Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Rui Costa
Processo de Preparação de um
Clarinetista para Provas de Orquestra
Prova de Aptidão Artística
Orientador:
Prof. Isabel Ferreira
09/01/2023
Resumo
Índice
INTRODUÇÃO...............................................................................................................................5
1. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA....................................................................................................6
1.1. A orquestra........................................................................................................................6
1.1.1. O papel do clarinete na orquestra..............................................................................9
1.2. Contexto histórico das audições......................................................................................10
1.3. O processo das audições atualmente..............................................................................13
1.4.2. Orquestras de jovens................................................................................................16
2. O perfil do candidato..............................................................................................................18
2.3. Preparação psicológica....................................................................................................18
2.4. Preparação física.............................................................................................................19
3. Preparação do programa específico para a audição...............................................................23
3.1. Concerto para clarinete de W.A. Mozart.........................................................................23
3.2. Excertos Orquestrais.......................................................................................................26
3.2.1. Sexta sinfonia de Beethoven....................................................................................26
3.2.2. “Der Freischütz” - Abertura de C. M. Weber.............................................................30
3.2.4. “Pedro e o lobo” de Prokofiev..................................................................................33
INTRODUÇÃO
1. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
1.1. A orquestra
A história da orquestra pode ser traçada até aos séculos XVI e XVII,
quando existiam ensembles instrumentais que acompanhavam danças, óperas,
serviços religiosos e banquetes. Desenvolveram-se a partir de grupos que
tocavam nas cortes em Itália e na França, consistindo de instrumentos de
cordas (alaúdes, violinos, violas), sopros (flautas e cornetins) e instrumentos de
teclas. O seu papel principal seria dobrar as vozes dos cantores e produzir uma
textura harmónica para os acompanhar. A escrita para estes ensembles pode
ser descrita como “programática”, onde diferentes instrumentos eram
associados a sentimentos, personagens ou paisagens mitológicas. Os
ensembles de cordas franceses, constituídos de instrumentos da família do
violino de diferentes tamanhos, podem ser considerados a origem da orquestra.
2
Texto original: “Before the restructuring of audition procedures…conductors (and sometimes
managers) held most of their auditions in New York City, some in Chicago. In the 1940s and
‘50s, a musician would learn about auditions through the musicians’ grapevine, postings in
major music schools, and union boards in different cities, or by writing directly to
orchestras….The Los Angeles and New York City AFM locals would not allow musicians to
audition for an orchestra unless they belonged to the local union (NB: the white local, as
musician unions were still segregated); most other orchestras would hear local union
musicians before the conductor heard auditions in New York and Chicago.”
(Stewart, 2007) Os sistemas em vigor eram caracterizados por grande um
nepotismo e favoritismo:
“Há pouco tempo atrás, por exemplo, se um candidato fosse um aluno
preferido de um músico que na sua parte fosse um favorito da administração, a
qualidade da sua performance na audição dificilmente fazia diferença. Ele
estava automaticamente aceite. Até há cerca de 10 anos atrás, vagas eram
raramente partilhadas. Posições eram ocupadas mesmo antes de potenciais
candidatos saberem da sua existência. Outra vez, se era feita uma audição, era
uma simples formalidade se não era mesmo uma charada. Alguns naipes eram
inteiramente preenchidos por alunos do chefe de naipe.” 3 (Henahan, 1974)
O ambiente de trabalho dos músicos profissionais mudou drasticamente
na década de 60. Vários acontecimentos estimularam a mudança, incluindo a
remoção dos poderes autocráticos dos maestros e o maior envolvimento dos
próprios músicos.
Até à década de 60, o suporte dos sindicatos às orquestras estava
quase inteiramente focado na contratação de músicos locais. No entanto, 1962
representa um ponto de viragem historicamente importante: um movimento
popular de músicos pertencentes a várias orquestras profissionais fundou a
International Conference of Symphony and Opera Musicians (ICSOM), a qual
estabeleceu a necessidade da organização de comitês, a criação de um
protocolo regulado e mais. Em 1969 esta associação representava já 52
orquestras com orçamentos de mais de 5 milhões de dólares. A audição às
cegas, apesar de não ser imposta, tornou-se um procedimento comum na
década de 70 para proteger a identidade e encorajar a imparcialidade. Isto
eliminou o ambiente previamente segregado e predominantemente masculino
nas orquestras de topo.
