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O Conservatório Nacional Superior de

Música e Dança de Paris e a sua


importância no desenvolvimento do
repertório para clarinete em França

Prova de Aptidão Artística

Ana Beatriz Nunes Barbosa

Nº3 | 12ºG

Orientada pelo

Prof. Frederic Cardoso


2
Índice
ÍNDICE DE EXEMPLOS 5

ÍNDICE DE FIGURAS 7

AGRADECIMENTOS 9

INTRODUÇÃO 11

1. EVOLUÇÃO ORGANOLÓGICA DO CLARINETE 13

1.1. IVAN MÜLLER (1786 – 1858): CLARINETE OMNITONIQUE 15


1.2. HYACINTHE KLOSÉ (1808 – 1880): SISTEMA BOEHM 16

2. O CONSERVATÓRIO NACIONAL SUPERIOR DE MÚSICA E DE DANÇA DE PARIS 19

2.1. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA 19


2.2. CONCOURS DE PRIX 20
2.3. PRINCIPAIS PROFESSORES E CLARINETISTAS FRANCESES 22

3. UM RECITAL EM PERSPETIVA 29

3.1. SOLO DE CONCOURS (1889), DE ANDRÉ MESSAGER (1853 – 1929) 29


3.2. SONATA OP. 167 (1921), DE CAMILLE SAINT-SAËNS (1835 – 1921) 32
3.3. ANDANTE ET ALLEGRO (1881), ERNEST CHAUSSON (1855 – 1899) 38

CONCLUSÃO 43

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 45

3
4
Índice de Exemplos

Exemplo 1 – Solo de Concours, de André Messager: primeira melodia. .............................. 29


Exemplo 2 – Solo de Concours, de André Messager: segunda melodia. ............................. 29
Exemplo 3 – Solo de Concours, de André Messager: melodia do clarinete. ........................ 30
Exemplo 4 – Solo de Concours, de André Messager: Cadenza. .......................................... 30
Exemplo 5 – Solo de Concours, de André Messager: motivos rítmicos da Overture............ 31
Exemplo 6 – Solo de Concours, de André Messager: Finale. ............................................... 31
Exemplo 7 – Sonata Op. 167, de Camille Saint-Saëns: 1º andamento – Motivo
Rítmico/Melódico do Tema 1. ................................................................................................. 32
Exemplo 8 – Sonata Op. 167, de Camille Saint-Saëns: 1º andamento – Tema 1. ............... 32
Exemplo 9 – Sonata Op. 167, de Camille Saint-Saëns: desenvolvimento do Tema 1.......... 33
Exemplo 10 – Sonata Op. 167, de Camille Saint-Saëns: 1º andamento – Tema 2. ............. 33
Exemplo 11 – Sonata Op. 167, de Camille Saint-Saëns: 1º andamento .............................. 33
Exemplo 12 – Sonata Op. 167, de Camille Saint-Saëns: Final do 1º andamento. ................ 34
Exemplo 13 – Sonata Op. 167, de Camille Saint-Saëns: 2º andamento – Tema 1. ............. 34
Exemplo 14 – Sonata Op. 167, de Camille Saint-Saëns: 2º andamento – Ponte transitória 1.
................................................................................................................................................ 34
Exemplo 15 – Sonata Op. 167, de Camille Saint-Saëns: 2º andamento – Tema 2. ............. 35
Exemplo 16 – Sonata Op. 167, de Camille Saint-Saëns: 2º andamento – Final. .................. 35
Exemplo 17 – Sonata Op. 167, de Camille Saint-Saëns: 3º andamento – Início. ................. 35
Exemplo 18 – Sonata Op. 167, de Camille Saint-Saëns: 3º andamento – Segunda secção.
................................................................................................................................................ 36
Exemplo 19 – Sonata Op. 167, de Camille Saint-Saëns: 4º andamento – Início. ................. 36
Exemplo 20 – Sonata Op. 167, de Camille Saint-Saëns: 4º andamento. ............................. 37
Exemplo 21 – Sonata Op. 167, de Camille Saint-Saëns: 4º andamento – Ponte transitória.37
Exemplo 22 – Sonata Op. 167, de Camille Saint-Saëns: 4º andamento – Reexposição do
Tema 1 do 1º andamento. ...................................................................................................... 37
Exemplo 23 – Andante et Allegro, de Ernest Chausson: 1º andamento – Introdução. ......... 38
Exemplo 24 – Andante et Allegro, de Ernest Chausson: 1º andamento – Tema 1. .............. 39
Exemplo 25 – Andante et Allegro, de Ernest Chausson: 1º andamento – Ponte transitória 1.
................................................................................................................................................ 39
Exemplo 26 – Andante et Allegro, de Ernest Chausson: 1º andamento – Tema 2. .............. 39
Exemplo 27 – Andante et Allegro, de Ernest Chausson: 1º andamento – Ponte transitória 2.
................................................................................................................................................ 40
Exemplo 28 – Andante et Allegro, de Ernest Chausson: 1º andamento – Variação ao Tema
1.............................................................................................................................................. 40
Exemplo 29 – Andante et Allegro, de Ernest Chausson: 2º andamento – Primeira frase do
Tema 1. .................................................................................................................................. 40
Exemplo 30 – Andante et Allegro, de Ernest Chausson: 2º andamento – Segunda frase do
Tema 1. .................................................................................................................................. 41
Exemplo 31 – Andante et Allegro, de Ernest Chausson: 2º andamento – Tema 2. .............. 41
Exemplo 32 – Andante et Allegro, de Ernest Chausson: 2º andamento – Cadência. ........... 41
Exemplo 33 – Andante et Allegro, de Ernest Chausson: 2º andamento – parte da Coda
Final. ....................................................................................................................................... 42

5
6
Índice de Figuras

Figura 1 – Chalumeau. ..................................................................................................................... 13


Figura 2 – Clarinete em Ré de Johann Christoph Denner. ......................................................... 14
Figura 3 – Clarinete Omnitonique, de Ivan Müller. ....................................................................... 15
Figura 4 – Clarinete com a adaptação do Sistema Boehm......................................................... 17
Figura 5 – Jean Xavier-Lefèvre. ...................................................................................................... 23
Figura 6 – Hyancinthe Klosé. ........................................................................................................... 23
Figura 7 – Auguste Périer. ............................................................................................................... 25
Figura 8 – Guy Deplus. ..................................................................................................................... 26
Figura 9 – Michel Arrignon. .............................................................................................................. 27
Figura 10 – Philippe Berrod. ............................................................................................................ 28

7
8
Agradecimentos

Um grande obrigado ao meu professor e orientador, Frederic Cardoso, por toda a


dedicação e disponibilidade perante todo o processo de realização deste trabalho.

