores da noção de um pátria. A maioria dos ciganos nunca se
convenceu, mesmo no sentido mais vago. A própria pesquisa de Acton
confirmou isso tacitamente no auge do suposto movimento revolucionário:
"Os mil e mais chefes de família que pagaram suas assinaturas ao Conselho
Cigano não são nacionalistas" (1974: 235). recentemente expressou um
ceticismo mais pronunciado em relação ao Romanestão (Acton e Gheorghe
1993: 13), mas não reconhece que gorgio 'líderes' ou 'militantes' foram
alguns dos principais instigadores da noção de pátria. A maioria dos ciganos
nunca se convenceu, mesmo no sentido mais vago. A própria pesquisa de
Acton confirmou isso tacitamente no auge do suposto movimento
revolucionário: "Os mil e mais chefes de família que pagaram suas
assinaturas ao Conselho Cigano não são nacionalistas" (1974: 235).
recentemente expressou um ceticismo mais pronunciado em relação ao
Romanestão (Acton e Gheorghe 1993: 13), mas não reconhece que gorgio
'líderes' ou 'militantes' foram alguns dos principais instigadores da noção de
pátria. A maioria dos ciganos nunca se convenceu, mesmo no sentido mais
vago. A própria pesquisa de Acton confirmou isso tacitamente no auge do
suposto movimento revolucionário: "Os mil e mais chefes de família que
pagaram suas assinaturas ao Conselho Cigano não são nacionalistas" (1974:
235).
Escrevendo para mim em 1993, uma década depois de seu ceticismo
anterior, Brian Raywid comentou:

Pelo menos um ponto, no entanto, parece ter se tornado mais relevante do


que menos relevante. Essa é minha referência à Macedônia. Entre cerca de
1968 e o início da década de 1980 existia uma ideia utópica em certos
bairros de que a Macedônia deveria se tornar um estado cigano…. Mesmo
quando a ideia foi debatida pela primeira vez, parecia-me uma receita para
o desastre, dados os fatos óbvios, claros mesmo então, como a
inadequação de um estado cigano e a inadequação da Macedônia de
qualquer maneira. Para salvar a cara, aqueles que uma vez propagaram
essa ideia, agora afirmam que nunca a quiseram literalmente.

A curiosidade é que intelectuais e ativistas gorgios com credenciais


acadêmicas deveriam ter sido os grandes instigadores dessa fantasia política
imposta aos 'seus' outros povos. Os ciganos raramente respondiam ao
simbolismo das bandeiras e hinos nacionais, enquanto uma ideologia do
nacionalismo permanecia infundada em qualquer realidade material, muito
menos em qualquer desejo de pátria. Misericordiosamente para a Macedônia,
e sem dúvida para os ciganos, a representação do nacionalismo cigano como
uma demanda por um estado-nação cigano não conseguiu avançar. Na
década de 1990, os ciganos da Macedônia, como muitos na
232 Judith Okely

A Romênia, iniciou uma estratégia usada séculos antes, registrando-se como


'egípcios' nos relatórios do censo, reivindicando assim os direitos das
minorias, mas por meio de uma origem não indiana

Às vezes, os líderes fictícios do Gorgio pareciam estar jogando um jogo de


soldadinhos de chumbo escolares, com delírios de grandeza quase
colonialistas. Já em 1965, Puxon, um inglês entre os Viajantes na Irlanda,
referia-se a 'Meu povo, as famílias na estrada e seus amigos na comunidade
assentada'. Descrevendo-se como 'Inimigo Número Um', ele escreveu: 'nós
temos lutado como os rebeldes distintamente fora do 'Estabelecimento''.
Mudanças em suas estratégias (desarmadas) foram metamorfoseadas como
um 'cessar-fogo' (Acton 1974: 158). Coerentes com seus modelos
masculinistas de um movimento social ou mesmo de um grupo étnico, tanto
Puxon quanto Acton vislumbravam apenas os homens como representantes
políticos e mediadores ciganos (Acton 1974: 159, 235), apesar do emergente
movimento de libertação das mulheres. O papel político de longa data das
mulheres ciganas (Okely 1975a, 1996) foi androcentricamente mantido fora
da agenda revolucionária. Desde a década de 1990, em toda a Europa a
visibilidade política e as iniciativas das mulheres ciganas têm sido
reconhecidas de forma mais satisfatória
No entanto, na década de 1970, o modelo gorgio para a resistência cigana
não era apenas masculinista, mas também fantasiado como guerrilha. Por
exemplo, fui repreendido por um gorgio 'nacionalista pró-cigano' por fazer
parte do 'establishment' porque eu não estava 'levando metralhadoras para
um acampamento cigano'. Minha resposta foi que os ciganos eram
politicamente sofisticados demais para precisar do conselho de uma ingênua
jovem gorgio. Além disso, os ciganos desenvolveram seus próprios meios de
resistência que eram menos contraproducentes do que aqueles que
provocaram o trágico massacre dos Panteras Negras. Então eu perdi minha
chance de me tornar a Patty Hearst da antropologia

CIGANO EM DISPUTA COM REPRESENTANTES FICTIVOS


Em outro exemplo da construção do nacionalismo cigano por aspirantes a
ciganos ou ativistas não ciganos, os ciganos optaram por assumir sua própria
representação na mídia e em oposição à dos representantes do gorgio. Em
meados da década de 1970, Puxon e o Conselho Cigano conseguiram uma
vaga no programa de ação comunitária da TV BBC, Open Door. Em um sítio
cigano, um estrado elevado foi criado na traseira de um caminhão no qual
estavam vários 'líderes', incluindo Puxon e Vanko Rouda, um cigano-gorgio
baseado na Bélgica (Liégeois 1976: 158). Discursos foram feitos do caminhão
que foi colocado em primeiro plano por uma pequena multidão de ciganos
visíveis apenas como silhuetas de espectadores. Os autoproclamados
dignitários presenteavam uns aos outros com ferraduras de prata para
'serviços aos ciganos'. Em seguida, um 'Hino Nacional Cigano' foi distribuído
em folhetos impressos para a multidão abaixo, que incluiu assistentes sociais
e apoiadores de Gorgio. Estes últimos, que foram em grande parte os únicos
Consequências das teorias da etnia cigana 233

pessoas que sabiam ler, lideravam o canto desigual. Se o hinose tivesse sido
importante para os ciganos, eles a teriam cantado de memória.
Esta cena foi assistida por representantes ciganos, também filmada ao
vivo em estúdio. Após a cerimônia do acampamento, Tommy Doherty, um
viajante irlandês, declarou à câmera que a BBC havia sido "enganada". Ele e
outros ciganos saíram, deixando apenas um gorgio gypsiologist para trás.
Como em 1971, os ciganos rejeitaram as armadilhas cerimoniais do
nacionalismo fantasma.

INTERNACIONALISMO E DIREITOS COMO MINORIA


Com uma mudança na ideologia política na década de 1980 e ainda mais na
década de 1990, tornou-se politicamente mais conveniente para os ciganos
defender o status de minoria étnica com direitos humanos internacionais. A
ligação com a ONU foi outra das estratégias anteriores. Neste caso, teve
relativo sucesso. Enquanto isso dependia do reconhecimento da maior
organização internacional do gorgio, as estratégias nacionalistas dependiam
de uma consolidação unilateral e impraticável entre os ciganos.
Assim, a ideologia da etnicidade e dos direitos das minorias provou ser
mais eficaz tanto entre os ciganos como entre as organizações não ciganas do
que a do nacionalismo cigano. As Nações Unidas e, em certa medida, a UE, são
órgãos úteis aos quais se pode apelar por cima de governos nacionais
específicos. Mas a forma como a etnicidade foi definida e legitimada, sem
dúvida por influências acadêmicas anteriores, tem repercussões para os
grupos envolvidos. Aqui, o reconhecimento de minorias étnicas ainda parece
repousar em uma migração estrangeira unilinear e que privilegia um
território original. Então, novamente a origem indiana tem quilometragem
política. As teorias de raça do século XIX, combinadas com lugar, mantêm sua
influência nas ideologias dominantes dos Estados. Indígena, A ancestralidade
europeia não é vista como um caminho politicamente útil para o
reconhecimento dos direitos autônomos dos ciganos. Essa exclusão de
múltiplas histórias por uma 'alteração' geográfica simultaneamente rebaixa
a identidade e os direitos potenciais daqueles grupos de viajantes que não
reivindicam nem recebem ascendência estrangeira.

