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O Concerto nº1 em Fá Maior, para Clarinete

Orquestra, de Carl Stamitz e a sua


importância para o estudo do Clarinete

Prova de Aptidão Artística

Emanuel Gonçalo Nunes Garcês

Nº7 | 12ºF

Orientada pelo

Prof. Frederic Cardoso


Agradecimentos
Índice

INTRODUÇÃO 4

1. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA 5

1.1. O Período Clássico e as suas principais características 5

1.2. Movimentos Revolucionários no Período Clássico 6


1.2.1. Iluminismo 6
1.2.2. Revolução Americana 7
1.2.3. Revolução Francesa 7

1.3. A Orquestra 8
1.3.1. A Orquestra em França 8
1.3.2. A Orquestra de Mannheim 8

1.4. O Clarinete e a sua evolução organológica 9

2. O CONCERTO Nº 1 EM FÁ MAIOR, PARA CLARINETE E ORQUESTRA,


DE CARL STAMITZ 13

2.1. Carl Stamitz 13

2.2. Análise interpretativa 15

CONCLUSÃO 20

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 21
Introdução
1. Contextualização Histórica

1.1. O Período Clássico e as suas principais características


O período Clássico é caracterizado pela obra artística criada entre os
anos 1730 e 1820. Esta fase, caracteriza-se pela promoção do equilíbrio da
elegância, da aplicação de estilos como o estilo galante, o estilo sensível e o
estilo Sturm und Drang. A grandiosidade é filtrada e dá lugar ao equilíbrio e à
simplicidade, sendo compositores como: Joseph Haydn (1732 – 1809),
Wolfgang Amadeus Mozart (1756 – 1791) e Ludwig van Beethoven (1770 –
1827); considerados não só como expoentes máximos deste período, mas
também como as principais referências da Primeira Escola de Viena1.

No período Clássico, os princípios musicais aplicados são a monodia


acompanhada, por oposição à polifonia que era usada no período Barroco.
Assim, prevalecem as harmonias, a forma e a estrutura na procura de
objetividade e clareza, recuperando os ideais clássicos da Grécia antiga.

Relativamente à instrumentação, observa-se um aumento dos


instrumentos usados no âmbito da orquestra, sendo introduzidas algumas
técnicas orquestrais. No que diz respeito à introdução de géneros musicais
destacam-se: a Sonata, a Sinfonia, o Trio, o Quarteto, o Quinteto e o Concerto
Clássico. Neste contexto, os compositores iniciam o processo de composição
não só com uma maior atenção ao timbre dos instrumentos e às suas
características técnicas distintas, mas também às dinâmicas (surgimento do
sforzatto, do crescimento e diminuendo), passando a criar repertório específico
para cada instrumento.

O período Clássico está dividido em três fases distintas: 1730 a 1750,


1750 a 1780 e 1780 a 1820.

A primeira fase é denominada de Pré-clássico. Esta, é caracterizada


pela ligação ainda muito afetiva ao período Barroco, não só pela sua

1
A Primeira Escola de Viena foi a principal referência do período Clássico. Caracterizava-se
por aplicar e desenvolver as características da Escola de Mannheim, mas de forma mais
complexa e com a aplicação do estilo Sturm and Drang, que significa tempestade em aperto.
Neste contexto, o princípio estético prima não só pela exaltação da emoção e da textura, mas
também pela condução melódica, sendo estes conduzidos pela profundidade dos sentimentos.
extravagância, ornamentação, polifonia, contraponto ou extensão rarefeita, mas
também pela grande utilização do cravo. Neste contexto, destacam-se os
compositores Johann Gottlieb Graun (1703 – 1771) e Carl Philipp Emanuel
Bach (1714 – 1788), pertencentes à Escola de Berlim. Nesta escola, a
transição para o período clássico observa-se lenta porque são 20 anos de
experimentação enquanto o período barroco ainda decorre.