Obrigada também ao meu professor de Análise e Técnicas de Composição, André


Rodrigues, pela ajuda na análise das obras.

Por fim, agradecer aos meus familiares e amigos por todo o apoio e compreensão.

9
10
Introdução

O Conservatório Nacional Superior de Música e Dança de Paris1 é uma


instituição de reconhecido prestígio, sendo por isso uma referência à escala global.
Neste contexto, pelo facto de me identificar e apreciar bastante o repertório Francês
para clarinete, os principais objetivos deste trabalho, realizado no âmbito da Prova de
Avaliação Artística, são: partindo de uma abordagem organológica do instrumento,
pretendo aprofundar os meus conhecimentos relativamente à referida instituição, de
um ponto de vista sociocultural, os seus principais pedagogos, e a sua importância no
desenvolvimento do repertório para clarinete em França.
Neste contexto, este trabalho está dividido em três capítulos: o primeiro, é
dedicado à evolução organológica do clarinete, sendo destacados os trabalhos
realizados pelos clarinetistas e construtores Johann Christoph Denner (1655 – 1707),
Ivan Müler (1786 – 1858) e Hyancinthe Klosé (1808 – 1880); no segundo, é
contextualizado, de um ponto de vista sociocultural, o Conservatório Nacional Superior
de Música e Dança de Paris, o seu Concours de Prix2, e os seus principais pedagogos;
por fim, o terceiro, centra-se numa análise performativa do repertório que irei executar
no meu Recital de conclusão do Curso Secundário de Música, a realizar no início de
junho. São elas: o Solo de Concours (1899), para clarinete e piano, de André
Messager (1853 – 1829); a Sonata Op. 167 (1921), para clarinete e piano, de Camille
Saint-Saëns (1835 – 1921); e o Andante et Allegro (1881), para clarinete e piano, de
Ernest Chausson (1855 – 1899).

1
Sendo apresentada neste trabalho pela sua tradução portuguesa, a nomenclatura original desta
instituição é: Conservatoire Nationale Supérieur de Musique et Dance de Paris.
2
Devido à especificidade da terminologia do termo, será usado, neste trabalho, na sua língua materna.

11
12
1. Evolução Organológica do Clarinete

Tendo em conta a evolução organológica do clarinete ter sido marcada por


várias tentativas de evolução e outros desenvolvimentos que perduraram até aos dias
de hoje, muito foram os construtores e clarinetistas que contribuíram decisivamente
para que o instrumento se tornasse mais capaz técnica e musicalmente.

Desde o início da sua evolução, o clarinete teve a intervenção de


instrumentistas, compositores e luthiers/construtores que foram dando
contributos decisivos no desenvolvimento deste instrumento e do seu
repertório. As suas intervenções no instrumento foram feitas de uma forma
concertada e contribuíram para que o clarinete superasse muitas das suas
limitações (Pinto, 2006, p. 6).

O clarinete, surgiu através de um outro instrumento que existia no final do


século XVII, o Chalumeau, que, segundo Pinto (2006) “(…) no seu estado mais
primitivo, era um pequeno tubo de cana com seis orifícios, mais um para o polegar e
com uma palheta cortada na própria cana (idioglot) na extremidade superior” (pp. 6 –
7).
Figura 1 – Chalumeau.

Segundo Kurt Birsak (1991) e Anthony Baines (1991), Johann Christoph


Denner (1655 – 1707), considerado como um dos maiores construtores do seu tempo,
realizou vários aperfeiçoamentos neste instrumento em Nuremberga, na Alemanha.
Foram eles: a introdução de duas chaves de metal opostas na parte superior, uma à

13
frente, referente à nota Lá3, e outra atrás, denominada de chave de registo, que
permitiu a obtenção do registo mais agudo; foi adicionado um orifício para o dedo
mindinho da mão direita; e, foi adicionada, também, uma boquilha na qual era atada
uma palheta de cana.
De acordo com Pinto (2006), o facto do Chalumeau ser um instrumento que só
possuía duas chaves, era praticamente impossível que os músicos conseguissem
tocar alguma tonalidade que não fosse a do instrumento. Esta questão, levou a que
vários construtores, em meados do século XVIII, começassem a construir clarinetes
em quase todas as tonalidades.
Figura 2 – Clarinete em Ré de Johann Christoph Denner.

Assim, a partir deste momento, muitos foram os clarinetistas, como Joseph


Beer (1744 – 1812), Jean Xavier Lefèvre (1763 – 1829), Heinrich Joseph Baermann
(1784 – 1847), Ivan Müller (1786 – 1858) e Hyacinthe Klosé (1808 – 1880), e
construtores, como Barthold Fritz (1697 – 1766), que se importaram em tentar resolver
estas dificuldades de tocar em tonalidades diferentes. Neste sentido, nem todas as
tentativas de evolução tiveram sucesso, porém, a todos eles devemos o clarinete que
conhecemos hoje em dia (Pinto, 2006).
Assim,, devido à importância que tiveram, neste trabalho serão destacados os
trabalhos desenvolvidos por Ivan Müller (1786 – 1858) e Hyacinthe Klosé (1808 –
1880). Como refere Pinto (2006): “As repercussões dos seus trabalhos fazem-se sentir

14
ainda hoje, pois os dois clarinetes mais usados, francês e alemão, são resultado do
seu esforço no desenvolvimento do instrumento” (pp. 13 – 14).

1.1. IVAN MÜLLER (1786 – 1858): CLARINETE OMNITONIQUE

Ivan Müller (1786 – 1858), clarinetista, compositor e construtor germano –


estónio, fez, em 1809, o seu primeiro recital com um clarinete inteiramente
idealizado/construído por si. Este, composto por treze chaves, permitia ao intérprete
tocar em todas as tonalidades, sendo por isso denominado de Clarinete Omnitonique,
apresentado na figura 3.

