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AS CRISES CONJUGAIS NOS DIFERENTES CICLOS DE VIDA FAMILIAR.

Anabely Ney Mariano1


Daniella Messa e Melo Cruz2

RESUMO

Este artigo tem como objetivo analisar as crises percebidas por casais, casados
legalmente, nos diferentes ciclos de vida familiar. Para isso, foi realizada uma
pesquisa qualitativa e descritiva com oito casais de diferentes ciclos de vida familiar.
A partir da realização de uma entrevista semiestruturada com cada um dos cônjuges
foi possível observar uma diferença no que tange a percepção das crises conjugais,
pois somente a metade dos homens entrevistados relataram perceber crises, sendo
que a maioria das mulheres afirmaram perceber. Quando questionados sobre
dificuldades e crises enfrentadas no casamento, os casais apontaram
consideravelmente para o início da relação conjugal, afirmando ser um período difícil
devido as adaptações necessárias, trazendo a tona a questão da falta de
flexibilidade na relação. Nos relatos, o fator comunicação foi bastante citado pelos
casais ao falarem de estratégias para resolução de conflitos, assim como alguns
casais disseram não se valer de nenhuma estratégia para este fim, o que pode ser
considerado fator de risco para relação, pois sinaliza uma dificuldade de entrar em
contato com os problemas para assim resolvê-los, o que resultou para alguns casais
total afastamento, desgaste da relação e desunião.
Dessa forma, conclui-se que ainda que estejam no mesmo estágio de ciclo vital
familiar os casais tem muitas particularidades, o que resulta em modos de
funcionamento totalmente diferentes, então a forma como os casais de cada ciclo
lidam com as crises depende mais de como funciona o casal do que em que estágio
eles estão propriamente.

Palavras-chave: Casais. Crises conjugais. Ciclo vital.

ABSTRACT

This article aims to analyze how crises perceived by legally married couples in
different family life cycles. For this, a qualitative and descriptive research was
conducted with eight couples from different family life cycles. From a semi-structured
interview with each spouse, it was possible to observe a difference that is not
perceived in the conjugated seizures, because only half of the men interviewed
reported the seizures, and most of the women caused are perceived. When asked
about difficulties and crises faced in marriage, couples who are considerably pointed
to the beginning of the marital relationship, claim to be a difficult period due to
necessary adaptations, bringing up a question of lack of flexibility in the relationship.

1Graduanda do curso de Psicologia da Católica de Vitória Centro Universitário. E-mail:


anabelymariano@hotmail.com.

2Graduada em Psicologia, Mestre em Educação, formação em Terapia Familiar Sistêmica,


atualmente atuando como professora na Católica de Vitória Centro Universitário. Email:
daniellammelo@gmail.com.
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In the reports, the communication factor was often cited by couples when talking
about conflict resolution strategies, just as some couples did not value a strategy for
this purpose anymore, which can be considered a risk factor for the relationship, as
this signals a difficulty in contacting the problems to solve them, or the result for
some couples with total withdrawal, relationship breakdown and disunity.
It follows that it is not yet the same family life cycle stage of couples that has many
characteristics, or that results in totally different modes of functioning, so how couples
in each cycle deal with crises depends more on how it works. the couple in stages
they are properly.

Keywords: Couples. Marital crises. Life cycle.

1. INTRODUÇÃO

A contemporaneidade é marcada por diversas mudanças nas relações sociais, no


que tange ao matrimônio não seria diferente, a praticidade jurídica atrelada a
relações mais fluidas como as que temos hoje, podem ser um dos motivos pelos
quais hoje o divórcio no Brasil não seja mais um tabu como era nos séculos
passados, o que pode facilitar a dissolução do casamento no âmbito jurídico. Antes
de 1977 o divórcio não era algo juridicamente possível e socialmente aceito, após a
modificação na Lei ocorreu um aumento dos divórcios no Brasil. A dissolução do
casamento exige que os cônjuges estejam minimamente preparados
emocionalmente para o rompimento da relação, o que nem sempre é uma realidade,
pois o rompimento envolve esferas familiares, sociais, econômicas que afeta todos
que estão em relação com o casal, tanto direta quanto indiretamente (CANO et al,
2008), sinalizando o que Andolfi (1995) define como as dimensões ecológicas, pois
no contexto de uma relação conjugal de muitos anos e com filhos, a relação não diz
mais respeito a somente ao casal e sim, a um ecossistema conjugal, com pais dos
amigos dos filhos, os próprios papéis de pai e mãe deste filho, parentes, amigos do
casal, bens materiais comprados em conjunto, ou seja, é a construção de uma vida
em comum. Dessa forma, ainda segundo o autor, a dissolução do casamento seria
uma ilusão do fim dessa vida conjugal, pois este casal sempre terá uma ligação.
Momentos de crises podem ser compreendidos pelo casal como o fim da relação,
por crenças de que a felicidade ou o “dar certo” estarem associados à falta de
dificuldades, problemas e assim optam pela dissolução da relação conjugal por não
entenderem as crises como parte do processo de amadurecimento do casal, mas
sim como barreiras para o fortalecimento do casal, enxergando possibilidades a
partir das dificuldades (ROSSET, 2017).
Antes que se constitua uma relação conjugal, os cônjuges fazem parte de uma
instituição social já formada, a família de origem (PRADO; NARVAZ; KOLLER apud
RONCHI e AVELLAR, 2011), independente de sua configuração, com uma
identidade própria, sua identidade social. Para Tajfel (1983, p. 290) a identidade
social pode ser definida como “[...] aquela parcela do autoconceito dum indivíduo
que deriva do seu conhecimento da sua pertença a um grupo (ou grupos) social,
juntamente com o significado emocional e de valor associado aquela pertença”,
assim, quando se dá a formação do casal, os cônjuges terão que desenvolver uma
forma de funcionamento conjugal que terá, inevitavelmente, influências da família de
origem.
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No que tange o ciclo de vida familiar, para Minuchin e Fishman (2007) a formação do
casal, é a primeira fase desse ciclo, é o estágio em que, literalmente, os cônjuges
vão construir o holon conjugal, ou seja, a formação de um novo sistema, o casal, que
define novos padrões de funcionamento, logo, é um período em que muitas
negociações são feitas, de como vão funcionar enquanto casal perante a sociedade
e tantos outros contextos. Essas negociações, estabelecimento de contratos, geram
muitos conflitos devido a grande proporção de questões a se conciliar, é natural que
eles ocorram durante a formação desta nova união, ao mesmo tempo em que
estiverem aprendendo a estabelecer estes contratos, também aprenderão a lidar
com os conflitos que surgem, inevitavelmente, em detrimento deste movimento.
Ronchi e Avellar (2011) complementam acerca da necessidade de adaptação do
casal frente as diversas situações novas que estão vivenciando, especialmente no
início da relação a dois, definida por uma etapa do ciclo de vida familiar que as
autoras nomeiam de fase de Aquisição. A vivência da vida a dois é marcada por
várias etapas de ciclo de vida familiar e a cada fase, novos aprendizados e
mudanças são necessárias para que as crises conjugais sejam superadas
(CARTER; McGOLDRICK, 1995). Nesse sentido, este artigo tem como objetivo
geral, analisar a percepção dos casais de diferentes ciclos de vida familiar com
relação as crises conjugais, assim, como objetivos específicos faz-se necessário
identificar as dificuldades percebidas pelo casal com relação a conjugalidade,
identificar como os casais elaboram estratégias para superar as crises, investigar as
consequências percebidas pelos casais decorrentes das crises familiares e por fim,
identificar as semelhanças e diferenças de cada casal em cada etapa do ciclo de
vida familiar com relação as crises conjugais.
Este estudo trata-se de uma discussão rica e complexa que envolve a família de
origem e a construção de novas famílias através do laço matrimonial entre duas
pessoas. A construção deste novo vínculo familiar perpassa uma série de mudanças
e adaptações e por isso se faz necessário um estudo científico mais aprofundado, a
fim de compreender este processo através do olhar da Psicologia, a fim de explorar
e desenvolver trabalhos na temática familiar, especialmente as relações conjugais.

2. A FAMÍLIA E A TEORIA DO CICLO DE VIDA FAMILIAR

A família sob a ótica sistêmica (VASCONSELLOS citada por RAMIRO, 2014;


COSTA, 2010), é tida como um sistema aberto, vivo e complexo, um sistema em
constantes transformações, visto que aborda relações de vários sujeitos humanos
que por sua vez possuem também relações extrafamiliares. Ramiro (2014, p. 43)
complementa que neste sistema “o grupo familiar compartilha um aparelho psíquico
inconsciente que envolve todos os seus membros e que são transmitidos de uma
geração para a outra”. É devido a esta transmissão que acontece a perpetuação da
identidade familiar, por exemplo, através dos rituais e mitos passados de geração
em geração, este processo é a construção básica da identidade de grupo (KAES et.
al. citado por RAMIRO, 2014).
Tal definição evidencia a complexidade deste processo, pois a construção de uma
identidade envolve vários fatores e para entender melhor a influência de alguns
destes fatores na vida de pessoas que optam por dar início a uma união conjugal,
faz-se importante a compreensão do ciclo de vida familiar que envolve as mudanças
das fases do casal, que inicialmente são dois e podem vir a multiplicar seus
membros.
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O ciclo de vida familiar é uma série de estágios que perpassam a instituição família
desde o início de sua geração até a morte de uma das pessoas que a iniciaram,
observam-se mudanças no tamanho da família (saídas e entradas de membros, seja
devido a nascimentos, casamentos ou mortes de integrantes); mudanças na
composição por idade (a idade do filho mais velho é que determina o ciclo em que a
família está); mudanças na posição profissional dos provedores da família (HALEY
apud CERVENY; BERTHOUD, 2010).
Cerveny e Berthoud (2009) apontam a teoria do ciclo vital de Monica McGolderick e
Betty Carter como a mais completa contemplando seis estágios do ciclo vital familiar:
o lançamento do jovem adulto solteiro; o novo casal; tornar-se pais; o sistema
familiar na adolescência; lançando os filhos e seguindo em frente; a família no
estágio tardio da vida; entretanto, esta teoria foi construída com base no ciclo vital
familiar da classe média americana, e dessa forma, diferente do contexto brasileiro.
Assim, essas autoras, a partir de pesquisas do ciclo vital no contexto brasileiro
identificaram e nomearam quatro fases do ciclo de vida familiar na família brasileira,
a fase de aquisição, que inicia com a união do casal, aquisição dos bens e a
chegada do filho até a adolescência; família adolescente, há uma tendência a todos
adolescerem com a entrada do filho na adolescência; fase madura, configura-se
como a mais longa, os filhos saem de casa, entram agregados e netos, preparo pra
aposentadoria.
Minuchin e Fishman (2007) estipulam também quatro estágios do ciclo de vida
familiar, o primeiro estágio marca a formação do casal, quando se desenvolve o
holon conjugal; o segundo estágio caracteriza famílias com crianças pequenas, fase
que tem início com a chegada do filho pequeno; a terceira, famílias com crianças em
idade escolar ou adolescentes, fase marcada pela ida da criança a escola; e por fim,
famílias com filhos adultos, quando volta para a origem da família, os filhos saem de
casa, permanecendo somente o casal e é com base nesta teoria que será
desenvolvido todo o trabalho deste artigo.

