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2022/2023

12º Ano- Turma A

Rui Costa

Processo de Preparação de um
Clarinetista para Provas de Orquestra
Prova de Aptidão Artística

Orientador:
Prof. Isabel Ferreira

09/01/2023
Resumo
Índice
INTRODUÇÃO...............................................................................................................................5
1. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA....................................................................................................6
1.1. A orquestra........................................................................................................................6
1.1.1. O papel do clarinete na orquestra..............................................................................9
1.2. Contexto histórico das audições......................................................................................10
1.3. O processo das audições atualmente..............................................................................13
1.4.2. Orquestras de jovens................................................................................................16
2. O perfil do candidato..............................................................................................................18
2.3. Preparação psicológica....................................................................................................18
2.4. Preparação física.............................................................................................................19
3. Preparação do programa específico para a audição...............................................................23
3.1. Concerto para clarinete de W.A. Mozart.........................................................................23
3.2. Excertos Orquestrais.......................................................................................................26
3.2.1. Sexta sinfonia de Beethoven....................................................................................26
3.2.2. “Der Freischütz” - Abertura de C. M. Weber.............................................................30
3.2.4. “Pedro e o lobo” de Prokofiev..................................................................................33
INTRODUÇÃO
1. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

1.1. A orquestra

A história da orquestra pode ser traçada até aos séculos XVI e XVII,
quando existiam ensembles instrumentais que acompanhavam danças, óperas,
serviços religiosos e banquetes. Desenvolveram-se a partir de grupos que
tocavam nas cortes em Itália e na França, consistindo de instrumentos de
cordas (alaúdes, violinos, violas), sopros (flautas e cornetins) e instrumentos de
teclas. O seu papel principal seria dobrar as vozes dos cantores e produzir uma
textura harmónica para os acompanhar. A escrita para estes ensembles pode
ser descrita como “programática”, onde diferentes instrumentos eram
associados a sentimentos, personagens ou paisagens mitológicas. Os
ensembles de cordas franceses, constituídos de instrumentos da família do
violino de diferentes tamanhos, podem ser considerados a origem da orquestra.

As inovações de Jean-Baptiste Lully revelaram-se uma grande influência


no desenvolvimento e na popularidade dos agrupamentos orquestrais na
segunda metade do séc. XVII. A sua Grande Bande (os 24 Violons du Roi)
ganhou fama nas nações vizinhas, principalmente na Alemanha, que por sua
vez procurou imitar o seu estilo. As suas características incluem a presença de
um maestro que marcava a pulsação (o próprio Lully batia com um pau de
madeira comprido no chão); os ataques sincronizados (o coup d'archet), as
arcadas uniformes e o bom gosto na ornamentação musical.
Outra figura importante foi Arcangelo Corelli, que agiu como diretor
artístico, concertino e compositor entre 1680-1712 para vários ensembles
naturais de Roma. Também ele cultivou um alto nível de disciplina nas suas
orquestras, acentuando principalmente a importância das arcadas uniformes.
Desde 1680 até 1740, foram observadas várias mudanças paralelas nos
ensembles instrumentais, tais como o aumento do número de instrumentos de
cordas, a substituição dos instrumentos de sopro renascentistas por outros
franceses “barrocos”: flautas de bisel, flautas transversais, oboés, fagotes; a
adição de um par de trompas e um baixo contínuo. A organização e a prática
instrumental tornaram-se mais “orquestral”: em vez de se separarem os
músicos em grupos diferentes, passaram a estar reunidos num único
ensemble. Os músicos passaram a especializar-se na prática de um só
instrumento em vez de tocarem vários com o mesmo alcance ou função. Surgiu
também a importância do papel do concertino, responsável pelas arcadas e
pela ornamentação, bem como pela liderança do grupo. Finalmente, as
orquestras começaram a chamar atenção para si mesmas como a atração
principal dos eventos musicais: no teatro ocupavam um lugar de destaque; de
outro modo apresentavam-se em varandas ou palcos. Começou a se
desenvolver a apreciação crítica das performances musicais dadas por
diferentes orquestras. Por volta de 1740, a “orquestra” - já chamada por esse
nome- era reconhecível como uma instituição na maior parte da Europa.

À orquestra para a qual os mestres de Viena escreveram foi dado o


nome de “Clássica”, o que pode incluir orquestras desde 1740 até 1815 ou até
mais tarde. Na primeira parte deste período, uma orquestra típica incluía
violinos, violas, violoncelos, contrabaixos, um par de oboés, um par de
trompas, um ou dois fagotes, e teclado contínuo; trompetes e tímpanos eram
opcionais. Esta orquestra era utilizada para a ópera italiana um pouco por toda
a Europa, teatro falado, concertos públicos ou privados, serviços religiosos e
bailes. Podia ser alargada para ocasiões especiais e reduzida quando havia
pouco dinheiro.
Nas duas últimas décadas do séc. XVIII instrumentos previamente
opcionais, incluindo flautas, clarinetes, trompetes e tímpanos, tornaram-se
indispensáveis. Beethoven e outros contemporâneos introduziram modificações
neste ensemble, adicionando a terceira e a quarta trompa e também
trombones. A mudança da orquestra Clássica inicial para a mais desenvolvida
está associada à ao tratamento diferente dado à orquestração. Os sopros
passaram a assumir um papel solista mais destacado na apresentação e no
desenvolvimento temático, em vez de se limitarem a dobrar as cordas ou a
produzir um tapete harmónico simples nos tuttis. Outro fator resume-se ao
declínio do baixo contínuo, sendo substituído por papéis independentes nos
fagotes, violoncelos e contrabaixos.

No séc. XIX, a orquestra expandiu-se tremendamente na Europa, com


mais e maiores orquestras a aparecer em novos locais e contextos sociais: se
até ao século XVIII estavam associadas ao estilo de vida aristocrático, no séc.
XIX a orquestra passou a ser uma instituição central da vida musical pública. O
instrumentista de orquestra surgiu como uma verdadeira profissão. As
orquestras passaram a ser organizações independentes com a sua própria
propriedade, administração interna e rendimento. Enquanto que continuaram a
apresentar programas mistos, incluindo excertos operáticos e solos
instrumentais, programas mais uniformes compostos de uma abertura,
concerto e sinfonia ganharam popularidade. Surgiu a separação entre
orquestras de teatro, especializadas em teatro falado e ópera e associadas a
uma sala de concerto específica (Viena, Berlim, São Petersburgo), e as
orquestras de concerto, mais versáteis, mas também menos consistentes no
rendimento monetário.
Surgiram desenvolvimentos tecnológicos nos instrumentos de sopro que
contribuíram para o aumento da sua flexibilidade e consistência, bem como a
adição de novos instrumentos- flautim, corne inglês, clarinete baixo,
contrafagote- que expandiram a sonoridade da orquestra e as possibilidades
para os compositores. A maior inovação estrutural foi a presença do maestro
armado de uma batuta, substituindo o concertino como regente da orquestra,
embora este só fosse considerado um intérprete e executante por si próprio e
pelo público na segunda metade do século.
O concerto público juntou-se à ópera como uma peça central da vida
musical. Foram estabelecidas sociedades que tinham como objetivo organizar
concertos, envolver orquestras, angariar fundos e contratar solistas. Estas
foram responsáveis por trazer a música orquestral às massas, em grandes
concertos a preços baixos. Várias orquestras ainda hoje existentes foram
formadas por estas sociedades, como as filarmónicas de Londres, Viena,
Berlim e Munique.
O séc. XIX assistiu à expansão das orquestras fora da europa. O
crescimento da imigração, urbanização e poder económico criou mais
oportunidades para as orquestras, surgindo instituições permanentes em
cidades na América do Sul, bem como nos Estados Unidos.