Figura 3 – Clarinete Omnitonique, de Ivan Müller.

Segundo Pinto (2006), este instrumento apresentava as seguintes


especificidades:

A forma como Müller construiu as chaves, a sua disposição e abertura e ainda


as novas sapatilhas que lhe colocou, foram as grandes melhorias que introduziu
ao clarinete. O seu desenho dos orifícios para as sapatilhas vedarem melhor,
também era novidade e melhorou em muito a eficácia do instrumento. Isto
resume-se a uma melhor relação chave/sapatilha/orifício, que veio permitir uma
técnica mais sólida, não só ao nível dos dedos mas sobretudo da emissão
sonora (Pinto, 2006, p. 14).

15
De acordo com Brymer (1990), em 1812, este instrumento seria apresentado a
uma Comissão Examinadora do Conservatório Nacional Superior de Música e Dança
de Paris. Porém, devido ao facto de se acreditar que cada instrumento tinha a sua
própria sonoridade e caráter, este clarinete acabaria por não ser aceite. Neste
contexto, Hoeprich (2008) refere que: “Os nossos clarinetes de diferentes tamanhos
produzem sons diferentes; desta forma o clarinete em Dó tem um som brilhante e vivo;
o clarinete em Si bemol soa triste e majestoso; o clarinete em Lá soa “pastoral”3 (p.
136). Por sua vez, Pinto (2006) defende que este pensamento era, também, partilhado
por vários compositores que, continuavam a escrever, da forma tradicional, para os
clarinetes de tonalidades diferentes.
Neste contexto, apesar do clarinete Omnitonique de Ivan Müller (1786 – 1858)
ter sido rejeitado pela comissão examinadora do Conservatório, vários foram os
construtores que se interessaram em tentar desenvolver este instrumento,
nomeadamente Hyacinthe Klosé (1808 – 1880).

1.2. HYACINTHE KLOSÉ (1808 – 1880): SISTEMA BOEHM

Como referido anteriormente, para além do clarinete Omnitonique de Ivan


Müller (1786 – 1858), destaca-se também o trabalho do clarinetista francês
Hyancinthe Klosé (1808 – 1880), que, juntamente com a colaboração do construtor
francês Louis-Auguste Buffet (1789 – 1864), adaptou o Sistema Boehm, da flauta
transversal, ao clarinete. De acordo com Pinto (2006):

Em conjunto, Klosé e Buffet melhoraram o mecanismo do clarinete de treze


chaves, aplicando-lhe o princípio das anilhas móveis de Boehm. O resultado
desta adaptação foi permitir que os dedos pudessem fechar orifícios fora do
seu alcance, pelo que esses mesmos orifícios não precisavam de ser mais
pequenos ou construídos de acordo com a estrutura da mão (Pinto, 2006, p.
17).

Segundo Viana (2017), com a adaptação deste sistema ao clarinete, este


tornou-se muito semelhante ao instrumento que conhecemos hoje em dia, com

3
Texto original: Our clarinets of different sizes produce different sounds; in this way the C clarinet has
a brilliant and lively sound; the B flat clarinet sounds sad and majestic; the A clarinet sounds “pastoral”
(Hoeprich, 2008, p. 136).

16
dezassete chaves e seis anilhas que controlam 24 orifícios, como se pode verificar na
figura 4.

Figura 4 – Clarinete com a adaptação do Sistema Boehm.

Com efeito, não restam dúvidas de que as vantagens da adaptação deste novo
sistema são imensas, tanto do ponto de vista técnico, como sonoro. Neste contexto,
Pinto (2006) refere que:

(…) agora há posições que permitem obter essas mesmas notas de uma forma
mais fácil. As notas si3, dó4 e dó#4 passaram a poder ser tocadas com os 5ºs
dedos, tanto da mão esquerda com da direita, duplicando assim as
possibilidades de dedilhações. Desta maneira pôde-se evitar o deslizar dos
dedos em muitas passagens (como ainda acontece no saxofone, por exemplo)
e sobre essas notas passaram a ser possíveis os trilos (Pinto, 2006, p. 18).

Em suma, com o número de chaves a aumentar, é certo que os recursos


técnicos do clarinete também evoluíram. Paralelamente a esta evolução, o repertório
para o clarinete desenvolveu-se de uma forma assinalável.

17
18
2. O Conservatório Nacional Superior de Música e de
Dança de Paris

2.1. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA

De acordo com Lattimore (1987): “O Conservatório de Música de Paris foi


formado através da crença de que a música poderia facilitar a elevação da moral na
sociedade”4 (p. xi). Esta mensagem, baseada na filosofia revolucionária de Jean-
Jacques Rousseau (1712 – 1778), importante filósofo, teórico e compositor francês,
foi proferida no discurso do político francês Joseph-Marie Chénier (1764 – 1811), em
1793, para o Instituto Nacional da Música. Este, viria a exercer uma grande influência
sobre Bernardo Sarrette (1765 – 1858), músico militar francês, o responsável pela
criação e administração do Conservatório (Lattimore, 1987).
Fundado em 1795, a nomenclatura do Conservatório Nacional Superior de
Música e Dança de Paris foi sofrendo ao longo do tempo várias alterações, fruto da
luta pelo poder entre a República e a Monarquia Francesa (Viana, 2017), como se
pode verificar na tabela seguinte:

Tabela 1 – Conservatório Nacional Superior de Música e Dança de Paris: Nomenclatura e Espaço


Temporal.

Nomenclatura Espaço Temporal


Conservatoire de Musique 1795 a 1806
Conservatoire de Musique et de Déclamation 1806 a 1815
École Royale de Musique et de Déclamation 1816 a 1831
Conservatoire de Musique 1831 a 1836
Conservatoire Nationale de Musique et de Déclamation 1836 a 1938
Conservatoire Nationale Supérieur de Musique de Paris 1938 a 2009
Conservatoire Nationale Supérieur de Musique et Dance de Paris 2009 ao Presente

Segundo Viana (2017), o estadista e líder militar francês Napoleão Bonaparte


(1769 – 1821), durante o seu império (1804 – 1814), foi um dos grandes apoiantes
desta instituição, tendo contribuído financeiramente para a construção de uma
biblioteca, em 1801, e de uma sala de concertos, em 1811.

