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SUMÁRIO

1. Fisiologia dos órgãos sensoriais:


Visão e olfato..................................................................... 3
2. Sistema fotorreceptor .............................................. 5
3. Camada externa ou túnica fibrosa....................... 8
4. Limbo .............................................................................. 9
5. Camada média ou túnica vascular.....................10
6. Cristalino......................................................................12
7. Corpo Vítreo ...............................................................13
8. Camada interna ou retina......................................13
9. Fototransdução .........................................................18
10. Processamento pós retina..................................20
11. Sistema olfatório ....................................................25
12. Transdução olfatória.............................................28
13. Vias olfatórias .........................................................31
Referências Bibliográficas .........................................34
FISIOLOGIA DOS ÓRGÃOS SENSORIAIS: VISÃO E OLFATO 3

1. FISIOLOGIA DOS prolongamentos de um neurônio é maior


do que o volume do corpo celular.
ÓRGÃOS SENSORIAIS:
Os neurônios apresentam morfologia
VISÃO E OLFATO complexa, porém quase todos se aore-
Todas as vias sensoriais possuem sentam da seguinte forma:
certos elementos em comum. Elas Dendritos, prolongamentos numero-
sos, especializados na função de rece-
começam com um estímulo, na for- ber os estímulos do meio ambiente, de
ma de energia física, que atua em um células epiteliais sensoriais ou de outros
receptor sensorial. O receptor é um neurônios
transdutor, o qual converte o estí- Corpo celular ou pericário, que é o cen-
mulo em um sinal intracelular, que tro trófico da célula e também capaz de
receber estímulos.
normalmente é uma mudança no po-
tencial de membrana. Se o estímulo Axônio, prolongamento único, espe-
cializado na condução de impulsos que
produz uma mudança que atinge o li- transmitem informações do neurônio
miar, são gerados potenciais de ação para outras células (nervosas, muscula-
que são transmitidos de um neurônio res, glandulares).
sensorial até o sistema nervoso cen-
tral (SNC), onde os sinais de entra-
da são integrados. Alguns estímulos
chegam ao córtex cerebral, onde ge-
ram a percepção consciente, porém,
outros agem inconscientemente.
Os sistemas sensoriais mais comple-
xos do corpo humano são formados
por órgãos sensoriais multicelulares,
como o olho para a visão e o nariz
para o olfato.

HORA DA REVISÃO!
Os neurônios são células nervosas res-
ponsáveis pela recepção, transmissão
Figura 1. Neurônio. Fonte: Junqueira &Carneiro
e processamento de estímulos. Além (2013, p.151)
disso, influenciam diversas atividades
do organismo e liberam os neurotrans-
missores e outras moléculas informacio-
nais. Os neurônios são formados pelo Os receptores do sistema sensorial
corpo celular ou pericário, que contém variam amplamente em complexida-
o núcleo e do qual partem prolonga- de, desde terminações ramificadas
mentos. Em geral, o volume total dos
de um neurônio sensorial único até
células complexas extremamente
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organizadas, como os fotorrecepto- pelo sistema nervoso. Em muitos re-


res. Os receptores mais simples são ceptores, a abertura ou fechamento
terminações nervosas não encapsu- de canais iônicos converte a energia
ladas (“livres”). Os receptores são di- mecânica, química, térmica ou lumi-
vididos em quatro grupos principais, nosa diretamente em uma mudança
com base no tipo de estímulo a que no potencial de membrana. Esse pro-
são mais sensíveis. Os quimiorre- cesso de mudança no potencial de
ceptores respondem a ligantes quí- membrana se relaciona com alguns
micos que se ligam ao receptor (p. ex., mecanismos de transdução sensorial
olfação e gustação). Os mecanorre- através da transdução do sinal e sis-
ceptores respondem a diversas for- temas de segundos mensageiros.
mas de energia mecânica, incluindo A informação sensorial de grande par-
pressão, vibração, gravidade, acele- te do corpo entra na medula espinal e
ração e som (p. ex., audição). Os ter- segue por vias ascendentes até o en-
morreceptores respondem à tempe- céfalo. Algumas informações senso-
ratura, e os fotorreceptores da visão riais vão diretamente para o tronco
respondem ao estímulo luminoso. encefálico pelos nervos cranianos.
Cada uma das principais divisões do
TIPO DE
encéfalo processa um ou mais tipos
EXEMPLOS DE ESTÍMULOS
RECEPTOR de informação sensorial. Por exemplo,
Oxigênio, pH, diversas moléculas o mesencéfalo recebe informação vi-
Quimiorreceptores
orgânicas, como a glicose. sual e o bulbo recebe aferências ge-
Pressão (barorreceptores), esti- radas a partir dos sons e do gosto.
Mecanorreceptores ramento da célula (osmorrecep-
tores), vibração, aceleração, som.
As informações do equilíbrio são pro-
fotorreceptores Fótons de luz
cessadas principalmente no cerebelo.
Termorreceptores Graus variados de calor
Estas vias, junto àquelas que levam
Tabela 1. Tipos de receptores.
informações do sistema somatos-
sensorial, projetam-se ao tálamo, o
qual atua como uma estação de re-
Como os receptores convertem os di- transmissão e processamento antes
versos estímulos físicos, como a luz que a informação seja repassada ao
ou o calor, em sinais elétricos? O pri- cérebro. O sistema olfatório é o único
meiro passo é a transdução, a con- que não possui retransmissão senso-
versão da energia do estímulo em rial feita pelo tálamo.
informação que pode ser processada
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Figura 2. Algumas vias sensoriais. Fonte: Silverthorn


