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Formação Continuada
para Coordenadores
Pedagógicos
Módulo VIII 1
2 Módulo VIII
Formação Continuada para Coordenadores Pedagógicos
SUBSECRETARIA ADJUNTA DE
PLANEJAMENTO PEDAGÓGICO
Alba Rodrigues Cruz
Módulo VIII 3
4 Módulo VIII
Formação Continuada para Coordenadores Pedagógicos
EQUIPE TÉCNICA
Celia Maria Penedo
Esther Santos Ferreira Monteiro
Flávia Monteiro de Barros
Hilton Miguel de Castro Júnior
Maria da Glória R. V. Della Fávera
Roseni Silvado Cardoso
Tânia Jacinta Barbosa
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Formação Continuada para Coordenadores Pedagógicos
APRESENTAÇÃO
Prezados Coordenadores Pedagógicos,
• Esclarecer as normas legais que organizam e estruturam o funcionamento das unidades escolares,
contribuindo para uma maior eficácia do trabalho pedagógico;
O curso está estruturado em onze módulos, a serem ministrados em onze oficinas de quatro
horas cada, que serão desenvolvidas por tutores junto às turmas de coordenadores pedagógicos
em exercício nas instituições escolares da rede estadual do Estado do Rio de Janeiro, contando
Módulo VIII 7
também, entre os cursistas, com a presença de gerentes de ensino das Coordenadorias Regionais.
As oficinas terão o suporte de material impresso, a ser distribuído para as turmas durante sua
implementação e contarão com momentos de apresentação dialogada dos conteúdos, debates e
dinâmicas de grupo, procurando sempre promover a articulação entre conhecimentos produzidos
na área e a experiência concreta nas escolas. A seleção dos conteúdos buscou contemplar
aspectos relevantes e polêmicos do processo educacional, considerados centrais para a atuação de
coordenadores pedagógicos e gestores de ensino, de modo a fazer face aos objetivos propostos
para o curso.
Obs: Haverá aulas de reposição de feriados para turmas específicas (aulas de 07/09, 12/10,
28/10 e 02/11 serão ministradas em 30/11, 02/12, 07/12, 14/12; aulas de 14/11 e 15/11 serão
ministradas em 28/11 e 29/11).
Almejamos que o curso represente uma oportunidade de diálogos e reflexões que contribuam
para o crescimento pessoal e profissional de todos os envolvidos. Fazemos votos, também, para
que possa estimular, cada vez mais, promissoras parcerias no sistema público de ensino brasileiro
entre escolas, Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro e a Universidade Federal do
Rio de Janeiro.
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Formação Continuada para Coordenadores Pedagógicos
MÓDULO VIII
CURRÍCULO:
uma questão de
cidadania
Autores:
Ana Canen
Luiz Fernandes de Oliveira
Marta Diniz Paulo de Assis
Organização:
Ana Canen
Setembro de 2005
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Formação Continuada para Coordenadores Pedagógicos
TURMA: _________________________________________________
TURNO: _________________________________________________
PROFESSOR(A): ___________________________________________
DATA: ___________________________________________________
QUESTÕES
1. O que você entende por currículo?
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12 Módulo VIII
Formação Continuada para Coordenadores Pedagógicos
1 - INTRODUÇÃO:
Prezado coordenador pedagógico/gerente de ensino:
Nos módulos II, III e VII, você teve a oportunidade de discutir a avaliação institucional e a
avaliação da aprendizagem. Pôde perceber que não é possível discutir a avaliação, suas formas
e resultados, sem discutir, também, o que ocorre no cotidiano escolar. Isso porque a avaliação
privilegia aspectos e dimensões que devem ter sido trabalhadas no cotidiano da escola e que
resultem na criação de um clima institucional que leve à aprendizagem. Em outras palavras, se
desejamos um ensino transformador, não basta procedermos a novas e transformadoras formas
de avaliação: cabe questionar o que significa o currículo, que tipo de currículo desejamos, como
iremos trabalhá-lo, o que iremos enfatizar, o que iremos silenciar e, acima de tudo, em que medida
esse currículo pode avançar na formação de novas gerações aptas a valorizarem a diversidade
cultural e os avanços tecnológicos, que são as marcas das sociedades contemporâneas. Dessa
forma, nesse e no próximo módulo, discutiremos o currículo.
À primeira vista, as discussões que envolvem currículo e educação parecem bastante simples.
Entretanto, se aprofundarmos o tema, como tentaremos realizar neste módulo, veremos que há
uma complexidade enorme na descrição, reflexão e aplicação prática das questões curriculares ao
cotidiano escolar. Isso porque sabemos que o currículo corresponde a uma seleção da cultura, que
se faz em um universo mais amplo de possibilidades. Essa seleção enfatiza determinados saberes
e omite outros, sendo que presenças e ausências nos currículos representam resultado de disputas
culturais em torno dos valores e habilidades que se consideram dignos de serem transmitidos e
apreendidos. É importante observar que o currículo é um território em que se travam lutas por
diferentes significados do indivíduo, do mundo e da sociedade.
Partimos, pois, da idéia de que o currículo não é neutro, nem universal. Nesse sentido, como
compreender as opções culturais que constam no currículo? Que saberes e habilidades são
valorizados? Como pensar no currículo numa visão de preparação de cidadãos críticos, aptos
a valorizarem a diversidade cultural, em uma perspectiva de formação para a cidadania? Como,
ao mesmo tempo, trabalhar o currículo de modo que contribua na formação para a vida em um
mundo cada vez mais tecnologizado e globalizado?
Módulo VIII 13
Prezado coordenador pedagógico/gerente de ensino, seu trabalho, como formador,
articulador e transformador, nesse contexto, é desafiador, porque não há fórmulas prontas,
sendo necessário criar soluções adequadas a cada realidade; e as mudanças requerem ir além
do transporte mecânico das questões curriculares para a escola. Isso porque as questões de
currículo envolvem outras dimensões para além do cotidiano escolar. No novo contexto
cultural em que vivemos, faz-se necessário que não pensemos o currículo como simples
conteúdos programáticos a serem aplicados em sala de aula ou como programas de ensino.
É necessário envolver as identidades dos diversos sujeitos inseridos no contexto escolar, as
práticas sociais e culturais desses sujeitos fora desse mesmo contexto, enfim, pensar os sujeitos
e suas relações além dos processos sociais específicos das escolas. Em outras palavras, alunos,
docentes, gestores, coordenadores pedagógicos e outros têm identidades e modos de estar
no mundo que afetam as relações escolares e que compõem também o que denominamos de
“currículo”.
Assim, refletir sobre currículo requer, antes de tudo, ter uma dimensão multicultural, plural ou
multidimensional das práticas escolares. Nesse sentido, no presente módulo, iremos discutir
conceitos e idéias envolvendo o currículo e seus desdobramentos em práticas pedagógicas
concretas e nas propostas curriculares nacionais e estaduais. Tal debate subsidiará a discussão que
será desenvolvida no próximo módulo – o módulo 9, em que aprofundaremos nossas reflexões
sobre aspectos e implicações das idéias aqui discutidas nas políticas de reorientação curricular que
estão sendo desenvolvidas na rede estadual do Rio de Janeiro.
2 - OBJETIVOS
• Discutir concepções contemporâneas de currículo e seus potenciais para a formação de cidadãos
críticos, comprometidos com a valorização da diversidade cultural, da cidadania e aptos a se
inserirem em um mundo global e plural;
• Elaborar e configurar uma proposta de intervenção, por parte dos coordenadores pedagógicos,
na forma de uma pesquisa-ação, com vistas à construção de proposta de implementação curricular
no cotidiano escolar.
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Formação Continuada para Coordenadores Pedagógicos
Módulo VIII 15
SEÇÃO 1 : O CURRÍCULO E A FORMAÇÃO PARA UM MUNDO
GLOBALIZADO E PLURAL
Objetivo:
Discutir concepções contemporâneas de currículo e seus potenciais para a formação de cidadãos
críticos, comprometidos com a valorização da diversidade cultural, da cidadania e aptos a se
inserirem em um mundo global e plural.
De fato, o currículo aparece pela primeira vez como objeto de estudo e pesquisa nos Estados Unidos,
nos anos vinte do século passado, no contexto do processo de industrialização e dos movimentos
imigratórios, que intensificavam a escolarização em massa. Houve um impulso, por parte dos
administradores educacionais, para racionalizar o processo de construção da aprendizagem e essas
preocupações tiveram a expressão máxima no livro de Bobbitt, The curriculum (1918), em que o
currículo é visto como um processo de racionalização de resultados educacionais, cuidadosa e
rigorosamente especificados e medidos. O modelo institucional dessa concepção de currículo
de Bobbitt é a fábrica: sua inspiração “teórica” é a “administração científica”, de Taylor, em
que os estudantes devem ser processados como um produto fabril. Enfim, o currículo seria a
especificação precisa de objetivos, procedimentos e métodos para obtenção de resultados que
possam ser precisamente mensurados. Ao longo do século XX, essa teoria do currículo ganha
força na medida em que os processos educacionais e a escola são entendidos como uma empresa
comercial ou industrial. De acordo com Bobbitt, já que a educação, tal como a usina de fabricação
de aço, é um processo de moldagem, o currículo deveria moldar habilidades das futuras gerações
para as diversas ocupações.
Esse modelo teórico iria se consolidar a partir de R. Tyler (1949). Com a publicação de seu
livro, os estudos sobre currículo se tornaram decididamente estabelecidos em torno da idéia de
organização e desenvolvimento do ensino. O currículo passou, então, a ser visto como uma questão
essencialmente técnica, concepção essa bastante questionada por visões mais emancipadoras da
educação, uma das quais bem ilustrada na figura abaixo, retirada do famoso livro de Harper, B.
et al. (orgs.) (1994), Cuidado escola! desigualdade, domesticação e algumas saídas. São Paulo: Brasiliense,
1994.
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Formação Continuada para Coordenadores Pedagógicos
De fato, a partir da década de 60, no âmbito internacional, e na década de 80, no Brasil, surgiram
teorizações que colocaram em xeque o pensamento e a estrutura educacional tradicionais. A
renovação da teoria educacional que abalou a teoria educacional tradicional inspirou verdadeiras
revoluções nas próprias experiências educacionais e explodiu em vários locais ao mesmo tempo.
Assim, com influência também dos movimentos sociais, surgem as chamadas “teorias críticas”,
que criticam desigualdades, injustiças sociais e fracassos escolares. No âmbito do currículo e das
práticas pedagógicas, por exemplo, para a teoria crítica, o importante não é desenvolver técnicas de
como fazer o currículo ou as práticas, mas desenvolver conceitos que nos permitam compreender
o que o currículo e as práticas fazem.
A teoria crítica preconiza que a ciência deve servir para aliviar a miséria humana, para emancipar
os sujeitos oprimidos, para lhes dar voz e vez. No Brasil, Paulo Freire é um exemplo de prática
pedagógica inspirada na teoria crítica. Sua concepção de alfabetização como prática de liberdade,
de autonomia, de conscientização social marca o sentido de teoria crítica curricular, ainda que não
tivesse se dedicado ao tema específico do currículo. Assim, nessa perspectiva crítica, o currículo
passa a ser visto como uma construção, uma seleção da cultura que deve estar comprometida
com a emancipação das classes oprimidas, com a ligação de conteúdos a experiências vividas
por essas classes, de modo a provocar uma conscientização de suas condições de vida e uma
perspectiva transformadora das mesmas. Denuncia-se o caráter excludente da escola e do
currículo tradicionais, que estariam reproduzindo as desigualdades, ao trabalhar com padrões
culturais distantes das realidades dos alunos e ao “expulsar”, via reprovação e evasão, justamente
aqueles que mais necessitariam da escola para sua educação.
Entretanto, a partir do final dos anos 80 e início dos 90, essas críticas não respondiam ou davam
conta de novas questões postas à realidade educacional, influenciada por novos problemas sociais
e culturais marcados pela globalização e fragmentação cultural. Ou seja, se as teorias curriculares
Módulo VIII 17
tradicionais, como técnicas e procedimentos ditos científicos, promoviam exclusões sociais, as
teorias críticas se limitavam, muitas das vezes, a reflexões em termos de opressores e oprimidos,
classes sociais e luta de classes, sem avançar em proposições nítidas que dessem conta dos múltiplos
processos de exclusão à base de culturas, linguagens, raça, etnia e outros. Da mesma forma,
muitas dessas críticas não avançavam em propostas concretas para que educadores, docentes e
gestores dos sistemas de ensino superassem efetivamente os processos de exclusões escolares.
É importante observar, como sugere Kramer (1999), que, em termos do contexto histórico do
Brasil, desde o momento em que reconquistamos o direito de eleger, pelo voto, os projetos (e não
só os governantes) de gestões, em primeiro lugar estaduais (1982), em seguida municipais (1984)
e, mais recentemente, para o governo federal (1989), tem-se mostrado concreta a possibilidade de
desenvolver diferentes alternativas práticas de ação no campo educacional e, principalmente, no
campo do currículo.