A TEORIA DA AUTO-ATRIBUIÇÃO
Uma rota alternativa para o status étnico havia sido fornecida por Barth
(1969), cuja noção de 'auto-atribuição' era útil não apenas em nível
individual, mas também como uma forma de considerar o que os próprios
ciganos escolhiam como marcadores significativos para pertencimento a um
grupo. O texto de Barth ofereceu um caminho para combinar perspectivas de
fora e de dentro. Esta foi uma forma sucinta de ter que definir um grupo
étnico por 'traços' externos e fixos, incluindo a origem geográfica. Até então,
os etimologistas e linguistas definiram principalmente os ciganos "reais" pela
medida em que se dizia que eles usavam uma forma
234 Judith Okely

da língua romani. Esses estudiosos e outros também confundiram noções


biológicas de raça com classificações arbitrárias de fisionomia e até de
"comportamento" (Okely 1975b).
Embora Barth tenha sido criticado por se concentrar nos limites e não no
que eles continham, na década de 1970 fui além da sugestão de que a
autoatribuição era uma decisão individualista flutuante, mas vi que, em vez
disso, poderia incluir o conteúdo, ou qualquer que seja o grupo. próprio
atribuído como significativo por sua identidade, cultura ou prática (ver
Cheater e Hopa, Capítulo 13 deste volume). Entre um dos princípios
"primários" que Barth implicitamente parecia sugerir que os próprios grupos
poderiam usar para inclusão e exclusão estava o da descendência. Rehfisch,
que fez o primeiro estudo de campo antropológico dos ciganos na Escócia e
na Grã-Bretanha (1958), sugeriu que um cigano poderia reivindicar a adesão
se ele ou ela tivesse pelo menos um pai cigano. Aqui o princípio da descida
operou de maneira flexível

CONSELHEIRO DE POLÍTICAS E ESPECIALISTA


A discussão do texto e dos conceitos de Barth apresenta um exemplo da
quarta categoria na qual o acadêmico pode ser chamado como conselheiro de
política. Dependendo da natureza desse conselho e do clima político, o
membro acadêmico, intelectual e/ou representante pode influenciar a
política governamental. Como no caso do ativista carismático, as condições
devem estar maduras tanto para que o intelectual seja consultado quanto
para que esse conhecimento seja acatado. O próprio termo “testemunha
especializada” é hegemonicamente carregado. Nos centros de poder, carrega
consigo a noção de saber desapegado e de neutralidade política. Presume
também que outros leigos, incluindo membros comuns de um grupo étnico,
não são eles próprios testemunhas especializadas
No projeto de orientação política da década de 1970, no qual fui
inicialmenteenvolvidos, pude usar algumas das sugestões de Barth para
defender o reconhecimento dos ciganos como um grupo étnico (Okely
1975b). Ao contrário de tantas outras minorias, eles não podiam apelar para
um local de origem recente e distante como marcador. Nem eles poderiam se
chamar de 'negros' e então estar em posição de usar a Lei de Relações Raciais
(pace Kenrick e Puxon 1972). A publicação do nosso livro (Adams, Okely et
al. 1975) mostrou-se oportuna para o consultor governamental
independente, John Cripps (1976). Mostrou não apenas a identidade dos
ciganos como grupo étnico, mas também a viabilidade de sua economia
flexível
Sob um governo trabalhista e ainda em um clima semiliberal pós-1960,
houve uma maior abertura para as minorias. O inquérito Cripps, iniciado pelo
governo, entrevistou representantes e simpatizantes ciganos em todo o país.
Considerando que a Lei de Locais de Caravanas de 1968 havia assumido a
suposição secreta de que os ciganos deveriam ser sedentários e assimilados
por meio de provisão oficial de sites, em contraste, a
Consequências das teorias da etnia cigana 235

relatório reconheceu inequivocamente os direitos dos ciganos de


permanecerem nômades. Uma frase chave foi: "Os secretários de Estado
agora não querem negar aos ciganos [sic] uma existência nômade" (1976: 7).
Além disso, sua identidade como grupo étnico foi reconhecida. Cripps
introduziu o conceito de 'auto-atribuição' como um meio de contornar todas
as confusões de quem era um 'verdadeiro' cigano. Grande parte do relatório
era um plágio lisonjeiro de nosso livro, mas com um reconhecimento geral
no frontispício. No entanto, de acordo com o estilo pouco erudito dos textos
governamentais e jornalísticos, não havia bibliografia nem sistema de
referência, de modo que não se deu o devido crédito a Barth — exemplo da
primeira categoria de influência onde não há teóricos específicos. mais
nomeada.
Apesar das contribuições acadêmicas e outras à política da década de
1970, a postura não assimilacionista foi revertida pelo governo conservador
na década de 1990. A Lei de Justiça Criminal de 1994 aboliu a obrigatoriedade
da provisão oficial de sítios e qualquer consideração especial de
planejamento para sítios privados ciganos. O objetivo a longo prazo é
inequivocamente o assentamento e habitação dos ciganos. Todas as
sugestões de Cripps, outras pesquisas acadêmicas simpatizantes dos ciganos
e das delegações ciganas foram ignoradas. Assim, a influência do intelectual
sobre as ideologias da etnicidade na esfera política estatal é muitas vezes
frágil, dependente da aprovação hegemônica.

LEGISLAÇÃO DAS RELAÇÕES RACIAIS E O ACADÊMICO


COMO TESTEMUNHA ESPECIALIZADA
Em alguns casos, o cientista social pode ser chamado como testemunha
especializada, seja para defender ou contestar a discriminação. Coerente com
a categoria 4, neste caso a expertise do intelectual está institucionalizada no
direito da sociedade dominante. Embora o Relatório Cripps pudesse ser visto
como uma influência positiva, os ciganos permaneceram vulneráveis à
discriminação racista, desde que não houvesse decisão judicial definindo-os
como grupo étnico. Até então, um cigano tinha sido definido como uma
pessoa de 'sem residência fixa', então não podia reclamar de discriminação
sob a Lei de Relações Raciais de 1976. Em 1988, foi-me enviada uma carta do
Oxford Institute of Social Anthropology. Alguns advogados locais estavam
tentando defender um Clube de Trabalhadores Irlandeses que havia
recusado a entrada de alguns Viajantes. Eles procuraram uma testemunha
especializada:

o Autor deve estabelecer que foi tratado menos favoravelmente do que


outros por motivos raciais ou em virtude de seu agrupamento racial. O
demandante,… tenta reivindicar a proteção da Lei com base em sua
origem étnica, dizendo que um Cigano ou Viajante é membro de um
grupo étnico…. Você apreciará que o especialista que estamos
procurando seriaaquele que poderia provar que os Viajantes ou Ciganos
não são membros [sic] de um grupo racial ou étnico.
(Ferguson Bricknell & Co. 1988)
236 Judith Okely

A carta assume que os antropólogos são os especialistas em 'agrupamento


racial' e que podem ser invocados para testemunhar contra um membro de
uma minoria que alega discriminação. Escusado será dizer que não
acompanhei o assunto. Não foi possível localizar o queixoso e oferecer-lhe os
meus serviços. Mais tarde, descobri que as partes se estabeleceram fora do
tribunal e que um viajante ficou vários milhares de libras mais rico e que um
colega antropólogo Sinéad ni Shuineer havia atuado como testemunha
especializada em seu nome.
Um exemplo da categoria 3, onde a influência das teorias do intelectual é
involuntária e totalmente distorcida, ocorreu naquele mesmo ano em
Londres. Em uma acusação de um pub que exibia uma placa de "Proibido
Viajantes", ouvi para meu horror que a defesa havia citado, sem consulta,
linhas de minha monografia de 1983. Os excertos referiam-se à minha crítica
a um modelo puramente biológico ou "racial" para um grupo étnico. O juiz
estava fixado no modelo biológico para um grupo racial. Após um recurso, o
veredicto incontestado foi que os ciganos, mas não os viajantes, eram um
grupo étnico. Em alguns círculos de gipsiologistas de Gorgio, alegava-se que
meu questionamento de uma única origem indiana convidava à
discriminação, porque os ciganos não podiam ser definidos pela
estrangeirice.
Em 1993, pediram-me para atuar como 'testemunha especializada' em um
caso na Escócia, onde um viajante reclamou de discriminação racial depois
de ter recusado uma bebida em um hotel. A Comissão para a Igualdade Racial
me pediu para provar que os viajantes escoceses são um grupo étnico (Okely
1984, 1994). Mais uma vez, a 'auto-atribuição' e o 'princípio de descendência'
de Barth foram relevantes. Dado que tradicionalmente nem os viajantes
escoceses e irlandeses, nem os gorgio gypsiologists apresentaram uma
origem indiana para esses grupos, qualquer reivindicação internacional de
reconhecimento étnico para todos os ciganos por esses motivos teria
funcionado contra eles. O Viajante, compreensivelmente, fez um acordo fora
do tribunal. Lamentavelmente, a chance de estabelecer um precedente foi
perdida.

INTELECTUAIS E ATIVISTAS CIGANOS DENTRO COMO


REPRESENTANTES
Os exemplos a seguir se encaixam nas minhas quinta e sexta categorias de
influência descritas acima; o intelectual como membro e ativista do grupo
étnico. Esses intelectuais ciganos também ilustram as diferentes posições
ideológicas disponíveis em relação à origem histórica mítica ou
aparentemente comprovada empiricamente dos ciganos. Dado o privilégio
do exotismo no discurso e nas instituições do gorgio, a(s) origem(s) 'índia'
dos ciganos continua(m) a ser debatida como parte de sua carta mítica de
autenticidade. Dois desses acadêmicos ciganos surgiram durante a década de
1980 na Europa e nos EUA. O terceiro, um viajante escocês, tornou-se
proeminente no início dos anos 1990.
Ian Hancock, agora professor de linguística na Universidade do Texas,
também é um ativista político. Ele chamou incansavelmente a atenção para o
anti-cigano
Consequências das teorias da etnia cigana 237

