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O conto de Machado de Asis, O Alienista, narra a história de um médico, casado aos

40 anos, que decide debruçar-se sob o estudo dos fenômenos psíquicos. Dr Simão,
dissemelhantemente dos médicos da época, atentava-se aos loucos que eram
largados e descuidados e, em função disso, despertou a curiosidade das pessoas à
sua volta, mas, também a resistência. Afinal, não era comum interessar-se por esses
fenômenos. Além disso, teve seu juízo questionado por olhar para temáticas tão
“diferentes”. Inicialmente, motivado pelo anseio de estudar profundamente a
“loucura”, Dr. Simão decide fundar uma casa para os loucos em que poderia
entender e observar, de perto, os fenômenos os quais gostaria de compreender à
fundo. Aparentemente, o médico adota essa postura e ação bem intencionado.
Rapidamente a casa encheu-se de pessoas e, com isso, o médico era muito bem
remunerado. Em um dado momento, um rapaz pobre, que havia sido recolhido para
a casa, recebe uma herança e, por isso, pode sair do local. No entanto, assim que o
dinheiro acaba, Costa é recolhido outra vez para a Casa Verde. Diante disso, surge
um movimento a partir do povo contra o local. O povo se revolta contra as práticas
adotadas pelo médico e até a esposa se espanta com a quantidade de pessoas
retidas na casa. Em meio aos protestos eloquentes, nasce o questionamento: não
seria o alienista, o alienado? Porém, O Alienista, aparece com um discurso sereno e
racional diante de tudo o que havia ocorrendo. O governo aparenta se posicionar, no
entanto, só quer acalmar o povo. Por fim, todos vão sendo considerados insanos e
até a esposa do médico é recolhida. Entretanto, após toda a confusão, os critérios
de recolhimento mudam e, agora, o critério passa a ser a sanidade. Finalmente, o
alienista entende que o único louco, são, era ele mesmo.

Por meio da leitura do conto, é possível refletir acerca da exclusão e desrespeito às


diferentes maneiras de ser, existir e de ocupar os espaços presente ainda na
sociedade atual. A opressão a diversidade se faz presente de diversas formas,
dentre elas está a opressão a neurodiversidade. A neurodiversidade é a noção das
variações naturais existentes no cérebro humano que compreende diversas
condições, como o autismo, tdah, dislexia, superdotação, como resultados dessa
variação. O debate acerca da neurodiversidade, tem sido amplamente discorrido na
comunidade autista a qual vou ater a minha comparação do conto com a
contemporaneidade.
O autismo é um transtorno do neurodesenvolvimento, caracterizado por déficits
sociocomunicativos, comportamentos e interesses restritos e repetitivos. Por tratar-
se de um transtorno do neurodesenvolvimento, está presente desde o início do
desenvolvimento. Portanto, é possível observar os primeiros sinais em bebês ainda
bem pequenos. Ao longo da infância, principalmente chegada à idade da
escolarização, infelizmente, é comum que aconteçam situações de exclusão,
segregação e preconceito, semelhantes ao que é observado no conto.

Recentemente, foi suspensa a política de educação especial, proposta pelo governo,


que propunha a criação de escolas especiais para crianças com alguma
condição/necessidade específica. De maneira semelhante à Casa Verde que logo
encheu-se, várias condições e diferenças compunham o grupo de pessoas que
frequentariam essas escolas. Essa medida, tal como a Casa Verde, é segregatória e
capacitista porque visa separar de todo o resto, considerado correto e normal, o que
é diverso. Além disso, oprime, segrega e encarcera a diferença. No conto, em um
dado momento, o Dr. Simão teve muito apoio em sua empreitada. De maneira
análoga, acontece nas escolas quando essas negam vagas para crianças autistas,
quando mães de crianças típicas convocam reuniões para reclamar e tentar que
essas crianças, minimamente diferentes, sejam retiradas da classe e da escola.
Assim também, parte da sociedade, hoje, tem se posicionado contra essas atitudes
unindo-se para derrubar projetos como os da escola especial. Mas, ainda assim, o
capacitismo e a exclusão ainda se fazem presentes na sociedade.

Ao fim do conto, os critérios para recolhimento mudam. O Alienista percebe que o


único insano e louco era ele mesmo. Infelizmente, na nossa sociedade os critérios
ainda não mudaram e as pessoas com atitudes e pensamentos capacitistas, ainda
não se enxergam como o problema. O autismo e outras condições, são jeitos
cerebrais e funcionar, e, portanto, formas de ser, existir e ocupar o espaço e
precisam ser acolhidas, respeitadas e incluídas. Colocar essas crianças em escolas
especiais, é uma medida de segregação que reforça a antiquada noção de que o
diferente precisa ser extinguido ou manter-se bem longe daquilo que é “normal” ou
comum. Espero que caminhemos para o mesmo fim do Alienista, em que essas
pessoas perceberão que, na verdade, o problema são seus próprios pensamentos e
ações.

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