Nesse sentido, para além das categorias da teoria crítica – muito calcadas em opressores e oprimidos
e em classes sociais – outras correntes, denominadas sob o guarda-chuva de pós-críticas ou pós-
modernas, emergem, com novas questões a serem pensadas no currículo, que vão se intensificando
nos anos 2000. De fato, sob essa denominação, inserem-se as mais diversas correntes de
pensamento curricular, dentre as quais podemos citar o pós-estruturalismo e o multiculturalismo. O
pós-estruturalismo visa a “desconstruir” as propostas curriculares, analisando-as como “discursos”
construídos a partir de determinadas visões de mundo. Esses estudos têm avançado no sentido de
nos fazer perceber que nenhuma proposta curricular é neutra, meramente técnica, mas sim que
qualquer uma delas representa um conjunto de enunciados, enfim, um discurso, construído por
tons, palavras e formas concretas de signos e sinais que reforçam uma mensagem sobre o que
são as identidades infantis, de raça, gênero, classe social e outras. O papel dessas teorizações será
o de analisar essas marcas dos discursos curriculares. Vão indagar, por exemplo, qual a noção de
aluno que está presente no discurso de alguma proposta de reforma curricular, como essa noção é
construída pelos termos e sentenças aí utilizadas, a quem interessa esse tipo de noção e assim por
diante. Tais estudos são fortemente influenciados por Michel Foucault.
Por outro lado, dentro dessa visão pós-moderna, o multiculturalismo, por sua vez, vai além dos
questionamentos sobre os discursos curriculares (Canen, 2000, 2001, 2002, 2003; Assis & Canen,
2004; Canen & Moreira, 2001). Os multiculturalistas preocupam-se em indagar em que medida os
currículos estão trabalhando a favor da valorização da pluralidade cultural e desafio a preconceitos,
em suas formulações. O currículo, na visão multicultural, deveria trabalhar em prol da formação das
identidades abertas à pluralidade cultural, desafiadoras de preconceitos, em uma perspectiva de educação para a
cidadania, para a paz, para a ética nas relações interpessoais, para a crítica às desigualdades sociais e culturais.
No entanto, a valorização da diversidade cultural, no âmbito do currículo, seria conseguida por
caminhos nem sempre consensuais entre os multiculturalistas. Por exemplo, em uma perspectiva
de multiculturalismo folclórico, trata-se de impregnar o currículo com noções que mostrem as festas,
ritos, formas de pensar e sentir de diversos povos, raças, etnias, religiões e classes sociais. Isso
ocorre, por exemplo, quando se comemora o Dia do Índio, o Dia Internacional da Mulher, ou a
Semana da Consciência Negra, por exemplo.
Em uma perspectiva de multiculturalismo crítico, por sua vez, inspirado na teoria crítica, trata-se
de se buscar questionar em que medida o currículo tem oferecido oportunidades para alunos e
professores perceberem raízes históricas de preconceitos e discriminações, de modo a desafiá-los.
Nesse sentido, o multiculturalismo crítico avança em relação ao folclórico, na medida em que vai além
do reconhecimento da diversidade cultural, em termos de tradições, e passa a desvelar relações
desiguais de poder entre as culturas, para desafiar tais relações. Por exemplo, a apresentação do
18 Módulo VIII
Formação Continuada para Coordenadores Pedagógicos
episódio da escravidão pela história do Brasil: se o currículo busca levar alunos a pesquisarem
as raízes desse episódio e seu significado para as populações negras, refletindo em que medida
a abolição resultou (ou não) em efetivas condições humanas de vida para essas populações e
discutindo como tais mecanismos podem explicar, em grande parte, o alto grau de miséria na
população negra nos dias de hoje, tal enfoque está dentro de uma visão de currículo multicultural
crítico.
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Nas recentes tensões políticas e sociais no mundo, entre o movimento de globalização e aqueles
de afirmação de valores étnicos, religiosos e culturais, marginalizados do poder; as conferências
mundiais que revelam o aprofundamento de exclusões; as reações a esses processos, manifestando-
se em discriminações, racismos e xenofofia; e, por fim, a emergência da extrema-direita em países
da Europa, com discursos racistas e programas ultranacionalistas, ganha força o multiculturalismo
– “movimento teórico e político que busca resposta para os desafios da pluralidade cultural nos
campos do saber, incluindo não só a educação, como também em outras áreas” (Canen, 2002).
Segundo Gonçalves e Silva (1998), o multiculturalismo não surgiu no campo da educação. Foi e é
expressão de reivindicações, contemplado por políticas com diferentes enfoques e abrangências,
que invadiram o campo educacional. Na educação, o currículo multicultural (Canen & Oliveira,
2002) não significa necessariamente a inclusão de assuntos e tópicos apenas ligados a povos,
culturas e grupos. Trata-se de uma visão em que nossos próprios alunos sejam percebidos em sua
diversidade, em que não desejemos trabalhar com turmas homogêneas, mas sim que valorizemos
a pluralidade de habilidades e competências dos alunos, a diversidade de sotaques e dialetos, a multiplicidade de
saberes e de identidades étnicas, raciais, culturais, lingüísticas, religiosas e outras.
“Em outras palavras, o problema do currículo multicultural não é algo que diga
respeito apenas às minorias culturais, raciais ou religiosas, com vistas a que tenham
oportunidade de se verem refletidas na escolarização como objetos de referência e de
estudo; trata-se, antes, de um problema que afeta a “representatividade” cultural
do currículo comum que, durante a escolarização obrigatória, é recebido pelos
cidadãos. Nossa conclusão final será que o currículo multicultural exige um contexto
democrático de decisões sobre os conteúdos de ensino, no qual os interesses de todos
sejam representados. Mas para torná-lo possível é necessária uma estrutura curricular
diferente da dominante e uma mentalidade diferente por parte dos professores, pais,
alunos, administradores e agentes que confeccionam os materiais escolares. (p.83)
Assim, mais do que discutir o currículo em termos de suas possibilidades para dar voz a
oprimidos e a classes sociais economicamente desfavorecidas, trata-se, nessa visão, de
compreender as possibilidades do currículo em promover a formação de indivíduos
valorizadores da diversidade cultural e aptos a se inserirem, ao mesmo tempo, em um mundo
plural, conflituoso, em permanente mudança.
Isso requer não só domínio de conteúdos e técnicas, mas também competência em lidar com as
diferenças e com as diversas lógicas que regem as relações.