A segunda fase é considerada o apogeu do período Clássico. Nesta, o


cravo entra em decadência e assiste-se a uma maior liberdade, simplicidade e
estrutura, sendo nela compostas algumas das obras mais importantes deste
período, de compositores como: Christoph Willibald Gluck (1714 – 1787),
Joseph Haydn e Wolfgang Amadeus Mozart. Durante a segunda fase, a Escola
de Mannheim, localizada na Alemanha, desempenhou um papel importante no
desenvolvimento da música clássica. A Escola de Mannheim era conhecida
pela sua orquestra, que era considerada uma das melhores da Europa, e pelos
seus compositores, que criaram uma série de inovações no que diz respeito à
orquestração. Mais adiante abordarei esta orquestra com mais detalhes. VER
FICHEIRO ORIGINAL!

Por fim, a terceira fase é conhecida como o final do Classicismo e a


passagem para o Romantismo. Durante esta fase, os compositores começaram
a explorar a expressão emocional através da música, incorporando técnicas
como cromatismos, modulações e dissonâncias inesperadas. As obras tinham
um maior foco no plano emocional, em vez da estrutura do período Clássico.
Compositores como Ludwig van Beethoven ou Franz Schubert (1797 – 1828),
produziram obras que representaram a transição entre o período Clássico e o
período Romântico, que surgiria posteriormente. Como por exemplo: Sinfonia
nº 9 (1824), em Ré menor, Op. 125, de Ludwig van Beethoven; e a Sinfonia nº
8 (1822), em Si menor, D. 759, também denominada de Sinfonia Inacabada, de
Franz Schubert.
1.2. Movimentos Revolucionários no Período Clássico

1.2.1. Iluminismo

O Iluminismo, também conhecido como a Filosofia das Luzes, foi um


movimento cultural e intelectual que se desenvolveu na Europa, no século
XVIII. Este, era marcado pela crítica à autoridade política e religiosa, pela
afirmação da liberdade e pela confiança na Razão e no progresso da ciência
como meios de atingir a felicidade humana. Segundo Nunes (2012), o
Iluminismo era “(...) uma nova conceção do ser humano, enquanto ser dotado
de faculdades intelectuais e, portanto, portador de direitos inalienáveis” (p. 16).

De acordo com Burke (2009), a perspetiva individualista do Iluminismo


teve um impacto significativo na Música, levando ao desenvolvimento de novas
técnicas e formas musicais, como: o Concerto, a Sinfonia e a Sonata; refletindo
uma nova ênfase na expressão individual e na experimentação musical (Rosen
(1997). No entanto, os ideais do Iluminismo não eram unânimes: o compositor
alemão Andreas Werckmeister (1645 – 1706) defendia que a Música era uma
dádiva de Deus, motivo pela qual apenas deveria ser usada em sua honra; por
outro lado, o compositor inglês Charles Burney (1726 – 1814), defendia que a
Música era um luxo inocente, pelo que era desnecessária à nossa existência,
embora fosse proveitosa e agradável ao sentido auditivo (Grout e Palisca,
2007). Neste contexto, a diferença de pensamentos destes dois compositores
evidencia a evolução do pensamento que ocorreu ao longo do século XVIII e
que teve impacto em todos os aspetos da vida.

Resultado direto da Revolução Industrial e da Colonização, dá-se nesta


época o surgimento de uma classe média emergente, vocacionada para
as artes. Foi, assim, uma época de grandes transformações sociais e
políticas, juntando ainda a este contexto a perda de poderio financeiro
dos antigos mecenas, fruto dos saques e pilhagens sofridos durante as
guerras napoleónicas (Nunes, 2012, p. 16).

Grout e Palisca (2007), defendem que embora os ideais do Iluminismo


tenham tido um impacto significativo na sociedade, não foram implementados
de forma uniforme ou consistente. Muitos dos princípios acerca dos direitos do
indivíduo surgiram a partir da crítica das enormes desigualdades sociais que
existiam entre o cidadão comum e as classes privilegiadas na Europa. Em
suma, o princípio de que todos os indivíduos deveriam ter direitos iguais
perante a lei foi um dos princípios fundamentais do Iluminismo e influenciou o
desenvolvimento de sistemas políticos democráticos em todo o mundo.

