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Universidade de São Paulo

Escola de comunicações e Artes

Liana Maria Raymundo Pereira

O repertório para violoncelo: principais obras entre os


séculos XVII-XX

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao


Departamento de Música da Escola de Comunicações e Artes,
como parte dos requisitos para obtenção do grau de Bacharel em Música,
com Habilitação em Instrumento - violoncelo,
sob a orientação do Professor Robert John Suetholz.

São Paulo, 2005


Introdução

Nesse trabalho de conclusão de curso será abordado apenas um movimento das

obras representantes de cada período musical, com ênfase nos primeiros duzentos anos

do repertório (1689-1889), incluindo a primeira peça escrita para violoncelo solo:

Ricercare, de Domenico Gabrielli.

Nesse período, muitas foram as descobertas técnicas no violoncelo, o que

resultou na consolidação desse instrumento como solista e não apenas como

instrumento acompanhador.

A escolha desse tema veio de observações e reflexões em aulas feitas no

decorrer da realização do programa do bacharelado estabelecido por meu orientador.

Então, muitas vezes me questionei sobre a verdadeira razão em estudá-las e o que elas

me ensinariam, uma vez que são também obras solicitadas em exames práticos para

orquestras profissionais.

Em meio às pesquisas, constatei que o repertório para violoncelo é sem dúvida

um assunto por demais extenso para ser abordado em poucas páginas. Para se ter uma

idéia, a literatura para violoncelo solo (sem acompanhamento orquestral ou camerístico)

ultrapassa 700 obras publicadas, segundo Dimitry Markevich em “A Bibliography of

the Unaccompanied Violoncello Literature”.

1
OS PRIMEIROS DUZENTOS ANOS DE REPERTÓRIO
(1689-1889)

Capítulo I - Período Barroco (1620-1750)

O Barroco foi um período estilístico e filosófico da História da sociedade

ocidental, ocorrido durante os séculos XVI e XVII (Europa) e XVII e XVIII (América),

inspirado no fervor religioso, e o termo “barroco” advém da palavra portuguesa

homônima que significa "pérola imperfeita", ou jóia falsa. A palavra foi rapidamente

introduzida nas línguas francesa e italiana, e somente a partir do século XX o termo

passou a se referir a um período da histórica da musical, sendo antes aplicando mais às

artes plásticas do que a música.

A música do Período Barroco, que alguns teóricos encaram como tendo

começado ainda em 1570, na Itália, e terminado durante a segunda metade do séc.

XVIII, em países como a Inglaterra e a Espanha, tem um número variado de

características de estilo e espírito. Isso inclui o uso do baixo contínuo e maior ênfase nos

contrastes (de andamento, volume sonoro, dinâmicas, etc) na música do início do

Período Barroco, em comparação com a final do renascimento. O período é ainda

dividido em duas partes: Barroco Médio ou Primeiro Barroco e Barroco Tardio ou

Segundo Barroco, conforme veremos abaixo.

Primeiro Barroco (1620-1700)

O início do século XVII foi marcado por grandes evoluções técnicas,

principalmente na construção e desenvolvimento de instrumentos musicais. As atenções

dos compositores, então, voltaram-se à música instrumental. Os músicos seiscentistas1

1
Relacionado aos anos de 1600.

2
são os criadores dos embriões da maior parte dos gêneros orquestrais conhecidos hoje:

concerto, abertura, sinfonia etc.

O concerto nasceu com o nome de concerto grosso, diferente do concerto

clássico de hoje porque não há um solista, como veremos mais adiante, mas um grupo

deles que se alternam nesse papel. Esses são chamados de concertino e dialogam com o

restante da orquestra, chamado de ripieno. Um dos primeiros que se destacaram nesse

gênero foi o italiano Arcangelo Corelli.

A sinfonia barroca não tem quase nenhuma relação com o tipo de sinfonia que

estamos acostumados a ouvir hoje, como as de Beethoven, por exemplo. O nome

sinfonia era dado às introduções orquestrais que precediam as apresentações de ópera -

o que chamamos modernamente de abertura. É possível que essas essas tenham sido as

mães de todas as sinfonias; por merecimento, o avô seria Alessandro Scarlatti, um dos

maiores operistas do período, criador do modelo italiano de abertura, dividida em três

partes segundo o esquema rápido-lento-rápido. Exatamente como os três movimentos da

sinfonia clássica.

Segundo Barroco (1700-1750)

A geração de compositores do início do século XVIII não se dedicou à criação

de novas tendências como a geração passada, mas sim à sua consolidação, levando os

disponíveis à perfeição dos gêneros musicais. Os concertos grossos, as cantatas, os

oratórios, as paixões, a música para cravo e órgão, todas as modalidades atingiram seus

mais altos níveis de possibilidades, como foi o que ocorreu, por exemplo, com a fuga.

A fuga é uma forma de escrita contrapontística, isto é, uma composição onde

várias vozes (geralmente quatro) dialogam e se transformam num fluxo intenso de

música que exige bastante atenção do ouvinte. A maior parte dos concertos, dos

3
prelúdios-corais e dos motetos são escritos em forma de fugato2.

Outra característica da música orquestral setecentista3 é o baixo contínuo4. O

contínuo é executado por um instrumento - geralmente de teclado (como o cravo ou

clavicórdio), responsável em grande parte pela sustentação harmônica da obra. Como

seu próprio nome diz, ele toca continuamente. Dada a sua importância estrutural, o

baixo contínuo geralmente comandava toda a execução, e seu posto geralmente era

destinado aos mestres-de-capela, os regentes. Ainda hoje, nos conjuntos de instrumentos

de época, o maestro ou líder se encontra sentado ao cravo.

O compositor mais popular do período Barroco é, sem dúvida, o alemão Johann

Sebastian Bach (1685-1750). Ele cultivou todos os gêneros, exceto ópera e balé, e a

enorme força de sua obra ainda se faz sentir, tanto na música vocal, com suas cantatas e

oratórios (incluindo aí a fabulosa “Paixão segundo São Mateus”), como na música

instrumental, com suas tocatas para órgão e “O cravo bem temperado”, obra definitiva

que é referência para toda a música que seria mais tarde composta.

O alemão naturalizado inglês George Friderick Handel é outro nome de

destaque, principalmente na ópera e no oratório (“Messias” é o melhor exemplo).

Antonio Vivaldi, padre veneziano, ficou célebre por seus concertos e é o pai da

música sinfônica posterior; porém, ele também se dedicou bastante à ópera e à música

sacra.

Domenico Scarlatti, filho de Alessandro, escreveu mais de quinhentas sonatas

para seu instrumento, o cravo. Porém, a sonata barroca nada tem a ver com a forma que

2
Pequena fuga.
3
Relacionado aos anos de 1700.
4
O baixo contínuo não faz referência a um instrumento concreto. No barroco utilizava-se o cravo, dobrado muitas
vezes por uma viola de gamba e/ou um violoncelo; este, por exemplo, se encarregava de tocar a nota básica, enquanto
o cravo fazia soar as notas cifradas, cabendo ao executante deste instrumento um papel importante, devido à
improvisação que poderia fazer. Como o baixo determinava todo o caráter do acorde, junto com a melodia, se
chamou de baixo contínuo (Dicionário Grove de Música).

4
seria desenvolvida no Classicismo, período posterior ao Barroco. É uma peça,

geralmente curta, para instrumento solista, e é assim chamada para diferenciá-la da

cantata: uma é cantada, a outra é tocada.

O último grande nome do Barroco é o francês Jean-Phillipe Rameau. Ele

deixou duas grandes contribuições: a primeira foi dada na teoria, com seus tratados de

harmonia que consolidaram o sistema tonal como o predominante nos próximos 150

anos; a segunda foi dada na prática, pois se voltou contra a ópera de estilo italiano de

A. Scarlatti e Handel, então em moda, e compôs obras mais sóbrias. Sua busca de

harmonia e equilíbrio foi o ponto de partida para o próximo período, o Classicismo.