(2017, p.314)
que são músculos esqueléticos que
se fixam à superfície externa do bulbo
2. SISTEMA do olho (globo ocular) e controlamos
FOTORRECEPTOR movimentos oculares. Os nervos
Globo ocular cranianos III, IV e VI inervam esses
músculos.
Os olhos são órgãos fotossensíveis
complexos que alcançaram alto grau
de evolução, Possibilitando uma aná-
lise minuciosa quanto à forma dos
objetos, sua cor e a intensidade de
luz refletida. A anatomia externa do
olho é mostrada na FIGURA 3. Assim
como os elementos sensoriais da ore-
lha, o olho é protegido por uma cavi-
dade óssea, a órbita, formada pelos
ossos cranianos da face. As estru-
turas acessórias associadas ao olho
incluem seis músculos extrínsecos,
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Figura 3. Anatomia externa do olho. Fonte: SILVERTHORN (2017, p.340)

Cada olho apresenta basicamente • Camada média ou túnica vascu-


uma câmara escura, uma camada de lar: constituída pela coroide, pelo
células receptoras sensoriais, um sis- corpo ciliar e pela íris;
tema de lentes para focalizar a ima-
• Camada interna ou retina que se
gem e um sistema de células para ini-
comunica com o cérebro pelo ner-
ciar o processamento dos estímulos
vo óptico; na realidade, a retina e o
e enviá-los ao córtex cerebral. O olho
nervo óptico são partes do siste-
(FIGURA 3) é constituído por três tú-
ma nervoso central, tanto por suas
nicas dispostas concentricamente:
estruturas como por suas funções
• Camada externa: formada pela e origens embriológicas, apesar de
esclera (ou esclerótica) e pela se localizarem fora do crânio.
córnea;
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Figura 4. Estruturas internas do olho humano. (Adap-


tada de um original de Pau l Peck e reproduzida, com
autorização, de Anotomyof thefye, Laboratório Lederle.)

• Câmara posterior: entre a íris e o


Além desses envoltórios, o olho apre- cristalino;
senta o cristalino ou lente, uma es- • Espaço vítreo: situado atrás do
trutura biconvexa transparente que é cristalino e circundado pela retina.
mantida em posição graças a um li-
gamento circular, a zônula ciliar, que
se insere sobre um espessamento Na câmara anterior e na posterior exis-
da camada média, o corpo ciliar. Em te um líquido que contém proteínas: o
frente ao cristalino há uma expansão humor aquoso. O espaço vítreo, que
pigmentada e opaca da camada mé- é limitado pela retina e pelo cristalino,
dia, que o recobre em parte, a íris. apresenta-se cheio de uma substância
viscosa e gelatinosa, o humor vítreo.
O olho tem três compartimentos:
O humor aquoso é um líquido com
• Câmara anterior: situada entre a baixa concentração de proteínas, simi-
íris e a córnea; lar ao plasma, que sustenta a córnea
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e a lente. Ele também leva nutriente e em fibras colágenas que se entrecru-


remove resíduos da camada epitelial zam e seguem, de modo geral, dire-
da córnea, que não tem suprimento ções paralelas à superfície do olho.
sanguíneo. Já o humor vítreo é uma A superfície externa da esclera apre-
matriz clara gelatinosa que preenche o senta-se envolta por uma camada de
corpo vítreo ajudando a manter a for- tecido conjuntivo denso – a cápsula
ma bulbo do olho. de Tenon – à qual se prende por um
sistema muito frouxo de finas fibras
SE LIGA! A doença dos olhos glauco-
colágenas que correm dentro de um
ma, caracterizada pela degeneração do espaço chamado espaço de Tenon.
nervo óptico, é a principal causa de ce- Graças a essa disposição, o globo
gueira em todo o mundo. Muitas pesso- ocular pode sofrer movimentos de ro-
as associam o glaucoma com aumento
da pressão intraocular (dentro do bulbo tação em todas as direções.
do olho), contudo, os cientistas descobri- No seu sexto anterior, a túnica fibrosa
ram que o aumento da pressão é apenas
um fator de risco para a doença. Um nú-
apresenta-se transparente e recebe o
mero significativo de pessoas com glau- nome de córnea. Distinguem-se cinco
coma tem pressão intraocular normal, e regiões: epitélio corneano anterior,
nem todos que têm pressão intraocular membrana de bowman, estroma,
elevada desenvolvem glaucoma. Muitos
casos de pressão elevada no olho es- membrana de descemet e epitélio
tão associados ao excesso de humor posterior ou endotélio da córnea.
aquoso, um líquido que é secretado pelo
epitélio ciliar próximo à lente. Em geral,
o líquido é drenado para fora, pelo seio
venoso da esclera (canal de Schlemm),
na câmara anterior do bulbo do olho,
mas se esse fluxo é bloqueado, o humor
aquoso acumula, causando aumento da
pressão dentro do olho. Os tratamen-
tos para diminuir a pressão intraocular
incluem o uso de fármacos que inibem
a produção de humor aquoso e cirurgia
para reabrir o seio venoso da esclera.