1.2.2. Revolução Americana

Tendo ocorrido entre 1775 e 1783, a Revolução Americana traduziu-se


na revolta das colónias inglesas do norte da América. Segundo Nunes (2012),
este “(...) movimento revolucionário teve um impacto fulminante na Europa,
pois foi um marco no Antigo Regime, mais propriamente o início do fim do
mesmo, uma vez que rompeu com o sistema colonial”.
A Guerra dos Sete Anos aumentou a carga tributária sobre as colônias e criou
barreiras comerciais, como a criação do imposto de selo e a consideração da
região oeste como propriedade dos índios. Além disso, os colonos americanos
não tinham representação no Parlamento, gerando descontentamento político.

O processo de independência americana foi marcado por várias etapas:

 Em 1765, houve um congresso em Nova York para discutir as questões


entre as colônias.
 Em 1770, foi abolida a maioria dos impostos, exceto o imposto sobre o
chá.
 Em 1773, ocorreu a Boston Tea Party, onde os colonos despejaram chá
britânico no mar em protesto contra o imposto.
 Em 1774, houve o primeiro congresso em Filadélfia, onde os colonos
discutiram sobre a possibilidade de uma independência.
 Em 1775, ocorreu o confronto entre ingleses e americanos em Lexington
que marcou o início da Guerra de Independência.
 Em 4 de julho de 1776, foi declarada a independência dos EUA no
segundo congresso em Filadélfia. VER FICHEIRO ORIGINAL!

Embora a independência do Reino da Grã-Bretanha tendo sido


declarada a 4 de julho de 1776, esta só viria a ser reconhecida a 3 de setembro
de 1783, data em que foi assinado o Tratado de Versalhes, dando assim início
à criação dos Estados Unidos da América. No âmbito deste Regime Federal foi
criada sua primeira Constituição a 17 de setembro de 1787, sendo ratificada a
21 de junho de 1788.
Em suma, Nunes (2012) defende que a Revolução Americana teve um
impacto direto na Revolução Francesa, uma vez que os cidadãos franceses,
impulsionados pelos valores de liberdade e encorajados pela propaganda
divulgada por Benjamin Franklin (1706 – 1790), um dos líderes da Revolução
Americana e o primeiro embaixador dos Estados Unidos em França.
CORRIGIDO!

1.2.3. Revolução Francesa


A Revolução Francesa, ocorrida entre 1789 e 1799, foi inspirada pelos
ideais iluministas, com o mote: Liberdade, Igualdade e Fraternidade.
Durante o século XVIII, a França vivenciava uma profunda desigualdade
social, em que a nobreza e o clero detinham grandes privilégios e isenções
fiscais, enquanto a maioria da população vivia em condições de pobreza e
miséria. Além disso, o país enfrentava uma grave crise económica e fiscal,
devido aos excessivos gastos da Monarquia e aos altos impostos cobrados à
população. Esta situação, viria a desencadear a Revolução Francesa, que,
tendo a duração de dez anos, teve uma série de eventos importantes que
moldaram o seu decurso e desfecho:

 14 de julho de 1789 – Tomada da Bastilha: início da Revolução


Francesa e a queda do antigo Regime;
 26 de agosto de 1789 – Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão: são estabelecidos os princípios de Liberdade, Igualdade e
Fraternidade, como fundamentais para a Sociedade Francesa;
 21 de janeiro de 1793 – Execução do Rei Luís XVI: marca o fim da
Monarquia e o Início da República Francesa;
 9 de novembro de 1799 – Golpe de Estado liderado por Napoleão
Bonaparte: é encerrada a fase mais radical da Revolução Francesa,
sendo estabelecido um novo regime político, conhecido como
Consulado.
Segundo Nunes (2012), a Revolução Francesa teve um impacto na
música e na arte em geral. Isso ocorreu porque essas formas de expressão
artística buscaram desvincular-se do passado e atender aos interesses da nova
classe social emergente, a burguesia. Como resultado, a música e a arte se
tornaram mais populares e conquistaram um novo público nas salas de
concerto e exposições. CORRIGIDO!
A Revolução Francesa também teve consequências negativas, como a
violência e o terror que ocorreram durante o período do Terror, em que muitos
opositores da revolução foram executados. Além disso, a Revolução Francesa
estabeleceu um modelo de revolução violenta que seria repetido em outros
países, como a Rússia, no século XX.