2.1 A COMPREENSÃO SISTÊMICA NA FORMAÇÃO DO CASAL

Como foi proposto por Minuchin e Fishman (2007) o ciclo vital familiar inicia-se com
a formação de um casal, logo, refere-se a união de dois adultos cujo desejo de
formar uma família é unânime, a partir disto, o casal busca se ajustar durante a
convivência e assim um novo sistema se forma. Este vínculo afetivo perpassa muitas
dimensões, como a aliança que se forma, no sentido tanto afetivo quanto em
material; assim como a sexualidade, que é um dos aspectos mais importantes desta
relação. É uma construção que exige muito investimento por parte do casal que opta
pela união (CERVENY; BERTHOUD, 2009).
Esta adaptação, este processo que proporciona diversas dimensões é proveniente
da seguinte situação, são dois sistemas que se unem a fim de formar um só sistema,
de iniciar a sua instituição família, os dois tiveram origem diferentes que
funcionavam de formas distintas para cada um, por isso trata-se de um processo.
Dentro destas questões existem as regras, que dentro do sistema familiar são
delimitadoras de comportamento que governam o sistema a fim de proteger o
funcionamento relacional familiar, pode acontecer a nível consciente e inconsciente,
assim como pode ser também geradora de conflitos – ainda que o intuito seja de fato
proteger – devido a alguns padrões de comportamentos repetitivos e para pôr fim a
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estes desequilíbrios é preciso ressignificar este padrão antigo e assim regular a


homeostase do sistema (RAMIRO, 2014; COSTA, 2010).
Em consonância com essas ideias, Takeuchi (2003) estabelece o conceito de
"fronteira", criada a partir das regras estabelecidas pela família e para além, elucida
que este sistema de proteção funciona como uma peneira, que decide quem
participa e como participa do sistema familiar, ditando o que sai e o que entra. A
autora pontua a existência de duas formas extremas de funcionamento da fronteira
familiar, sendo uma proporcionando maior rigidez com o mundo externo, em
compensação maior sentimento de pertença dentro da sociedade inserida (família),
denominada emaranhamento e a outra com uma falha na comunicação interna,
prejudicando o desenvolvimento do sentimento de pertença e proteção, assim como
difundindo o contato com os sistemas externos.
A partir do exposto, a referida autora compara o conceito de regra com o de mito
familiar, devido a rigidez presente em ambos, dentro do âmbito familiar ele significa,
um "[...] conjunto de crenças a respeito das qualidades e funcionamento do grupo
familiar, a partir das quais se estabelecem regras de comportamento e o tipo de
relação que se deve desenvolver com seus membros e com o mundo exterior”
(NEUBURGER apud MARTINS, 2012. p. 38). Dessa forma, alguns mitos permeiam
a esfera da relação conjugal como a crença de que marido e esposa são melhores
amigos, que um bom casamento depende de ter romantismo e que o casal não deve
comentar os conflitos conjugais com estranhos. São só alguns dos mitos que
perpassam o tema e que influenciam a pessoa individualmente e também enquanto
casal, mas esta influência vai depender da visão que o sujeito tem do que seria um
par ideal e a imagem que construiu sobre o que é o casamento ideal, seja a nível
consciente ou inconsciente, esta construção é oriunda de experiências familiares e
de relações com o sexo oposto (BAGAROZZI; ANDERSON apud MARTINS, 2012).
As crenças, segundo Pires (2013) são opiniões introjetadas, que passam a ser
subjetivas e que direciona certeza na existência de alguma coisa ou algo. Já a
palavra “valores” têm vários sentidos, o significado deste em questão diz respeito a
uma ideologia que se constrói dentro do sistema familiar a qual os indivíduos
carregam para a vida individual e coletiva, como os próprios mitos e crenças,
cerimônias, etc. (CERVENY apud MARTINS, 2012).
Este conjunto de elementos nos permite interpretar que se isto faz parte de toda
configuração familiar, o casal que opta pela conjugalidade mantem o que aprendeu
sobre regras em sua família, o que são, quais são, como funcionam. Ao se unirem
podem se deparar com divergências e semelhanças sobre o que cada possui a partir
das experiências vividas na família de origem, o que pode acarretar conflito ou
estabelecer e concretizar a união (QUISSINI; COELHO, 2014; COELHO, 2016).
Estando o conflito estabelecido ou a união concretizada, os indivíduos que compõem
o casal geralmente criam muitas expectativas sobre o relacionamento baseadas
neste conjunto, raramente um casal não possui expectativa projetada no outro, no
que ele deve fazer, falar, dar, tornando-se vulnerável na relação e criando espaço
para o aparecimento de sentimentos que não são saudáveis para a convivência
como a mágoa, culpa, raiva e vingança (ROSSET, 2017).
Outro fator relevante frente a formação do casal, apontado por Mesquita e Bervique
(2010), se refere aos contos de fadas, como importantes influências para o
desenvolvimento cognitivo e afetivo da criança, que ao se tornar adulta podem
idealizar uma realidade conjugal não condizente com a realidade, pois essas
histórias alimentam o desejo de vivenciar os sentimentos de proteção, harmonia e
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plenitude que acreditam estar dentro do casamento, que não supridos podem gerar
sentimentos de frustração após alguns anos de convivência (DIAS, 1999).
Não é saudável, nem viável projetar seus sonhos, desejos, expectativas e também
fantasias na existência do outro, além disto, essa busca idealizada dificulta a
formação de vínculos mais profundos, o que pode tornar a união conjugal muito
breve devido a frustração das expectativas não correspondidas, este raciocínio
proposto por Rosset (2017) complementa o que foi dito anteriormente.
A compreensão relacional sistêmica do casal se dá a partir de alguns pressupostos,
identificando o espaço de casal como lugar que oferece vantagens para aprendizado
e crescimento, já que o sistema casal pode visualizar com maior clareza aquilo que
precisa ser mudado, as disfuncionalidades e carências do outro; é nesta relação
também que será possível observar o melhor e o pior dos parceiros, agindo com
humildade e tendo disponibilidade para tal, o parceiro pode se ater as dicas que o
outro dá para aperfeiçoar-se naquilo que observa como pontos críticos; neste
espaço as diferenças também vão aparecer entre os parceiros e podem ser
compreendidas também como oportunidades de crescimento, aprendizado e
enriquecimento na relação com o outro (ROSSET, 2017).

2.2 DA CRISE AO DIVÓRCIO – O CASAL EM MEIO AOS CONFLITOS

As crises podem ocorrer por diversos motivos, na maioria das vezes sinalizam
mudanças, então qualquer ser humano está sujeito a vivenciá-las. No dicionário
existem várias definições, exemplificando, momentos difíceis, conflituosos, de tensão
e também crises familiares (DICIONÁRIO ONLINE DE PORTUGUÊS, 2009?). Pode
acontecer de acordo com os processos e fases da vida vivenciadas e um destes
processos específicos é a formação de uma nova família, onde estes vão vivenciar
um novo ciclo vital e tudo que decorre dele durante sua construção, sua adaptação,
podendo o casal vivenciar algumas crises durante o processo.
Segundo Cardoso (2016) e Moura (2008) existem ao menos dez conflitos comuns a
todos os casais, apontam como um desses conflitos que podem ocasionar crises
conjugais, a família de origem de um dos cônjuges, no que tange as relações
estabelecidas e a influência das mesmas na relação do casal, para isso, Rosset
(2017) e Búrigo citado por Coelho (2016) afirmam que o casal precisa olhar para a
relação que tem com sua família de origem, dificuldades, afetos e desafetos, para
que se possa estabelecer contratos claros de como será a forma do casal se
relacionar com as famílias, pois justamente a falta de clareza pode estabelecer
conflitos, visto que um membro do casal pode sentir que está se doando mais do
que outro, sem que nada tenha sido combinado anteriormente. O ciúme também foi
apontado pelos autores, como um dos conflitos da relação conjugal, segundo
Cardoso (2016) e Moura (2008), a intensidade e o controle desse sentimento é que
vai definir a qualidade da relação, pois pode servir como um alerta de que algo não
vai bem, como um distanciamento do casal, gerando um sofrimento devido à alta
intensidade que ele se apresenta e pode também ser proveitoso quando usado em
pequenas doses, promovendo a aproximação do casal.
Nem sempre o casal vai perceber que há um limite para que as brigas se tornem
algo pior, como uma crise, talvez nem saibam que as brigas podem ser funcionais
em um relacionamento, justamente porque aprender a brigar é preciso, quando há
sucesso neste aprendizado, ao invés de destruir relações elas acrescentam
elementos positivos que podem fortalecê-las (ROSSET, 2016), pois, as brigas
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podem proporcionar um melhor conhecimento do casal, evidenciar os potenciais e


características e é também uma forma de reafirmar sua individualidade dentro da
relação conjugal. Mas alguns casais optam por evitá-las, o que também não é
salutar para a relação, pois impede a real intimidade entre o casal e assim a relação
vai se deteriorando, pois que não brigar também não resolve a situação, não
promove movimentos para o casal.
Portanto, brigar demais e de forma disfuncional, aquela que visa agredir, atacar e
que não avalia o próprio funcionamento frente as brigas, não é um caminho viável e
saudável, assim como calar, evitar demais as brigas impede também um olhar auto
avaliativo abrindo espaço para brigas banais, por quaisquer detalhes (ROSSET,
2016; 2017).
Rosset (2016) explica que o ideal é que se tome consciência do seu padrão de
funcionamento, que significa dizer tomar consciência dos comportamentos e reações
repetitivas que aparecem, como um impulso, frente a situações da vida. Não é fácil
enxergar nosso padrão de funcionamento, é preciso ter uma relação de humildade
consigo mesmo para poder olhar para este fenômeno sem um valor de julgamento,
apenas de quem busca autonomia sobre ele. Aprender a enxergar o padrão de
funcionamento é o primeiro passo, ele possibilita saber o que é preciso mudar e
aprender, assim como quais estratégias tomar.
O casal que por diversos motivos não consegue elaborar estratégias na relação
pode dar início a uma crise no casamento, geralmente os que obtém
[...] padrões rigidamente repetidos [...]. Naturalmente, se o casal não
consegue construir um modelo próprio de funcionamento familiar, permeado
implicitamente com o conteúdo de ambos [...], o que tentarão fazer é impor
um ao outro "cópias" ou reproduções dos modelos que viveram, o que cria
uma situação na qual sempre um dos cônjuges se sentirá lesado e excluído
(CERVENY; BERTHOUD, 2010. p. 66).
Este caminho pode levar a um desgaste da relação, assim como a perda de respeito
e admiração, o que pode levar o casal a crer que o divórcio é a única opção. De fato
ocorre quando o casal não consegue de nenhuma forma regular a homeostase da
união, ou seja, trazer a tona o equilíbrio da relação, podem até recorrer a um
afastamento prévio, mas nos casos mais extremos de fato se divorciam.
De acordo com os dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) nos
anos de 1993 e 2003, houve um aumento de 44% e 17,8%, respectivamente, de
divórcios. Ainda segundo dados do IBGE (2018) a duração média de um casamento
no Brasil em 2007, era de 17 anos, dez anos depois este tempo se reduziu a 14
anos. Beach e Tesser citados por Martins (2009) acreditam que o aumento do
número de divórcios no Brasil está ligado a crença de mudanças de valores em
relação ao amor e união conjugal, cujo amor se tornou elemento central da relação,
criando uma expectativa de que deveria durar para sempre, se deparando então
com a dificuldade em manter a paixão durante todo o tempo do casamento, muitos
casais recorrem ao divórcio interpretando um fracasso ao não conseguir alcançar o
objetivo idealizado.
Sob uma perspectiva sistêmica, a dissolução conjugal é compreendida como um
processo no qual ocorrem modificações nos padrões de manutenção do
relacionamento, chegando num patamar em que se perde a definição da relação por
ambos ou ao menos por um dos cônjuges, ocorrendo a ruptura do casal, que pode
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acontecer instantaneamente ou durar dolorosos anos para se concretizar


(CARNEIRO; NETO, 2010).
Rosset (2016) esclarece que muitos rompimentos podem ocorrer a partir de posturas
desafiadoras, tais como “se não está satisfeito, pede divórcio”, lançados na hora da
briga, no auge da emoção, caracterizando este comportamento como uma estratégia
de ataque que pode levar o casal a se divorciar. A ocorrência do divórcio nestas
circunstâncias não ameniza a dor e sofrimento, pois o processo de separação em si
sempre traz à tona sentimentos de dor e desordem, ainda que a separação tenha
acontecido de forma mais amena.
Em concordância, Anton (2012) esclarece o sentimento que fica após a separação,
que nada mais é do que o sentimento de “nada”, de terrível vazio, pois os sujeitos se
livram ou diminuem alguns sofrimentos e determinados conflitos, mas em
decorrência disto, deparam-se com este vazio, com sentimento de fracasso ligado a
percepção de que investiu em algo que não teve retorno, um tempo que foi
desperdiçado. A autora completa que há o tempo de luto, fato esperado nestas
situações, e que não está ligado a quadros depressivos, e que independe da
qualidade da relação. Será dolorido de toda forma, pois será preciso fazer o luto dos
projetos frustrados, das mágoas e raivas reativadas, do sentimento de culpa seja ele
racional ou não, das dificuldades e perdas que cada um especificamente terá de
vivenciar (ROSSET, 2017).

