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TÓPICO

Integração e Controle
ORGANIZAÇÃO GERAL DO
SISTEMA NERVOSO
Hamilton Haddad Junior, Maria Aparecida Visconti

2.1 Evolução do Sistema Nervoso


2.2 Divisão Funcional do Sistema Nervoso Humano
2.3 Macroanatomia: principais divisões anatômicas
2.3.1 Sistema Nervoso Periférico
2.3.2 Sistema Nervoso Central

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Apresentação da Aula
Olá Aluno(a),
Esta aula apresenta um panorama geral da organização do sistema nervoso humano.
Serão inicialmente discutidas suas origens evolutivas, para posteriormente serem apre-
sentadas suas principais divisões funcionais e anatômicas. Essas divisões serão analisadas
com enfoque nos principais níveis de controle exercido pelo sistema nervoso: fisiológico,
comportamental e cognitivo.

Objetivo desta aula é que você:


• compreenda como o sistema nervoso evoluiu;
• identifique as principais divisões anatômicas e funcionais do sistema nervoso humano; e
• relacione essas divisões anatomofuncionais com os diferentes níveis de controle do
sistema nervoso.

2.1 Evolução do Sistema Nervoso


Utilizando as modernas ferramentas da biologia molecular, os cientistas especulam que
células parecidas com os atuais neurônios tenham surgido muito cedo ao longo do processo
evolutivo, provavelmente há mais de 600 milhos de anos. Contudo, a maioria dos pesquisadores
admite que as primeiras redes neurais tenham se desenvolvido muito depois disso. Os primeiros
animais a apresentar um sistema nervoso, formado por uma rede difusa de neurônios interco-
nectados foram provavelmente os cnidários (Figura 2.1).

Figura 2.1: Prováveis origens das primeiras redes neurais (círculos em verde) e dos primeiros sistemas
nervosos centralizados (círculos em laranja). / Fonte: modificado de Miller, 2009.

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Os neurônios evoluíram a partir de células multifuncionais, que foram se especializando ao longo


do tempo. Em esponjas, por exemplo, observamos células efetoras que respondem diretamente a
estímulos do ambiente (painel à esquerda da Figura 2.2). Durante o processo evolutivo, células
capazes de detectar estímulos ambientais (em verde na Figura 2.2) tornaram-se diferenciadas das
células efetoras (em laranja na Figura 2.2). Finalmente, com o aumento do tamanho e comple-
xidade dos organismos células altamente especializadas – os neurônios – passaram a comunicar
essas células “detectores” com as células efetoras (painel à direita da Figura 2.2). Como veremos
futuramente, nos seres humanos, como na maioria dos animais, as células “detectores” são chamadas
de receptores sensoriais, sendo que as células efetoras formam os músculos e as glândulas.
Figura 2.2: Provável origem dos atuais neurônios.
No painel totalmente à esquerda, temos células
multifuncionais capazes de detectar e reagir a um
estímulo. Já no painel totalmente à direita, temos
células especiais – os neurônios – comunicando as
células “detectores” e as efetoras. Podemos notar
que alguns neurônios podem ser, eles mesmos, os
detectores. / Fonte: modificado de Miller, 2009.

Ao longo da evolução, observamos também um lento processo de centralização e encefaliza-


ção do sistema nervoso. Observarmos isso em animais de simetria bilateral: mesmo os que possuem
sistemas nervosos relativamente simples, como os platelmintos – que possuem apenas algumas cen-
tenas de neurônios. Nesse processo, observa-se um acúmulo de neurônios e receptores na região
rostral dos organismos; primeiramente na forma de gânglios, e, posteriormente, com a presença
de encéfalos (Figura 2.3). Quando comparamos os sistemas nervosos de vertebrados ao longo
do processo evolutivo, percebemos que a região anterior do encéfalo, denominada prosencéfalo,
aumenta muito em tamanho proporcionalmente ao resto do corpo (Figura 2.4). Essa região inclui
o telencéfalo e o diencéfalo, que comumente chamamos de cérebro, como veremos a seguir.

Figura 2.3: Sistemas nervosos de alguns invertebrados (da esquerda para a direita: água-viva, planária e
minhoca). Podemos observar os processos de centralização e encefalização em animais de simetria bilateral.
/ Fonte: modificado de Silverthorn, 2010.

