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“...

na natureza há somente átomos e vazio…”


Capítulo 1 Diógenes Laércio, século 2 D.C, a respeito das idéias dos atomistas

Partículas elementares e interações da Natureza

Ao longo do século 20 os físicos de partículas foram descobrindo


uma grande quantidade de partículas subatômicas. Nas primeiras
décadas após 1900, somente o elétron e o próton eram conhecidos,
mas a partir da década de 1950 houve uma proliferação com a
observação de dezenas de outras partículas. Uma variedade tão
grande sugeria uma estrutura subjacente mais fundamental que
permitisse realizar uma “taxonomia” daquele vasto “zoológico” de
partículas em termos de algumas poucas partículas fundamentais.
Durante a década de 1960 houve várias tentativas de encontrar uma
ordem no aparente caos. Finalmente, os físicos concluíram que
existem apenas umas poucas classes de partículas elementares
diferentes, a partir das quais é possível “construir” todas as partículas
conhecidas utilizando-as como se fossem blocos ou tijolos de
brinquedo.

Tanto do ponto de vista teórico quanto experimental, o conceito


de elementaridade tem-se mostrado relativo, no sentido de que uma
partícula pode ser enxergada como elementar (sem estrutura interna)
às baixas energias, e como composta às altas energias1. Para
descobrirmos se uma partícula é composta ou elementar empregamos
há bastante tempo um método que recorre à violência: as colisões nos
aceleradores de partículas. Se arremessada contra alvos conhecidos
(por exemplo, protons), uma determinada partícula se comportará de
forma diferente, desde que a energia da colisão seja suficiente para
expor sua estrutura subjacente (por exemplo, arrebentar um côco
contra um muro deixará ver sua estrutura interna se a energia com a
qual e disparado for suficiente para quebrar a casca). Assim, nas
colisões entre prótons realizadas nos aceleradores de partículas, estes
são enxergados como partículas sem estrutura interna desde que a
energia da colisão seja baixa. Nas colisões de altíssimas energias
realizadas nos grandes aceleradores os prótons mostraram que são
compostos de férmions mais fundamentais, os quarks.

1
Este jargão é amplamente utilizado pelos físicos em muitos contextos
diferentes. No caso, a expressão “as baixas energias” refere-se a partículas
que colidem com pouca energia cinética, mas, dependendo do contexto, a
mesma expressão pode ter um significado um pouco diferente.
O limite (fronteira) da resolução que podemos atingir marca o
limite conhecido da elementaridade, e a procura por uma teoria mais
fundamental ainda constitui a tentativa de achar o limite absoluto para
a composição da matéria, não meramente aquele que possa ser
medido no laboratório (vide Texto Auxiliar 2 e Capítulo 20). Conforme
os experimentos foram acelerando partículas a energias cada vez
maiores descobrimos estruturas cada vez menores, de fato hoje os
físicos conseguem medir distâncias de até a centésima parte de um
−15
fermi, ou 10 cm , o limite presente da elementaridade. A hierarquia
10 −15 cm

conhecida da composição da matéria se mostra na Fig.1.1.

A pergunta que surge de imediato é se a elementaridade


realmente tem um limite absoluto, ou se um aumento indefinido da
energia da colisão levará sempre a enxergar uma nova estrutura
subjacente. Desde que sabemos que o universo passou por estágios
evolutivos onde a energia das partículas atingiu patamares muito
maiores do que os atingidos hoje nos grandes aceleradores, vemos
uma das razões para a convergência do estudo das partículas
elementares e a Cosmologia presente neste livro.

Fig.1.1. Estrutura hierárquica da matéria. Conforme vamos


atingindo maiores energias, maior resolução é possível e a matéria
revela componentes mais elementares a escalas minúsculas. O último
estágio, isto é, uma subestrutura dos quarks (e/ou elétrons e neutrinos)
ainda não foi detectada e constitui o objetivo da modelagem teórica
contemporânea (supercordas e teorias concorrentes).
Bárions, mésons e léptons

Já dissemos que o mundo das partículas subatômicas expandiu-


se de forma vertiginosa desde os começos do século XX. Nas primeiras
décadas daquele, somente o elétron e o próton eram conhecidos. A
descoberta do nêutron e das antipartículas trouxe considerável
perplexidade e grandes desafios para os físicos que estudavam a
estrutura da matéria (Texto Auxiliar 2). Os primeiros aceleradores
construídos por Lawrence catapultaram ainda mais a física das
partículas elementares, já que a descoberta de novas partículas se
acelerou.