4
Texto original: The Paris Conservatory of Music was formed through the belief that music could
facilitate the uplift of morale in society (Lattimore, 1987, p. xi).

19
Por sua vez, Lattimore (1987) defende que o Conservatório Nacional Superior
de Música e Dança de Paris, para além de ser considerado uma das instituições mais
antigas, no que ao ensino da música diz respeito, foi uma referência para a maioria
dos Conservatórios que surgiram posteriormente. Neste contexto, na sua fundação,
contava com um quadro efetivo de cento e quinze professores, que na sua maioria
faziam parte da Banda de Música da Guarda Nacional5, e seiscentos alunos.
Assim sendo, segundo Viana (2017), era realizado o Concours de Prix, a seguir
apresentado, concurso onde os estudantes competiam entre si pelo direito de se
formarem no Conservatório.

2.2. CONCOURS DE PRIX

Tendo-se realizado pela primeira vez a 24 de outubro de 1797, Britton (2014)


refere que o Concours de Prix se tornou uma tradição anual, porém, após a queda de
Napoleão Bonaparte (1769 – 1821), dando início à Restauração Francesa, ficou
temporariamente suspenso, sendo restabelecido em 1818. No entanto, de acordo com
Walker (2014), em tempos de guerra, este seria sempre suspenso temporariamente,
sendo à posteriori retomado no final de cada ano letivo.
Sendo uma competição em que os alunos de cada classe competiam entre si
pelo direito de se formar no final do seu ciclo de estudos, no Concours de Prix eram
atribuídas quatro categorias de prémios: o Premier Prix (Primeiro Prémio), o Deuxième
Prix (Segundo Prémio), o Premier Accessit (Primeira Menção Honrosa) e o Deuxième
Accessit (Segunda Menção Honrosa) (Britton, 2014). De acordo com Walker (2014),
apesar de à época apenas um aluno por instrumento se formar, esta prática já não se
encontra em vigor. Sobre esta mudança, Viana (2017) refere o seguinte:

(...) não é conhecido ao certo a data da mudança desta prática, pois relaciona-
se com a implementação da Declaração de Bolonha, tratando-se de um
processo de reforma intergovernamental a nível europeu e que visa a
uniformização do Espaço Europeu de Ensino Superior (p. 6).

5
Texto original: La Musique de la Garde Nationale.

20
De acordo com Fletcher (1988), apesar dos vencedores do Premier Prix no
Concours de Prix se formarem, estes eram também agraciados com certos bens
materiais. Neste contexto, Viana (2017) refere que:

(...) no primeiro Concours, os alunos receberam como prémio partituras e


instrumentos. Em 1800, foram dados instrumentos aos vencedores do Premier
prix, enquanto que os vencedores do Deuxième Prix receberam partituras. Em
1817, os vencedores do Premier Prix receberam um novo instrumento ou
alternativamente um prémio monetário de 100 francos. Em 1892, os
vencedores foram galardoados com medalhas de prata e diplomas. Hoje em
dia já não é atribuído qualquer tipo de prémio, sendo apenas valorizado o mérito
(p. 7).

Segundo Cohler (2008), numa fase inicial, o Concours de Prix consistia na


execução de uma obra, o Morceau de Concours6, sendo esta composta pelo professor
de instrumento. No entanto, a partir de 1897, o Ministério da Educação Francês, em
conjunto com a direção do Conservatório, passou a encomendar obras a compositores
franceses, mantendo-as completamente confidenciais até dois meses antes desta
competição acontecer. Neste contexto, o clarinetista José Viana (n. 1992), no âmbito
da sua Tese de Mestrado intitulada A Escola Francesa de Clarinete (2017), refere que
o clarinetista francês Florent Héau (n. 1968) define estas obras como muito completas,
exigindo ao intérprete uma maturidade técnica e musical bastante desenvolvidas
(Viana, 2017).

Por ser uma peça de competição, a peça é tecnicamente exigente e requer uma
base técnica sólida. A aprendizagem tradicional em França, com escalas e
estudos, prepara bem tecnicamente os estudantes”7 (Entrevista de Florent
Héau para a tese de mestrado de José Viana Escola Francesa de Clarinete,
2017, p. 43).

As provas do Concours de Prix eram públicas e, por isso, o número de bilhetes


limitado. O júri era constituído por professores do Conservatório e algumas
personalidades convidadas, tendo esta prática sido prolongada até aos dias de hoje
(Viana, 2017).

6
Obra imposta do Concours de Prix.
7
Texto original : Puisqu’il s’agit d’un morceau de concours, la pièce est techniquement exigeante et
requiert des bases techniques solides. L’apprentissage traditionnel en France, avec gammes et études,
prépare bien les élèves sur le plan technique (Entrevista de Florent Héau para a tese de mestrado de
José Viana Escola Francesa de Clarinete, 2017, p. 43).

21
2.3. PRINCIPAIS PROFESSORES E CLARINETISTAS FRANCESES

De acordo com Viana (2017), uma das mais prestigiadas classes de clarinete
surgiu com a fundação do Conservatório Nacional Superior de Música e Dança de
Paris. Neste, lecionaram muitos dos grandes pedagogos e clarinetistas dos séculos
XVIII, XIX, XX e XXI, como se pode verificar na tabela a seguir apresentada:

Tabela 2 – Pedagogos do Conservatório Nacional Superior de Música e Dança de Paris: Nome e


Período de Lecionação.

Nome Período de Lecionação


Jean Xavier Lefèvre (1763 – 1829) 1795 a 1824
Louis Lefèvre (1773 – 1833) 1824 a 1831
Frédéric Berr (1794 – 1838) 1831 a 1838
Hyacinthe Klosé (1808 – 1880) 1838 a 1868
Adolphe Leroy (1827 – 1880) 1868 a 1876
Cyrille Rose (1830 – 1902) 1876 a 1900
Charles Turban (1845 – 1905) 1900 a 1905
Prosper Mimart (1858 – 1928) 1905 a 1919
August Périer (1883 – 1947) 1919 a 1947
Ulysse Delécluse (1907 – 1995) 1947 a 1977
Guy Deplus (1924 – 2020) 1977 a 1989
Michel Arrignon (n. 1948) 1989 a 2009
Pascal Moraguès (n. 1963) Desde 1995
Philippe Berrod (n. 1965) Desde 2011

Neste contexto, sendo todos os pedagogos acima mencionados importantes


para a evolução técnica e musical da Escola Francesa do Clarinete, ao longo de mais
de dois séculos, destacarei de seguida os seguintes: Jean Xavier Lefèvre (1763 –
1829), Hyancinthe Klosé (1808 – 1880), Cyrille Rose (1830 – 1902), Auguste Périer
(1883 – 1947), Guy Deplus (1924 – 2020), Michel Arrignon (n. 1948) e Philippe Berrod
(n. 1965).

Jean Xavier Lefèvre (1763 – 1829), para além de ter sido o primeiro pedagogo
no Conservatório Nacional Superior de Música e Dança de Paris, foi ainda clarinetista
na Banda de Música da Guarda Nacional e na Orquestra Nacional da Ópera de Paris8.

8
Texto original: Orchestre de l'Opéra National de Paris.

22
Figura 5 – Jean Xavier-Lefèvre.

Enquanto compositor, compôs doze Sonatas, vários Concertos para clarinete e


orquestra, e Métodos que perduraram até aos dias de hoje, tais como: Soixante
Exercices pour Clarinette (1784) e o Méthode de Clarinette (1802). Este, segundo o
clarinetista brasileiro Eduardo Filippe de Lima (s/d), de todos os seus métodos, é o
que mais se destaca por ser o mais completo técnica e musicalmente (Lima, 2019).

Hyancinthe Klosé (1808 – 1880), para além de ter sido pedagogo no


Conservatório Nacional Superior de Música e Dança de Paris, entre 1838 e 1868, foi
muito importante, tal como referido anteriormente, na adaptação do Sistema Boehm
no clarinete, juntamente com Louis-Auguste Buffet (1789 – 1864). Foi ainda
clarinetista no 6ème Régiment de la Garde Royale e, enquanto compositor, compôs
vários métodos, como por exemplo: Méthode Complète (1843), 14 Études pour la
Clarinette (1877) e 20 Characteristic Studies for Clarinet (1971).

Figura 6 – Hyancinthe Klosé.

23
O clarinetista brasileiro Eduardo Filippe de Lima (s/d), na sua Tese de Mestrado
intitulada O Ensino da Clarineta em Nível Superior: materiais didáticos e o
desenvolvimento técnico-interpretativo do clarinetista (2019), considera o Méthode
Complète (1843) como o mais famoso de Hyancinthe Klosé (1808 – 1880) e, também,
um dos mais usados, como base, na aprendizagem do clarinete (Lima, 2019). Defende
ainda que, os 20 Characteristic Studies for Clarinet (1971), é um método direcionado
para alunos do Ensino Superior, devido ao facto de serem mais desenvolvidos
tecnicamente e com uma duração mais longa, o que exige uma estabilidade e
resistência da embocadura.
Para além dos métodos, referidos anteriormente, Hyancinthe Klosé (1808 –
1880) compôs inúmeras obras para clarinete. Muitas delas, foram obras impostas no
Concours do Conservatório, estando apresentadas na tabela 3.

Tabela 3 – Obras impostas no Concours de Prix, compostas por Hyancinthe Klosé.

Morceau de Concours Ano de execução no Concours


Première Solo, Op. 9 1841 e 1850
2ᵉ Solo, Op. 10 1840
Concerto 1841
Air Varié 1842, 1843 e 1849
3ᵉ Solo, op. 13 1844 e 1874
4ᵉ Air Varié, Op. 12 1845, 1855 e 1872
5ᵉ Solo, Op. 15 1846, 1852, 1855 e 1859
Solo Bolero 1847
3ᵉ Air Varié, Op. 11 1848
7ᵉ Solo, Op. 17 1851
8ᵉ Solo, Op. 19 1853 e 1858
9ᵉ Solo, Op. 25 1854, 1857, 1861, 1865 e 1885
6ᵉ Solo, Op. 16 1856 e 1867
10ᵉ Solo 1860, 1863 e 1892
11ᵉ Solo, Op. 28 1862, 1866, 1875, 1876 e 1895
12ᵉ Solo 1864
5ᵉ Air Varié 1868
2ᵉ Solo 1870

Cyrille Rose (1830 – 1902), um importante clarinetista Francês, foi professor


de diversos clarinetistas, como Paul Jeanjean (1874 – 1928) e Louis Cahuzac (1880
– 1960), e ocupou, durante vários anos, o lugar de clarinete solo na Orquestra
Nacional da Ópera de Paris.
Enquanto compositor, compôs vários métodos de estudo que, ainda hoje, são
utilizados pelos clarinetistas, tais como: 32 Etudes for Clarinet (1910) e 40 Etudes for

24
Clarinet (1913). De acordo com o clarinetista Mário Jorge Apolinário (n. 1990), na sua
Tese de Mestrado intitulada A Influência do Manual de Estudos na Aprendizagem do
Clarinete (2016), o método 32 Etudes for Clarinet (1913) trabalha essencialmente as
dinâmicas, através de estudos mais lentos, com alguma complexidade rítmica, e a
articulação, através estudos com um andamento mais rápidos. Por sua vez, o método
40 Etudes for Clarinet (1910) assemelha-se ao anterior, no sentido em que trabalha,
especialmente, as dinâmicas e a articulação, só que num grau mais avançado, não só
tecnicamente, como numa questão de leitura (Apolinário, 2002).
A si, foram-lhe dedicadas duas obras, a Première Fantaisie (1897), de Georges
Marty (1860 – 1908), e a Fantaisie de Augusta Mary Anne Holmès (1847 – 1903).

Auguste Périer (1883 – 1947), foi clarinetista principal na Opéra-Comique9.