3. CAMADA EXTERNA OU
TÚNICA FIBROSA
Apresenta-se opaca e esbranquiçada
nos seus cinco sextos) posteriores.
Essa região é denominada esclera. Figura 5. Desenho tridimensional da córnea. Fonte: JUN-
QUEIRA &CARNEIRO (2013, P.450)
É formada por tecido conjuntivo rico
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desse epitélio apresentam microvilos


NA PRÁTICA: O reflexo corneano é mergulhados em um fluido protetor
evocado tocando-se de leve a córnea que contém lipídios e glicoproteínas.
com um chumaço de algodão ou lenço
Observam-se com frequência, leu-
de papel. Ele é usado para avaliar a fun-
ção dos nervos cranianos (NC) trigê- cócitos, principalmente linfócitos, mi-
meo e facial. Em resposta ao estímulo grando no estroma corneano, que é
corneano, deve haver um piscar do olho avascular. O epitélio posterior ou en-
ipsilateral e do olho contralateral. A alça
aferente do reflexo é mediada pelo NC
dotélio da córnea é do tipo pavimen-
Trigêmeo e a alça eferente pelo NC Fa- toso simples.
cial. O reflexo de piscar é um teste ele-
trofisiológico em que um estímulo elé-
trico é aplicado ao nervo trigêmeo e é 4. LIMBO
registrada uma resposta dos músculos
faciais. Ele pode fornecer informações É zona de transição da córnea, que
adicionais sobre o V NC, o VII NC e as é transparente, para a esclera. O co-
conexões entre eles.
lágeno da córnea, de homogêneo e
transparente, transforma-se em fi-
broso e opaco. Nesta zona altamente
vascularizada, existem vasos sanguí-
neos que assumem papel importante
nos processos inflamatórios da cór-
nea. A córnea é uma estrutura avas-
cular e sua nutrição se dá pela difusão
de metabólitos dos vasos sanguíne-
os e do fluido da câmara anterior do
olho. Nota- se também no estroma
um canal de contorno irregular, re-
vestido por endotélio, que circunda a
Figura 6. EVOCANDO REFLEXO CORNEANO.
Fonte: DeJong (2005, p.170). transição esclerocorneal (limbo), de-
nominado canal de Schlemm. Nes-
se canal, o humor aquoso produzido
O epitélio corneano anterior é estratifi- nos processos ciliares é drenado para
cado pavimentoso não queratinizado, o sistema venoso. Isso é possível em
constituído por cinco a seis camadas razão de um sistema de espaços em
celulares. Esse epitélio contém nu- labirinto, os espaços de Fontana, que
merosas terminações nervosas livres, vão do endotélio da córnea ao canal
o que explica a grande sensibilidade de Schlemm.
da córnea. Em 7 dias todas as células
do epitélio anterior da córnea são re-
novadas. As células mais superficiais
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5. CAMADA MÉDIA OU a função de distender a coroide, en-


TÚNICA VASCULAR quanto o outro, quando contraído, re-
laxa a tensão do cristalino. Essas con-
A túnica média (vascular) é consti-
trações musculares são importantes
tuída por três regiões que, vistas da
no mecanismo de acomodação vi-
parte posterior para a anterior, são
sual para focalizar objetos situados
coroide, corpo ciliar e a íris. A coroi-
em diferentes distâncias.
de é uma camada rica em vasos san-
guíneos, daí ser chamada também de Os processos ciliares são extensões
túnica vascular. Entre os vasos ob- de uma das faces do corpo ciliar. São
serva-se um tecido conjuntivo frouxo, formados por um eixo conjuntivo re-
que é rico em células, fibras coláge- coberto por camada dupla de célu-
nas e elásticas. É frequente a presen- las epiteliais. A camada externa, sem
ça de células contendo melanina, que pigmento, recebe o nome de epitélio
conferem cor escura a essa camada. ciliar. O humor aquoso é produzido
A porção mais interna da coroide é nos processos ciliares com a partici-
muito rica em capilares sanguíneos, pação do epitélio ciliar. Esse humor
o que lhe valeu o nome de corioca- flui para a câmara posterior do olho
pilar. Desempenha papel importante em direção ao cristalino, passa entre
na nutrição da retina, e lesões da co- o cristalino e a íris e chega à câmara
riocapilar podem levar a alterações da anterior, onde a direção do seu fluxo
retina. muda de 180°, dirigindo-se ao ângulo
formado pela íris com a zona de tran-
O corpo ciliar é uma dilatação da co-
sição esclerocorneal ou limbo. Nesse
roide na altura do cristalino. Tem as-
ângulo, o humor aquoso penetra os
pecto de um anel espesso, contínuo,
espaços labirínticos (espaços de Fon-
revestindo a superfície interna da
tana) e finalmente alcança um único
esclera. O componente básico des-
canal irregular, o canal de Schlemm
sa região é tecido conjuntivo (rico em
(Figura 4), revestido por células endo-
fibras elásticas, células pigmentares
teliais. Este, por sua vez, comunica-se
e capilares fenestrados), no interior
com pequenas veias da esclera, para
do qual se encontra o músculo ci-
as quais o humor aquoso é drena-
liar. Esse músculo é constituído por
do. O processo é contínuo e explica
três feixes de fibras musculares lisas
a renovação constante do conteúdo
que se inserem de um lado na escle-
aquoso das câmaras do olho.
ra e, do outro, em diferentes regiões
do corpo ciliar. Um desses feixes tem
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A íris é um prolongamento da coroi-