A forma ricercari e “Sieben Ricercari”

“Música não é apenas decoração, mas uma necessidade para a corte. Ela deve ser praticada

em presença de damas, pois elas inspiram todos os pensamentos... e a música para viola de arco é muito

encantadora, porque é muito delicada, doce e artística” (“Il Libro del Cortegiano”, Baldassare

Castiglione-1528)

A forma ricercari, do termo “recercar” em italiano, são peças para alaúde ou

teclado, com caráter de prelúdio, e mais tarde uma peça imitativa semelhante à fantasia

ou à fuga. Essa denominação (em francês, recherché) sugere uma peça de natureza

complexa ou intrincada.

O termo ricercari aparece a primeira vez na Intabulatura de lauto, libro primo


5
(1507), de Spinacio, denominado peças destinadas a testar a afinação de um

5
Spinacino (1507)
INSTRUMENT(S): solo lute
TITLE: Recercare de tous biens
D--------------|-------------|-------------|-------------|-------------|-
G--------------|-------------|-------------|-------------|-------------|-
c--------------|-------------|-------------|-------------|-------2--0--|-
e--------------|-------------|-------------|----------3--|-1--0--------|-
a--------------|-------------|-------------|-3--1--0-----|-------------|-
d'-5--7--8--5--|-8--7--8--7--|-5--3--2--0--|-------------|-------------|-

5
instrumento. Encontram-se exemplos de ricercare não imitativo para viola solo nas

obras de Ganassi e Ortiz.

Os “Sieben Ricercari” para violoncelo solo (datados de 15/01/1669) por

Domenico Gabrielli estão entre as primeiras peças que chegaram ao nosso domínio

atual. Havia um interesse forte surgindo em Bolonha no fim do século XVII nas práticas

instrumentais, e o mesmo ocorreu com o violoncelo.

Domenico Gabrielli

Domenico Gabrielli nasceu em Bolonha em 15 de abril de 1651. A Itália foi

sem dúvida o berço para o violoncelo, tendo sido empregado cada vez mais como

instrumento solista ao longo do século XVII. Aluno de Legrenzi6, Domenico Gabrielli é

o primeiro compositor e executante desse instrumento, tendo uma frutífera carreira em

S. Petrônio, Bolonha, a partir de 1680. Apesar de ter composto óperas (doze no total,

entre os anos de 1682-94), oratórios e cantatas que mostram grande inclinação para o

estilo dramático, sua importância consiste basicamente no virtuosismo como

violoncelista e como compositor de algumas das primeiras peças para esse instrumento.

Seus cânones, ricercares7 e sonatas mostram uma técnica avançada e uma

percepção apurada da sonoridade desse novo instrumento como solista. Além de outras

músicas de câmara, escreveu duas sonatas (com orquestra) para seu outro instrumento

preferido, o trompete, tendo usado com freqüência este e o violoncelo de maneira

6
Giovanni Legrenzi nasceu em Clusone, Bérgamo (Itália), em agosto de 1626. Aluno de seu pai, ocupou os seguintes cargos:
organista de Santa Maria Maior, em Bérgamo, mestre de capela da igreja do Espírito Santo, em Ferrara, e depois, até o final de sua
vida, diretor do Conservatório dei Mendicante (1672) e mestre de capela de São Marcos, em Veneza (1685). Reorganizou
completamente a orquestra de São Marcos, cujo quadro alargou 34 músicos. Legrenzi morreu em Veneza, em 26 de maio de 1690.
A sua obra admirável, que compreende todos os gêneros, e o seu ensino (entre os seus alunos: Lotti, Caldara, Gasparini, e
provavelmente, Vivaldi) contribuíram para lhe assegurar um lugar importante na história da música. Sob determinados pontos de
vista, Legrenzi foi um inovador: criador do gênero da sonata-trio (cerca de 15 anos antes de Corelli que levou esse gênero ao mais
elevado grau de perfeição), primeiro exemplo de sonata para violino em 3 movimentos (1667), escrita já "sinfônica", no sentido do
termo, nas suas óperas (com várias partes reais, com uma preocupação de colorido instrumental definido, que é uma antecipação de
A.Scarlatti e de seus seguidores.
7
Sieben Ricercare é considerada a primeira peça para violoncelo solo.

6
concertato8, ou como compositor e executante desse instrumento, tendo uma frutífera

carreira em S. Petrônio, Bolonha, a partir de 1680. Apesar de ter composto óperas (doze

no total, entre os anos de 1682-94), oratórios e cantatas que mostram grande inclinação

para o estilo dramático, sua importância consiste basicamente no virtuosismo como

violoncelista e como compositor de algumas das primeiras peças para esse instrumento.

Seus cânones, ricercares9 e sonatas mostram uma técnica avançada e uma percepção

apurada da sonoridade desse novo instrumento como solista. Além de outras músicas de

câmara, escreveu duas sonatas (com orquestra) para seu outro instrumento preferido, o

trompete, tendo usado com freqüência este e o violoncelo de maneira concertato10, ou

como instrumentos em obbligato11, na sua música vocal. Faleceu também em Bolonha,

em 10 de junho de 1690.

As Suítes para Violoncelo Solo de Bach

Durante os últimos anos que passou em Weimar e quase a totalidade dos que

viveu em Cöthen, entre 1717 e 1723, Johann Sebastian Bach escreveu com enorme

freqüência para instrumentos de cordas e de sopro, compondo obras para solo, para

pequenos conjuntos de câmara e para conjuntos maiores, dominados por um ou vários

solistas. Ao redor de 1720, depois de haver destinado muitas partituras para solista com

acompanhamento de teclado ou, então, de baixo-contínuo, Bach empreendeu a

fantástica aventura de “despojar” determinados instrumentos melódicos de suas

habituais bases harmônicas de acompanhamento. Isso a fim de explorá-los através de

diferentes tentativas técnicas e expressivas. Nessa operação, ele acabou por abrir todo

8
Derivado do termo “concerto”, é utilizado para designar “à maneira de um concerto”. Costuma ser aplicado ao “concerto vocal” da
primeira metade do séc. XVII, em que poucas vozes eram acompanhadas por instrumentos harmônicos.
9
Sieben Ricercare é considerada a primeira peça para violoncelo solo.
10
Derivado do termo “concerto”, é utilizado para designar “à maneira de um concerto”. Costuma ser aplicado ao “concerto vocal”
da primeira metade do séc. XVII, em que poucas vozes eram acompanhadas por instrumentos harmônicos.
11
Obrigatório.

7
um novo e instigante capítulo da História da Música, algo que, se tomado em si mesmo,

já seria suficiente para perpetuar o nome do autor. Foi dessa maneira que, ao colocar em

cena ora a flauta, ora o alaúde, ora o violino, ou o violoncelo, Bach foi entregando a

cada um deles páginas repletas de música onde podemos encontrar as mágicas alianças

que as tornam, a um só tempo, de execução às vezes um tanto complexas, mas de

audição bastante prazerosa. Sem risco de erro, é possível afirmar que nenhuma das

Suítes, Sonatas ou Partitas pertencentes a essa privilegiada floração bachiana haveria de

encontrar na posteridade alguma obra que lhe pudesse ser comparada. Sabe-se que,

anteriormente à intervenção de Bach, o violoncelo já existia para a música desde o

século XVI e era então conhecido como basso di viola da braccio (baixo de viola de

braço), designação que mais tarde se tornaria violoncelo.

Naquela época, ele disputava a sua tessitura barítona com o grave

correspondente da família das violas da gamba (literalmente “de perna”). Mesmo na

Itália, onde o instrumento costumava ser mais difundido, eram raros os músicos que até

então haviam composto obras especialmente para violoncelo solo (Domenico Gabrielli e

Domenico Galli, dentre outros poucos, como já vimos anteriormente).

Bach foi o primeiro compositor não violoncelista a destinar ao instrumento

peças para solo de alto valor artístico. E ele utilizou, com suprema maestria, algumas

das mais diferentes possibilidades sonoras desse instrumento que para ele, não deve ter

deixado de lembrar por muitas vezes seu instrumento principal, o órgão.

Não se sabe ao certo exatamente quando e para quem as Suítes para

Violoncelo teriam sido escritas. Há quem levante a hipótese de que as obras haviam

sido destinadas a Christian Ferdinand Abel, executante de viola da gamba e de

violoncelo do Príncipe de Cöthen, o patrão e Bach na época. A julgar pela

8
complexidade da escrita de todas elas, onde as linhas melódicas implicam progressões

harmônicas requintadas e onde as texturas polifônicas constituem sérios problemas para

os dedilhados dos intérpretes, podemos concluir que esse violoncelista era um dos

melhores profissionais contemporâneos de Bach.