Segundo Viana (2017), para o clarinetista francês Florent Héau (n. 1958), este era
conhecido pela sua técnica brilhante, excelente stacatto, e por ser responsável por
vários métodos ainda hoje estudados.
Figura 7 – Auguste Périer.

Enquanto intérprete foram-lhe dedicadas algumas obras, como: o Concertino


(1920), de Gabriel Grovlez (1879 – 1944); a Sonata Op. 167 (1921), para clarinete e
piano, de Camille Saint-Saëns (1835 – 1921); o Andante-Scherzo (1931), para
clarinete e piano, de Paul Pierné (1874 – 1952); e o Concerstück (1946), para clarinete
e piano, de Raymond Gallois-Montbrun (1918 – 1994).

9
Significa, em Português, Ópera Cómica. Caracteriza-se como sendo cenas cantadas, intercaladas
com diálogos falados, onde se aborda, por exemplo, o quotidiano.

25
Paralelamente, enquanto compositor, compôs alguns métodos, como por
exemplo: 22 Études Modernes (1930), 20 Études de virtuosité (1932), 331 Exercices
Journaliers de Mécanisme (1932) e 20 Études Faciles et Progressives (1935).

Guy Deplus (1924 – 2020), também clarinetista Francês, ocupou durante


muitos anos o lugar de clarinetista solo na Orquestra Nacional da Ópera de Paris e,
fundou, juntamente com o compositor francês Pierre Boulez (1925 – 2016), o Domaine
Musical10.
Figura 8 – Guy Deplus.

Enquanto intérprete, Guy Deplus (1924 – 2020), teve algumas obras a si


dedicadas, estreando muitas delas, como por exemplo: Oiseaux Exotiques (1955),
para piano e ensemble, de Olivier Messiaen (1908 – 1992); Solfeggietto nº5 (1974),
para clarinete solo, de Claude Ballif (1924 – 2004); For Clarinet (1974), para clarinete
solo, de Marius Constant (1925 – 2004); e Flammes (1978), para clarinete solo, de
János Komives (1932 – 2005).
Do ponto de vista organológico, contribuiu, juntamente com outros clarinetistas,
em cooperação com a Buffet Crampon11, para o desenvolvimento de vários modelos
de clarinete, como: RC Prestige, Festival e Tosca.

10
Ciclo de Concertos dedicados à criação musical contemporânea, que esteve ativo entre 1954 e 1973.
Nestes, eram apresentadas obras de vários compositores, como: John Cage (1912 – 1992), Luciano
Berio (1925 – 2003), Olivier Messiaen (1908 – 1992), Pierre Boulez (1925 – 2016), entre outros.
11
A Buffet Crampon, é uma empresa francesa especializada na construção de instrumentos e, a mais
conceituada mundialmente no mercado da produção de clarinetes com o Sistema Boehm, fundada a
1825.

26
Michel Arrignon (n. 1948), enquanto pedagogo no Conservatório Nacional
Superior de Música e Dança de Paris, entre 1989 e 2009, formou alguns dos
clarinetistas mais importantes do século XXI, como Florent Héau (n. 1958), Nicolas
Baldeyrou (n. 1979) ou Olivier Patey (n. 1981).

Figura 9 – Michel Arrignon.

Enquanto intérprete, foi fundador do Olivier Messiaen Quartet, cofundador e


parte integrante, durante 7 anos, do Ensemble Intercontemporain12, clarinete solo na
Orquestra Nacional da Ópera de Paris, e trabalhou diretamente com alguns dos mais
importantes compositores do século XX, contribuindo dessa forma para o
enriquecimento do repertório do clarinete.
À semelhança de Guy Deplus (1924 – 2020), colaborou com a Buffet Crampon
no desenvolvimento de vários modelos de clarinete, como: Festival, Tradition e Tosca.

Philippe Berrod (n. 1965), é pedagogo no Conservatório Nacional Superior de


Música e Dança de Paris desde 2011, tendo já formado alguns dos clarinetistas mais
proeminentes da nova geração, como Raphaël Sévère (n. 1994).

12
Fundado em 1976, pelo compositor Pierre Boulez (1925 – 2016), o Ensemble Intercontemporain está
sedeado em Paris, sendo dedicado à música contemporânea.

27
Figura 10 – Philippe Berrod.

Enquanto intérprete, foi clarinetista solo na Orquestra da Bretanha13 e, também,


clarinete baixo solo na Orquestra Filarmónica da Rádio França14. Desde 1995, é
clarinetista solo na Orquestra de Paris15.
Do ponto de vista organológico é, desde 2010, consultor artístico do fabricante
francês de instrumentos de sopro, Henri Selmer Paris16.

13
Texto original: Orchestre de Bretagne.
14
Texto original: Orchestre Philharmonique de Radio France.
15
Texto original: Orchestre de Paris.
16
Fundada em 1885, a Henri Selmer Paris é uma empresa francesa dedicada à produção de
instrumentos de musicais.

28
3. Um Recital em perspetiva

3.1. Solo de Concours (1889), de André Messager (1853 – 1929)

André Messager
Nasceu a 30 de dezembro de 1853 e faleceu a 24 de fevereiro de 1929, em
Montluçon, França.
Maestro, organista, pianista e compositor.

Solo de Concours
Sem dedicatória.
Composto para o Concours de Prix do Conservatório Nacional Superior de
Música e Dança de Paris.
Estrutura da obra: Overture, Ballet, Cadenza, Transition, Finale.

A obra começa com a Overture. Esta secção, divide-se em duas melodias


distintas. A primeira melodia, como se vê no exemplo 1, usa o ritmo de dois pontos de
aumentação, que ajuda no apoio e enfatização do tempo forte, algo característico da
Abertura Francesa.

Exemplo 1 – Solo de Concours, de André Messager: primeira melodia.

A segunda melodia, representada no exemplo 2, é mais lenta e tranquila. Está


marcado, na partitura, um caráter cantabile, estabelecendo-se, sem dúvida, um
momento contrastante face à melodia inicial.

Exemplo 2 – Solo de Concours, de André Messager: segunda melodia.

29
Seguidamente, verifica-se a secção Ballet. O clarinete, apresenta uma melodia
simples enquanto é acompanhado por acordes do piano. Posteriormente, o piano
assume a melodia do clarinete com algumas variações e este acompanha-o com uma
sequência de sextinas, como se observa no exemplo 3.