Em 1984 foi unanimemente aprovado pela Federação Americana de
Músicos (AFM), pela ICSOM e pela Major Orchestra Managers Conference
(MOMC), o Código de Práticas Éticas para Audições Nacionais e
Internacionais. Este documento é uma diretriz para a revisão das políticas
locais e práticas relacionadas com as audições, embora não force as
orquestras a seguir um protocolo específico:
“É importante perceber o que este documento é e o que não é. É
essencialmente um documento de persuasão. Não há nenhuns “deves”, mas
muitos “podes”. Aqueles que o aprovaram afirmam com isso que irão realizar
as suas audições de acordo com os princípios articulados nele. A afirmação
tácita é que assumem que outros devem fazer o mesmo.
3
Texto original: “Not long ago, for instance, if a candidate were a favorite student of a player
who was in turn a favorite of the management, the quality of his performance at an audition
hardly figured at all. He was automatically in. Until about 10 years ago, vacancies were seldom
made public. Jobs were filled before potential candidates knew they were open. Again, if there
was an audition, it was a formality if not actually a charade. Some sections were entirely staffed
with students of the first‐chair man.”
No entanto, este código não é um contrato. Ninguém é involuntariamente
vinculado a ele. Não contém planos para uma ação punitiva. Não presume
dizer às orquestras que dirijam as suas audições de certo modo- senão.” 4
Como as orquestras não estavam vinculadas ao documento, audições
informais ainda eram praticadas.
A prática da audição formal dos dias de hoje não difere, na maior parte,
das recomendações que se encontram no Código. A grande diferença reside
principalmente na maneira de anunciar vagas disponíveis e audições, que, com
o desenvolvimento da internet, tornou-se muito mais simplificada e abrangente
a potenciais candidatos.
4
Texto original: It is important to understand what this document is and what it is not. It
is essentially a document of persuasion. There are no “shalls” but lots of “shoulds.”
Those who have endorsed it assert thereby that they will conduct their auditions in
accordance with the principles articulated therein. The tacit assertion is also that they
think others should do likewise.
However, such a code is not a contract. No one is involuntarily bound by it. It contains
no provisions for punitive action. It does not presume to tell orchestras that they will run
their auditions a certain way—or else.”
reduz as oportunidades de tentar à posição músicos menos experientes que
poderiam legitimamente consegui-la.
3. Um número de candidatos é convidado a realizar a audição
baseando-se na reputação, enquanto que os restantes são requisitados a
enviar uma gravação. Este é o sistema mais popular atualmente. A decisão
sobre a quem é pedida uma gravação é, contudo, muitas vezes arbitrária.
4. É pedida uma gravação a todos os concorrentes. De certa forma este
é um método tão justo como o primeiro. Todavia, músicos já estabelecidos e
com uma certa reputação são capazes de se sentir insultados por terem que
realizar uma gravação, optando por não comparecer à audição.
Nenhum dos sistemas é infalível. A Música é uma arte visceral e o
julgamento da qualidade do músico será sempre subjetivo (Yeo, 2013).
Segundo Davis, R., em média, uma prova pode durar entre dez a vinte
minutos, sendo o formato o seguinte:
- Duas obras contrastantes;
- Excertos orquestrais;
- Leitura à primeira vista.
Numa entrevista entre Rob Knopper, percussionista da Metropolitan
Opera (MET), em Nova Iorque, e Tom Greenleaves, timpanista da
Gewandhausorchester, em Leipzig, é descrito o funcionamento do sistema
utilizado atualmente por todas as orquestras alemãs, a maioria das orquestras
austríacas e suíças e por algumas outras orquestras europeias. Realiza-se
uma pré-audição, avaliando cerca de 40 a 80 candidatos, os quais apresentam
apenas um concerto clássico em frente ao respetivo naipe, o qual decide
secretamente em quem passa à fase seguinte utilizando a regra dos 50%, onde
cada candidato precisa de pelo menos essa percentagem de votos. Na audição
principal é adicionada à prova os excertos orquestrais previamente partilhados
com os candidatos, bem como um andamento de um concerto romântico ou do
séc. XX. O júri consiste já em todos os membros da orquestra que estejam
presentes, seguindo a mesma regra dos 50%, ou até, em alguns casos, 60%,
tendo o naipe e o maestro direito a veto. O vencedor é então sujeito ao período
de teste já mencionado.
Técnicas de visualização
As técnicas de visualização são muito úteis na construção da
autoconfiança do músico. Passam por visualizar mentalmente e com absoluta
precisão toda a experiência de realizar a audição, concerto ou até qualquer
situação no quotidiano em que este método se mostre útil: imaginar os
bastidores, o percurso até ao palco, a observação da sala de concerto, o ecrã e
o júri do qual ele nos separa, a afinação do instrumento e o começar a tocar.
Ao ter estas sensações todas em mente, no momento real elas ser-nos-ão
familiares. Tentar também imaginar a nós próprios a tocar todo o repertório
exatamente como o queremos ouvir ajuda a criar facilidade e conforto na
performance a sério. Lucas, W. vai ainda mais longe com esta ideia,
imaginando-se a si próprio como já tendo vencido a audição e aceitado os
parabéns do comité, do maestro, dos seus amigos e família; isto para se focar
nos aspetos positivos que participar na audição também traz.
Centering
Dieta
É importante manter uma dieta equilibrada, com destaque para a fruta,
vegetais e proteína. É também importante perceber que a preferência na
alimentação compete a cada pessoa: (Lucas, 1998) recomenda a com
antecedência tomar notas das refeições de noites anteriores a uma sessão de
estudo, para perceber como elas nos fazem sentir. Através de tentativa erro,
um músico é capaz de identificar aquilo que melhor contribui para que se sinta
no pico do seu bem-estar.
(Yeo, 2013) aconselha a, no dia da audição, beber muita água, evitando
refrigerantes, chá, café, leite e outras bebidas que possam deixar o sabor na
boca, para estabelecer uma rotina de idas à casa de banho frequentes que por
sua vez permite relaxar o corpo, mantê-lo em movimento e previne a boca
seca.
Sono
O aumento das horas diárias de sono resulta em tempos de reação mais
rápidos, maiores atenção, destreza e precisão de movimentos. Em suma, uma
melhoria na performance. Só que não basta apenas ter uma boa noite de sono
no dia anterior; visto que a maioria das pessoas opera num regime de “dívida
de sono”, vários autores recomendam a que se inicie a rotina de mais horas de
sono semanas antes da audição para que seja possível colher os benefícios.
Para além disso, (Kageyama, s.d.) aponta para algumas dicas que
podem não parecer tão evidentes; um dos conselhos mais frequentes no que
toca à preparação da audição é o de não estudar demais, ou seja, o de tentar
puxar os limites na última semana antes dela. Embora possa parecer
contraintuitivo, a melhor opção é capaz de ser o descanso a fim de garantir a
falta de fadiga mental no dia da audição.
Vários estudos mostraram que o cansaço mental derivado de tarefas
mentalmente extenuantes causava um impacto negativo na performance de
atividades que iam desde tarefas que requeriam coordenação motora delicada
até à prática de futebol. Isto revela que o descanso não passa apenas por uma
boa noite de sono, mas também pelo evitar de situações stressantes
(conversas, pessoas, tarefas) no dia antes da audição.
Esta ideia de descanso permite estabelecer uma analogia com o mundo
do desporto: a estratégia denomina-se “tapering” e consiste em obter um pico
de forma mediante um processo planificado, no qual se diminui a carga de
treino durante um período variável de tempo, numa tentativa de reduzir o stress
fisiológico e psicológico do stress diário e otimizar o rendimento desportivo
(Valdés, 2023).