2.3 COPING E AS CRISES CONJUGAIS

Diante das crises e dificuldades enfrentadas na relação, os casais adotam


estratégias para lidarem com as situações de crises que enfrentam. De acordo com
Costa (2016) estas estratégias precisam ser construtivas para que possam produzir
resultados positivos ao longo do tempo conjugal, um dos aspectos positivos é
diminuir a possibilidade de separação, divórcio e brigas.
Costa; Falcke e Mosmann, (2015) revelam que casais que estão juntos a muito
tempo, adquirem habilidade gerenciar melhor os conflitos, a ansiedade e
negatividade, em detrimento a casais que tem menos tempo de relação conjugal.
Para Silva; Comin e Santos, (2017) isto se deve ao fato de que os conflitos de casais
com maior tempo de união envolvam menos emoções negativas, reagindo com mais
carinho ao lidar com os conflitos, demonstrando que as estratégias de resolução de
conflitos passam por modificações ao longo dos anos, se apresentando de forma
mais positiva e flexível.
Consoli; Bernardes e Marin, (2018) consideram que na fase do ajustamento conjugal
pode ocorrer a repetição do padrão de apego vigente na infância, que ocorre entre a
criança e seu cuidador, isso pode ser um facilitador ou um empecilho na
conjugalidade.
O apego primário é um tipo de vínculo social estabelecido na relação entre a
criança e seu cuidador principal, o qual pode ser observado por meio de
comportamentos (chorar, fazer contato visual, tocar e agarrar-se) que
possibilitam manter proximidade entre eles (CONSOLI; BERNARDES;
MARIN, 2018. p. 316).
Para esses autores, essas primeiras vivências de apego vão marcar as relações
futuras, repetindo os padrões de apego primário nas relações conjugais.
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Quanto as estratégias que podem ser adotadas na relação, uma boa alternativa
apontada como positiva para o enfrentamento das dificuldades nas relações
conjugais, diz respeito a percepção dos aprendizados a partir das experiências
conjugais, pois as mudanças do casal não acontecem de forma repentina, é preciso
estar atento à própria maneira de funcionar e às indicações que o outro emite,
adquirindo um conhecimento que ajuda a prevenir adversidades e fortalece a
relação (ROSSET, 2017). São estratégias construtivas aliadas ao uso de uma
postura mais flexível e tolerante diante dos conflitos e limitações do casal, a
importância de manter uma visão otimista e de assumir responsabilidade mútua
diante das ocorrências. Do contrário, se fossem se comportar de forma destrutiva,
prevaleceriam os comportamentos individualizados diante os conflitos conjugais, o
foco seria sempre o problema e uma busca inconstante de apontar o culpado dos
conflitos, logo não haveria flexibilidade para buscar pensamentos positivos, assim
como buscar os aspectos positivos do/a parceiro/a e da relação (ROSSET, 2017;
COSTA; CENCI; MOSMANN, 2016), essas estratégias podem ser caracterizadas
como coping no contexto das relações conjugais.
Coping são estratégias de enfrentamento ou processo de enfrentamento os quais as
pessoas se valem para adaptarem-se a circunstâncias adversas (ANTONIAZZI;
DELL’AGLIO; BANDEIRA, 1998; FERNANDES; INOCENTE, 2010), é uma
possibilidade de enfrentamento que pode servir de ferramenta para gerenciar as
dificuldades vivenciadas.
Estas estratégias geram efeito nas ações e pensamentos convenientes para
situações nas quais é preciso lidar com estressores. Tais estratégias podem ser
classificadas em dois tipos, focalizada na emoção, cujo o objetivo é ajustar o estado
emocional associado ao estresse, a fim de reduzir as sensações desagradáveis
causadas pelo estado deste, ou seja, o indivíduo desenvolve estratégias para
equilibrar o impacto emocional do estresse. Já as estratégias que focam no
problema, direcionam o esforço para intervir nas situações que deram origem ao
estresse, para assim tentar alterá-las, ou seja, é um esforço por parte do indivíduo
para administrar o problema e assim se adequar ao meio. O objetivo é conseguir
uma alteração no problema em questão que se configura na relação entre a pessoa
e o ambiente causador do problema (ANTONIAZZI; DELL’AGLIO; BANDEIRA, 1998;
FERNANDES; INOCENTE, 2010).
No que tange a conjugalidade, Mussumeci e Ponciano (2016, p.171) identificam o
coping diádico, como “uma abordagem sistêmica, como uma nova forma de coping,
caracterizada por como os cônjuges lidam conjuntamente, constituindo-se uma
unidade em situações estressantes”, especificando estratégias direcionadas para as
relações conjugais. Assim, os cônjuges vão desenvolver suas estratégias para
lidarem com as situações de estresse e frustração derivadas na relação conjugal,
bem como, as próprias mudanças que ocorrem de acordo com a vivência do ciclo de
vida conjugal. No decorrer do processo de aprendizagem de coping diádico o casal
aprende que as estratégias são diversas e não precisam ser rígidas (MUSSUMECI,
PONCIANO; 2016).
De acordo com esses autores, essas estratégias ou formas que o casal vai encontrar
para funcionar, podem ser positivas, quando conseguem funcionar como suporte,
apoio mútuo em suas tarefas, quando a comunicação contribui para a solução de
problemas, quando existe solidariedade conjugal, comprometimento na relação,
tomando decisões em conjunto e dividindo sentimentos. São 3 tipos de estratégias
positivas sendo a primeira o coping diádico de suporte, onde o casal tem apoio
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mútuo na realização de tarefas diárias, conselhos, empatia e compreensão,


investimento nas capacidades do parceiro e solidariedade; o coping diádico em
comum há resoluções dos problemas de forma conjunta e diálogo a fim de
compartilharem sentimentos e também compromissos; o coping diádico delegado, os
parceiros são impulsionados a dar apoio um ao outro, inclusive assumindo tarefas
para este, estabelecendo assim novas divisões de tarefas.
As estratégias negativas também podem se revelar de três formas, como o coping
diádico hostil, em que o casal se distancia, deprecia e há desinteresse ou falta de
empatia para com o estresse vivenciado pelo parceiro. A segunda forma é definida
como coping diádico ambivalente, quando não há vontade genuína de apoiar o
outro, acontece de forma forçosa por força de algo maior, por exemplo, algum tipo
de contribuição, favor ou até pagamento. E por fim, o coping diádico superficial, em
que um suporte é até oferecido, mas não é sincero, não vai haver uma escuta ou
apoio, não há empatia.
Para Ponciano; Mussumeci (2016;2018) o ideal é que o casal consiga desenvolver
boas estratégias, tentando também evitar as estratégias negativas para construir
uma boa resiliência conjugal, para assim possuir ferramentas que os possibilitem
gerenciar os impactos negativos provenientes das situações de estresse que
emergem no casamento, reforçando o laço matrimonial, a confiança mútua e a
intimidade, desta forma reafirmando o sentimento de pertencimento deste sistema.

3. METODOLOGIA DA PESQUISA

Este trabalho trata-se de uma pesquisa descritiva, tendo em vista a descrição das
características ou fenômenos de uma determinada população, a fim de descobrir
suas características, causas, utilizando-se de técnicas como a entrevista,
observação e questionários (PRODANOV; FREITAS, 2013), de natureza qualitativa,
pois trata-se de "[...] um procedimento mais intuitivo, mas também mais maleável e
mais adaptável a índices não previstos, ou à evolução das hipóteses" (BARDIN,
2011. p. 145). Para a coleta dos dados foi utilizado a entrevista semiestruturada, por
se tratar de um instrumento que permite o desenvolvimento do tema a partir de
perguntas disparadoras, ou seja, o pesquisador elabora algumas questões chaves
sobre o tema, mas permite e pode também incentivar, que o participante contribua
para além do que foi proposto (GERHARDT; SILVEIRA, 2009). Os resultados foram
analisados a partir da análise de conteúdo que visa tomar conhecimento dos dados
coletados trabalhando em cima das falas dos indivíduos, se atentando as variáveis
que emergem por trás das falas e envolvem os campos psicológico, histórico,
sociológico, etc. (BARDIN, 2011), sob a perspectiva da teoria do Ciclo de vida
familiar dispostos por Minuchin e Fishman (2007), que identificam quatro fases
pertinentes ao ciclo de vida familiar, sendo, portanto, a formação do casal; famílias
com crianças pequenas; famílias com crianças em idade escolar ou adolescente;
famílias com filhos adultos.
Para participação da pesquisa os casais deveriam estar casados legalmente,
morando na mesma casa, não dependendo do tempo de conjugalidade e deveriam
estar vivenciando as fases propostas pelos autores do ciclo de vida familiar
escolhidos para este trabalho. Para identificação dos casais com relação a fase de
ciclo de vida familiar, no momento da seleção dos participantes foi observado se o
casal tinha características correspondentes as fases estudadas, se confirmadas
eram convidados para a participação na pesquisa. Assim, todos os casais eram
10

conhecidos da pesquisadora, sendo dessa forma, escolhidos por acessibilidade, ou


seja, "o pesquisador seleciona os elementos a que tem acesso, admitindo que estes
possam de alguma forma, representar o universo” (GIL, 2008, p. 94), e foram
convidados pessoalmente ou por ligação telefônica para participarem da pesquisa.
Desta forma, foi acordado o melhor dia e horário para o casal, pois a pesquisa foi
feita no mesmo dia com ambos, eles apenas foram separados durante a entrevista,
pois fazer a entrevista com o casal em dias alternados poderia comprometer a
qualidade do resultado, por talvez ocorrer o compartilhamento de informações e
influenciar a fala do cônjuge.
Foram selecionados oito casais, sendo dois casais de cada fase de ciclo familiar
estudados nesse artigo. No momento da entrevista, foi explicado ao casal do que se
tratava a pesquisa e sua finalidade, foi apresentado o termo de consentimento livre e
assinado pelos participantes e pela pesquisadora e foi esclarecido aos participantes
que a qualquer momento eles poderiam desistir de fazer a entrevista ou de
prosseguir. Sendo assim, o artigo segue todas as condutas éticas devidas,
garantindo o anonimato dos participantes, respeitando toda forma de vida humana,
inclusive também fazendo as devidas referências às fontes bibliográficas, como
orienta a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) (PRODANOV;
FREITAS, 2013).

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Como apontado anteriormente, todos os casais entrevistados eram casados no civil


e foram escolhidos de acordo com os critérios da Teoria do ciclo vital de Minuchin e
Fishman (2007).
Sendo assim, dos oito casais entrevistados dois eram casal sem filhos, dois casais
com filhos pequenos, dois casais com filhos adolescentes/idade escolar e dois
casais com filhos adultos, dessa forma, os casais B e D, encontram-se no estágio de
formação de casal, com isso percebe-se a diferença no tempo que estão casados,
para os autores Minuchin e Fishman (2007), não se define o estágio pelo tempo de
casamento, mas sim de acordo com o crescimento das crianças, como dispõem os
estágios de ciclos vitais da teoria destes autores. Os casais G e H, estão na fase do
casal com filhos pequenos, no entanto, o casal G ainda se encontra no início da vida
adulta, talvez até vivenciando ainda os dois estágios iniciais de uma vez (formação
de casal + casal com filhos pequenos), já que o filho veio ainda no início do namoro,
já o casal H veio a ter filhos com uma certa diferença de idade se comparado ao
casal anterior, onde já houve uma melhor estruturação da maturidade,
estabelecimento financeiro, profissional e até mesmo emocional. O casal E e F
encontram-se na fase de filhos adolescentes, mas o casal E tem experienciado mais
situações novas com a filha mais velha, pois já tiveram filha adolescente, então já
sabem de certa forma o que esperar, logo a novidade vai aparecer mais nas
situações que envolvem a filha mais velha. O casal F no entanto, tem apenas uma
filha, a qual esperavam muito por vir e relatam viver uma relação saudável entre os
3. Os casais A e C tem filhos adultos, ambos relatam ter uma boa relação com os
filhos, a diferença entre eles é que com o tempo, o casal A conseguiu aprender com
as dificuldades a serem uma melhor versão deles mesmos e do casal, já o casal C
afirma que o relacionamento foi se desgastando com o passar do tempo a ponto de
hoje, na fase da velhice, o casal viver total distanciamento, eles vivem uma
11

separação de corpos alegando a impossibilidade de se darem bem. No quadro


abaixo é possível ver mais detalhes do perfil dos casais:

Perfil dos participantes


Casal Idade Tempo de casado(a) Filhos
A 43 e 45 anos 23 anos 1 (21 anos)
B 32 e 36 anos 11 anos 0
C 72 e 73 anos 51 anos 4 (38; 46; 47; 48)
D 25 e 29 anos 8 meses 0
E 48 e 52 anos 25 anos 3 (24 e 11 anos - gêmeas)
F 49 e 45 anos 19 anos 1 (13 anos)
G 23 e 24 anos 1 ano e 7 meses 1 (2 anos)
H 44 e 47 anos 24 anos 1 (7 anos)
Fonte: Elaboração própria.