legislação e deturpação da mídia. The Pariah Syndrome (1987) é sua visão


geral da história dos ciganos. Formado na School of Oriental and African
Studies, em Londres, como linguista e não como cientista social, é
profundamente influenciado pelas teorias difusionistas e etimológicas dos
não ciganos, que autenticam os ciganos como migrantes indianos.
Até recentemente, Hancock era o representante dos Estados Unidos para
a União Romani Internacional na UNESCO. O reconhecimento dos direitos
dos ciganos dentro de certas organizações da ONU, incluindo a UNESCO, foi
alcançado em parte por causa da origem indiana declarada dos Rom ou
Ciganos em todo o Ocidente. A presença de Ian Hancock como um orador
direto e brilhante em conferências acadêmicas ou políticas internacionais
tem uma poderosa influência nas percepções de seu público e incentiva a
concessão de espaço ideológico para os ciganos como um grupo perseguido
com reivindicações válidas de direitos humanos.
Nicolae Gheorghe, ex-vice-presidente da União Romani Internacional, é
um sociólogo romeno da Universidade de Bucareste. Tal como acontece com
vários ciganos na Europa Oriental, durante muito tempo foi mais seguro para
ele passar por não cigano. Desde 1989, alguns acadêmicos se sentiram
encorajados a revelar suas conexões ciganas (Beck 1993). Na Romênia, em
contraste com os ciganos na Grã-Bretanha, há vários ciganos alfabetizados
com maior acesso a ideologias textualmente construídas.
Gheorghe colaborou em pesquisa e publicação com o antropólogo
americano Sam Beck e, em contraste com Hancock, sugeriu uma origem
indígena para um grupo de ciganos romenos (Beck e Gheorghe 1981: 19).
Posteriormente, em um seminário em 1993, e com ironia, ele descreveu com
aprovação como um ou dois "reis" ciganos romenos, na década de 1990,
fizeram viagens bem publicadas à Índia, sua "pátria". Esses reis foram
recebidos por oficiais indianos de alto escalão, validando ainda mais seu
status não europeu e exótico. Gheorghe, com o escrutínio de um cientista
social, apresentou esses desenvolvimentos como poderosamente simbólicos
e a serem explorados, independentemente do ceticismo dele ou de outros
(Liégeois 1976).
Por outro lado, Hancock descreveu sua própria visita à Índia como uma
fonte de sentimentos de que ele pertencia lá. Ele disse que sabia, em algum
sentido místico profundo, que era de lá que seus ancestrais ciganos vinham.
A descrição de sua experiência foi parte de seu discurso plenário de 1990 em
uma conferência internacional na Universidade de Leiden. Foi oferecido
como prova da teoria migratória que se tornou parte da construção
ideológica dos ciganos para alguns ciganos e gorgios no Ocidente.
Ninguém está em posição de negar a experiência de outra pessoa de
emoções específicas e conhecimento interior. A identidade pública de
Hancock como cigana traz uma dimensão experiencial adicional a um debate
acadêmico. Ele exclui qualquer teoria alternativa sobre as origens históricas
dos ciganos. Sua crença torna-se um fato social, como Gheorghe
reconheceria, e pode influenciar tanto as ideologias étnicas gorgio quanto
ciganas.
238 Judith Okely

O terceiro exemplo de um intelectual cigano é Willie Reid, um viajante


escocês que frequentou a Universidade de Stirling. Em 1993, ele e outros
viajantes formaram uma organização política para os viajantes escoceses. Na
primeira reunião, eles decidiram incorporar o rótulo 'Gypsy', bem como
Traveler no título. Uma das principais razões para isso foi a aparente
necessidade de se diferenciar dos Viajantes da Nova Era. Reid declarou:
'Fomos roubados da palavra Viajante pelos Viajantes da Nova Era.' O rótulo
'Viajante' usado por forasteiros havia sido usado anteriormente em contraste
com o então estigmatizado Tinker '. Havia também a sensação de que a
adoção do rótulo 'cigano' significava menos ambiguidade no reconhecimento
como 'um grupo étnico'. Esta última frase entrou agora na linguagem comum.
Na década de 1970 eu nunca ouvi isso em campo, mas, mais
significativamente, nunca entre os poucos ciganos que se moviam nos
círculos políticos públicos do gorgio. Novamente, este é um exemplo da
primeira categoria de influência acima.
O discurso do gipsiólogo de Gorgio não concedeu origem indiana aos
viajantes escoceses e irlandeses (Okely 1994). Reid apresenta uma nova
crítica daqueles que apresentaram origens variadas para os viajantes
escoceses, destacando as bênçãos misturadas dos revivalistas folclóricos
escoceses que tropeçaram nos viajantes na década de 1960. Canções,
histórias e danças de viajantes foram gravadas, mas depois apropriadas pelos
nacionalistas e folcloristas escoceses do gorgio que procuravam resquícios
do

'era pré-cristã'... 'alta sociedade celta'... o 'período neolítico', 'Cairds


caídos' e 'antigos contos de heróis ossiânicos' entre os Viajantes…. Ciganos
/ Viajantes… estavam mais do que dispostos a se vestir de tartan e fazer o
papel…. Tudo isso... apresentou uma imagem muito injusta... e distorcida.
Os viajantes eram vistos 'como selvagens nobres... cuja cultura e estilo
de vida eram estáticos.
(Reid 1993: 5)

Equilibrando a visão de um insider com a dos estudiosos de Gorgio, Reid


rejeita a sugestão de que os viajantes são os guardiões de uma cultura
exclusivamente escocesa. Ele argumenta que tal folclore pertence à
comunidade cigana/viajante, que transcende as fronteiras nacionais da
Escócia.
Em um workshop do ESRC em 1993, Reid sugeriu sua própria aceitação
da teoria de que um grupo étnico independente só poderia ser explicado pela
migração de outra localidade, e não pelo auto-recrutamento e autogeração
contínua. Ele se viu em desacordo com um cigano inglês e representante do
Conselho Cigano, que reiterou a teoria de que os ciganos ingleses vieram do
exterior, enquanto os ciganos escoceses eram principalmente descendentes
de grupos locais existentes. "Se os viajantes escoceses eram apenas grupos
indígenas", Reid perguntou ao cigano inglês, "por que eles queriam ser
distintos?" O cigano inglês contestou que seu grupo sempre
Consequências das teorias da etnia cigana 239

'casados entre si', enquanto os viajantes escoceses muitas vezes se casaram


com estranhos. Reid respondeu que os viajantes escoceses tendiam a se casar
com primos. Aqui estava outro critério para autenticidade ou diferença
baseado na extensão da endogamia do grupo. Anteriormente, esse debate
teria sido conduzido entre os estudiosos do gorgio usando a linguagem da
raça, sangue e pureza.
Havia principalmente gorgios; alguns acadêmicos, trabalhadores
comunitários, estudantes e acadêmicos de meio período neste workshop.
Mas o diálogo entre esses dois homens foi uma marca de tempos mudados.
Dois Viajantes que leram textos gorgio sobre seus grupos, agora como
membros autodenominados, estavam usando teorias de forasteiros, mas
testando-as em termos de suas próprias identidades e do contexto político
mais amplo no qual os Viajantes precisam sobreviver. A interação entre a
teoria histórica e acadêmica e o envolvimento pessoal dos dois debatedores
teve uma intensidade dramática que não pode ser comparada com, digamos,
uma discussão entre indivíduos de uma tradição letrada.

INTELECTUAIS DE FORA E TEORIAS EM CONFLITO


Os encontros na mesma oficina pareciam a princípio relativamente benignos.
Durante uma pausa na noite social, um Viajante da Nova Era estava apoiando
minha tese alternativa de que os Ciganos e Viajantes poderiam muito bem ter
sido gerados de dentro como de fora. Ele concordou com o colapso da tese do
feudalismo e o que ele chamou de minhas teorias explicativas principalmente
políticas e econômicas. Parecia que tais teorias poderiam ser interpretadas
como um guia textual para a construção da própria "etnia" dos Viajantes da
Nova Era. Eu disse que estava extremamente interessado em saber se os
Viajantes da Nova Era poderiam formar um grupo auto-reprodutivo, ou seja,
se a prole de tais Viajantes preferisse e escolhesse parceiros do grupo atual,
que atualmente consiste em pessoas, sem um princípio de descendência. Ele
olhou dramaticamente: "Posso dizer que já aconteceu." Isso foi
extremamente empolgante porque o surgimento dos Viajantes da Nova Era
poderia ser uma versão do final do século XX da consolidação dos ciganos na
história européia anterior. As consequências econômicas do thatcherismo
contribuíram para uma forma alternativa de resistência entre indivíduos
alienados e insatisfeitos que se enveredaram pela estrada e exploraram a
solidariedade. Aqui, quase vinte e cinco anos depois de meu primeiro
trabalho de campo, encontrei-me em diálogo com uma nova forma de
Viajante e um representante intelectual em ascensão de seu grupo
frouxamente alinhado. Ele havia 'abandonado a estrada' para estudar e se
formar. No momento em que ele me dizia: 'Isso é um craque de livro, o seu!',
um proeminente gorgio partidário do índio, 'racial',
240 Judith Okely

'Indianist': Bem, Judith, eles falam a língua. Eles pegaram isso por acaso?
Antropólogo: Não nego que a língua, como muitas outras, tenha algumas
conexões indo-europeias. Eu questiono se aqueles que usam dialetos Romani
podem ser considerados descendentes de índios
'Indianist': Como a linguagem chegou lá então?
Antropólogo: Ao longo das rotas de comércio e peregrinação. Havia um
movimento contínuo para frente e para trás.
'Indianist': Você acha que eles apenas escureceram seus rostos e depois
alguns voltaram para a China!
Antropólogo: Se você está falando sobre seus cabelos, olhos e pele escuros,
existem pessoas do mesmo fenótipo no Mediterrâneo e em partes da Europa
Oriental. Um dos ciganos bósnios disse que sua esposa era uma gorgio.
Duvido que ela tenha cabelos loiros, pele pálida ou olhos azuis.