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Figura 2.4: Sistemas nervosos de alguns vertebrados (da esquerda para a direita: peixe, ave e homem). Podemos observar o grande
aumento no tamanho do prosencéfalo. / Fonte: modificado de Silverthorn, 2010.

2.2 Divisão Funcional


do Sistema Nervoso Humano
Nesse item iremos explorar as principais divisões funcionais do sistema nervoso humano,
sem nos preocuparmos com aspectos morfológicos por enquanto. O sistema nervoso é basica-
mente um sistema de controle, ou seja, ele controla os demais sistemas do organismo. Podemos
dividir esse controle em três níveis:
• Comportamental/motor.
• Homeostático/fisiológico.
• Cognitivo/emocional.
O controle comportamental é exercido por meio da musculatura esquelética. Para que
qualquer comportamento seja gerado, é necessário um comando do sistema nervoso para que
ocorra contração muscular. Isto é, o sistema nervoso controla todos os músculos esqueléticos
que produzem movimento. Estamos aqui utilizando o termo comportamento como qualquer
manifestação motora observável de organismo. Andar, correr, mastigar, fugir de um predador,
perseguir uma presa, procurar alimento ou abrigo são comportamentos, e dependem obrigato-
riamente de contração muscular para ocorrer. O mesmo vale para comportamentos tipicamente
humanos, como falar, escrever, dirigir, manipular ferramentas, tocar um instrumento musical
ou praticar esportes. Mesmo o comportamento de ficar imóvel depende também do controle
motor exercido pelo sistema nervoso.
O nível homeostático, ou fisiológico, relaciona-se ao papel que o sistema nervoso exerce
no controle dos demais sistemas fisiológicos, como, por exemplo, o cardiovascular, o respiratório

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e o endócrino. Este controle permite que esses diversos sistemas trabalhem em conjunto e de
maneira orquestrada na manutenção da homeostase, como vimos na aula anterior. Dessa manei-
ra, o sistema nervoso contribui para a manutenção dos níveis fisiológicos de diversas variáveis
essenciais do meio interno, como a temperatura, a pressão arterial, a osmolaridade, as pressões
parciais de O2 e CO2, o pH e a glicemia, entre várias outras. Como já estudamos, a manutenção
desses parâmetros dentro de estreitas faixas são fundamentais para a manutenção da vida celular.
Como veremos, o controle dessas variáveis fisiológicas é exercido principalmente pela ação do
sistema nervoso autônomo sobre a musculatura lisa e as glândulas.
O último nível de controle é o cognitivo. Muitas vezes, não somos capazes de observar
diretamente esse nível de controle, embora sejamos capazes de medi-lo com a ajuda de ins-
trumentos científicos. É graças ao sistema nervoso que somos capazes de pensar, raciocinar,
memorizar, planejar, calcular, prever, tomar decisões, e assim por diante. Graças a ele, somos
também capazes de experimentar emoções como o medo, a raiva, o prazer e o vínculo afetivo.
A ciência que estuda esse nível de controle denomina-se ciência cognitiva, ou neurocognitiva.
É importante salientar que esses três níveis de controle muitas vezes se inter-relacionam.
Quando sentimos frio, por exemplo, algumas respostas fisiológicas são desencadeadas; ao mesmo
tempo, respostas comportamentais – como procurar abrigo, ou uma roupa mais quente – também
acontecem. Embora, por motivos didáticos, iremos analisar separadamente as partes do sistema
responsáveis por cada um desses níveis de controle, o sistema nervoso funciona quase sempre de
maneira integrada.
Para exercer controle, o sistema nervoso tem que ser capaz de detectar as variáveis a serem
controladas, monitorando continuamente o ambiente externo e interno por meio de recep-
tores especializados. As informações recolhida por essas receptores são transformadas em sinais
neurais e enviadas para centros de integração, onde elas serão processadas. A partir desse pro-
cessamento respostas adequadas poderão ser elaboradas e executadas (Figura 2.5).
Figura 2.5: O sistema nervoso é capaz de
continuamente detectar estímulos do ambiente
(externo e interno), processar esses estímulos,
e executar respostas de controle.

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Podemos agora sofisticar o esquema apresentado na Figura 2.5, analisando as principais


“portas” de entrada e saída do sistema nervoso. As entradas são denominadas aferências, en-
quanto as saídas são chamadas de eferências. Como ainda não estamos preocupados com a
anatomia, nosso novo esquema será constituído apenas de quadrados e setas (Figura 2.6). A
breve descrição que faremos a seguir de cada parte desse esquema será apenas introdutória. Nas
próximas aulas estudaremos em detalhes cada uma dessas porções do sistema nervoso.

Figura 2.6: Esquema representando as principais entradas (aferências, em azul) e saídas (eferências, em vermelho, verde e laranja) do
sistema nervoso. As explicações estão no texto.

A porção do sistema nervoso capaz de detectar diferentes formas de energia do ambiente


é chamada de sistemas sensoriais. Ela está representada em azul na Figura 2.6. Esses sistemas
detectam e fazem o processamento inicial dos chamados estímulos sensoriais. Esse processamento
começa nos chamados receptores sensoriais, células altamente especializadas, capazes de intera-
gir com alguma porção do mundo exterior. Dessa forma, os receptores sensoriais são capazes
de interagir (e, por consequência, detectar) ondas eletromagnéticas, que percebemos como luz,
ondas de pressão do ar, que percebemos como som, moléculas químicas volatilizadas no ar, que

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percebemos como odor, dentre muitos outros estímulos. Os receptores são a interface do sistema
nervoso com o mundo, e transformam esses diversos tipos de energia do ambiente em impulsos
nervosos: os potenciais de ação. Embora classicamente os sistemas sensoriais sejam vistos com
responsáveis pela detecção de estímulos do ambiente externo, não devemos esquecer que muitos
dos estímulos processados pelo sistema nervoso são gerados dentro do próprio organismo. Esses
estímulos podem ser, por exemplo, o grau de distensão da parede de uma artéria (relacionado à
pressão do sangue naquele vaso) ou a concentração de CO2 no plasma sanguíneo. Esses estímulos
advindos do interior do organismo também são detectados por receptores sensoriais. Os sistemas
sensoriais são, portanto, a porta de entrada do sistema nervoso.
O sistema nervoso possui três portas de saída: o sistema motor, o sistema nervoso autônomo
e o sistema neuroendócrino.
O sistema motor, também chamado de sistema motor esquelético, ou sistema motor
somático, é a parte do sistema nervoso que inerva a musculatura que produz os movimentos do
corpo. Ele está representado em vermelho na Figura 2.6. Essa musculatura é formada pelos
músculos estriados esqueléticos, que recebem esse nome porque estão ligados aos ossos do es-
queleto (e quando vistos através do microscópio, as fibras desse tipo de músculo possuem estrias,
daí o termo estriado). Por estarem ligados ao esqueleto, quando contraem os músculos produ-
zem alavancas com os ossos, o que resulta em movimento. No entanto, só haverá contração se
houver comando a partir do sistema nervoso. Portanto, só haverá movimento se essa parte do
sistema nervoso estiver funcionando. Por isso, pacientes com lesões medulares que rompem essa
via de saída do sistema nervoso são incapazes contrair a musculatura abaixo do nível da lesão.
Podemos notar que o sistema motor é responsável pela expressão dos nossos comportamentos,
estando dessa maneira relacionado ao nível comportamental de controle.
A segunda porta de saída é o sistema nervoso autônomo, também chamado de sistema
neurovegetativo, ou ainda sistema motor visceral. Ele está representado em verde na Figura 2.6.
Essa porção do sistema nervoso inerva a musculatura lisa que forma a maioria dos nossos órgãos.
Inerva também a musculatura cardíaca e algumas glândulas. O sistema nervoso autônomo está en-
volvido na modulação do funcionamento de outros sistemas fisiológicos, como o cardiovascular,
o respiratório e o digestório. Por exemplo, por inervar o coração, o sistema nervoso autônomo é
capaz de acelerar ou diminuir a frequência de batimentos cardíacos, bem como sua força de con-
tração. Também é capaz, graças a sua inervação do trato gastrointestinal, de acelerar ou diminuir
os movimentos peristálticos relacionados ao processo de digestão. Dessa forma, o sistema nervoso
autônomo está envolvido, sobretudo no nível homeostático de controle. Ele atua modulando a