Seja como for, a verdade é que, antes de Bach, o violoncelo era raramente

utilizado como solista, na medida em que se costumava entregar a ele apenas as tarefas

de acompanhamento harmônico e rítmico dos materiais melódicos das obras (importa

lembrar que, nesse panorama, Antonio Vivaldi e seus Concertos para Violoncelo e

Cordas foram exceção).

Depois do desaparecimento de Bach, suas Suítes para Violoncelo foram

esquecidas. Mesmo o movimento Romântico do século XIX, que tanto interesse

demonstrou por alguns aspectos da produção do mestre, deixou-as de lado, como se

fossem meros exercícios de adestramento técnico. Seria apenas no século XX, tempo

generoso ao extremo em seu espírito arqueológico, que essas partituras voltariam à tona,

graças certamente à audácia dos artistas que optaram por se dedicar exclusiva mente ao

instrumento, como Casals (em especial), Navarra, Starker, Rose, Fournier, Tortelier,

Rostropovich e poucos outros.

Cada uma das Suítes para Violoncelo de Bach começa com um Prelúdio de

caráter fantasia, seguido de uma Allemande de andamento moderado que, por sua vez,

dá lugar a uma mais movimentada Courante e a uma meditativa Sarabande. Depois

dessas danças, então consideradas “sérias” e “antigas”, segue-se uma dança mais nova e

já algo “galante”, podendo esta ser em ritmo de um elegante Minueto, de uma sapeca

Bourrée ou de uma alegre Gavota. Todas as Suítes são coroadas por uma Giga, um tanto

rústica e muito viva.

9
Naturalmente, já no tempo de Bach, essas danças todas eram evocadas, em

obras instrumentais, sob a ótica da refinada estilização, destinadas assim a fazer dançar

o espírito mais que o corpo. O especialista Karl Geiringer faz-nos lembrar: “Para

ampliar as possibilidades técnicas do instrumento, Bach determinou que, na Quinta

Suíte, em Dó menor, a corda superior fosse afinada em Sol, no lugar de Lá (a Quinta

Suíte também foi arranjada para alaúde, pelo próprio compositor...)”.

O Sistema BWV

As peças de Johann Sebastian Bach estão catalogadas com as siglas BWV,

onde BWV significa Bach Werke Verzeichnis (Lista das Obras de Bach). O catálogo,

publicado em 1950, foi compilado por Wolfgang Schmieder e os números BWV

algumas vezes são chamados como números de Schmieder. Uma variante desse sistema

usa S no lugar de BWV, significando Schmieder. O catálogo é organizado mais

tematicamente do que cronologicamente; BWV 1-222 são as cantatas, BWV 225-248 as

obras corais feitas em larga-escala. BWV 250-524 corais e canções sacras, BWV 525-

748 obras para órgão, BWV 772-994 outras obras para instrumentos de teclado, BWV

995-1000 musica para alaúde, BWV 1001-1040 música de câmara, BWV 1041-1071

música orquestral e BWV 1072-1126 cânones e fugas. Para a compilação do catálogo,

Schmieder seguiu grande parte da "Bach Gesellschaft Ausgabe" (edição da sociedade

Bach), uma ampla edição dos trabalhos do compositor produzida entre 1850 e 1905.

Suíte n 5, em dó menor, BWV. 1011-Prelúdio e Fuga

A Quinta Suíte é considerada a menos usual de todas as dessa série, tanto do

ponto de vista técnico quanto estético. Por um lado, há a scordatura (uma afinação fora

10
dos padrões habituais12) da corda mais aguda de Lá para Sol, em alusão à afinação

comumente usada cem anos antes de Bach.

O Prelúdio inicial, seguido de uma obstinada fuga em duas vozes foi

especialmente pensada no estilo das aberturas francesas. Minha experiência com essa

peça, tendo experimentado tanto a execução original (com a scordatura) quanto a

moderna (afinação convencional), teve dois momentos distintos: a resolução de

problemas técnicos resultantes das adaptações modernas (afinação e arcos) e da

compreensão das complexas e densas frases, tanto para o elaborado prelúdio quanto

para a fuga.

13
A afinação do violoncelo moderno consiste em: c, g, D, A.

11
Capítulo II – Período Clássico (1760-1800)

Na cultura ocidental, a segunda metade do século XVIII coincidiu com a

última parte do Período do Iluminismo. Este movimento, humanitário e secular por

natureza, enfatizava a razão, a lógica e o conhecimento. Aqueles que se baseavam na

religião, na superstição e no sobrenatural para manterem as posições de poder, viram a

sua autoridade questionada e eventualmente reduzida. A crença nos direitos humanos e

na irmandade sobrepôs-se ao direito divino dos reis, até então considerado inegável.

Ambas as revoluções americana e francesa foram combatidas durante esta metade do

século. Considerando este período como um grande ponto de reviravolta, os filósofos e

escritores promoveram a razão em detrimento do costume ou da tradição como o melhor

guia da conduta humana. Uma mudança paralela ocorreu na música ocidental durante a

segunda metade do século XVIII.

Denominado normalmente "período clássico", este período musical era

caracterizado pela objectividade (controlo, brilho e requinte), claridade, periodicidade

(fraseologia regular) e equilíbrio.

Na história da música ocidental, o estilo que se desenvolveu durante os anos

precedentes (1720/30 - 1770) é conhecido por "pré-clássico" ou menos pejorativo,

"meados do século". Como aconteceu com as artes visuais, o gosto musical alterou-se

profundamente e revelou uma preferência pelo equilíbrio e pela claridade da estrutura,

também estas características que se tornaram pontos importantes para os compositores

da época.

12
Inicialmente, a composição musical passou de um estilo ornado do período

Barroco para um estilo popular de extrema simplicidade. Os compositores deste período

criaram obras que transpareciam claridade e acessibilidade acima de tudo; na verdade,

reagiam contra o denso estilo polifônico do último período Barroco. Estas

características encontram-se nas sinfonias de compositores como Giovanni Battista

Sammartini (1700/01-1775) e Johann Stamitz (1717-1757). Estes traços de claridade e

simplicidade, juntamente com uma elaboração sistemática de ideias, uma aproximação

universal à expressão musical e uma preocupação com o equilíbrio entre estrutura e

expressão, formam a base do estilo clássico.

Embora muitos compositores tenham vivido e composto durante o Período

Clássico, as três maiores figuras são Franz Joseph Haydn (1732-1809), Wolfgang

Amadeus Mozart (1756-1791) e Ludwig van Beethoven (1770-1827). Cada um

contribuiu significativamente para a sinfonia, a sonata para piano, a música de câmara-

o quarteto de cordas em particular para a música de igreja. Todos utilizaram a forma da

sonata, que constitui as bases do período clássico.

A estrutura da sonata clássica, dependendo primeiro e principalmente do

movimento harmônico, foi a forma predominante numa vasta série de primeiros

movimentos de sinfonias, sonatas e obras de câmara. Foi também utilizada de outras

formas, assim como em movimentos lentos e conclusivos dos gêneros mencionados, em

movimentos de grande magnitude, aberturas e em algumas partes de óperas. Neste

último campo, Haydn e Mozart escreveram obras que foram bem recebidas pela

audiência de então; contudo, só Mozart foi incluído no actual repertório lírico.

Os historiadores teriam inserido facilmente Haydn e Mozart no Período

Clássico. A vida de ambos encaixa-se nitidamente no período em questão; além disso,

13
neles encontra-se uma exploração preliminar do estilo dos meados do século, que depois

é convertido num estilo mais pessoal e totalmente desenvolvido, trazendo consigo os

traços esperados de um compositor clássico. Beethoven é mais problemático porque a

sua música abrange os períodos clássico e romântico. As suas primeiras obras (até cerca

de 1802) inserem-se no estilo do período em questão. As últimas obras, cheias de

drama, tensão, exploração harmônica e estrutural são melhor discutidas dentro do

contexto do século XIX.

A forma concerto

O concerto, aparentemente, representa a vitória das minorias: nele, os solistas

lutam bravamente com a orquestra, até obterem a atenção total, mas não é bem assim.