4.1 O OLHAR DO CASAL PARA AS CRISES NA RELAÇÃO CONJUGAL

A conjugalidade pode ser um sistema propício para o surgimento de crises, dizer que
isso é bom ou ruim depende da visão do casal que está vivenciando as crises
(ROSSET, 2016). Elas podem ser compreendidas pelos casais como fracassos da
relação, porém podem ser possibilidades de aprendizado, pois nesta relação vai
emergir o pior e o melhor de cada um, dessa forma com disponibilidade, o cônjuge
pode optar pela sofisticação dos pontos que percebe como disfuncionais e
inadequados e assim desenvolver potencialidades, fazendo isto, os casais estariam
aproveitando os conflitos e crises para o seu crescimento e enriquecimento (SOUZA
et al, 2005).
Dessa forma, ao serem questionados a respeito das crises enfrentadas na relação
conjugal, de maneira geral, os relatos obtidos através das entrevistas indicam que
nem todos os casais conseguem perceber crises no casamento, o que não significa
que elas não existem, apenas podem não ser interpretadas como crises, além disto,
as opiniões se dividem entre reconhecer que crises são oportunidades de
aprendizado e compreender que crises são sinônimo de fracasso e enfraquecimento
do laço conjugal.
O casal A, que se encontra na fase do casal com filhos adultos, apesar de terem
filha adulta e um tempo relativamente grande de casamento (23 anos), quando
questionados sobre dificuldades percebidas na conjugalidade retomam o início da
relação conjugal, identificando a fase de adaptação como a principal dificuldade
percebida na relação. É uma lógica possível de acordo com o que afirmam Minuchin
e Fishman (2007), aspirando que a fase inicial gera muitos conflitos, pois neste
momento, inevitavelmente, eles aparecerão no surgimento de um holon, duas
unidades individuais se configurando numa só, o holon conjugal, conflitos os quais
os casais vão precisar aprender a lidar construindo padrões possíveis de resolução
de conflitos. Esta fase é então um marco dilapidador e fundamental para o início da
relação, que marcou de maneira significativa o casal A, a tal ponto de apesar de
terem sido entrevistados separadamente, apontaram o inicio da relação como a de
maiores dificuldades no casamento.
Dessa forma, pode-se pensar na possibilidade de tal fase ter sido tão difícil a ponto
de ter produzido aprendizagens significativas e uteis para a relação do casal, isto
12

acontece quando a briga é leal, quando proporciona informações novas trazendo


conhecimento para o casal sobre como reconhecer os conflitos e saber resolvê-los,
adquirir tolerância, impor limites, até mesmo nas brigas mais agressivas, não tendo
ofensas, é possível gerar um aprendizado (ROSSET, 2016). Nesse contexto, esse
casal parece ter efetivado aprendizados no estágio de formação de casal, pois ao
vivenciarem as mudanças a partir do nascimento da filha, conseguiram estabelecer
padrões de comunicação adequados e funcionais, evitando crises que pudessem
dificultar a relação conjugal, como pode ser visto no seguinte relato.
J. (filha) nasceu, era muito casa e trabalho e aí a gente teve uma crise, na
minha cabeça eu não conseguia nem fazer sexo com ele [...], aí eu pedi
conselho a outras pessoas para saber se era normal quando a gente tem
filhos, se isso faz parte e tal, muitos falaram que não era normal, tá bom
então vou conversar com meu marido, elas falavam “menina, você tá doida,
você não vai falar isso com seu marido que ele vai achar que você tá com
outro homem”, eu falei, mas eu não ‘tô’ com outro homem, eu preciso que
ele entenda e que ele saiba que tá passando esse problema, que tá
acontecendo comigo para ele tentar me ajudar ou para a gente se entender,
né... [...] fui falar com ele o que tava acontecendo, que quando ele vinha
fazer sexo eu queria que acabasse rápido, então ele foi super
compreensível falou que não ia me procurar, ia me deixar à vontade, a
gente passou a buscar sair de novo para tentar solucionar o que tava
acontecendo, aí graças a Deus a gente foi mudando a rotina e as coisas
foram se encaixando de novo, mas por que teve diálogo, se eu fico
calada...” (CÔNJUGE A1, 2019).
Observa-se que o sistema casal estava funcionando de forma que possibilitasse a
comunicação clara entre os cônjuges, a ponto de terem liberdade em expressar os
sentimentos, isso possibilitou a realização de novos contratos na relação. O casal
deve buscar sempre renegociar os contratos, atualizar ou adequar ao momento em
que estão vivendo, pois os problemas sempre irão surgir (MINUCHIN e FISHMAN,
2007), o que pode tornar este processo mais fácil é a flexibilidade do sistema casal,
o quanto eles podem ser flexíveis.
A flexibilidade observada no casal A diante das dificuldades identificadas possibilitou
o bem estar de ambos, sem que a individualidade se sobressaísse em relação a
dualidade, o que foi possível pelo padrão de consciência do casal, pois “mais
importante do que ser flexível é ter consciência e controle, sobre os exercícios de
flexibilidade” (ROSSET , 2017, p. 53).
Tem muitos anos que a gente não tem mais crises, eu não posso nem mais
falar de crise porque agora a gente vive em um casamento muito feliz, não é
algo mentiroso, eu não falo isso para mostrar para ninguém, eu sou feliz no
casamento realmente, meu marido hoje é o outro, me trata com muito amor,
muito carinho, me entende, a gente conversa muito (CÔNJUGE A1, 2019).
O fato de não perceberem dificuldades, não significa que não existam, mas pelo fato
de terem ao longo dos anos, exercitado a comunicação eficaz, a compreensão
mútua, as dificuldades são resolvidas não evoluindo para crises que paralisam a
relação. Muitos casais não conseguem fazer esse aprendizado, e por isso,
continuam ao longo da vida conjugal enfrentar crises diversas, nesses casos a falta
de flexibilidade e a existência de rigidez dificultam as adaptações necessárias ao
casal. Isso pode ser constatado nos relatos abaixo
“[...] é que tudo para mim tem que gerar uma D.R. (risos) [...] e meu esposo
não, ele é muito prático [...] então, acredito que esse estilo do homem, né,
de não querer mesmo gastar tempo com isso ou de não levar tão a sério
essa necessidade que algumas mulheres, eu especificamente, tem, né, de
13

sentar e conversar, debater de olho a olho, no olho, eu acho que essa é


uma das grandes dificuldades” (CONJUGE B1, 2019).
O casal B, mesmo com 11 anos de relação, identificou a crise conjugal característica
da etapa de ciclo vital denominada da formação de casal, em que o casal está
definindo seu padrão de funcionamento e como vão se relacionar com os outros, é
uma fase que há o surgimento constante de conflitos, pois o casal precisa negociar e
conciliar muitas questões, então é caracterizada como uma fase complexa
(MINUCHIN; FISHMAN, 2007), aqui se tem a dificuldade na comunicação conjugal,
dificuldades na adaptação, mesmo o casal estando juntos há 11 anos, a esposa
quer conversar sempre, ele já não funciona desta forma, prefere a fuga ao olhar para
as questões que necessitam ser analisadas, então são características que condizem
com o estágio em que estão, mas há também uma rigidez presente na forma de
funcionar do casal, eles não conseguem desenvolver um meio próprio de se
relacionar que seja funcional, esta informação ainda não foi sintonizada entre eles.
Não é funcional, pois o próprio casal identifica que não está funcionando bem “[...]
eu posso dizer que crise, crise mesmo a gente passou e continua passando, mais ou
menos, de uns dois anos para cá” (CÔNJUGE B1, 2019); “[...] eu vejo que cada um
tem sua opinião dentro do relacionamento, mas, as vezes falam que um entende o
outro, mas não entende... eu vi que eu fiquei mais diferente nesse ponto, acho que
eu fiquei mais egoísta” (CÔNJUGE B2, 2019). O casal parece perceber que existe
falha na comunicação, talvez não saibam como alinhar esta questão.
Assim como o casal C que apesar de um tempo ainda maior de vida conjugal (51
anos) não conseguem chegar a um consenso, a falta de flexibilidade e rigidez fica
explícita para este casal, causando muita desordem e sofrimento e colocando
barreiras para a possibilidade de se construir ou reparar a comunicação do casal.
“Eu tomo remédio de depressão, eu fico olhando, escutando tudo aquilo que
ele tá dizendo, ‘a gente poderia voltar a ser feliz igual quando namorava’,
mas é uma coisa que não tem mais retorno[...]. [...] falta de diálogo, sempre
foi assim de mandar, de falar alto, de achar que é o dono do pedaço,
poderoso, que acha que eu não tenho personalidade, impõe tudo, tudo é ele
que resolve, que decide [...]. [...] é uma fase da vida da gente que é
estressante, desgastante, tudo que termine com ante, entendeu, é
deprimente, tolerância, assim... convivo! Eu não vivo, eu convivo!”
(CÔNJUGE C1, 2019).
“Eu rezo para que a gente chega a um denominador comum [...]. É ruim ter crise
depois de 50 anos de casado, muito ruim, eu acho que não deveria de ter, né a
gente deveria viver procurando paz... Mas dá para viver, dá para viver...” (CÔNJUGE
C2, 2019).
Os casamentos têm crises específicas e algumas são comuns a todos eles, Rosset
(2017) classifica como crises previsíveis, que são os tipos de crises esperadas no
decorrer de mudanças e passagens que a família vivencia durante os ciclos de
desenvolvimento, no caso citado, há um exemplo de crise que a autora classifica
como quebra de contratos, que ocorre com a quebra de combinados por parte de um
dos cônjuges, seja de forma intencional ou devido a condições da vida.
Olha, tudo começou pela bebida, [...] aí vem a agressividade, palavrões,
agressividade não de bater nem nada não, agressividade de palavras, que
dói mais do que o tapa, eu acho, entendeu e já falou várias vezes que ia
embora, eu tenho até o contrato guardado que ele fez para mim aí, pra
assinar o divórcio, eu não iria ficar com nada, praticamente, são coisas uma
atrás da outra que desgasta, entendeu [...] depois de uns 5 anos de casado
aí acabou... (CÔNJUGE C1, 2019).
14

Percebe-se que o cônjuge C1 (2019) revela dificuldades existentes na relação desde


de seu início, apontando para uma desistência da relação após 5 anos de
casamento. Rosset (2005) considera que contratos não expostos de maneira clara
podem ser nocivos para a relação do casal, comprometendo a qualidade da relação
culminando em sua dissolução, independente da ocorrência do divórcio, o que pode
ser constatado no relato anterior. Havia uma insatisfação e uma comunicação
inadequada com o uso da violência relatada por parte da esposa (CÔNJUGE C1,
2019). A violência doméstica, seja ela psicológica, física, moral ou de qualquer outra
forma, é compreendida na abordagem sistêmica em termos de relação conjugal e
não como uma questão de gênero onde há um agressor, homem e uma "vítima", que
seria a mulher (SEIXAS; DIAS apud CAMPOS; ZACHARIAS, 2017), pois a forma
sistêmica de pensar compreende que "o comportamento de um membro afeta
imediatamente os outros, e o estresse num membro individual repercute fortemente
através das fronteiras e ressoa rapidamente nos outros subsistemas" (CAMPOS;
ZACHARIAS, 2017. p. 5), ou seja, é uma via de mão dupla, trata-se do contexto da
relação, nota-se que o padrão de funcionamento deste casal é o de agir de forma
mais agressiva e extremista, o que torna a relação cansativa, improdutiva, dolorosa.
Rosset (2017) apresenta outros tipos de crises do casal, como a crise na
estruturação e na produção da família. A autora afirma que esse tipo de crise
geralmente acontece com a chegada de filhos e durante a organização da vida
conjugal/familiar. O casal E, casados há 25 anos, quando questionados sobre as
crises percebidas pelo casal, relatam situações diferenciadas, a esposa (CÔNJUGE
E1, 2019) identificando questões passadas, o esposo (CÔNJUGE E2, 2019)
identificando questões presentes, mas ambos referentes a estruturação e produção
da família.
[...] A comunicação... Financeiro... Diferenças de, dentro do casamento, não
é isso? Diferenças de percepções porque às vezes a gente pensa de um
jeito, o outro pensa de outro e aí vem a parte de ceder. [...] No início do
casamento onde tinha que ajustar o meu jeito, com a gravidez também que
eu casei grávida, né, veio tudo junto e eu larguei o emprego que eu
ganhava muito bem e passei a ficar dependendo dele [...] a família também
tava querendo se envolver (CÔNJUGE E1, 2019).
Ah é o desgaste do dia a dia, né, é muito difícil, tem que ter muita
responsabilidade, porque tanta gente chuta o balde? É porque não aguenta
pressão, não aguenta carregar o peso, comandar uma casa não é para
qualquer um, tanto o homem quanto a mulher [...]. Então você tem que
pagar conta, você assume responsabilidades, você tem que criar filho, é
muita pressão, tem que ter paciência porque você tá convivendo com outra
pessoa, tem que aprender a abrir mão porque você tá convivendo com
outras pessoas (CÔNJUGE E2, 2019).
Este casal percebe as crises sob perspectivas distintas, talvez esteja presente uma
falta de sintonia, uma falha no diálogo ou até mesmo ausência dele, pois o cônjuge
E1 (2019) ao falar das crises remete a acontecimentos do passado e o cônjuge E2
(2019) fala mais do presente, coloca as responsabilidades de ser pai e esposo como
o motivo mais evidente ao se referir ao contexto de crises conjugais.
Com isso, percebe-se a importância de desestigmatização do início da relação
conjugal como um conto de fadas, sem problemas e somente a felicidade dos casais
estarem juntos, porque “os anos iniciais do casamento envolvem a necessidade de
constituir-se como casal, uma das etapas mais difíceis do ciclo vital” (HECKLER;
MOSMANN, 2016. p. 163), ou seja, é mais passível de brigas, frustrações e
reorganizações, devido a este início do casamento ser marcado por adaptações que
15

