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Medicina, Ribeirão Preto,

36: 45-53, jan./mar. 2003 DISCUSSÃO CLÍNICA

HIPERPLASIA CONGÊNITA DE SUPRA-RENAL: A COMPREENSÃO


DO DIAGNÓSTICO E IMPLICAÇÕES PARA A AUTO-IMAGEM

CONGENITAL ADRENAL HIPERPLASIA: THE DIAGNOSIS COMPREHENSION AND AUTO-IMAGE IMPLICATIONS

Fabíola C. R. Brunhara1 & Eucia Beatriz Lopes Petean2

1
Doutoranda. 2Docente. Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto – USP.
CORRESPONDENCIA: Av. Bandeirantes, 3900 – CEP 14040-901 - Fone: 602-3767 Fax: 603-3793 - e-mail: ebpetean@ffclrp.usp.br

BRUNHARA FCR & PETEAN EBL. Hiperplasia congênita de supra-renal: A compreensão do diagnóstico e
implicações para a auto-imagem. Medicina, Ribeirão Preto, 36: 45-53, jan./mar. 2003.

RESUMO: A Hiperplasia Congênita de Supra-Renal (HCSR) é uma síndrome genética, que


caracteriza uma condição de intersexualidade. No intuito de compreender o que as mulheres
conhecem sobre a síndrome, foram entrevistadas sete mulheres portadoras de HCSR, com
idades entre 18 e 40 anos, de baixo nível sociocultural, dentre as quais 5 realizaram cirurgia
corretiva de genitália, sendo 3 casadas e 4 solteiras. Os resultados indicaram entendimento
sobre a síndrome. As 4 mulheres solteiras não iniciaram vida sexual e 3 delas colocaram a
síndrome como principal dificuldade. Todas referiram satisfação com a cirurgia corretiva, não
sofrendo prejuízos relacionados ao prazer e orgasmos, porém têm dificuldades relacionadas à
auto-imagem.

UNITERMOS: Hiperplasia Supra-Renal Congênita. Diagnóstico Psicológico. Auto Imagem.

1- INTRODUÇÃO o processo de masculinização. A segunda categoria


de forças advém de uma série quase infinita, de indíci-
As bases da discussão da diferenciação sexual os derivados das experiências com os membros da
são fisiológicas, psicológicas e sociológicas. O que se família, professores, amigos e companheiros, e de fe-
deve distinguir é o sexo genético, o sexo gonadal, o nômenos culturais.
sexo corporal, o sexo do estado civil e, finalmente, o Segundo Bee (1997)(2), depois de adquirida a
sexo “vivido”. Esse sexo “vivido” remete à noção de identidade de gênero em si, a estabilidade de gênero é a
identidade sexuada, na qual o indivíduo se reconhece, segunda etapa, com mais ou menos quatro anos de ida-
e inclui dois componentes: a identidade de gênero e a de, e consiste na compreensão de que se permanece do
identidade de sexo. Por identidade de sexo, compre- mesmo gênero por toda a vida. A última etapa é a con-
ende-se um conceito biológico, e por identidade de sistência de gênero, que é o reconhecimento de que
gênero, o senso de conhecimento de a qual sexo se alguém permanece com o mesmo gênero, mesmo que
pertence, isto é, a consciência de que “eu sou homem” possa parecer ter mudado o comprimento do cabelo
ou “eu sou mulher” (1). ou vestindo roupas diferentes. A constância de gênero é
A aquisição, na criança, da identidade de gêne- entendida mais ou menos aos 5 anos e é, nesse mo-
ro é precoce, entre 2 e 4 anos, e é produto de duas mento, que a criança procura uma “regra” sobre a ma-
forças: biológica e psicossocial. A força biológica de- neira pela qual meninos e meninas se comportam, tra-
corre da presença do cromossomo Y, que acrescenta tando essas “regras”, inicialmente, como absolutas, mas,
uma pulsão andrógina no tecido feminino, para iniciar depois, esses estereótipos podem reduzir-se um pouco(2).