Ele nasceu da curiosidade natural em descobrir como justapor harmoniosamente sons

produzidos por um pequeno grupo ou por apenas um músico aos sons produzidos pela

massa orquestral. Com a notável exceção da ópera, o concerto é um dos raros gêneros

que sobreviveram à turbulenta história da música.

O concerto grosso é um gênero baseado na fuga e no contraponto. Como tal, o

concertino jamais "pulveriza" o ripieno, mas mantém um diálogo com ele, num fluxo

contínuo de música polifônica13. Paralelamente, os concertos para solista barrocos são

similares. O solo domina, obviamente, mas é mantido no mesmo plano da orquestra, de

forma equilibrada.

Esse aspecto foi bastante alterado no Classicismo de Haydn e Mozart. O

concerto grosso praticamente desapareceu, em detrimento da sinfonia - curiosamente,

surgiu um gênero híbrido denominado sinfonia concertante - e o concerto para solista

ganhou a predileção do público. Como os demais gêneros clássicos, ele adotou a forma-

13
Polifonia do grego poli -muitos; fonia - sons.

14
sonata como padrão, abandonando a fuga barroca, e esse é tipo de concerto que se

tornou comum, do Classicismo em diante.

Franz Joseph Haydn (1732-1809)

Franz Joseph Haydn nasceu em 1732 na vila de Rohrau, próxima à fronteira

com a Hungria, filho de Matthias Haydn e Maria Koller. De acordo com os

apontamentos de Haydn, sua família era bastante musical na infância, e freqüentemente

cantavam com seus vizinhos. Os pais de Haydn perceberam que seu filho tinha talento

musical, e sabiam que em Rohrau ele não teria chance de ter qualquer aperfeiçoamento

musical mais aprofundado. Por esta razão, aceitaram a proposta de um de seus parentes,

Johann Matthias Franck, mestre de capela em Hainburg, com o qual Haydn viveria e

teria aulas de música. Haydn partiu e nunca mais voltou a viver com seus pais. Haydn

tinha apenas seis anos de idade.

A vida na casa de Franck não era fácil para Haydn, que se lembrava de ter

passado fome e humilhações. Lá, aprendeu a tocar cravo e violino. Haydn também

passou a cantar no naipe de soprano no coral da igreja. Em 1740, Georg von Reutter,

diretor de música na catedral de Santo Estêvão, em Viena, impressionou-se com Haydn.

Naquela época ele viajava a Áustria procurando por meninos-cantores talentosos. Desta

forma, Haydn foi enviado a Viena, onde trabalhou pelos nove anos seguintes como

coralista, sendo os últimos quatro na companhia de seu irmão mais novo Michael.

Em 1749, Haydn já era um jovem de voz mais grave e não podia mais cantar

na voz de soprano. Desta forma, saiu de seu trabalho e chegou mesmo a passar uma

noite sem casa, no banco de um parque, mas foi levado por amigos e começou uma

carreira como musicista autônomo. Durante esse período, que durou dez anos, Haydn

15
teve vários trabalhos, incluindo o trabalho como acompanhante do compositor italiano

Niccolò Porpora, de quem ele aprendeu os principais fundamentos da composição.

Desta forma, escreveu seu primeiro quarteto de cordas e sua primeira ópera.

Durante este tempo, a reputação de Haydn começou a amadurecer sua carreira como

compositor gradualmente. Em 1759 (1757, de acordo com alguns), Haydn recebeu

seu primeiro cargo importante, como mestre de capela, para o conde Karl von Morzin.

Nesse cargo, Haydn dirigiu a orquestra de câmara do conde e escreveu suas primeiras

sinfonias. O conde Morzin, posteriormente, passou por problemas financeiros que o

forçou a dissolver seu estabelecimento musical, mas Haydn logo conseguiu outro

trabalho, como mestre de capela assistente para a família Eszterházy, uma das mais

ricas e importantes do Império Austríaco. Quando o antigo mestre de capela Gregor

Werner morreu em 1766, Haydn passou a ser o titular.

Como empregado dos Eszterházy, Haydn os seguiu aonde eles foram: viveram

em Eisenstadt, seu palácio de inverno em Viena, e em Eszterháza, o grande palácio da

família, na Hungria. A Haydn também era confiada uma grande quantidade de

responsabilidades, incluindo a composição, a regência da orquestra, a execução de

música de câmara com e para seus patrões, e eventualmente desenvolvendo produções

operísticas e apesar do árduo trabalho, Haydn se dava por feliz com esse trabalho. Seus

patrões eram conhecedores de música que apreciavam seu trabalho e deram a ele

condições necessárias para o desenvolvimento artístico.

Em 1770, com a segurança do trabalho como mestre de capela, Haydn se

casou com Maria Anna Keller, mas não tiveram filhos. Especula-se que Haydn tenha

tido filhos com a amante Luigia Polzelli, cantora no estabelecimento dos Eszterházy e

com quem viveu um longo romance. Durante os quase trinta anos que Haydn trabalhou

16
para os Eszterházy, produziu uma grande quantidade de obras, e seu estilo musical

tornou-se cada vez mais apurado. Tendo sua popularidade pela Europa aumentado,

gradualmente Haydn passou a escrever tanto para seus patrões quanto para a publicação.

Desta época são as Sinfonias de Paris e a versão orquestral das Sete Últimas Palavras de

Cristo.

Por volta de 1781, Haydn estabeleceu uma sólida amizade com Mozart, cujos

trabalhos foram mutuamente influenciados por muitos anos. Por volta dessa época,

Haydn parou de compor óperas e concertos – precisamente os dois gêneros em que

Mozart mais se destacou. Este, em contrapartida, escreveu seis quartetos a Haydn.

Em 1790, o príncipe Nicolau morreu e foi sucedido por um outro que não

gostava de música e dissolveu todo o estabelecimento musical, enviando Haydn para

uma pensão. Assim, livre das obrigações, Haydn pôde aceitar uma lucrativa oferta do

empresário alemão Johann Peter Salomon, para visitar a Inglaterra e reger suas novas

sinfonias com uma grande orquestra.

A visita foi um grande sucesso. Rapidamente, Haydn adquiriu riqueza e fama.

Musicalmente, as visitas à Inglaterra renderam algumas das mais famosas obras de

Haydn, incluindo as últimas 14 sinfonias, entre as quais a 94ª (“Surpresa”) e a 103ª (“do

Rufar de Tambores”) e o Rondó Cigano, para trio de pianos. Haydn estava quase se

tornando um cidadão inglês, mas decidiu voltar para Viena, onde construiu uma casa e

voltou-se para a composição de grandes obras religiosas para coro e orquestra. Entre

esses, os últimos nove quartetos, os oratórios A Criação, As Estações o Te Deum e seis

missas dedicadas à família Eszterházy, cujo príncipe era novamente inclinado à música.

Estas obras marcam o ponto máximo da obra musical de Haydn.

17
A partir de 1802, Haydn já começa a dar sinais de debilidade física e fica

impossibilitado de compor, o que foi muito difícil para ele, que não parava de ter novas

inspirações. Haydn foi amplamente amparado por seus empregados e recebeu muitos

visitantes e honras públicas durante os anos. Haydn faleceu em 1809, aos 77 anos, após

a tomada de Viena pelo exército francês de Napoleão Bonaparte.

Haydn é considerado o “pai” da sinfonia clássica e do quarteto de cordas (mais

de 90!), além de ter escrito muitas sonatas para piano, trios, divertimentos e missas, que

se tornou a base do estilo clássico de composição. Além disso, escreveu também

algumas músicas de câmara, óperas e concertos, que hoje não são tão conhecidos.

Haydn foi o maior influenciador do estilo da época. O desenvolvimento da forma-sonata

de um esquema rígido em uma maneira sutil e flexível de expressão musical, que se

tornou dominante no pensamento musical clássico, é devido quase que completamente a

Haydn. Ele também criou a forma sonata, a forma de variação dupla, e foi também o

primeiro a integrar a fuga e outros modelos contrapontísticos à forma clássica.