em muitos casos são muito difíceis de ajustar, podendo até mesmo o casal não
conseguir elaborar as questões que vão emergir em decorrência das situações mais
difíceis e se divorciarem.
Ao contrário do que Minuchin e Fishman (2007) afirmam sobre o estágio de
formação de casal, o casal D afirma estar vivendo um momento tranquilo tendo tido
apenas oito meses de casado, apesar de ainda estar no período de adaptação,
formação do casal, que segundo os autores é um período que costuma ser difícil,
gerador de conflitos, já conseguem reconhecer esta questão da flexibilidade, como
afirma um dos cônjuges “[...] tentando mudar, né, de alguma forma, não pelo outro,
mas por mim se alguma coisa que tem em mim incomoda ele ou que tá nele e
incomoda, né e vice-versa, tento mudar, não por ele, mas por nós” (CÔNJUGE D1,
2019).
O casal H tem mais tempo de casado (24 anos) e não percebem dificuldades e
crises no casamento hoje, acreditam viver uma relação tranquila, como indicam os
relatos “[...] hoje eu não vejo [...] nenhuma dificuldade não, a gente se entende muito
bem [...] eu acho agora bem tranquilo porque no começo a gente não tem muita
maturidade, tem aquelas questões de ciuminho [...]” (CÔNJUGE H1, 2019); “[...]
nunca tivemos problema não, mesmo passando por crise financeira não tivemos
problemas” (CÔNJUGE H2, 2019). Mas reconhecem que mudanças dentro da
relação são necessárias para moldar um casamento saudável e para isso também
tiveram de ser flexíveis
[...] ele teve que mudar um pouco as atitudes e eu também né porque senão
não ia dar certo eu era muito mandona você falasse para mim não vai fazer
isso, aí que eu batia o pé e ia fazer e não é assim você tem que sentar e
conversar, né. Eu acho que tudo tem que ser na base da conversa e eu era
muito cabeça quente, não fala não para mim não e aí eu tive que mudar
muito e ele também (CÔNJUGE H1, 2019).
Os teóricos Minuchin e Fishman (2007) afirmam que se o casal conseguir passar por
esta fase de adaptação que é a formação do casal (estágio 1), que costuma ser mais
difícil, se tornarão um organismo estabilizado, chegarão a um equilíbrio do sistema,
tendo flutuações dentro do que é esperado, mas não é o caso do casal C, como foi
explicitado nos relatos anteriores, é neste contexto que se faz válido o raciocínio de
Andolfi (1995) que afirma acreditar que a teoria do ciclo vital, seus estágios e
momentos foi formulado de forma genérica, de forma que os mesmos fatos se
aplicam a todos que estão vivenciando uma determinada fase, de forma que seja
uma leitura universal para toda situação, desconsiderando particularidades
individuais e culturais, os relatos do casal C embasam tal afirmação, pois apesar de
muito tempo juntos o casal percebe que há muito tempo não há sintonia ou
equilíbrio, apontando o início da relação como melhor estágio, o que contradiz a
teoria do ciclo vital de Minuchin e Fishman (2007) e reforça a teoria da não
universalidade de Andolfi (1995) de que os estágios podem ser vivenciados de
formas distintas observando a influência de particularidades.
Já os cônjuges G2 e H1 (2019) apontaram como causas eliciadoras de crises tanto a
questão financeira, sendo esta também uma das crises específicas elucidadas pela
autora Rosset (2017) que se enquadra em mortes e perdas de emprego e
financeiras, cada um lidando da forma que puder, de formas individuais, podendo
gerar até mesmo uma competição entre eles ao apontaram que seu modo de sofrer
e lidar com a dor é melhor, o que pode agravar o sofrimento vivenciado pelo casal,
quanto a criação dos filhos. “Pode ser desencadeado uma crise, algo relacionado a
16

financeiro, né, discordância financeira, os cuidados com filho [...]” (CÔNJUGE G2,
2019);
[...] se adaptar nem sempre é fácil, abdicar para poder as coisas fluírem e
com criança, então, só Jesus na causa, né, por quê cada um vai ter sua
visão de parcela naquilo ali, acha que já tá suficiente, acha que o que faz já
tá bom, e aí sempre tem um que tem que dar conta a mais das coisas [...].
Só por D. (filho) que a gente briga, né, porque ele deixa a gente doido, aí a
gente briga (CÔNJUGE G1, 2019).
“[...] Primeiro é a criação dos filhos, acho que é uma, porque cada um tem uma
forma de criar, acho que isso acaba dificultando [...]” (CÔNJUGE F2, 2019).
Segundo a teoria do ciclo de vital de Minuchin e Fishman (2007) é natural que nesta
fase os pais acabem se sentindo pressionados, perdidos, devido as novas tarefas, a
divisão das responsabilidades, podendo até mesmo se afastarem e até que essa
nova configuração se estabilize o casal pode viver conflitos, como por exemplo,
originados quanto a educação dos filhos, como criar, educar, estabelecimento de
limites e regras, etc.. Este novo lugar, paternidade/maternidade, pode acabar
trazendo conflitos para a unidade casal.
Foi possível constatar que os casais partem de opiniões distintas ao serem
questionados sobre percepção de crises no casamento, sendo que de 8 casais
entrevistados, 3 perceberam crises no casamento, 2 nunca perceberam e 3 casais
discordavam, sendo que um cônjuge dizia perceber e o outro não. Dos cônjuges que
identificaram crises conjugais, 5 apontam para o início do casamento, se referindo a
fase de adaptação do casal. Dois casais apontam para a relação em si como
motivos geradores de crise, nenhum dos dois recorrem ao passado, um dos casais
diz estar vivendo uma crise há 2 anos, mas ao que tudo indica, a crise vivida hoje
pode ser devido a fase de adaptação mal resolvida, onde os contratos não foram
bem acordados ou até mesmo não citados, assim como o outro casal, que aponta o
início da relação como prazerosa e feliz, em compensação, se mostram infelizes no
casamento após os anos iniciais.
É possível acreditar que o casal ao superar/aprender com as crises nos ciclos, faz
com que haja um aprendizado tão potente a ponto de quando surgirem outras crises
em outros ciclos, eles não perceberem como algo crítico ou até mesmo como crise,
já que adquiriram estratégias ou uma forma de lidar com os conflitos com maior
facilidade. E para aqueles que não se disponibilizam a aprender no estágio inicial
(formação de casal) podem perpetuar as dificuldades para os estágios seguintes,
além das dificuldades dos contextos atuais.

4.2 A PERSPECTIVA DO CASAL NO ENFRENTAMENTO DAS CRISES

Ao falar especificamente de crises conjugais é possível perceber as tão variadas


formas de se manifestaram e que de tudo ela não é tão ruim e mais, faz parte do
desenvolvimento da família (MINUCHIN; FISHMAN, 2007). Não há uma
configuração exata de como as crises vão se manifestar no casamento, pois vai
depender de questões como se os cônjuges são capazes de reconhecer e respeitar
limites, se há uma boa comunicação ou não, se há contratos adequados para um
convívio saudável, entre outros aspectos que delineiam a relação, como usar de
bom senso e estratégias positivas para lidar com conflitos (CAMPOS; ZACHARIAS,
2017; MUSSUMECI; PONCIANO, 2016).
17

Ao serem questionados sobre como lidam e quais as estratégias utilizadas para


superarem as crises conjugais, foi possível observar que a comunicação adequada
funciona como uma ferramenta a favor do casal, entretanto, se utilizada de forma
inadequada pode dificultar a relação, levando a crises sérias na conjugalidade. “Eu
entendo assim... Um fala ‘a’ outro fala ‘b’, entendeu? A gente nunca chega a um
consenso [...]” (CÔNJUGE C1, 2019); “É quando o casal não entra num consenso
[...]” (CÔNJUGE D1, 2019); “Ah, eu acho que é quando os dois não entram em um
senso comum, né [...]” (CÔNJUGE E1, 2019).
Almeida (2015) aponta as falhas na comunicação do casal como uma das
problemáticas mais presentes nas relações contemporâneas, ou seja, quando há
dificuldades em estabelecer um diálogo, iniciar um diálogo e que geralmente se
evidencia em casais que "[...] já não possuem o amor e não fazem questão de
demonstrar qualquer tipo de sentimento pelo parceiro" (ALMEIDA, 2015. p. 21).
Acrescenta ainda que não importa se a comunicação seja verbal ou não-verbal,
contanto que aconteça, pois se complementam para proporcionar maior
conhecimento do casal e consequentemente maior intimidade, podendo o casal criar
seus códigos, gestos, sinais, até mesmo os silêncios passam a ter significado, sejam
positivos ou negativos. Assim, a comunicação pode funcionar tanto para contribuir
com o surgimento ou manutenção de crises quanto para estratégias que possibilitem
a superação das dificuldades, prevenção de dificuldades e conflitos ou manutenção
saudável nas relações, “[...] a gente entende um ao outro, ela olha para mim eu já
sei o que tá acontecendo, entendeu?” (CÔNJUGE A2, 2019).
Quando o cônjuge faz tal afirmação ele está informando que a comunicação do
casal é ampla, é possível dizer, hipoteticamente, que este casal sabe se respeitar,
que há uma notável cumplicidade, que eles alimentam um vínculo coeso, formando
uma maior unidade.
“[...] Quando eu vejo que ela tá com paciência curta eu me afasto, deixo ela bem
quietinha lá, vou ficar espetando ‘futucando’? A pessoa tem que ser inteligente o
suficiente para aprender a perceber o outro [...]” (CÔNJUGE E2, 2019). Nesta
afirmação é possível observar um conhecimento de limite que se tem de até onde se
pode ir com o outro, o olhar atencioso que se tem sobre o outro, pois as ações deste
cônjuge estão voltadas para o que ocorre na relação conjugal e não em função de
suas questões individuais, este reconhecimento faz relação também ao respeito que
se tem sobre a autonomia do outro, há um respeito e com isso um limite, sobre
quem o parceiro é sem a tentativa de desqualificá-lo pelo seu jeito de ser, não há
uma tentativa de fazer com que o outro mude (ROSSET, 2005). “[...] Eu fico 15 dias,
um mês sem abrir a boca para falar, eu prefiro ignorar, porque não é fácil não,
entendeu [...]” (CÔNJUGE C1, 2019). Neste relato, pode ser observada dificuldade
na comunicação que favorece o enfraquecimento da relação conjugal, não há um
consenso entre eles justamente porque não se dispõem a dialogar. Rosset (2005, p.
153) afirma que tais atitudes promovem um círculo vicioso disfuncional chamado
“jogo do sem fim”, as características deste padrão relacional são “não poder gerar,
em seu próprio sistema, as condições necessárias às mudanças; não poder produzir
leis que regulem a mudança das suas próprias leis; não ter a regra para encerrar o
“jogo””.
Cinco dos cônjuges entrevistados relataram que a estratégia adotada para lidarem
com as crises seria o diálogo, um dos cônjuges de forma bem humorada relata:
“Qual que é a estratégia? Fé em Deus! Não tem para onde correr você tem que
18