de que cobre parte do cristalino. A íris
tem um orifício circular central, a pu-
pila. A face anterior da íris é revesti-
da por epitélio pavimentoso simples,
continuação do endotélio da córnea.
Segue-se um tecido conjuntivo pou-
co vascularizado, com poucas fibras e
grande quantidade de fibroblastos e
células pigmentares, seguido, por sua
vez, de uma camada rica em vasos
Figura 7. Corte dos processos ciliares, que mostra o
epitélio, com a camada Interna pigmentada e a externa
sanguíneos, imersos em um tecido
sem pigmento. A camada epitelial bicelular se apoia conjuntivo frouxo.
em tecido conjuntivo frouxo. (Pararosanilina e azul de
toluidina. Médio aumento.). Fonte: JUNQUEIRA &CAR- A abundância de células com mela-
NEIRO (2013, P.451).
nina em várias porções do olho tem
como função principal impedir a en-
NA PRÁTICA: O reflexo de acomoda- trada de raios luminosos, exceto os
ção é uma manobra semiológica muito que vão formar a imagem na retina (o
utilizada na prática da oftalmologia e
neurologia. Ele é evocado fazendo-se o globo ocular é uma câmara escura).
paciente relaxar a acomodação olhando Os melanócitos da íris influenciam a
a distância e depois deslocar o olhar para cor dos olhos, na realidade a cor da
algum objeto próximo. O melhor objeto
íris. Quando a pessoa tem poucas cé-
próximo é um dos dedos ou o polegar
do próprio paciente. A resposta consiste lulas pigmentares na íris, a luz refleti-
em espessamento do cristalino (aco- da aparece-nos como azul, devido à
modação), convergência dos olhos e absorção do seu componente verme-
miose. O principal estímulo a acomoda-
ção é turvação da visão. Sem a resposta
lho durante o trajeto iridiano. À medi-
de proximidade, a tentativa de focalizar da que maiores quantidades de mela-
um objeto próximo acarretaria visão tur- nina se acumulam no trajeto, a cor da
va ou diplopia franca. Com técnicas es- íris vai passando a cinza, a verde e a
peciais, pode-se testar separadamente
cada componente da resposta. Testes castanho. Um pouco antes de alcan-
junto ao leito rotineiros evocam todos os çar a pupila, esses feixes se bifurcam,
três componentes. Acomodação ocorre formando um Y de haste alongada.
porque a contração do músculo ciliar re-
Os ramos dessa bifurcação se entre-
laxa as fibras zonulares, permitindo que
o cristalino se torne mais convexo devi- laçam, formando um anel muscular
do a sua elasticidade intrínseca. com fibras circulares, ao qual se deu o
nome de esfíncter da pupila. As has-
tes alongadas do Y formam o múscu-
lo dilatador da pupila, que tem uma
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ação oposta à do esfíncter. O esfínc- fibras do cristalino são unidas por


ter tem inervação parassimpática, e o desmossomos e geralmente se
dilatador da pupila é inervado pelo orientam em direção paralela à su-
simpático. perfície do cristalino.
• Cápsula do cristalino - apresen-
NA PRÁTICA: Testar os reflexos pupi- ta-se como um revestimento ace-
lares também faz parte do exame neu- lular homogêneo, hialino e mais
rológico padrão, além de estar presente
na avaliação inicial de pacientes graves espesso na face anterior do crista-
na emergência. A luz que chega à retina lino. É urna formação muito elásti-
de um olho ativa o reflexo. Os sinais são ca, constituída principalmente por
levados através do nervo óptico para
colágeno tipo IV e glicoproteínas.
o tálamo e, então, para o mesencéfalo,
onde neurônios eferentes contraem as • Epitélio subcapsular - é formado
pupilas de ambos os olhos. Isso ocorre
devido à decussação no quiasma e à de- por uma camada única de células
cussação na comissura posterior, onde epiteliais cuboides, encontradas
as fibras pupilares misturam-se bastan- apenas na porção anterior do cris-
te, e o reflexo é bilateral, direto (no olho
talino. É a partir desse epitélio que
que incide a luz) e consensual (no olho
contralateral). se originam as fibras responsáveis
pelo aumento gradual do cristalino
durante o processo de crescimen-
6. CRISTALINO to do globo ocular.
O cristalino tem a forma de uma lente
biconvexa e apresenta grande elasti-
cidade, que diminui progressivamen-
te com a idade. O cristalino é consti-
tuído por três partes:
• Fibras do cristalino - apresen-
tam-se sob a forma de elementos
prismáticos finos e longos. São
células altamente diferenciadas,
derivadas das células originais do
cristalino embrionário. Finalmente Figura 8. Corte da porção anterior do cristalino. O
perdem seus núcleos e alongam- epitélio subcapsular secreta a cápsula do cristalino, que
está corada em vermelho. Essa cápsula é uma mem-
-se consideravelmente, podendo brana basal muito espessa, que contém colágeno tipo
alcançar as dimensões de 8 mm IV e laminina. Abaixo do epitélio subcapsular se notam
as fibras do cristalino, que são células muito alongadas
de comprimento por 10 μm de es- e que perderam seus núcleos e suas organelas, toman-
pessura. O citoplasma tem poucas do-se estruturas delgadas, alongadas e transparentes.
Fonte: JUNQUEIRA &CARNEIRO (2013, P.454).
organelas e cora-se levemente. As
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7. CORPO VÍTREO 8. CAMADA INTERNA OU


RETINA
O corpo vítreo ocupa a cavidade do
olho que se situa atrás do cristalino. Após a luz passar pela abertura da
Tem aspecto de gel claro, transparen- pupila, ela chega à lente, que possui
te com raras fibrilas de colágeno. Seu duas superfícies curvadas (conve-
componente principal é a água (cerca xas). Juntas, a córnea e a lente des-
de 99%) e os glicosaminoglicanos al- viam a direção dos raios de luz que
tamente hidrófilos, em especial o áci- entram, para que eles sejam focaliza-
do hialurônico. O corpo vítreo contém dos na retina, o revestimento do olho
poucas células, que participam da sensível à luz que possui os fotorre-
síntese do material extracelular. ceptores. Após atravessar várias ca-
madas da retina os raios luminosos
alcançam os fotorreceptores, inician-
do o processo visual.

FIGURA 9. Vista dorsal de uma secção do olho direito.


Fonte: SILVERTHORN (2017, p.347)

Quando olhamos através da pupi- olho. Lateral ao disco óptico está um


la com um oftalmoscópio, vemos a pequeno ponto mais escurecido, a fó-
retina com pequenas artérias e veias vea. A fóvea e o tecido a sua volta, a
entrecruzadas, que se irradiam a par- mácula lútea, são as regiões da retina
tir de um ponto, o disco óptico. O dis- com a visão mais acurada.
co óptico é o local onde os neurônios
da via visual formam o nervo óptico
(nervo craniano II) e, então, saem do
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Figura 10. Vista da parede posterior do olho assim como ela é vista com o oftalmoscópio através da pupila. Fonte:
SILVERTHORN (2017, p.341)

Os fotorreceptores são os neurônios é a região de maior acuidade visual,


que convertem a energia luminosa possui alta densidade de cones.
em sinais elétricos. Existem dois tipos Os dois tipos de fotorreceptores pos-
principais de fotorreceptores no olho: suem a mesma estrutura básica:
bastonetes e cones. Os bastonetes
funcionam na presença de pouca luz • Segmento externo, cuja extremi-
e são responsáveis pela visão notur- dade está em contato com o epité-
na, em que os objetos são vistos em lio pigmentado da retina.
preto e branco, em vez de em cores. • Segmento interno, onde se en-
Os bastonetes são mais numerosos contra o núcleo da célula e as or-
que os cones, em uma proporção de ganelas responsáveis pela forma-
20:1, exceto na fóvea central, onde ção de ATP e pela síntese proteica.
se encontra apenas cones.
• Segmento basal, com um termi-
Os cones são os responsáveis pela nal sináptico que libera glutamato
visão de alta acuidade e pela vi- para as células bipolares.
são colorida durante o dia, quando a
quantidade de luz é alta. A fóvea, que
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Figura 11. Fotorreceptores: bastonetes e cones. Fonte: Silverthon (2017 p. 348)

Os pigmentos visuais sensíveis à luz comprimentos de onda da luz, o que


estão nas membranas celulares dos nos permite a visão colorida. A luz
discos dos segmentos externos dos branca é uma combinação de cores,
fotorreceptores. Esses pigmentos vi- como você pode observar quando
suais são transdutores que conver- separa a luz branca passando-a atra-
tem a energia luminosa em uma mu- vés de um prisma. O olho contém co-
dança no potencial de membrana. Os nes para as luzes vermelha, verde
bastonetes possuem um tipo de pig- e azul. Cada tipo de cone é estimu-
mento visual, a rodopsina. Os cones lado por uma faixa de comprimentos
possuem três diferentes pigmentos, de onda, porém, é mais sensível a um
os quais são intimamente relaciona- comprimento de onda específico. O
dos à rodopsina. vermelho, o verde e o azul são as três
Os pigmentos visuais dos co- cores primárias que formam as cores
nes são excitados por diferentes da luz visível, assim como o vermelho,
o azul e o amarelo são as três cores
FISIOLOGIA DOS ÓRGÃOS SENSORIAIS: VISÃO E OLFATO 16

primárias que formam as diferentes cores das


tintas.

Figura 12. Espectro de luz. Fonte: silverthorn (2017, p.349)


FISIOLOGIA DOS ÓRGÃOS SENSORIAIS: VISÃO E OLFATO 17

MAPA MENTAL - SISTEMA FOTORRECEPTOR

SISTEMA
FOTORRECEPTOR

Esclera Córnea Pupila Iris Cristalino Corpo ciliar Retina

Camada externa Refrata a luz Entre a câmara Anterior ao Lente biconvexa Porção anterior da Porção principal da
posterior anterior e o corpo ciliar com grande túnica vascular camada interna
cristalino elasticidade
Superfície
anterior do globo
Fibras elásticas Composta Transmissão da Onde se localizam
ocular com
e de colágeno por células Composta por informação visual os cones e
duas camadas
pigmentadas fibras proteicas bastonetes
epiteliais
e fibras de (fotorreceptores),
Apoia e protege musculo liso Composta por fibras além dos neurônios
o globo ocular Epitélio cor- Refrata a luz de musculo liso e bipolares e
neano anterior e a canaliza epitélio glandular ganglionares
é estratificado para a fóvea
pavimentoso não Regulam a
queratinizado passagem de luz
Confere proteção
ao globo ocular
Epitélio e ajuda nos
posterior ou movimentos de
endotélio da rotação em todas
córnea é do tipo as direções,
pavimentoso além de secretar
simples humor aquoso
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9. FOTOTRANSDUÇÃO permanece despolarizado com uma


média de potencial de membrana
O processo de fototransdução é simi-
de – 40mV (em vez do mais frequen-
lar para a rodopsina (nos bastonetes) e
te − 70mV). Neste potencial de mem-
para os três pigmentos coloridos (nos
brana levemente despolarizado, os
cones). A rodopsina é composta por
canais de dependentes de voltagem
duas moléculas: a opsina, uma prote-
estão abertos e há liberação tônica
ína inserida na membrana dos discos
(contínua) do neurotransmissor glu-
do bastonete, e o retinal, uma molécu-
tamato da porção sináptica do basto-
la derivada da vitamina A, que é a por-
nete para a célula bipolar vizinha.
ção do pigmento que absorve luz. Na
ausência de luz, o retinal está ligado ao Quando a luz ativa a rodopsina, uma
sítio de ligação na opsina. Quando ati- cascata de segundo mensageiro é
vado, mesmo que por apenas um único iniciada a partir da proteína G trans-
fóton de luz, o retinal muda sua confor- ducina. A cascata de segundo men-
mação para uma nova configuração. sageiro da transducina diminui a
Este ativado não mais se liga à opsina concentração de GMPc, o que fecha
e, então, é liberado do pigmento em um os canais CNG. Consequentemente,
processo denominado descoramento. o influxo de cátions diminui ou cessa.
Os sinais elétricos nas células ocor- Com o menor influxo de cátions e o
rem como resultado do movimento de efluxo sustentado de , o interior do
íons entre os compartimentos intra- bastonete se hiperpolariza, e a libe-
celular e extracelular. Os bastonetes ração de glutamato para os neurônios
possuem três tipos principais de ca- bipolares diminui. A luz intensa fecha
nais catiônicos: canais dependentes todos os canais CNG e bloqueia a libe-
de nucleotídeo cíclico (CNG), que ração de neurotransmissor. A luz fraca
permitem que e entrem no bastonete; provoca uma resposta graduada pro-
canais de , que permitem que o saia porcional à intensidade da luz. Após a
do bastonete; e canais de depen- ativação, o retinal difunde-se para fora
dentes de voltagem no terminal si- do bastonete e é transportado para o
náptico, que participam na regulação epitélio pigmentado. Neste local, ele é
da exocitose do neurotransmissor. convertido a sua forma inativa antes
de voltar para o bastonete e se recom-
Quando um bastonete está no escu-
binar à opsina. A recuperação da ro-
ro e a rodopsina não está ativa, a con-
dopsina do descoramento pode levar
centração de GMP cíclico (GMPc) no
algum tempo, sendo o principal motivo
bastonete é alta e ambos os canais
da adaptação lenta dos olhos quan-
CNG e de estão abertos. O influxo
do saímos de um ambiente com luz
de íons sódio e de é maior do que o
intensa para o escuro.
efluxo de , de modo que o bastonete
FISIOLOGIA DOS ÓRGÃOS SENSORIAIS: VISÃO E OLFATO 19

Vários neurônios bipolares, por sua a transducina inicia a cascata de se-


vez, inervam uma única célula gan- gundo mensageiro, que hiperpolari-
glionar, de modo que a informação de za o bastonete, o qual libera menos
centenas de milhões de fotorrecepto- glutamato nos neurônios bipolares. As
res da retina é condensada em apenas células bipolares fazem sinapse com
um milhão de axônios que deixam o as células ganglionares, os próximos
olho em cada nervo óptico. A conver- neurônios na via. Cada célula ganglio-
gência é mínima na fóvea, onde al- nar recebe informação de uma área
guns fotorreceptores têm uma relação particular da retina. Essas áreas, deno-
1:1 com os neurônios bipolares, e má- minadas campos visuais, são simila-
xima nas porções externas da retina. res aos campos receptivos do sistema
Quando a luz provoca o descoramen- somatossensorial.
to da rodopsina, o retinal é liberado e

Figura 13. Fototransdução em bastonetes. Os bastonetes possuem o pigmento visual rodopsina. Quando ativada pela
luz, a rodopsina se separa em opsina e retinal. Fonte: SILVERTHORN (2017, p.350).
FISIOLOGIA DOS ÓRGÃOS SENSORIAIS: VISÃO E OLFATO 20