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atividade de outros órgãos e sistemas para que as demandas fisiológicas sejam atendidas de acordo
com a tarefa na qual organismo está envolvido.
A terceira porta de saída é o sistema neuroendócrino, representado em laranja na
Figura 2.6. Na verdade, quando falemos desse sistema, como o nome indica, estamos nos
referindo a dois sistemas diferentes – o nervoso e o endócrino – trabalhando conjuntamente.
A principal interface entre esses dois sistemas é o chamado eixo hipotálamo-hipófise.
Como veremos futuramente, o hipotálamo é uma estrutura do sistema nervoso central que
produz diversos hormônios e fatores que irão atuar sobre a glândula hipófise. A hipófise – ou
pituitária – é muitas vezes denominada “glândula mestra” do organismo, pois, respondendo
aos estímulos hipotalâmicos, secreta hormônios que irão agir sobre diversas outras glândulas
do organismo, como as gônadas, a tiroide e as suprarrenais. Assim, podemos perceber como é
intima a relação entre os dois grandes sistemas de controle do organismo: o sistema nervoso
e o sistema endócrino.

2.3 Macroanatomia: principais divisões anatômicas


Vamos examinar as principais divisões anatômicas do sistema nervoso humano. Podemos divi-
di-lo em sistema nervoso central e periférico. O sistema nervoso central (SNC) é constituído
do encéfalo e da medula espinhal. Fazem parte do sistema nervoso periférico (SNP) os nervos
e os gânglios (Figura 2.7). A maior parte das células nervosas está localizada no sistema nervoso
central, que é onde estão os importantes centros de integração e processamento de informação.
O sistema nervoso periférico é constituído principalmente de prolongamentos dos neurônios
(axônios) cujos corpos celulares localizam-se no sistema nervoso central. Esses prolongamentos
são chamados de fibras, sendo que o conjunto de várias dessas fibras forma um nervo.

2.3.1 Sistema Nervoso Periférico

Os nervos que compõem o sistema nervoso periférico constituem as entradas e saídas do


sistema nervoso central. Eles percorrem praticamente todas as partes do corpo, e são, portanto,
a comunicação do SNC com os tecidos corporais. Podemos classificá-los quanto ao tipo de
informação que carregam, de acordo o que vimos na Figura 2.6. Dessa forma, um nervo pode
ser sensorial, motor, autonômico. Muitas vezes um nervo carrega mais de um tipo dessas

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informações, e dizemos que eles são mistos. Podemos classificá-los também quanto o local
onde se unem ao SNC. Nesse caso, podemos dividi-los entre nervos espinhais e cranianos.
Enquanto os primeiros se unem ao SNC na medula espinhal, os últimos o fazem no tronco
encefálico. É nesses dois locais que se localizam a maior parte dos corpos celulares de onde
partem os axônios que formarão os nervos. Entretanto, podemos encontrar corpos celulares de
neurônios fora do SNC. Os agrupamentos dessas células são chamados de gânglios. Alguns
nervos são formados de axônios de neurônios cujos corpos celulares localizam-se em gânglios.

Figura 2.7: Sistema nervoso central (SCN, em


azul) e periférico (SNP, em amarelo). / Fonte:
modificado de Bear; Connors; Paradiso, 2002.

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2.3.2 Sistema Nervoso Central

Vimos que o sistema nervoso central é constituído pelo encéfalo e pela medula espinhal.
Começaremos nossa descrição por esta última. A medula espinhal possui a forma de um tubo
que percorre um canal dentro da coluna vertebral, formado por orifícios das vértebras – deno-
minados forames vertebrais (Figura 2.8). Ela se divide em quatro partes, a partir do encéfalo:
cervical, torácica, lombar e sacral.

Figura 2.8: Coluna vertebral e medula espinhal. A figura mostra também a inserção de um nervo misto, constituído de fibras sensoriais
(em vermelho) e motoras (em azul). Note que, enquanto as fibras sensórias entram na medula pelas raízes dorsais, as fibras motoras o
fazem pelas raízes ventrais. / Fonte: modificado de Bear; Connors; Paradiso, 2002.