abraçar e seguir junto” (CÔNJUGE E2, 2019). Isto pode ser visto como uma
estratégia, pois desta forma ele está dizendo que nem nos piores momentos ele
abandona a relação, quando ele fala em enfrentar os problemas juntos ele está
investindo na relação. Cabe aqui fazer uma correlação com o coping diádico, onde
os cônjuges se esforçam, individualmente ou em união, para gerenciar o estresse e
restabelecer a homeostase de um ou de ambos. São estratégias que podem mitigar
os impactos negativos do estresse na relação conjugal e proporcionar maior
amplitude no olhar sobre a existência de diversas estratégias que podem ser
experimentadas pelo casal (MUSSUMECI; PONCIANO, 2018).
Outros cinco cônjuges disseram não ter estratégias para lidarem com as crises, pelo
fato de não identificarem crises conjugais ou por perceberem estratégias como
comportamentos requintados e distantes de suas reações nas relações conjugais.
Como não vivenciamos ela [crise] eu não sei nem te dizer, mas pelo que a
gente vê as vezes falta de compreensão, pelos amigos que a gente vê [...]
mas como eu até hoje não tive, não sei mesmo. [...] A gente gosta muito de
sair, um não sai sem o outro [...] graças a Deus é tranquilo, mas assim, eu
sou mais tempestade, ele é mais calmo aí quando às vezes eu fico nervosa
quando chego em casa e topo bagunça ele fica quieto e não responde aí é
onde acalma. Ele é mais calmo, então não tem como dar continuidade ele
sai de perto e acabou (CÔNJUGE F1, 2019).
“[...] pra gente graças a Deus é tranquilo [...]” (CÔNJUGE F2, 2019). O casal
compreende a ausência de brigas ou crises como algo que só tende a ser positivo,
mas de acordo com Rosset (2016) evitar brigas pode ser um elemento deteriorador
da relação, pois não permite a construção de uma relação mais íntima do casal, o
ideal é construir habilidades para aprender a brigar de forma construtiva, nem
evitando e nem brigando demais.
O cônjuge G1 (2019) relata não ter estratégias para o enfrentamento dos conflitos e
crises que o casal enfrenta e aponta que nunca resolvem as dificuldades, tal aspecto
dessa relação pode propiciar riscos para a relação conjugal ao evitar
solucionar/enfrentar as dificuldades “tem estratégia não (risos). Eu geralmente sou a
mais orgulhosa, eu vou fingir que tá bem [...] não falo com ele, vou indo e ele depois
vem, que é mais calmo assim, né e tenta conversar, mas a gente nunca resolve
nada [...] só tapa o sol com a peneira” (CONJUGE G1, 2019).
Apesar de não identificar como estratégia, evitar conflitos pode ser uma estratégia
para a relação conjugal, pois é uma forma de evitar discussões, evitar assuntos
dolorosos, evitar a reavaliação de contratos. Mas a não resolução de problemas
pode dificultar a convivência, a relação conjugal, o fortalecimento do laço de
intimidade e companheirismo, caso este padrão não seja reavaliado e reconstruído a
comunicação do casal pode ficar cada vez mais prejudicada, como no caso do casal
G revelando a dificuldade que possuem em se comunicar.
O padrão de funcionamento de um casal é algo mais do que o
funcionamento de duas partes e torna-se um funcionamento unitário, que se
constrói a partir da forma como cada um dos elementos funciona; o mais
importante, porém, é a forma como eles funcionam em conjunto (ROSSET,
2005. p. 57).
Neste caso, em uma perspectiva sistêmica o padrão de funcionamento e de
comunicação dos cônjuges se fazem presentes como uma unidade, assim, da
mesma forma que o cônjuge G1 (2019) aponta a falta de estratégias, o cônjuge G2
(2019) também reforça “ah, eu por conhecer B. (esposa) e saber que ela é um
19

pouquinho estourada e eu sou mais tranquilo, eu tento deixar [...] mas devagarzinho
eu vou falando o que eu penso, o que eu acho [...]”. Este é um sistema que foge do
conflito e não enxerga que ao fazerem isso podem estar comprometendo a própria
relação.
Por último, o casal H compartilha da mesma opinião sobre não haver estratégias
para resolução das crises. O cônjuge H2 (2019) nem mesmo reconhece a existência
de crises durante o casamento, então não há porque ter estratégias “[crise] é pra
acabar o casamento. [...] Não, nunca, nunca! Graças a Deus, não, 24 anos e nunca
passamos por isso, nunca tivemos problema não, mesmo passando por crise
financeira não tivemos problemas”. No entanto, o cônjuge H1 (2019) percebe que
em uma determinada época as crises se manifestaram, mas não foi percebido o uso
de estratégias
já sim, [...] por volta, assim, acho que 7 anos, 5 anos, mas eu creio que é
mais por conta disso que eu ‘tô’ te falando, questão de maturidade, né, a
gente casou muito novo, era muito imatura ainda, começou a namorar muito
cedo. [...] Não [referindo-se a estratégia], foi mais na base de quebrando a
cara mesmo, acertando e errando, isso daí, mas mais quebrando a cara.
Isso porque para o H2 (2019) crise significa fracasso no casamento, é uma visão
equivocada, porém real, talvez muitos casais pensam que a crise é sinônimo de
fracasso no casamento, não enxergam crises como possibilidades de aprendizado,
mas o cônjuge H1 (2019) consegue visualizar a crise como algo que precisava
aprender, que precisou vivenciar para conquistar um aprendizado, no caso, a
maturidade que foi alcançada. Então, antes a crise estava ligada a inexperiência,
hoje não conseguem enxergar as estratégias pois não enxergam as crises, já que
ela acontecia devido a questões ligadas a falta de maturidade.
Sendo assim, os cônjuges tentam viabilizar de diversas formas resolverem as crises,
as estratégias utilizadas diante conflitos e possíveis crises mais pertinentes que se
mostraram nas entrevistas foram cumplicidade, conhecer e respeitar o limite do
outro, estar junto na relação, ter uma comunicação adequada, sendo verbal ou não
verbal, alguns cônjuges disseram também ignorar o outro revelando assim uma
dificuldade na comunicação, além disso outros casais disseram também não
utilizarem estratégias para lidarem com tais situações, afirmando que as situação se
resolve com o tempo, o que pode ser visto também como uma estratégia, pois
significa não ter de encarar o problema quando ele aparece, pretendendo assim
evitar mais discussões, desentendimentos e estresse, pode funcionar de imediato,
mas a longo prazo pode culminar em prejuízos irreparáveis na relação.

4.3 O QUE SE PLANTA, SE COLHE – CONSEQUENCIAS NAS CRISES


CONJUGAIS

Os cônjuges têm sua forma singular de interpretar as crises e as consequências


decorrentes delas, este olhar único de cada um é que vai delinear a vivência das
próximas fases, de forma negativa ou positiva, isto vai depender da interpretação
que se tem delas, que pode ser vista como algo destrutivo ou algo que promova
mudanças, como oportunidades de evolução tanto para o casal, quanto
individualmente (OLIVEIRA; RIBEIRO; FRANCISCO, 2014).
Diante desse contexto, ao serem questionados a respeito das consequências
percebidas em decorrência das crises conjugais foi possível perceber, de maneira
geral que alguns cônjuges percebem que houve um fortalecimento da amizade e da
20

relação amorosa, mais paciência com o outro, mais empatia, mas alguns também
não acreditam que há fortalecimento e sim afastamento, descontentamento e
desunião.
Conforme Marques apud Souza et al (2005), o casamento perfeito ou família perfeita
não existem, mas pode ser vivido de formas distintas, tendo pelo menos cinco estilos
de vivências matrimoniais. No estilo de vivência casamento pleno,
O casal comunga em todas as áreas da vida. O cônjuge é visto como
amigo, amante e sócio. Enfrentou problemas sérios no passado, mas os
resolveu na ocasião em que eles surgiram. Saiu fortalecido e unido.
Aprofundou-se a intimidade (SOUZA et al 2005. p. 35).
Este aspecto da relação pode ser observado nos relatos do casal A,
A gente já era amigo, mas a gente ficou ainda mais amigo, ele passou a me
ouvir mais, entendeu, porque eu dava um conselho mas sempre falava, se
quiser fazer do seu jeito eu te apoio e muita das vezes ele fazia do jeito dele
e se lascava e aí acho que ele parava e pensava que se tivesse me
escutado não teria passado por isso, entendeu e eu acho que com o tempo
ele começou a perceber isso. [...] O foco da minha mudança foi focar em
mim mesmo, nos meus defeitos, aí sim, aí minha mudança começou e
conforme eu ia me transformando isso foi afetando ele também, eu comecei
a olhar para mim na busca de querer melhorar e quando eu errava, ele me
corrigia e aí eu fui mudando e ele começou a ver isso e conforme a minha
mudança foi automático nele também querer mudar [...] (CÔNJUGE A1,
2019).
“Cada dia que passa a amizade se fortalece mais, o amor se fortalece mais
[...] o companheirismo é mais forte, a gente entende um ao outro, ela olha
para mim eu já sei o que tá acontecendo [...] com o tempo eu fui
aprendendo a fazer o certo [...]” (CÔNJUGE A2, 2019).
A partir dos relatos percebe-se que o casal soube fazer bom uso das crises
aproveitando o espaço de casal para crescer e aprender, observando as
informações que o cônjuge passou a fim de enriquecer a relação (SOUZA et al,
2005). O que também pode ser demonstrado pelos relatos a seguir
eu acho que eu fiquei mais paciente com o outro, né, levando mais em
conta o que ele tá pensando também, porque eu era muito assim, ah, eu por
mim e pronto, o que eu penso tá certo, agora eu ‘tô’ levando mais em conta
o sentimento dele também [...] eu comecei a praticar mais a empatia, me
colocar mais no lugar dele, pensei ah, realmente eu também ‘tô’ chata para
caramba, também ‘tô’ cobrando demais, eu também ‘tô’ inventando muita
coisa, sabe, eu acho que eu ‘tô’ mais assim, me colocando mais no lugar do
outro (CÔNJUGE D1, 2019).
O casal D está no início da relação, mas mostram características diferenciadas na
etapa de formação de casal descritas Minuchin e Fishman (2007), em que o período
de formação de casal apresenta muitas dificuldades, isso pode ocorrer pelo pequeno
período de matrimônio, ou pelo fato de terem elementos individuais necessários para
a construção mais adaptativa do holon conjugal, mas percebe-se que houve um
crescimento individual que contribui para a relação conjugal.

O casal F não relata consequências pois não percebe crises no casamento, é incerto
dizer que trata-se de um exemplo de casamento pleno, pois a ausência de brigas,
crises e insatisfações podem ser compreendidas também como não-
desenvolvimento da intimidade, pois existem sim as relações saudáveis, mas não
significa dizer que os conflitos nunca estarão presentes, pelo menos em alguns
21

momentos de todo o ciclo de vida conjugal (SOUZA et al, 2005; ROSSET, 2016;
2017) “[...] até hoje não tive [...] às vezes eu fico nervosa quando chego em casa e
topo bagunça, ele fica quieto e não responde aí é onde acalma. Ele é mais calmo
então não tem como dar continuidade, ele sai de perto e acabou” (CÔNJUGE F1,
2019). “Crise eu entendo como brigas, discussões o tempo todo, ficar discutindo,
brigando, não tendo vontade nem de vir para casa, né, eu acho que seria isso [...]
nunca tive isso não, graças a Deus” (CÔNJUGE F2, 2019). Não ter ou não perceber
crises no casamento pode gerar consequências também, como já foi dito neste
artigo, pode significar uma anulação de um ou de ambos cônjuges, pode indicar uma
relação com pouca intimidade e até mesmo um desinteresse mútuo.
Quando questionados sobre a percepção de consequências no casamento em
decorrência das crises, o casal E demonstra ter opiniões distintas, sendo que um
acredita que não há um aprendizado ou resolução dos problemas, que brigas/crises
não são oportunidades de aprendizado
falar que fica fortalecido isso é papo de, não fortalece não, eu falo que a
rota de fuga mesmo, entendeu porque você evita de tocar mais no assunto,
porque você fala, fala, fala e a pessoa, né, mas a gente continua
conversando porque eu acho que água mole e pedra dura tanto bate até
que fura, eu acho que é por aí, conversa, orientação, no outro dia fica na
‘bad’, mostra-se arrependimento, mas não muda muito não (CÔNJUGE E1,
2019).
No entanto, o respectivo cônjuge compreende os momentos de dificuldades como
oportunidades de aprender sobre a relação e sobretudo sobre o outro
a gente tem que saber reconhecer a pessoa e se reconhecer porque às
vezes você Com você mesmo você não tá bem cara, Então tem que ter
paciência, quando eu vejo que ela tá com paciência curta eu me afasto,
deixo ela bem quietinha lá, vou ficar espetando ‘futucando’? A pessoa tem
que ser inteligente o suficiente para aprender a perceber o outro, se você
aprender a vivenciar esses ciclos você vai conduzindo bem, porque os
percalços vira e mexe vão surgir (CÔNJUGE E2, 2019).
O casal G não percebe consequências de crises, pois não identificam brigas como
crises, mas conseguem perceber mudanças em decorrência das brigas
[...] a gente nunca resolve nada [...] só tapa o sol com a peneira [...] antes
eu ficava removendo isso que não resolvia, agora não resolveu eu não fico
me culpando mais não, porque eu me desgastava mais por isso porque eu
queria resolver mas se a outra parte não quer resolver eu engulo e deixo ir
(CÔNJUGE G1, 2019).
Quando questionado se isso trouxe mudanças para a forma de funcionar do casal, o
cônjuge G1 (2019) responde “[...] para mim sim, porque eu que sofria, a outra pessoa
não pensa da mesma forma, a outra pessoa não sofre, então só eu que sofria”. O
cônjuge G2 (2019) também percebe mudanças
sim, sim, acho que da minha parte pelo menos eu tento me colocar mais na
situação dela porque para mim é mais cômodo, né, ‘tô’ em casa, tenho
minha mãe, tenho minha irmã, então para mim é mais cômodo. Às vezes eu
não sei as coisas que ela passa, igual, às vezes ela fala que não tá na casa
dela, não se sentir em casa, privada das coisas, então depois que
aconteceu isso tudo eu tento me colocar mais no lugar dela, é um pouco
difícil ainda porque, né, eu ‘tô’ na minha zona de conforto mas acho que
quando a gente sair daqui vai ser mais tranquilo porque vai estar os dois na
mesma situação, né [...] (CÔNJUGE G2, 2019).
22