A organização das estruturas institucionais das orquestras sinfónicas


modernas é baseada em dois sistemas: um herdado das orquestras de corte e
o outro das sociedades musicais. O primeiro é típica da Europa continental,
América Latina e a Grã-Bretanha, onde a orquestra é propriedade e
administrada pelo estado, município ou outra entidade pública, onde os
músicos retêm postos de trabalho civis e uma auto governação considerável. O
segundo é mais prevalente nos Estados Unidos e consiste no tratamento da
orquestra como uma organização sem fins monetários independente, dirigida
por um conselho de diretores e gestores profissionais, onde agências
governamentais e órgãos privados proporcionam subsídios.
Orquestras podem ser também organizadas como cooperativas, sendo
os próprios músicos responsáveis pela sua administração, suportados por
subsídios do estado e ajuda de gestores profissionais. Sindicatos
desempenham um papel importante em todos os três sistemas, representando
os músicos nas negociações sobre vários aspetos, como salários, práticas de
contratação, seguro desemprego e condições de trabalho.
A maioria dos músicos de orquestra são treinados em conservatórios,
especializando-se num instrumento desde a adolescência. Depois da
graduação, jovens músicos procuram, através de trabalho como freelancer,
arranjar uma melhor posição em melhores orquestras. No entanto, costumam
estabelecer-se numa idade relativamente jovem comparado com outras
profissões e tocam numa mesma orquestra durante a maior parte da sua
carreira, que pode durar até aos setenta ou mais tarde.

1.1.1. O papel do clarinete na orquestra

A conceção dos primeiros modelos do clarinete é atribuída a Johann


Christian Denner (1655-1707) em Nuremberga, provavelmente entre 1700 e
1707 (Henrique, 2004, p. 292), tendo sido por isso uma novidade na orquestra
quando esta já se encontrava definida como instituição.
Em 1720 surgiu um clarinete com um pavilhão semelhante ao do oboé, e
seria para este instrumento que compositores ainda pertencentes ao período
Barroco iriam escrever, como Haendel na abertura da sua ópera Tamerlano (2
clarinetes e uma trompa em Ré) e Vivaldi nas partes para clarinete de alguns
dos seus concertos. (Henrique, 2004, p. 293). Outras obras notáveis incluem os
seis concertos para clarinete em Ré de J. M. Molter, bem como a sua provável
primeira utilização em Paris, por Rameau em 1749 na sua ópera “Zoroastre”
(Barrett, 2017).
A partir de ca.1750, os compositores recorrem já frequentemente à
utilização do clarinete. Christian Cannabich, Ignaz Holzbauer, Franz Ignaz
Beck, Karl Joseph Toeschi e Carl Stamitz incluem-no nas suas sinfonias
(Barrett, 2017), se bem que na década de 60 é especificado como alternativa à
flauta, oboé ou ambos. Este último algo de um entusiasta do clarinete, tendo
escrito dez concertos para o clarinetista Johann Joseph Beer (1744-1811), o
fundador da escola de clarinete na Alemanha (Henrique, 2004, p. 294). A
própria orquestra de Mannheim desempenhou um papel algo importante no
desenvolvimento do instrumento, sendo a primeira a optar por clarinetistas
dedicados (anteriormente eram tocados pelos oboístas). Nas décadas
seguintes são testemunhados o uso de clarinetes por toda a Europa: Gluck
utiliza-os nas suas óperas; em Inglaterra, com a fundação da Royal Artillery
Band em 1762 e que incluía dois clarinetes; na França, Luís XV estabelece
bandas militares com quatro de cada oboés, clarinetes, trompas e fagotes;
Haydn utiliza-os em Esterhazy. Por volta de 1780, o naipe de clarinetes faz
parte da maioria das orquestras europeias (Barrett, 2017).
Mozart desempenhou um papel importante na popularização do
clarinete. Numa visita a Mannheim, em 1778, mostrou-se impressionado com a
presença de clarinetes na orquestra. A relação estreita entre ele e o virtuoso
Anton Stadler revelou-se uma grande fonte de inspiração para a composição,
entre as quais o “Trio Kegelstatt” K.498, o quinteto K.581 e o Concerto em Lá
Maior K.622. Inclusive, a partir de 1782, todas as óperas de Mozart passaram a
incluir partes para clarinetes e/ou cor de basset (Page, Blench, & Shackleton,
2001).
Beethoven exerceu também influência na popularização do clarinete,
utilizando-o nas suas sinfonias e desempenhando um papel de destaque.
No final do séc. XVIII o clarinete possuía a sua própria identidade. Já
não era comparado a outros instrumentos como o oboé ou a trompete. Era
conhecido como o melhor imitador da voz humana e considerado o melhor
instrumento para transmitir tristeza e dor. O clarinete em Si b é o mais popular,
sendo que existiam já dois “sons” diferentes: o doce e suave Alemão e o
brilhante e penetrante Francês. (Barrett, 2017)

1.2. Contexto histórico das audições

A popularidade da fundação de novas orquestras nos EUA observada


principalmente a partir da década de 1880 está intrinsecamente associada à
formação de federações de emprego e sindicatos (American Federation of
Labor, AFL e a National League of Musicians-NLM, ambas originadas em 1886,
por exemplo), os quais desempenhavam um papel fundamental na contratação
de novos músicos. Era dada prioridade à contratação de músicos locais:
“Orquestras locais eram impostas um período de espera de três anos para que
um músico não local pudesse juntar-se à união” 1 (Ayer, 2005). Aquando da
conceção da Cleveland Orchestra em 1918, o maestro Nikolai Sokoloff
procurou novos músicos ao ir a teatros e hotéis assistir a pequenos ensembles
que lá tocavam, mas também ao contactar membros de orquestras
previamente existentes em Cleveland. Acabou por preencher os restantes
lugares ao realizar audições em Nova York. (Cumming, 2014)
1
Texto original: “Locals required a three-year waiting period for a non local musician to join the
local union
Audições nas décadas de 1940-50 não eram um processo ainda
generalizado. À partida, um músico obtinha um lugar através de reputação e
contactos; ou eram convidados a tocar para o maestro o que quer que ele
pedisse, sem aviso prévio, e numa ocasião bastante informal, ou lhes era
oferecido diretamente o lugar. George Szell, diretor musical da orquestra de
Cleveland, estruturava as audições, pedindo uma obra a solo, a fim de relaxar
o músico e ao mesmo tempo aferir a sua destreza técnica, seguida de outra
peça ou excertos orquestrais. Se Szell mostrasse interesse no candidato,
pedia-lhe para alterar o estilo ou o fraseado para que este demostrasse
flexibilidade. (Cumming, 2014)
Julie Ayer explica em More than Meets the Ear que audições eram
normalmente localizadas nos centros da atividade musical, e eram sujeitas a
parcialidade e preferências:
“Antes da restruturação dos procedimentos da audição…regentes (e às
vezes a direção) organizavam as suas audições em Nova York, e às vezes em
Chicago. Nas décadas de 40 e 50, um músico era notificado de audições
através da palavra corrente, publicações nas escolas de música principais, e
conselhos sindicais em diferentes cidades, ou escrevendo diretamente às
orquestras….Os membros da AFM (American Federation of Musicians) de Los
Angeles e Nova York não permitiam que concorressem no audição para
orquestra a não ser que pertencem ao sindicato local (NB: o sindicato branco,
visto estes ainda se encontrarem segregados); a maioria das outras orquestras
realizava audições para membros dos sindicatos locais antes de os regentes
ouvirem audições em Nova York e Chicago.”2