A medula espinhal possui uma substância cinzenta, onde estão localizados os corpos celulares
dos neurônios, envolvida por uma substância branca, que é constituída de fibras (axônios) (Figura
2.9).As fibras que formam os nervos espinhais chegam ou partem da substância cinzenta através das
raízes dorsais e ventrais (Figuras 2.8 e 2.9). As dorsais carregam informações sensoriais, enquanto
que pelas raízes dorsais trafegam informações motoras ou autonômicas. As informações sensoriais

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ascendem em direção ao encéfalo através de tratos (vias) localizados na substância branca, por onde
também passam tratos motores que descendem do encéfalo. A interrupção dessas vias – por um
trauma, por exemplo – pode levar a perda de sensibilidade ou de movimentação, dependendo da
via lesada. Contudo, não devemos pensar na medula apenas como um local de tráfego de infor-
mação entre periferia do corpo e o encéfalo. Como veremos futuramente, a substância cinzenta
da medula é capaz de organizar diversos tipos de respostas. Isso acontece independentemente da
participação do encéfalo, como observamos nos reflexos medulares, por exemplo.

Figura 2.9: Medula espinhal isolada da coluna vertebral. A figura evidencia as substâncias branca e cinzenta,
bem como as raízes dorsais (aferências) e ventrais (eferências). / Fonte: modificado de Martin, 1998.

O encéfalo compreende todas as estruturas localizadas no interior da caixa óssea craniana


(Figura 2.10). A medula espinhal termina numa estrutura denominada tronco encefálico,
também conhecida como tronco cerebral. O tronco é subdividido em três partes principais:
o bulbo, a ponte e o mesencéfalo (Figura 2.11). Diversas funções fisiológicas, compor-
tamentais e cognitivas são integradas no tronco, que desempenha assim um papel essencial na
manutenção da vida. No controle fisiológico, destacam-se núcleos que controlam o sistema
cardiovascular, respiratório e digestório. Um trauma em determinados locais do tronco – como
o bulbo, onde estão localizados vários desses núcleos – pode causar uma parada cardiorrespira-
tória, podendo ser fatal.

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Figura 2.10: Principais estruturas do encéfalo humano.

Figura 2.11: Corte medial do encéfalo humano, destacando as três principais divisões do tronco:
bulbo, ponte e mesencéfalo. Também são destacados o diencéfalo (tálamo e hipotálamo), o
cerebelo e a glândula pineal. / Fonte: modificado de Bear; Connors; Paradiso, 2002.

Como veremos, o tronco desempenha um importante papel no controle do movimento.


Alguns movimentos rítmicos, como a marcha e a mastigação, dependem de centros que lá se
encontram. O tronco participa também do controle da postura corporal, por estar em contato
íntimo com o aparelho vestibular, no ouvido interno. Assim, a partir do tronco partem tratos

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motores descendentes, responsáveis pela manutenção do equilíbrio e pela realização de movi-


mentos de ajuste postural. Esses movimentos são, na maior parte das vezes, realizados de maneira
inconsciente, e são a base para que outros movimentos mais complexos e voluntários possam
ser organizamos pelo córtex cerebral.
Finalmente, o tronco tem uma participação fundamental no controle cognitivo e emocional,
pois neurônios localizados no bulbo, ponte e mesencéfalo projetam seus axônios para diversas
regiões corticais e subcorticais, liberando substâncias químicas neurotransmissoras que modulam
a atividade neural dessas áreas (Figura 2.12). Esses neurotransmissores podem agir difusamente
no encéfalo, alterando estados de vigília, alerta, humor e prazer, entre outros. Podemos perceber,
dessa maneira, o papel crucial que o tronco encefálico exerce nos diferentes níveis controle do
sistema nervoso central.

A B

C D

Figura 2.12: Sistemas modulatórios difusos que partem de neurônios localizados em núcleos do tronco para diversas regiões do
encéfalo. / Fonte: modificado de Silverthorn, 2010.

