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TÓPICO
Integração e Controle
ORGANIZAÇÃO GERAL DO
SISTEMA NERVOSO
Hamilton Haddad Junior, Maria Aparecida Visconti
Apresentação da Aula
Olá Aluno(a),
Esta aula apresenta um panorama geral da organização do sistema nervoso humano.
Serão inicialmente discutidas suas origens evolutivas, para posteriormente serem apre-
sentadas suas principais divisões funcionais e anatômicas. Essas divisões serão analisadas
com enfoque nos principais níveis de controle exercido pelo sistema nervoso: fisiológico,
comportamental e cognitivo.
Figura 2.1: Prováveis origens das primeiras redes neurais (círculos em verde) e dos primeiros sistemas
nervosos centralizados (círculos em laranja). / Fonte: modificado de Miller, 2009.
Figura 2.3: Sistemas nervosos de alguns invertebrados (da esquerda para a direita: água-viva, planária e
minhoca). Podemos observar os processos de centralização e encefalização em animais de simetria bilateral.
/ Fonte: modificado de Silverthorn, 2010.
Figura 2.4: Sistemas nervosos de alguns vertebrados (da esquerda para a direita: peixe, ave e homem). Podemos observar o grande
aumento no tamanho do prosencéfalo. / Fonte: modificado de Silverthorn, 2010.
e o endócrino. Este controle permite que esses diversos sistemas trabalhem em conjunto e de
maneira orquestrada na manutenção da homeostase, como vimos na aula anterior. Dessa manei-
ra, o sistema nervoso contribui para a manutenção dos níveis fisiológicos de diversas variáveis
essenciais do meio interno, como a temperatura, a pressão arterial, a osmolaridade, as pressões
parciais de O2 e CO2, o pH e a glicemia, entre várias outras. Como já estudamos, a manutenção
desses parâmetros dentro de estreitas faixas são fundamentais para a manutenção da vida celular.
Como veremos, o controle dessas variáveis fisiológicas é exercido principalmente pela ação do
sistema nervoso autônomo sobre a musculatura lisa e as glândulas.
O último nível de controle é o cognitivo. Muitas vezes, não somos capazes de observar
diretamente esse nível de controle, embora sejamos capazes de medi-lo com a ajuda de ins-
trumentos científicos. É graças ao sistema nervoso que somos capazes de pensar, raciocinar,
memorizar, planejar, calcular, prever, tomar decisões, e assim por diante. Graças a ele, somos
também capazes de experimentar emoções como o medo, a raiva, o prazer e o vínculo afetivo.
A ciência que estuda esse nível de controle denomina-se ciência cognitiva, ou neurocognitiva.
É importante salientar que esses três níveis de controle muitas vezes se inter-relacionam.
Quando sentimos frio, por exemplo, algumas respostas fisiológicas são desencadeadas; ao mesmo
tempo, respostas comportamentais – como procurar abrigo, ou uma roupa mais quente – também
acontecem. Embora, por motivos didáticos, iremos analisar separadamente as partes do sistema
responsáveis por cada um desses níveis de controle, o sistema nervoso funciona quase sempre de
maneira integrada.
Para exercer controle, o sistema nervoso tem que ser capaz de detectar as variáveis a serem
controladas, monitorando continuamente o ambiente externo e interno por meio de recep-
tores especializados. As informações recolhida por essas receptores são transformadas em sinais
neurais e enviadas para centros de integração, onde elas serão processadas. A partir desse pro-
cessamento respostas adequadas poderão ser elaboradas e executadas (Figura 2.5).
Figura 2.5: O sistema nervoso é capaz de
continuamente detectar estímulos do ambiente
(externo e interno), processar esses estímulos,
e executar respostas de controle.
Figura 2.6: Esquema representando as principais entradas (aferências, em azul) e saídas (eferências, em vermelho, verde e laranja) do
sistema nervoso. As explicações estão no texto.
percebemos como odor, dentre muitos outros estímulos. Os receptores são a interface do sistema
nervoso com o mundo, e transformam esses diversos tipos de energia do ambiente em impulsos
nervosos: os potenciais de ação. Embora classicamente os sistemas sensoriais sejam vistos com
responsáveis pela detecção de estímulos do ambiente externo, não devemos esquecer que muitos
dos estímulos processados pelo sistema nervoso são gerados dentro do próprio organismo. Esses
estímulos podem ser, por exemplo, o grau de distensão da parede de uma artéria (relacionado à
pressão do sangue naquele vaso) ou a concentração de CO2 no plasma sanguíneo. Esses estímulos
advindos do interior do organismo também são detectados por receptores sensoriais. Os sistemas
sensoriais são, portanto, a porta de entrada do sistema nervoso.
