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2021-2022/2.º SEMESTRE
AULA 7
14.03.2022
Quem cria um perigo para bens jurídicos alheios, deve agir para remover ou diminuir
esse perigo e, em certos casos, até fica investido numa posição de garante da não verificação
de resultados mais gravosos.
Costuma associar-se:
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(i) A criação lícita de perigo (i.e., dentro do risco permitido ou do risco geral da vida
ou ao abrigo de legítima defesa) para bens jurídicos alheios a um mero dever
intensificado de auxílio, alicerçado num especial dever de solidariedade social (cfr.
artigo 200.º/2 do CP); e
(ii) A criação ilícita de perigo a uma posição de garante e a um dever jurídico e pessoal de
evitar resultados mais graves (artigo 10.º/2 do CP).
Fundamento jurídico do dever de garante por ingerência: “articulação entre
responsabilidade pela [própria] acção”, que obriga a “compensar as consequências da
intromissão na esfera alheia” e a “relativa perda de controlo da vítima sobre os seus bens
jurídicos” e a igualdade. Se não existisse “um dever de compensar consequências indirectas
da situação criada, permitir-se-ia um alargamento da liberdade de acção de uns à custa do
sofrimento de outros” (PALMA, 2020: 88).
O problema é que esta fundamentação jurídica do dever de garante de bens jurídicos
alheios não limita a afirmação de tal dever às situações de precedente ilícito. Como resolver
então?
Se bem se interpreta, MARIA FERNANDA PALMA (2020: 86-88) admite que mesmo
as situações de precedente lícito podem fundar um dever jurídico e pessoal de evitar o
resultado. Em seu entender, nesses casos não deixou de existir “uma ultrapassagem da
esfera de risco própria [e] uma violação, ainda que objectiva, do risco permitido”, pois a
liberdade de actuação do agente “interferiu, involuntariamente, com a de outros, deixando-
os numa situação de impossibilidade de controlo sobre a sua sobrevivência”. “A liberdade
de acção do agente transferiu para ele o domínio sobre uma esfera de [actuação] alheia”.
Segundo MARIA FERNANDA PALMA, para existir uma posição de garante por
ingerência, não é precisa “uma autêntica ilicitude o comportamento anterior, bastando (....)
uma contrariedade objectiva ao dever [por ultrapassagem da própria esfera de risco e de
actuação], de modo que a vítima não esteja em posição de suportar (...) a intromissão na
sua esfera ainda que acidental”.
Daqui decorre que a actuação prévia perigosa para bens jurídicos alheios fundamenta
uma posição de garante. Esta, porém, não impedirá uma punição do agente pela
incriminação subsidiária da omissão de auxílio agravada (artigo 200.º/2 do CP), sempre
que:
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a) Falte uma conexão de risco entre o perigo criado e o resultado verificado, o qual se deu em
virtude da materialização de um outro risco (v.g. morte do ciclista acidentalmente
atropelado e ligeiramente ferido, que foi abandonado à sua sorte, mas veio a morrer
em virtude da hemofilia de que padecia – F. DIAS, 2019: 38.º Cap., §40);
b) Se comprove que a vítima, mesmo que socorrida, faleceria.
Para MARIA FERNANDA PALMA (2020: 88), só não fundamentará uma posição de
garante por ingerência a actuação prévia em legítima defesa ou ao abrigo de qualquer outra
causa de justificação. Porém, a Autora não esclarece se, nestes casos, admite uma punição
do defendente, que depois abandona o agressor à sua sorte, ao abrigo do artigo 200.º/2 do
CP.
Note-se o facto precedente perigoso pode ser activo ou omissivo – v.g. não mandar
arranjar o telhado em mau estado que cai em cima de um transeunte e o fere gravemente.
Aqui pode afirmar-se a existência de uma omissão ilícita precedente que fundamenta
responsabilidade por ofensas graves negligentes à integridade física mediante
comportamento omissivo (artigos 148.º/3, sem necessidade de recorrer ao artigo 10.º por
a violação do dever de cuidado poder realizar-se indiferenciadamente mediante um
comportamento activo ou omissivo)
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Segundo F. DIAS, diferentemente, quando se esteja perante uma prévia actuação em estado
de necessidade justificante (artigo 34.º), nos termos da qual o perigo para bens jurídicos do
agente é transferido para a esfera jurídica de um terceiro que nada tem a ver com a situação
de perigo, já seria possível afirmar um dever de garante do autor da acção de necessidade
relativamente aos bens jurídicos do terceiro por ele colocados em perigo. Assim sucederia porque
neste caso estaria ausente o princípio da auto-responsabilidade do colocado em perigo,
tendo o agente em estado de necessidade intervindo “no âmbito de liberdade de uma pessoa
a quem não cabe qualquer responsabilidade pelo estado de necessidade”.