O concerto para violoncelo e orquestra em Dó maior de J.Haydn

O concerto para violoncelo e orquestra em Dó Maior de J.Haydn é o primeiro

entre três conhecidos desse compositor, sendo que apenas dois deles chegaram até nós

(Dó Maior e Ré Maior). Descoberto em Praga apenas em 1961, este concerto permite ao

solista explorar ao máximo as possibilidades técnicas no estilo majestoso do tema

associado à escolha da tonalidade brilhante de Dó Maior, bem como proporcionar uma

longa seção de ostentações técnicas em especial na região central do primeiro

movimento.

Esse é um claro exemplo de obra imprescindível do repertório para violoncelo:

as várias escalas exigem uma enorme clareza e agilidade tanto dos dedilhados quanto os

18
arcos. Várias são as sugestões para essas passagens, como pude constatar em aulas com

diferentes professores; porém, os elementos técnicos mencionados acima é que se

devem levar em conta, para que não fique prejudicada a idéia musical em detrimento da

técnica.

19
Capítulo III – Período Pré-Romântico (1790-1820)

As últimas obras de Mozart são bastante diferentes das que ele compunha

enquanto adolescente. Elas são mais dramáticas, tensas e refletem bem o seu estado

psicológico, angustiado por perceber que estava morrendo. O Requiem é o maior

exemplo dessa música, que deixava de ser um divertimento frívolo e começava a ser

confessional, quase um retrato interior do compositor.

Quem levou adiante esse aspecto emocional foi o alemão Ludwig van

Beethoven. Ele, que conheceu Mozart pessoalmente e que tinha sido aluno de Haydn,

começou a escrever peças que aliavam o senso formal dos mestres a uma profundidade

psicológica sem par em seus contemporâneos. Apesar de revolucionárias no conteúdo,

que é altamente pessoal e subjetivo, no que concerne à forma, as obras beethovenianas

estão fortemente arraigadas na tradição, na sonata, nos gêneros consagrados.

Essa fusão de individualismo e rigidez formal é a característica principal das

duas primeiras décadas do século XIX e Beethoven logo se tornou o modelo dos demais

compositores da época, principalmente Carl Maria von Weber e Franz Schubert. O

primeiro compôs óperas como O franco-atirador, que levaram a fantasia mozartiana a

um nível quase sobrenatural. Elas impressionaram, meio século mais tarde, o jovem

Richard Wagner.

Já Schubert, que tinha verdadeira paixão por ópera e compôs várias delas, não

obteve destaque nesse gênero. O campo em que triunfou foi o lied (canção artística

alemã) e música instrumental. Algumas de suas obras são ainda mais pessoais e

introspectivas do que as de Beethoven, e ele foi um dos primeiros a experimentar

20
gêneros de forma mais livre, como noturnos, fantasias e improvisos. Assim, ele

mostrou, de maneira bastante intuitiva, o caminho que seus posteriores deveriam seguir.

Período Romântico

O romantismo trouxe grande mudança para a vida profissional dos músicos,

seus instrumentos e a própria criação musical, que viveu uma época de grande

esplendor. Com a formação de um público urbano burguês, pagante, freqüentador de

teatros -- os novos locais de espetáculo --, os compositores deixaram de trabalhar para a

igreja e os príncipes tornaram-se autônomos, na busca de maior independência em seu

trabalho. Foram inventados novos instrumentos e a orquestra incorporou o flautim, o

corne-inglês, o contrafagote e vários instrumentos de percussão. A criação de novos

elementos formais, as transformações harmônicas e os novos timbres permitiram a

expressão cada vez mais elaborada das emoções, das nuanças sutis às mais extremadas

paixões. O lied, gênero romântico por excelência, atingiu a máxima pureza melódica e

fusão musical entre a voz e o piano nas peças compostas por Schubert, Schumann,

Brahms e Wolf.

O grande gênio romântico (na realidade, compositor da transição

clássico/romântico) foi Beethoven, iniciador de uma tradição sinfônica grandiosa, que

utilizava seqüências harmônicas inusitadas, de grande impacto aos ouvidos do público

da época, habituado à previsível e equilibrada harmonia clássica. Berlioz criou a

sugestiva sinfonia programática, em que uma idéia extramusical, ligada à ação

dramática, conduz a composição. A instrumentação é utilizada para criar uma

ambientação sonora que pode incluir motivos musicais que representam fatos ou

personagens e até mesmo imitam certos ruídos.

21
A ópera recebeu um impulso especial com o conceito de Gesamtkunstwerke, a

obra de arte total do alemão Richard Wagner, que tirou as vozes do permanente

primeiro plano e fez com que se inserissem na textura instrumental. Realizou assim o

que chamou de melodia infinita: o recitativo passa à ária por meio de modulações e as

cadências só se completam no final do ato. O italiano Giuseppe Verdi manteve a

tradição italiana de argumentos dramáticos e nacionalistas, em que a arte vocal

sobrepuja a orquestração. Verdi levou o drama romântico a níveis extraordinários de

imaginação melódica e força expressiva.

A afirmação do subjetivismo romântico ensejou a formação de escolas

nacionais. Na Hungria, Ferenc Erkel, autor do hino nacional, buscou no folclore os

temas para suas óperas. Franz Liszt, compositor de obras pianísticas, inovou com a

sonata de tema único, em substituição ao "desenvolvimento" clássico, e com o poema

sinfônico. O russo Mikhail Glinka redescobriu cantos e ritmos populares e reintroduziu

um antigo sistema composicional, o modalismo próprio da música sacra eslava de seus

ancestrais.

Período Romântico Tardio

Após a virada do século, as idéias de Wagner perduram em obras de

compositor-regentes, voltados principalmente para a escrita orquestral, como Richard

Strauss (1864-1949) e Gustav Mahler (1860-1911). Esses compositores introduzem as

grandes massas orquestrais, corais chegando a mais de mil pessoas (Sinfonias nº 8, de

Mahler), e sinfonias de longa duração, compreendendo por volta de uma centena de

temas (Sinfonias alpinas, de Strauss). Inovam ainda com o uso de recursos

instrumentais que enfatizam o caráter programático da música (os instrumentos de metal

22
imitando carneiros no Don Quixote de Strauss; o som dos sinos das igrejas na primeira

Sinfonia de Mahler). É nesse período em que Max Bruch está inserido.

A Forma Sonata

No Classicismo, é uma forma de composição musical normalmente dividida

em três partes: uma exposição de um ou mais temas, o desenvolvimento desses temas e

a recapitulação, que é a reapresentação dos temas de maneira modificada, geralmente

em outra tonalidade. Há também algumas composições de forma livre que recebem o

nome de sonata, como as que foram escritas por Domenico Scarlatti e, atualmente, pelo

brasileiro Gregório Calleres, entre outros.

No Barroco, o termo sonata era usado para definir qualquer gênero puramente

instrumental - assim como cantata era um gênero vocal. As sonatas de Domenico

Scarlatti, por exemplo, eram compostas no esquema A-B. Na origem do termo sonata,

era uma música para instrumentos de sopro ou para cordas. Com o passar do tempo,

sonata passou a designar uma obra musical em vários movimentos cuja estrutura era

definida. A sonata clássica, desenvolvida por Mozart no Classicismo era constituída de

três ou quatro movimentos:

1. Um primeiro movimento rápido, cuja forma se baseava na

"forma-sonata".

2. Um movimento lento, geralmente em forma de variações;

3. Um movimento dançante (um minueto, por exemplo,

remanescente da suíte);

4. Um movimento final, de caráter enérgico e conclusivo.

23
Obviamente essa estrutura era modificada de acordo com o compositor;

todavia, permaneceu como principal meio de composição até meados do século XX.

Ludwig van Beethoven

Beethoven nasceu presumivelmente a 16 de dezembro em Bona (Bonn). Seu

pai era tenor na corte de Bona e também lecionava. Foi dele que Beethoven teve as suas

primeiras noções de música. Compôs suas primeiras peças aos 11 anos e tinha um

hábito curioso: despejar água gelada sobre a cabeça, pois ele garantia que isso

estimulava o cérebro. Em 1792, muda-se para Viena, e, afora algumas poucas viagens,

permaneceria lá para o resto da vida. Durante os anos 1790, firma uma sólida reputação

como pianista virtuose e compõe suas primeiras obras-primas: Três Sonatas para piano

Op.2 (1795), Concerto para Piano No.1 em Dó maior Op.15 (1795), Sonata No.8 em Dó

menor Op.13 [Sonata Patética] (1798), Seis Quartetos de cordas Op.18 (1800)14.

