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A orquestra
A orquestra é uma das mais belas entidades artísticas de nossa civilização. Através dela é
possível vislumbrar a engrenagem de dezenas ou centenas de vozes entoando num mesmo
sentido a música escrita numa partitura. Assim, num conjunto orquestral se encerram valores
de uma grande sabedoria intrínseca: A responsabilidade de cada um em gerar harmonia para
um conjunto.
Tantos instrumentos, tanta variedade de timbres, tantas funções, e tudo soando com
perfeição. Cada homem, não importa o que toque, desempenhando da melhor maneira
possível, individualmente, sua função para que o conjunto seja belo, e represente com
maestria a Harmonia do Universo.
A palavra orquestra tem origem grega, e significa "lugar para dançar". Embora possa parecer
estranho, devemos levar em conta que para o grego o conceito de teatro era bem diferente, e
significava ao mesmo tempo música, poesia, dramaturgia e dança. Nas encenações de
tragédias, a orquestra era a parte do palco que fazia fronteira com o anfiteatro, que por sua
vez continha o público. Assim, por razões mais relacionadas à disposição física do que
propriamente pelo seu significado intrínseco, é que a civilização ocidental adotou o nome de
orquestra ao conjunto instrumental que se colocava próximo ao anfiteatro. O uso de tal
denominação começou justamente nos primórdios da renascença, quando nasceu a ópera, e a
encenação das óperas necessitava de um conjunto instrumental, situado entre o palco da ação
e o anfiteatro. Daí o termo.
A Ópera representou a primeira união de tendências (ver o texto sobre ópera), a reunião de
temas míticos e heróicos (retomada e releitura do ideal da tragédia grega) postos num
espetáculo que já podia ser chamado 'multimídia', de amplo alcance, apreciado pelas mais
diferentes culturas e classes sociais. Assim, pela primeira vez foi preciso que os músicos
pensassem numa distribuição instrumental mais complexa que a habitual.
Antes da ópera, a música 'oficial' nas cortes era religiosa, cuja formação instrumental resumia-
se a um órgão que acompanhava cantores, solistas ou coros. Ainda que o órgão era já uma
sofisticação, pois que no séc. XI nenhum instrumento poderia acompanhar as vozes. Eventuais
menestréis e companhias itinerantes animavam os festejos feudais com aquilo que seria a
música popular, que então usavam instrumentos muito peculiares, muitos dos quais evoluíram
aos instrumentos modernos.
A formação instrumental diversa foi uma necessidade que a ópera pela primeira vez
materializou; e como não existia uma tradição instrumental naquela música antes oficial, a
mescla de timbres foi o primeiro grande desafio dos compositores. No início, não havia um
padrão para a distribuição dos instrumentos e nem mesmo algo que determinasse a
quantidade e a diversidade deles. As primeira óperas eram orquestradas com uma variedade
estranhíssima de timbres e o uso constante deles acabou por mostrar, na prática, a forma mais
eficiente de equilibrar uma massa instrumental diversificada.
A título de exemplo, uma lista de instrumentos típica da Renascença, para a ópera de Claudio
Monteverdi, Orfeo (1607):
Temos claramente um exemplo de uma mistura de timbres bastante incomum; diríamos até
moderna, apesar de muitos destes instrumentos não mais existirem atualmente, ainda que
possam ser substituídos por timbres similares ou reconstituídos por lutieres (artesão que
fabrica instrumentos) especializados.
A formação timbrística projetada pela ópera despertou o interesse pela música puramente
instrumental, e que também começou a ser cultivada pela aristocracia e nobreza, aparecendo
nestas classes a figura do mecenas, ou o patrocinador da arte. Um pouco da mescla da música
popular com a música escrita - que era justamente o diferencial entre ambas - tornou a música
erudita, de gosto refinado por conter elementos simples ao gosto do público, mas de discurso
elaborado, de lógica mais complexa e caráter nobre. O gênero instrumental foi um dos mais
cultivados no período Barroco, que explorou largamente diversas combinações instrumentais,
assim como vocais na ópera.
Típica orquestra barroca, por volta de 1700.
Os músicos se reuniam em volta do cravo contínuo em salões reais.