Exemplo 3 – Solo de Concours, de André Messager: melodia do clarinete.

Após esta secção, segue-se a Cadenza, representada no exemplo 4, onde o


clarinetista demonstra o seu virtuosismo em diversas passagens, sendo elas
compostas e pensadas de acordo com os padrões naturais dos dedos e da digitação
do instrumento.

Exemplo 4 – Solo de Concours, de André Messager: Cadenza.

Depois da Cadenza, existe uma secção onde se retoma alguns motivos rítmicos
da Overture, evidenciada no exemplo 5.

30
Exemplo 5 – Solo de Concours, de André Messager: motivos rítmicos da Overture.

Por fim, a obra termina com o Finale, uma secção bastante exigente e rápida
para o clarinete, acompanhada por simples acordes do piano, como é possível
observar no exemplo 6.

Exemplo 6 – Solo de Concours, de André Messager: Finale.

Em suma, de facto, é possível perceber a importância da Ópera na construção


desta obra de André Messager (1853 – 1929), estando todas as secções
apresentadas bem estruturadas e interligadas entre si. Neste contexto, Wrigth (2015)
defende que esta obra demonstra o estilo muito próprio do compositor, definindo-a
como única à sua maneira.

31
3.2. Sonata Op. 167 (1921), de Camille Saint-Saëns (1835 – 1921)

Camille Saint-Saëns
Nasceu 9 de outubro de 1885, em Paris, e faleceu a 16 de dezembro de
1921, em Argel.
Maestro, organista, pianista e compositor.

Sonata Op. 167


Dedicatória: Auguste Périer (1883 – 1947).
Estrutura da obra: Primeiro andamento, Allegreto; Segundo andamento,
Allegro Animato; Terceiro andamento, Lento; e, Quarto andamento, Molto
Allegro.

Primeiro andamento – Allegreto:

A obra começa com uma pequena introdução de oitavas no piano e com um


motivo rítmico/melódico no clarinete, que serve de ponto de partida para o tema 1,
como se pode observar no exemplo 7 e 8.

Exemplo 7 – Sonata Op. 167, de Camille Saint-Saëns: 1º andamento – Motivo


Rítmico/Melódico do Tema 1.

Exemplo 8 – Sonata Op. 167, de Camille Saint-Saëns: 1º andamento – Tema 1.

Com o decorrer do andamento, este tema vai-se desenvolvendo e


transformando em melodias mais longas, criando-se momentos de maior tensão, tal
se constata no exemplo 9.

32
Exemplo 9 – Sonata Op. 167, de Camille Saint-Saëns: desenvolvimento do Tema 1.

Seguidamente, inicia-se um novo tema, o Tema 2, que consite em movimentos


melódicos descendentes com a omissão de algumas notas da escala, como se pode
observar no exemplo 10.

Exemplo 10 – Sonata Op. 167, de Camille Saint-Saëns: 1º


andamento – Tema 2.

Esta linha melódica repete-se com alguma frequência, sendo alvo de ligeiras
variações, como, por exemplo, o uso de ornamentos, como se pode observar no
exemplo 11. Na mudança de compasso para 9/8, estabelece-se uma quebra para uma
secção diferente, onde se verifica a presença de pequenas partes das melodias
anteriores, juntamente com outros motivos.

Exemplo 11 – Sonata Op. 167, de Camille Saint-Saëns: 1º andamento

Em seguida, existe uma leve retoma ao tema inicial, onde se repete fragmentos
do mesmo, que de forma suave precede o fim deste andamento, como se pode
observar no exemplo 12.

33
Exemplo 12 – Sonata Op. 167, de Camille Saint-Saëns: Final do 1º andamento.

Segundo andamento – Allegro Animato:

Este andamento inicia-se com um curto tema, representado no exemplo 13. Na


partitura tem marcado Allegro animato, estabelecendo-se, assim, um momento mais
divertido.

Exemplo 13 – Sonata Op. 167, de Camille Saint-Saëns: 2º andamento – Tema 1.

Depois de apresentado, este tema é desenvolvido por meio de passagens


arpejadas. Posteriormente, verifica-se uma série de semínimas e colcheias que
preparam uma passagem para um novo tema, o Tema 2, funcionando como uma
ponte transitória, representada no exemplo 14.

Exemplo 14 – Sonata Op. 167, de Camille Saint-Saëns: 2º andamento – Ponte transitória


1.

Exemplo 13 – Segundo andamento, Sonata Op. 167, de Camille Saint-Saëns

O segundo tema, como é possível observar no exemplo 15, baseia-se em


intervalos de 12ª, seguidos de escalas em tercinas.

34
Exemplo 15 – Sonata Op. 167, de Camille Saint-Saëns: 2º andamento – Tema 2.

Este andamento termina com o arpejo de sol menor, como se observa no


exemplo 16, que, ta como está marcado na partitura, deve ser tocado stacattissimo.

Exemplo 16 – Sonata Op. 167, de Camille Saint-Saëns: 2º andamento – Final.

Terceiro andamento – Lento:

O terceiro andamento é mais lento da sonata e, o, tecnicamente, mais


acessível. Pode ser dividido em duas partes, começando a primeira secção na
dinâmica Forte e, no registo mais grave do clarinete, como se verifica no exemplo 17.

Exemplo 17 – Sonata Op. 167, de Camille Saint-Saëns: 3º andamento – Início.

Após esta secção é introduzida uma outra, muito suave, em pianíssimo e, no


registo agudo do clarinete, com exatamente as mesmas notas, mas duas oitavas
acima, como está evidente no exemplo 18.
Esta segunda secção, pode ser considerada a mais desafiante de toda a obra,
visto que é exigido ao intérprete um grande controlo sonoro no registo agudo do
clarinete.

35
Exemplo 18 – Sonata Op. 167, de Camille Saint-Saëns: 3º andamento – Segunda secção.

Quarto andamento – Molto Allegro:

Este andamento inicia-se sem qualquer pausa, com trémulos no piano.


Posteriormente, entra o clarinete com uma rápida melodia de semicolcheias,
representada no exemplo 19, que, tal como marca na partitura, deve ser executada
num andamento Molto Allegro.