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Formação Continuada para Coordenadores Pedagógicos
Um primeiro tipo de discussão é acerca do que deve ser regulado, centralizado, e o que deve ser
deixado como campo aberto para as culturas locais. Há autores que não concordam com um
currículo central, nacional, estadual ou oficial, ainda que seja apresentado como “parâmetros”,
“diretrizes” ou “ orientações” curriculares. Preconizam a diversificação do currículo, sua adaptação
às culturas locais. Por exemplo, Matte (2003) explica que uma das discussões que precisamos
enfrentar é a da ambigüidade existente entre a retórica da autonomia – seja da escola em elaborar
projetos, seja do professor para auto-gerir seu plano ou do aluno para construir o conhecimento
– e a excessiva padronização de referenciais teóricos sugeridos ao professor, traduzindo-se em
orientações (p.122). Há os que crêem que os grupos e identidades plurais têm o direito de terem
seus próprios currículos. Entretanto, outros curriculistas propõem que tal perspectiva correria o
risco de fazer uma “ guetização”, ou seja, uma separação intransponível entre grupos, cada qual
estudando apenas o que corresponde a seus interesses e valores culturais. Críticos afirmam que
um país necessita de uma estrutura curricular comum, que expresse um projeto de nação, um
conjunto de conteúdos e habilidades requeridas do cidadão para uma perspectiva de inserção na
ordem mundial.
Um segundo desafio é: que tipos de conteúdos devem apresentar currículos multiculturais, voltados
à formação para a cidadania? Essa é uma questão complexa. Veja, na ilustração a seguir, os dilemas
Módulo VIII 21
de um curso de literatura, em uma universidade americana, na tentativa de selecionar conteúdos
para um currículo multicultural:
Assim, o que deve constar como conteúdo em um currículo é um grande desafio a ser enfrentado
por curriculistas, elaboradores de políticas curriculares e por você, coordenador pedagógico/
gerente de ensino, ao discutir com a equipe docente e a comunidade de sua escola opções para
trabalhar com os conteúdos nas diferentes áreas de ensino. É importante evitar preconceitos em
nossos currículos, como, por exemplo, fornecer ilustrações para conteúdos que reforcem papéis
estereotipados para negros, mulheres, homossexuais e outras identidades. Nesse sentido, estarmos
atentos para formas pelas quais os discursos curriculares constroem as identidades raciais, étnicas,
religiosas e assim por diante é muito importante.
Um terceiro desafio é o que resultou das questões postas pelo multiculturalismo na teoria
curricular, que põem em evidência a fragmentação dos saberes em disciplinas e novas propostas
de integração curricular. De fato, propostas de integração curricular normalmente se contrapõem
a uma visão do conhecimento dividido em disciplinas, mais tradicional. Conforme discutido em
outro trabalho (Canen, 2004), a idéia seria a de que a separação em disciplinas daria uma “falsa”
noção de compartimentalização do conhecimento, impedindo os alunos de verem a origem
e a formação dessas disciplinas, bem como suas interdependências e conexões. Morin (2000)
defende que hoje temos que pensar em termos de um conhecimento complexo, para além de sua
compartimentalização. Ele cita, como exemplo, o conhecimento da Medicina, que tem sido cada
vez mais especializado, vendo o corpo e os órgãos separadamente. Aponta a necessidade de se
recuperar a complexidade e a globalidade do conhecimento médico, já que a mente modifica o corpo
e o corpo modifica a mente, o que nem sempre é contemplado nas disciplinas ou especializações
nessa área. Em uma perspectiva multicultural, destaca-se a necessidade de se trabalhar com os
saberes produzidos para além das disciplinas tradicionais, incorporando conhecimentos locais e
uma hibridização de saberes. O chamado currículo integrado tem íntima relação com a importância
que se atribui a conteúdos, competências e habilidades na formação dos indivíduos. Nesse tipo
de visão, os conteúdos não são mais o objetivo principal do currículo. Trata-se de se utilizar os
conteúdos para desenvolver competências e habilidades, estes sim o objetivo principal da educação,
que o currículo deve contemplar.
Algumas formas de trabalhar em uma perspectiva de currículo integrado seriam, segundo Carvalho
(2002), a partir de Nogueira (2001): a multidisciplinaridade (integração de diferentes conteúdos de
uma mesma disciplina; por exemplo, um currículo em que, no conteúdo de Ciências, os temas
água, ar e terra sejam apresentados de forma conectada); interdisciplinaridade (trabalho que implica
em diálogo entre as disciplinas, de modo a eleger objetivos comuns e realizar planejamento em
conjunto; por exemplo, trabalhar com o tema água em ciências e geografia); a transdisciplinaridade
(que sugere ir além das disciplinas, ultrapassando-as (temas são escolhidos de acordo com a
22 Módulo VIII
Formação Continuada para Coordenadores Pedagógicos
realidade e os problemas a serem estudados – por exemplo, os temas transversais propostos para
o currículo nos Parâmetros Curriculares Nacionais).
Essas formas, particularmente a transdisciplinaridade, podem ser consideradas maneiras pelas quais
a escola pode levar o aluno a aprender, com a busca de soluções para problemas que devem ser
analisados sob diferentes ângulos. Segundo Canen (2004), na transdisciplinaridade, o objetivo
não é apenas que os alunos trabalhem os conteúdos, mas também que desenvolvam habilidades,
atitudes, conscientização crítica e competências relacionadas àqueles aspectos da realidade em que
se inserem. Por exemplo, quando os PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais – falam de temas
transversais, tais como Pluaralidade Cultural e Ética, estão propondo um currículo integrado nessa
perspectiva transdisciplinar. Isso porque, pelo menos a nível de intenções, essa política curricular
pretende que todas as disciplinas realizem conexões de seus conteúdos com esse aspecto da
realidade – a pluralidade cultural e a ética.
Chaves et al. (2003) chamam essa perspectiva de transcurricular (alguns autores chamam de
“cross-curricular”, como no inglês). Eles se referem ao currículo de Portugal, conforme explicado
por Canen (2004), em que os temas transversais a serem trabalhados pelos diversos ângulos são:
educação para os direitos humanos; educação ambiental e para a saúde e bem-estar; educação
alimentar; educação sexual e para a prevenção de situações de risco pessoal (ex. prevenção de
riscos de acidentes rodoviários, de consumo de drogas etc). São temas aglutinadores, baseados em
princípios e valores que norteiam a sociedade.
Há cursos, por exemplo, de formação de professores, que escolhem outros temas integradores
para a perspectiva transdisciplinar, como, por exemplo, a identidade do professor, discutindo
essa questão sob vários ângulos: a partir do multiculturalismo (pluralidade de marcas de raça,
gênero, classe social e outras, que formam a identidade pessoal do professor); história da educação
(a feminização da identidade do professor, a perda de status, a proletarização da identidade do
professor, e assim por diante); psicologia da educação (a motivação e desmotivação com relação à
carreira, fatores psicológicos que levam à satisfação na carreira etc.), por exemplo..