Em 1796, começa a sentir os primeiros sintomas de surdez. Embora tenha feito

muitas tentativas para tratá-la durante vários anos seguintes, a doença continuou

progredindo e, ao morrer, Beethoven estava quase completamente surdo.

Em 2 de Abril de 1800, sua Sinfonia No.1 em Dó maior Op.21 estréia em

Viena, mas no ano seguinte ele confessa aos amigos que não estava satisfeito com o que

tinha composto até então e que havia decidido seguir “um novo caminho”. Em 1803

Beethoven começa a trilhar este “novo caminho” com a Sinfonia No.3 em Mi bemol

maior Op.55 [Heróica], uma obra sem precedentes na história da música sinfônica,

considerada o início do período Romântico na Música Clássica.

Os anos seguintes à Heróica foram de extraordinária fertilidade criativa e

viram surgir numerosas obras-primas: Sonata No.21 em Dó maior Op.53 [Waldstein]

24
(1804), Sonata No.23 em Fá menor Op.57 [Appassionata] (1805), Sinfonia No.4 em Si

bemol maior Op.60 (1806), Três Quartetos de cordas Op.59 [Rasumovsky] (1806),

Sinfonia No.5 em Dó menor Op.67 (1808), Sinfonia No.6 em Fá maior Op.68 [Pastoral]

(1808), Concerto para Piano No.4 em Sol maior Op.58 (1807), Concerto para Violino

em Ré maior Op.61 (1806), Concerto para Piano No.5 em Mi bemol maior Op.73

[Imperador] (1809), Quarteto em Fá menor op.95 [Serioso] (1811), Sinfonia No.7 em

Lá maior Op.92 (1812), Sinfonia No.8 em Fá maior (1812), e a primeira versão da única

ópera de Beethoven, Fidélio (a versão definitiva é de 1814).

Depois de 1812, a surdez progressiva aliada à perda das esperanças

matrimoniais e problemas com a custódia do sobrinho o levaram a uma crise criativa

que faria com que durante esses anos ele escrevesse poucas obras importantes.

A partir de 1818 Beethoven, aparentemente recuperado, passou a compor mais

lentamente, mas com um vigor renovado. Surgem então algumas de suas maiores obras:

Sonata No.29 em Si bemol maior op.106 [Hammerklavier] (1818), Sonata No.30 em Mi

maior Op.109, Sonata No.31 em Lá bemol maior Op.110 (1822), Sonata No.32 em Dó

menor Op.111 (1822), Variações Diabelli Op.120 (1823), Missa Solemnis Op.123

(1823). A culminância desses anos foi a Sinfonia No.9 em Ré menor Op.125 (1824),

para muitos a sua obra-prima. Pela primeira vez é inserido um coral num movimento de

uma sinfonia. O texto é uma adaptação do poema de Schiller “Ode à Alegria”, feita pelo

próprio Beethoven. Ele estava quase totalmente surdo quando compôs essa sinfonia.

Os anos finais de Beethoven foram dedicados quase que exclusivamente à

composição de quartetos de cordas. Foi nesse meio que ele produziu algumas de suas

mais profundas e visionárias obras: Quarteto em Mi bemol maior Op.127 (1825),

14
A melodia do Kol Nidrei é facilmente reconhecida nos primeiros compassos do Quarteto op.18, nº 4 em
dó menor.

25
Quarteto em Lá menor Op.132 (1825), Quarteto em Si bemol maior Op.130 (1826),

Grande Fuga Op.133 (1826), Quarteto em Dó sustenido menor Op.131 (1826) e

Quarteto em Fá maior Op.135 (1826).

Beethoven impressionou os contemporâneos, além de sua arte, pelas

manifestações rudes de sua independência pessoal. Em torno de sua forte personalidade

formaram-se lendas, destinadas a salientar os sofrimentos e a grandeza do homem

titânico, chegando a falsear a perspectiva biográfica. A famosa carta (sem data e sem

endereço) à ‘amada imortal’ não tem maior importância para a interpretação da obra,

porque na arte de Beethoven não é sensível o elemento erótico. Errada também é a

opinião de ter o mestre sofrido pela incompreensão dos contemporâneos: teve, em vida,

os maiores sucessos e foi admirado como nenhum outro compositor.

Também teve notável êxito material e, chegou a ditar preços aos seus editores.

Mas, sobretudo, foram mal compreendidos os efeitos de sua doença. Até 1814, a surdez

não foi total, permitindo a elaboração de numerosas obras-primas musicais; depois

dessa data, foi a própria surdez que abriu ao compositor as portas de uma nova arte, toda

abstrata. A grandeza de Beethoven não foi, prejudicada pela surdez, e sua vida não se

resume numa luta heróica contra a doença.

Sua influência na história da música foi imensa. Ao morrer em 26 de Março de

1827 estava trabalhando em uma décima Sinfonia. Conta-se que cerca de 10 mil pessoas

compareceram aos seus funerais. Entre os presentes, Franz Schubert.

A Sonata Clássica e Op.69 para violoncelo e piano de Beethoven

A sonata clássica é uma composição para instrumentos solistas, geralmente

piano, em três movimentos (normalmente dois rápidos e um lento), sendo um deles

26
escrito na forma tradicional (exposição, desenvolvimento, reexposição). Os

compositores que mais escreveram sonatas clássicas foram Mozart, Haydn e Beethoven.

Beethoven com suas sonatas op.5 e op.69, envolveu o violoncelo com o piano

de tal forma que, “não mais subordinado ou derivado do baixo contínuo, mas sim

violoncelo com acompanhamento, pianista e violoncelista são tratados em igual

protagonismo nas sonatas op.69 de 1807-08”, como diz Robin Stowell em “The

Cambrige Companion to the Cello”. A sonata em Lá Maior op.69 foi dedicada ao Barão

Ignaz Von Gleichenstein, violoncelista amador e cunhado de Therese Malfati, um de

seus inúmeros amores impossíveis. A mais lírica de todas as sonatas, essa sonata possui

ao mesmo tempo serenidade e profundidade intercaladas entre o violoncelo e piano.

Kol Nidrei

“Porém balaão respondeu, e disse a Balaque: Não te falei eu,dizendo: Tudo o que o Senhor falar aquilo

farei?” Levítico 23:26

Kol Nidrei, que em aramaico significa “todos os votos” ou “todas as

promessas”, apesar de tocar o fundo da alma judaica, infundindo em cada um dos

presentes, temor e esperança, na realidade não é uma oração e o texto sequer menciona

o tema arrependimento. É uma declaração coletiva que permite aos que estão presentes,

anular promessas, votos ou juramentos feitos a Deus e não cumpridos. No Yom Kipur,

na hora do Kol Nidrei, somos lembrados que a palavra é sagrada e que promessas

assumidas devem ser escrupulosamente respeitadas.

Para o judaísmo, votos e juramentos são compromissos de extrema

importância e a Torá é explícita neste ponto. Um mandamento bíblico afirma que uma

promessa proferida não deve ser quebrada. Esta proibição é tão grave que o Talmud diz

que o mundo treme diante dela e, portanto, não podemos nos aproximar de D’us para

27
implorar Seu perdão sem antes nos termos livrado do grave pecado de ter violado nossa

palavra a Ele. O Talmud aconselha evitar juramentos ou votos.

Nossos sábios estavam cientes da fragilidade da natureza humana. Sabiam

também que, em momentos difíceis, ao nos dirigirmos ao Todo-Poderoso, podem ser

pronunciadas promessas precipitadas ou juramentos difíceis de cumprir. Por isto,

anteviram uma forma de nos absolver de culpas derivadas de palavras proferidas

impetuosamente. Apesar de colocar sérias limitações, o Talmud afirma que um tribunal

composto por três pessoas (Bet Din) pode anular votos ou juramentos feitos por uma

pessoa, se esta declarar perante eles que se arrependeu.