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O cerebelo possui a mesma origem embrionária (rombencéfalo) do bulbo e da ponte, e possui


uma grande importância no controle e correção do movimento humano, como veremos futu-
ramente. O cerebelo também se comunica com o aparelho vestibular, de modo que ele também
possui importante função na manutenção do equilíbrio. O papel do cerebelo na cognição ainda
não é totalmente conhecido, sendo foco de intensa pesquisa (Figura 2.13). Curiosamente, o cere-
belo apresenta mais neurônios que o próprio cérebro – estimativas recentes indicam que, embora
represente apenas 10% da massa encefálica, ele abriga 80% dos neurônios do encéfalo!

Figura 2.13: Visão dorsal do cerebelo humano. A ponte está encoberta por ele.
/ Fonte: modificado de Martin, 1998.

Acima do tronco localiza-se o diencéfalo (Figura 2.11), formado pelo tálamo e por uma
estrutura localizada logo abaixo dele, por isso chamada de hipotálamo. O tálamo é constituído
por uma reunião de vários núcleos que se comunicam com o córtex cerebral. Muitos desses
núcleos recebem informação sensorial vinda da periferia do corpo, como informação visual,
tátil, proprioceptiva, auditiva e gustativa, e as envia para o córtex cerebral. Por isso, o tálamo é
muitas vezes considerado a “porta de entrada” para o córtex. De fato, as vias responsáveis pelo
processamento consciente das informações sensoriais passam pelo tálamo. O olfato é uma exceção.
Todavia, a ideia de que o tálamo é apenas um relé, ou uma estação de retransmissão, não é correta.
Na realidade, uma parte importante do processamento sensorial acontece já em nível talâmico.

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O hipotálamo – também formado por uma reunião de vários núcleos – possui importante
função comportamental, homeostática e neuroendócrina. A expressão de alguns comportamen-
tos, como a raiva e o medo, dependem da participação de núcleos hipotalâmicos. Além disso,
nesses núcleos estão os centros de controle da fome, da sede e da temperatura corporal. Uma parte
importante da atividade do sistema nervoso autônomo também é controlada pelo hipotálamo.
Tudo isso confere a essa estrutura um papel chave na manutenção da homeostase do organismo.
Como estudaremos no final da disciplina, o hipotálamo é também a principal interface entre
o sistema nervoso e o sistema endócrino, pois produz e secreta diversos hormônios e neuro-
-hormônios que terão importante ação sistêmica. Muitos desses hormônios controlam a ação da
glândula hipófise, que, por sua vez, exerce controle sobre outras glândulas (Figura 2.14). Dessa
maneira, percebemos que, embora possua uma dimensão reduzida, o hipotálamo rivaliza com o
tronco na importância e diversidade de controle das funções corporais.

Figura 2.14: Esquema resumindo o controle neuroendócrino de neurônios hipotalâmico (em azul e vermelho) sobre a glândula
hipófise. Em verde estão representados os hormônios liberados pela hipófise anterior em resposta aos hormônios hipotalâmicos
e seus alvos de ação (outras glândulas). / Fonte: modificado de Lent, 2010.

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Finalmente, chegamos ao telencéfalo, que compreende o córtex cerebral e os núcleos


da base. Assim como a medula, o córtex possui uma substância branca, formada por fibras
mielinizadas, e uma substância cinzenta, onde estão os corpos celulares dos neurônios que o
constituem. A palavra córtex significa casca em latim. E o córtex é exatamente isso: uma casca
de neurônios que envolve uma grande massa de substância branca. Imersos na substância branca
estão os núcleos da base (Figura 2.15).

Figura 2.15: Substâncias cinzenta (externa)


e branca (interna) do telencéfalo. Em verde
estão representados os núcleos da base.
/ Fonte: modificado de Bear; Connors;
Paradiso, 2002.