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As pessoas que sentem sofrimento intenso e conseqüente diminuição do nível do sódio no sangue e
persistente, desconforto recorrente e um senso de ina- aumento do potássio, provocando, assim, uma descom-
dequação relativo ao sexo típico, querendo pertencer pensação metabólica com graves episódios de desi-
ao outro sexo, apresentam Transtorno de Identidade dratação; e a não perdedora de sal, que resulta numa
de Gênero. De acordo com o DSM-IV (1995) (3) há virilização simples.
dois componentes no Transtorno da Identidade de As mulheres não tratadas podem sofrer sinto-
Gênero, sendo que ambos devem estar presentes para mas androgênicos tais como acne, problemas mens-
ser feito o diagnóstico. Deve haver evidências de uma truais ou síndrome do ovário micropolicístico (hirsutis-
forte e persistente identificação com o gênero oposto, mo, obesidade, virilização, amenorréia, resistência
que consiste no desejo de ser, ou na insistência do insulínica). O tratamento envolve plástica corretiva de
indivíduo de que ele é do sexo oposto (Critério A). A genitália externa, reposição de hidrocortisona desde a
identificação com o gênero do sexo oposto não deve infância, podendo, nas formas perdedoras de sal, ser
refletir um mero desejo de quaisquer vantagens cultu- acrescentada a reposição de mineralocorticóide e adi-
rais, percebidas por ser do outro sexo. Também deve cionado sal na dieta.
haver evidências de um desconforto persistente com A extensão em que as terapêuticas para HCSR
o próprio sexo atribuído ou uma sensação de inade- interferem na identidade sexual das mulheres ainda é
quação no papel de gênero de tal sexo (Critério B). O muito pouco conhecida. Há a hipótese de que, devido
diagnóstico não é feito, se o indivíduo tem uma condi- à cirurgia de reconstrução da genitália, essas mulhe-
ção intersexual física concomitante (por ex., síndro- res percam uma área erógena importante no desen-
me de insensibilidade aos andróginos ou hiperplasia volvimento da sexualidade. Meyer Bahlburg et al.
congênita de supra-renal) (Critério C). Para que o dia- (1996)(4) estudaram quatro casos clássicos de HCSR
gnóstico seja feito, deve haver evidências de sofri- e seus dados demonstram que todas as mulheres per-
mento clinicamente significativo ou prejuízo no fun- deram zona erógena, ficando praticamente anorgás-
cionamento social ou ocupacional ou em outras áreas micas. No entanto, o estudo de Vates et al. (1999)(5)
importantes na vida do indivíduo (Critério D). mostra que a maioria das mulheres que foram opera-
Atualmente, o termo intersexualidade é usado, das não apresentam problemas físicos, entretanto têm
quando não há correspondência entre a gônada e a dificuldades com relações interpessoais e intimidades
genitália interna ou externa. Esse transtorno inclui uma sexuais.
variedade de síndromes, dentre elas a Síndrome Desordens de identidades de gênero e gênero
Adrenogenital (ou Hiperplasia Congênita de Supra- desviante são evidentes em mulheres portadoras de
Renal – HCSR). HCSR, de acordo com os estudos de Slipper & Drop
A HCSR é uma síndrome genética, autossômica (1998)(6). Zucker et al. (1996)(7) corroboram os estu-
recessiva, da família das desordens na síntese dos dos de Slipper & Drop e também observaram que as
esteróides. Em 90% dos casos, a HCSR é causada mulheres com HCSR referem mais comportamento
pela deficiência de uma enzima, a 21-hidroxilase, en- de gênero cruzado e desconforto em relação ao senso
contrada no córtex da glândula adrenal e fundamental de feminilidade durante a infância, no entanto, discu-
na síntese dos glicocorticóides. Decorrente das bai- tem a exposição prematura aos andróginos, como de-
xas concentrações circulantes de cortisol, há um au- terminantes desses comportamentos.
mento na secreção do ACTH, com produção elevada Alherbish et al. (1996)(8) demonstraram a pre-
dos precursores do cortisol e desvio na esteroidogê- ferência dos pais para que seus filhos, que nasceram
nese, com produção exclusiva de andróginos. com genitália ambígua, não realizassem cirurgia cor-
Nas mulheres, esses andróginos adrenais, fetais, retiva, pois recusaram a nova condição de seus filhos,
excessivos causam androgenização ou masculinização como feminina. Em um outro trabalho, os mesmos
da genitália externa, variando desde um leve aumento autores (Alherbish et al., 1996)(9) relacionaram a re-
clitoriano até a fusão dos lábios externos que ficam cusa dos pais a razões socioculturais e ao diagnóstico
com aparência de uma genitália masculina. No entan- tardio.
to, apesar da genitália externa ambígua, existem vagi- Assim, devido às posições dicotômicas, bio-
na, útero, trompas e ovários. A HCSR clássica é apre- lógicas e psicossociais, apresentadas pelos traba-
sentada em duas formas: a perdedora de sal, mais lhos que procuram explicar o comportamento das
grave, conseqüência da deficiência de aldosterona e mulheres com HCSR, objetivou-se, num trabalho mais