Assim, temos a seguinte distribuição de elementos: (O exemplo é da Suíte para Orquestra no.4
de J.S. Bach (1685-1750)):
2 oboés
2 fagotes
2 trompetes
2 tímpanos
Entretanto, não havia nenhum padrão que definisse exatamente quais instrumentos seriam
designados para cada obra. O único consenso eram as cordas. Em quase toda a música barroca
a formação instrumental tinha como imprescindível a presença de uma seção de violinos,
violas, violoncellos ou violas da gamba e por vezes um violone, ou rabecão, hoje conhecido por
contrabaixo. Foi muito conhecida por esta época, a orquestra do rei Luis XIV da França,
comandada por Jean-Baptiste Lully (1632-1687). Era chamada "os 24 violinos do Rei", e
contava por vezes com o apoio de uma outra orquestra de 10 oboés e 2 fagotes.
Por essa época, passagem do séc. XVII para o XVIII, era muito comum o acompanhamento do
cravo, instrumento de teclado muito suave e sem dinâmica, para reforçar a harmonia
produzindo harpejos e floreios em cima da melodia. Esta prática, chamada de contínuo, ou
cravo contínuo, estendeu-se até por volta de 1780.
Mas ainda em meados do séc. XVIII, uma significativa mudança de ordem estética renovou
alguns conceitos do estilo musical na Europa de maneira muito abrangente. Devido à evolução
no estilo, na instrumentação e nas produções das óperas, que na época eram as referências
musicais mais importantes, a orquestra ganhou um equilíbrio diferente, que também foi
reproduzido nas salas de concertos dos palácios e casas da nobreza. Era a música Clássica.
Muitos instrumentos passaram a ser exigidos com mais freqüência que outros, o que acabou
por determinar a formação clássica de uma orquestra, dividida entre cordas (violinos, violas,
violoncelos e contrabaixos), madeiras (flauta, oboé, clarinete e fagote), metais (trompa,
trompete) e percussão (tímpanos) e que acabou por ser disposta da seguinte maneira:
Essa formação advém de uma necessidade expressiva com conflui com a mudança de estilo
(do barroco para o clássico, que é menos rebuscado, mais objetivo e temático), a disposição
nas partes instrumentais da ópera (abertura e intermezzos) e também pelo início de
construções apropriadas para aproveitar todo o potencial acústico dos instrumentos. O salão
dos palácios dá lugar às salas de concerto, ainda salões adaptados, mas já pensando num fim
exclusivo de apreciação musical (antes, nos salões, os nobres conversavam e comiam
enquanto os músicos tocavam - Mozart foi um dos primeiros a se rebelar contra isso e
recusava-se a tocar para quem não estivesse atento à música).
E, pela primeira vez, apesar de variantes mínimas, foi possível estabelecer um padrão comum à
disposição instrumental, o que permitia uma mobilidade muito maior de obras, ou seja, uma
obra poderia ser tocada sem perdas por qualquer orquestra da Europa. Esse padrão é
normalmente atribuído a Joseph Haydn (1732-1809), chamado também o 'pai da Sinfonia'
(escreveu 104 delas), pois, embora não tenha sido ele propriamente seu inventor (e sim um
conjunto de compositores, incluindo ele, a formar um padrão de equilíbrio), ele foi o maior
responsável pelo desenvolvimento e consolidação deste estilo, enquanto gênero e forma.
Podemos citar outro compositor, menos conhecido, mas que também contribuiu para que esta
formação se consolidasse, por seu equilíbrio perfeito e combinação harmoniosa: Johann
Stamitz (1717-1757), que pôde desenvolver essa formação graças à direção de uma orquestra
muito famosa em sua época, a Orquestra de Mannheim. Este conjunto era considerado o
melhor de toda a Europa, e referência para todas as demais.
O Romantismo foi um movimento estético cuja origem é didaticamente atribuída a Ludwig van
Beethoven (1770-1827), por acrescentar à música valores e caráteres antes nunca pensados
em termos musicais. O aumento da expressividade através de dinâmicas contrastantes, ritmos
e timbres marcados e definidos, além de uma sutileza narrativa ímpar, fizeram de Beethoven o
porta-voz de um novo pensamento musical. Do ponto de vista da orquestra, o romantismo foi
o responsável direto pela saída da música das cortes reais e salões aristocráticos para os
teatros e as salas de concerto, acessíveis a um número muito maior de pessoas, nobres e
plebeus. Com isso, o pequeno espaço dos palácios antes destinado à uma pequena formação
clássica, deu lugar agora a grandes teatros, que não só precisavam mas também pediam uma
potência sonora maior. Beethoven começou, pela própria necessidade desta potência, a
acrescentar instrumentos: a orquestra romântica começou aumentando as cordas e os metais:
14 primeiros violinos, 12 segundos, 8 violas, 8 cellos e 6 contrabaixos, além de 4 trompas ao
invés de duas. O romantismo foi o grande responsável, ao acrescentar a dimensão dramática à
música, por desvincular totalmente a música instrumental da ópera, fazendo delas duas
instâncias muito diferentes. Foi justamente a partir do final do classicismo que ambas tomam
rumos diferentes.