Por volta da metade da década de 50, as audições começaram a ser


mais comuns, fruto do fim da segunda guerra mundial que por sua vez
aumentou o número de músicos disponíveis em busca de emprego. No
entanto, eram ainda um processo autocrático. O diretor musical tinha total
controlo sobre quem ele contratava e o preço a pagar (Cumming, 2014). Para
além disso, existia uma forte discriminação contra os grupos minoritários e
notícias de escândalos eram recorrentes: a carreira do contrabaixista Art Davis
sofreu tremendamente nos anos que se sucederam após um processo judicial
falhado contra a Filarmónica de Nova York por discriminação racial em 1969.

2
Texto original: “Before the restructuring of audition procedures…conductors (and sometimes
managers) held most of their auditions in New York City, some in Chicago. In the 1940s and
‘50s, a musician would learn about auditions through the musicians’ grapevine, postings in
major music schools, and union boards in different cities, or by writing directly to
orchestras….The Los Angeles and New York City AFM locals would not allow musicians to
audition for an orchestra unless they belonged to the local union (NB: the white local, as
musician unions were still segregated); most other orchestras would hear local union
musicians before the conductor heard auditions in New York and Chicago.”
(Stewart, 2007) Os sistemas em vigor eram caracterizados por grande um
nepotismo e favoritismo:
“Há pouco tempo atrás, por exemplo, se um candidato fosse um aluno
preferido de um músico que na sua parte fosse um favorito da administração, a
qualidade da sua performance na audição dificilmente fazia diferença. Ele
estava automaticamente aceite. Até há cerca de 10 anos atrás, vagas eram
raramente partilhadas. Posições eram ocupadas mesmo antes de potenciais
candidatos saberem da sua existência. Outra vez, se era feita uma audição, era
uma simples formalidade se não era mesmo uma charada. Alguns naipes eram
inteiramente preenchidos por alunos do chefe de naipe.” 3 (Henahan, 1974)
O ambiente de trabalho dos músicos profissionais mudou drasticamente
na década de 60. Vários acontecimentos estimularam a mudança, incluindo a
remoção dos poderes autocráticos dos maestros e o maior envolvimento dos
próprios músicos.
Até à década de 60, o suporte dos sindicatos às orquestras estava
quase inteiramente focado na contratação de músicos locais. No entanto, 1962
representa um ponto de viragem historicamente importante: um movimento
popular de músicos pertencentes a várias orquestras profissionais fundou a
International Conference of Symphony and Opera Musicians (ICSOM), a qual
estabeleceu a necessidade da organização de comitês, a criação de um
protocolo regulado e mais. Em 1969 esta associação representava já 52
orquestras com orçamentos de mais de 5 milhões de dólares. A audição às
cegas, apesar de não ser imposta, tornou-se um procedimento comum na
década de 70 para proteger a identidade e encorajar a imparcialidade. Isto
eliminou o ambiente previamente segregado e predominantemente masculino
nas orquestras de topo.
Em 1984 foi unanimemente aprovado pela Federação Americana de
Músicos (AFM), pela ICSOM e pela Major Orchestra Managers Conference
(MOMC), o Código de Práticas Éticas para Audições Nacionais e
Internacionais. Este documento é uma diretriz para a revisão das políticas
locais e práticas relacionadas com as audições, embora não force as
orquestras a seguir um protocolo específico:
“É importante perceber o que este documento é e o que não é. É
essencialmente um documento de persuasão. Não há nenhuns “deves”, mas
muitos “podes”. Aqueles que o aprovaram afirmam com isso que irão realizar
as suas audições de acordo com os princípios articulados nele. A afirmação
tácita é que assumem que outros devem fazer o mesmo.

3
Texto original: “Not long ago, for instance, if a candidate were a favorite student of a player
who was in turn a favorite of the management, the quality of his performance at an audition
hardly figured at all. He was automatically in. Until about 10 years ago, vacancies were seldom
made public. Jobs were filled before potential candidates knew they were open. Again, if there
was an audition, it was a formality if not actually a charade. Some sections were entirely staffed
with students of the first‐chair man.”
No entanto, este código não é um contrato. Ninguém é involuntariamente
vinculado a ele. Não contém planos para uma ação punitiva. Não presume
dizer às orquestras que dirijam as suas audições de certo modo- senão.” 4
Como as orquestras não estavam vinculadas ao documento, audições
informais ainda eram praticadas.
A prática da audição formal dos dias de hoje não difere, na maior parte,
das recomendações que se encontram no Código. A grande diferença reside
principalmente na maneira de anunciar vagas disponíveis e audições, que, com
o desenvolvimento da internet, tornou-se muito mais simplificada e abrangente
a potenciais candidatos.

1.3. O processo das audições atualmente

O primeiro passo para arranjar trabalho numa orquestra é saber onde


procurar. Em Portugal, (…). A internet é uma ferramenta essencial para obter
conhecimento sobre vagas disponíveis em todo o mundo. Existem plataformas
dedicadas exclusivamente a essa partilha, como a revista alemã Das
Orchester, musicalchairs.info, vioworld.com e muvac.com. É também
necessário ter em conta o facto de o processo de audição não ser uniforme em
todo o mundo. Enquanto que audições são compulsivas e obrigatórias à
partida, podem existir diferenças na sua prática. (Davis, 2004)
As orquestras profissionais regem as suas audições baseando-se num
destes quatro sistemas:
1. Todos os interessados na posição são convidados a tocar
pessoalmente em frente do júri. Embora este possa ser o método mais justo, o
número de músicos proficientes ao ponto de serem potenciais candidatos tem
aumentado de maneira a tornar uma audição realizada desta maneira
impraticavelmente demorada.
2. Um pequeno número de aplicantes é convidado a prestar audição
consoante a sua reputação, experiência ou currículo- este sistema visa reduzir
o consumo de tempo, assegurando a qualidade dos concorrentes. No entanto,