Interessante apontar que ambos referem-se a mudanças pessoais, o casal não olha
para mudanças na relação de casal e sim individualmente. Assim também parece
acontecer com o casal B que mesmo diante de um relato que suponha
amadurecimento e aprendizagem, o casal apresenta visões ainda muito
individualizadas com relação as consequências das crises vividas.
Aah, falando por mim, né, eu amadureci muito [...] tipo assim, era eu que
tava certa e pronto acabou, não queria saber, eu só queria que ele
admitisse e pronto "você tá certa" e pronto acabou, hoje não, com o passar
dos anos, né, tantos anos que a gente está junto, hoje eu consigo assimilar
na minha cabeça "pera aí, eu não fiz isso bem, eu não falei isso bem", né,
eu consigo assimilar melhor o que levou aquilo ali [...] ele passou também a
dar valor nos pequenos detalhes que para ele achava que não fazia
diferença, entendeu, mandava mensagem durante o dia [...] isso para mim
já fazia muita diferença, entendeu e depois que a gente foi se entendendo,
ele foi entendendo como que isso é importante para mim, entendeu e isso
foi uma mudança (CONJUGE B1, 2019).
Que a gente ta preparado pra lidar com situações piores, que a gente ta
preparado pra superar essas situações e também a gente sabe que são
situações que podem se repetir e depois dessas crises você... sempre uma
crise é diferente da outra, né, mas você sabe que você tem que se preparar
pra isso, pode acontecer novamente e vê até onde seu limite vai, até onde o
limite de cada um pode chegar com isso [...] eu [...] não dou mais, assim...
tanta importância pra pequenas coisas, por pequenos desentendimentos,
foquei mais no que eu penso, no que eu acho, assim, eu vejo que cada um
tem sua opinião dentro do relacionamento, mas, as vezes falam que um
entende o outro, mas não entende... eu vi que eu fiquei mais diferente
nesse ponto, acho que eu fiquei mais egoísta, né... infelizmente...
(CONJUGE B2, 2019).
Observa-se que as consequências relatadas pelo casal resultaram num
distanciamento, uma falta de sintonia e talvez também falta de interesse em
estabelecer uma união mais sólida, flexível e íntima.
Para o casal C, as crises vivenciadas também resultaram em distanciamento e
rigidez na relação, estas repetidas crises acabaram por ocasionar desunião e
afastamento total deste casal.
Não tenho saudades se ele for para longe, eu não sinto aquela... assim, né
[...] na realidade eu não gosto dele, não tem amor mais [...]. Eu tomo
remédio de depressão, aí eu fico olhando, escutando tudo aquilo que ele tá
dizendo, a gente poderia voltar a ser feliz igual quando namorava, mas é
uma coisa que não tem mais retorno [...] (CÔNJUGE C1, 2019).
[...] minha filha e a minha nora, ambas disseram que nós estávamos
doentes, que nossa relação estava doente, então se eu tô doente eu quero
saber que doença é essa e eu quero me tratar [...] aqui em casa falta muito,
falta carinho... [...] falta de comunicação, eu acho que a gente tinha que se
comunicar melhor, entendeu? (CÔNJUGE C2, 2019).
Apesar deste afastamento total em decorrência das crises, o cônjuge C2 (2019)
ainda acredita que possa haver algum tipo de reconciliação ou aproximação do
casal, como demonstra através do relato a seguir “[...] eu gosto sempre de estar de
bem com a vida, de bem com ela, bem dentro de casa [...]. Eu rezo para que a gente
chega a um denominador comum”.

Mesmo diante de consequências que comprometem a relação, a maioria dos casais


pensa em resolver ou minimizar os efeitos das consequências negativas. Observa-
23

se também que a busca por uma solução imediata de alguns cônjuges revela uma
não observância no que de fato pode acarretar a resolução da problemática dos
casais, isso pode ocorrer por inabilidade na comunicação, por dificuldade de
enfrentar dificuldades e frustrações, pela falta do olhar em relação a unidade, ou
seja, os cônjuges não se enxergam como unidade e sim individualmente, devido a
isto, alguns casais experimentaram situações de distanciamento, enfraquecimento
da relação e desunião. Alguns casais relataram enxergar nas adversidades uma
oportunidade de aprendizado, percebendo assim um fortalecimento da amizade e da
relação amorosa após os momentos de crise, relatando ter desenvolvido mais
paciência e empatia com o outro.

4.4 MESMAS CRISES, MESMOS CICLOS DE VIDA FAMILIAR?

Neste capítulo, exploraremos como os casais entrevistados lidam com as crises


conjugais de acordo com a fase do ciclo vital a qual se encontram. Conforme já
explicitado, Minuchin e Fishman (2007) identificam quatro estágios do ciclo de vida
familiar pelos quais passam os casais e as características presentes em cada uma
dessas etapas, na formação do casal ocorrem muitas negociações e
estabelecimento de contratos, o que pode gerar muitos conflitos.
Os casais B e D, que se encontram nesse estágio do ciclo de vida familiar,
apresentam relatos diferenciados quanto a vivência do período de crise, o que pode
ser explicado pelo tempo que estão casados. O casal B apresenta características
relacionais presentes no estágio de formação de holon conjugal, negociando o
funcionamento da relação, o que pode gerar as dificuldades conjugais
eu quero sempre conversar para tudo, né, [...] ver o que a gente pode
mudar, o que a gente pode fazer, tento armar um climinha [...], alguma
coisa, ele gosta bastante disso também, ele entra na onda, mas quando é
para conversar assim, de fato, [...] ele foge, "não, tá tudo bem, isso é coisa
da sua cabeça" [...] sair da rotina mesmo, eu preciso desse momento com
ele, entendeu, assistir um filme, [...] mas que a gente abra um vinho, ‘tô’
sempre incentivando, ele também, do jeito dele, mas eu ‘tô’ sempre
armando alguma coisinha, apimentando [...] pra mim é sempre muito mais
difícil porque eu fico criando mil e uma coisas na minha cabeça e de fato
quando a gente senta para conversar não tem nada a ver daquilo [...] é bem
angustiante mesmo [...] (CÔNJUGE B1, 2019).
“[...] muita conversa [...] ficou um pouco afastado [...] sempre houve respeito,
mas fomos ficando sem nos falar [...]. Eu vejo que cada um tem sua opinião
dentro do relacionamento, [...] as vezes falam que um entende o outro, mas
não entende [...]” (CÔNJUGE B2, 2019).
Nota-se, a partir dos relatos, uma rigidez na relação, mesmo com onze anos de
matrimônio, o casal ainda está no processo pertinente a formação do casal, em
conformidade com os pressupostos de Minuchin e Fishman (2007).
Já o casal D, apresenta um relato ponderado frente às dificuldades na relação conjugal,
o que pode ser relacionado ao pouco tempo de matrimônio
[...] a gente tenta resolver de alguma forma, às vezes no momento eu prefiro
me isolar, fico quieta pensando, porque no calor da emoção a gente acaba
falando coisa errada, né, fazendo o que não deve, [...] aí eu penso um
pouco, deixo ele, dou espaço para ele pensar, [...] é isso, a gente sempre
tenta resolver de alguma forma, não no momento, deixa passar aquela hora
da raiva mas depois a gente resolve e fica tudo bem [...]. Eu deixava ele um
24

pouco de lado porque quanto mais eu perguntava, quanto mais eu tentava


me aproximar, mais difícil era [...] (CÔNJUGE D1, 2019).
O estágio de famílias com crianças pequenas acontece com a chegada do primeiro
filho, onde o holon conjugal já estabelecido deve se reorganizar para se adaptar com
as novas tarefas e os novos holons: mãe-filho, pai-filho (MINUCHIN; FISHMAN,
2007). No caso do casal G, existe a possibilidade de não terem ainda concretizado o
primeiro estágio (formação de casal), já que o filho nasceu enquanto ainda estavam
namorando, logo ainda não eram casados, então, aparentemente, há um misto dos
dois estágios onde o casal precisou construir a relação conjugal e ao mesmo tempo
construir os holons de maternidade e paternidade. São duas construções difíceis,
segundo Minuchin e Fishman (2007) que requerem muita flexibilidade, diálogo e
abertura do casal para negociação de contratos. O casal pode também, percebendo
ou não, deixar a construção da relação em segundo plano e focar na criação do
filho, nas questões financeiras e acadêmicas que ainda estão se concretizando, o
que pode tornar este processo um pouco mais difícil “[...] se não tivesse uma vida
tão corrida a gente não ficaria tão exausto de ter que cuidar de uma criança que é o
nosso terceiro turno do dia (risos), porque tem faculdade, estágio e tem ele, ele é
praticamente um turno” (CÔNJUGE G1, 2019).
Quando questionado sobre as dificuldades da vida conjugal o cônjuge H2 (2019) não
identifica dificuldades na relação “[...] 24 anos e nunca [...] tivemos problema não,
mesmo passando por crise financeira, não tivemos problemas”, assim como a
companheira, cônjuge H1 (2019), que aponta somente para o início do casamento
como sendo a fase mais difícil
[...] hoje eu não vejo, assim, nenhuma dificuldade não, a gente se entende
muito bem [...] não que isso tenha sido sempre [...] acho que com passar
dos anos, né [...] até a gente criar uma certa maturidade [...] no começo a
gente não tem muita maturidade tem aquelas questões de ‘ciuminho’ [...] e
hoje não tem isso.
De acordo com o que os relatos dos cônjuges indicam, a criação da filha pequena
não tem sido um problema, eles conseguem manter o respeito e uma boa
comunicação no que tange as tarefas designadas para a criança “[...] na educação,
né, da A. (filha), se eu não concordo eu falo com ele depois, mas geralmente ele que
não concorda, né, passa mão (risos) mas é assim, é bem tranquilo” (CÔNJUGE H1,
2019), “[...] geralmente a mãe dela que fala, né, eu só mantenho o que ela fala, sua
mãe falou que é não, é não e acabou, senão você tira a autonomia, né” (CÔNJUGE
H2, 2019).
O casal G, citado anteriormente, percebe dificuldades (crises) e o H não percebe,
até porque para um dos cônjuges, crise é sinônimo de fracasso da relação, fim do
casamento, mas ter este pensamento rígido pode dificultar ou até mesmo
impossibilitar o crescimento do casal, pois não enxergar as próprias dificuldades
impossibilita os aprendizados, nisto os dois casais se assemelham, ambos evitam
olhar para os problemas. Mas talvez o casal H não perceba mais crises devido,
justamente, a maturidade alcançada pelo casal, então construíram outras formas de
lidarem com os conflitos que não brigas e acabam não percebendo os conflitos ou
crises quando eles surgem.
Esta questão da maturidade ainda não se apresenta para o casal G que ainda está
numa fase de estruturação da vida adulta, da vida profissional e conjugal, tudo
acontecendo simultaneamente, eles enxergam uma dificuldade maior ao lidar com a
criação do filho pequeno devido a estes aprendizados que estão acontecendo todos
25