O sistema nervoso possui três portas de saída: o sistema motor, o sistema nervoso autônomo
e o sistema neuroendócrino.
O sistema motor, também chamado de sistema motor esquelético, ou sistema motor
somático, é a parte do sistema nervoso que inerva a musculatura que produz os movimentos do
corpo. Ele está representado em vermelho na Figura 2.6. Essa musculatura é formada pelos
músculos estriados esqueléticos, que recebem esse nome porque estão ligados aos ossos do es-
queleto (e quando vistos através do microscópio, as fibras desse tipo de músculo possuem estrias,
daí o termo estriado). Por estarem ligados ao esqueleto, quando contraem os músculos produ-
zem alavancas com os ossos, o que resulta em movimento. No entanto, só haverá contração se
houver comando a partir do sistema nervoso. Portanto, só haverá movimento se essa parte do
sistema nervoso estiver funcionando. Por isso, pacientes com lesões medulares que rompem essa
via de saída do sistema nervoso são incapazes contrair a musculatura abaixo do nível da lesão.
Podemos notar que o sistema motor é responsável pela expressão dos nossos comportamentos,
estando dessa maneira relacionado ao nível comportamental de controle.
A segunda porta de saída é o sistema nervoso autônomo, também chamado de sistema
neurovegetativo, ou ainda sistema motor visceral. Ele está representado em verde na Figura 2.6.
Essa porção do sistema nervoso inerva a musculatura lisa que forma a maioria dos nossos órgãos.
Inerva também a musculatura cardíaca e algumas glândulas. O sistema nervoso autônomo está en-
volvido na modulação do funcionamento de outros sistemas fisiológicos, como o cardiovascular,
o respiratório e o digestório. Por exemplo, por inervar o coração, o sistema nervoso autônomo é
capaz de acelerar ou diminuir a frequência de batimentos cardíacos, bem como sua força de con-
tração. Também é capaz, graças a sua inervação do trato gastrointestinal, de acelerar ou diminuir
os movimentos peristálticos relacionados ao processo de digestão. Dessa forma, o sistema nervoso
autônomo está envolvido, sobretudo no nível homeostático de controle. Ele atua modulando a
atividade de outros órgãos e sistemas para que as demandas fisiológicas sejam atendidas de acordo
com a tarefa na qual organismo está envolvido.
A terceira porta de saída é o sistema neuroendócrino, representado em laranja na
Figura 2.6. Na verdade, quando falemos desse sistema, como o nome indica, estamos nos
referindo a dois sistemas diferentes – o nervoso e o endócrino – trabalhando conjuntamente.
A principal interface entre esses dois sistemas é o chamado eixo hipotálamo-hipófise.
Como veremos futuramente, o hipotálamo é uma estrutura do sistema nervoso central que
produz diversos hormônios e fatores que irão atuar sobre a glândula hipófise. A hipófise – ou
pituitária – é muitas vezes denominada “glândula mestra” do organismo, pois, respondendo
aos estímulos hipotalâmicos, secreta hormônios que irão agir sobre diversas outras glândulas
do organismo, como as gônadas, a tiroide e as suprarrenais. Assim, podemos perceber como é
intima a relação entre os dois grandes sistemas de controle do organismo: o sistema nervoso
e o sistema endócrino.
informações, e dizemos que eles são mistos. Podemos classificá-los também quanto o local
onde se unem ao SNC. Nesse caso, podemos dividi-los entre nervos espinhais e cranianos.
Enquanto os primeiros se unem ao SNC na medula espinhal, os últimos o fazem no tronco
encefálico. É nesses dois locais que se localizam a maior parte dos corpos celulares de onde
partem os axônios que formarão os nervos. Entretanto, podemos encontrar corpos celulares de
neurônios fora do SNC. Os agrupamentos dessas células são chamados de gânglios. Alguns
nervos são formados de axônios de neurônios cujos corpos celulares localizam-se em gânglios.
Vimos que o sistema nervoso central é constituído pelo encéfalo e pela medula espinhal.
Começaremos nossa descrição por esta última. A medula espinhal possui a forma de um tubo
que percorre um canal dentro da coluna vertebral, formado por orifícios das vértebras – deno-
minados forames vertebrais (Figura 2.8). Ela se divide em quatro partes, a partir do encéfalo:
cervical, torácica, lombar e sacral.
Figura 2.8: Coluna vertebral e medula espinhal. A figura mostra também a inserção de um nervo misto, constituído de fibras sensoriais
(em vermelho) e motoras (em azul). Note que, enquanto as fibras sensórias entram na medula pelas raízes dorsais, as fibras motoras o
fazem pelas raízes ventrais. / Fonte: modificado de Bear; Connors; Paradiso, 2002.
A medula espinhal possui uma substância cinzenta, onde estão localizados os corpos celulares
dos neurônios, envolvida por uma substância branca, que é constituída de fibras (axônios) (Figura
2.9).As fibras que formam os nervos espinhais chegam ou partem da substância cinzenta através das
raízes dorsais e ventrais (Figuras 2.8 e 2.9). As dorsais carregam informações sensoriais, enquanto
que pelas raízes dorsais trafegam informações motoras ou autonômicas. As informações sensoriais
ascendem em direção ao encéfalo através de tratos (vias) localizados na substância branca, por onde
também passam tratos motores que descendem do encéfalo. A interrupção dessas vias – por um
trauma, por exemplo – pode levar a perda de sensibilidade ou de movimentação, dependendo da
via lesada. Contudo, não devemos pensar na medula apenas como um local de tráfego de infor-
mação entre periferia do corpo e o encéfalo. Como veremos futuramente, a substância cinzenta
da medula é capaz de organizar diversos tipos de respostas. Isso acontece independentemente da
participação do encéfalo, como observamos nos reflexos medulares, por exemplo.
Figura 2.9: Medula espinhal isolada da coluna vertebral. A figura evidencia as substâncias branca e cinzenta,
bem como as raízes dorsais (aferências) e ventrais (eferências). / Fonte: modificado de Martin, 1998.
Figura 2.11: Corte medial do encéfalo humano, destacando as três principais divisões do tronco:
bulbo, ponte e mesencéfalo. Também são destacados o diencéfalo (tálamo e hipotálamo), o
cerebelo e a glândula pineal. / Fonte: modificado de Bear; Connors; Paradiso, 2002.
A B
C D
Figura 2.12: Sistemas modulatórios difusos que partem de neurônios localizados em núcleos do tronco para diversas regiões do
encéfalo. / Fonte: modificado de Silverthorn, 2010.
Figura 2.13: Visão dorsal do cerebelo humano. A ponte está encoberta por ele.
/ Fonte: modificado de Martin, 1998.
Acima do tronco localiza-se o diencéfalo (Figura 2.11), formado pelo tálamo e por uma
estrutura localizada logo abaixo dele, por isso chamada de hipotálamo. O tálamo é constituído
por uma reunião de vários núcleos que se comunicam com o córtex cerebral. Muitos desses
núcleos recebem informação sensorial vinda da periferia do corpo, como informação visual,
tátil, proprioceptiva, auditiva e gustativa, e as envia para o córtex cerebral. Por isso, o tálamo é
muitas vezes considerado a “porta de entrada” para o córtex. De fato, as vias responsáveis pelo
processamento consciente das informações sensoriais passam pelo tálamo. O olfato é uma exceção.
Todavia, a ideia de que o tálamo é apenas um relé, ou uma estação de retransmissão, não é correta.
Na realidade, uma parte importante do processamento sensorial acontece já em nível talâmico.
O hipotálamo – também formado por uma reunião de vários núcleos – possui importante
função comportamental, homeostática e neuroendócrina. A expressão de alguns comportamen-
tos, como a raiva e o medo, dependem da participação de núcleos hipotalâmicos. Além disso,
nesses núcleos estão os centros de controle da fome, da sede e da temperatura corporal. Uma parte
importante da atividade do sistema nervoso autônomo também é controlada pelo hipotálamo.
Tudo isso confere a essa estrutura um papel chave na manutenção da homeostase do organismo.
Como estudaremos no final da disciplina, o hipotálamo é também a principal interface entre
o sistema nervoso e o sistema endócrino, pois produz e secreta diversos hormônios e neuro-
-hormônios que terão importante ação sistêmica. Muitos desses hormônios controlam a ação da
glândula hipófise, que, por sua vez, exerce controle sobre outras glândulas (Figura 2.14). Dessa
maneira, percebemos que, embora possua uma dimensão reduzida, o hipotálamo rivaliza com o
tronco na importância e diversidade de controle das funções corporais.
Figura 2.14: Esquema resumindo o controle neuroendócrino de neurônios hipotalâmico (em azul e vermelho) sobre a glândula
hipófise. Em verde estão representados os hormônios liberados pela hipófise anterior em resposta aos hormônios hipotalâmicos
e seus alvos de ação (outras glândulas). / Fonte: modificado de Lent, 2010.