4
Texto original: It is important to understand what this document is and what it is not. It
is essentially a document of persuasion. There are no “shalls” but lots of “shoulds.”
Those who have endorsed it assert thereby that they will conduct their auditions in
accordance with the principles articulated therein. The tacit assertion is also that they
think others should do likewise.
However, such a code is not a contract. No one is involuntarily bound by it. It contains
no provisions for punitive action. It does not presume to tell orchestras that they will run
their auditions a certain way—or else.”
reduz as oportunidades de tentar à posição músicos menos experientes que
poderiam legitimamente consegui-la.
3. Um número de candidatos é convidado a realizar a audição
baseando-se na reputação, enquanto que os restantes são requisitados a
enviar uma gravação. Este é o sistema mais popular atualmente. A decisão
sobre a quem é pedida uma gravação é, contudo, muitas vezes arbitrária.
4. É pedida uma gravação a todos os concorrentes. De certa forma este
é um método tão justo como o primeiro. Todavia, músicos já estabelecidos e
com uma certa reputação são capazes de se sentir insultados por terem que
realizar uma gravação, optando por não comparecer à audição.
Nenhum dos sistemas é infalível. A Música é uma arte visceral e o
julgamento da qualidade do músico será sempre subjetivo (Yeo, 2013).
Segundo Davis, R., em média, uma prova pode durar entre dez a vinte
minutos, sendo o formato o seguinte:
- Duas obras contrastantes;
- Excertos orquestrais;
- Leitura à primeira vista.
Numa entrevista entre Rob Knopper, percussionista da Metropolitan
Opera (MET), em Nova Iorque, e Tom Greenleaves, timpanista da
Gewandhausorchester, em Leipzig, é descrito o funcionamento do sistema
utilizado atualmente por todas as orquestras alemãs, a maioria das orquestras
austríacas e suíças e por algumas outras orquestras europeias. Realiza-se
uma pré-audição, avaliando cerca de 40 a 80 candidatos, os quais apresentam
apenas um concerto clássico em frente ao respetivo naipe, o qual decide
secretamente em quem passa à fase seguinte utilizando a regra dos 50%, onde
cada candidato precisa de pelo menos essa percentagem de votos. Na audição
principal é adicionada à prova os excertos orquestrais previamente partilhados
com os candidatos, bem como um andamento de um concerto romântico ou do
séc. XX. O júri consiste já em todos os membros da orquestra que estejam
presentes, seguindo a mesma regra dos 50%, ou até, em alguns casos, 60%,
tendo o naipe e o maestro direito a veto. O vencedor é então sujeito ao período
de teste já mencionado.

Contudo, a maioria das orquestras impõe ainda um período de teste no


candidato vencedor da audição que pode durar até um ano (ou apenas uma
semana; nesse caso, recebem a normal carta de rejeição). Se, após esse
período, os músicos, o maestro e a administração não estiverem
completamente satisfeitos com ele, a posição é novamente aberta. Este
período probatório extenso é necessário, considerando que as posições
oferecidas são muitas vezes titulares. Por isso, são vários os fatores avaliados,
como méritos, defeitos e até conflitos de personalidade com os membros já
residentes, mesmo antes de o emprego ser formalmente oferecido.
O júri é constituído por membros da orquestra; pode incluir
representantes da gerência, o próprio diretor musical e, pelo menos, um
especialista no instrumento em questão. Uma prática em comum é a audição
às cegas, onde o candidato permanece invisível ao painel e vice-versa,
podendo ser desclassificado caso faça algo que seja indicativo da sua
identidade, raça, género, etc.; isto para garantir a imparcialidade das decisões.
No caso de não ser imposta a restrição da visão, é importante saber reagir de
maneira adequada consoante a atitude do júri. Enquanto que este pode
esforçar-se para criar um ambiente propício para o candidato sentir-se à
vontade para mostrar o que sabe fazer, poderão haver indivíduos que irão
comportar-se com o intuito de o desmoralizar e desencorajar.
1.4.2. Orquestras de jovens

As orquestras de jovens destinam-se geralmente a candidatos entre os


16 e os 26 anos, com ligeira variação; podendo ser tanto ao nível nacional
como internacional e europeu. As inscrições são gratuitas e candidatos que
concorreram em anos anteriores podem fazê-lo novamente sem qualquer
consequência. (Direção-Geral das Artes, 2018)

Por norma realizam-se dois estágios principais (com viagem e estadia


pagas), constituídos por um período de residência de 2 a 3 semanas, de
ensaios intensivos tutti e de naipe com professores do respetivo instrumento,
bem como com maestros e solistas de renome. Para além da preparação do
repertório para os concertos, o estágio oferece também oportunidades de
música de câmara e outras atividades recreacionais e sociais para que os
músicos possam disfrutar o máximo possível do ambiente transnacional de
trabalho. (EUYO, 2023)

Os objetivos da European Youth Orchestra (EUYO) passam por:

- Melhorar e espalhar o acesso à atividade cultural ao nível europeu e


pan-europeu;

- Promover o património da produção cultural europeia, local e regional;

- Representar a UE como embaixadores culturais;

- Ajudar a treinar a próxima geração de líderes da música clássica ao


nível europeu e internacional;

- Aumentar o número e alcance de músicos treinados pelas suas


atividades;

- Contribuir para o desenvolvimento da carreira e empregabilidade de


jovens músicos;

- Proporcionar habilidades, competências e perícia que fortalecem o


setor;

- Participar em várias atividades de performance em concertos e


festivais;

- Desenvolver estratégias para melhorar e aprofundar a experiência de


públicos diversos;

- Permitir às gerações futuras aprender, participar e aproveitar música;


(EUYO, 2023)
Estes vão de encontro aos objetivos da European Federation of National
Youth Orchestras (EFNYO), que referem também a importância de destacar a
excelência do talento musical europeu reunido nas orquestras de jovens pré-
profissionais, oferecer formação em competências empreendedoras e gestão
de carreiras de maneira a diversificar o portefólio profissional e aumentar a
competitividade de jovens músicos profissionais no mercado de trabalho
europeu; bem como fomentar o apreço do público jovem pela diversidade
musical e pela performance contemporânea musical. (EFNYO, 2021)

“MISSION STATEMENT- A Federação Europeia de Jovens Orquestras


Nacionais (EFNYO) afirma-se como a força impulsionadora do futuro da música
sinfónica. Com profundas raízes na vida musical europeia, a federação
caracteriza-se por uma dinâmica de permanente expansão, enquanto
plataforma única de encontro e troca de experiências no campo da formação
orquestral. Ao assumir a responsabilidade pelos futuros instrumentistas de
orquestra, a EFNYO promove projetos de cooperação e mobilidade dos jovens
músicos. Desde a sua fundação, em 1994, que desenvolve fortes laços com os
setores educacionais e profissionais da música. Os concertos, que as
orquestras da federação apresentam por toda a Europa, combinam um elevado
nível artístico com o entusiasmo e a vitalidade da alegria juvenil de fazer
música.” (EFNYO, 2021)

O processo de audição é ligeiramente diferente de uma orquestra


profissional; geralmente é necessária uma aplicação inicial acompanhada de
uma gravação, esta podendo incluir uma peça a solo e/ou excertos
selecionados pela organização do projeto; seguem-se uma ou duas rondas de
audições presenciais também compostas de obras selecionadas.