Foi então que, por volta de 1830, o compositor francês Hector Berlioz (1803-1869) escreveu o
primeiro estudo sistemático de como se devia compor uma massa orquestral que suprisse a
necessidade sonora do romantismo. O Tratado de Instrumentação e Orquestração de Berlioz
ainda hoje é uma fonte riquíssima de consulta timbrística, tanto para estudar as possibilidades
individuais de cada instrumento (que ele chamou instrumentação) quanto seu conjunto (a
orquestração, propriamente). Para Berlioz, a orquestra ideal deveria ter nada menos que:
Ele ainda sugere uma outra orquestra para fins festivos, que começa com 120 violinos (!), e
inclui 30 harpas e 30 pianos de cauda. Bom, essa orquestra nem mesmo ele foi louco o
suficiente para exigir, se bem que tenha chegado bem próximo em seu Réquiem op.5. Sim,
Berlioz é o culpado de toda a extravagância das grandes orquestrações de Wagner, Mahler e
Richard Strauss no pós- romantismo. Mas seus esforços e delírios foram muito bem
embasados, tanto na teoria quanto na prática, onde construiu obras de impressionante
equilíbrio orquestral, considerando o tamanho do contingente exigido. Os princípios por ele
enunciados do equilíbrio e uso da grande orquestra lhe valeram o título de "Pai da
Orquestração" e fundador da orquestra moderna. Aquilo a que hoje entendemos por
"orquestra" é criação dele, e todos os conjuntos instrumentais anteriores, clássicos, barrocos e
renascentistas, são por isso, 'música de câmara'.
Muitos fatores influenciaram tais recursos estéticos: o limiar entre o séc. XVIII e XIX foi a era
das grandes revoluções, onde se inserem grandes movimentos científicos e sociais, como a
Revolução industrial inglêsa e a Revolução burguesa na França. A filosofia contava com nomes
de peso, como Kant e os iluministas, Rousseau, Diderot, Voltaire, a literatura renova-se com
Goethe, Schiller, Hoffmann, pouco mais tarde Tolstói. A marca da expressividade de caráter,
como se a música se tornasse um personagem, a saída para grandes salas de concerto, antes
só destinadas à ópera, fizeram da música romântica um enorme gênero, de imensas
proporções, variantes, estilos, particularidades.
Richard Wagner (1813-1883) precisou esperar a música se desvincular da ópera para poder
uní-las novamente no ideal estético grego, a obra de arte total. Para isso, desenvolveu o drama
musical, espécie de ópera cuja narrativa é sinfônica, e a orquestra um personagem, tanto
quanto os cantores. Valendo-se das experiências de Berlioz, quem muito admirava, imaginou
novas possibilidades de timbres baseado no ideal dramático que precisava representar. Para
tanto, precisou ele mesmo projetar e mandar construir instrumentos específicos, variações de
trompas e tubas, para poder representar suas idéias - extravagantes e geniais. Sua obra mais
conhecida, o Anel dos Nibelungos, utiliza-se de um grande número de trompas (8), além de
tubas tenor, 3 a 4 tompetes, 4 trombones, tubas contra-baixo, e 6 harpas.
A partir de Wagner a orquestra nunca mais será a mesma. O romantismo a esta altura, por
volta de 1840, já possui muitas facções. A música antes restrita ao eixo Alemanha - França -
Itália é descoberta por compositores de diversos países, que unem sua tradição folclórica à
escrita erudita, iniciando a escola Nacionalista. O primeiro representante foi Fréderic Chopin
(1810-1849) na Polônia, e seguiu-se Franz Liszt na Hungria (inventor do poema sinfônico), e em
vários outros países do norte e leste europeu: na Tchecoslováquia, Smetana e Dvórak, na
Rússia, Tchaikovsky, e o 'grupo dos cinco', formado por Rimsky-Korsakov, Mussorgsky,
Borodin, Balakirev e Cui. Na Noruega, Edvard Grieg, na Finlândia, Jean Sibelius.