5
Texto original: “The exposition of the Mozart Concerto for Clarinet in A Major, K. 622
was also added to the excerpts to be discussed. While not an orchestral excerpt, this
concerto is often required at auditions. According to the Kulilowski survey, the Mozart
Concerto was the most frequently asked solo composition, and when compared to the
list of orchestral excerpts most frequently required, it would have been ranked third
overall.” (Schoen, 2004)
Apesar de o Concerto não ser um excerto orquestral, é a peça a solo
mais frequentemente pedida em audições; a opinião mais consensual sobre as
razões para isso acontecer é porque a obra é tão transparente que a sua
performance requer precisão da afinação, clareza de articulação, exatidão
rítmica, destreza técnica e, no geral, um nível elevado de competências
musicais. (Schoen, 2004) Numa entrevista realizada por Schoen, Burt Hara,
Associate Principal da Los Angeles Philarmonic, diz, que “no que toca à
articulação, afinação, ritmo; é uma obra tão imaculada que mostra tudo”. Laura
Arden, ex-primeiro clarinete da Atlanta Symphony Orchestra, apresenta a
dificuldade de apresentar uma interpretação convincente e ao mesmo tempo
manter-se fiel ao estilo do período clássico de Mozart; comenta que “é
provavelmente a peça mais difícil de se tocar com bom gosto musical e com
um nível elevado de virtuosismo”. Ela continua dizendo que um clarinetista
sente “pressão” para fazer algo significativo quando toca esta peça ou numa
audição ou como solista numa orquestra.
Michael Rusinek diz que utiliza o concerto para destacar diferentes
partes da sua competência clarinetística numa audição, como, por exemplo,
tocar certas passagens mais piano do que seria possível fazer com o
acompanhamento da orquestra. Ele explica que quer mostrar numa audição o
que consegue fazer, não necessariamente o que ele iria fazer numa
performance: “Isto é o que eu sou capaz de fazer e, deste modo, se me
contratarem, sabem que têm alguém que consegue fazer tudo.”
A Sexta sinfonia de Beethoven, Op. 68, foi composta entre 1802 e 1806,
tendo sido estreada num concerto megalómano a 22 de dezembro de 1806, no
Theater an der Wien, Viena, o qual incluiu também a estreia da quinta sinfonia
Op. 67, o quarto concerto para piano Op. 58 e a Fantasia Coral Op. 80.
“Der Freischütz”, Op. 77, é uma ópera escrita por Carl Maria von Weber
(1786-1826) em 1821. É considerada “a obra que marca definitivamente o
nascimento da ópera romântica alemã” (Grout & Palisca, 1988). A história gira
em torno de uma situação frequente no folclore e que foi imortalizada no
Fausto de Goethe: um homem vendeu a alma ao diabo a troco de favores
terrenos – neste caso, a troca de algumas balas mágicas que lhe permitiram
ganhar um concurso de tiro ao alvo e, assim, conquistar a mão da mulher
amada. Seis das balas obedecerão aos desejos do herói, Max, mas a sétima
segue as instruções do demónio Samiel. Como habitualmente, o diabo acaba
por ser logrado: a heroína Agatha está protegida (pela grinalda mágica que lhe
deu um eremita) contra a bala que o diabo a destinou, e tudo termina bem. Os
coros rústicos, as marchas, as danças e as árias combinam-se, na partitura,
com árias incorporadas no estilo italiano. (Grout & Palisca, 1988)
“A abertura de Der Freischütz não é, ao contrário de tantas aberturas de
ópera do início do século XIX, uma simples miscelânea de melodias, mas
antes, como as aberturas de Beethoven, um primeiro andamento sinfónico
completo em forma sonata com uma introdução lenta. A ária de Max no
primeiro ato, Doch mich umgarnen finstre Machte, por exemplo, serve de
primeiro tema da exposição, enquanto que a música para a fundição da sétima
bala, na cena do desfiladeiro do lobo, funciona como ponte para o segundo
tema, que também é extraído da ária de Max. O tema final da exposição é a
melodia da última parte da ária da soprano Agatha no segundo ato, All’meine
Pulse schlagen («Todas as minhas veias palpitam»).” (Grout & Palisca, 1988)
“Petya and the Wolf”, Op.67, é um conto sinfónico para crianças, escrito
por Sergei Prokofiev (1891-1953) sobre um texto da mesma autoria. Em 1935,
o compositor levou os dois filhos ao Teatro das Crianças de Moscovo para ver
um espetáculo extraído de um conto de Pushkine. A diretora do teatro, Natalia
Satz, reconheceu-o e aproveitou a ocasião para lhe pedir que escrevesse
alguma coisa para o público infantil. Após algumas hesitações, Prokofiev disse
que sim e a 2 de maio de 1936 o Pedro e o Lobo foi apresentado pela primeira
vez, mas “a performance não foi muito boa e não gerou muita atenção.”
(Prokofiev, 2000)