A necessidade de pôr ordem em esse conjunto levou os teóricos


a propor esquemas de classificação, além de construir modelos para a
dinâmica das interações entre as partículas. Um destes esquemas de
classificação, amplamente utilizado, agrupa às partículas subatômicas
segundo as interações que “sentem”2. Os hádrons são as partículas
que “sentem” as quatro forças elementares, os léptons são aquelas
que não sentem a forca forte (embora esta denominação original
referia-se à massa, vide abaixo). Os hádrons que são mais pesados
que o próton são chamados de bárions, enquanto que os mais leves
são chamados de mésons (veja Tabela 1.1). Sabemos que os hádrons
não são partículas fundamentais, eles estão compostos por quarks: os
bárions estão compostos por três quarks e os mésons estão
constituídos por um quark e um antiquark. Os léptons não estão
compostos de quarks. Nenhum deles aparenta ter uma estrutura
interna, isto é, eles parecem ser partículas verdadeiramente
fundamentais. Existem seis tipos de léptons, três dos quais possuem
carga elétrica e três que não. O lépton mais conhecido é o elétron. Os
outros dois léptons são o múon e o tau. Eles podem ser considerados
como “elétrons pesados”, já que são carregados como os elétrons,
mas têm massa muito maior. Os outros léptons são os três tipos de
neutrinos (νe,νμ e ντ). Eles não possuem carga elétrica, têm massa muito
pequena e quase não interagem com o resto das partículas
elementares.

Tabela 1. Classificação e propriedades dos bárions, mésons e léptons

2
Como veremos no Capitulo 3, existem somente quatro tipos de interações
fundamentais: a interação forte, a fraca, a eletromagnética e a gravitacional.
Spin
Carga elétrica
Massa (em unidades
Partícula Símbolo (em unidades
(em MeV)
da carga do e-) de h )

próton p 938 +1 ½
nêutron n 940 0 ½
BARIONS

lambda Λ0 1116 0 ½
Sigma + Σ+ 1189 +1 ½
Sigma 0 Σ0 1193 0 ½
Sigma - Σ- 1197 -1 ½
Xi Ξ0 1315 0 ½
Xi - Ξ- 1321 -1 ½
píon π0 135 0 0
MESONS

píon π+ 140 +1 0
káon Κ0 494 0 0
káon Κ+ 498 +1 0
eta η 549 0 0
elétron e- 0.511 -1 ½
múon µ-
LEPTONS

106 -1 ½
tau τ 1784 -1 ½
neutrino do ½
νe ~0 0
elétron
neutrino do múon νμ ~0 0 ½
neutrino do tau ντ ~0 0 ½
.
Tabela 1 Classificação das partículas subatômicas pelo tipo de
interação que experimentam. A lista de léptons é completa, mas não
a de mésons e bárions, já que existe uma quantidade muito grande
deles. Todos os bárions e mésons experimentam a força forte, mas os
léptons não a sentem. Os três tipos de partículas são capazes de sentir
a força fraca, a gravitacional, e a eletromagnética (aquelas que têm
carga elétrica). Todos os bárions e mésons estão compostos de
quarks, e todos os léptons são partículas fundamentais .

Uma questão interessante é que existe uma lei de conservação


associada com os bárions e os léptons. Isto significa que em qualquer
processo de desintegração ou colisão de partículas o número de
bárions deve ser igual antes e depois do processo. Da mesma maneira,
o número de léptons deve ser igual antes e depois. Para quantificar
estas idéias se introduzem grandezas chamadas de número bariónico
B e numero leptónico L. Os bárions têm numero bariónico B=+1, os
antibarions B=-1, e o resto das partículas têm B=0. Analogamente, os
léptons tem L=+1, os antiléptons L=-1, e o resto L=0. A modo de
exemplo consideremos o decaimento beta do nêutron: n → p + e − + ν e .
Neste processo de desintegração um nêutron decai num próton, e ao
mesmo tempo emite um elétron e um antineutrino de tipo eletrônico.
O numero de bárions é o mesmo antes e depois, já que primeiro
temos um nêutron e depois um próton. O numero de léptons também
se conservou já que no começo não tínhamos nenhum lépton (L=0), e
depois temos um lépton (o elétron) e um antilépton (o antineutrino do
elétron), o seja, numero leptónico total igual a zero. A validade das
leis de conservação do número bariónico e leptónico se verifica numa
infinidade de reações e processos nos aceleradores de partículas, mas
como veremos mais adiante, poderia deixar de ser válida em algumas
situações. Isto é uma questão ainda em aberto cuja compreensão
pode ajudar a entender varias questões sobre a origem da matéria no
universo primordial. Por enquanto, o ponto importante é que se estas
leis forem sempre válidas o próton e o elétron devem ser partículas
estáveis, já que são os membros mais leves de cada família. Todas as
outras partículas podem sempre decair produzindo partículas mais
leves.