A Alemanha reagiu com um compositor neo-clássico, cujas idéias musicais eram materializadas
por orquestras muito menores que as wagnerianas e suas variantes: Johannes Brahms (1833-
1897) foi um caso à parte, pois conseguiu ser extremamente romântico sem nenhum exagero
na potência sonora. Apesar de usar orquestras maiores que as de Beethoven, em comparação
com Wagner a orquestra de Brahms é clássica, reagindo a excessos que considerava
musicalmente inócuos.
Beethoven: 3a. Sinfonia – Eroica: 2 flautas; 2 oboés; 2 clarinetes em Sib; 2 fagotes; 3 trompas;
2 trompetes; 2 tímpanos; Cordas (Violinos I, II, violas, cellos e baixos).
Mahler: 2a. Sinfonia – Ressurreição: 4 flautas (alternando com 4 piccolos); 4 oboés (alternando
com 2 cornes-ingleses); 3 clarinetes em Sib (alternando com 1 clarinete-baixo); 2 clarinetes em
Mib; 3 fagotes; 1 contrafagote; 10 trompas; 8-10 trompetes; 4 trombones; 1 tuba contrabaixo;
7 tímpanos; 2 pares de pratos; 2 triângulos; caixa clara (se possível mais de uma); Glockenspiel;
3 sinos; 2 tan-tans; 2 bombos; 2 harpas; órgão; Cordas (Violinos I, II, violas, cello, baixos com
dó grave, todos em maior número possível); Soprano solo; Contralto solo; Coro Misto (SCTB).
R. Strauss: Eine Alpensinfonie: 4 flautas (alter. com 2 piccolos); 3 oboés (alt. com 1 corne-
inglês); 1 Heckelphone; 1 Clarinete em Mib; 2 Clarinetes em Sib; 1 clarinete-baixo; 3 fagotes; 1
contrafagote; 4 trompas; 4 tubas tenor (alternando com 4 trompas); 4 trompetes; 4
trombones; 2 tubas; 2 harpas; órgão; máquina de vento; máquina de trovão; Glockenspiel;
pratos; Bombo; caixa clara; triângulo; sinos de vacas; gongo; celesta; 8 tímpanos. Além de ter
fora do palco: 18 violinos 1; 16 violinos 2; 12 violas; 10 cellos; 8 contrabaixos; 12 trompas; 2
trompetes; 2 trombones;
É importante salientar que o padrão romântico normalmente descrito como sendo o número
correto de instrumentos a ser utilizados é raramente satisfeito. Isso se dá por que,
principalmente no romantismo e nos períodos posteriores, as obras eram orquestradas em
função das necessidades "pessoais" de cada obra. O compositor deveria ter apenas o bom
senso de, após o estudo dos fundamentos acústicos e da formação clássica da orquestra,
equilibrar corretamente as potências e os timbres para obter o melhor resultado previsto
possível. A orquestra romântica tem, portanto, uma grande diversidade de formações, pois
não há um número padronizado de instrumentos, variando segundo o gosto e a necessidade
do compositor.
Orquestra Standard: Formação mais comum, visto que correspondem aos ideais românticos de
diversidade timbrística, principalmente no acréscimo de instrumentos de percussão e metais:
madeiras a 2, por vezes com inclusão de flautim e contrafagote, 4 trompas, 2 trompetes, 3
trombones, 1 tuba, mais cordas (incluindo por vezes a harpa) e percussão variada, como prato,
triângulo, bumbo, caixa clara, e tímpanos. Em geral são orquestras que variam de 80 a 90
músicos. Ex.: 4 Sinfonias de Brahms, 6 Sinfonias de Tchaikovsky, primeiras 4 sinfonias de
Bruckner, Sinfonias de Dvórak, aberturas e Sinfonia Fantástica de Berlioz, poemas sinfônicos de
Liszt, 'La Mer' de Debussy, 'Boléro' de Ravel
Há obras neste quesito que também incluem timbres vocais, não somente solistas mas
também grandes coros . Ex. : Sinfonias de Mahler: 1a.('Titan'), 2a. ('Ressurreição'), 3a., 5a., 6a.,
7a, e 9a.; Poemas tonais de Richard Strauss: 'Also Sprach Zarathustra', 'Don Juan', 'Till
Eulenspiegel', 'Uma vida de Herói'; Holst: 'Os Planetas'; Stravinsky: 'A Sagração da Primavera',
Wagner: 'O Anel dos Nibelungos', 'Tristão e Isolda'; Ravel: 'Daphnis et Chloé'
Imensas Orquestrações: São raras e muito caras. Em geral utilizam-se de mais de 150 músicos
(podendo chegar até a 200) mais grandes coros ou solistas vocais. Produzem efeitos sonoros
monstruosos em salas de concerto, mas raramente têm méritos musicais superiores às
grandes orquestrações. Na maioria das vezes, apenas preenchem quesitos de massa sonora,
por vezes exageradamente. Possuem a mesma formação das Grandes orquestrações, mas com
a número de executantes aumentado (Ao invés de 6 trompas, 12; ao invés de 4 flautas, 6).