O córtex cerebral pode ser dividido em quatro lobos: occipital, parietal, temporal e fron-
tal (Figura 2.16). Esses lobos possuem um considerável grau de especialização, desempenhado
funções diferentes no processamento neural. A informação visual é processada no lobo occipital.
Já o controle e planejamento motor o ocorrem no lobo frontal. Os lobos parietal e temporal são
responsáveis, respectivamente, pelo processamento da informação somestésica e auditiva, além de
serem duas áreas importantes de associação sensorial. Didaticamente, podemos também dividir o
córtex cerebral em três tipos de áreas: sensoriais, motoras e associativas (Figura 2.17). As
áreas sensoriais são regiões corticais que recebem informações – via tálamo – vindas da periferia
do corpo. Elas estão representadas em verde na Figura 2.17. Em vermelho estão representadas
as áreas responsáveis pelo controle motor, de onde partem a maioria das fibras descendentes em

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direção à medula espinhal. Em roxo estão representadas as áreas associativas. Essas regiões, como o
nome indica, são locais em que as informações de diversas modalidades sensoriais são integradas,
bem como informações sensoriais e motoras. Também são áreas importantes para as chamadas
funções executivas, que envolvem a capacidade de concentração, raciocínio e planejamento – que
se localizam principalmente no córtex pré-frontal (Figura 2.17). O grau de especialização funcio-
nal das diversas áreas corticais ainda é foco de intenso debate nas neurociências. Enquanto alguns
defendem a ideia de que as funções cognitivas
estejam distribuídas de maneira mais ou menos
uniforme pelo córtex cerebral, outros adotam
uma visão mais localizacionista, defendendo uma
intensa especialização das áreas diferentes regiões
corticais. De fato, algumas funções cognitivas –
como a linguagem, por exemplo – dependem de
regiões altamente especializadas, como as áreas de
Wernick e Broca, localizadas no hemisfério cere-
bral esquerdo. Outras funções, entretanto, como a
memória, aparentemente estão mais distribuídas Figura 2.16: Visão lateral dos lobos corticais. / Fonte: modificado de Bear;
Connors; Paradiso, 2002.
entre diversas regiões corticais.

Figura 2.17: Visão lateral de algumas das


principais áreas sensoriais (em verde), motoras
(em vermelho) e associativas (em roxo). / Fonte:
modificado de Bear; Connors; Paradiso, 2002.

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Analisamos até agora regiões laterais do córtex cerebral. Contudo, se fizermos um corte na
região medial do telencéfalo – dividindo assim os dois hemisférios cerebrais – seremos capazes de
observar outras estruturas corticais e subcorticais (Figura 2.18), como o giro cingulado, o hipo-
campo e a amigdala. Essas regiões mediais fazem parte do chamado sistema límbico, responsável
pelo processamento neural das emoções. As estruturas do sistema límbico mantém intensa comu-
nicação com outras regiões do SNC, como o córtex pre-frontal e o tronco encefálico.
Com o que vimos até aqui, podemos concluir que os níveis de controle fisiológico, comportamen-
tal e cognitivo dependem do funcionamento adequado dessas diversas regiões corticais e subcorticais
do sistema nervoso humano. Nas próximas aulas, analisaremos em detalhe cada uma dessas regiões.

Figura 2.18: À esquerda: corte medial separando os dois hemisférios cerebrais. À direita: estruturas mediais que fazem parte do sistema
límbico. Em laranja está representado o giro cingulado; em verde claro a formação hipocampal; em roxo a amígdala; em amarelo o córtex
pre-frontal; em rosa os corpos mamilares e em verde escuro os núcleos anteriores do tálamo. / Fonte: modificado de Lent, 2010.

Fechamento do tópico
Nesse tópico fizemos uma introdução à organização geral do sistema nervoso humano.
Enfocando suas origens evolutivas, analisamos suas principais divisões anatômicas e funcio-
nais. Essas divisões foram estudadas tendo em vista os principais níveis de controle exercido
pelo sistema nervoso: fisiológico, comportamental e cognitivo.

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Referências Bibliográficas
Bear, M. F., et al. Neurociências: Desvendando o Sistema Nervoso. 3. ed. Porto Alegre:
Artmed, 2008.
Kandel, E. R., et al. Princípios da Neurociência. 4. ed. Barueri: Manole, 2002.
Lent, R. Cem Bilhões de Neurônios? Conceitos Fundamentais de Neurociência. 2.
ed. São José: Atheneu, 2010.
Silverthorn, D. U. Fisiologia Humana: Uma Abordagem Integrada. 5. ed. Porto Alegre:
Artmed, 2010.

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