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amplo, buscar uma compreensão global do desenvol- ta série do primeiro grau. Solteira. Não soube infor-
vimento psicossexual de mulheres com HCSR, aten- mar a renda familiar.
didas no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medi- LIA: 18 anos, portadora de HCSR, perdedora
cina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo de sal. Efetuou duas cirurgias corretivas de genitália,
(HCFMRP-USP). Nesse sentido, foi importante co- uma para amputação de clitóris, com 4 anos, e outra,
nhecer o que essas mulheres sabem da problemática com 17 anos de idade, para abertura do seio urogenital.
de sua doença, quais as dificuldades em lidar com ela Sua escolaridade é de segundo grau completo. Traba-
e as implicações para sua vida sexual e imagem cor- lha como auxiliar, numa loja de brinquedos. Solteira.
poral, dados apresentados neste artigo. Não soube informar a renda familiar. Sua própria era
de mais ou menos trezentos reais (2 salários mínimos).
2- MÉTODO LARA: 18 anos de idade, portadora de HCSR,
perdedora de sal. Realizou “amputação segmentar de
Foram entrevistadas, seguindo um roteiro semi- clitóris, abertura de seio urogenital e plástica genital”.
estruturado, 7 mulheres maiores de 18 anos, portado- Foi registrada como menino. Estudou até a sétima série
ras de HCSR, pacientes do Ambulatório de Determi- do primeiro grau e só fica em casa (não tem nenhuma
nação e Diferenciação Sexual (DDS), de responsabi- profissão ou ocupação). Solteira. Não soube informar
lidade do Departamento de Genética Médica do a renda familiar.
HCFMRP-USP. Essa equipe é composta por uma BETE: 18 anos, portadora de HCSR, não per-
equipe multidisciplinar, que envolve médicos geneti- dedora de sal. Não fez correções cirúrgicas. Estava
cistas, ginecologistas, endrocrinologistas, urologistas, cursando o quarto ano de magistério. Trabalhava numa
cirurgiões pediátricos, radiologistas e psicólogos. loja de frios, solteira, com renda pessoal de um e meio
A análise das entrevistas foi qualitativa, de con- salário mínimo (R$226,50).
teúdo temático, descrito por Minayo (1994)(10) e Valles
(1997)(11). 3- RESULTADOS
2.1- Participantes Do Estudo Do Levantamento dos Casos de HCSR, no
Para maior facilidade na caracterização de cada HCFMRP-USP.
uma das mulheres portadoras de HCSR, foram atri- Os casos listados de HCSR, obtidos através do
buídas a elas nomes fictícios. levantamento efetuado junto ao serviço de informática
SUSI: 40 anos, portadora de HCSR, não per- do Hospital das Clínicas (SCD–PRODESP), entre am-
dedora de sal. Realizou “amputação parcial de clitóris bulatoriais e de enfermaria, no período de 1981 a 1998,
e plástica” aos 17 anos, para amputação de clitóris. compreenderam cento e trinta e nove ocorrências.
Tem terceiro grau completo. É escrivã de polícia. Quando se realizou o corte, tendo como base a
Casada. Têm uma filha com 10 anos, que herdou a idade (igual ou maior de 18 anos), conseguiu-se obter
síndrome. Renda mensal de mais ou menos um mil 38 prontuários de pacientes que apresentavam diag-
reais (6.62 salários mínimos). nóstico ou suspeita diagnóstica de HCSR.
LENA: 36 anos, portadora de HCSR, não per- Na análise dos 38 prontuários, somente 14 pa-
dedora de sal, não efetuou cirurgia corretiva de genitália cientes portadoras de HCSR, maiores de 18 anos, en-
externa. Estudou até a sexta série do primeiro grau. É quadravam-se nos critérios deste estudo. Das 14, 7
‘do lar’. Casada. Tem 4 filhos. A renda mensal da pacientes aceitaram a participação na pesquisa, sendo
família de três e meio salários mínimos (R$ 528,50). que as outras 7 ou recusaram verbalmente a partici-
TAÍS: 20 anos, portadora de HCSR, perdedora par ou não compareceram à entrevista.
de sal. Realizou “exerese de sinéquia de pequenos lá-
bios” aos 4 anos. Cursou até a oitava série do primei- Das Entrevistas
ro grau. Do lar, casada. Não soube informar a renda O que sabe sobre a HCSR contempla a pri-
familiar. meira explicação dada livremente sobre o entendimen-
DORA: 19 anos, portadora de HCSR, perde- to da síndrome.
dora de sal. Efetuou “construção cirúrgica de vagina “Eu sei que a supra-renal minha não funci-
devido a diagnóstico de intersexo”, com 3 anos, e ona, e... é a forma não perdedora de sal, e que
neovaginoplastia aos 12 anos. Estava cursando a sex- tomando o remédio ela (supra-renal) se equilibra.

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O que eu sei, pelo menos a explicação que me de- O que sentiu, quando ficou sabendo, abor-
ram (médicos) é que ela é louca, e o remédio trans- da os sentimentos vivenciados no momento em que
forma em normal...” (Susi) souberam ser portadoras de HCSR.
“... que nasci como homem, e que aí troca- “Olha, é... é... é difícil, porque tinha, eu...
ram para menina. Hoje sou menina normal...” eu tinha uma certa diferença das demais pessoas,
(Dora) mas eu sempre encarei numa boa, eu sempre enca-
Essas explicações basearam-se na classifica- rei isso numa boa... Então num... tinha a anorma-
ção da doença (perdedora ou não perdedora de sal) e lidade mas pra mim isso nunca atrapalhou... atra-
nos principais sintomas da HCSR, desde os implícitos palhava, atrapalhava, não como ser normal, mas
à doença, como a disfunção da glândula supra-renal, não que isso me incomodasse realmente, não me
até os explícitos decorrentes dessa disfunção, que incomodava.” (Susi)
podem ou não aparecer, tais como engrossar a voz, a “Eu fiquei muito triste, porque, por causa
hipertricose e a desidratação. do remédio, ficá tomando, né? (...) Agora tá bom,
No primeiro momento, Taís, Dora e Lara re- vou me conformá com isso. (...) Ah, eu sinto triste,
meteram-se ao aumento clitoriano, demonstrando a eu achava que eu ia sê diferente das outras, né?
preocupação com essa questão do papel sexual, quan- Das outras menina... (Lara)
do se reportaram ao “aqui embaixo muito grande”, Essas falas trouxeram explicitamente a confu-
“que não sou homem nem nada”, “que nasci como são, a dúvida, quanto à dicotomia normal-anormal, di-
homem... hoje sou menina normal...”. Trouxeram, ferente-igual. Todas as participantes demonstraram
portanto, a dicotomia normal-anormal, presente no sentirem-se diferentes, anormais. Ao mesmo tempo,
decorrer de todas as entrevistas, revelando esse as- buscam se conformar com a diferença, que parece
pecto biopsicossocial das relações das mulheres com vincular-se principalmente ao uso crônico do medica-
HCSR. mento, bem como aos sintomas, que comumente es-
Como ficou sabendo o diagnóstico, quem foi barram no estereótipo masculino/feminino.
que contou e a partir de que momento tal diagnóstico O tratamento abarca os procedimentos neces-
foi apreendido. sários à terapêutica médica da HCSR, como os exa-
“...quando eu era criança ninguém me fa- mes de níveis hormonais, o uso prolongado de medi-
lou nada, se me falou também eu não lembro, mas cação e as cirurgias corretivas.
depois de grande foi que eu fiquei sabendo, ape- “Ah! Eu tomo remédio até hoje, né?” (Taís)
sar que eu não sei tudo, detalhes assim, sabe? Os “Tomo remédio desde quando eu nasci, aí
médicos fala, fala, mas eu fico pensando e ah... trocô quando acho que eu tinha quatro anos e...
acabo não entendendo nada...” (Taís) eu fiz uma cirurgia, duas eu fiz... uma eu fiz o ano
“Minha mãe me contou. A hora que eu vi passado.” (Lia)
esse negócio aqui (clitóris aumentado), eu pergun- As participantes relataram que esses procedi-
tei, né? Ela me explicou.” (Lara) mentos, a realização das cirurgias corretivas e os exa-
As verbalizações oferecem indícios de que a mes de sangue para checar os níveis hormonais
apreensão do problema vem com o passar dos anos, sangüíneos, necessários para a dose do medicamento,
que, mesmo sofrendo as intercorrências da doença trazem um grande dispêndio emocional, já que, muitas
durante a infância, pouco foi preservado. Questio- vezes, são baseados em tentativa e erro.
na-se se esse fato é decorrente do próprio nível de Efeito colateral da medicação inclui as
compreensão infantil, se não há registro das informa- intercorrências, físicas, negativas, provenientes do uso
ções ou se essas são passadas de uma forma tão com- crônico do medicamento, bem como os sintomas rela-
plexa que não trazem a compreensão por parte das cionados ao não uso.
crianças. “Olha, eu acho que o que mais mudou é que
A adolescência, portanto, mostrou-se como o eu engordei bastante... até tento emagrecer, até
período em que as mulheres buscaram a compreen- tento uma dieta, mas não consigo emagrecer.”
são da problemática e apresentaram interesse nas (Lena)
explicações oferecidas ora pelo médico ora pelos fa- “Eu não sei, eu sinto muito, eu já perguntei
miliares, na pessoa da mãe, que, quase sempre era pro médico, mas, eu não sei, eu sinto muito sono,
quem as acompanhava aos atendimentos médicos. eu tenho bastante estria, ele fala que é por causa

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Hiperplasia congênita: Compreensão do diagnóstico

do remédio também, né? Eu tenho vasinho, man- Para se referirem à amputação de clitóris, falaram
chas, eles falam que é tudo problema do remédio, também da ‘pelinha que tiraram’, já à plástica vagi-
né? Porque o remédio que eu tomo contém nal, referiram-se com a terminologia correta, a cirur-
corticóide, né?” (Taís) gia realizada para ‘abrir a vagina que era muito fe-
O principal efeito colateral relatado foi a obesi- chada’.
dade. Os outros sintomas negativos aparecem, como O que sentiu em relação ao procedimento
sono, varizes e manchas na pele, descontrole de pres- cirúrgico são as emoções embutidas ao pré e pós
são arterial. operatórios.
As participantes relataram a consciência dos “Não lembro... quer dizê, o médico falou
efeitos do não uso da medicação, como a desidrata- assim que se eu não fizesse ia crescer. Aí que, por
ção e o que sentiram frente a esse efeito. isso que eu fiquei naquela dúvida, né? Assim, não
Adesão à medicação é a percepção dos sin- ia crescer, mas porque crescer? Não sei... se eu
tomas do não uso do medicamento e a decisão por paro de tomá o remédio, cresce, por isso que eu
continuar tomando o remédio. fico com aquela dúvida, então eu sou homem ou
“Então, nunca parei... Sempre tomei... ” (Lia) eu sou mulher? Mulher... mulher não tem nada dis-
“Sempre tomei, desde pequenininha... É, so, né? Não cresce nada, nem cresce nem diminui,
parei pra emagrecê. Mas aí eu ví que não ia resolvê né? Então... eu tenho dúvida...” (Taís)
nada (...) Mas eu tenho vontade de pará. Ah, não! “Ah, melhorô, melhorô, assim... é que ainda
É muito chato tomá todo dia! (Lara) eu tô usando o molde... Ah, foi bom, né? (...) Ah, é
Das 7 mulheres entrevistadas, 2, a Lena e a um pouco chato, né? Mas me disseram que tem
Lara, uma vez, decidiram parar o medicamento, numa que usar, então... Você tem que colocá ele na vagi-
tentativa ‘empírica’ de ‘ver o que aconteceria’. A prin- na, senão ela pode fechá, e tem que fazê outra
cipal motivação para fazerem isso foi a obesidade e cirurgia. (...) Eu coloco ele a noite... Ah! Não acon-
acabaram por constatar que o corticóide realmente as tece nada, porque nem incomodá não incomoda.
engordava bastante, no entanto, a relação custo-be- (...) Ah, é estranho, né? Mas tem que usá mesmo,
nefício fez com que retomassem o uso. aí (suspiro) é estranho. (...) (risos) Ah! É ruim ter
Procedimento cirúrgico contempla como foi que colocar uma coisa em você para, para melho-
a percepção dessas mulheres a respeito de tal condu- rar, é... mas não é nada...” (Lia)
ta médica. Além de sentirem vergonha da equipe médica
“Não. Não tenho lembrança... a gente lem- e o incômodo pelo uso do molde vaginal, mais uma
bra quando a coisa é ruim, né? As coisas boas a vez vem à tona a confusão dessas mulheres, ao terem
gente esquece fácil, né? (...) Era um negócio que que lidar com seus sentimentos. Essa confusão parte
incomodava... era um... aumento no clitóris que, da busca da normalidade, perpassando o anormal, o
coisa que não podia, depois que fez ficou normal, diferente, em direção ao conformismo.
norma, normal... aliás... o cirurgião que fez deve Outro fato foi o procedimento cirúrgico ter se
ser, não sei quem foi, mas foi muito bom, muito mostrado como um ponto crucial no questionamento
bom...” (Susi) da Taís em relação ao seu papel sexual. A partir do
Fiz duas, uma quando era nenem e outra momento em que ela apreendeu a cirurgia como in-
quando tava com 11 anos. (...) Não sei falar... (...) dispensável ao aspecto feminino da sua genitália, ela
é pra abrir a vagina, porque a menstruação tinha passou a questionar sua feminilidade.
parado e não descia.” (Dora) Expectativa quanto ao tratamento é a espe-
Elas se referiram à cirurgia que relizaram rança nas possibilidades da terapêutica médica.
quando crianças com uma linguagem infantil, o que “Eu esperava, no início, depois do tratamen-
ficou evidenciado pela ‘pelinha que tiveram que cor- to que eu fizesse, né? Terminasse, mas pelo que
tar’. Em contraposição, há o caso da Susi, que reali- eles me falaram, eu vou ter que fazer o tratamento
zou essa cirurgia com 17 anos e se referiu a ela como pra sempre, né? Que eu não poso parar...” (Lena)
‘amputação de clitóris’, o que possibilitou que se ques- “sou menina normal, queria podê pará de
tione como foram passadas, pelos profissionais e pela tomá o remédio e usá o molde.” (Dora)
família, essas informações. Outra evidência foram os “Ah! Eu espero que eu não precise mais dele.
casos de Dora e Lia, que relizaram duas cirurgias, Pará de tomá o remédio e í de vez em quando no
uma quando criança e outra na fase da adolescência. hospital, né? É isso que eu espero.” (Lara)

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Apesar de reconhecerem ser uma esperança coisa, eu tenho a hiperplasia, então, eu tenho que
utópica, todas esperam parar um dia com o medica- aprendê a lidar com isso, e tocá em frente...”
mento e ter alta do hospital. No fundo desejam a cura (Lena)
da HCSR. “É o que eu tô te falando, dúvida, né? É o
A menstruação mostra como as mulheres por- que eu tô te falando... às vezes eu fico meio cisma-
tadoras de HCSR encaram esse marco no desenvol- da, será que eles (médicos) estão me escondendo
vimento feminino. alguma coisa, que não qué que eu saiba, então é
“Eu me formei com 14 anos, né? E desdaí difícil. Mas é aquela coisa (...) ah! Sente, você sen-
tive menstruação irregular. E desde sempre (...) foi te, eu já fiquei meio assim, né? Já tenho esse pro-
seguindo assim, até quando eu soubesse do pro- blema aqui em baixo, então, já tenho que ficá
blema e fizesse o tratamento.” (Lena) grilada, então se eles (médicos) falarem que eu te-
“Teve mês que passava, né? Aí vinha outro nho isso que nem homem, eu não tenho, lógico,
mês. Assim, né? Mas agora tá vindo normal, ago- então eu fico mais aliviada.” (Taís)
ra.” (Lara) “Ai... não sei te falá... (risos)” (Bete)
Para elas, foi uma decorrência normal do de-
senvolvimento, fato até, muitas vezes, aguardado, en- Demonstraram confusão, evidenciada na dico-
quanto corroboração da feminilidade. No entanto, as tomia normal-anormal, diferente-igual, homem-mulher.
menstruações desregradas acabam trazendo um cer- E, na busca do conformismo, da compensação (no
to desconforto, é mais um sintoma da síndrome, inter- caso de Dora), crendo até mesmo, como no caso da
ferindo no enfrentamento da doença. Susi, num Deus que limita os atributos físicos para
A causa da síndrome, aquilo que elas credi- tolher o desenvolvimento da pessoa como um todo.
taram como sendo a origem, a razão, e/ou o motivo de Dificuldade em falar sobre a problemática
serem portadoras de HCSR. traz os impedimentos, os obstáculos presentes na abor-
“O quê? Na minha cabeça, sem explicação, dagem da HCSR com os amigos e familiares.
né? É genético, uma mutação genética, e a minha “Minha mãe e meu pai, só. (...) É segredo!”
irmã já não teve. (...) Então aí entra um pouco de (Dora)
Deus na vida da gente, no qual eu acredito mui- “Sinto. (...) Ah, lá em casa só...” (Bete)
to... Então, se a gente tem que tê uma cruz pra Os entraves em estar falando sobre a síndrome
carregá, essa foi a que Deus me deu... no seguinte num contexto social foram observados somente nas
sentido, de te limitá, né? Porque não vai falá que entrevistas das mulheres solteiras. Esse fato pode es-
você faz e acontece porque, num faz e acontece.” tar relacionado à questão da aceitação da síndrome
(Susi) aliada ao papel sexual. A partir do momento em que
“Ah! Isso aí é um... dos genes do pai e da essas mulheres possuem um parceiro, elas se assu-
mãe. Acho que meu pai tinha, minha mãe tinha e mem como portadoras da síndrome, trazendo o as-
aí como os dois tinha... deu a doença. Então, eu sunto, inclusive para o âmbito social, uma vez que se
já li também em livros, é isso, vem do pai e da mãe sentem resguardadas sexualmente, pelo fato de se-
mesmo. (O que sente:) Ah! (risos) não sei né? Ah... rem casadas.
não posso culpar eles por nada, né? (Lia) Início de vida sexual é definida como a pri-
As participantes relataram alguma confusão, meira vez em que tiveram um relacionamento sexual
mas partiram corretamente em direção à causa gené- completo, ou seja, quando perderam a virgindade.
tica, apontando para a família, que acreditavam ser a “Porque os meninos só qué... vamo dizê as-
transmissora do gene. sim, eles só qué transá com você e falá pros ami-
A fala da Susi foi impregnada de dogmatismo, go, né? Então, com meu problema é difícil, né?”
uma vez que trouxe também a causa como um ‘casti- (Lia)
go divino’, como ‘a cruz que tem que carregar’. “Ah! Gostaria de não tê por enquanto... por
O que sente em relação à HCSR contempla causa do meu problema, né? Até explicá pro meu
como as mulheres se percebiam no momento da en- parceiro, então eu prefiro não tê.” (Lara)
trevista, enquanto portadoras da síndrome. A idade variou de 17 a 28 anos. Para Lia e
“É, tem que í seguindo... eu penso assim... Lara, a síndrome configura-se como a principal difi-
né? Que nem quem tem uma diabete, tem outra culdade ao primeiro relacionamento, permeado pelo

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Hiperplasia congênita: Compreensão do diagnóstico

segredo que se alia à doença e pela desconfiança nos “Viche! Do meu corpo eu não gosto de nada
parceiros. não... O que eu não gosto... da minha barriga (bate
A decisão de iniciar vida sexual traz a ex- na barriga- risos). Da minha b. que é muito grande,
periência da resolução de começar atividade sexual, isso aqui grandão. Mas eu não consigo perdê.”
ou o ato sexual propriamente dito. (Lara)
“Foi difícil... a gente começou a namorar, As mulheres não estavam satisfeitas com o
já tava com quase nove, dez meses que a gente corpo, que não se adequava aos padrões de beleza
tava namorando, né? E eu sentia apoio, porque vigentes, principalmente se ligados à magreza. Con-
fica a curiosidade, né? Então foi o que rolou, foi fundiram essa não satisfação com o corpo, com tra-
uma coisa boa, pra mim foi uma coisa boa.” (Lena) ços de suas personalidades (‘agora que eu estou gor-
Foi uma decisão difícil, que, necessariamente, da eu sou chata’).
veio aliada à confiança no parceiro e à resolução de No entanto, as mulheres com HCSR trazem a
contar aos parceiros sobre a HCSR. necessidade do conformismo com essa não satisfa-
Quem não tem parceiro: vai contar sobre a ção, como um sinal de que, portanto, estão aceitando
HCSR? Às mulheres portadoras de HCSR, que não a síndrome.
tiveram experiência sexual é explorado se, no futuro, O que gostaria de mudar no corpo é defini-
vão contar para os possíveis parceiros sobre a síndrome. do pelas mudanças que fariam para sentirem-se satis-
“Não, não vai saber...” (Dora) feitas com sua imagem corporal.
“Aí eu vô explicá pra ele, né? Se ele entendê, “Ah, não. Eu me acostumei desse jeito, já
bem, se não, aí... separo. Largo!” (Lara) me propuseram mudá... fazer um tratamento para
As opiniões se dividiram. Dora e Bete coloca- melhorar minha voz, mas eu falei a vida inteira
ram como um segredo e que parceiro nenhum vai fi- desse jeito, cantei, como é que eu vô fazê? Não!
car sabendo. Lia colocou que vai contar para o par- Eu não quero. Inclusive, já falei, não lembro em
ceiro com quem for casar, ou seja, manter um relacio- que ocasião aí: ‘vamo fazê um tratamento aí?’ Não,
namento mais sério. Mesma situação a da Lara, no que tratamento! Tratamento pra eu acabá ficando
entanto, ela é muito mais clara, que se o futuro parcei- muda, aí? Deixa eu falá desse jeito!” (Susi)
ro não entender: ‘... separo. Largo!’ (de uma forma “Hum... Tudo...” (Bete)
até hostil). A atitude de Lara e Lia pode significar Algumas mulheres não pontuaram esse ou aque-
insegurança e, novamente, o medo de serem anor- le aspecto, disseram querer mudar tudo e essa mu-
mais, e se contam ao parceiro e ele não compreende, dança, muitas vezes, trouxe indícios de mudanças de
as suposições podem se confirmar. personalidade também. O regime foi o primeiro colo-
Sente prazer e têm orgasmos é definida pela cado, como sendo o que mudaria mais o corpo, mas,
sensação prazerosa do ato sexual ou da masturbação como usam corticóides cronicamente, esse compor-
e se a sensação chega ao ápice do orgasmo. tamento veio embuído de muito sofrimento. Alguns
“Tudo direitinho...” (Susi) sintomas da síndrome também foram alvos de desejo
“Sinto, mais ou menos...” (Dora) de mudanças, mas, logo após, foi colocada a expres-
Todas as entrevistadas sentem prazer e têm são do conformismo.
orgasmos. Essas vivências foram relatas livremente Com que sexo gostaria de ter nascido traz
ou deixadas implícitas nas atitudes das entrevistadas a opção de ser homem ou mulher e a explicação do
no momento da entrevista. Esse era um impasse, que motivo da opção.
justificava a realização deste trabalho, e, através do “Eu sempre falo em casa que na próxima
resultado, pôde-se supor uma possível plasticidade para encarnação eu queria sê homem. (Ser mulher:) Ah,
a manutenção da área erógena. eu acho que é uma carga meio pesada. Só proble-
A valorização da imagem corporal, ou seja, ma, só dificuldade, eu acho difícil ser mulher. Acho
a atribuição de valores em termos do que gosta e do que é uma coisa muito difícil, em tudo, né? Hoje tá
que não gosta em sua imagem corporal. difícil pra você sê mãe, pra você fazê tudo tá difí-
“Eu gostava... do que eu era. Aí depois que cil. Então é uma coisa que pesa muito. Acho que
eu engordei, eu acho que eu fiquei meio chata, ser homem é mais fácil (risos) ah, é!” (Lena)
não... não gosto muito do que eu vejo não. Acho “Mulher mesmo... ah! Mulher pode ter fi-
meio...” (Lena) lhos, aprender a cozinhar.” (Dora)

51
Brunhara FCR & Petean EBL

As respostas foram sempre distintas, a Lena e de o clitóris voltar a crescer e uma possível descober-
a Lara gostariam de ter nascido homem e explicaram ta desse clitóris pelos parceiros, gerando insegurança
que por causa das “regalias” sociais do sexo. As de- no início e dificuldades na manutenção de relaciona-
mais gostariam de ser mulheres, também devido às mentos sexuais. Nesse sentido, o comportamento se-
“regalias sociais”, “regalias” essas que diferiram, ou xual dessas mulheres apresenta-se bastante compro-
seja, para as que gostariam de ser homem essas não metido, como demonstraram também, em seus estu-
eram “regalias”, mas “prejuízos” (ser mãe, ter que dos, Zucher et al. (1996)(6). Elas têm medo da reação
cozinhar, ficar em casa, lavar banheiro). do parceiro ao seu problema de saúde, pois, além de
inseguras quanto a sua feminilidade, sentem-se inse-
4- DISCUSSÃO guras quanto à sua identidade de sexo e auto-imagem,
isto é, não se reconhecem como mulher e demons-
As mulheres portadoras de HCSR, entrevista- tram-se descontentes com seu corpo. Para as mais
das demonstraram entendimento sobre a síndrome, novas e não casadas, os relacionamentos íntimos são
causas, sintomas, o tratamento e o prognóstico da sín- mais desgastantes,pois perpassam pelo segredo da
drome. No entanto, essa compreensão não extrapola doença, pela camuflagem da medicação e dos sinto-
às questões emocionais, fazendo com que “dúvidas” mas, ficando evidentes os danos psicológicos, causa-
perpassem sua rotina. dos pela síndrome.
As mulheres relatam sentirem dúvidas, porém O medicamento, produz obesidade e, conse-
não conseguem nomeá-las, demonstrando a carga qüentemente, desfaz o sonho de um corpo esbelto,
emocional, despendida frente ao tratamento médico, magro, trazendo sofrimentos, que são vividos e revivi-
com intervenções cirúrgicas, reposições hormonais e dos diariamente, à hora da medicação. Esse descon-
crônicas, enfim, trazem embuídos o questionamento tentamento com o corpo interfere diretamente na ima-
de uma papel sexual masculino ou feminino. gem corporal dessas mulheres, pois, além de não se
De acordo com Bee (1997)(2), as fases do de- sentirem totalmente femininas, sequer podem sentir-
senvolvimento sexual são prematuras. Aos 2 anos, as se valorizadas pela sua auto-imagem.
crianças já são capazes de se autonomearem meni- Os efeitos colaterais da medicação, princi-
nos ou meninas, desenvolvendo a partir daí sua identi- palmente a obesidade, fizeram com que algumas en-
dade de gênero. As mulheres com HCSR, em algum trevistadas tivessem dificuldades na adesão ao trata-
momento, e cotidianamente, através do uso da medi- mento.
cação, têm essa identidade questionada, podendo re- Assim, a síndrome ou, mais pontualmente, co-
sultar nessa “sensação” de dúvida, de desconforto, nhecer o que essas mulheres sabem sobre a doença é
que não conseguem nomear. importante para instrumentalizar os profissionais, en-
Além disso, a cirurgia é outro procedimento volvidos na equipe, sobre os problemas emocionais,
disparador de vários males emocionais, o que, tam- que interferem no desenvolvimento dessas mulheres.
bém, é demonstrado no estudo de Vates et al., (1999)(4). Como se pode observar, o “ser portadora” da doença
Esse procedimento traz o alívio de talvez possuir uma e os sintomas daí decorrentes, bem como o tratamen-
genitália feminina, ao mesmo tempo que a inseguran- to cirúrgico e medicamentoso trazem dificuldades nos
ça de uma genitália que possa não ser “normal”, âmbitos físico, emocional, social e sexual.
potencializando o questionamento sobre sua feminili- Dessa maneira, além de ser importante o diag-
dade: “mulher que nasce mulher não precisa de nóstico precoce da doença, para iniciar o mais cedo
cirurgia”. Como esse, nas entrevistas, pôde-se ob- possível os tratamentos, interferindo o menos possível
servar outros sentimentos ambivalentes, referentes a na etapa de aquisição da identidade de gênero da cri-
“normal-anormal”, “diferente-igual”, “como homem- ança, fica também evidenciada a importância de um
como mulher”. psicólogo, na equipe, que conheça as dificuldades pe-
As mulheres que não fizeram a cirurgia, pois las quais passam as pacientes portadoras de HCSR, e
apresentavam uma genitália considerada “normal” no atendimento a elas e às famílias, tranqüilizando-as
pelos parâmetros médicos, relataram o desconforto e apoiando-os nas dificuldades emocionais que pos-
de não sentirem a genitália como normal, uma vez que sam existir. É importante, também, que esse profissio-
consideram ainda seu clitóris aumentado. Sentem, tam- nal sirva de ponte entre paciente e equipe, para alertar
bém, vergonha dos exames de rotina, além do medo sobre as dinâmicas demandadas.

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Hiperplasia congênita: Compreensão do diagnóstico

BRUNHARA FCR & PETEAN EBL. Congenital adrenal hiperplasia: The diagnosis comprehension and auto-
image implications. Medicina, Ribeirão Preto, 36: 45-53, jan./march, 2003.

ABSTRACT: The congenital adrenal hyperplasia (CAH) is a genetic syndrome characterized


as a condition of intersexuality. Seven womem with CAH were individually interviewed, under care
of the clinic for Determination and Sexual Differentiation of HCFMRP-USP the aim of this alway
was evaluate how they knew about the CAH. The women aged from eighteen to forty years old, five
underwent genital corrective surgery, and all women belong to a low social and cultural status and
education. The results indicated some kind of understanding about the syndrome. Four single
women did not initiate their sexual life and three of them claimed that the syndrome was the major
difficulty for that. All women did not refer physical prejudice related to vulva reconstitution and they
were capable to have pleasure and orgasms.

UNITERMS: Adrenal Hyperplasia, Congenital. Diagnosis, Psychology. Self Concept.

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