O irado gorgio afastou-se e voltou a toda velocidade: "Toda vez que leio seu
livro, quero queimá-lo!"
Fiquei surpreso que minha tentativa de desmantelar uma ideologia
potencialmente racista deveria ter provocado tal reação. Se tivesse vindo de
um cigano de dentro, eu me sentiria obrigado a pensar de maneira ainda mais
cuidadosa sobre as implicações de publicar minha crítica ao indianismo,
assim como respeitei a confidencialidade de detalhes individuais (Okely
1987). No entanto, os ciganos que leram meu trabalho, incluindo Hancock,
Gheorghe e Reid, reagiram positivamente enquanto, como na maioria dos
debates intelectuais, expressavam discordâncias em alguns assuntos. Os
intelectuais ciganos de dentro me veem como um recurso e estou feliz por
poder retribuir algo do que ganhei com os ciganos
O extremo investimento emocional que o estudioso gorgio acima teve no
indianismo foi combinado com uma visão arcaica e seletiva da cultura cigana
como um todo, pois seu interesse orientalista pelos ciganos dificilmente se
estendia ao seu modo de vida e crenças contemporâneos.1 Os ciganos
bósnios, quando solicitado por ele para tocar alguma música para os
participantes do seminário reunidos, recusou porque pelo menos um deles
estava em luto público por seu pai recentemente falecido (cf. Okely 1983, cap.
12, para rituais de luto). Eles delicadamente evitaram envergonhá-lo
alegando que haviam 'esquecido' de trazer seus instrumentos. Ainda sem
entender o recado, o gorgio foi e encontrou uma sanfona. Os ciganos lhe
diziam, de maneira pouco convincente, que não sabiam interpretar aquele
modelo. Mais tarde, os ciganos bósnios perguntaram a um antropólogo
irlandês por que haviam sido convidados para a noite. Não sendo músicos
profissionais, eles não entenderam sua função como animadores exóticos.
Até então, na Iugoslávia, eles não haviam experimentado o fenômeno de um
bando de ciganos interessados em sua 'cultura'
Esses ciganos bósnios foram um exemplo pungente dos ajustes que os
ciganos devem fazer de acordo com o momento histórico e
Consequências das teorias da etnia cigana 241

transformações no contexto mais amplo. Sua fuga desesperada para a Grã-


Bretanha coincidiu com mudanças em sua identidade, não apenas em relação
a novos tipos de gorgios que privilegiavam diferentes formas de etnia, mas
também entre si. Um homem me explicou em francês que o grupo reunido
naquela noite continha 'sérvios', 'muçulmanos' e 'croatas'. Eles eram todos
casados e, como os bósnios em geral, até então não tinham sido obrigados a
reificar as diferenças (cf. Bringa 1994). O exílio não havia minado sua
identidade como ciganos, mas eles teriam que experimentar novos rótulos.
Mais tarde naquela noite, um cigano inglês chamou minha atenção para o
indianista gorgio, que estava ensinando ao cigano uma forma escolástica de
romani: "Ele disse que você escreveu que não existem ciganos!" O cigano não
tinha lido meu livro ('eu nunca li'), então ele estava confiando na leitura
errada do gorgio. Aqui está um exemplo da minha terceira categoria onde um
texto é distorcido além do controle do autor. Expliquei que não achava que a
ênfase na origem indiana fosse a maneira de identificar todos os ciganos. O
que aconteceu com os viajantes irlandeses e escoceses e outros grupos como
os Sinti e Yeniche que nunca reivindicaram nem foram atribuídos uma
origem estrangeira? Parecia questionável estabelecer critérios que
rebaixassem ou excluíssem grupos que também se consideravam ciganos. Ele
sorriu e disse que de qualquer forma os irlandeses não eram ciganos, nem
mesmo “verdadeiros viajantes”. 'Fulano' na União Romani Internacional
queria que eles saíssem. Apontei de maneira um tanto maliciosa que o
indianista achava que ele, o cigano inglês, também era menos "real" que os
bósnios porque tinha cabelos louros e olhos azuis. O indianista foi então
desafiado sobre isso e não negou seu privilégio dos europeus orientais.
Deixei-os para continuar o debate.
Embora o questionamento da origem monoindígena para todos os ciganos
possa ser intelectualmente plausível para os cientistas sociais, reconheço que
os próprios ciganos podem escolher – inclusive entre intelectuais gorgios – o
que consideram politicamente conveniente. No entanto, é intrigante por que
o trabalho do antropólogo gorgio deve ser visto como uma ameaça quase
inflamatória para intelectuais e gipsiologistas gorgio. Há capital psíquico e
político no orientalismo. Ao longo dos anos, nenhuma nova evidência surgiu
para modificar meu ceticismo em relação à linha indianista. Enquanto isso, o
discurso linguístico indianista é estendido hegemonicamente.
No contexto político e histórico mais amplo, no qual a academia habita, a
influência do intelectual está além do controle individual. O texto pode ser
absorvido de forma apreciativa, deturpado ou fornecer uma legitimidade
poderosa. Os ciganos podem ser amplamente descritos por gorgios, mas eles
precisam estar familiarizados com as ideologias e planos da sociedade
dominante para eles. Eles se adaptam e distorcem de acordo. Se um
determinado humor ideológico mudou, os ciganos sabem disso. As imagens
exóticas realçadas nas representações ideológicas do gorgio popular
ajudaram a criar, aprimorar ou racializar a etnia cigana. O cientista social
pode sentir-se compelido a analisá-los e desconstruí-los. Se o recurso de tais
representações
242 Judith Okely

pode ser desmantelado pelo escrutínio teórico é outra questão. Como os


críticos de Hobsbawm e Ranger (1983) sugeriram, é insuficiente expor as
tradições das pessoas como consciência recente, inventada e, portanto, falsa
se as circunstâncias em que são geradas também não são consideradas. O
intelectual antropólogo não pode escolher nem prever quais aspectos da
ideologia étnica um grupo pode precisar ou desejar.
Ao mesmo tempo, há arrogâncias e perigos em atuar como líder fictício de
um grupo étnico. Em vez disso, há oportunidades políticas mais
transparentes para aliança, apoio ou ação e testemunho individual de
pessoas de fora. Há também possibilidades pedagógicas e políticas nos textos.
O volume amplamente alterado de Puxon e Kenrick (1972) e recentemente
intitulado Gypsies under the Swastika (1995) confirma sua contribuição mais
fundamentada e duradoura como intelectuais. O livro evidencia menos
especulação do que seu antecessor. Eles documentaram meticulosamente o
tão negligenciado Holocausto Cigano. Um ex-titular de cargos em
organizações ciganas renunciou a quaisquer reivindicações remanescentes
como líder fictício e preditor do "Destino" dos ciganos (Puxon e Kenrick
1972).
Intelectuale a escrita acadêmica pode influenciar uma geração posterior,
a maioria dos quais são não ciganos que podem adquirir poderes
hegemônicos mais tarde. Alguns serão ciganos. Embora os textos não possam
atender a todas as contingências políticas para minorias vulneráveis, seu
alcance em conteúdo crítico tem potencial para o bem. Os textos podem
subverter representações recebidas, racistas e repressivas, e muito mais.

NOTA
1 Este homem trabalhava simultaneamente para os ciganos como intermediário em
disputas de asilo.

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Consequências das teorias da etnia cigana 243

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Capítulo 15

Antropologia apropriada e a inspiração


arriscada de 'Capability' Brown
Representações de quê, por quem e com que
fim?
Sandra Wallman

Para os propósitos presentes, duas características essenciais das


representações são fundamentais. Uma é que simplificam a realidade que
representam; a outra é que qualquer sentido que lhes seja imputado será
socialmente construído. Dito isto, devemos notar que as representações são
de vários tipos. Um psicólogo social enfatiza uma distinção entre as
representações coletivas, que 'assume um grupo homogêneo e fechado e [o]
grau de coerção grupal... intrínseco à teoria de Durkheim', das
representações sociais, que são 'processos interativos' que se aproximam' da
ideia de troca '(Moscovici 1987: 516). Uma distinção semelhante está
implícita na preocupação antropológica com a fixidez ou flexibilidade das
representações que tomamos emprestadas de nossos entrevistados e (ou?)
Visualizamos em nossas mesas. Até que ponto essa interpretação é
consistente em todas as situações e grupos de interesse? Será que vai
aguentar com o tempo? Em cada caso, qual é o escopo para negociar o
significado; por ocultar ou revelar o fato de que ocorreram mudanças do
contexto que decide aquele sentido; e para comunicá-lo sem distorções
através de divisões culturais ou profissionais?
Em todos os casos, as representações são sobre simplificação por causa da
comunicação. Especialmente onde a ideia a ser transmitida é estranha,
portanto – como muitas vezes acontece quando nos propusemos a visualizar
ou promover mudanças de qualquer tipo – é necessário um comunicador
intencionado para iniciar a negociação com uma imagem que seu público-
alvo já conhece. '[T] o desconhecido deve ser transformado no familiar.
Metáforas reconhecíveis devem ser encontradas para comunicar novas
ideias” (ibid.).

eu
O objetivo principal deste capítulo é esboçar e defender os parâmetros de
uma antropologia aplicada adequada a esta era pré-milenarista, pós-
moderna. Eu uso o termo antropologia apropriada para representar um novo
brilho na aplicação. Ele sinaliza mudanças em três componentes da aljava da
profissão que sempre foram especialmente vitais para aqueles que se
estabelecem como praticantes no mundo real. As ferramentas cruciais são o
contexto porque é
Antropologia apropriada 245