É prática comum a presença de uma câmara nas audições presenciais;


no caso de não se realizar uma pré-eliminatória por gravação, estas acabam
por ser necessárias de modo a que o júri possa rever a performance de cada
concorrente de maneira a tomar as melhores decisões (Orchestras, 2018); às
audições ao nível nacional e internacional concorre um número elevado de
candidatos, muitas vezes prestando provas em localizações estratégicas
colocadas pelo país (por exemplo, as audições prévias para a temporada 2019-
2020 da Orquestra de Jovens da União Europeia foram realizadas no
Conservatório do Porto e na Metropolitana em Lisboa em dias diferentes). Este
método não permite a decisão instantânea do júri, que precisa de comparar
com os concorrentes provenientes dos outros países. (Direção-Geral das
Artes, 2018)
2. O perfil do candidato

2.3. Preparação psicológica

Ao longo da minha vida já me foi apresentada várias vezes a


comparação entre a performance musical e o desporto de alta competição.
Muito do stress mental ao que os músicos são expostos é semelhante aquele
sentido por atletas: a manutenção do foco, a atuação em público e o lidar com
lesões.
A ansiedade na performance é um fator cujo impacto depende
largamente da pessoa em questão, podendo esta sentir desde um ligeiro
desconforto até um medo debilitante. Ao perceber as causas do “medo do
palco” e adquirindo contramedidas, todo o músico é capaz se melhorar a sua
performance. (Klickstein, 2012) argumenta para a existência de três causas
para a ansiedade na performance:
1. O indivíduo: a personalidade e as crenças do músico afetam as suas
experiências no palco. Pessoas extrovertidas geralmente sentem-se mais
confortáveis e são menos afetadas pela pressão. As suas memórias são
também fatores influentes – experiências negativas passadas geram ansiedade
para o presente.
2. A tarefa: tarefas mais difíceis são geradoras de maior stress do que
tarefas fáceis. Do mesmo modo, um estudo ineficiente ou até insuficiente pode
fazer o músico ceder sobre pressão.
3. A situação de performance: quanto maior a preocupação do músico
pelo resultado da performance, maior a margem para o aparecimento de stress
e ansiedade. Fatores como a importância da performance, o local onde esta se
realiza e a presença do público podem aumentar o seu desconforto.
O desenvolvimento de fortitude mental no mundo do desporto utiliza
técnicas facilmente aplicáveis aos músicos: controlo das variáveis, auto
encorajamento, estabelecimento de objetivos, visualização e manutenção de
rotinas. Existem várias técnicas que ajudam a aumentar a concentração e
reduzir o stress. A alta concentração é o foco resoluto face a uma situação
específica aliada à negligência momentânea do meio envolvente. Alex Kerr
descreve-a como o lugar mental “entre o aborrecimento e a frustração”: com a
frustração vem a claridade necessária para atuar no máximo das capacidades.

Técnicas de visualização
As técnicas de visualização são muito úteis na construção da
autoconfiança do músico. Passam por visualizar mentalmente e com absoluta
precisão toda a experiência de realizar a audição, concerto ou até qualquer
situação no quotidiano em que este método se mostre útil: imaginar os
bastidores, o percurso até ao palco, a observação da sala de concerto, o ecrã e
o júri do qual ele nos separa, a afinação do instrumento e o começar a tocar.
Ao ter estas sensações todas em mente, no momento real elas ser-nos-ão
familiares. Tentar também imaginar a nós próprios a tocar todo o repertório
exatamente como o queremos ouvir ajuda a criar facilidade e conforto na
performance a sério. Lucas, W. vai ainda mais longe com esta ideia,
imaginando-se a si próprio como já tendo vencido a audição e aceitado os
parabéns do comité, do maestro, dos seus amigos e família; isto para se focar
nos aspetos positivos que participar na audição também traz.

Centering

O centering é uma técnica de visualização antiga louvada por psicólogos


de desporto que ajuda no relaxamento e aumento da concentração. Resume-
se à libertação da mente de pensamentos alheios em conjunção com técnicas
de respiração. Uma breve descrição:
1. Foca-te na tua respiração
- Passa algum tempo a respirar profundamente. Um exercício consiste
em deitar-se no chão, colocando uma mão no estômago e procurando
respirar empurrando a mão com o diafragma, enquanto expira-se
devagar e deliberadamente pela boca.

2. Encontra o teu centro


- O teu centro de gravidade, aproximadamente 5cm abaixo do umbigo,
transmite uma sensação de equilíbrio e controlo.
-Quando te sentes stressado, foca-te no teu centro e procura estabilizar

3. Canaliza a energia negativa para o teu centro e liberta-a


- Visualiza a energia negativa como uma bola ou um balão e livra-te
mentalmente dela, enchendo o teu centro de pensamentos positivos.
2.4. Preparação física

Dieta
É importante manter uma dieta equilibrada, com destaque para a fruta,
vegetais e proteína. É também importante perceber que a preferência na
alimentação compete a cada pessoa: (Lucas, 1998) recomenda a com
antecedência tomar notas das refeições de noites anteriores a uma sessão de
estudo, para perceber como elas nos fazem sentir. Através de tentativa erro,
um músico é capaz de identificar aquilo que melhor contribui para que se sinta
no pico do seu bem-estar.
(Yeo, 2013) aconselha a, no dia da audição, beber muita água, evitando
refrigerantes, chá, café, leite e outras bebidas que possam deixar o sabor na
boca, para estabelecer uma rotina de idas à casa de banho frequentes que por
sua vez permite relaxar o corpo, mantê-lo em movimento e previne a boca
seca.

Sono
O aumento das horas diárias de sono resulta em tempos de reação mais
rápidos, maiores atenção, destreza e precisão de movimentos. Em suma, uma
melhoria na performance. Só que não basta apenas ter uma boa noite de sono
no dia anterior; visto que a maioria das pessoas opera num regime de “dívida
de sono”, vários autores recomendam a que se inicie a rotina de mais horas de
sono semanas antes da audição para que seja possível colher os benefícios.
Para além disso, (Kageyama, s.d.) aponta para algumas dicas que
podem não parecer tão evidentes; um dos conselhos mais frequentes no que
toca à preparação da audição é o de não estudar demais, ou seja, o de tentar
puxar os limites na última semana antes dela. Embora possa parecer
contraintuitivo, a melhor opção é capaz de ser o descanso a fim de garantir a
falta de fadiga mental no dia da audição.
Vários estudos mostraram que o cansaço mental derivado de tarefas
mentalmente extenuantes causava um impacto negativo na performance de
atividades que iam desde tarefas que requeriam coordenação motora delicada
até à prática de futebol. Isto revela que o descanso não passa apenas por uma
boa noite de sono, mas também pelo evitar de situações stressantes
(conversas, pessoas, tarefas) no dia antes da audição.
Esta ideia de descanso permite estabelecer uma analogia com o mundo
do desporto: a estratégia denomina-se “tapering” e consiste em obter um pico
de forma mediante um processo planificado, no qual se diminui a carga de
treino durante um período variável de tempo, numa tentativa de reduzir o stress
fisiológico e psicológico do stress diário e otimizar o rendimento desportivo
(Valdés, 2023).