MAPA – MECANISMO DE FOTOTRANSDUÇÃO

Escuro Luz

RODOPSINA

Opsina + Retinal ligadas Opsina Retinal

GMPc elevado Proteína G (transducina)

Canais CNG e K^+ abertos Diminui influxo de cátions

Potencial de membrana em Hiperpolariza membrana


repouso = -40mV mV= -70

Liberação contínua
Liberação de glutamato diminui
de Glutamato

10. PROCESSAMENTO PÓS Células bipolares fazem sinapse


com as células ganglionares
RETINA
Assim que os potenciais de ação
emergem do corpo das células gan- provenientes de cada olho cruzam
glionares, eles percorrem os nervos para o outro lado para serem pro-
ópticos até o SNC, onde são pro- cessadas no encéfalo.
cessados. O nervo óptico penetra no A porção central do campo visu-
encéfalo no quiasma óptico e, nes- al, onde os lados esquerdo e direi-
te ponto, algumas fibras nervosas to do campo visual de cada olho se
FISIOLOGIA DOS ÓRGÃOS SENSORIAIS: VISÃO E OLFATO 21

sobrepõem, é a zona binocular. Os


dois olhos têm visões ligeiramente
diferentes dos objetos nessa região,
e o cérebro processa e integra estas
duas visões para criar representações
tridimensionais dos objetos. Nossa
percepção de profundidade – isto
é, se um objeto está na frente ou
atrás de outro – depende da
visão binocular. Os objetos
situados no campo visual
de apenas um olho estão
na zona monocular e
são vistos em duas
dimensões.
Assim que os axô-
nios deixam o
quiasma óptico, al-
gumas fibras pro-
jetam-se para o
mesencéfalo, onde
elas participam do
controle do movi-
mento dos olhos ou,
juntamente com informações soma-
tossensoriais e auditivas, da coorde- Figura 14. Vias da visão e o reflexo pupilar. Fonte:
SILVERTHORN (2017, p.342)
nação do equilíbrio e do movimento.
Contudo, a maioria dos axônios se
projeta para o corpo geniculado la-
topográfica é mantida no córtex visu-
teral do tálamo, onde as fibras vi-
al, com as seis camadas de neurônios
suais fazem sinapses com neurônios
agrupadas em colunas verticais. Den-
que vão para o córtex visual no lobo
tro de cada porção do campo visual, a
occipital. O corpo (núcleo) geniculado
informação é classificada adicional-
lateral é organizado em camadas que
mente por cor, forma e movimento.
correspondem às diferentes partes
do campo visual, de modo que as in- As informações monoculares dos
formações de objetos adjacentes são dois olhos se juntam no córtex para
processadas juntas. Esta organização nos dar uma visão binocular do meio
FISIOLOGIA DOS ÓRGÃOS SENSORIAIS: VISÃO E OLFATO 22

que nos cerca. As informações


das combinações de células
ganglionares on/off são tradu-
zidas em sensibilidade à orien-
tação de barras nas vias mais
simples, ou em cor, movimento
e estrutura detalhada nas vias
mais complexas. Cada um des-
ses atributos do estímulo visual
é processado em uma via se-
parada, criando uma rede cuja
complexidade se está apenas
começando a esclarecer.

FLUXOGRAMA – CAMINHO DA INFOR-


MAÇÃO VISUAL

CONES E
BASTONETES

Neurônios bipolares

Células ganglionares

Fibras cruzam Figura 15. Visão binocular. O campo visual esquer-


no quiasma óptico
do de cada olho é projetado para o córtex visual do
lado direito do cérebro, e o campo visual direito é
projetado para o córtex visual esquerdo. Os objetos
situados no campo visual dos dois olhos estão na
20% 80 %
zona binocular e são percebidos em três dimensões.
Os objetos situados no campo visual de apenas um
dos olhos estão fora da zona binocular e são perce-
Mesencéfalo Corpo geniculado lateral bidos em apenas duas dimensões. Fonte: Silverthorn
(2017, p.352).

Reflexos e aspectos
Lobo occipital
inconscientes da visão

Processamento da imagem:
Cor, forma e movimento
FISIOLOGIA DOS ÓRGÃOS SENSORIAIS: VISÃO E OLFATO 23

NA PRÁTICA: O Acidente Vascular Cerebral pode se manifestar com al-


terações do campo visual muitas vezes. Por isso, a observação do campo
visual é de extrema importância na prática clínica e torna possível loca-
lizar o nível da lesão da via óptica e ajudar na investigação topográfica
da lesão cerebral. A representação esquemática a seguir demonstra os
locais mais comumente afetados e suas respectivas alterações no campo
visual.