Férmions e Bósons

Um aspecto muito importante do mundo subnuclear é que as


partículas realmente elementares conhecidas são ou férmions ou
bósons. Estes nomes derivam do fato que elas se comportam de forma
bastante diferente conforme foi mostrado por E. Fermi e S. Bose em
meados do século 20. A diferença entre férmions e bósons é o seu
spin, ou momento angular intrínseco. A Mecânica Quântica nos ensina
que o spin das partículas pode ser múltiplo inteiro ou semi-inteiro da
quantidade h (a constante de Planck dividida por 2π ) a qual tem o
valor numérico h = h / 2π = 1,05 ×10 −34 Joule s -1 . Os férmions têm spin semi-
inteiro (1/2, 3/2, etc.) e são os constituintes da matéria (e, em geral,
possuem massa em repouso não nula). O protótipo do férmion é o
elétron ( e − ), mas outros exemplos podem ser oferecidos, por exemplo,
os três quarks que constituem um próton. Os bósons, no entanto, têm
spin inteiro (0, 1, etc.) e são os mediadores das forças entre férmions
(vide a seguir). O protótipo desta categoria é o fóton ( γ ).
Desde que todas as partículas elementares pertencem a uma
destas categorias, deve haver uma razão muito séria para a
inexistência de “híbridos” que não sejam nem férmions nem bósons,
os quais nunca foram observados. Também a nível mais fundamental
nunca houve necessidade de criar uma “terceira categoria” a parte.
Até hoje podemos então aceitar que as partículas e interações
elementares da natureza devem ser construídas com estes tijolos
somente.

O quê é uma força elementar da natureza?

Na física clássica não estamos acostumados a pensar em termos


de “interações elementares” entre partículas, e sim em termos de
“forças”. Na mecânica pensamos na força entre objetos
macroscópicos; por exemplo, a força da gravidade entre duas massas
m1 e m 2 . Também na química, é freqüente a utilização de conceitos
tais como forças inter-atômicas, forças inter-moleculares, etc., que são
em geral de origem eletromagnética. Como é bem conhecido, todas
estas forças são, em princípio, deriváveis de um potencial, e
expressam como elementos de matéria se atraem ou repelem.

Uma pergunta relevante é o quê entendemos por interação num


nível mais elementar, isto é, entre as próprias partículas, indo além do
conceito clássico mais aplicável a "pedaços" de matéria (que de fato
reúnem um número enorme de partículas e que deveriamos chamar
mais propriamente de “macroscôpicos”).

Quando interpretados num nível mais fundamental, os


experimentos mostram que as interações são o resultado da troca de
partículas mediadoras. Por exemplo, a interação eletromagnética entre
dois prótons é o resultado da troca de fótons. Na física nuclear, as
interações entre núcleos são descritas pela troca de partículas
chamadas pions, kaons, mesons ρ e outros (Tabela 1). A pergunta
que surge naturalmente é: essa variedade tão grande de forças (e de
partículas mediadoras) pode ser explicada em termos de algumas
poucas interações fundamentais? A resposta já apontada é que,
aparentemente, todas as forças da natureza seriam o resultado da
“superposição” de, no máximo, quatro interações fundamentais: a
interação forte, a fraca, a eletromagnética e a gravitacional. Cada uma
destas forças tem associada um bóson mediador responsável pela
interação (vide Capitulo 2). Se os constituintes são partículas
compostas, então as forças são o que "sobrou" de integrar (somar) os
graus de liberdade mais fundamentais. (ex- a força nuclear entre
prótons -compostos- é o que sobrou da QCD, vide abaixo). Mas se os
constituintes são férmions elementares, então as forças são
denominadas fundamentais, pelo menos para nosso conhecimento
atual.
Obviamente, nem sempre é a melhor estratégia tentar entender
um determinado problema físico somente a partir das quatro
interações fundamentais. Assim, somos levados novamente a
considerar um conceito absoluto e um relativo de elementaridade,
dependendo das condições físicas envolvidas e da necessidade de
detalhe da descrição. Por exemplo, a descrição das interações fortes
(as que mantêm ligados os núcleos) pode ser feita como nos anos ‘50-
‘60 desde que a energia considerada seja baixa. Se aumentarmos a
energia, os prótons e nêutrons e também as partículas mediadoras
(neste caso pions, mésons, etc.) mostrarão que são compostos e
aquela descrição simples será insuficiente. Note-se que isto não
significa afirmar nada a respeito da elementaridade absoluta do
elétron ou os quarks. A procura por uma teoria mais fundamental
ainda constitui a tentativa de achar o limite absoluto para a
composição da matéria, não meramente aquele que possa ser medido
no laboratório (vide Texto Auxiliar 2 e Capítulo 20).

Estamos agora em condições de discutir o zoológico das


partículas conhecido apresentado na Tabela 1, as quais compõem o
chamado Modelo Padrão, para depois classificar e estudar as forças
elementares.

O Modelo Padrão das partículas elementares

Depois de várias tentativas provisórias de interesse histórico,


mas cuja complexidade nos afastaria do escopo deste texto, há um
consenso hoje em torno ao esquema que ficou conhecido como Modelo
Padrão. No Modelo Padrão as partículas realmente elementares são os
quarks e os léptons. Estes se classificam e associam em grupos ou
gerações, levando em conta a sua participação nos processos
elementares detectados (reações nas quais participam as partículas).
A composição de uma geração é a sempre a mesma: contém dois
quarks (os quais formam bárions e mésons), um lépton carregado (o
elétron, o muon e a tau, sucessivamente) e um neutrino associado a
este último (um neutrino diferente para cada tipo de lépton). A
descoberta e identificação destas partículas, e o reconhecimento da
simetria implementada nas gerações, levou várias décadas e só ficou
completa com o anúncio da descoberta do quark t em 1995. A Fig. 1.2
ilustra o conhecimento da estrutura atual das partículas do Modelo
Padrão, uma versão completa se encontra no Texto Auxiliar 10. Com
elas e somente elas, pode-se “montar” qualquer bárion ou méson, e
como veremos depois, explicar totalmente as interações entre eles e
com os léptons conhecidos.
Fig. 1.2. O conteúdo do Modelo Padrão. Segundo exposto no
texto se mostram as três gerações com os dois quarks (up e down na
primeira; charm e strange na segunda e top e bottom na terceira). Os
léptons carregados (em verde) e os très neutrinos correspondentes. As
cargas elétricas das partículas estão acima e as massas (em GeV)
abaixo. À direita se mostram algumas partículas observadas
compostas pelas partículas elementares de cada geração.

O Modelo Padrão tem sido submetido a testes de alta precisão a


fim de comprovar sua consistência e tentar descobrir as razões por
trás dessa ordem aparente. O fato que haja passado com louvor os
testes é, por um lado meritório, mas também um pouco
decepcionante: sem encontrar inconsistências e anomalias não será
possível proceder indutivamente para achar uma descrição ainda mais
abrangente do mundo subnuclear. É precisamente quando há
informação que não se “encaixa” no esquema, ou descobertas
inesperadas onde esses progressos acontecem. Contudo, e apesar
deste sucesso, não há praticamente nenhum físico que esteja
totalmente satisfeito com o estado-da-arte do Modelo Padrão, nem
mesmo, ou até começando por, os que mais têm contribuído para ele.
Além de refletir uma postura generalizada perante a natureza,
algumas razões que sustentam este desconforto são:
a) O Modelo Padrão não é verdadeiramente unificado, antes resulta
uma espécie de collage de teorias díspares, sem ter atingido
uma economia da descrição, a qual estaria possivelmente
baseada em alguns princípios fundamentais novos.
b) O Modelo Padrão contém um número enorme de parâmetros
livres: massas, constantes de acoplamento etc. Uma teoria
fundamental deveria dar uma explicação para a origem destes
parâmetros. Em outras palavras, não é suficiente medir, por
exemplo, que um elétron tem uma massa de 511 keV, é
necessário saber por que ela adota esse e não qualquer outro
valor.
c) O mesmo pode ser dito do conceito de gerações: não sabemos
que há “por trás” destes conjuntos, nem por que são três e não
qualquer outro algarismo. A queixa do físico I. Raabi quando
soube da existência do múon (teria dito “quem foi que pediu
isso?”, já que até hoje ninguém sabe qual é a necessidade de
um “elétron pesado”) continua mais válida do que nunca.
d) A partícula de Higgs, o bóson que atua de forma providencial
para entender as massas de muitas partículas do modelo, nunca
foi vista no laboratório, apesar de procuras intensivas e
predições otimistas.
e) Não menos importante, o Modelo Padrão não serve para explicar
> 95% da matéria e energia do universo (!), conforme discutido
nos Capítulos 18 e 19, motivo de extrema importância para o
objeto deste texto.
f) Não há razão para supor que as gerações apresentadas na
Figura 1.2 sejam realmente o nível mais fundamental, ou seja,
que não exista nenhuma estrutura mais elementar.
g) Não sabemos por que nosso Universo é constituído de matéria e
não de antimatéria.

Com estes problemas enunciados vamos passar à discussão de


conceitos importantes para compreender mais as interações
elementares da natureza e seu papel na Cosmologia.

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