Prevenção de lesões músculo-esqueléticas

Na preparação para uma audição estão incluídas as muitas horas de


estudo individual diário necessárias. Um estudo realizado em condições pouco
ideais e de maneira irresponsável é propício ao surgimento de lesões.
Felizmente existe um conjunto de estratégias de prevenção que devem ser
adotadas:

 Manutenção da saúde pessoal e bem-estar

O primeiro passo para a prevenção de lesões é a adesão a um estilo de


vida saudável (nutrição, hidratação, atividade física, qualidade de sono e
gestão do stress) que permita a manutenção de um corpo saudável e
menos propício a lesões.

 Seleção de espaços de estudo apropriados

Fatores do meio como o frio ou a fraca luminosidade podem aumentar o


risco de lesões. É importante selecionar um espaço confortavelmente
aquecido e luminoso; não sendo isto possível, auxiliarmo-nos de
ferramentas que aliviem as condições adversas.

 Desenvolvimento de bons hábitos de estudo

Entre os bons hábitos de estudo estão considerados: realização de


aquecimento corporal (que estimula a circulação sanguínea e aquece os
músculos e os ligamentos); realização de alongamentos (aumenta a
flexibilidade corporal); pausas de descanso (ajudam a diminuir os níveis
de stress resultantes do estudo de um instrumento); evitar repetições (a
seleção de um conjunto variado de conteúdos a serem abordados num
estudo pode diminuir a fatiga corporal e psicológica resultante da
repetição exaustiva de passagens exigentes); aumento gradual da
duração e intensidade do estudo (permite ao corpo um adaptação
gradual aos níveis de exigência impostos pelo instrumentista que,
consequentemente, consegue ter uma melhor consciência dos limites do
seu corpo e responder da melhor forma a eventuais sintomas de lesão).

 Presença de uma boa consciência corporal


Uma competência importante é a capacidade do músico de se
autoavaliar durante o estudo e se aperceber de comportamentos
incorretos que possa apresentar. A prática de outras atividades que
focam na consciência corporal (técnica de Alexander, método de
Feldenkrais, método de Pilates, Yoga, Tai Chi), onde o objetivo e
desenvolver uma maior sensibilidade para a postura e movimento do
corpo, permite ao músico melhorar a sua consciência em relação à
postura corporal e também a sua preparação física (Robinson & Zander,
2002).
3. Preparação do programa específico para a audição

3.1. Concerto para clarinete de W.A. Mozart

O Concerto para clarinete em Lá Maior K.622 de W.A. Mozart (1756-


1791) foi o último concerto para sopros escrito por ele e foi finalizado por volta
de 15 de novembro de 1791. (Cooksey, 1982) Foi dedicado ao virtuoso Anton
Stadler, com o qual ele possuía uma relação estreita de cooperação musical e
de amizade. Apesar de o concerto ter sido finalizado cerca de dois meses
antes da morte do compositor, é uma obra alegre que não transmite a ideia de
um Mozart consumido pela eminência da sua morte e pela escrita do Requiem.
(Landon, 2006) Representa o expoente máximo do repertório solístico do
período Clássico para o clarinete.

Clarinetistas do século XXI, ao preparar uma performance do concerto,


são confrontados com as decisões habituais na escolha do tempo, articulação
e fraseado; mas também dificuldades acrescidas como a ornamentação e até
mesmo a autenticidade das notas. Quando se pretende adquirir uma cópia da
partitura, reduzida para clarinete e piano, é possível nos deparar com 18
edições disponíveis (à data de publicação). (Koons, 1998)

O único manuscrito existente do concerto é um esboço que Mozart teria


começado em 1787 para um cor de basset em Sol. Em 1791 ele voltou a pegar
nele, mudou a tonalidade para Lá maior e mudou o instrumento para um
clarinete de basset em Lá, este projetado por Stadler e construído segundo as
suas indicações. Este instrumento tinha um alcance estendido até o Dó 2,
quatro meios tons abaixo de um clarinete normal. Ambos o manuscrito de
Mozart e o instrumento de Stadler não sobreviveram. Agravando o problema, a
publicação mais antiga vem de 1801, dez anos após a estreia do concerto, e
arranjada para o clarinete regular em Lá ou Si b. (Puwalski)
As primeiras publicações apareceram com poucas indicações de
articulação e dinâmicas. Para ajudar nas interpretações, a maioria das edições
atuais adicionam-nas, sendo por vezes baseadas nas interpretações de um
clarinetista de renome; ou declaradas como “alterações editoriais” sem ser
dado crédito. Isto pode levar a que um clarinetista mal informado pense que
tudo o que se encontra na partitura veio do compositor, quando isso não é o
caso. Deste modo, uma ponderação completa da prática da performance inclui
a escolha de notas e oitavas para algumas passagens, níveis de flexibilidade
do tempo, articulação, ornamentação e improvisação, performance das fermati,
trilos e ornamentação escrita. (Koons, 1998)

“A exposição do Concerto para o Clarinete em Lá Maior, K. 622, de


Mozart, também foi adicionada à lista de excertos a ser discutida. Embora não
seja um excerto orquestral, o concerto é muito requisitado nas audições. De
acordo com um inquérito realizado por Kulilowski, o concerto foi a obra a solo
mais pedida, e quando comparado com a lista de excertos orquestrais mais
frequentemente pedidos, estaria em terceiro lugar.” 5 (Schoen, 2004)

5
Texto original: “The exposition of the Mozart Concerto for Clarinet in A Major, K. 622
was also added to the excerpts to be discussed. While not an orchestral excerpt, this
concerto is often required at auditions. According to the Kulilowski survey, the Mozart
Concerto was the most frequently asked solo composition, and when compared to the
list of orchestral excerpts most frequently required, it would have been ranked third
overall.” (Schoen, 2004)
Apesar de o Concerto não ser um excerto orquestral, é a peça a solo
mais frequentemente pedida em audições; a opinião mais consensual sobre as
razões para isso acontecer é porque a obra é tão transparente que a sua
performance requer precisão da afinação, clareza de articulação, exatidão
rítmica, destreza técnica e, no geral, um nível elevado de competências
musicais. (Schoen, 2004) Numa entrevista realizada por Schoen, Burt Hara,
Associate Principal da Los Angeles Philarmonic, diz, que “no que toca à
articulação, afinação, ritmo; é uma obra tão imaculada que mostra tudo”. Laura
Arden, ex-primeiro clarinete da Atlanta Symphony Orchestra, apresenta a
dificuldade de apresentar uma interpretação convincente e ao mesmo tempo
manter-se fiel ao estilo do período clássico de Mozart; comenta que “é
provavelmente a peça mais difícil de se tocar com bom gosto musical e com
um nível elevado de virtuosismo”. Ela continua dizendo que um clarinetista
sente “pressão” para fazer algo significativo quando toca esta peça ou numa
audição ou como solista numa orquestra.
Michael Rusinek diz que utiliza o concerto para destacar diferentes
partes da sua competência clarinetística numa audição, como, por exemplo,
tocar certas passagens mais piano do que seria possível fazer com o
acompanhamento da orquestra. Ele explica que quer mostrar numa audição o
que consegue fazer, não necessariamente o que ele iria fazer numa
performance: “Isto é o que eu sou capaz de fazer e, deste modo, se me
contratarem, sabem que têm alguém que consegue fazer tudo.”