Ex.: 'Réquiem' de Berlioz (exige, por exemplo, 16 tímpanos); 'Eine Alpensinfonie' de Richard
Strauss (exige, por exemplo, 20 trompas), 'Gurrelieder' de Schoenberg, Oitava Sinfonia de
Mahler ('dos Mil'), Sinfonia 'Gótica' de Havergal Brian.
Pode-se ainda classificar uma orquestra para fins festivos, orquestras especiais feitas sob
encomenda para execuções destinada a grandes multidões, em geral ao ar livre, e comemoram
algum fato extraordinário. Possuem versões reduzidas para orquestra Standard para serem
executadas nas salas de concerto.
Assim nasceu uma nova forma de classificar determinados compositores, segundo a potência
sonora. Muitas vezes esse quesito é confundido com habilidade em orquestrar. São coisas
distintas; uma coisa é escrever boa música para poucos ou muitos instrumentos, outra coisa é
escrever música ruim para poucos ou muitos instrumentos. Uma boa maneira de ilustrar isso é
citar Brahms, que, caso se aventurasse a compor para orquestras tais como as de Wagner ou
Mahler, certamente teria grande parte de seu material semântico riquíssimo, a clareza e
objetividade das idéias, prejudicado pelo excesso de timbres. Mas, felizmente, como Brahms
possuía um bom senso musical inegável, soube tirar da formação orquestral clássica resultados
de expressividade incomparáveis. Do outro lado, citam-se os chamados "grandes
orquestradores", que tinham um talento para escrever música com números elevados de
instrumentos sem perderem-se no emaranhado harmônico, melódico e timbrístico que tal
contingente normalmente causaria aos desprovidos deste talento. Estes mestres da
orquestração foram Berlioz, Wagner, Liszt, Tchaikovsky, Mahler, Richard Strauss (talvez o
melhor deles), Ravel, Elgar, Rimsky-Korsakov e Stravinsky. Hoje em dia este critério pode ser
revogado, porque, afinal de contas, Debussy, ou até mesmo Brahms, que nunca usaram
orquestras muito grandes, foram extremamente hábeis no uso contido de instrumentos. Sob
este aspecto, não ficam nada a dever aos grandes orquestradores. O próprio Beethoven pode
ser considerado um grande orquestrador para os padrões clássicos. Mas, no quesito potência
sonora, tal classificação ainda pode ser de alguma valia.
A suntuosa Orquestra Filarmônica de Berlim, atualmente regida por Simon Rattle, é considerada a
melhor orquestra do mundo, por sua excelência técnica e sonoridade poderosa, percorrendo com
segurança e desenvoltura todas as nuances dinâmicas de uma partitura.
Voltando ao planeta Terra, concluo adicionando mais um pequeno detalhe sobre o equilíbrio
instrumental: Sua disposição física no palco. O posicionamento destes instrumentos num palco
de salas de concerto também é um fator relevante para o equilíbrio da massa sonora
produzida, e deste modo, a formação clássica também se ocupou de padronizar sua
disposição, considerando, ainda que intuitivamente por parte de muitos compositores, leis
físicas elementares: instrumentos de maior ressonância acústica vão ficando para trás, e de
menor ressonância, para frente, indo progressivamente dos mais suaves aos mais fortes. Por
essa razão é que as cordas (violinos I e II, violas, cellos e contrabaixos) encontram-se no
primeiro plano do palco, seguidos pelas madeiras (flautas, oboés, clarinetes e fagotes), metais
(trompas, trompetes, trombones e tuba - esta seção é anedoticamente chamada de "cozinha"
da orquestra), e lá no fundo, a artilharia da percussão, que não precisa fazer muito esforço
para produzir um barulho considerável. Este esquema retrata bem a disposição mais comum
numa orquestra moderna, apesar de, a critério do maestro, ela possa mudar: