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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MINAS GERAIS – UEMG

- Escola de Música -

Enzo Bernardes Cypriani Oliveira

Estratégias de estudo para violoncelo no primeiro movimento da


sonata de Beethoven Op. 69

Belo Horizonte
2021
Enzo Bernardes Cypriani Oliveira

Estratégias de estudo para violoncelo no primeiro movimento da


sonata de Beethoven Op. 69

Trabalho de Conclusão de Curso submetido ao curso


Bacharelado em Violoncelo da Escola de Música da
Universidade do Estado de Minas Gerais.

Orientação: Prof. Dr. Guilherme Silveira do


Nascimento

Belo Horizonte
2021
AGRADECIMENTOS

Por terem me dado todas as oportunidades que estiveram ao seu alcance e apoio nunca
vacilante, agradeço encarecidamente aos meus pais, Valério Cypriani Gomes de Oliveira e
Norma Bernardes Fontes.

Pelas valiosas instruções em que me apoiei e a grande paciência, ao meu orientador Prof. Dr.
Guilherme Silveira do Nascimento e ao Prof. Dr. José Antônio Baeta Zille.

Agradeço também à Elis Sousa Rios, cuja amizade é para mim fonte de motivação e
inspiração,

E à doce Música que em tantas horas cinzentas me levou para um lugar melhor.
RESUMO

CYPRIANI, Enzo. Estratégias de estudo para violoncelo no primeiro movimento da sonata


de Beethoven Op. 69. 2021. 37 f. Monografia (Bacharelado com habilitação em Violoncelo) –
Escola de Música da Universidade do Estado de Minas Gerais, Belo Horizonte.

O presente trabalho visa reunir possíveis estratégias de estudo que contribuam para o
abrandamento de dificuldades técnicas relevantes de trechos presentes no primeiro movimento
(Allegro ma non tanto) da sonata para violoncelo e piano em Lá maior, Op. 69, do compositor
alemão Ludwig van Beethoven. Para tanto, vale-se do levantamento de estratégias e dicas de
estudo contidas principalmente no método para violino Practice, do violinista e pedagogo
australiano Simon Fischer. No método, o autor descreve 250 dicas de estudo em que procura
encontrar soluções para os mais diversos desafios que se manifestam na técnica do violino.
Pretende-se na monografia presente, portanto, a adaptação desse conteúdo do instrumento
original, violino, para o violoncelo, e a sua inserção no contexto da sonata e das suas
dificuldades específicas. A adaptação dessas estratégias e dicas de estudo buscam servir como
elos intermediários que, possivelmente, facilitem o executante violoncelista na conquista de um
estudo mais eficiente e satisfatório da Sonata acima mencionada.

Palavras-chave: Beethoven. Beethoven Op. 69. Violoncelo. Técnica do violoncelo. Simon


Fischer.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Beethoven, Sonata para violoncelo op. 69, 1º movimento, c. 1-12........................ 11

Figura 2 – Beethoven, Sonata para violoncelo op. 69, 1º movimento, c.1 e mínima pontuada do
c.2 ............................................................................................................................................ 13

Figura 3 – Aplicação da dica 134 (Classical Shifts) de Simon Fischer ao c.1 do primeiro
movimento ............................................................................................................................... 14

Figura 4 – Primeiro trecho, c.1-5, Fragmentos com “extensão de dedo” ................................ 16

Figura 5 – Aplicação da dica 163 no primeiro fragmento com extensão de dedo, c.2 do segundo
trecho ....................................................................................................................................... 17

Figura 6 – Aplicação da dica 163 no segundo fragmento com extensão de dedo, ultima nota do
c.3 e primeira nota do c.4 do segundo trecho ........................................................................... 18

Figura 7 – Aplicação da dica 163 no terceiro fragmento com extensão de dedo, última nota do
c.4 e primeira nota do c.5 do segundo trecho ........................................................................... 19

Figura 8 – Solo de abertura: estrutura da frase e conteúdo motívico ....................................... 21

Figura 9 – Beethoven, Sonata para violoncelo Op. 69, 1º movimento, c. 38-45 ...................... 23

Figura 10 – Primeiro passo da aplicação da dica 166 de Fischer às notas do terceiro trecho . 25

Figura 11 – Segundo passo da aplicação da dica 166 de Fischer às notas do terceiro trecho . 25

Figura 12 – Terceiro passo da aplicação da dica 166 de Fischer às notas do terceiro trecho . 26

Figura 13 – Beethoven, Sonata para violoncelo Op. 69, 1º movimento, c. 115-124 .............. 27

Figura 14 – Isolamento das pestanas contidas no trecho .......................................................... 28

Figura 15 – Isolamento dos intervalos contidos nos acordes em cordas duplas ....................... 30

Figura 16 – Reordenação da ordem das notas dos arpejos com ênfase na primeira nota ....... 32
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 6

2 PRIMEIRO TRECHO

2.1 Introdução ao Primeiro Trecho .......................................................................... 10


2.2 Salto melódico inicial ........................................................................................... 11
2.3 Extensões de dedo ................................................................................................ 14
2.4 Condução melódica .............................................................................................. 18

3 SEGUNDO TRECHO ......................................................................................................... 21

3.1 Introdução ao Segundo Trecho .......................................................................... 21


3.2 Afinando Escalas ................................................................................................. 22

4 TERCEIRO TRECHO ....................................................................................................... 25

4.1 Introdução ao Terceiro Trecho ........................................................................... 25


4.2 Mão esquerda ....................................................................................................... 26
4.2.1 Pestanas .............................................................................................................. 26
4.2.2 Afinação de Acordes .......................................................................................... 27
4.3 Mão direita ........................................................................................................... 29
4.3.1 Trocas de corda ................................................................................................. 29
4.4 Dicas Gerais .......................................................................................................... 30

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 32

6 REFERÊNCIAS .................................................................................................................. 33
7

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho visa elaborar e organizar possíveis estratégias de estudo de trechos com
dificuldades técnicas relevantes no primeiro movimento (Allegro ma non tanto) da sonata para
violoncelo em lá maior Op. 69 de Ludwig van Beethoven. O trabalho presente visa contribuir
com o levantamento de ferramentas úteis no abrandamento dessas dificuldades técnicas, desse
modo servindo de resposta à notória escassez de material na língua portuguesa relacionado ao
estudo técnico das sonatas de Beethoven. Esse levantamento estabelece as bases para a criação
de um futuro Guia de Estudo, no qual essa metodologia será expandida para o segundo e terceiro
movimentos e será testada com alunos de violoncelo, checando a eficácia da mesma e fazendo
os devidos ajustes. Para tanto, o presente trabalho se utiliza da pesquisa de estratégias de estudo
e exercícios, a adaptação destes e a criação de elos intermediários entre o que Fischer propõe e
o resultado final da Sonata op. 69.

A sonata Op. 69 foi composta em 1807-1808, pertencendo à “fase heroica” do compositor e


próxima de outras de suas composições mais relevantes, como a Quinta e a Sexta sinfonias e os
trios para piano Op. 70. Beethoven já havia tido a oportunidade de amadurecer e experimentar
sua escrita para violoncelo por meio de peças para violoncelo e piano como os três grupos de
variações (WoO 45, WoO 46 e Op. 66), e as duas primeiras sonatas (Op. 5 números 1 e 2), no
concerto tríplice para violino, cello e piano (Op. 56, ainda com escrita pouco convencional e
dificuldades idiomáticas) e em formações de música de câmara como trios e quartetos. Mas,
com efeito, a sonata op. 69, maior em duração e em estrutura formal, ocupa lugar central no
repertório do violoncelo, não só pelas novidades em expressividade e técnica conquistados pelo
compositor com relação as obras anteriores, mas por ser considerada a primeira sonata para
violoncelo e piano em que é estabelecida uma relação de igualdade entre esses dois
instrumentos.