inevitavelmente outras coisas acontecendo que governam o significado e o


resultado dos eventos; capacidade, porque os indivíduos e os sistemas sociais
podem ser proativos, adaptando-se e influenciando os eventos tanto quanto
reagem a eles; e comunicação, na medida em que os resultados da pesquisa
não têm valor a menos e até que sejam transmitidos a um público designado.
A palavra 'aplicado' em qualquer caso precisa ser refinada. É ao mesmo
tempo muito abstrato e muito estreito para transmitir a gama de coisas feitas
em seu nome. Também é carregado de significados – talvez agora obsoleto,
mas para alguns ainda é uma desculpa para desprezar ou afastar qualquer
coisa que cheire a relevância deliberada. Por simples analogia com outros
assuntos – matemática, economia, física – deveríamos estar falando sobre um
ramo da disciplina que aplica a teoria dominante à solução de problemas
práticos, seja o problema em foco grandioso – desenvolvimento, saúde,
gênero, raça relações — ou muito específico: 'Quais são/serão os efeitos
sociais/os impedimentos para a construção dessa estrada por este
território?' As descobertas do sujeito foram úteis em ambos os níveis. Mas
embora, único entre as disciplinas,
Duas razões para essa inexplicidade se apresentam. A primeira, indo
contra a essência deste capítulo, é o conceito simples de que apenas
antropólogos profissionais podem compreender ou precisam compreender
as complexidades do contexto social e da ação humana. A segunda é inerente
à nossa metodologia de pesquisa e tem a ver com a forma como os dados são
representados. É que os modelos de qualquer tipo tendem a ser avaliados em
termos de arrumação tanto quanto em valor explicativo: a arrumação é,
afinal, mais fácil de avaliar e transmitir. Como nenhuma situação real pode
ser organizada nesse sentido, qualquer modelo deve ser uma abstração dela.
Em empreendimentos de pesquisa 'pura' ou 'acadêmica' é apropriado
concentrar-se em muito poucas de suas dimensões, cuidadosamente
selecionadas para o propósito em questão e a alguma distância escolhida dos
dados, e deixar de lado as muitas outras coisas que acontecem.
Mas se o problema é definido no nível básico e o objetivo é, digamos,
entender/prever/apoiar as decisões de tratamento que uma mulher toma
quando seu filho está doente, então a própria desordem da vida cotidiana é a
chave. Nenhuma "teoria" isolada terá a relevância prática necessária, e um
tipo de ecletismo analítico oferece a melhor chance de ser útil (Barnett e
Blaikie 1994; Wallman 1977: 3-5; 1996). Paradoxalmente, em circunstâncias
que exijam aplicação no terreno, a estrutura unificadora precisa ser colocada
à distância da generalidade — ou apenas da 'perspectiva' — de modo que
'todas' as outras coisas relevantes que acontecem possam ser incluídas na
estrutura.
Por mais indigno ou digno do raciocínio, o efeito de qualquer maneira foi
que as perspectivas da antropologia só raramente foram transmitidas fora da
disciplina. O ponto aqui é que o desenvolvimento político-econômico em
geral começou a desafiar a adequação de nossa
246 Sandra Wallman

roteiro de performance tradicional e para complicar a prática de pesquisa. As


mudanças são onipresentes, até mesmo globais; Estou preocupado apenas
com seu efeito em cada uma das questões centrais da profissão. O contexto
tornou-se mais difícil de definir, uma vez que os "todos" que focalizam o
holismo de nossa perspectiva não são tão claramente delimitados como
eram, ou como costumávamos imaginá-los. Nosso blefe foi chamado de
capacidade agora que os 'objetos' da etnografia cada vez mais devem ser
reconhecidos como sujeitos ativos na análise, bem como na gestão de suas
próprias vidas. E a comunicação é complicada pelo fato de que a gama de
pessoas interessadas, se não realmente pagando, nossos entendimentos
agora se estende muito além da disciplina, e inclui um bom número de
pessoas que ignoram ou estão confusas com suas suposições.
A nova ênfase equivale a mudar a maneira como representamos nossos
assuntos e nosso assunto, tanto para nós mesmos quanto para pessoas de
fora da disciplina. Não é, portanto, por acaso que três ressalvas à questão da
representação são demonstradas nestas páginas. São peças padrão de
raciocínio antropológico prático, nada mais (nem menos!) do que afirmações
de senso comum, mas (e?) Raramente explicitadas. Aqui, no entanto, por
razões que surgirão, é importante ser explícito. Assim: (1) Representações,
modelos e imagens atendem a diferentes propósitos e são lançados em
diferentes níveis de abstração; (2) o(s) significado(s) de cada um deles é(são)
regido(s) pelo(s) contexto(s) profissional(is) e político(s) em que é(m)
veiculado(s) e recebido(s);
As oportunidades para interpretações errôneas são abundantes. Alguns
são ilustrados neste conto de advertência de um esforço para representar
modelos de mudança social e agência humana de maneiras apropriadas a
este momento, por referência a modelos da natureza e imagens de paisagem
projetadas para outro propósito em outro tempo. A moral da história é que
nenhuma suposição subjacente a uma representação/modelo/imagem é
auto-evidente

II
Uma antropologia adequada às demandas do trabalho fora da academia
precisará de representações de contexto e da capacidade de 'outros' que
possam ser facilmente apreendidas por um não especialista. Que eu saiba, a
disciplina não tem nenhum valor monetário. Mas durante a elaboração de
uma palestra pública sobre as diferenças que fazem a diferença na
capacidade das pessoas de se adaptarem à mudança de crise – neste caso as
crises não relacionadas de desemprego na Inglaterra e a epidemia de
HIV/AIDS na África – a inspiração veio do exemplo de um homem que nunca
havia pisado em nenhuma academia e não tinha motivos profissionais para
se preocupar com o mundo social e seus problemas. Refiro-me, como
sugerido no título deste artigo, ao famoso jardineiro inglês do século XVIII
Antropologia apropriada 247

Lancelot Brown - conhecido, aparentemente carinhosamente, em seu tempo


e desde então, como 'Capability' Brown.
Há benefícios obtidos tomando-se um ponto de partida fora das ciências
sociais dessa maneira. Dentro da academia, um paradigma que não é
propriedade especial de nenhuma disciplina é um meio útil para o
intercâmbio multidisciplinar; talvez se possa avançar melhor em um
discurso que não é reivindicação exclusiva de nenhuma das disciplinas
envolvidas. Fora dela, mais pessoas se identificam com a lógica da
jardinagem do que com a ciência social, e os praticantes podem simpatizar
com o imediatismo e a eficácia das decisões que um jardineiro deve tomar.
Deixando de lado esses benefícios, no entanto, sair da própria área de
competência é um negócio arriscado, e houve momentos durante a
preparação deste capítulo em que me arrependi muito de tê-lo feito. O valor
e o custo de minha ingenuidade ficarão claros à medida que continuarmos
(companheiro Gluckman e Devons 1964).
Não sendo um grande jardineiro, no começo eu conhecia Lancelot Brown
apenas como "o paisagista que via capacidades de melhoria em todos os
jardins". Fiquei impressionado com a noção de 'capacidade', via a paisagem
como uma metáfora para o contexto social e sabia, pelos livros de jardinagem,
que ele era um mestre em transmitir sua visão a clientes que não tinham
experiência em jardinagem. Com base nisso, fui persuadido de uma analogia
suficientemente boa com os principais elementos da 'antropologia
apropriada' e procurei maneiras de adaptar suas idéias às suas demandas.
A primeira delas diz respeito à capacidade. É que as questões principais
sobre a mudança devem ser positivas. Como Brown colocou: Qual é a
capacidade deste ambiente? Da mesma forma, na antropologia, devemos
perguntar: Qual é a capacidade deste sistema social, desta comunidade, desta
pessoa de gerir em circunstâncias normais e de se adaptar quando as
circunstâncias mudam? As Seções V e VI demonstram essa perspectiva e
sugerem formas de representar a questão aplicada ao desemprego e à
epidemia.
A segunda ideia, aguçada, por acaso, pelo resultado decepcionante de
meus próprios esforços na jardinagem, diz respeito ao contexto. É que a
avaliação da capacidade depende de levar em conta todo o quadro, todo o
jardim como é, poderia ser, será. Transposta para a antropologia, a afirmação
se torna: a capacidade social não pode ser avaliada adequadamente
examinando itens de comportamento ou crença isoladamente. A capacidade
é uma função do contexto. É uma característica de sistemas sociais inteiros.
A terceira ideia diz respeito à comunicação. Não pode ser imputado
diretamente a Brown, mas é exemplificado por ele. A lição é que a perspicácia
profissional não pode ser sustentada apenas por habilidades práticas. Brown,
é claro, tinha habilidades práticas em abundância, mas tão crucial para seu
sucesso era um talento incomum em duas frentes; primeiro para visualizar a
capacidade e depois para comunicar a visão aos clientes em potencial.
Traduzindo a lição para as ciências sociais, aprendemos que a contribuição
da antropologia para compreender ou aprimorar a capacidade social
depende de nossa capacidade tanto de visualizar o
248 Sandra Wallman

sistema de capacidade, e comunicar essa visão a outros que estão envolvidos


em seu resultado - sejam profissionais ou pessoas privadas.
A História da jardinagem britânica de Hadfield apresenta a carreira do
grande homem:

Lancelot Brown nasceu em 1715... de uma família em circunstâncias


modestas. Ele morreu em 1783, então xerife de Huntingdon, algo mais do
que mero jardineiro do rei George III, amigo de outros homens de
calibre…. Enquanto isso, ele havia varrido velhos jardins, até mesmo
aldeias inteiras, e criado vastas novas cenas para substituí-los. Ele
influenciou muitos... e sua maneira foi amplamente copiada por
imitadores profissionais e amadores.