Em relação à prática da performance, recomendam a procura por


“elegância e aperfeiçoamento”; o recurso ao piano “a fim de manter a pulsação
constante e uma boa afinação”. É muito importante a consistência rítmica: “É
algo que transcende todos os ouvintes, toda a gente o percebe e concorda
nesse aspeto, por isso é muito importante fazê-lo perfeitamente logo desde o
início.”

3.2. Excertos Orquestrais

Os excertos orquestrais são pequenas secções (excertos) do repertório


sinfónico: sinfonias, óperas, concertos, etc. Excertos padrão variam de
instrumento para instrumento, e são escolhidos pela sua dificuldade técnica,
nuances expressivas ou exposição numa peça de literatura orquestral.

Os excertos são ferramentas que servem para demonstrar a proeza


técnica e a expressão musical do instrumentista em passagens importantes de
várias obras, e são a base de qualquer prova para orquestra. Cada uma poderá
ter uma lista ligeiramente diferente, mas a lista padrão é sempre a mesma
(Maclay, 2022).
3.2.1. Sexta sinfonia de Beethoven

A Sexta sinfonia de Beethoven, Op. 68, foi composta entre 1802 e 1806,
tendo sido estreada num concerto megalómano a 22 de dezembro de 1806, no
Theater an der Wien, Viena, o qual incluiu também a estreia da quinta sinfonia
Op. 67, o quarto concerto para piano Op. 58 e a Fantasia Coral Op. 80.

Beethoven serviu-se da zona rural dos arredores de Viena como


inspiração. Ele gostava de caminhar pelo campo e por vezes tomava notas em
palavras e impressões musicais dos mundos naturais e humanos que
observava. Esta sinfonia pode ser considerada uma das mais refinadas
representações a larga escala do mundo natural nos séculos XVII e XVIII.
Beethoven incluiu ainda um subtítulo para a sinfonia: “Recordações de uma
vida no campo” (Berry, s.d.). O termo “Pastoral” já teria sido utilizado na
Música tão cedo como há 100 antes de Beethoven e implicava o sono da
Natureza e o cantar das gaitas de foles. Ele exalta esse conceito num
“murmúrio primordial”, e imita padrões naturalmente repetitivos com passagens
longas de harmonia constante. (de Souza, 2023)

É a peça mais frequentemente presente nas provas para clarinete e


apresenta novos desafios para o clarinetista de cada vez que refina a sua
perícia e a sua autocrítica. (Osborn, 2017)

 I. “Erwachen heiterer Empfindungen bei der Ankunft auf dem


Lande”

O primeiro andamento, “Despertar de sentimentos alegres diante da


chegada ao campo”, imediatamente evoca uma sensação de relaxamento e
alívio, na tonalidade tradicionalmente pastoral de Fá maior.
Figura 1: L.V. Beethoven, Sexta Sinfonia, I. Allegro ma non tropo, Excerto para clarinete

Larry Combs, ex-primeiro clarinete da Chicago Symphony Orchestra


(CSO), na sua gravação Orchestral Excerpts for Clarinet (With Spoken
Commentary), inserida na série OrchestraPro da Summit Records, aconselha a
que o solo a partir do compasso 476 seja “bem suportado” (com a pressão do
ar) “e bem projetado, visto que a textura orquestral envolvente é bastante
densa”; manter o forte dolce indicado ao não usar uma articulação muito
pesada ou muito curta nas tercinas. Não fazer um retardo no fim do solo pois a
música continua logo depois de o solo terminar.”
Osborn (2017) nota que é possível que peçam na audição para tocar
dois compassos antes da letra K, para definir o tempo. Ele prefere dessa
maneira. A sequência passo a passo Si, Dó, Si deve seguir ao nível da
dinâmica sem destruir o súbito forte. “Toca cada motivo com uma nuance
idêntica, e sê absolutamente preciso com a colocação das semicolcheias. É um
erro comum demorar na colcheia e de seguida correr nas semicolcheias. Toda
a orquestra toca o arpejo em forte do compasso 479 e, numa performance,
apresenta uma oportunidade para respirar. Toca as tercinas moderadamente
curtas e saltitantes. Mostra a frase nos compassos 480-2, ao fazer a segunda
nota de cada compasso um novo impulso para o compasso seguinte. Os
próximos compassos devem ser tocados da mesma maneira, mas são mais
fáceis porque são em forte. Toca cada repetição mais forte do que a anterior, e
atinge o clímax no compasso 488, onde deves imediatamente começar um
diminuendo. O aspeto mais importante que o júri quer ouvir nesta passagem
(para além de precisão absoluta) é um diminuendo até um verdadeiro pp sem
atrasar ou alongar as notas. Pequenos apoios no Si grave de cada vez podem
ajudar. Mantém o tempo de mínima=66.”
(Schoen, 2004) refere que as dinâmicas devem ser mais fortes numa
performance orquestral do que numa audição: “I try to make it sound the same
way only it has to ride on top of the orchestra.” (Michael Rusinek).
Sente-se que nas audições os candidatos por vezes começam a
passagem dois compassos antes da letra K demasiado forte, com um som duro
e agressivo, o que por sua vez podia afetar o resto do excerto: “É preciso
produzir o som mais cheio possível sem ser agressivo, a fim de poder mostrar
os contrastes dinâmicos.”
Aconselha a que se ouçam três níveis de dinâmicas nas sequências a
começar na nota Sol no compasso 480, bem como iniciar um pequeno
crescendo nas sequências que conduzem ao forte para que não sejam
necessariamente subito forte (compassos 478, 482). É mais importante atingir
o som do dolce do que do forte, visto que nestas partes a orquestra participa e
dá suporte sonoro. Para atingir o contraste dinâmico na sequência que começa
a partir do compasso 487, o arpejo de Sol M repetido, é importante controlar
bem o diminuendo, para que não soe demasiado piano demasiado cedo: “Se
ficares demasiado pequeno muito cedo, então não tens para onde ir.” É uma
boa ideia ter um som bastante cheio no primeiro forte, para conseguir fazer um
diminuendo percetível sem ter que arriscar. Nos últimos compassos, é
imperativo não deixar o Ré agudo “saltar” muito forte, pois irá anular todo o
diminuendo precedente. Por outro lado, se não fizer grande diminuendo, mas
esse último Ré for impecável, vai dar a sensação de um bom diminuendo.
Em relação ao tempo, “um retardando não funciona musicalmente” (nos
últimos compassos), “porque o ímpeto continua nas cordas depois de o
clarinete terminar.” Ao ouvir o excerto em contexto, percebe-se que não faz
sentido abrandar.
No que toca à articulação, ela não pode ser nem muito curta, o que não
transmite a sensação “pastoral”, nem muito longa, pois assim não irá soar
brincalhão e tranquilo; deve ser “nítida”.

 II. “Szene am Bach”

O segundo andamento é um andante que evoca uma experiência do


desfrutar da Natureza: “Cena perto de um riacho”. São retratadas as suas
águas num estilo de “poesia auditiva”, na forma sonata. Existe uma pequena
cadência para as madeiras onde Beethoven escreve aludindo para cantos de
pássaros: flauta-rouxinol, oboé-codorniz e clarinetes-cuco. É um momento
narrativo crucial para a vivência destas cenas no tempo (Berry, s.d.).

(Combs, Youtube, 1994) diz que as preocupações no segundo


andamento consistem em moldar as frases de maneira convincente e manter a
pulsação durante os longos períodos de pausa; observar as indicações de
dinâmica fielmente.

(Schoen, 2004) considera a maior dificuldade a conjunção entre o


emprego de rubato e a contagem correta dos tempos de pausa. Há uma certa
margem para erro na contagem das pausas numa audição do que numa
performance com a orquestra, embora o júri tente contar mentalmente ou
imaginar mentalmente o acompanhamento. Para ajudar na contagem, foi
sugerida a subdivisão do excerto em semicolcheias em vez de colcheias.
Existe também o problema de ser lírico na passagem sem distorcer o
tempo ao mesmo tempo. Quando o rubato é necessário, sendo que neste
excerto o é, tem que estar inserido no contexto de uma pulsação constante e
ser bastante convincente. De outro modo parece uma “imitação barata”. Tem
que soar natural. No entanto, de maneira um pouco contraditória, Burt Hara
“prefere um candidato que toque o excerto ligeiramente fora de tempo, mas
com as apogiaturas líricas, do que alguém que despache as apogiaturas só
para se manter em tempo.”

3.2.2. “Der Freischütz” - Abertura de C. M. Weber

“Der Freischütz”, Op. 77, é uma ópera escrita por Carl Maria von Weber
(1786-1826) em 1821. É considerada “a obra que marca definitivamente o
nascimento da ópera romântica alemã” (Grout & Palisca, 1988). A história gira
em torno de uma situação frequente no folclore e que foi imortalizada no
Fausto de Goethe: um homem vendeu a alma ao diabo a troco de favores
terrenos – neste caso, a troca de algumas balas mágicas que lhe permitiram
ganhar um concurso de tiro ao alvo e, assim, conquistar a mão da mulher
amada. Seis das balas obedecerão aos desejos do herói, Max, mas a sétima
segue as instruções do demónio Samiel. Como habitualmente, o diabo acaba
por ser logrado: a heroína Agatha está protegida (pela grinalda mágica que lhe
deu um eremita) contra a bala que o diabo a destinou, e tudo termina bem. Os
coros rústicos, as marchas, as danças e as árias combinam-se, na partitura,
com árias incorporadas no estilo italiano. (Grout & Palisca, 1988)
“A abertura de Der Freischütz não é, ao contrário de tantas aberturas de
ópera do início do século XIX, uma simples miscelânea de melodias, mas
antes, como as aberturas de Beethoven, um primeiro andamento sinfónico
completo em forma sonata com uma introdução lenta. A ária de Max no
primeiro ato, Doch mich umgarnen finstre Machte, por exemplo, serve de
primeiro tema da exposição, enquanto que a música para a fundição da sétima
bala, na cena do desfiladeiro do lobo, funciona como ponte para o segundo
tema, que também é extraído da ária de Max. O tema final da exposição é a
melodia da última parte da ária da soprano Agatha no segundo ato, All’meine
Pulse schlagen («Todas as minhas veias palpitam»).” (Grout & Palisca, 1988)

O solo da abertura mostra que Weber possuía uma afinidade para o


clarinete. Depois dos acordes em forte nas trompas, o clarinete entra com uma
linha melódica sustentada numa dinâmica forte cheia. Procura-se dar a
impressão de força e firmeza, sem soar demasiado brilhante. O 2º clarinete
junta-se em piano depois de alguns compassos (115) e logo a seguir o solo
mistura-se com os violinos; conhecimento destes vários contextos pode
melhorar a impressão musical geral. (Combs, Youtube, 1994)
3.2.4. “Pedro e o lobo” de Prokofiev

“Petya and the Wolf”, Op.67, é um conto sinfónico para crianças, escrito
por Sergei Prokofiev (1891-1953) sobre um texto da mesma autoria. Em 1935,
o compositor levou os dois filhos ao Teatro das Crianças de Moscovo para ver
um espetáculo extraído de um conto de Pushkine. A diretora do teatro, Natalia
Satz, reconheceu-o e aproveitou a ocasião para lhe pedir que escrevesse
alguma coisa para o público infantil. Após algumas hesitações, Prokofiev disse
que sim e a 2 de maio de 1936 o Pedro e o Lobo foi apresentado pela primeira
vez, mas “a performance não foi muito boa e não gerou muita atenção.”
(Prokofiev, 2000)

Cada personagem na história tem o seu próprio leitmotif tocado pelo


mesmo instrumento: o pato é representado pelo oboé, o avô pelo fagote, (o
gato pelo clarinete), etc. Antes de cada performance os instrumentos são
mostrados às crianças e os temas tocados para elas; durante a performance as
crianças ouviam os temas repetidos várias vezes e aprendiam a reconhecer o
timbre de cada instrumento. O texto é lido durante pausas na música, a qual é
desproporcionalmente mais longa do que o texto- para Prokofiev a história só
importava como meio de induzir as crianças a ouvirem a música. (Prokofiev,
2000)
O solo no número de ensaio 20 representa o gato a fugir do lobo.
Primeiramente, o gato, nervoso e preocupado, circunda a árvore à procura de
um lugar por onde trepar, depois agarra-se ao tronco com saltos curtos e sobe-
o com urgência (tercinas); salta por entre os ramos até atingir o topo, onde
acaba por fingir que não estava nervoso desde o início. É recomendável ver um
gato a trepar uma árvore a sério para se ter uma ideia do que Prokofiev
pretendia atingir. O tempo é muito rápido. Aconselha-se a cumprir estritamente
o ritmo para que o diálogo com a orquestra esteja perfeitamente sincronizado.
Nas tercinas, não faz mal esticar a duração das primeiras notas, mas é suposto
aderir-se ao tempo indicado o melhor possível; realizar o accelerando e o
crescendo ao longo desses dois compassos, e ter atenção para que o Si b do
registo da garganta seja a nota mais forte. Pretende-se continuar o accel. nas
apogiaturas até regressar ao tempo onde indicado, acompanhado de um p
súbito. A descida pelas colcheias pode ser acompanhada de rubato. (Osborn,
2017)

Alguns maestros dão mais flexibilidade no tempo desta passagem do


que outros; no entanto, na audição, procura-se a melhor adesão possível às
instruções do Prokofiev. A escolha do clarinete em Si b ou em Lá fica ao critério
do músico. (Osborn, 2017)

“Yehuda recommended me to write a word at the beginning of each excerpt.


That helped me change my mentality from one excerpt to the next the day of
the audition.” Jose González Granero

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