Por ter provocado mal-entendidos ao longo de séculos, é muito importante

lembrar que, assim como o Yom Kipur só absolve as transgressões do homem em sua

relação com Deus, o Kol Nidrei nos libera somente de votos ou juramentos pessoais

feitos a Deus e só a Ele. Em hipótese alguma nos libera de promessas, juramentos ou

votos que envolvam outras pessoas; estes só poderão ser anulados quando, na presença

de todos os envolvidos, todos estiverem de acordo com a anulação.

Há várias teorias sobre as origens do texto do Kol Nidrei. Há historiadores que

supõem ter sido composto nos séculos V ou VI, após o rei Ricardo da Espanha (586-601

da era comum) ter iniciado uma campanha que obrigou todos os judeus de seu reino a se

tornarem cristãos. Acuados, muitos tiveram que renegar sua fé, mas, apesar das

aparências, permaneciam judeus em segredo. Foi o início do cripto-judaísmo. Mas os

marranos – como passaram a ser chamados estes judeus secretos – não queriam

abandonar sua fé e tentavam manter secretamente as Leis de seus ancestrais.

Yom Kipur era uma data particularmente importante para eles e, mesmo

arriscando suas vidas, reuniam-se em segredo. No entanto, antes de iniciar as orações, o

28
líder da congregação era incumbido de se levantar e renunciar, em nome de todos os

presentes, a juramentos e promessas formuladas sob coação. Declarava nulos todos os

juramentos que haviam sido impostos e, só então, com o coração mais leve, iniciavam

as orações pedindo perdão a Deus pelos pecados cometidos.

Max Christian Friedrich Bruch (1838-1920)

Nasceu em Colônia (Alemanha) no dia 6 janeiro e faleceu com 82 anos. Seu

pai era advogado e sua mãe soprano e professora de música. Começou seus estudos

musicais tomando aulas de piano e seu talento precoce foi muito cedo reconhecido por

músicos influentes em Colônia, inclusive o pianista, condutor, e compositor Ignaz

Moscheles. Em 1852, ganhou o prêmio da “Fundação Mozart” com apenas quatorze

anos. Treze anos depois, em 1865, foi nomeado Diretor de Música em Coblenz, uma

posição que manteve durante dois anos. Logo depois, foi empregado em Sonderhausen

como “Kapellmeister” (1867-1870), em Liverpool como condutor da Sociedade

Filarmônica (1880-1883), em Breslau como condutor da “Orchesterverein” (1883-1890)

e finalmente como professor em Berlim (1891-1911).

Em 1883, viajou para os Estados Unidos para uma excursão extensa que o

levou, entre outras cidades, para Cleveland onde, no dia 26 de abril de 1883, houve um

grande concerto onde suas composições foram executadas. O famoso Concerto para

Violino no.1 em Sol menor, Op. 26 é um dos nove trabalhos que Bruch compôs para

violino. Os trabalhos restantes para violino incluem o Segundo e Terceiro Concerto

(ambos em Ré menor), a Fantasia Escocesa, Serenata, Konzertstück, In Memoriam,

Romance e Appassionato e Kol Nidrei, para violoncelo e orquestra.

O Kol Nidrei de Max Bruch (Adágio sobre Melodias Hebraicas para cello e orq., op. 47)

29
Foi Moisés quem instituiu o dia sagrado do Yom Kippur, conforme o texto do

Levítico (23:26), um dos cinco livros do Pentateuco. Pouco antes do anoitecer o

chazan15 entoa a oração do Kol Nidrei, cuja melodia de intensa emoção e energia

espiritual traduz o pináculo da liturgia do Yom Kippur.

Os compassos desta música cujas origens remontam ao século VIII serviram

de inspiração para muitos compositores. Dezenas de arranjos para voz e piano, órgão e

violino, arranjos para corais e pequenas orquestras foram criados por músicos judeus e

cristãos. Assiste-se ao surgimento de um fenômeno inverso ao da secularização da

música das sinagogas. É a influência do Chazzanut sobre a música clássica. A melodia

do Kol Nidrei é facilmente reconhecida nos primeiros compassos do Quarteto opus 18,

no.4 em dó menor, de Ludwig van Beethoven.

O Adágio sobre Melodias Hebraicas para violoncelo e orquestra, opus 47, mais

conhecido como Kol Nidrei, é de autoria de Max Bruch (1838-1920). Através de seu

amigo, o chazan Abraham Lichtenstein, Bruch foi conhecer as melodia judaicas, entre

elas o Kol Nidrei e as Canções Hebraicas de Isaac Nathans, com letra do poeta Lord

Byron.

A obra de Max Bruch foi obscurecida pela de Brahms, Mahler e Richard

Strauss. Mesmo assim ele nos deixou música de excepcional qualidade como o Kol

Nidrei, o Concerto nº 1 para violino e orquestra, opus 26 e a Fantasia Escocesa. Bruch

foi dirigente da Sociedade Filarmônica de Liverpool, da Sociedade Filarmônica de

Berlim e professor da Academia de Música.

O início do século XX assistiu o esplendor da música litúrgica judaica na

Europa e nos Estados Unidos. Muitos cantores de sinagogas passaram a ser disputado a

15
Cantor e orador judeu.

30
peso de ouro pelas grandes casas de ópera. Os grandes destaques foram Yossele

Rosenblatt, Abraham Katz e Isaac Heymann. Rosenblatt foi um tenor excepcional, que

recusou por motivos religiosos, inúmeros convites para se apresentar como solista de

óperas famosas. Sua única participação perante o grande público foi no primeiro filme

sonoro, The Jazz Singer, aonde ele faz uma curta aparição. A brutalidade da II guerra

mundial ceifou a vida de Sam Englander (1896-1943), mestre do coral da Grande

Sinagoga de Amsterdã, morto no campo de concentração de Sobibor. Gershon Sirota, o

grande tenor da Sinagoga de Varsóvia e um dos primeiros Chazans a gravar em disco a

música litúrgica, desapareceu durante os combates ocorridos durante o grande levante

do gueto, em 1943.

31
Capítulo IV - Música Contemporânea

Caracterizar uma linguagem musical em um contexto cultural e em um período

da história no qual os valores estéticos, dentre outros, se transformam permanentemente,

apresenta-se como uma tarefa extremamente complexa e laboriosa, porém significativa

e necessária para o exercício das práticas composicionais, interpretativa e apreciativa da

Música Contemporânea (entendida aqui como possuidora de um conjunto de elementos

formais e uma estética composicional e interpretativa que a caracterizaria).

Ao se procurar fazer uma reflexão filosófica sobre a Música Contemporânea -

ou seja, elaborarmos uma estética -, estaríamos identificando propostas estéticas que

indicariam, sobretudo, inovações formais (organização do material sonoro) e semânticas

(engendramento do discurso musical) em comparação à música composta até o final do

século passado e às demais tendências musicais surgidas em nossa época, tais como o

Jazz, o Rock ou a Música Folclórica, por exemplo.

(como o Jazz, o Rock, por exemplo).

Segundo Jacques Chailley, em sua obra “Quarenta mil anos de música”, a

Música Contemporânea apresenta três orientações preponderantes enunciadas em seus

rudimentos por vários compositores no início deste século: 1.a. a liberação da tonalidade

(Claude Debussy: modos antigos e escalas exóticas; e Arnold Schoenberg: nivelamento

das funções e hierarquias dos doze graus da escala temperada cromática); 2.a. a

32
liberação da simetria e da periodicidade rítmicas (Igor Stravinsky (politonalidade e

polirritmia), passando por Oliver Messiaen (modos de valores e intensidades) e

culminando com o multisserialismo bouleziano); e 3.a. a busca de novas sonoridades

instrumentais (John Cage, Edgar Varèse, Henry Cowell), concretas (Pierre Saheffer e

Pierre Henry) e eletrônicas (Karlheinz Stockhausen).

Essas caracterizações imprimem à composição especificidades que fazem com

que a mesma passe a integrar um tipo diferenciado e exclusivo de repertório, mesmo

que os compositores se utilizem de outros estilos ou tendências musicais.

Muito embora seja imenso o universo da música do século XX (diferentemente

do panorama musical existente até o final do século XIX, quando prevalecia o sistema

tonal e os compositores eram, quase em sua totalidade, unânimes na sua utilização), a

Música Contemporânea - compreendida aqui como possuidora de uma linguagem

específica - é intraduzível em termos de outras linguagens, estilos e/ou tendências

musicais. Ou seja, não há como realizar versões de Música Contemporânea em outras

linguagens musicais. Ao contrário, pode-se executar uma peça de Bach ou Beethoven

utilizando-se da estética jazzística, por exemplo.