Levando em conta a relevância da peça, é esperado que todos os violoncelistas tenham contato
com ela ao longo de sua formação. Ao ser adotada como objeto de estudo por estudantes
violoncelistas é, portanto, de imensa importância que estes consigam identificar quais são as
principais dificuldades a serem estudadas do ponto de vista técnico na sonata, uma vez que
somente assim poderão ter a oportunidade de acessar seu potencial didático em sua plenitude.

O trabalho se valerá de um método organizado de estudo baseado na adaptação de dicas e


exercícios para dificuldades técnicas comuns no estudo dos instrumentos de corda, presentes
8

sobretudo, no método do violinista australiano Simon Fischer, publicado em 2006, Practice.


Simon Fischer, professor da Guildhall School of Music and Drama e ex-aluno de professores
como Dorothy Delay (Julliard School of Music) e Yfrah Neaman (Guildhall School of Music
and Drama, Wells Cathedral Music School), compilou em seu método 250 dicas de estudo
pertinentes para os mais diversos aspectos técnicos, contribuindo para a solução das mais
variadas dificuldades que um violinista pode encontrar no estudo diário do instrumento. Um
texto que acompanha cada dica a elucida, lançando mão de escrita objetiva e simples, abundante
em ilustrações e exemplificado com aplicações práticas em exemplos do repertório de violino.
Método de tamanha proporção e potencial pedagógico direcionado originalmente para alunos
de violoncelo está ainda por ser escrito. Entrementes, a maior parte das dicas apresentadas em
Practice, tal como em outros métodos de violino, pode ser adaptada para o violoncelo com
sucesso, mantendo-se a efetividade das mesmas, o que se deve à natureza em comum do modo
de tocar desses dois instrumentos.

É sobretudo como demonstração de formas de aplicação eficazes desse método para o contexto
do estudo de peças para violoncelo que se aplica no presente trabalho, as dicas do método
Practice no primeiro movimento, Allegro ma non tanto, da sonata Op. 69, utilizando-as como
ferramentas organizadas.

Os trechos a serem trabalhados através dessa aplicação foram escolhidos tendo-se em mente
dois grandes critérios fundamentais para a escolha de um trecho em detrimento dos outros. De
um lado, observou-se a dificuldade técnica objetiva de um determinado excerto. Os trechos que
demandam alta proficiência técnica, tais como alta velocidade de execução, excesso de cordas
duplas ou arcadas complexas foram isolados e cuidadosamente analisados. Dicas notoriamente
compatíveis foram então separadas para cada um desses trechos. Por outro lado, no entanto, se
levou em consideração, também, a importância de um determinado trecho para a estrutura da
forma-sonata desse movimento.

A importância de trechos pequenos para a estrutura geral da sonata é especialmente evidente na


sonata Op. 69, a qual é, segundo observa John A. Musick Jr, “perfeito exemplo de uma música
que, apesar de fiel a estrutura geral da forma sonata, utiliza-se dela como um veículo para
propagar suas ideias lineares”. Nota-se que um importante recurso que o compositor lança mão
para essa “propagação de ideias lineares” é o uso e manipulação de “motivos”, fragmentos
musicais que são usados e manipulados de formas variadas ao longo de uma peça, compondo
ideias musicais e servindo como elementos constituintes para demais secções musicais. Esses
9

motivos são tratados pelo compositor de diversas maneiras ao longo do movimento para compor
ideias musicais maiores, sofrendo transmutações e combinando-se entre si, servindo assim,
como elementos constituintes para demais seções. A esse aspecto a atenção do trabalho presente
se devotou com especial atenção durante a escolha dos trechos.

Sob o filtro desses dois critérios foram, enfim, selecionados três trechos significativos da sonata
para compor o trabalho. O primeiro trecho a ser trabalhado é o trecho exposto em solo pelo
violoncelo no começo do movimento. Sua importância estrutural é reconhecida por Eytan
Agmon, conforme observa a professora Elise Pittenger (2020, p. 9): “Em seu artigo, ‘The First
Movement of Beethoven’s Cello Sonata, Op. 69: the Opening Solo and its Melodic-Structural
Significance’, convincentemente demonstra que todo o material no primeiro movimento é
gerado por elementos nos compassos iniciais”.

A respeito da peculiaridade de iniciar a sonata em solo, sem nenhum acompanhamento do


piano, Thomas Donley (1983, p. 2) comenta: “Na abertura do Opus 69, o violoncelo apresenta
o primeiro tema desacompanhado por seis compassos, imediatamente estabelecendo sua
importância na parceria instrumental. Virtualmente não existem momentos de violoncelo
desacompanhado na escrita das primeiras duas sonatas de Beethoven: o mais longo é um floreio
gestual de um compasso no ‘Rondo’ da sonata em Sol menor (compassos 17 e 19 e suas
correspondentes recorrências na repetição). A melodia de abertura da Op.69, portanto, é
aterradora, e predispõe a obra como uma ‘sonata de um violoncelista’”

O Segundo trecho abordado corresponde ao segundo tema da sonata, em que ocorre uma
exposição simultânea de duas ideias temáticas. O piano apresenta, no compasso 38, um
intervalo que é ideia derivada diretamente do primeiro trecho abordado neste trabalho, mas
agora descendente em vez de ascendente. Esse motivo é posteriormente repetido na parte do
violoncelo no compasso 51. Ao mesmo tempo, no compasso 38, a parte do violoncelo apresenta
escalas ascendentes que são, em seguida, ornamentadas com um movimento melódico no
registro agudo do instrumento. Essas escalas, caso não estejam apropriadamente afinadas,
podem perturbar a ideia que as sobrepõem na parte do piano. Atingir essa afinação pode ser
dificultoso pelo ritmo ágil da escala, em colcheias, por se dar no registro agudo do instrumento,
de afinação normalmente mais difícil para a maioria dos violoncelistas, e por se tratar de
posições avançadas no braço do instrumento. O terceiro trecho, dos 115 ao 124, é de dificuldade
técnica notável por adotar arpejos velozes e em fortíssimo nas cordas mais graves do
instrumento, demandando grande vigor de ambas as mãos.
10

Por ser citado repetidas vezes ao longo do trabalho, as referências completas ao método
Practice serão omitidas daqui para frente, sendo utilizado apenas o título “Practice”. Todas as
citações do inglês foram traduzidas pelo autor do presente trabalho.
11

2 PRIMEIRO TRECHO

2.1 Introdução ao primeiro trecho

Figura 1: Beethoven, Sonata para violoncelo op. 69, 1º movimento, c. 1-12

O primeiro trecho a ser analisado abrange do compasso 1 ao compasso 12 e é uma longa frase
melódica e declamatória em solo no violoncelo. Será dividido em duas secções diferentes: a
primeira, do compasso 1 ao início do 6 (resolução da nota Ré sustenido na nota Mi), o tema
propriamente dito, com movimentação melódica significativa para o violoncelo. A segunda
secção vai do compasso 6 ao 12. Nela, o piano entra apenas no compasso 6, enquanto o
violoncelo passa a sustentar uma nota constante, primeiro ligada, em mínimas e depois
articulada e em semínimas. O trecho é o primeiro tema da sonata. Sua primeira parte é executada
em solo pelo violoncelo, e supõe-se que a atenção da plateia se volte exclusivamente para o
executante violoncelista. Devido a essa elevada exposição, demanda especial atenção durante
seu estudo.

As principais dificuldades significativas de importância geral para a performance se encontram


na primeira secção. São elas, o salto de quinta justa ascendente inicial, presente no primeiro
compasso (ver 1.2), e três instâncias em que ocorre um recurso técnico ao qual chamar-se-á
“extensão de dedo” (1.3). Após a discriminação de possíveis etapas de estudo que buscam
auxiliar em atenuar essas dificuldades específicas, será apresentada uma dica de Fischer mais
geral, que aborde a condução musical do trecho atual em sua inteireza (1.4).

A técnica de arco é diferente para notas que são tocadas em posições elevadas (agudas) do
espelho do instrumento. A corda, com seu comprimento reduzido pela digitação exercida pela
mão esquerda nessas posições, requer que o arco friccione a corda mais para perto do cavalete,
com ajustes apropriados no peso do braço e na velocidade do arco (O peso do braço deve ser
12

maior e a velocidade do arco menor do que em posições mais graves), garantindo a ressonância
do instrumento. No trecho presente essa consideração é especialmente relevante, uma vez que
o salto de quinta efetuado na mesma corda diminui consideravelmente o seu comprimento.
Portanto, ignorar esse aspecto tende a prejudicar o resultado geral, inclusive o desempenho das
questões mais específicas à mão esquerda.

2.2 Salto melódico inicial

O intervalo ascendente de quinta justa em mínimas que inicia o trecho é usado como “motivo”
do qual se derivam partes de grande relevância1. Por essa singularidade como motivo, por fazer
parte do primeiro tema e por ser a primeira coisa que acontece na sonata, inaugurando a sonata
e, supostamente, concentrando elevada atenção da plateia, faz-se mister o pleno domínio desse
salto. Além disso, ressalta-se que a mudança de posição, distante e que ocorre entre duas notas
na mesma corda, apresenta dificuldade técnica significativa. Depende de grande precisão
delinear com sucesso o intervalo de quinta com afinação bem-sucedida e de um movimento de
mão esquerda livre de tensões musculares, com mínimo esforço físico ao deslocar-se para
atingir a nova posição, isto é, com boa fluidez mecânica. O salto melódico inicial também
apresenta dificuldades musicais, a citar a agógica, a manutenção de um vibrato constante, o
legato produzido por um arco com a manutenção da aderência do arco na corda entre outras,
que, entretanto, devido a delimitação técnica do trabalho presente, não serão tratadas
especificamente. As dificuldades musicais do trecho serão abordadas de forma geral no quesito
2.4.

O sucesso da mudança de posição depende, ainda, de que o arco acompanhe o movimento da


mão esquerda, descendo proporcionalmente o seu ponto de contato com a corda em direção ao
cavalete. A tendência natural dos executantes face a uma mudança de posição difícil é de retrair
o corpo, causando com que o arco suba o ponto de contato em vez de descer. Essa tendência
deve ser combatida ao longo de todo o estudo do trecho, e a atenção para a manutenção de um
ponto de contato proporcional às notas da mão esquerda deve ser sempre um dos focos
principais do estudo do trecho.

1
Entre elas, ressalta-se o segundo tema, em que há um salto, agora descendente, promovendo contraste com o
primeiro tema, também em mínimas. Na parte do violoncelo, inicia-se no c. 51 e acontece também na
recapitulação. O salto ascendente em mínimas aparece nos compassos 89 e 91, 96, 140 e 144, nas repetições da
recapitulação, no c. 253 e 270. O salto de quinta justa ascendente aparece com ênfase também no compasso 27
em sua repetição durante a recapitulação.
13

Abaixo, a ilustração mostra uma possibilidade de dedilhado para a mudança de posição inicial
em que a primeira nota é tocada na primeira posição na corda Sol e a segunda nota executada
na quarta posição dessa mesma corda.

Figura 2: Beethoven, Sonata para violoncelo op. 69, 1º movimento, c.1 e mínima pontuada do c.2

Nesse dedilhado o salto é efetuado mediante uma mudança da primeira para a quarta posição
começando, como ilustrado, com o Lá1 tocado com o dedo um e em seguida o Mi2 com o dedo
2, ambos na corda Sol. O uso exclusivo da corda Sol permite o total usufruto da sonoridade
ressonante do Lá1 tocado na primeira posição (posição que permite grande parte da corda estar
livre para vibrar) e a manutenção de uma uniformidade do timbre, mais difícil em dedilhados
em que ocorreria troca de cordas. Ademais, o dedilhado adotado permite um recurso expressivo
sutil durante o salto, como um discreto portato, que estaria impossibilitado por dedilhados em
que a primeira nota fosse tocada na quarta posição da corda Dó.

Uma dica exposta em Practice é significativamente atraente para a situação, em que se deseja
adquirir segurança nos dois quesitos expostos (afinação e fluidez mecânica do salto). Na dica
134, Classical Shifts, Fischer demonstra o que chama de “Mudanças Clássicas”, apropriadas
para saltos distantes em peças do repertorio clássico, como a trabalhada presentemente. Esse
tipo de mudança se distingue de outros tipos possíveis de mudança de posição, explicados por
Fischer em outros capítulos (Romantic Shifts, Combination Shifts, Exchange Shifts). Por se
aplicar estilisticamente à sonata e permitir maior controle da execução do salto de quinta justa,
usar-se-á o “Classical Shift”, em sua variante para mudanças ascendentes, que o autor descreve
logo após o enunciado geral da dica.
14

Mudanças de posição clássicas também são conhecidas como ‘mudanças de


iniciante’ porque você move no dedo que começa a mudança.

Ascendente: Conduza o dedo inferior até que você esteja na posição certa para
colocar o dedo superior diretamente em sua nota. A nota para a qual você
efetua a mudança com o dedo inferior é a nota intermediária (2006, p. 172)2

Aplicando-se o exercício ao trecho, obtém-se:

Figura 3: Aplicação da dica 134 (Classical Shifts) de Simon Fischer ao c.1 do primeiro movimento.

Conforme mostrado, portanto, o executante, ao tocar o salto de quinta, presente no trecho, pode
se valer do recurso elucidado por Fischer, utilizando a nota Ré como nota intermediária, cuja
aplicação pode ser enunciada da seguinte forma: Após tocar a nota Lá com o dedo 1, deslize
com o mesmo dedo até atingir com ele a nota Ré e somente após atingida a nota Ré, toque a
nota Mi, como descomplicada consequência da chegada do deslocamento efetuado pelo
primeiro dedo.

Dentro do estilo de época e pertinente ao contexto musical da frase, a mudança articulada


elucidada pelo Classical Shift é oportuna por facilitar a mudança de posição de quinta
ascendente, uma vez que, ao contrário da mudança do Lá para o Mi, a mudança para a nota Ré
(que marca o início da quarta posição) é uma das mudanças mais recorrentes no repertório e
estudo técnico diário dos violoncelistas.

Apesar disso, podem surgir dificuldades na execução do glissando do Lá1 para o Ré2 com o
mesmo dedo, o dedo 1, caso a técnica de praticar glissando com o mesmo dedo não esteja ainda
no domínio do executante. No caso de existir essa dificuldade, ou como mero reforço da
memória gestual da distância entre as duas notas, propõe-se a dica 129, “Usando glissando para

2
“Classical shifts are also known as ‘beginning shifts’ because you move on the finger that begins the shift.
Ascending: Shift up on the lower finger until you are in the right position to place the upper finger directly on its
note. The note that you shift to with the lower finger is the intermediate note”.
15

medir a mudança” (FISCHER, 2006, p. 156)3. A dica é de se fazer o estudo controlado do


glissando de forma a garantir leveza ao resultado final. Textualmente se tem: “Pratique
deslizadas vagarosas, pesadas, deliberadas, para dar à mudança normal, leve, maior sensação
de precisão” (FISCHER, 2006, p. 156)4.

É muito importante ressaltar, porém, que a prática de glissandi nesses termos é, apesar de
ferramenta de estudo útil, mas que, no entanto, é veementemente contraindicado que durante a
performance. No produto final da interpretação da sonata, o glissando não deve permanecer
vagaroso ou sonoro demais, o que é tendência comum para saltos entre notas distantes. A
contraindicação se deve ao caráter elegante e sóbrio da peça, comum ao estilo da época,
especificamente próprio a Beethoven e decorrência clara, segundo Harnoncourt (1988), do
aspecto falado da linguagem dos sons da música barroca. Sugere-se, portanto, que o glissando
deve ocorra ao longo do estudo de forma cada vez mais leve e rápido. Isso deve ser alcançado
não somente pela diminuição da pressão exercida na corda pelos dedos da mão esquerda, mas
também aliviando a pressão exercida pelo arco nas cordas enquanto durar o glissando.

A rapidez e leveza, estilisticamente desejadas, devem refletir na gradual diminuição da duração


da nota intermediária, até que ela não soe mais do que uma mera articulação ou apoio. O
glissando deve respeitar a regularidade rítmica do compasso, não podendo atrasar a chegada da
nota Mi, exatamente na cabeça do terceiro tempo do compasso.

Uma orientação geral relevante é que a nota Lá1 na primeira posição é geralmente tocada com
a primeira posição sem extensão, de modo a obter vibrato mais relaxado, e que a nota Mi2 numa
posição com extensão. É indicado fortemente que para se alcançar a extensão, a mão esquerda
comece a abrir durante a mudança de posição, de modo a preparar a posição seguinte, e não
depois de alcançada a nota Mi.

Com o emprego do Classical Shift na execução do salto, após estudado o salto para a nota
intermediária isoladamente e com essas observações finais, pretende-se que o “Classical Shift”
do primeiro compasso do trecho esteja menos dificultoso ao instrumentista. Dessa forma,
espera-se que se torne possível a consolidação da citada “precisão” nos quesitos fundamentais,
(afinação e fluidez do movimento).

3
“Using glissando to measure the shift”.
4
“Practice slow, heavy, deliberate slides to make the normal, light shift feel more accurate”.
16

2.3 Extensões de dedo

O estudo do trecho permitiu a identificação de alguns fragmentos em que o dedo precisa esticar-
se excessivamente para alcançar uma nota distante, o que aqui se chama de “extensão do dedo”.
Estão circulados na imagem seguinte:

Figura 4: Primeiro trecho, c.1-5, Fragmentos com “extensão de dedo”

Define-se por extensão de dedo o ato de esticar o dedo que digitará a nota seguinte enquanto
mantém-se o dedo que executou a nota anterior ainda pressionado. Somente alcançada a nova
nota é que a mão esquerda se deslocará para a nova posição. Esse método difere da mudança
de posição, em que a mão esquerda se desloca para a nova posição e só então o dedo digita a
nova nota.5

Nota-se que esses fragmentos apresentam partes cruciais da frase em que é necessário conectar
uma nota que está distante da nota anterior para a mão esquerda, de forma a não prejudicar o
legato. Mudanças de posição, nesse caso, poderiam prejudicar a conexão sonora de uma nota
para a outra, causando pequenas interrupções no som, por serem iniciadas com antecedência,
ainda durante a duração escrita da nota precedente, para que seja possível o deslocamento da
mão esquerda para alcançar a nota seguinte. Com as extensões de dedo, deve ser possível
eliminar essas “quebras” internas na frase, já que um dedo sozinho pode atingir a nota
pretendida sem que a mão, como um todo, saia de sua posição geral, mantendo assim a duração
da nota anterior em sua inteireza e permitindo a continuidade almejada do som.

Pela situação atípica de extensão excessiva do dedo, a “extensão de dedo” pode, porém, causar
estresse físico caso pouco consolidada. O estresse físico pode impedir uma extensão suficiente
para se atingir a nova nota, o que pode resultar em uma afinação que chegue próxima à altura
da nota pretendida, sem, no entanto, alcança-la com exatidão. É com a finalidade de tornar a

5
O conceito de extensão de dedo difere do conceito de posição estendida, também conhecido como posição
de/com extensão. Posições com extensão são posições que requerem uma postura da mão esquerda que
estabeleça a distância de uma terça maior entre o primeiro dedo e o dedo que está na nota mais aguda da posição.
17

extensão de dedo quanto menos desgastante possível para a mão esquerda que as medidas a
seguir foram compiladas, valendo-se de intervalos menos distantes antes das notas atingidas
por extensão de dedo.

Simon Fischer (2006, p. 215)6 discorre, na dica 163, a respeito de uma técnica para lidar com
posições com extensão:

Meça as extensões por dividir a distância em intervalos menores, em vez de


medir apenas da nota diretamente anterior à extensão. Cada executante pode
escolher seus próprios meios de alcançar extensões para se adequar a mão de
cada um, ou ir com a harmonia em uma frase em particular.

Após essa breve exposição, Fischer irá pôr em prática a técnica por meio de exemplos do
repertório para violino. No caso presente, os passos expostos em seus exemplos se aplicaram
de forma adaptada, se adequando melhor ao contexto das extensões que ocorrem no trecho, e
devem ser executados com atenção especial ao relaxamento da mão, possibilitando em
consequência, a obtenção da afinação adequada:

Figura 5: Aplicação da dica 163 no primeiro fragmento com extensão de dedo, c.2 do segundo trecho.

1) Toque o Fá sustenido com o quarto dedo. Em seguida, toque a nota Ré com o dedo 1.
Essa nota servirá como nota intermediária, servindo de referência para avaliar a
distância a qual deverá percorrer o primeiro dedo para atingir o Dó sustenido. Medindo
a distância a partir da nota ré, use o dedo 1 para alcançar a nota Dó sustenido e toque-o.

2) Toque o Fá sustenido com o quarto dedo. Dessa vez, apenas imagine que está
pressionando o primeiro dedo, enquanto o quarto dedo continua pressionado na corda

6
“Measure extensions by dividing the distance into smaller intervals, rather than measuring only from the note
directly before the extension. Each player can choose their own ways of reaching extensions to suit their
particular hand, or to go with the harmony in a particular phrase”.
18

(fazendo som) na corda. Calcule mentalmente a distância percorrida no passo 1), isto é,
da nota ré para o dó sustenido. Uma vez calculada a distância, toque o Dó sustenido.

Para o segundo fragmento, o passo-a-passo que se propõe será como ilustrado a seguir:

Figura 6: Aplicação da dica 163 no segundo fragmento com extensão de dedo, ultima nota do c.3 e
primeira nota do c.4 do segundo trecho.

1) Toque a nota Si com o primeiro dedo na corda Sol. Mantendo o dedo um pressionando
o Si na corda Sol, use o dedo quatro para tocar o Sol1 sustenido na corda Dó. Essa nota
será uma nota intermediária, servindo de referência para avaliar a distância a qual deverá
percorrer o quarto dedo para atingir o Lá1. Desloque o quarto dedo até a posição do Lá1
e toque o Lá1.

2) Toque a nota Si com o primeiro dedo na corda Sol. Ainda tocando a nota Si, posicione
o dedo quatro na posição referente ao Sol sustenido, sem sequer pressiona-lo, apenas
deixando-o acima da corda (na figura, representado pela nota sem haste). Avalie, então,
a distância que deverá ser percorrida pelo quarto dedo para, a partir da posição acima
do Sol sustenido, atingir o Lá1. Desloque o dedo quatro e pressione a corda, tocando o
Lá1.

3) Toque a nota Si com o primeiro dedo. Após tocar o Si, tenha em mente a sensação de
se tocar o Sol sustenido na corda Dó, com o quarto dedo, como executado no segundo
passo. Mentalmente, avalie a distância que o quarto dedo deverá se deslocar a partir da
posição do Sol# até atingir o Lá1. Posicione o dedo quatro corretamente na posição do
Lá1 e toque o Lá1.
19

O mesmo passo-a-passo poderá, enfim, com as devidas adequações se aplicar ao terceiro


fragmento:

Figura 7: Aplicação da dica 163 no terceiro fragmento com extensão de dedo, última nota do c.4 e
primeira nota do c.5 do segundo trecho

1) Toque a nota Mi com o primeiro dedo na corda Mi. Com o dedo quatro, toque o Sol1
sustenido na corda Dó. Essa nota será uma nota intermediária, servindo de referência
para avaliar a distância a qual deverá percorrer o quarto dedo para atingir o Lá1 com o
quarto dedo. Desloque o quarto dedo até a posição do Lá1 e toque o Lá1.

2) Toque a nota Mi com o primeiro dedo na corda dó. Posicione o dedo quatro na posição
referente ao Sol sustenido, sem sequer pressiona-lo, apenas deixando-o acima da corda
(na figura, representado pela nota sem haste). Avalie, então, a distância que deverá ser
percorrida pelo quarto dedo para, a partir da posição acima do Sol sustenido, atingir o
Lá1. Desloque o dedo quatro e pressione a corda, tocando o Lá1.

3) Toque a nota Mi com o primeiro dedo. Após toca-la, tenha em mente a sensação de se
tocar o Sol sustenido na corda Dó, com o quarto dedo, como executado no segundo
passo. Mentalmente, avalie a distância que o quarto dedo deverá se deslocar a partir da
posição do Sol sustenido até atingir o Lá1. Posicione o dedo quatro corretamente na
posição do Lá1 e toque o Lá1.

Tendo como meta durante todos os passos o máximo relaxamento da mão, espera-se alcançar
com mais facilidade aquilo ao que Fischer se referiu como a adequação ao “jeito particular da
mão de cada um” (2006, p. 215). Deve-se averiguar que, ao estender-se, o dedo não cause um
aumento de tensão decorrente com o aumento da distância, isso é, que o mesmo relaxamento
20

obtido ao alcançar a nota intermediária seja garantido ao alcançar a nota real, com a decorrente
afinação e maior conforto na execução desses fragmentos. Por se tratar de uma alternativa que
requer extensão próxima ao limite do que é possível fisicamente para a mão esquerda, há de se
acrescentar uma ressalva ao tratamento aqui empregado para o estudo da passagem: existe a
possibilidade de que aos executantes com mãos pequenas não seja possível executar as
extensões de dedo, ou pelo menos executa-las de forma satisfatória. Essa ressalva, porém, ainda
não foi testada, e testes precisam ser feitos para estabelecer se realmente essa impossibilidade
é real. A solução com mudanças de posição convencionais pode ser aplicada caso as extensões
de dedo se apresentem como demasiadamente desafiadoras, adotando-se técnicas diversas de
estudo para aprimora-las de modo a superar as dificuldades na conexão das notas citada na
introdução. Sugere-se, nesse caso, ter como meta faze-las soar o mais parecido possível com
uma execução empregando extensões de dedo.

Por fim, segue uma instrução de perspectiva mais geral e musical para o trecho que foi
encontrada para corresponder as demandas do trecho como um todo.

2.4 Condução melódica

O trecho é tocado sem acompanhamento algum do piano e, potencialmente, a atenção da plateia


é inteiramente conduzida para o importante material temático contido na primeira secção, que
abrange desde o compasso 1 até a nota Mi do compasso 6. Ressalta-se que a eloquência do
trecho é especialmente importante para a compreensão da sonata como um todo, por se tratar
da primeira exposição do tema principal. Para tanto, a condução melódica precisa ter direções
apropriadas para a frase. Após tratadas com atenção as dificuldades expostas nos subtópicos
1.2 e 1.3 a solução dos principais obstáculos para a continuidade estará encaminhada, e espera-
se que o executante deva estar pronto para buscar essa condução.

Apesar de ser uma frase longa, compreendida do 1º ao 12º compasso, a melodia do trecho é
composta de seções e subseções. Especializado em teoria e análise tonal, Eytan Agmon (1998,
p.396)7 observou com clareza essa qualidade na análise do trecho:

7
“Although one might wish to stress the important sense in which the opening solo phrase forms an organic,
indivisible whole, it is also important to consider the phrase’s internal points of articulation. For example, in
m.4 beat 3, a perfectly conventional half-cadential gesture takes place. A weaker point of articulation is m.2,
beat 4, where half-note and dotted half-note motion gives way to a quicker, quarter-note pace. Thus, one may
describe the opening solo as consisting of three subphrases of roughly equal length, as indicated by the labeled
brackets in [the following] example: as may be see, the first two subphrases form a quasi-independent four-
measure unit.”
21

Embora alguém possa desejar ressaltar o sentido importante no qual a frase


solo de abertura forma um todo indivisível, também é importante considerar
os pontos internos de articulação da frase. Por exemplo, no c. 4, tempo 3, se
dá um gesto perfeitamente convencional semi-cadencial. Um ponto mais fraco
de articulação é o compasso 2, tempo 4, onde semibreve e semibreve pontuada
dão lugar a um movimento mais rápido, acelerado de semínimas. Logo, pode-
se descrever o solo de abertura como consistente de três semi-frases de
comprimento aproximadamente igual, como indicado pelas chaves no
exemplo; como se vê, as primeiras duas semi-frases formam uma unidade de
quatro compassos quase independente.

Figura 8: Solo de abertura: estrutura da frase e conteúdo motívico.

Sob essa perspectiva, a frase deve ser executada ressaltando essa rica estrutura interna sem, ao
mesmo tempo, deixar de soar como um todo. Conseguir ressaltar esse dilema é um desafio com
inesgotáveis soluções interpretativas diferentes, que ressaltem de diversos modos ao ouvinte,
através de recursos como a dinâmica, subdivisão do arco, variações no vibrato, articulação entre
outros, a organicidade da frase em seu aspecto indiviso ou suas partes menores. Por ser um
processo subjetivo, não cabe ao presente trabalho, de viés sobretudo técnico, uma argumentação
por uma ou outra decisão interpretativa.

Entretanto oferece-se em contribuição uma última sugestão para o trecho, uma dica de Fischer
que pode auxiliar o intérprete em melhorar qualquer for a sua decisão subjetiva para a resolução
do dilema anteriormente esclarecido. A dica seguinte é recurso que visa permitir mais calma,
tempo e convicção para organizar melhor a decisão e aprimora-la. Além de aspectos como a
articulação, o vibrato e a qualidade sonora, recomenda-se que se tenha em mente a qualidade
de todas as questões elucidadas nas etapas passadas, isso é, tanto a mudança de posição do
primeiro salto quanto os fragmentos com “extensão de dedo”.
22

246. Tocando abaixo do andamento, exagerando a expressividade. Tocar


abaixo do andamento com expressividade exagerada é um jeito simples de
descobrir “pontos-cegos” musicais, uma vez que você precisa saber o que você
quer antes que possa ampliar tal coisa.

- Tocar abaixo do andamento. A velocidade pode variar de muito devagar para


apenas um pouco mais devagar do que o normal.

- Usando o tempo extra que o andamento vagaroso te dá, ampliar cada detalhe
do desenho musical para proporções além das normais. Imagine que você está
tocando para alguém que nunca ouviu música clássica [...] na vida, e você está
tocando tudo bastante vagarosamente, deliberadamente e obviamente, para
tentar deixa-la tão clara e fácil de se entender quanto possível.8

8
“246. Playing under tempo, exaggerating expression. Playing under tempo with exaggerated expression is a
simple way to discover musical ‘blind-spots’, since you have to know what you want before you can magnify it. –
Play through under tempo. The speed can range from very slow to only a little slower than normal. –Using the
extra time that the slower tempo gives you, enlarge every detail of the musical design to larger-than-life
proportions. Imagine that you are playing to someone who has never heard classical […] music before, and you
are playing everything very slowly, deliberately and obviously, to try to make it as clear and easy to understand
as possible”.
23

3. SEGUNDO TRECHO

3.1 Introdução ao Segundo Trecho

Figura 9: Beethoven, Sonata para violoncelo Op. 69, 1º movimento, c. 38-45

O primeiro movimento da sonata para violoncelo Op. 69 de Beethoven apresenta no compasso


38 como equivalente ao segundo tema da forma sonata, uma combinação em contraponto de
duas ideias musicais. Uma dessas ideias, primeiramente apresentada pelo piano, é uma melodia
que começa com um motivo descendente em mínimas, derivado de um motivo contido no
primeiro tema. O trecho que será trabalhado a seguir é a outra dessas duas ideias, apresentada
pelo violoncelo a partir do compasso 38 até o terceiro tempo do compasso 46.

O trecho começa com uma escala ascendente de mi maior em colcheias, começando do mi1e
com dois compassos de duração. No compasso 40 a escala atinge a nota la3, e então acontece
um movimento cromático, conduzindo o lá3 para o lá3 sustenido e este para o si3. Após isso,
há uma breve finalização melódica, incluindo um arpejo e com resolução na nota Mi que é
atingida após breve ornamentação. Esse movimento de escala que conduz a um movimento
cromático e então uma resolução ornamentada se repete, dessa vez em si maior, com ligeiras
alterações no contorno da frase. As escalas em ritmo acelerado de colcheias trazem consigo
desafios técnicos e musicais para o violoncelista.

Dentre as dificuldades técnicas, ressalta-se a afinação. A afinação pode ser negativamente


afetada pela incursão a posições agudas, normalmente mais dificultosas a violoncelistas. Além
disso, por ser elemento básico na formação de um instrumentista e fundamental para toda a
música tonal, espera-se que as escalas estejam em um nível de proficiência elevado.

Existem diversos sistemas de afinações para escalas. Os parâmetros para a afinação de escalas
se aplicam em diferentes contextos e são objeto de discussão e sujeitos a diferentes perspectivas.
24

Segundo Fischer, (2006 p. 207), "ao ouvido deve ser dado prioridade, acima de qualquer teoria
do que é certo ou errado em afinação". Não adota, portanto, em seu método, como aqui não se
adotará, nenhum sistema específico, permitindo flexibilidade na escolha do intérprete. Os
exercícios, no entanto, se adaptam bem para qualquer escolha de sistema que leve em conta que
"a afinação é uniforme quando tem estrutura harmônica e expressiva, cada nota é afinada em
relação à outra".

3.2. Afinando escalas

Fortemente defendido por Fischer, o método que será exposto é estratégia utilizada por diversos
pedagogos da música para lidar com a afinação de escalas. Entre eles, destaca-se a professora
Dorothy Delay, da Julliard School, e o solista Pablo Casals, um dos principais expoentes do
violoncelo do século XX. O método está descrito na página 210, na dica de número 166:

166. Afinando escalas: três estágios.

Esse método de afinar escalas é o caminho mais fácil para conseguir escalas
realmente afinadas. Ele começa tornando a estrutura da escala bastante clara.
Então se torna óbvio onde exatamente cada nota está, dentro dessa estrutura,
e todas as notas se tornam fáceis de se encontrar.

Antes de tocar a escala completa, construa a escala a partir de três estágios


separados:

1. Primeiro afine as notas dos intervalos perfeitos – quarto, quinto e oitavo


graus da escala – em relação à tônica. Eles são o “esqueleto” da escala.

2. A seguir adicione a terça e a sétima. Meça a terça a partir da quarta, e sinta


a sétima tendendo para a oitava.

3. As duas notas finais para se adicionar são o segundo grau melódico e o


sexto. Toque-os exatamente no meio entre o primeiro e o terceiro graus, e
entre o quinto e o sétimo. (2006, p. 210)9

9
“166. Tuning Scales: Three Stages. This method of tuning scales is the quickest way to get scales really in tune.
It works by making the structure of the scale very clear. Then it becomes obvious exactly where every note is,
within that structure, and every note becomes easy to find. Before playing the complete scale, build the scale up
in three separate stages: 1.First tune the notes of the perfect intervals – the 4th, 5th and 8th degrees of the scale –
in relation to the tonic. They are the “skeleton” of the scale. 2. Next, add the 3 rd and the 7th. Measure the 3rd
from the 4th, and feel the 7th leaning up into the octave. 3. The final two notes to add are the 2nd and the 6th.
Place these exactly in the middle between the 1st and the 3rd, and between the 5th and the 7th.”
25

Aplicando os estágios acima no trecho presente, obtém-se estratégia em passo-a-passo que


permitirá que a melhor afinação possível seja obtida. Como exemplo, se utilizará a escala de mi
maior.

Não sendo o mais intuitivo durante as etapas do exercício que se propõe, o dedilhado adotado
aqui está de acordo com o que será usado no trecho completo, de forma que o executante possa
se acostumar com ele desde as fases iniciais do estudo. O passo a passo a seguir deverá ser
estudado em andamento similar ao pretendido para o resultado final (cerca de mínima =
60bpm). O executante pode, porém, escolher andamentos mais lentos caso a afinação das etapas
nesse andamento esteja instável.

Figura 10: Primeiro passo da aplicação da dica 166 de Fischer às notas do terceiro trecho.

Toque apenas as notas que formam “o esqueleto da escala”, isto é, o quarto, quinto e oitavo
graus. Essas notas são, no caso da escala de Mi maior, as notas Lá, Si e Mi. A afinação deve
ser tomada de modo que os intervalos em relação à tônica sejam perfeitos, isso é, de acordo
com a afinação justa e sem batimentos.

Figura 11: Segundo passo da aplicação da dica 166 de Fischer às notas do terceiro trecho.

A seguir adicione a terça e a sétima, ou seja, as notas Sol sustenido e Ré sustenido. Com a
afirmação “Meça a terça a partir da quarta, e sinta a sétima tendendo para a oitava” (2006, p.
210), Fischer se refere à particular tendência desses graus melódicos de tender para a nota
superior, isso é, de formar com ela um intervalo mais apertado. A afinação desses graus em
uma frequência ligeiramente alta, pede, dentro desse raciocínio, a resolução destes nas suas
notas imediatamente superiores, conceito conhecido como “Aproximação”.
26

Figura 12: Terceiro passo da aplicação da dica 166 de Fischer às notas do terceiro trecho.

Por fim, obtém-se a escala completa, com a adição das notas restantes, Fá sustenido e dó
sustenido. Conforme Fischer (1997, p. 197),10 “Se você prefere sensíveis um tanto quanto
altas”, isto é, terceiro e sétimo grau, “A 2ª e a 6ª também precisam ser mais altas”.

O som de uma nota pedal da tônica da escala (mi maior) que pode ser obtido através de um
aplicativo de celular11, pode ser usado para sustentar a nota mi e permitir ao executante uma
comparação simultânea da altura das duas notas e verificar se o intervalo resultante está de
acordo com os parâmetros elucidados.

O mesmo passo a passo aplica-se à escala de si maior que começa no compasso 42.

10
“If you prefer quite high leading notes, the 2nd and the 6th also have to be higher”.
11
Para maiores informações a respeito do uso de aplicativos de celular para o aprimoramento da afinação
consultar MACEDO, Matheus. Assistente Digital para o estudo da afinação no Violoncelo (título provisório),
trabalho de conclusão de curso em andamento.
27

4 TERCEIRO TRECHO

4.1. Introdução ao Terceiro Trecho

Figura 13: Beethoven, Sonata para violoncelo Op. 69, 1º movimento, c. 115-124

O terceiro trecho, do compasso 115 ao compasso 124, consiste em uma sequência de acordes
de 3 vozes arpejados em semicolcheias. Situado próximo a metade da parte central da forma
sonata, isto é, o desenvolvimento, o trecho é o clímax em intensidade do primeiro movimento.
Com a rápida mudança de acordes, o trecho delimita um trecho em modulação, começando em
mi menor e terminando em fá sustenido menor.

Aqui, enquanto o violoncelo executa os arpejos, o piano toca um tema derivado do tema
principal12, anteriormente exposto na seção do desenvolvimento da sonata13. Esse tema será
exposto em contraponto pelas duas mãos do piano, introduzido pela mão esquerda e repetido
de forma contrapontística pela mão direita. Portanto, a parte do violoncelo é, apesar de muito
intensa, um acompanhamento.

As principais dificuldades que podem surgir durante o estudo do trecho serão abordadas em três
grupos: dificuldades para a mão esquerda, expostas no subtópico 4.2, para a mão direita (4.3) e
dificuldades gerais, que dizem respeito a coordenação de ambas as mãos (4.4). No primeiro

12
Também em mínimas, mas descendente.
13
Compasso 127.
28

grupo, encontram-se a abundância de pestanas (4.2.1), que podem causar extenuação a mão
esquerda, e a afinação dos acordes (4.2.2). No segundo grupo, a troca rápida e intensa de cordas
que o arco terá que exercer (4.4.3). Por fim, as dicas gerais serão expostas no subtópico 4.4.

Como os arpejos acontecem quase exclusivamente nas cordas mais graves do instrumento, as
dificuldades do trecho podem ser potencializadas, uma vez que essas cordas são mais pesadas
e espessas, demandando maior dispêndio de energia na digitação das notas pela mão esquerda
e no arco para serem postas em vibração. Além disso, a região do registro sonoro do instrumento
em que é escrita é região que apresenta muito maior dificuldade na projeção sonora do que as
cordas agudas. A escrita da parte do piano é pesada, com notas muito graves e muito agudas, o
que pode encobrir a parte do violoncelo caso este não se utilize das seguintes recomendações:
para a projeção, um arco quanto mais próximo do cavalete for possível, e para auxiliar na
obtenção de uma dinâmica mais forte, o emprego da maior velocidade de fricção do arco sobre
as cordas quanto for possível. Sugere-se que ao longo de todas as etapas seguintes essas
recomendações sejam cumpridas.

O trecho, por esse motivo, é um dos que mais demandam proficiência técnica durante todo o
primeiro movimento. É por isso, além do fato de ser ponto culminante de tensão na sonata, que
se sugere as dicas que serão elucidadas a seguir, oferecendo material que suavize essas
dificuldades.

4.2 Mão esquerda

4.2.1 Pestanas

Um obstáculo considerável para a mão esquerda no trecho são as pestanas, posições em que um
único dedo pressiona simultaneamente duas ou mais notas. Propõe-se o exercício seguinte, em
que as pestanas do trecho foram isoladas e inseridas em um padrão simples:

Figura 14: Isolamento das pestanas contidas no trecho

Desse modo, as pestanas, antes misturadas em meio a profusão de notas de semicolcheias do


trecho, estão devidamente separadas e organizadas, possibilitando estudo minucioso. Pressão
excessiva causa sonoridade abafada, pouco ressonante, além de tornar a execução do trecho
29

exageradamente extenuante. Por outro lado, pressão insuficiente pode causar falta de clareza.
O exercício ilustrado busca permitir ao executante atingir a pressão adequada a ser exercida
pela pestana e a distribuição adequada dessa nas diferentes partes do dedo. O exercício será
efetuado, de início, por meio do pizzicato, uma vez que o uso desse é consideravelmente menos
complicado do que o uso do arco, permitindo que a atenção do executante durante o estudo
esteja direcionada inteiramente na mão esquerda.

Adotando um andamento moderado, (cerca de 40 = mínima) toque, por meio de pizzicato com
a mão direita, a primeira nota de cada pestana com máximo relaxamento no dedo que a digita.
Em seguida, toque a próxima nota isoladamente com o mesmo relaxamento e buscando a
afinação perfeita com relação a nota anterior. A afinação perfeita da quinta justa (todos os
intervalos feitos por pestana formam uma quinta justa) na execução da pestana é atingida
quando o dedo está perpendicularmente disposto, atravessando ambas as cordas dentro dela
com o mesmo ângulo, reto.14 A seguir, certifique-se de que o dedo está disposto dessa forma e
execute ambas as notas simultaneamente. (Conforme o dedilhado ilustrado, pode ser o primeiro,
segundo ou terceiro dedo, dependendo de qual fragmento está sendo executado).

A duração de mínima adotada para cada nota do exercício concede tempo para refletir se há
pleno relaxamento na mão esquerda: se manter a pestana durante a duração da mínima não for
tarefa fácil, há na mão esquerda tensão desnecessária, que pode ser eliminada com a diminuição
da pressão exercida por ela nas cordas.

É recomendado verificar também se essa pressão exercida está sendo distribuída ao longo da
superfície do dedo de maneira mais uniforme possível, isso é, de maneira que não haja muito
mais pressão na parte do dedo que pressiona uma corda do que na parte que pressiona a outra
corda. Essa distribuição homogênea deve ser mantida até o fim da duração da mínima.

Após garantidas essas condições e seguidas as etapas, o processo deve ser repetido, agora com
o arco. Ao utilizar o arco durante essa possível estratégia, recomenda-se também que o esteja
atento à igual distribuição de peso do braço direito por meio do arco, permitindo que ambas as
notas tenham igual dinâmica.

14
Para tanto, as cordas do violoncelo devem estar afinadas de modo que as quintas justas formadas pelas cordas
soltas tocadas em pares estejam perfeitamente afinadas. Ajustes na afinação geram ajustes correspondentes no
ângulo para a afinação ideal das pestanas.
30

4.2.2 Afinação dos acordes

Espera-se que todas as pestanas, anteriormente isoladas, estejam bem consolidadas, com
conforto e segurança de afinação, não perturbando a qualidade geral de execução do trecho. A
seguir, os outros intervalos que compõem os arpejos do trecho serão adicionados.

Uma vez que o trecho é potencialmente extenuante, existe a tendência de a qualidade da


afinação ir decaindo ao longo do trecho. Por isso, requer vigor na mão esquerda, e o processo
de trabalhar intervalos isoladamente e lentamente será particularmente útil na obtenção desse
vigor. O estudo em cordas duplas do exercício a seguir, em que os acordes são decompostos
nos intervalos que o constituem, demanda solidez nas posições, o que pode ser estratégia útil
para essa obtenção. O exercício deverá ser estudado lentamente, em andamento aproximado a
mínima = 40bpm. A afinação de todos os intervalos deve ser trabalhada com grande atenção.

Figura 15: Isolamento dos intervalos contidos nos acordes em cordas duplas

Toque o primeiro intervalo do compasso e certifique-se da qualidade da afinação. A seguir,


mantendo o arco completamente aderido à corda, toque o intervalo seguinte, garantindo
sonoridade conectada. Certifique-se da afinação do segundo intervalo antes de mover para o
próximo compasso.

Feito isso para cada compasso, espera-se que o violoncelista possa ler o trecho em sua forma
original, isso é, da maneira como foi escrita, sem a necessidade de mais exercícios preliminares.
Entretanto, o estudo deve continuar sendo lento até que a passagem esteja sob pleno controle
31

do executante. A prática de estudo lento, de grande importância, é recomendada por Fischer


(2006, p. 1)15 em que cita Galamian:

O lendário professor Ivan Galamian uma vez foi perguntado qual método,
dentre todos os diferentes métodos de estudo, ele consideraria ser o melhor de
todos se pudesse escolher apenas um. Ele respondeu: ‘Tocar à metade do
andamento, pois te dá tempo para pensar.’

4.3 A mão direita

4.3.1 Trocas de corda

A mão direita, por sua vez, também apresenta grandes desafios. As trocas rápidas e intensas de
corda podem ser um obstáculo, uma vez que o caráter intenso do trecho induz movimentos
amplos que podem gerar descontrole no arco. Para resolver a questão, o aluno deve buscar
sempre deixar o arco perto da corda vizinha, reduzindo quanto for possível a amplitude do
movimento, permitindo que seja possível acelera-lo posteriormente, como elucida Fischer
(2006, p. 105) 16 na dica de número 81: “Durante cruzamentos de corda entre cordas adjacentes,
o arco frequentemente permanece tão próximo quanto possível às duas cordas”.

A sonoridade durante o estudo deve ser constante ao longo do trecho, sem que haja notas com
qualidade inferior a outras. Isso pode ser difícil pelo fato de o trecho empregar apenas o registro
mais grave do instrumento, usar sempre acordes (posições desconfortáveis) e abranger apenas
as três cordas mais pesadas e de resposta mais lenta. O exercício a seguir é uma adaptação das
variações 12 e 13 do número 35 do método de Feuillard (2007, p. 42) e foi selecionada como
possível estratégia útil por colocar como primeira nota, em tempo forte, a cada vez uma nota
diferente do acorde. Isso deverá promover um maior equilíbrio entre as notas dentro das
posições da mão esquerda e evitará elos fracos na qualidade do som e até mesmo na afinação.