Exemplo 19 – Sonata Op. 167, de Camille Saint-Saëns: 4º andamento – Início.

A dado momento, a peça começa a ficar, progressivamente, mais calma, como


se pode observar no exemplo 20, mas, rapidamente, retorna a momentos de grande
tensão e rapidez.

36
Exemplo 20 – Sonata Op. 167, de Camille Saint-Saëns: 4º andamento.

Já quase no final da obra, verifica-se uma pequena transição, representada no


exemplo 21, retomando-se, completamente, o início do primeiro andamento (exemplo
22), que perdura até ao seu término.

Exemplo 21 – Sonata Op. 167, de Camille Saint-Saëns: 4º andamento – Ponte transitória.

Exemplo 22 – Sonata Op. 167, de Camille Saint-Saëns: 4º andamento –


Reexposição do Tema 1 do 1º andamento.

37
3.3. Andante et Allegro (1881), Ernest Chausson (1855 – 1899)

Ernest Chausson
Nasceu a 20 de janeiro de 1855, em Paris, e faleceu a 10 de junho de
1899, em Limay.
Compositor.

Andante et Allegro
Dedicatória: Sem dedicatória.
Estrutura da obra: Primeiro andamento, Lent; e segundo andamento,
Allegro assai.

Primeiro andamento – Lent:

Esta obra começa com uma introdução, onde o piano e o clarinete dialogam
entre si, tal como é possível observar no exemplo 23.

Exemplo 23 – Andante et Allegro, de Ernest Chausson: 1º andamento – Introdução.

Seguidamente, inicia-se o Tema 1, que deve ser executado num caráter


bastante calmo e tranquilo, porém, à medida que se desenvolve, vão-se criando
momentos de tensão e distensão (exemplo 24).

38
Exemplo 24 – Andante et Allegro, de Ernest Chausson: 1º andamento – Tema 1.

Depois desta secção, é realizada uma ponte transitória por parte do piano
(exemplo 25), que marca a transição para o Tema 2. Este novo tema, representado
no exemplo 26, com a indicação de tempo Plus Vite, estabelece um ambiente
contrastante face ao primeiro tema apresentado.

Exemplo 25 – Andante et Allegro, de Ernest Chausson: 1º andamento – Ponte transitória 1.

Exemplo 26 – Andante et Allegro, de Ernest Chausson: 1º andamento – Tema 2.

Seguidamente, é realizada uma outra ponte transitória, representada no


exemplo 27, que marca a transição para uma variação ao Tema 1 (exemplo 28).

39
Exemplo 27 – Andante et Allegro, de Ernest Chausson: 1º andamento – Ponte transitória 2.

Exemplo 28 – Andante et Allegro, de Ernest Chausson: 1º andamento – Variação ao Tema 1.

Segundo andamento – Allegro assai:

Este andamento, com a indicação de tempo Allegro assai, deve ser executado
com um caráter enérgico. Inicia-se com um grande tema, que se encontra dividido em
duas frases, representadas nos exemplos 29 e 30.

Exemplo 29 – Andante et Allegro, de Ernest Chausson: 2º andamento –


Primeira frase do Tema 1.

40
Exemplo 30 – Andante et Allegro, de Ernest Chausson: 2º andamento –
Segunda frase do Tema 1.

Seguidamente, é realizada uma ponte transitória que marca a passagem para


um tema contrastante, isto é, mais calmo, o Tema 2, representado no exemplo 31.

Exemplo 31 – Andante et Allegro, de Ernest Chausson: 2º andamento – Tema 2.

Depois disto, são realizados alguns desenvolvimentos e variações rítmicas e


melódicas dos dois temas apresentados, até se chegar a um momento mais virtuoso,
isto é, uma espécie de cadência, como se pode observar no exemplo 32.

Exemplo 32 – Andante et Allegro, de Ernest Chausson: 2º andamento – Cadência.

41
Por fim, verifica-se uma grande Coda Final. Esta, contém uma secção bastante
contrastante e virtuosa (exemplo 33), bem como alude, mais uma vez, a motivos dos
temas anteriormente apresentados.

Exemplo 33 – Andante et Allegro, de Ernest Chausson: 2º andamento – parte da Coda Final.

42
Conclusão

Após a realização deste trabalho é possível concluir que muitos foram os


fatores que contribuíram para o desenvolvimento do repertório em França.
Neste contexto, em relação à organologia do clarinete, verificou-se que graças
ao exímio trabalho prestado por clarinetistas e construtores, como Johann Christoph
Denner (1655 – 1707), Ivan Müller (1786 – 1858) e Hyacinthe Klosé (1808-1880)
conseguiram-se melhoramentos notórios tanto ao nível da digitação e técnica como
ao nível da sonoridade do instrumento.
Em relação ao Conservatório Nacional Superior de Música e Dança de Paris,
sendo o Concours e os pedagogos partes integrantes do mesmo, também eles,
contribuíram no desenvolvimento do repertório, uma vez que a cada ano se compunha
uma obra para esta competição, sendo de salientar que até ao ano de 1987 as obras
impostas para o Concours eram compostas pelos professores (Viana, 2017). Neste
sentido, o repertório para clarinete desenvolveu-se naturalmente tanto em quantidade
como em qualidade, uma vez que os recursos técnicos e musicais dos instrumentistas
aumentaram, devido às transformações e melhoramentos realizados no instrumento,
com o passar dos anos.
Para além disto, com a análise das obras que irei interpretar no Recital Final,
fiquei a conhece-las melhor formal e contextualmente, o que, sem qualquer dúvida,
me influenciou musicalmente na interpretação que, atualmente, tenho das mesmas.
Com a realização desta Prova de Aptidão Artística posso, efetivamente, afirmar
que este trabalho contribuiu intensivamente para a minha forma de ver e interpretar a
música Francesa para clarinete, bem como me deu a conhecer, de uma forma mais
exaustiva, a organologia do meu instrumento e, todo o seu processo de
desenvolvimento até aos dias de hoje.

43
44
Referências Bibliográficas

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Clarinete (Tese de Mestrado). Castelo Branco: Escola Superior de Artes
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