ao mesmo tempo, diferente do casal H que já passou pela maturação da vida adulta
e veio a ter o primeiro filho já com uma boa bagagem de experiência de vida.
O estágio de famílias com filhos em idade escolar ou adolescentes é marcado pela
entrada dos filhos na escola e estabelecimento de novas regras e ajustes de tarefas,
principalmente no que tange a vida escolar da criança e de acordo com que vão
crescendo (adolescência) os pais devem renegociar questões ligadas ao controle e
autonomia (MINUCHIN; FISHMAN, 2007).
O casal E tem duas filhas gêmeas na fase inicial da adolescência e uma filha adulta,
como eles já passaram pela experiência de ter filha adolescente, os maiores
aprendizados vivenciados nesta fase estão relacionados a filha adulta, pois ter uma
filha adulta é uma novidade para eles
[...] eu consigo [...] me enxergar dentro de uma relação e isso muitas vezes
assusta ele [...] eu tenho essa percepção e às vezes eles não entendem
[...]. Só o J. (esposo) e a M., minha filha mais velha, porque acha que não,
ela acha que tem que ser mamãe e papai dentro de casa, ficar fazendo
comida e ficar fazendo trabalho e não, eu trabalho, tenho meu dinheiro [...]
não existe isso, você tem que se tratar como mulher, mulher é mãe? É mãe,
sim, mas ela tem vários papéis dentro da sociedade, a mulher tem que
trabalhar, a mulher tem que ser mãe, né, tem que ta sempre bonita porque
se não tiver mais em pé do que a outra o marido vai olhar para outra, então,
olha o fardo que é ser mulher [...] (CÔNJUGE E1, 2019).
[...] A. (esposa) é uma pedida mais difícil, muito impetuosa, ela não para, já
a M. (filha mais velha) é uma pessoa, por exemplo, que ela para mais,
pensa mais, reflete mais e é isso que a gente precisa fazer para conviver
bem com as pessoas, a sua vontade precisa ser dividida para se seguir
bem, mesmo assim o conflito sempre vai existir, se não tiver paciência
sabedoria não vai seguir, tolerância, saber controlar [...]. Você sabe qual é a
melhor fase da vida no relacionamento? É a fase, de solteiro porque óh
(aponta) é assim o tempo todo (se refere aos gritos de discussão das filhas
adolescentes), isso aí você tem que administrar [...] (CÔNJUGE E2, 2019).
O casal F tem apenas uma filha adolescente, mas parece não afetar de forma
significativa a vida conjugal, no sentido de trazer os acontecimentos esperados para
esta fase “[...] a gente ‘tava’ tentando há 3 anos engravidar e não conseguia então
quando engravidou foi a felicidade dos dois e a L. (filha) é isso aí que você ta vendo,
sempre assim, calma, tranquila, companheira, só é bagunceira, igual ao pai”
(CÔNJUGE F1, 2019). O cônjuge F2 (2019) fala da dificuldade que pode existir
justamente nesta parte de se adaptar a criação do filho, não menciona a existência
de atritos, mas reconhece que não é uma tarefa fácil “[...] a criação dos filhos, acho
que é uma, porque cada um tem uma forma de criar, acho que isso acaba
dificultando e assim para gente graças a Deus é tranquilo [...].
Famílias com filhos adultos, a família volta a ser um sistema duplo, pois os filhos
trilharam seus próprios caminhos, necessitando novamente de uma reorganização,
estabelecer como será a relação de pais e filhos como adultos (MINUCHIN;
FISHMAN, 2007). No que tange a relação com os filhos, o casal não identifica
problemas, a não ser pela filha mais nova que ainda mora com eles, mas no que se
refere a relação conjugal o casal não conseguiu alcançar a homeostase da relação,
ou seja, o equilíbrio da relação, mas se observarmos o relato do cônjuge C1 (2019),
ficará claro que a suposta homeostase se perdera há muito tempo ou talvez nunca
tenha existido
no meu caso, falta de diálogo, sempre foi assim de mandar, de falar alto, de
achar que é o dono do pedaço [...]. Eu pensei há um tempo 7, 8 anos atrás,
26

em me divorciar [...] tudo começou pela bebida, [...] aí vem a agressividade,


palavrões, agressividade não de bater nem nada não, agressividade de
palavras, que dói mais do que o tapa, [...] já falou várias vezes que ia
embora, eu tenho até o contrato guardado que ele fez para mim aí pra
assinar o divórcio, eu não iria ficar com nada, praticamente, são coisas uma
atrás da outra que desgasta [...] sempre foi, depois de uns 5 anos de
casado aí acabou [...] então na realidade eu não gosto dele, não tem amor
mais....
Assim como o respectivo cônjuge C2 (2019) também reconhece a falta de sintonia e
amor do casal, mas aponta para o quão saudável é a relação com os filhos
[...] mas eu não posso reclamar em relação aos filhos não, meus filhos,
graças a Deus, estão bem formados, todos formados, não me deram
maiores problemas não, a relação é que é mais difícil porque você pega
duas pessoas diferentes, com visões diferentes, religiões diferentes, às
vezes, e juntar, por mais tempo que você namore tem hora que vai bater de
frente [...]. Eu e ela temos temperamentos diferentes, ela sempre cobrou
muito dos meninos principalmente da caçula, eu já sou mais liberal [...], mas
a nossa convivência com os filhos é boa, graças a Deus.
Minuchin e Fishman (2007) afirmam que atualmente, a saída dos filhos de casa tem
proporcionado um retorno para a relação conjugal como sendo o holon familiar
crucial, mas isso só acontecerá se o casal souber aproveitar esta oportunidade para
o desenvolvimento e realizações de sonhos acumulados que foram depostos devido
a criação dos filhos. Os autores afirmam ainda que este esquema só ocorre quando
a família tem em média até dois filhos, que é o caso do casal A que só tem uma filha
e que quando ela casou, o casal colocou em prática assuntos pendentes
[...] a gente vive em um casamento muito feliz [...] meu marido hoje é o
outro, me trata com muito amor, muito carinho, me entende [...]. A gente
nunca brigou perto da nossa filha, na nossa casa nunca teve xingamento,
eu xingando ele, ele me xingando, batendo portas, essas coisas... A minha
filha nunca presenciou briga nossa, até com a minha filha era assim o que
ele falava tava falado, o que eu falava tava falado, se eu não concordar com
ele depois no particular a gente conversava e a mesma coisa ele fazia. [...]
hoje eu to formada, consegui fazer a faculdade que eu queria, consegui
meu primeiro emprego agora [...] (CÔNJUGE A1, 2019).
“Cada dia que passa a amizade se fortalece mais, o amor se fortalece mais,
entendeu? O companheirismo é mais forte, a gente entende um ao outro, ela olha
para mim eu já sei o que tá acontecendo, entendeu?” (CÔNJUGE A2, 2019).
De acordo com os relatos dos casais, mesmo para os que estão vivendo o mesmo
estágio, é possível observar uma grande diferença em relação a forma como os
casais vivenciam as crises, pois existem vários fatores ligados a isto, como o quanto
o casal está disposto ou não a passar pelos momentos ruins juntos, como
conseguem passar pelas crises, se se dispõem a aprender com os erros, se não
enxergam erros ou preferem evita-los, tudo vai depender da forma de funcionar de
cada casal. Logo, é possível concluir que o fato de alguns casais estarem nos
mesmos estágios de ciclo vital não influência nas crises que enfrentam, podendo
vivenciar situações totalmente diferentes, dependendo da vivência que eles tem,
depende também da disponibilidade dos cônjuges em ceder quando preciso for, de
ser generosos, o tempo de união também é um fator relevante para a maioria dos
casais, portanto estar no mesmo estágio não significa que vão vivenciar as mesmas
crises, nem que irão vivenciá-las da mesma forma. Um casal que se encontra, por
exemplo, no primeiro estágio, pode conseguir conciliar as adaptações em pouco
tempo vivência a dois e experienciar um casamento mais harmônico, tanto quanto
27

um casal no mesmo estágio pode nunca alcançar um nível satisfatório de conciliação


das adaptações necessárias para se ter sucesso neste primeiro estágio e isto pode
fazer diferença durante todo o ciclo vital destes casais, pois ter sucesso neste
primeiro estágio, pode indicar uma probabilidade maior do casal em conseguir lidar
com as outras questões e negociações dos estágios seguintes e se não tiverem
sucesso após muito tentarem, pode ser que não aja mais ciclos seguintes, ou se
houver, podem se apresentar de maneira desorganizada, de forma que não seja
salutar para os cônjuges.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho teve como objetivo geral analisar as percepções dos casais de
diferentes fases do ciclo de vida familiar com relação as crises conjugais,
investigando assim as dificuldades percebidas, como elaboram as estratégias para o
enfrentamento das crises, identificar as consequências que percebem com relação
as situações de crises vivenciadas, e por fim, identificar as semelhanças e
diferenças de cada casal em cada etapa do ciclo de vida familiar com relação as
crises conjugais.
Com relação as dificuldades percebidas pelos cônjuges entrevistados, foi possível
constatar que, de uma forma geral, os homens têm menos percepção do que as
mulheres em apontar as dificuldades e crises do casamento, pois somente a metade
dos que foram entrevistados disseram perceber crises. Além disso, o que mais foi
apontado pelos casais como motivos de crises foram as dificuldades ocorridas no
início da relação conjugal, isso deve-se as adaptações necessárias e os conflitos
que emergem nesta fase, ou seja, dificuldades comuns ao início do matrimônio.
A falta de flexibilidade pôde ser observada nas falas dos participantes e entendida
como propulsora de brigas e crises, pois esta característica impede o casal de se
organizar como uma unidade, pois nos casais onde foi possível perceber que havia
falta de flexibilidade eram os que mais tinham desentendimentos ou não resolução
dos problemas.
A comunicação foi apontada pelos cônjuges como uma das principais estratégias de
enfrentamento das crises conjugais, incluindo nesse aspecto a comunicação não
verbal, que contribui para o desenvolvimento dos limites, cumplicidade na relação do
casal. Por outro lado, a dificuldade na comunicação também foi apontada como uma
das principais dificuldades diante das crises conjugais, entretanto, como observado a
partir dos relatos de alguns casais, a discussão ou a resolução de conflitos por meio
de brigas tem sido evitado por estar sendo equivocadamente compreendido como
solução para relação, o que na verdade, revela a própria dificuldade do casal em se
comunicar. Percebe-se também que os relatos de alguns cônjuges revelam uma
não percepção da utilização de estratégias para lidarem com as crises, pois
acreditam que não vivenciam as crises e por isso não possuem estratégias.
Entretanto, essa condição pode comprometer a relação de alguns casais, pois
quanto mais o casal não enxerga as próprias dificuldades há uma maior
probabilidade de não conseguirem trabalhar o que precisa ser aprendido.
No que tange as consequências decorrentes das crises conjugais percebidas pelos
casais entrevistados, verificou-se que os casais dividem opiniões entre
fortalecimento da intimidade/amizade e desgaste, a maioria dos entrevistados
conseguem enxergar nas crises uma oportunidade para o aprendizado, seja para o
casal ou individualmente, mas para alguns as consequências são negativas, como
28

eles afirmam, afastamento, desgaste, desunião, tudo depende da forma como cada
casal funciona, se o olhar da unidade é mais otimista ou mais pessimista.
Foi possível constatar que não há padrão de comportamento referente aos estágios
de ciclo de vida familiar, pois os casais tem muitas particularidades, o que resulta em
modos de funcionamento totalmente diferentes, portanto a forma como os casais de
cada ciclo lidam com as crises conjugais depende mais de como funciona o casal,
sua experiência familiar anterior, o contexto em que estão inseridos, o tempo de
relação, a idade que possuem, do que em que estágio eles estão propriamente, se
estão dispostos a aprenderem juntos, se investem na relação.
Diante do exposto foi possível constatar que as percepções das crises conjugais nos
casais de diferentes fases do ciclo de vida familiar tem relação com o evento mais
marcante na relação conjugal, pois muitos casais vivenciaram/identificaram como
crise conjugal a fase inicial do matrimônio, a da formação do casal. Mesmo cônjuges
que estão em um momento em que possuem filhos adultos, sinalizaram como único
momento de crise a fase inicial da relação, pode ter ocorrido um aprendizado tão
relevante nessa fase que o casal não consegue discriminar outras crises em outros
momentos do ciclo vital, por sua vez, percebe-se que casais que enfrentaram essas
crises iniciais podem não ter realizado aprendizados efetivos e que dificultaram
outros aprendizados importantes em outros momentos da relação, talvez isso
explique o fato que alguns casais perceberem crises ou estratégias de
enfrentamento e outros casais não terem tais percepções.

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