Não obstante, esse fato não implica que o compositor, ao empregar recursos de

composição e interpretação que não são específicos da Música Contemporânea, perca os

delineamentos formais que a caracterizam. Assim, o compositor de música

contemporânea, ao trabalhar com seu material no âmbito da linguagem que a

particulariza e associando-a a outras linguagens, não deixaria de imprimir à composição

os contornos formais e estéticos próprios e determinantes da linguagem da Música

Contemporânea.

33
Desta forma, a composição, interpretação e apreciação da Música

Contemporânea - termo aqui empregado, lembremos uma vez mais, para qualificar

tecnicamente um tipo de música e estética musical produzidas em nossa época,

compromissados com o desenvolvimento de uma linguagem específica - pressupõe um

saber particular e um instrumental de leitura específicos de seus códigos estéticos e de

sua estrutura formal.

Música Contemporânea, assim, não seria um termo que definiria

necessariamente toda a música produzida ao longo do século XX, mas a determinação

de uma linguagem com procedimentos composicionais e interpretativos (e, por

extensão, também procedimentos apreciativos) próprios e particulares.

Embora literalmente música contemporânea seja qualquer música

contemporânea àquele que fala, tecnicamente é a música erudita dos séculos XX e XXI,

feita após os movimentos impressionista e regionalista. Caracteriza-se por

experimentalismos e um tal estranhamento, refletindo a morte da filosofia ocidental e

sua desilusão, que se tornou inaudível para quem quer que não tenha toda a bagagem

cultural para interpretá-la.

Mário Ficarelli

Estudou piano com Maria de Freitas Moraes e Alice Philips e composição com

Olivier Toni. Seu catálogo de obras é extenso, incluindo obras para quase todas as

formações instrumentais: câmara, vocal, coral, cênica e sinfônica. Obteve vários

prêmios em concursos de composição no país e no exterior. Possui diversas obras

editadas no Brasil, Europa e Estados Unidos. Em 1975 participou da Tribuna

Internacional de Compositores, em Paris, regendo sua obra Ensaio-72 no Theatre de la

34
Ville. Transfigurationis, encomendada pela Orquestra Sinfônica do Estado de São

Paulo, estreou em 1981, valendo-lhe na ocasião o premio da APCA - Associação

Paulista de Críticos de Arte. Em 1988 esta obra foi estreada pela Orquestra Sinfônica

Tonhalle de Zurique e em 1992 teve três execuções pela Orquestra Sinfônica Bruckner

de Linz, na Áustria.

Em 1992 estreou com sucesso sua Sinfonia No.2 - Mhatuhabh, em Zurique,

sob a regência de Roberto Duarte frente à Orquestra Sinfônica Tonhalle, que

encomendou a obra. Em 1995, quando da estréia desta sinfonia em São Paulo, com a

OSESP, obteve novamente o prêmio da APCA. No mesmo ano conquistou a Bolsa

Vitae de Artes para a composição da 3a. Sinfonia, posteriormente escrita na Suíça, onde

residiu por um ano. Esta peça teve estréia mundial em abril de 1998 sob a regência de

Roberto Duarte e a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo. Em 1994 foi eleito

membro da Academia Brasileira de Música. Em 1996, sua Missa Solene (1996) para

coro e solistas infantis, órgão e percussão, foi estreada na Hungria em julho do mesmo

ano, comemorando os 1.000 anos da Abadia de Pannohalma para o que a obra lhe foi

encomendada.

Novamente, mediante concurso obteve em 1997 a Bolsa Vitae de Artes para a

composição de três quintetos: Quinteto para oboé e quarteto de cordas; Quinteto para

trompa e quarteto de cordas (1998), e Quinteto para 2 violinos, 2 violas e violoncelo

(1998). Em 1997 compôs, atendendo encomendas, Toccata para violino, violoncelo e

piano; Tempestade Óssea - sexteto para 2 xilofones, 2 marimbas, 5 claves e 5 temple

blocks (gravação do Grupo de Percussão da UNESP); A Coisa - Cantata para coro e

percussão sobre texto de Millor Fernandes. Seu nome é verbete em destacadas

publicações estrangeiras, tais como “Groves Dictionary of Music” e “Who's Who in the

World”.

35
Dedicado também ao magistério, leciona composição e outras disciplinas na

Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde é professor Livre

Docente em composição, tendo sido eleito Chefe do Departamento de Música da ECA-

USP em 1997.

Sonatina para viola (transcrição para violoncelo)


“O que posso dizer é que escrevi essa Sonatina em (1984 ou 1983 - não
me lembro) Teresópolis incentivado pela qualidade de violista [sic] de
nosso querido professor Marcelo Jaffe. No dia seguinte ele tocou para
mim. Fiz alguns pequenos acertos e ela foi editada pela Editora Novas
Metas, do Sigrido Levental. Mais tarde fiz uma transcrição para cello
que acabou sendo mais tocada do que a original para viola.“
(Mario Ficarelli -16/11/2005)

Conclusão

O conhecimento do estilo, a forma, as possibilidades técnicas do instrumento

da época e em que contexto foi composta é extremamente importante para a correta

interpretação musical.

Embora superficialmente, procurei realizar o meu recital da forma mais

coerente com relação às pesquisas e orientações históricas das obras, sempre consciente

das possibilidades e restrições inerentes do violoncelo moderno.

Estive em contato com a retórica barroca e clássica, o que antes era um

assunto quase desconhecido para mim, e muitas foram as surpresas decorrentes –

aspectos técnicos que obscureciam a música de algumas passagens foram esclarecidas

após analisar as razões estilísticas do compositor em seu período.

Todos esses conhecimentos foram sumamente importantes, em especial para

se ponderar não apenas em fazer o mais coerente à época, mas também para criar uma

idéia próxima ao meu tempo atual, como é o caso do Concerto em Dó Maior, de J.

Haydn. Tive a oportunidade de estar em contato com o arco correspondente ao estilo

36
clássico, mas por desejar executar esse concerto de forma mais próxima ao romântico;

optei por tocá-lo com edição contemporânea (Sadlo/Rostropovich) e arco moderno: por

convicção, não por não estar ciente do que seria o mais historicamente orientado.

Bibliografia

STOWELL, Robin. The Cambrige Companion to the Cello, Inglaterra: Cambrige


University Press, 1999.
MARKEVITCH, Dimitry. A Bibliography of the Unaccompanied Violoncelo Literature,
U.S.A: Fallen Leaf Press, 1989.
SADIE, Stanley. Dicionário Grove de Música - Edição concisa, Jorge Zahar Editor,
2000.

Internet

en.wikipedia.org/wiki/ (última procura em 15/11/2005)


http://www.cello.org (última procura em 15/11/2005)

37
SUMÁRIO

Introdução........................................................................... 01
Os primeiros 200 anos de repertório................................... 02

Capítulo I
Período Barroco.................................................................. 02
Primeiro Barroco................................................................. 02
Segundo Barroco................................................................. 03
A forma Ricercare............................................................... 05
Domenico Gabrielli............................................................. 06
As Suítes para Violoncelo Solo de Bach............................. 07
O sistema BWV................................................................... 10
Suíte nº5............................................................................... 10

Capítulo II
Período Clássico.................................................................. 12
A forma Concerto................................................................ 14
Joseph Haydn...................................................................... 15
O Concerto para violoncelo em Dó Maior......................... 18

Capítulo III
Período Pré-Romântico....................................................... 20
Período Romântico.............................................................. 21
Período Romântico Tardio.................................................. 22
A forma Sonata................................................................... 22
Ludwig van Beethoven....................................................... 23
A Sonata Clássica e Op.69.................................................. 26
Kol Nidre............................................................................. 27
Max Christian Friedrich Bruch............................................ 28
O Kol Nidrei de Max Bruch................................................ 29

38
Capítulo IV
Música Contemporânea....................................................... 32
Mario Ficarelli..................................................................... 34
Sonatina para viola (transcrição para violoncelo)................ 35

Conclusão............................................................................. 36

Bibliografia.......................................................................... 37

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