1.3. A Orquestra

Esta é um conjunto musical com especificidades marcadamente


ocidentais, moldadas e sedimentadas ao longo de aproximadamente
cinco séculos, tendo como característica base a sua formação
organizada em instrumentos de sopro, corda e percussão divididos por
naipes, com a finalidade primordial de fundir os timbres, obtendo uma
sonoridade homogénea (Nunes, 2012, p. 23).

1.3.1. A Orquestra Sinfónica

Segundo Grout e Palisca (2007), no final do século XVIII, a Sinfonia e


outros géneros musicais foram, paulatinamente, deixando o baixo contínuo de
parte, entregando assim as vozes principais a instrumentos melódicos. Por
conseguinte, com o desaparecimento do cravo, o papel de liderança passou
para o primeiro violino.
Em relação ao tamanho da Orquestra Sinfónica na época, Grout e
Palisca (2007) defendem que ela era muito menor do que a atual. Por exemplo,
em 1756, a Orquestra de Mannheim era composta por: vinte violinos, quatro
violas, quatro violoncelos, quatro contrabaixos, duas flautas, dois oboés, dois
fagotes, quatro trompas, um trompete e dois timbales; um agrupamento
excecionalmente numeroso para a época, e na qual, em 1758, apareceu pela
primeira vez o naipe de clarinetes inserido numa Orquestra Sinfónica. Por outro
lado, a Orquestra Sinfónica de Joseph Haydn, entre 1760 e 1785, contava com
menos de vinte e cinco executantes, incluindo instrumentos de cordas, flauta,
dois oboés, dois fagotes, duas trompas e um cravo, aos quais, ocasionalmente,
se juntavam trompetes e timbales (Nunes, 2012).
Nunes (2012), destaca que, na orquestração sinfónica da época, todo o
material musical importante era confiado aos instrumentos de cordas, sendo
usados os instrumentos de sopro para reforçar, dobrar e preencher as
harmonias, mesmo quando o compositor não escrevia partes específicas para
os naipes de madeiras e metais. No entanto, Grout e Palisca (2007), defendem
que “(...) à medida que se aproximava o fim do século, começou a ser confiado
aos instrumentos de sopro material musical mais importante e mais
independente (p. 494). CORRIGIDO!

1.3.2. A Orquestra em França

A orquestra em França desempenhou um papel significativo na evolução


da música sinfónica durante o século XVIII. De acordo com Grout (2007), a
cidade de Paris tornou-se um importante centro de composição e edição
musical nessa época. Compositores de várias partes da Europa, incluindo
austríacos, checos e italianos, mudaram-se para a capital francesa em busca
de oportunidades para publicar suas obras e se apresentar para o público
parisiense. “Das tipografias dos editores parisienses brotava um fluxo
constante de sinfonias, muitas vezes sob a forma de Symphonies périodiques
ou “sinfonias do mês” ”. (Nunes, 2012)
Um dos compositores estrangeiros mais proeminentes em Paris foi o
belga François-Joseph Gossec, que chegou à cidade em 1751 e sucedeu
Jean-Philippe Rameau (1683 - 1764) como maestro da orquestra de La
Pouplinière. Segundo Nunes (2012) as primeiras sinfonias de François Joseph
Gossec foram publicadas em 1754, seguidas pelos primeiros quartetos de
cordas em 1759. Posteriormente concentrou-se na composição de óperas
cômicas, tornando-se um dos compositores mais populares durante a
Revolução e um dos primeiros diretores do Conservatório de Paris. Também
compôs uma série de marchas e cantatas para as cerimônias públicas da nova
república, incluindo a Marche lugubre (NAW M 117), que foi tocada a vinte de
setembro de 1790, na comemoração da resistência do novo regime a uma
rebelião em Nancy e o cortejo solene de Mirabeau até ao Panteão, a quatro de
abril de 1791. (Grout, 2007)
Outro compositor notável da época foi Joseph Boulogne Saint-Georges,
um virtuoso do violino e compositor prolífico que se destacou no gênero da
symphonie concertante. Entre os numerosos compositores deste gênero de
composição, destaca-se também Giovanni Giuseppe Cambini (1746-1825), um
italiano que viveu igualmente em Paris. (Grout, 2007) CORRIGIDO!

1.3.3. A Orquestra de Mannheim

A Orquestra de Mannheim, localizada na Alemanha, foi um importante


centro de desenvolvimento musical durante o terceiro quartel do século XVIII.
Liderada pelo maestro Johann Stamitz, a orquestra tornou-se famosa pelas
suas inovações musicais e técnicas de execução.
De acordo com o crítico musical Charles Burney, a Orquestra de
Mannheim era "a melhor orquestra da Europa", sendo composta por músicos
altamente qualificados e dotados de uma grande habilidade técnica. Este
elogiou especialmente a criatividade dos músicos de Mannheim, destacando a
habilidade em usar técnicas como o crescendo e o staccato para criar efeitos
dramáticos na música. Nas suas próprias palavras, a orquestra de Mannheim
era "uma máquina musical perfeita", e nenhum efeito era "difícil demais para
eles, e nenhum efeito é estranho demais para sua imaginação inventiva"
(Burney, 1782).
Além disso, o renome da Orquestra de Mannheim também era devido ao
número de músicos da Boêmia que eram não apenas de alta qualidade, mas
também compositores. Como observa Nunes (2012), Johann Stamitz foi um
exemplo de um desses músicos, sendo um “virtuoso” do violino e um dos
primeiros compositores a introduzir um tema contrastante na seção dominante
da música, proporcionando uma maior riqueza na estrutura musical e
quebrando o padrão dinâmico uniforme presente em boa parte da música mais
antiga e nos contrastes abruptos do concerto.
Outra inovação importante introduzida pela Orquestra de Mannheim foi o
aumento do quadro dos sopros, onde clarinetes e trompas tiveram funções de
solistas pela primeira vez, como observado por Hopkins (1981): "o uso de
trompas em particular, além de clarinetes, para destacar notas importantes, às
vezes juntando-se às cordas para formar uma unidade harmônica, às vezes
soando em chamadas separadas para efeitos dramáticos, acrescentou uma
nova dimensão às possibilidades orquestrais".
Entre as técnicas musicais que ficaram famosas e foram associadas à
Orquestra de Mannheim estão o "foguete" de Mannheim, o "suspiro" de
Mannheim, os "pássaros" de Mannheim, o "clímax" de Mannheim e o “rocket”
de Mannheim. Essas técnicas incluíam: passagens ascendentes rápidas com
crescendo; acentuação na primeira de duas notas ligadas descendentes;
ornamentos simples para imitar o canto dos pássaros; secções de muita
energia que envolviam todos os instrumentos; um acorde que parte do registo
mais grave até a linha mais agudo do soprano. Quem diz isto?
Com disciplina, precisão e inovações musicais, a Orquestra de Mannheim
tornou-se um modelo para outras orquestras em toda a Europa. Como
observou Charles Burney, a Orquestra de Mannheim foi "uma das maravilhas
da época" e uma "orquestra modelo para toda a Alemanha". (Burney, 1771)

1.4. O Clarinete e a sua evolução organológica

Ao longo da sua evolução, construtores, instrumentistas e compositores,


desempenharam um papel fundamental no aperfeiçoamento técnico e musical
do clarinete. Este, surgiu a partir de um outro instrumento que existia no final
do século XVII, o Chalumeau, que, segundo Pinto (2006) “(…) no seu estado
mais primitivo, era um pequeno tubo de cana com seis orifícios, mais um para o
polegar e com uma palheta cortada na própria cana (idioglot) na extremidade
superior” (pp. 6 – 7).
Para autores como Kurt Birsak (1991) ou Anthony Baines (1991), foram
realizados vários aperfeiçoamentos neste instrumento ao longo do tempo, na
sua maioria pelo construtor alemão Johann Christoph Denner (1655 – 1707).
Alguns deles foram: a introdução de duas chaves de metal opostas na parte
superior – uma na frente para a nota Lá3 e outra atrás, denominada de chave
de registo, possibilitando a obtenção de notas mais agudas; a adição de um
orifício para o dedo mindinho da mão direita; e a adição de uma boquilha no
qual era atada uma palheta de cana (Pinto, 2006).

Segundo Pinto (2006), o facto deste instrumento possuir só duas


chaves, tornava praticamente impossível a sua execução em alguma
tonalidade que não fosse a sua. Assim, muitos foram os clarinetistas e
construtores que, em meados do século XVIII, começaram não só a dedicar
algum do seu tempo à construção de clarinetes em quase todas as tonalidades,
mas também ao seu aperfeiçoamento técnico, dando origem ao clarinete tal e
qual o conhecemos nos dias de hoje.

Os primeiros clarinetes, como todas as primeiras versões das grandes


invenções, apresentavam imperfeições, que consistiam, neste caso, em
sonoridades demasiadamente estridentes no registo médio/agudo e sem
vigor ou clareza de afinação no registo grave (que tem precisamente o
nome de chalumeau). Tais imperfeições comprometeram a sua
aceitação inicial por parte dos músicos, sendo este instrumento
declaradamente inferior ao oboé e à flauta, seus contemporâneos, no
que concerne ao timbre, afinação e agilidade (Nunes, 2011, p. 42)

Devido à sua importância, neste trabalho serão destacados Ivan Müller


(1786 – 1858) e Hyacinthe Klosé (1808 – 1880). Como defende Pinto (2006),
as “(...) repercussões dos seus trabalhos fazem-se sentir ainda hoje, pois os
dois clarinetes mais usados, francês e alemão, são resultados do seu esforço
no desenvolvimento do instrumento” (pp. 13 – 14).
Ivan Müller, clarinetista, compositor e construtor germano–estónio, fez,
em 1809, o seu primeiro recital com um clarinete inteiramente
idealizado/construído por si. Este, composto por treze chaves, permitia ao
intérprete tocar em todas as tonalidades, sendo por isso denominado de
clarinete Omnitonique (figura X).

Segundo Pinto (2006), este instrumento apresentava as seguintes


especificidades:

“A forma como Müller construiu as chaves, a sua disposição e abertura e


ainda as novas sapatilhas que lhe colocou, foram as grandes melhorias
que introduziu ao clarinete. O seu desenho dos orifícios para as
sapatilhas vedarem melhor, também era novidade e melhorou em muito
a eficácia do instrumento. Isto resume-se a uma melhor relação
chave/sapatilha/orifício, que veio permitir uma técnica mais sólida, não
só́ ao nível dos dedos, mas sobretudo da emissão sonora.” (Pinto, 2006,
p. 14).
Segundo Mendes (2016), este instrumento deu origem a dois sistemas
de clarinetes que, ainda hoje, são utilizados: o sistema Boehm, denominado de
Sistema Francês; e o sistema Oehler, denominado por Sistema Alemão.

“Por estes factos se diz que o trabalho de Müller foi decisivo, pois dele
derivaram os dois sistemas mais utilizados:
a) O Sistema-Oehler, utilizado pelos clarinetistas alemães,

b) O Sistema-Boehm, que é tocado em quase todo o Mundo.” (Pinto,


2006, p.16).

Hyacinthe Klosé, clarinetista francês que, juntamente com o construtor


francês Louis-Auguste Buffet (1789 – 1864), adaptou o Sistema Boehm, da
flauta transversal, ao clarinete, sendo este novo modelo apresentado, em 1839,
numa exposição em Paris (Pinto, 2006).

Segundo Brymer (1990), este sistema surgiu a partir do trabalho do


flautista Theobald Boehm (1794 – 1881), que tentou construir uma flauta
transversal com os orifícios posicionados de uma forma, acusticamente,
correta. Das suas invenções, destacam-se: a colocação de um sistema de
chaves que desse a possibilidade de fechar dois orifícios ao mesmo tempo; e a
utilização de uns anéis de metal que proporcionassem um maior controlo nas
diferentes chaves, ou seja, deixando de ser necessário deslocar os dedos das
posições iniciais. Neste contexto, Pinto (2006) refere:

“Em conjunto, Klosé e Buffet melhoraram o mecanismo do clarinete de


treze chaves, aplicando-lhe o princípio das anilhas móveis de Boehm. O
resultado desta adaptação foi permitir que os dedos pudessem fechar
orifícios fora do seu alcance, pelo que esses mesmos orifícios não
precisavam de ser mais pequenos ou construídos de acordo com a
estrutura da mão.” (Pinto, 2006, p. 17).
Segundo Viana (2017), a adaptação deste sistema no clarinete, resultou
num instrumento muito semelhante aos que conhecemos atualmente, com
dezassete chaves e seis anilhas que controlam vinte e quatro orifícios.
2. O Concerto nº 1 em Fá Maior, para Clarinete e
Orquestra, de Carl Stamitz

2.1. Carl Stamitz

Carl Stamitz (1745 – 1801), filho mais velho de Johann Stamitz (1717 –
1757) e irmão de Anton Stamitz (1750 – 1796), desde cedo mostrou um talento
inato para a música, começando a estudar violino com o seu pai.

Sendo considerado por Nunes (2012) como uma referência da segunda


geração da Escola de Mannheim, Stamitz foi, em tenra idade, primeiro violinista
na Orquestra da Corte de Mannheim, tornando-se mais tarde, em 1777, seu
Diretor Musical.
Segundo Pinto (2006), entre 1770 e 1777, aquando da sua estadia em
Paris, como violinista e compositor da Corte, Stamitz teve um relacionamento
muito próximo com o primeiro grande clarinetista e fundador da Escola Alemã
de Clarinete: Joseph Beer (1744 – 1812). Paralelamente, Nunes (2012)
defende que, ao ficar impressionado com as possibilidades expressivas e
virtuosísticas do instrumento, Stamitz começou a desenvolver o seu reportório,
contribuindo com a composição de onze concertos para clarinete e orquestra, e
dois duplos concertos (violino, clarinete e orquestra, e clarinete, fagote e
orquestra).

Obra Instrumentação
Concerto em Fá Maior, Op. 1 Clarinete e Orquestra
Concerto em Si Bemol Maior, Op. 2 Clarinete e Orquestra
Concerto em Si Bemol Maior, Op. 3 Clarinete e Orquestra
Concerto em Sol Maior, Op. 8 Clarinete e Orquestra
Concerto em Si Bemol Maior, Op. 10 Clarinete e Orquestra
Concerto em Mi Bemol Maior, Op. 13 Clarinete e Orquestra
Concerto em Si Bemol Maior, Op. 29 Violino, Clarinete e Orquestra
Concerto em Mi Bemol Maior, Op. 34 Clarinete e Orquestra
Concerto duplo em Mi Bemol Maior, Op. 35 Clarinete, Fagote e Orquestra
Concerto em Dó Maior, Op. 41 Clarinete e Orquestra
Concerto em Si Bemol Maior, Op. 47 Clarinete e Orquestra
Concerto em Fá Maior, Op. 50 Clarinete e Orquestra
Segundo Kennedy (2006), Carl Stamitz “(...) foi um dos primeiros
compositores a explorar as possibilidades expressivas do clarinete, e as suas
obras para o instrumento são uma parte importante do repertório clássico”.
Neste contexto, tendo o compositor reconhecido todo o potencial técnico e
expressivo do instrumento, Schroeder (2001) defende que algumas das suas
obras para clarinete exigiam uma precisão e execução exímias, o que ajudou a
potenciar o nível de virtuosismo dos intérpretes na época.
2.2. Análise interpretativa

2.2.1. Allegro

O primeiro andamento encontra-se em Fá Maior e está na forma Sonata.


Esta, é uma organização do discurso musical que é fragmentado em três
partes distintas (exposição, desenvolvimento e reexposição), podendo ou não
ter introdução e coda.

Nesta obra, é estruturada da seguinte forma:

 Introdução: c. 1 ao c. 52;
 Exposição: c. 53 (com anacruse) ao c. 65;
 Desenvolvimento: c. 66 ao c. 176;
 Reexposição: c. 177 (com anacruse) ao c. 239 (com cadência);
 Coda final: c. 239 até ao fim.

Introdução

A obra em análise, começa com uma introdução de orquestra realizada


do compasso 1 ao 52, sendo apresentada na figura X2 o início da mesma.

2
Todas as figuras apresentadas, no âmbito da análise interpretativa do Concerto nº1, em Fá
Maior, de Carl Stamitz, terão como recurso a redução da partitura para clarinete e piano.
Exposição

Entre os compassos 53 (com anacruse) e 65, é apresentado o tema 1


pelo clarinete (figura X), sendo este desenvolvido entre os compassos 66 e 90.

Desenvolvimento

Entre os compassos 91 e 127, existe uma ponte modulatória que


precede a apresentação do tema 2 pelo clarinete (compassos 127 a 135),
sendo este desenvolvido à dominante, entre os compassos 143 e 164.

Reexposição

Entre os compassos 177 (com anacruse) e 189, verifica-se a


reexposição do tema 1.
Entre os compassos 190 e 239, até chegar à cadência, o clarinetista é
desafiado a interpretar vários motivos rítmico-melódicos que confluem em
longos movimentos virtuosísticos, como se pode verificar na figura X.

Por sua vez, a cadência, apresentada na figura X, precede a coda final,


realizada pela orquestra.

2.2.2. Adagio

O segundo andamento encontra-se em Mi menor e começa com uma


introdução, realizada pela orquestra entre os compassos 1 e 10, que serve
como ponto de partida para o tema 1. Este, é apresentado à tónica, entre os
compassos 11 e 16 (figura X), seguido de três variações do mesmo: c. 17 a c.
20, c. 21 a c. 27 e c. 27 a c. 35; que são ainda desenvolvidas entre os
compassos 42 e 54.
Entre os compassos 55 e 61 dá-se a reexposição do tema 1, momento
que vai, a partir de pequenas variações do mesmo, levando o ouvinte até à
cadência (compassos 77 a 80), que se pode verificar na figura X.

2.2.3. Rondó

O terceiro e último andamento é um Rondeau, forma composicional


seccionada que se caracteriza pela alternância entre o tema principal e temas
secundários. Este, está dividido em sete secções: A – B – A – C – A – D – A.

O andamento inicia com um breve refrão, entre os compassos 1 e 8


(figura X), seguido da estrofe 1, entre os compassos 43 e 65. Esta, é
desenvolvida entre os compassos 69 e 111.

Em seguida,
o

refrão, seguido da estrofe 2 (figura X), entre os compassos 154 e 231.


O refrão é novamente apresentado entre os compassos 232 e 239,
sendo seguido da estrofe 3 (figura X), entre os compassos 273 e 302.

Por fim,

das estrofes 1 e 2, sendo apresentado depois o refrão pela última vez


(compassos 361 a 368).
Conclusão
Referências bibliográficas
Grout, Donald J. & Palisca, Claude V. (2007). História da Música Ocidental (5ª
Edição). Lisboa: Gradiva.

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