15
“The legendary teacher Ivan Galamian was once asked which practice method, out of all the different methods
of practicing, would he consider to be the very best if he could choose only one. He replied: ‘Playing through at
half speed because it gives you time to think’ ”.
16
“During continuous string crossings between adjacent strings, the bow often stay as close as possible to both
strings”.
32

Figura 16: Reordenação da ordem das notas dos arpejos com ênfase na primeira nota

4.4. Dicas gerais

Por fim, no que tange a coordenação de ambas as mãos, observa-se que é indicado que o
relaxamento da mão esquerda não seja perturbado pela indicação de dinâmica Fortíssimo, que
requer um peso grande do corpo direcionado verticalmente para baixo no arco. Tocar com esse
peso no arco enquanto a mão esquerda se mantém leve, sem apertar excessivamente as cordas,
é um desafio relevante na técnica do violoncelo em geral. Fischer indica na dica 191,
Independence: light left hand, heavy right hand: “Quando o arco toca pesadamente na corda, a
pressão dos dedos da mão esquerda deve permanecer leve, isso é, o tanto de pressão nos dedos
que for necessária para um som puro, mas o menos possível”.17 Em exemplo, Fischer (2006, p.
235), descreve o passo a passo do método:

Pressione um quarto da corda com os dedos. Tocar “Forte” com o arco deve
produzir um som de assovio, de arranhar e de raspar. Mantenha os dedos da
mão esquerda leves, a mão suave e relaxada.

Pressione metade. O som será extremamente impuro. Mantenha a sensação


dos dedos igual.

Pressione três quartos. O tom será quase puro. Mantenha a sensação dos dedos
igual.

Pressione apenas o peso suficiente para um som puro, somente o estritamente


necessário para fazer as cordas tocarem o espelho. Perceba o quão suave e

17
“When the bow plays heavily into the string, the left hand finger pressure should remain light, i.e. as much
finger pressure as necessary for a pure tone but as little as possible.”
33

fácil será a sensação da mão esquerda enquanto o arco toca profundamente na


corda. 18

Fischer (2006, p. 2) defende na dica de número 3 que começar a estudar em andamento lento e
acelerar gradualmente é “um método fácil e efetivo de construir frases individuais ou passagens
completas”19 É importante que o aluno acelere gradualmente a passagem, praticando a uma
velocidade cada vez mais próxima do andamento final pretendido, e acelerando somente se os
seguintes requerimentos de afinação, sonoridade, ritmo e sensação de facilidade física estejam
cumpridos:

1. Todos os dedos caem facilmente na afinação correta.

2. Todas as notas estão limpas.

3. Todas as notas estão ritmicamente exatas.

4. A sensação da passagem é fisicamente confortável e fácil de se tocar (2006,


p. 2)20.

Existem diferentes métodos para se acelerar gradualmente o andamento. Todavia, recomenda-


se o de “começar em andamento vagaroso, confortável, e acelerar em passos tão pequenos que
não se note a diferença” por garantir que o executante seja sempre capaz de verificar se tem os
quesitos supracitados sob controle ou não.

Nesse trecho particularmente intenso e de caráter tempestuoso, o mais importante musicalmente


é a sensação harmônica geral e a intensidade do fortíssimo. O executante precisa ter
desprendimento para conciliar as habilidades previamente elucidadas com uma sensação de
desapego que permita tocar o trecho de forma correspondente a essa intensidade. É normal,
portanto, que o som adquira qualidades de timbre um pouco ríspidas ao chegar no andamento
final, decorrência natural da escrita da passagem.

18
“Quarter press the string with the fingers. Playing F with the bow should produce a loud whistling, scratching
and scraping sound. Keep the left fingers light on the string, the hand soft and relaxed.
Half press. The tone will still be extremely impure. Keep the feeling in the fingers the same.
Three quarters press. The tone will be almost pure. Keep the feeling in the fingers the same.
Just enough weight in the fingers for a pure tone, but barely enough to make the strings touch the fingerboard.
Notice how soft and easy the left hand feels while the bow plays deeply into the string”.
19
“An easy and effective way to build individual phrases or complete phrases”.
20
1. Every finger falls easily in tune. 2. Every note is clean. 3. Every note is rhythmically exact 4. The passage
feels physically comfortable and easy to play.
34

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Espera-se que o isolamento das dificuldades técnicas da Sonata op. 69 por meio da
desconstrução dos trechos em seus elementos fundamentais desenvolvido aqui seja
contribuição de grande valia para a superação destas. Espera-se também que ajude a tornar cada
vez mais acessível a interpretação satisfatória desses trechos significativos em uma obra tão
importante.

Uma importante observação é que, apesar de se tratar, com fins explicativos, dificuldades de
cada mão separadamente, todas as técnicas do violoncelo são técnicas que requerem o bom
funcionamento de ambas as mãos para seu resultado ótimo. O foco maior em determinada mão
para cada trecho foi determinado pelas dificuldades mais peculiares de cada trecho e pela
seleção de dicas disponíveis de Fischer que se encaixassem bem no contexto da sonata. Essas
foram abordadas com maior atenção, independente de qual mão se tratasse.

Apesar de adotar um escopo reduzido a trechos do primeiro movimento, a metodologia


demonstrada, sempre consistente com as dicas de Simon Fischer, pode ser replicada para
demais trechos do primeiro movimento e para os demais movimentos em trabalhos futuros de
pesquisadores interessados na confecção de um material com viés prático, com abordagem mais
didática e testado com grupos de alunos antes de sua publicação. Vale ressaltar que é aparente
que os outros movimentos, de andamento rápido e que adotam uma abordagem mais
virtuosística do instrumento, como por exemplo, passagens rápidas em posições agudas e o uso
da posição do capotasto, se apresentam notavelmente propícios ao trabalho por meio da
metodologia aqui adotada, que se faria especialmente eficaz uma vez que suas dificuldades
técnicas são mais evidentes, e, portanto, mais fáceis de isolar.

Para demais exemplos de aplicações desse método a leitores interessados, sugere-se a seguir
mais algumas das possíveis aplicações de dicas de Fischer nos demais trechos da sonata inteira:

No Allegro ma non tanto, os trechos em ad libitum, presentes nos compassos 24 e 163, podem
ser facilitados por exemplo através da dica número 3, presente na página 2, “Speeding up with
the metronome”, dica número 8, na página 7, “Fast Fingers”, e dica de número 169, página
215, “Fast Intonation”. No segundo movimento, Scherzo – Allegro molto, o trecho que abrange
os compassos 126 a 134 pode ser facilitado através, por exemplo, das dicas 128, “Memorizing
the feel of the position”, presente na página 153, e da dica 140, “Speed of Shift”, página 171.
35

No Allegro Vivace, a dica 4, “Low Fingers”, que está na página 4, a dica 197, “Placing Fingers
Gently”, página 240, e a dica 8, “Fast Fingers”, que está na página 7.

Espera-se ainda que, contando com a preciosa ferramenta que é o método Practice e os outros
materiais citados aqui, esse pequeno trabalho incentive a criatividade do leitor a buscar soluções
semelhantes por conta própria e buscar o estudo analítico e sério, não somente para o primeiro
movimento da sonata Op. 69 e os outros movimentos da sonata, mas potencialmente para
demais obras do repertório.
36

6 REFERÊNCIAS

AGMON, Eytan. The First Movement of Beethoven's Cell\\\o Sonata, Op. 69: The
Opening Solo as a Structural and Motivic Source. California: The Journal of Musicology,
1998.
BEETHOVEN, Ludwig Van. Sonaten für Violoncello. Munique: Henle Verlag, 1 partitura
(267 p.). 2008. Piano e violoncelo.
DONLEY, Thomas T. The Last Violoncello Works of Ludwig van Beethoven, Chamber
Music Quarterly, 1983.
FEUILLARD, Louis. Daily Exercises for cello, Mogúncia: Schott Music, 2007.
FISCHER, Simon. Basics: 300 exercises and practice routines for the violin, Edition Peters,
1997.
______. Practice. Londres: Peters Edition Limited, 2006.
HARNONCOURT, Nikolaus. O discurso dos sons: caminhos para uma nova compreensão
musical. Rio de Janeiro: Zahar, 1988.
MACEDO, Matheus. Assistente Digital para o estudo da afinação no Violoncelo (título
provisório), trabalho de conclusão de curso em andamento.
MUSICK, John A., Beethoven Sonata for Piano and Cello, Op. 69 in a Major: A Linear
Analysis, Columbus State University, 2009.

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