O córtex cerebral pode ser dividido em quatro lobos: occipital, parietal, temporal e fron-
tal (Figura 2.16). Esses lobos possuem um considerável grau de especialização, desempenhado
funções diferentes no processamento neural. A informação visual é processada no lobo occipital.
Já o controle e planejamento motor o ocorrem no lobo frontal. Os lobos parietal e temporal são
responsáveis, respectivamente, pelo processamento da informação somestésica e auditiva, além de
serem duas áreas importantes de associação sensorial. Didaticamente, podemos também dividir o
córtex cerebral em três tipos de áreas: sensoriais, motoras e associativas (Figura 2.17). As
áreas sensoriais são regiões corticais que recebem informações – via tálamo – vindas da periferia
do corpo. Elas estão representadas em verde na Figura 2.17. Em vermelho estão representadas
as áreas responsáveis pelo controle motor, de onde partem a maioria das fibras descendentes em
direção à medula espinhal. Em roxo estão representadas as áreas associativas. Essas regiões, como o
nome indica, são locais em que as informações de diversas modalidades sensoriais são integradas,
bem como informações sensoriais e motoras. Também são áreas importantes para as chamadas
funções executivas, que envolvem a capacidade de concentração, raciocínio e planejamento – que
se localizam principalmente no córtex pré-frontal (Figura 2.17). O grau de especialização funcio-
nal das diversas áreas corticais ainda é foco de intenso debate nas neurociências. Enquanto alguns
defendem a ideia de que as funções cognitivas
estejam distribuídas de maneira mais ou menos
uniforme pelo córtex cerebral, outros adotam
uma visão mais localizacionista, defendendo uma
intensa especialização das áreas diferentes regiões
corticais. De fato, algumas funções cognitivas –
como a linguagem, por exemplo – dependem de
regiões altamente especializadas, como as áreas de
Wernick e Broca, localizadas no hemisfério cere-
bral esquerdo. Outras funções, entretanto, como a
memória, aparentemente estão mais distribuídas Figura 2.16: Visão lateral dos lobos corticais. / Fonte: modificado de Bear;
Connors; Paradiso, 2002.
entre diversas regiões corticais.
Analisamos até agora regiões laterais do córtex cerebral. Contudo, se fizermos um corte na
região medial do telencéfalo – dividindo assim os dois hemisférios cerebrais – seremos capazes de
observar outras estruturas corticais e subcorticais (Figura 2.18), como o giro cingulado, o hipo-
campo e a amigdala. Essas regiões mediais fazem parte do chamado sistema límbico, responsável
pelo processamento neural das emoções. As estruturas do sistema límbico mantém intensa comu-
nicação com outras regiões do SNC, como o córtex pre-frontal e o tronco encefálico.
Com o que vimos até aqui, podemos concluir que os níveis de controle fisiológico, comportamen-
tal e cognitivo dependem do funcionamento adequado dessas diversas regiões corticais e subcorticais
do sistema nervoso humano. Nas próximas aulas, analisaremos em detalhe cada uma dessas regiões.
Figura 2.18: À esquerda: corte medial separando os dois hemisférios cerebrais. À direita: estruturas mediais que fazem parte do sistema
límbico. Em laranja está representado o giro cingulado; em verde claro a formação hipocampal; em roxo a amígdala; em amarelo o córtex
pre-frontal; em rosa os corpos mamilares e em verde escuro os núcleos anteriores do tálamo. / Fonte: modificado de Lent, 2010.
Fechamento do tópico
Nesse tópico fizemos uma introdução à organização geral do sistema nervoso humano.
Enfocando suas origens evolutivas, analisamos suas principais divisões anatômicas e funcio-
nais. Essas divisões foram estudadas tendo em vista os principais níveis de controle exercido
pelo sistema nervoso: fisiológico, comportamental e cognitivo.
Referências Bibliográficas
Bear, M. F., et al. Neurociências: Desvendando o Sistema Nervoso. 3. ed. Porto Alegre:
Artmed, 2008.
Kandel, E. R., et al. Princípios da Neurociência. 4. ed. Barueri: Manole, 2002.
Lent, R. Cem Bilhões de Neurônios? Conceitos Fundamentais de Neurociência. 2.
ed. São José: Atheneu, 2010.
Silverthorn, D. U. Fisiologia Humana: Uma Abordagem Integrada. 5. ed. Porto Alegre:
Artmed, 2010.