Você está na página 1de 4

Anais do 6º Encontro Celsul - Círculo de Estudos Lingüísticos do Sul

PROCEDIMENTOS DE ATENUAÇÃO NA FALA DE ATENDENTES DE CALL CENTER

Isandra Cristiane Ramalho de AQUINO (Universidade Estadual de Londrina)

ABSTRACT: The Call Center service has specific characteristics in the construction of the conversational text;
first, for being a telephone service (which has peculiarities of its own) and, second, for there being a constant
attempt to preserve the face, from clients and also from the call-center workers representing the company.
Through the speech of the call-center workers in the service, it was attempted to identify some of the main kinds
of attenuation proceedings used by them.

KEY WORDS: Call Center; markers of attenuators; conversational text; call-center worker

Introdução

O termo Call Center conceitua a central de atendimento a clientes de uma empresa, que realiza as
operações e estratégias direcionadas ao cliente de forma generalizada através de telefone e fax, por meio das
ações de telemarketing ativo, receptivo e televendas.
No texto conversacional, nesse feitio de atendimento, tanto o cliente quanto o tele-atendente têm
uma noção prévia do desenrolar do assunto, principalmente por se tratar de um telefonema. Esta forma de
conversação traz algumas peculiaridades: quem telefona apresenta o assunto a ser tratado e o telefonado, por sua
vez, já deverá saber o procedimento a ser tomado diante da informação ouvida. No caso do Call Center, as
informações passadas poderão não estar de acordo com o que o cliente almeja.
Os atenuadores são marcadores conversacionais cuja função principal é a de, num ato de fala,
abrandar ou minimizar qualquer reação indesejada que o ouvinte poderá ter. Com base nesse conceito, considera-
se que o atendimento de Call Center é uma forma de comunicação verbal telefônica estruturada especificamente
para informações e reclamações quanto ao serviço prestado pela empresa à qual pertence. Ele possui situações
ricas de recursos de atenuação na fala dos atendentes , buscando nitidamente a preservação da face tanto do
cliente quanto do tele-atendente, não somente por si, mas também pela empresa a qual está representando no
momento do atendimento. Desse modo, o objetivo principal deste trabalho é identificar os tipos de
procedimentos de atenuação encontrados no atendimento telefônico de um Call Center específico.

1. Princípios teóricos

A conversação é a forma que as pessoas utilizam para interagir, transmitindo e recebendo


informações a respeito do meio no qual vivem. Essa interação acontece por meio da competência lingüística, do
envolvimento cultural e do domínio de situações sociais entre os falantes.
No transcorrer do texto conversacional, procura-se constantemente a preservação da face entre os
interlocutores. A face, segundo Goffman (apud ROSA, 1992: 19 seq.), é a expressão social do Eu Individual e a
sua preservação consiste na neutralização de possíveis ameaças para com essa expressão. Brown e Levinson
(apud ROSA 1992:. 20) consideram a face como auto-imagem elaborada para a sociedade, podendo ser ela
positiva (com a intenção de aprovação e reconhecimento) ou negativa (referindo-se à vontade de preservar o
espaço pessoal).
Os marcadores conversacionais, de acordo com Marcuschi, são palavras e expressões
características da fala podendo ser fixas ou não (estereótipos) agindo concomitantemente na organização da
interação da fala entre os interlocutores, sendo responsáveis pela preservação da face. Podem ser verbais
(palavras, expressões, etc), prosódicos (entonação, pausa, etc) e não-verbais (olhares, gestos, etc). Urbano (2003:

1
98) considera que “são elementos que ajudam a construir e a dar coesão e coerência ao texto falado,
especialmente dentro do enfoque conversacional”, acrescentando que “amarram o texto não só como estrutura
verbal cognitiva, mas também como estrutura de interação interpessoal”.
Dentro dos marcadores conversacionais verbais, Marcuschi apresenta seis tipos diferentes:
[...] sinais de tomada de turno, sinais de sustentação de turno, sinais de saída ou
entrega de turno, sinais de armação de quadro tópico, sinais de assentimento ou discordância
(sinais do ouvinte durante o turno do interlocutor) e sinais de abrandamento (ou de
atenuação) (MARCUSCHI, 1986, p.72 seq., grifo nosso).

Os sinais de abrandamento ou atenuadores são considerados um conjunto de procedimentos que


diminuem o impacto de ameaça à face dos interlocutores.
Fraser (a pud ROSA, 1992: 29) aponta dois tipos de abrandamento: o primeiro realizado em
beneficio próprio, e o segundo, realizado em benefício altruísta. O autor considera este procedimento como
“modificação dos efeitos de fala para reduzir os efeitos indesejados que possa ter sobre o ouvinte”. Rosa (1992:
30 seq.) faz a distinção entre marcadores e procedimentos de atenuação a partir de dois critérios:
O primeiro deles diz respeito à posição e à relação sintático-semântica face ao
núcleo da unidade discursiva (UD) [...] situam-se, geralmente, à esquerda ou à direita do
núcleo da unidade [...] o segundo critério diz respeito à relativa fixidez da forma lingüística
examinada e à freqüência em que ocorre [...] o que põe em evidência o caráter formulaico dos
marcadores. (ROSA, 1992, p. 32 seq.)

Os marcadores de atenuação diferem dos procedimentos de atenuação por serem frases e palavras
fixas, estereotipadas; enquanto os procedimentos podem ser expressões inteiras ou somente uma palavra,
utilizadas dentro de um determinado contexto conversacional para diminuir ou abrandar uma má interpretação,
mas sem apresentarem o caráter formulaico característico do marcador. Marcuschi (1986: 73) utiliza a proposta
de Fraser para classificar os tipos de marcadores em: forma passiva, marcadores de distanciamento, marcadores
de rejeição, verbos e advérbios parentéticos, indagações pospostas e por fim, as evasivas ou hedges. Ressalve-se,
porém, que neste trabalho a forma passiva não é considerada marcador de atenuação, mas procedimento, já que
não apresenta o caráter fixo dos demais marcadores.

2. Análise e interpretação do corpus

Os atendimentos selecionados para o desenvolvimento deste estudo foram retirados do Call Center
de uma empresa denominada Unimed, instalada na cidade de Londrina, no estado do Paraná, que pertence a uma
cooperativa nacional de trabalho médico que, através da utilização de serviços e variedade de planos, possui
como objetivo a assistência médico-hospitalar aos moradores da região. Essa empresa utiliza o serviço do tele-
atendimento para esclarecer dúvidas contratuais, solicitar liberação de procedimentos e agenciar o serviço de
remoção (ambulância).
Deste estudo constam três amostras do dez atendimentos analisados que pertencem ao corpus de
pesquisa da especialização de Aquino (2004). Os informantes possuem nível universitário e trabalham a mais de
um ano na função de atendente de Call Center. A interação entre o atendente e o cliente possui a formalidade
exigida neste gênero: agilidade, atenção, polidez, empatia e conhecimento do assunto tratado.
As ocorrências foram retiradas de trechos de conversas que tratavam de questões contratuais do
plano de saúde dos usuários que entraram em contato com a central de atendimento. Cada evento possui uma
amostra do que foi localizado nos demais diálogos.
Toscano (2000: 29) afirma que na fala ocorre a seleção de informações anteriormente armazenadas
na memória , que serão organizadas e aplicadas para construir a compreensão do assunto tratado obtendo, desse
modo, o sentido pretendido. Os exemplos abaixo demonstram esse processo seletivo através das hesitações e
repetições:
Exemplo 1:
At: (...) senhora ó:: ... provavelmente essa guia vai ser em torno de (...) Não...
provavelmente mais do que isso não (...) é::: ... pelo menos aqui:: ... foi ... peraí... qual que é
no caso? (...)

2
Exemplo 2:
At: (...) é que ela já excedeu o limite da ultrassom tá?... mas a partir do dia...
deixa eu confirmar... então aqui consta pra mim que já foram utilizadas as duas guias (...)

Exemplo 3:
At: (...) porque com certeza esse deve ser um exame completo mais mais
rigoroso... não é rigoroso, mas um exame que vai detalhar melhor (...)

Nos segmentos (1) e (3), distinguem-se os hedges (advérbios, locuções adverbiais, expressões
verbais, pequenas frases) descritos em provavelmente e com certeza, que de acordo com Rosa (1992: 49)
inserem um grau de incerteza ou de imprecisão nos enunciados em que ocorrem, uma vez que diminuem o
comprometimento do falante com a pessoa que está ouvindo. Dentro desse tipo, têm-se aqueles que apontam
atividades cognitivas, mostrando atividades do planejamento verbal e modificando a força das afirmações
expressas , amenizando a impositividade que delas poderia surgir. São apresentados como sei lá, não sei, quer
dizer, vamos dizer, digamos, digamos assim, assim e alguns advérbios quando deixam de ter significação própria
para substituir peculiaridades do locutor, como por exemplo: realmente, naturalmente, evidentemente, etc.
Um segundo subtipo são os que expressam incerteza, evidenciando o nível de insegurança
enunciador com relação ao que está sendo enunciado. Diminuem o seu comprometimento, mas marcam também
a sua dúvida sobre o que se está expressando. São descritos por Rosa como sei lá, não sei, não sei se, quem sabe,
talvez, possivelmente e provavelmente (ROSA, 1992: 52).
Nos trechos citados acima, considera-se (1) como um hedge de incerteza, por possuir uma carga de
dúvida e insegurança acerca do valor que será cobrado ao cliente na próxima fatura que receber. No exemplo (3),
ocorre um hedge indicador de atividade cognitiva, já que a estrutura por ser locução adverbial auxilia o atendente
a organizar o seu raciocínio com o objetivo de informar aos clientes os procedimentos necessários para liberação
de um determinado exame.
Nos exemplos (1) pelo menos aqui e (2) aqui consta pra mim, observam-se procedimentos de
atenuação, sem que sejam marcadores. De acordo com Rosa, esse tipo de enunciado possui uma baixa
formulaicidade. Poderiam ser confundidos com marcadores de rejeição, visto que procuram rejeitar presumíveis
reações contrárias ao que é pronunciado dentro da unidade discursiva (UD) (ROSA, 1992: 75). Contudo, não são
prefaciadores das respectivas frases a qual pertencem, não podendo, com isso, serem considerados como tais
marcadores. As expressões são, portanto, simples estratégias autodefensivas utilizadas para rebater respostas
potencialmente indesejáveis por parte dos clientes.
Dentro dos marcadores de rejeição, existem os “mas-prefácios”, que são considerados como
controladores específicos, classificando-se em dois tipos básicos:
[...] os que realizam um anúncio metacomunicativo sobre o que vai ser dito na UD
diretora e os que negam a competência epistêmica do locutor enunciador quanto ao conteúdo
da UD subseqüente (ROSA, 1992, p. 78).

No primeiro tipo, o “mas-prefácio” é utilizado para corrigir o desenvolvimento da UD


anteriormente formulada e refazê-la. Desse modo, busca-se evitar uma possível objeção do locutor ou então fazer
“uma avaliação negativa da declaração contida na UD diretora” (ROSA, 1992: 79). No segundo tipo, o “mas-
prefácio” aparece acompanhado do marcador hedge não sei se. Nos fragmentos (2) mas a partir do dia e (3) mas
um exame que vai detalhar melhor (...) percebe-se que também não são considerados como marcadores, mas
como procedimentos de atenuação. Com efeito, eles contêm em suas respectivas expressões uma palavra com
uma qualificação negativa (excedeu e rigoroso ), mas não se relacionam diretamente com a UD. Isso ocorre
porque, de acordo com as idéias de Rosa, não fazem uma avaliação negativa daquelas UDs, nem possuem uma
outra UD que descreva os motivos para tal qualificação negativa. Assim, estas conjunções descritas nos
exemplos somente afastam u ma provável objeção do cliente com relação ao que foi dito anteriormente.

3
3. Considerações finais

Este estudo a respeito dos procedimentos de atenuação partiu da idéia de que nos diálogos
ocorrem, dentro dos marcadores conversacionais, diversas modalidades de atenuação que possibilitam a
estruturação do nosso pensamento no momento da fala. No discurso dos tele-atendentes , foram localizados até o
momento (visto que a pesquisa continua a ser desenvolvida) procedimentos de atenuação simples, para a simples
preservação da face e também uma considerável presença de hedges de incerteza e de atividades cognitivas.
Esses narcadores propiciam um caráter específico dentro deste módulo conversacional, uma vez que a postura de
atendimento solicitada pela empresa ao atendente de Call Center influencia totalmente no seu modo de pensar e
construir a fala durante seu atendimento. A resposta por parte do atendente é sempre precisa, formal e
aparentemente distante, não permitindo uma maior desenvoltura. O seu atendimento é uma conseqüência desta
postura.

RESUMO: O atendimento de Call Center possui características específicas na construção do texto


conversacional; por ser um atendimento telefônico e por existir a constante busca pela preservação da face, tanto
dos clientes quanto daqueles que representam a empresa. Buscou-se identificar alguns dos principais tipos de
procedimentos de atenuação utilizados por eles.

PALAVRAS-CHAVE: Call Center; marcadores de atenuação; texto conversacional; tele-atendentes

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

MARCUSCHI, Luiz Antonio. Análise da Conversação. Martins Fontes: São Paulo, 1986.
ROSA, Margaret.(1990) Marcadores de atenuação. Contexto: São Paulo, 1992.
TOSCANO, Maria Eulália S.. O papel da correção nas narrativas conversacionais. Moara – Revista dos Cursos
de Pós-Graduação em Letras da UFPA, Belém, n. 13, p. 25-45, jan/jun 2000.
UNIMED DE LONDRINA. Atendimento - Tele-atendimento. Londrina, 2004. Disponível em:
<http://www.unimedlondrina.com.br/tele_atendimento.asp>. Acesso em 28 set. 2004.
URBANO, Hudinilson. Marcadores Conversacionais. In: PRETI, Dino (org.). Análise de textos orais. Projetos
Paralelos – NURC/SP - 1. 6 ed. São Paulo: Humanitas, 2003, p. 93-116.

Você também pode gostar