Em termos do currículo do ensino médio, veja mais um exemplo: um autor britânico chamado
Pumfrey (1993) sugere elementos centrais transdisciplinares (que ele denomina de cross-curriculares)
para a construção de um currículo integrado. Em uma perspectiva multicultural, o referido autor
defende que o currículo integrado seja constituído de três aspectos: dimensões, habilidades e temas. As
duas dimensões que ele escolheu nessa perspectiva multicultural, transdisciplinar, foram: igualdade
de oportunidades e multiculturalismo. Seis habilidades ou competências foram por ele sugeridas:
comunicação, cálculo numérico, habilidades de pesquisa, solução de problemas, habilidades pessoais
Módulo VIII 23
e sociais, e tecnologia da informação. Essas competências e habilidades não estariam ligadas a
disciplinas específicas, mas seriam, sim, trabalhadas por todas. Finalmente, os temas seriam os
conteúdos programáticos de cada disciplina, que trabalhariam com as dimensões e as habilidades
sugeridas, sempre imbuídas das duas dimensões escolhidas. Dimensões, competências/habilidades
e temas/conteúdos podem ser apresentados em uma matriz curricular, que é uma forma gráfica de
apresentar essas interações (você terá oportunidade de estudar a matriz curricular proposta nos
documentos de reorientação curricular da SEE-RJ, 2005, no módulo 9).
É importante observar, no entanto, que até mesmo o currículo integrado não é aceito de forma
consensual. Por um lado, alguns o defendem, como os autores citados e como Goodson (1999),
para quem a organização escolar em disciplinas fragmenta o processo. Entretanto, para autores
como Santomé (1998), os debates em torno da questão dos currículos mais integrados, ou não
fragmentados em disciplinas, não tem sua origem somente nas questões culturais e do novo contexto
da globalização. Ela está, ao contrário, ligada às novas necessidades das economias de produção
flexível. Assim, Santomé (1998) afirma que, com o fim do modelo hegemônico fordista/taylorista
e a reestruturação produtiva, emergem exigências de novos parâmetros de organização do trabalho
e um novo tipo de trabalhador: “flexível”, “polivalente”, “moldado” para a competitividade e que
trabalhe em equipes. Para tanto, faz-se necessário formar pessoas com conhecimentos, destrezas,
procedimentos e valores de acordo com a nova filosofia flexível da economia. Dessa forma,
segundo o referido autor, os conceitos de “ensino globalizado”, “interdisciplinar”, “participação”,
“democracia”, “trabalho em equipe”, “abrangência”, “autonomia”, e mesmo de currículo
integrado, ganham força. Em outras palavras, o referido autor aponta o currículo integrado como
uma exigência, não de uma perspectiva multicultural, mas de uma perspectiva neoliberal, que visa
formar um novo tipo de trabalhador adestrado à nova ordem econômica mundial!...
Longe de esgotar as discussões, os três grandes desafios apontados nesta seção indicam que a
construção de currículos no mundo contemporâneo tem se voltado para uma perspectiva inclusiva,
multicultural, mas sua tradução em políticas e práticas curriculares não é consensual e, acima de
tudo, tem de lidar com os desafios brevemente comentados acima.
24 Módulo VIII
Formação Continuada para Coordenadores Pedagógicos
Objetivo:
Nas políticas curriculares, essas questões têm sido fortemente debatidas e, sem dúvida alguma,
estão longe de serem resolvidas. Segundo Matte (2004), as reformas, como fenômeno histórico,
têm sido utilizadas como dispositivos de regulação social, lançando e/ou reformulando,
concomitantemente, programas e métodos de ensino, e alterando os modos de organizar o
tempo, o espaço e o saber escolar, sugerindo modos de pensar/fazer educação, estabelecendo
outros padrões de comportamento (p.72). Faz-se necessária uma profunda reflexão, por parte dos
coordenadores pedagógicos, sobre como foram construídas verdades em educação e como cada
sujeito opera essas verdades na prática, buscando o sentido do fazer pedagógico. Assim, destaca-
se o papel do coordenador pedagógico, junto às reformas curriculares, no sentido de perceber-se
como implementador, no cotidiano escolar, das políticas curriculares.
Módulo VIII 25
Dessa forma, aceitando a existência de propostas curriculares nacionais e estaduais como pontos
de partida para repensar o currículo em nossas escolas, podemos, em um primeiro momento,
ver de que forma algumas das idéias discutidas anteriormente se refletem na construção dessas
propostas curriculares. De fato, a introdução dos conteúdos de História da África e Cultura
Afro-brasileira, reflexões que envolvem a educação indígena, a discussão de gênero e o ensino
religioso, que têm incidido nos documentos de orientações curriculares, incluindo o fazer e o
pensar cotidianos trabalhados na escola e sobre as atividades escolares, revelam, ainda que de
forma indireta, desafios multiculturais anteriormente citados. Um exemplo é a LEI No 10.639,
DE 9 DE JANEIRO DE 2003, que altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que
estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede
de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”, ilustra uma das
tendências dos currículos contemporâneos, em termos da inclusão de temáticas multiculturais em
suas propostas.
Questões relativas ao conteúdo proposto nessa lei referem-se a: como introduzir esses estudos
sem recair em uma perspectiva muito folclórica do multiculturalismo, ou seja, sem recair em um
conteúdo que apenas fale dos ritos e mitos africanos? Como incorporar conteúdos mais críticos,
anti-racistas, nessa temática?
Esse tipo de questão pode ser apresentado por você, coordenador pedagógico, nas discussões
curriculares com sua equipe docente. Isso porque, dentro de uma linha que valoriza a articulação
conteúdos/competências/habilidades, que comentamos anteriormente, não basta o conteúdo
ser multicultural: há que fomentar competências e habilidades nos alunos para: lidarem com
as diferenças, valorizando-as; perceberem-se como parte de um mundo complexo e plural,
abandonando posturas auto-centradas e preconceituosas, e assim por diante.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs, 1998), por sua vez, também ilustram essas tensões.
Propõem temas transversais, como tentativa de dar conta de um currículo que, ainda que se
sustente em disciplinas, busca trabalhar com grandes temas transdisciplinares. Assim, por exemplo,
como citado anteriormente, o tema transversal Pluralidade Cultural e Ética é apresentado nessa
perspectiva, como tema que deve perpassar todos os conteúdos trabalhados na escola, seja de
língua portuguesa, matemática, ciências e outros. Dessa forma, o tema do multiculturalismo é
contemplado (embora, como temos discutido, nem sempre de forma crítica ou pós-colonial) e,
também, uma perspectiva de currículo integrado, como forma de se buscar modos alternativos de
construção curricular.
Você deve se lembrar, também, no caso das políticas de avaliação em larga escala, como o
SAEB (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica) e o Programa Nova Escola (SEE-
RJ), estudados nos módulos II e III, que o desafio da articulação entre conteúdo/competência/
habilidade encontra-se em suas matrizes de referência, entendendo-se que o conteúdo, como mera
memorização, não deve ser o objetivo da aprendizagem ou da avaliação. Você também percebeu,
no módulo VII, quando discutíamos avaliação da aprendizagem, que os objetivos de Bloom com
relação a conhecimento, compreensão, aplicação, análise, síntese e avaliação, já sinalizavam para
o que se denominaria de habilidades e competências, como aspecto relevante para o currículo.
Assim, um currículo que articule conteúdos e competências parece ser um caminho interessante
para trabalhar, ainda que repleto de desafios.
Da mesma forma, como você estudará com mais profundidade no próximo módulo, os documentos
de Reorientação Curricular (SEE-RJ/UFRJ, 2005) refletem as questões e desafios comentados
26 Módulo VIII
Formação Continuada para Coordenadores Pedagógicos
anteriormente. Você poderia verificar, por exemplo, nas matrizes curriculares presentes na
proposta, a presença de conteúdos e também de habilidades, sendo que algumas também propõem
interfaces com outras disciplinas, configurando uma visão de articulação conteúdos/habilidades
e tentativas de promover interdisciplinaridade. Da mesma forma, os volumes dos documentos de
reorientação curricular encontram-se agrupados em áreas, como, por exemplo, o livro 1, que se
refere a “linguagens e códigos”, o livro 2, que se refere a “ ciências da natureza e matemática”, e
o livro III, que se refere às “ciências humanas”, por exemplo, indicando uma tentativa de currículo
integrado por áreas, para além de uma visão puramente disciplinar. Finalmente, observe que
preocupações com a diversidade cultural, com a inclusão e com as temáticas contemporâneas
que têm invadido nossas discussões na área parecem estar presentes no discurso da proposta de
reorientação curricular, no que diz respeito às intenções. Por exemplo, no texto de apresentação
(Barroso & Mandarino, 2005, v. 1, pp. 20 – 21), fala-se em uma proposta de reorientação curricular
que se volte a questões de “como lidar com as diferenças na escola e as diferenças individuais”,
bem como de garantia de “interdisciplinaridade” como forma de promoção de diálogo entre as
disciplinas (SEE-RJ, 2005).
Inicialmente, veja uma ilustração sobre desafios do currículo ao ser traduzido para a ação,
descrito por Tomazi (2004). O referido autor observava seus alunos de licenciatura exporem o
tema “Ideologia” para adolescentes, numa escola de ensino médio no Paraná. Ao fundo da sala,
observava que havia jovens que não estavam nem um pouco interessados no desenvolvimento
dos conteúdos. Alguns conversavam sobre o seqüestro da filha do Silvio Santos, outros faziam
piadinhas sobre o fato, e outros ainda diziam, a respeito dos licenciandos: “esse cara já encheu,
viu?” Segundo TOMAZI (2004), essa experiência aponta para algo bem profundo nas questões
de currículo e suas implicações práticas: os elementos que constituem nosso imaginário sobre
as crianças, os jovens adolescentes e a forma de nos relacionarmos com eles, mediados pelos
conteúdos curriculares. Ele afirma que não podemos desconsiderar a cultura do consumo, que
Módulo VIII 27
molda as identidades na sociedade contemporânea. Aponta que não é que os jovens, por exemplo,
deixaram de se interessar pelo mundo, mas eles estão identificando cada vez mais a escola como
algo distante dos seus prazeres. E os professores, que gostam de falar muito e ouvir a própria voz,
não permitem que seus alunos falem de si, de seus problemas e suas explicações. Tomazi faz uma
crítica dura aos sistemas de ensino, aos currículos engessados, às práticas e didáticas utilizadas que
tolhem a criatividade, seu modo de pensar e fomentam a competitividade.
De fato, no currículo em ação, será necessária uma articulação do contexto mais amplo com as
representações identitárias presentes na sala de aula. Isso não exclui o contexto social, mas busca
sua problematização no contexto real de aula. Significa tratar a desigualdade não como algo que é
exterior à sala de aula, mas que é também inerente a ela. Xavier (2001), por exemplo, constatou em
sua pesquisa num curso de formação de professores que, nos documentos da proposta político-
pedagógica do curso, falava-se em inclusão, em valorização da diversidade cultural. No entanto, na
sala de aula, esses assuntos eram abordados de forma teórica, ignorando-se a própria diversidade
que havia naquela sala de aula e a exclusão que sofriam alguns dos indivíduos ali presentes!
Ao abordar o assunto “pele”, por exemplo, a professora acima inicialmente via o que os alunos
pensavam sobre o tema, falava do preconceito contra cor e raça e, somente depois dessas fases,
apresentava materiais científicos que mostravam a “simples” diferença de peles referentes a
marcadores biológicos. Discutia esse material junto com outros, vindos de outras áreas, como a
língua portuguesa, forçando a interdisciplinaridade, o currículo integrado. Isto porque utilizava o
tema do racismo a partir de textos de literatura, e hibridizava com textos da biologia, mostrando
a falácia do preconceito.
28 Módulo VIII
Formação Continuada para Coordenadores Pedagógicos
Conclusões:
Caro coordenador pedagógico/gerente de ensino, você observa que as propostas contemporâneas
têm discutido formas pelas quais o currículo poderia transformar-se para além da visão técnica
e pseudo-neutra preconizada por Tyler. Mas, também, têm debatido como se poderia pensar
em um currículo multiculturalmente comprometido, que promovesse o contato com as diversas
culturas e que favorecesse o desafio a preconceitos e uma perspectiva inclusiva. Questionam quais
seriam os formatos para desafiar noções rígidas de disciplinas estanques e promover currículos
integrados, que trabalhem a multidisciplinaridade, a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade.
Não contentes com esses desafios, ainda têm pensado em que medida fariam sentido (ou não)
propostas nacionais, homogeneizadoras, de currículo em face da diversidade de culturas locais
e de identidades plurais que fazem parte das sociedades contemporâneas, incluindo a nossa. E,
finalmente, ainda questionam em que medida o currículo poderia preparar o cidadão crítico,
multiculturalmente consciente, mas, também, apto a se inserir em um mundo tecnologizado,
competitivo e globalizado.
Neste sentido, o novo milênio em que vivemos caracteriza-se por tensões referentes à afirmação
de identidades plurais em sociedades cada vez mais multiculturais e desiguais, levando à
necessidade de se pensar o campo educacional, e especificamente os currículos e praticas de
ensino, nessa perspectiva mais ampla. A avaliação da aprendizagem e a avaliação das escolas deverá
estar intimamente ligada a essas novas formas de se trabalhar o currículo, como você discutiu
no módulo VII. Vimos que, se desejamos avaliar a qualidade do ensino, da aprendizagem e da
escola, em novos parâmetros que incluam as preocupações acima, outras formas de se trabalhar
o currículo no cotidiano escolar devem ser pensadas, rompendo com um ensino muito congelado
em disciplinas estanques e que supere a “miopia” com relação ao contexto, à pluralidade e às
transformações que atingem a sociedade.
Módulo VIII 29
SEÇÃO 3: PENSANDO EM CASOS...
Objetivo:
Analisar, com os respectivos pares, concepções curriculares a partir de experiências concretas do
cotidiano escolar, das novas legislações e de desafios e potenciais na sua implementação, a partir
de uma perspectiva multicultural.
Caso 1
Em um relato feito por uma professora negra, em um evento de atualização de professores/as
em Porto Alegre, uma menina negra, de três anos, passou a freqüentar a pré-escola. Após algumas
semanas de “aula”, começou a chorar e a recusar-se a ir para a instituição sem, no entanto, verbalizar
motivos que pudessem justificar tal atitude. A mãe foi procurar a professora, que também não
conseguia explicar o fato, e ambas procuraram conversar e observar mais detidamente a criança
para poder entender o que vinha acontecendo. Depois de repetidas e variadas abordagens, a
menina explicou à mãe que não queria mais ir para a escola porque, ali, ela tinha descoberto que
“não podia ser anjo”! O que, exatamente, ela queria dizer com isso? E o que nós, professores
e professoras, podemos e/ou devemos aprender com essa história? Como você, coordenador
pedagógico, sugeriria trabalhar o currículo, de uma forma interdisciplinar, multidisciplinar ou
transdisciplinar, que pudesse minimizar o preconceito e valorizar a diversidade? Que tipos de
atividades, reuniões e estratégias utilizaria com o corpo docente nesse sentido? Em que medida
poderia articular o conteúdo da lei citada no texto com referência à introdução de estudos sobre
história da África no currículo para desenvolver estratégias com relação a essa questão? Que
estratégias poderia sugerir, a partir do multiculturalismo, para o trabalho curricular nessa direção?
Pensaria em propor um tema a ser trabalhado interdisciplinarmente ou transdisciplinarmente com
a equipe (por exemplo, ética, ou multiculturalismo)? Que tal, por exemplo, trabalhar com a história
do negro no Brasil?
Caso 2
Você deseja implementar, na escola, um ensino que privilegie a articulação de conteúdos a
habilidades e competências que os alunos devem desenvolver. Percebeu, a partir de resultados
de avaliação em larga escala e da avaliação da aprendizagem, que certas habilidades em língua
portuguesa não estão sendo desenvolvidas na escola. Como buscaria se aproximar da equipe
docente que trabalha com a língua portuguesa? Como apresentaria o problema? Que estratégias
utilizaria para: a) mostrar que existe o problema; b) mostrar a relevância de se trabalhar, de forma
articulada, entre conteúdos e habilidades; c) fomentar o diálogo na equipe e a busca de idéias para
tornar o currículo mais relevante, em termos da articulação conteúdos e habilidades?
Caso 3
Você deseja implementar, na escola, um ensino que privilegie a articulação de conteúdos a
habilidades e competências que os alunos devem desenvolver. Para isso, quer utilizar a perspectiva
de pesquisa, de projetos de investigação, para ser desenvolvida como competência central, nesse
período. Como buscaria promover essa idéia com a equipe docente? Pense no que aprendeu nos
30 Módulo VIII
Formação Continuada para Coordenadores Pedagógicos
módulos anteriores, como, por exemplo, no módulo 6. Que tipos de idéias você poderia sugerir
para a equipe, em termos de propostas de pesquisa e seu desenvolvimento? Como poderia propor
uma perspectiva de pesquisa inter, multi ou transdisciplinar? Até que ponto a informática e outras
tecnologias poderiam ser utilizadas neste esforço? Que outras idéias você teria para desenvolver
o espírito de pesquisa e de equipe, como habilidade central no currículo, tanto na equipe docente
como nos alunos?
Caso 4
Você tem percebido, ao observar aleatoriamente algumas aulas e a partir de conversas com alunos
e responsáveis, que tem havido uma falta de motivação para o estudo de certa disciplina. O
professor parece não falar a linguagem dos alunos e o que você viu, no caso relatado por Tomasi
no texto desse módulo, parece se repetir. Que estratégias sugere para se aproximar do professor?
Que idéias poderia avançar, com ele e com toda a equipe docente, no sentido de tornar o currículo
mais próximo e significativo para os alunos? Como proporia trabalhar a questão, não só em uma
perspectiva de “correção de rumos”, mas, acima de tudo, em uma visão “pró-ativa”, que mobilize
todo o corpo docente?
Caso 5
Você quer incentivar uma maior integração do currículo e, para isso, compreende que deve
incentivar uma maior interação do próprio corpo docente. Que tipo de planejamento proporia,
para que professores de diferentes disciplinas pudessem elaborar alguns objetivos e temas comuns,
para serem trabalhados de forma interdisciplinar ou transdisciplinar? Que sugestões faria? Pense
em um exemplo de tema e em duas disciplinas que poderiam trabalhar com esse tema. Como
fomentaria essa integração?
Objetivo:
Elaborar e configurar uma proposta de intervenção por parte dos coordenadores pedagógicos
com vistas à construção de uma proposta de implementação multicultural crítica curricular no
cotidiano escolar.
Inicialmente, proceda a um diagnóstico das formas pelas quais o currículo tem sido percebido
e trabalhado em sua escola, respondendo às seguintes questões (algumas das quais adaptadas a
partir de Kramer, 1999):
a) Você e sua equipe pedagógica conhecem o material de reorientação curricular da S.E.E.? Como
o percebem diante das discussões empreendidas até agora? No caso de coordenador da educação
fundamental, primeiro segmento, conhece a forma pela qual o currículo tem sido trabalhado na
sua escola? Contemplam o que se avalia, conforme você lembra do módulo 3, referente à quarta
série – final dessa etapa de estudo?
Módulo VIII 31
b) Como são articuladas as áreas do conhecimento no interior da proposta pedagógica trabalhada
na sua escola? Em que medida encontram significado no cotidiano escolar?
Releia o texto desse módulo e faça o que se pede. Você deverá apresentar, pelo menos, uma
das ações a seguir, como trabalho de casa, para efetivar a perspectiva de ação que esperamos
desenvolver no curso, como você tem percebido no decorrer dos módulos:
1) Proponha um projeto de trabalho com a equipe, que busque fomentar a articulação entre
conteúdos, habilidades e competências, nas diversas áreas.
2) Elabore algumas estratégias (reuniões com a equipe, com pauta, por exemplo), apresentando
idéias iniciais para trabalhar com a articulação expressa na questão 1.
4) Avalie, junto com a equipe, em que medida o currículo desenvolvido na escola contempla a
diversidade cultural e a perspectiva de currículo integrado, propondo formas de aproximar a equipe
e de gerar temas e dimensões multiculturais que possam ser trabalhados por vários professores,
com suas turmas.
32 Módulo VIII
Formação Continuada para Coordenadores Pedagógicos
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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www.papelvirtual.com., 2001.
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do multiculturalismo. Revista Estudos, Dossiê Diversidade Cultural e Educação Indígena, revista do
Mestrado em Educação da UCDB, Campo Grande, n. 15, 2003.
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relações estabelecidas no corpo docente, Coleção Veredas: Formação Superior de Professores,
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CHAVES, I. S., PAIXÃO, F. & CACHAPUZ, A.. Desafios da complexidade e novas tendências e
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KRAMER, Sonia. Propostas pedagógicas ou curriculares: subsídios para uma leitura crítica, in:
MOREIRA, A.F.B. (org.) Currículo: políticas e práticas. Campinas: Papirus, 1999.
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V.M.N. de.(orgs). O Coordenador e o Espaço de Mudança. 3ª. Ed. São Paulo: Loyola, 2003.
MORIN, E.. Saberes globais e saberes locais: o olhar transdisciplinar. Rio de Janeiro: Garamond,
2000.
Módulo VIII 33
PUMFREY, P. D. Cultural Diversity and the Curriculum: context, challenges and responses. In:
Pumfrey, P. D. & Verma, g. (Orgs) The Foundation Subjects and Religious Education in Primary Schools.
London: The Falmer Press.
SILVA, T. T. Documentos de Identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica,
1999.
XAVIER, G. P. de M. A formação de professores para uma sociedade multicultural. Rio de Janeiro: UFRJ,
Faculdade de Educação. Dissertação de Mestrado, 2001.
GIROUX. H. Os Professores como Intelectuais: rumo a uma pedagogia crítica da aprendizagem. Porto Alegre:
Artes Médicas, 1997. Neste livro, Giroux apresenta a idéia do conhecimento como uma construção,
tendo os professores o papel de intelectuais transformadores, que trabalham com o currículo em
uma perspectiva cidadã, questionando verdades em prol de uma sociedade mais justa.
34 Módulo VIII
Formação Continuada para Coordenadores Pedagógicos
Módulo VIII 35
36 Módulo VIII
Formação Continuada para Coordenadores Pedagógicos
FICHA DE AUTO-AVALIAÇÃO
NOME: TURMA:
TUTOR:
POLO: MÓDULO:
Gostaríamos que respondesse às questões a seguir, de modo a realizar uma auto-avaliação com
relação ao módulo estudado e a sua participação no mesmo.
2) Das idéias acima, com quais você se identificou mais? Por que?
5) Em que medida a pesquisa-ação sugerida para ser desenvolvida na sua escola, após a oficina, foi
realizada por você? Houve facilidades e/ou dificuldades? Quais?
9) Que grau – insuficiente, suficiente, bom, muito bom e excelente – atribuiria a seu desempenho
e participação no módulo?
10) Que sugestões apresentaria para o aperfeiçoamento das oficinas, a partir da experiência com
este módulo?
Módulo VIII 37
38 Módulo VIII
Formação Continuada para Coordenadores Pedagógicos
I Módulo
Clareza do programa do módulo
Atendimento aos objetivos propostos
Entendimento dos objetivos
Aumento do conhecimento
Número de aulas
Tempo destinado a cada seção tratada
Pertinência deste módulo com relação ao curso
II Professor
Suficiência de atenção por parte do professor
Respeito ao ritmo e estilo de aprender da turma
Assiduidade
Pontualidade
III Informação
Relevância dos temas
Apropriação da linguagem utilizada
Complementaridade ao material impresso
Capacidade de despertar interesse
IV Interatividade
Interação entre os colegas
Interação com os professores
V Material impresso
Comentários complementares:
Módulo VIII 39
40 Módulo VIII
Formação Continuada para Coordenadores Pedagógicos
Equipe - UFRJ
Setembro de 2005
Módulo VIII 41
42 Módulo VIII
Formação Continuada para Coordenadores Pedagógicos
Coordenação Geral:
Ana Canen
Coordenação de Área:
Giseli Pereli de Moura Xavier
Maria Inês Lavinas Pereira
Marlene Jesus Soares Bezerra
Organização:
Ana Canen
Módulo VIII 43
Equipe
MÓDULO II – AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL I (Equipe UFJF)
Autores:
Lina Kátia Mesquita De Oliveira
Denise Barros Weiss
Gilvan Procópio Ribeiro
Organização:
Lina Kátia Mesquita de Oliveira
Organização:
Lina Kátia Mesquita de Oliveira
Organização:
Ana Canen
Organização:
Ana Canen
Organização:
Ana Canen
44 Equipe
Módulo VIII
Formação Continuada para Coordenadores Pedagógicos
Organização:
Ana Canen
Organização:
Ana Canen
MÓDULO IX – CURRÍCULO II
Autores:
Ana Canen
Maria Inês Lavinas Pereira
Organização:
Ana Canen
Organização:
Ana Canen
Organização:
Ana Canen
Módulo VIII 45
Equipe
Equipe de Tutores:
Ana Canen
Aurila Eurídice Carneiro da Cunha Souza
Gérson Tavarez do Carmo
Giovana Delvan Stuhler
Giseli Pereli de Moura Xavier
Luiz Fernandes de Oliveira
Marco Paulini
Maria Inês Lavinas Pereira
Marlene Jesus Soares Bezerra
Marta Diniz Paulo de Assis
Mônica Repsold
Pablo Silva Machado Bispo dos Santos
Paulo Sérgio da Rocha Oliveira Santos
Ronaldo Souza de Castro
Vanessa do Carmo Marinho
46 Equipe
Módulo VIII