…Brown era essencialmente um homem prático, atento a um certo tipo de


paisagem. Depois de percorrer uma propriedade por algumas horas, ele
teria visualizado não apenas como sua paisagem padronizada poderia ser
imposta à cena existente, mas como isso poderia ser feito com o menor
custo. Ele podia ver exatamente onde um riacho poderia ser represado
para formar um 'amplo lago', ou levemente modificado para criar uma
cascata cintilante. A colocação das árvores foi concebida em termos
práticos e estéticos. Os nivelamentos e aplainamentos de margens
pontiagudas, o caminho sinuoso, a colocação de edifícios ornamentais,
tudo foi elaborado quase como uma regra. Horace Walpole disse dele que
“tal foi o efeito de seu gênio que ele será menos lembrado; copiou tão de
perto a natureza que suas obras serão confundidas com ela'.
(Hadfield 1985: 211–13; ênfase adicionada)

Brown trabalhou com uma fórmula: tudo que fazia parte da velha arte e
geometria foi obliterado. Os jardins devem fornecer 'uma fuga necessária
para a natureza'. Este foi o movimento contra os jardins artificiais. Em
linguagem mais grandiosa, chegou a ser descrita como uma 'Revolução
contra o constrangimento'. Claramente, o que estava acontecendo nos jardins
da pequena nobreza era colorido pelo contexto político da época. Aqui está
Hadfield novamente, desta vez descrevendo o próprio 'novo movimento':

À medida que o século XVIII avança, é bom enfatizar a conexão da


jardinagem com a política, e particularmente com a “liberdade inglesa –
aquela liberdade da qual os novos jardins eram uma espécie de símbolo”.
[Por exemplo, o] caminho serpentino [representava] uma válvula de
segurança que permitiu aos ingleses desabafar, enquanto a geometria de
compressão e a regularidade das avenidas francesas mantiveram a
pressão até a França explodir.
(Ibid.: 210)
Antropologia apropriada 249

III
Idéias sobre o que é pesquisa social apropriada e quais intervenções devem
ser construídas sobre ela são igualmente produtos inevitáveis de seu tempo.
Das três vertentes que compõem a trança antropológica apropriada, porém,
apenas a vertente da capacidade é verdadeiramente moderna: reflete os
ideais políticos que os governos ocidentais agora defendem em suas relações
com o chamado Terceiro Mundo. Durante vários anos, de acordo com o ethos
mais amplo, estava na moda para a análise científica social culpar o sistema
mundial e/ou os ricos pela pobreza dos pobres, visualizando os infelizes —
em qualquer sentido da palavra — como passivos. , não responsáveis, sem
capacidade de tomar conta de suas vidas (ver, por exemplo, Frank 1969;
Valentine 1968; Rodney 1972).
Gradualmente, começou a ficar claro que a moldura não se ajustava à
realidade com muita frequência e que era ressentida por aqueles cuja
autonomia ela negava. As mudanças de curso ocorreram em paralelo com
eventos políticos no cenário mais amplo, o desvanecimento do colonialismo
e o eclipse do marxismo tendo efeitos óbvios. Os antropólogos foram
proeminentes entre aqueles que expressaram ceticismo em relação aos
modelos então dominantes (como Firth 1972) e alimentaram o argumento
para uma orientação mais explícita do ator. Entre eles, no final da década de
1970, ao apresentar o volume Percepções do Desenvolvimento, escrevi:

Aqueles que explicam o desenvolvimento e, mais importante,


nãodesenvolvimento, como (apenas) o resultado de estruturas globais de
exploração efetivamente tiram todas as decisões sobre o futuro das mãos
daqueles que podem pretender defender…. Eles invalidam os atuais
esforços e percepções de qualquer um, exceto seletos acadêmicos e
consórcios supranacionais. É de pouca importância que essas abordagens
sejam rotuladas por uma ou outra filosofia política, mas é essencial que as
aspirações e opiniões das pessoas sujeitas aos processos de
desenvolvimento ou o não-desenvolvimento seja levado a sério — por
mais inconsistentes que pareçam e por mais limitados que sejam seu
poder no mercado político-econômico.
(Wallman 1977: 8)

E alguns anos depois, aparentemente com mais confiança, em Eight London


Households:

Embora os sujeitos deste livro sejam moradores típicos do centro da


cidade, sua história coletiva não é um conto sombrio de privação e
desvantagem. Não é que eles não queiram nada: todos eles trabalham duro
para sobreviver e podem se lembrar de momentos em que a vida cotidiana
era demais para lidar. Mas a maioria deles se dá bem o suficiente e, na
opinião deles, o cenário do centro da cidade oferece uma gama tão ampla
de possibilidades para uma vida decente quanto qualquer outra.
(Wallman 1984: 3)
250 Sandra Wallman

Isso não é sentimentalismo ou pensamento positivo em ação: mesmo nas


circunstâncias mais terríveis, essas perspectivas de "melhor visão" são
inteiramente práticas. Eles combinam com a estratégia de Lancelot Brown,
que enfrentou a paisagem mais sombria perguntando a si mesmo 'Quais são
suas capacidades?' Na versão antropológica da estratégia, a capacidade é
abordada por uma sucessão de questões de senso comum destinadas a
preencher os detalhes essenciais do quadro, o que significa que nos
propusemos a definir e mapear o contexto significativo do problema ou o
pessoa ou o lugar em foco.

4
Novamente, a primeira suposição dessa abordagem é que cada configuração
tem recursos, por mais limitados que sejam. O segundo ponto é que a
capacidade é específica do contexto. Para avaliar um, precisamos entender o
outro. Então, o que precisa ser dito sobre o contexto? De acordo com o
dicionário Webster, contexto são duas coisas. É: 'Toda a situação, contexto ou
ambiente relevante para algum acontecimento ou personalidade.' E é 'Aquilo
que vem antes e depois de um item ou evento ou palavra e dá seu significado'
Essas definições implicam mais importante que o contexto é um todo
coerente. É definido a partir de um centro; abrange tudo o que está
logicamente conectado a esse centro. Oculto nisso está o fato de que os
limites do contexto são arbitrários, ad hoc, impermanentes. Eles são
definidos pela lógica da situação (toda), porque é apenas essa lógica que
conecta as partes [constituintes] de um contexto ao seu centro, e que garante
a coerência do todo. Não por coincidência, duas citações do grande jardineiro
dizem a mesma coisa: "O todo deve corresponder um ao outro." E: "Nada
pode ser mais verdadeiramente belo do que a montagem de objetos do olho
de um pássaro" (Hadfield 1985: 183).
O segundo elemento da definição do dicionário é que o contexto está em
processo. É uma sequência de eventos no tempo. Não podemos entender o
significado de um item ou evento social a menos que saibamos o que
aconteceu antes e depois dele. Isso também é ecoado pelo julgamento poético
de Brown de uma paisagem: "A vista é contemplada com uma variação em
movimento" (Hadfield 1985: 215).
A antropologia se distingue das demais ciências sociais por um pacote de
perspectivas em que a noção de contexto é essencial. Sua presença se mostra
na maneira como tendemos a 'explicar' relacionamentos, atitudes ou eventos
sociais, procurando suas conexões com outras coisas acontecendo em um
todo analítico definido.
A principal dificuldade é que o escopo apropriado de todo o sistema no
qual essas outras coisas estão acontecendo não é empiricamente óbvio. Não
é apenas que os limites de um contexto devem ser arbitrariamente traçados,
também é necessário decidir qual contexto – ou qual nível de contexto – é
mais relevante para dar sentido ao assunto em questão. Dada a flexibilidade
multifuncional da noção de contexto e a desordem geral da vida cotidiana,
Antropologia apropriada 251

é fácil falhar por falta de decisão. Como podemos usar o contexto como
unidade de estudo se não sabemos o que é e onde termina? Identifico-me
muito facilmente com a menininha que diz que sabe soletrar 'banana' mas
não sabe quando parar! A versão antropológica clássica do dilema foi descrita
(e ilustrada!) por Ernest Gellner no ensaio "Concepts and Society" (1973).
Seu ensaio é especialmente convincente para essa discussão porque ilustra
tanto o raciocínio contextual dos primeiros antropólogos tentando
redesenhar a representação de "outros primitivos" que o contexto político da
época lhes impunha, quanto as consequências não intencionais de sua
revisão.
A outra dificuldade, discutida no início deste capítulo, é que os
enquadramentos analíticos permanecem opacos e pessoais se não puderem
ser comunicados — seja entre antropólogos ou entre disciplinas. Visões
privadas não se qualificam como ciência e não são úteis na aplicação. É a
comunicação da visão que a torna viável. O contexto, portanto, deve ser
explicitamente definido e claramente visualizado para que cada um de nós
possa saber quais dimensões da confusão da realidade social o outro tem em
foco.
A definição de contexto não é difícil, uma vez que tanto a necessidade de
vinculá-lo quanto a arbitrariedade da fronteira foram reconhecidas. Mas e a
necessidade de comunicar o que foi visualizado? Como devemos começar a
representar um todo multidimensional em uma página plana? É possível
transmitir o que um antropólogo/cineasta chamou de 'tudo ao mesmo
tempo' da vida social, mesmo usando o filme da maneira que ela recomenda
(Freudenthal 1988)? A complexidade amplia nossa capacidade profissional
para uma resposta adequada. Novamente, 'Capability' Brown fornece um
modelo útil. Assim como seu status profissional dependia da aplicação
eficiente de uma fórmula sistemática de trabalho, assim deve ser com a
credibilidade profissional dos antropólogos. Ressalto que é a abordagem da
Capability que é valiosa. Suas suposições sobre a paisagem estão agora em
grande parte fora de moda e, à luz das preocupações de hoje, não há razão
para gostarmos do que um escritor chamou de "a destruição que ele causou
antes de criar" (Hadfield 1985: 213). Certamente não devemos copiá-lo. É sua
capacidade de decidir prioridades, reconhecer capacidades, visualizar
resultados que podemos imitar de maneira útil.
Meu ponto é que não é possível desvendar a complexidade da vida social
sem tomar decisões analíticas explícitas sobre o contexto. Nem é apropriado.
Hoje em dia, dizer que 'o contexto social conta' é apenas afirmar um fato bem
conhecido. O que o 'mundo real' quer saber é como isso conta? Quais aspectos
contam quando? Eles contam igualmente em todas as configurações? Quais
são os elementos-chave necessários para entender esse comportamento?
Para resolver este problema? Para amenizar esta ou aquela crise?
As próximas seções demonstram uma abordagem de capacidade para
essas questões esboçando dois itens de trabalho recente. A primeira diz
respeito a contabilizar
252 Sandra Wallman

pelas respostas de diferentes áreas e diferentes tipos de indivíduos à crise de


perda de emprego na Europa; o segundo para identificar e (finalmente)
aumentar a capacidade da comunidade para lidar com a epidemia de
HIV/AIDS na África. Em cada caso foi necessário tomar decisões mais ou
menos arbitrárias:

1 distinguir qual domínio ou tipo de contexto está em foco em cada etapa


da análise;
2 delimitar sua fronteira para que um sistema finito possa ser visualizado;
3 para definir as dimensões do mais crucial para o problema em questão.

V
O primeiro exemplo vem de um artigo publicado sob o título 'Tempo,
Identidade e Experiência do Trabalho' (Wallman 1990). No âmbito desta
discussão, procurou dar conta das diferentes capacidades de adaptação às
mudanças provocadas pelo desemprego. Meu argumento era que, à parte as
implicações financeiras, a experiência de emprego ou desemprego é
governada pelos padrões de investimento de tempo e identidade que cada
situação de emprego ou não emprego acarreta. Os membros de um grupo
ocupacional não são totalmente iguais em nenhum aspecto, e há
comparações importantes a serem feitas entre indivíduos cuja situação
financeira objetiva é semelhante.
Baseei o argumento em uma visão intuída de identidade na sociedade
industrial sendo dominada por referência a três domínios: comunidade local
ou lugar; origem étnica ou familiar; e trabalho (no sentido estrito de
ocupação ou emprego). Parecia-me possível que a força identitária de cada
um dependesse da força identitária dos outros. Se for assim, mais
autoinvestimento no trabalho significa menos autoinvestimento na família;
mais localismo significa menos consciência da etnicidade como tal; e mais
desses dois últimos significa menos dependência social ou psicológica do
trabalho e talvez, por extensão, menos dor no caso de perda do emprego ou
desemprego.
Em todos os casos, uma pessoa mudará o investimento em identidade de
um contexto para outro de acordo com as capacidades e restrições das
circunstâncias. Em circunstâncias ideais ou de 'melhor caso', os recursos de
tempo e identidade são difundidos entre os três domínios vitais — ocupação,
grupo doméstico e comunidade local, conforme esboçado na Figura 15.1. Se
um desses domínios cair, o eu que foi investido nele é prontamente traduzido
para outro domínio. Quando, por exemplo, uma pessoa fica desempregada, o
tempo e a identidade anteriormente gastos na ocupação podem ser
redistribuídos entre os interesses da família ou da comunidade local. A
mudança é viável porque esse indivíduo já está enraizado nos outros
domínios; e o reinvestimento é seguro porque os outros domínios são
suficientemente
Antropologia apropriada 253

distinta da ocupação não ser afetada pela perda de emprego como tal. Este é
o modo de alta capacidade.

A Figura 15.2, em contraste, visualiza o investimento de tempo e


identidade em mineração, zonas portuárias e comunidades de indústria
única e, em seguida, o desastre causado pelo colapso da indústria em questão
(ver, classicamente, Jahoda et al. 1972). Os pontos cruciais neste caso são que
o domínio ocupacional é/foi dominado por uma indústria; e que alguma
combinação de tradição, infra-estrutura e tecnologia dessa indústria fez com
que os três domínios fossem intimamente sobrepostos. Nas docas
tradicionais, por exemplo, os homens que trabalhavam juntos viviam como
vizinhos a uma curta distância de seu emprego, e até mesmo a vida social de
suas esposas se concentrava nas preocupações das docas. O efeito de
gerações desse padrão foi ligar os estivadores uns aos outros por emprego,
localidade e parentesco - seja diretamente como irmãos e primos, ou
indiretamente através dos laços de suas esposas e filhos – e para criar um
grupo ocupacional fortemente delimitado, localmente distinto e ferozmente
conservador. Nestas circunstâncias, o colapso da base de emprego é
experimentado como a destruição da comunidade e a continuidade de um
golpe. Este, na mesma crise de perda de emprego, é o modo de baixa
capacidade.
254 Sandra Wallman

A Figura 15.3 é um adendo que apresenta um ponto semelhante, mas


diferente. Enquanto a última figura mostra o que pode acontecer quando uma
comunidade é dominada por um setor, esta mostra indivíduos
monopolizados por um único domínio. O subtítulo do artigo era uma
pergunta: "O que as donas de casa e os executivos-chefes têm em comum?"
Minha resposta é que as donas de casa estereotipadas estão 'apenas'
envolvidas em assuntos familiares, e os executivos-chefes viciados em
trabalho são 'totalmente' obcecados por seus empregos - cada um ao custo
de negligenciar outros domínios. Privados do contexto monopolizador – a
dona de casa quando seus filhos crescem e saem de casa, o executivo quando
a doença ou o despedimento o demite – cada um terá perdido o locus de
tempo e identidade que sustentava o senso de self.
A inferência é que cada um dos três domínios é vital para a estrutura de
identidade composta do indivíduo. Um foco muito estreito do tempo ou do
eu, portanto, cria outros problemas. Quando ocorre superidentificação com
um domínio, é diagnosticado como patologia. 'Workaholics' são, por
definição, muito identificados com seu emprego. Tanto na expectativa
popular quanto na clínica, portanto, eles estão fadados a negligenciar outras
obrigações e provavelmente estão sofrendo de estresse – obviamente um
modo de baixa capacidade. O equilíbrio saudável parece ser uma difusão da
identidade – do tempo e do eu – por todos os meios de subsistência, de modo
que cada domínio, cada contexto vital, receba e dê o que lhe é devido. Este,
por outro lado, é o modo de alta capacidade.
Antropologia apropriada 255

VI
No exemplo da crise de emprego, os domínios de contexto em foco foram
definidos como comunidade local, ocupação e lar ou família; e as variações
na capacidade de cada sistema para lidar com o desemprego foram
explicadas pelos diferentes investimentos de tempo e identidade em cada um
deles. Neste segundo exemplo, seguindo a mesma estratégia na circunstância
da AIDS, a desordem da vida social é classificada em quatro outros domínios,
de modo que o sistema pode começar a ser definido, e podemos esperar
eventualmente identificar as variáveis e interconexões que explicam maior
ou menor capacidade de lidar com uma epidemia desastrosa. Você notará
que os termos usados e as formas apresentadas são diferentes, mas que a
lógica do paisagista ainda está em vigor.
As imagens que ilustram o raciocínio analítico usado neste caso foram
desenvolvidas em um esforço para comunicar perspectivas antropológicas
apropriadas a uma audiência biomédica necessariamente cética no
Congresso Internacional de AIDS de Estocolmo em 1988. Mesmo antes da
conferência, os especialistas em pesquisa médica deviam estar cientes de que
um a inferência contextual sustenta qualquer esforço para entender e
controlar a doença do HIV. Implicitamente, pelo menos, todos nós sabemos
que todas as estimativas para a propagação do HIV/AIDS, e todos os
programas de educação pública destinados a detê-la, são baseados em
suposições sobre questões sociais.
256 Sandra Wallman

contexto. Os médicos também estavam – como o resto de nós – cientes de que


o contexto não estruturado é uma bagunça caótica e que a comparação
científica exige uma definição explícita dos itens a serem comparados. Além
disso, sublinhando os problemas de representação discutidos na Seção I, sua
experiência da ciência social tende a ter se limitado aos extremos de um
continuum enfiado entre o muito óbvio e o totalmente obscuro. Para ser
capaz de contribuir nesse cenário, portanto, um antropólogo praticante não
tem escolha a não ser tomar algumas decisões arbitrárias e explícitas
direcionadas a visualizar a complexidade, que “todos” reconhecem, de uma
forma que simplifique o ponto sem deturpar a realidade.
Naquele período, e provavelmente apenas no hemisfério norte, a metáfora
mais comumente visualizada para a AIDS era um iceberg. Nesses contextos
específicos de tempo e lugar, isso pode representar o fato de que uma grande
proporção das infecções pelo HIV não são apenas invisíveis, mas perigosas
porque são invisíveis. Não está claro se os 'especialistas' impuseram essa
representação ao público, ou se eles simplesmente se apropriaram,
renomearam e retroalimentaram uma imagem já compatível com a práxis
local (cf. Paine 1989, 1992). Muito provavelmente ambos os processos
estavam em ação: toda comunicação depende de algum tipo de sinergia entre
as representações do emissor e do receptor, mesmo quando uma troca é falha
por mal-entendidos e traz resultados que nenhuma das partes antecipou
(como em Sachs 1989).

Qualquer que sejaas condições antecedentes da representação da AIDS-


como-iceberg, construí sobre ela visualizando o oceano ao redor do iceberg
como o
Antropologia apropriada 257

contexto da epidemia, com algo na água — tubarões talvez? — para


representar os fatores sociais que a afetam (Figura 15.4). Então estruturei o
caos do contexto – agora prontamente representado pelo movimento
aleatório dos tubarões na água – em torno de quatro tipos de preocupação.
Cada um define um domínio ou subconjunto do todo social. Os quatro
subconjuntos são (1) instituições e recursos nacionais; (2) organização local
e processo social; (3) costume e prática que afetam o corpo; e (4) opiniões e
atitudes mentais predominantes (Figura 15.5). Um pouco menos arbitrária,
a figura também mostra uma relação de mão dupla entre o contexto social e
a pandemia de AIDS. As setas para fora indicam o impacto da AIDS na
sociedade e as setas para dentro os efeitos da sociedade na própria AIDS. Os
dois fluxos não são tão facilmente distinguidos na vida real, mas faz sentido
falar como se fossem. Figura
15.6 visualiza o conjunto externo, para indicar que o impacto da AIDS
depende do ambiente sociocultural em que ocorre. A Figura 15.7 estreita o
foco para concentrar o olhar do espectador em um dos quatro domínios
designados. O ponto a ser destacado é que a AIDS tem um impacto geral na
vida social, mas terá um significado específico diferente (e pesquisável) em
cada domínio. O reverso essencial da mesma lógica poderia ser mostrado
apenas invertendo a direção da seta; ou seja, as características do domínio
'corpo' em um determinado ambiente sociocultural (práticas sexuais,
práticas rituais) afetam a prevalência, incidência, gestão, etc. da doença.
É preciso enfatizar que essas visualizações funcionaram bem no que diz
respeito à comunicação de uma abordagem antropológica à biomedicina.

258 Sandra Wallman

especialistas. Tenho orgulho de dizer que o conjunto completo de imagens,


com seu argumento, foi publicado no Medical Journal of Acquired Immune
Deficiency Syndrome logo após a conferência (Wallman 1988). Mas a
segunda parcela de raciocínio neste exemplo relacionado à AIDS tem que se
restringir a domínios locais e corporais como linhas de liderança no contexto
da capacidade de comunidades específicas para lidar com a epidemia de AIDS
conforme ela as afeta. Uma vez que o objetivo do trabalho em mãos muda
para a compreensão da capacidade no nível local, diferentes tipos de contexto
precisam ser focalizados e diferentes sistemas 'todos' precisam ser
visualizados. Com efeito, a imagem do iceberg agora se move para fora da
tela, relegada ao status de simples ponto de partida para os complicados
processos de investigação etnográfica e outros tipos nas várias áreas de
campo (ver Wallman et al. 1992; Wallman 1996).
Enquanto no primeiro exemplo a principal outra disciplina envolvida era
a economia, nestes, de longe, o interesse dominante vem da medicina
alopática ou 'bio'. Os objetivos gerais, no entanto, são os mesmos do exemplo
do desemprego – alcançar uma melhor compreensão do cenário social,
determinar como e até que ponto esse cenário pode se adaptar a crises ou
mudanças rápidas e, em seguida, comunicar esse entendimento à outra
disciplina e/ou a não académicos com interesse significativo na mesma. Mas
os objetivos específicos da pesquisa relacionada à AIDS são mais diretamente
Antropologia apropriada 259

intervencionista. Eles devem aumentar a capacidade da comunidade e


individual para lidar com os efeitos da epidemia e desenvolver as
capacidades locais para prevenir a propagação do HIV e outras doenças
sexualmente transmissíveis.

O primeiro objetivo é provocado pelo fato de que os estudos de


enfrentamento da crise são mais frequentemente focados nos efeitos
econômicos e demográficos. Mesmo na pesquisa sobre AIDS tem havido
pouca referência a outras questões de saúde, ou a questões de identidade e
moralidade da comunidade. Claramente, um estudo de 'capacidade'
precisará documentar e monitorar o impacto da epidemia na oferta de mão
de obra e no desempenho econômico em nível local, mas também deve lidar
com o fato de que a ideia e o medo da AIDS podem provocar crises ao arruinar
o capacidade que a comunidade local já teve. Muitos estudos mostraram que
o moral é crucial para a capacidade de responder a novos perigos e demandas
(Raphael 1986). Sob essa luz, qualquer esforço para ajudar só aumentará a
capacidade se puder construir sistemas de apoio tanto afetivos quanto
econômicos.
Ao abordar o segundo objetivo – a prevenção do HIV – precisamos
apreender as dimensões do contexto que afetam o que os profissionais de
saúde definem como sexo 'de risco', para que uma prevenção mais eficaz do
HIV possa ser projetada. O 'risco' do sexo, para esses fins, aumenta nas
seguintes circunstâncias:

1 sexo com muitos parceiros;


2 sexo com uma pessoa infectada;
3 práticas sexuais ou corporais especiais;
4 estreia sexual antes da maturidade;
5 relação sexual quando outra DST está presente.
260 Sandra Wallman

À primeira vista, o foco da pesquisa interdisciplinar sobre a prevenção de


qualquer doença sexualmente transmissível, incluindo o HIV, pode parecer
estar na área estritamente definida como comportamento sexual. Mas, além
das dificuldades especiais de fazer perguntas sobre sexo, não podemos
presumir que sabemos quais aspectos da vida são ou devem ser incluídos na
rubrica 'comportamento sexual' ou mesmo na rubrica 'atitudes e
comportamento sexual'. Em termos de DST/HIV, o comportamento sexual
diz respeito ao contato corporal e à prática física. Em termos de vida real e
prevenção, trata-se de família, organização local, moralidade, cosmologia,
oportunidade, economia, opções de tratamento e avaliação de risco. Aqui,
claramente, tanto a ação quanto o significado da ação dependem de outras
coisas acontecendo, outras prioridades, obrigações, oportunidades,
expectativas e preocupações.
O escopo da pesquisa apropriada sobre AIDS, portanto, deve ser mais
amplo do que o comportamento sexual em geral ou o sexo de risco em
particular, mesmo quando o objetivo é esclarecer um conjunto muito
específico de problemas. Assim como a pesquisa sobre cofatores médicos
exige que o HIV seja examinado no contexto pleno da saúde geral, a
compreensão do comportamento sexual exige que as especificidades dele
sejam estudadas em seu contexto sociocultural. Um primeiro passo para
pensar ou falar sobre isso é alcançado juntando os domínios médico e social
do contexto e visualizando-os como um único sistema (Figura 15.8). A seguir,
podemos proceder à identificação das combinações de variáveis que
respondem por uma maior ou menor capacidade de prevenir a propagação
do HIV.

Mas estamos presos ao fato de que as variáveis sociais não ficam paradas; o
contexto está sempre em processo. Assim que começamos a entender a
capacidade de uma comunidade para lidar com a AIDS ou o desemprego ou a
mudança de crise, a mudança de foco por si mesma terá alterado essa
capacidade ao gerar instituições e atitudes para substituir aquelas que
sustentaram sua forma original (como Barth 1966). Nesse sentido, a
antropologia apropriada não pode aspirar a respostas definitivas: é a
coragem de formular perguntas que é o modo de alta capacidade para a
pesquisa social.
Eu disse no início que propus o título deste capítulo com base no
conhecimento inexperiente da obra de 'Capability' Brown. Neste ponto,
quero sublinhar dois erros úteis – um de Brown e um meu – que foram
revelados durante a preparação do texto para se adequar a ele. Eles são úteis
porque, ao estragar o caso arrumado que eu pretendia apresentar, eles
sugeriram analogias mais profundas e, creio, mais significativas. Colocando
um brilho positivo nisso, eu poderia dizer que a inspiração de 'Capability'
Brown vai ainda mais longe nesta arena do que eu originalmente supunha.
O erro de Brown foi que, ao tentar liberar a capacidade "natural" das
paisagens, ele impôs uma noção estereotipada de "natureza" que, em última
análise, não era mais livre do que as restrições "não naturais" que ela
substituiu. Meu erro foi deixar-me tão impressionado com os aspectos
práticos e hortícolas de jardins e jardineiros – sobre os quais sei pouco – que
originalmente deixei de pensar sobre o efeito dos contextos sociais e políticos
nas definições de capacidade em si – um assunto sobre que qualquer cientista
social deveria saber muito.
Vou terminar com um comentário de advertência e três regras de ouro. O
comentário de advertência é este: as imagens das formas naturais, originais
ou tradicionais de jardins e culturas são estruturadas por experiências
passadas, preconceitos presentes e propósitos futuros. Da mesma forma, as
dimensões de capacidade ou capacidade, como as das paisagens e dos
sistemas sociais, são destacadas pelos contrastes que estão em voga no
momento da seleção. Assim, as representações de 'Capability' Brown fazem
muito sentido como reações aos 'excessos de constrangimento' impostos à
paisagem por seus predecessores, e como expressões da política da época. O
fato de seus detratores agora o acusarem de impor uma visão estereotipada
da natureza às propriedades de seus clientes satisfeitos apenas confirma que
os contrastes no quadro mudaram. Não é menos verdade quanto aos
antropólogos que tentam contribuir apropriadamente na arena das questões
contemporâneas. Nossas visões – sejam definidas como modelos,
representações ou imagens – são aguçadas pelo contraste com outras
disciplinas e outros climas políticos. Mas se nos definimos muito
estreitamente em oposição ao que os outros vêem e fazem, estamos tão
propensos a cair para trás quanto o próprio grande jardineiro. Respostas
definitivas não são da nossa conta.
262 Sandra Wallman

Permita-me um último exemplo: a imposição de nossos pontos de vista


sobre eles não é politicamente nem profissionalmente aceitável nesta época
– se 'nós' somos os empregados e 'eles' os desempregados, ou 'nós' os ricos
euro-americanos e 'eles' os pobres africanos. Nem deveria ser. Mas devemos
ter cuidado para não congelar seus pontos de vista em nossa versão de suas
tradições, ou prendê-los em uma visão que não é mais apropriada porque os
contextos de suas vidas agora são significativamente diferentes. Fazemos
isso por respeito à cultura, é claro, mas às vezes esquecemos que a cultura,
como a natureza, muda.
Finalmente, as três regras básicas: Primeira: Aceite que explicações de
cadeia simples só podem contar uma história muito parcial. O desemprego
não é apenas dinheiro; O HIV não é apenas sobre sexo. Qualquer que seja o
item em foco, ele só se torna inteligível no contexto de outras coisas
acontecendo ao seu redor. Dois: Avalie as capacidades do sistema em
conjunto com suas limitações. Resista à tentação de negar um e exagerar o
outro. É verdade que as pessoas afetadas pelo desemprego ou pela epidemia
têm escolhas a fazer e que o contexto determina as opções disponíveis e
sensatas no momento. E três: Aprenda a conviver com os limites da
capacidade profissional. Os sistemas sociais estão em constante processo e,
no entanto, podem levar séculos para mudar. Por serem complexos não
conseguimos visualizar detalhadamente o melhor resultado,
Nesses aspectos, 'Capability' Brown tinha uma vantagem sobre o resto de
nós. Ele estava confiante de que poderia visualizar o efeito de seu trabalho e
– mais feliz ainda – dado seu campo, ele tinha melhores razões do que nós
para esperar que o resultado de seu esforço seria bonito.

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