Figura 16. Representação esquemática da via óptica mostrando os lugares de total


interrupção das fibras nervosas e os vários campos visuais anormais produzidos por
tais interrupções. Fonte: Porto &Porto (2014, p.244).
FISIOLOGIA DOS ÓRGÃOS SENSORIAIS: VISÃO E OLFATO 24

MAPA MENTAL - FISIOLOGIA DA VISÃO

Córnea

Camada externa

Esclera

Luz
Coroide
Opsina

Camada média Rodopsina


Corpo ciliar
ou túnica vascular
Retinal

FISIOLOGIA
Iris Anatomia ocular Fototransdução
DA VISÃO
Diminui influxo
de cátions
Retina Camada interna

Células bipolares
Informação da visão fazem sinapse com as
Fotorreceptores células ganglionares
(Cones e bastonetes)

Cones e bastonetes

Fazem sinapses nos


Reflexos e aspectos 20 % vai para o 80% vai para Corpo
neurônios bipolares e Lobo occipital
inconscientes da visão Mesencéfalo geniculado lateral
Células ganglionares

Processamento da imagem:
Cor, forma e movimento
FISIOLOGIA DOS ÓRGÃOS SENSORIAIS: VISÃO E OLFATO 25

11. SISTEMA OLFATÓRIO Imagine acordar uma manhã e des-


cobrir um novo mundo ao seu redor,
Stephen D., 22 anos, estudante de
um mundo cheio de odores que você
medicina, sob efeito de drogas (co-
nunca sonhou que existissem, odo-
caína, cloridrato de fenociclidina
res que dizem mais sobre o ambiente
[PCP], principalmente anfetaminas).
que o rodeia do que você já imaginou
Sonho vivido uma noite, sonhou que olhando para ele. Isso foi exatamen-
era cachorro, em um mundo de odo- te o que ocorreu a um jovem paciente
res inimaginavelmente rico e signi- do Dr. Oliver Sacks (história narrada
ficativo. (”O cheiro alegre da água... no livro O Homem que confundiu sua
o cheiro desafiador de uma rocha”.) mulher com um chapéu e outros ca-
Ao acordar, ele se viu em um mun- sos clínicos). Ou então, imagine que
do exatamente como aquele. (...) foi você está andando de skate sem ca-
a hipertrofia do olfato que verdadei- pacete em uma calçada e cai, batendo
ramente transformou seu mundo: a cabeça. Quando retorna à consciên-
“Sonhei que era cachorro — foi um cia, o mundo não tem mais odor: você
sonho olfativo — e acordei para um não sente o cheiro da grama, nem de
mundo infinitamente aromático, um perfume ou do lixo. Até a sua comida
mundo no qual todas as outras sen- perdeu muito do gosto, e agora você
sações, intensificadas como esta- só come para sobreviver porque não
vam, empalideciam diante dos chei- tem prazer em comer.
ros”. E tudo isso veio acompanhado
O mecanismo neural responsável pela
de uma espécie de emoção vibrante,
olfação é realizado por uma cadeia
ansiosa, e uma estranha nostalgia,
de neurônios que começa no nariz.
como que por um mundo perdido,
Este, por conseguinte, é considerado
meio esquecido, meio lembrado.
o órgão receptor da olfação (embora
“Entrei numa loja de perfumes”, con- participe também de outras funções
tinuou ele. “Eu nunca tinha sido mui- importantes, como a respiração e a
to bom para distinguir cheiros antes, fala). A anatomia do nariz humano,
mas dessa vez diferenciei cada um bem como a dos mamíferos em geral,
instantaneamente — e para mim é bem adaptada para a canalização
cada um era único, evocativo, todo do ar inspirado e o seu direcionamen-
um mundo.” Ele descobriu que podia to à traqueia e aos pulmões. As pa-
distinguir todos os seus amigos — e redes internas do nariz são cober-
pacientes — pelo cheiro. Sacks, O. tas por uma mucosa, na qual estão
O homem que confundiu sua mulher incrustados os neurônios quimior-
com um chapéu. 1ª Ed SP Cia das Le- receptores da olfação. A estrutura
tras, 1997. da mucosa nasal é simples consiste
FISIOLOGIA DOS ÓRGÃOS SENSORIAIS: VISÃO E OLFATO 26

em uma única camada celular com- células basais, que são precursoras
posta por neurônios receptores ol- de novos gliócitos. Em meio a esses
fatórios, células de suporte seme- elementos existem glândulas produ-
lhantes a gliócitos e as chamadas toras de muco.

SAIBA MAIS!
A infecção pelo vírus Sars-CoV-2 responsável pela pandemia de Covid-19 em 2020 fez
com que algumas pessoas tivessem perda do olfato (anosmia), sintoma que apareceu mesmo
em pacientes que apresentaram a forma leve da doença. O que acontece com o Sars-CoV-2
é que ele possui uma instalação especial para penetrar essas células. O vírus Sars-CoV-2
utiliza basicamente duas proteínas da superfície das células para entrar nelas: ACE2 (enzima
conversora da angiotensina-2) e TMPRSS2 (protease transmembrana serina 2). Ao anali-
sarem a expressão genética dessas células, os cientistas descobriram que as células de su-
porte semelhantes a gliócitos, presente nas fossas nasais, apresentam alta expressão dos
genes ACE2 e TMPRSS2. Desta forma, suspeita que por essa afinidade o vírus invada e da-
nifique as células de sustentação e, consequentemente, afeta neurônios sensoriais olfativos.

HORA DA REVISÃO!
Gliócitos, células gliais ou neurogliais, são células que mantém os neurô-
nios unidos, dando assim sustentação física ao sistema nervoso. São as
células responsáveis pela nutrição, defesa e auxílio dos neurônios.

Figura 17. Nariz, o órgão da olfação. Fonte: Aula


SanarFlix.
FISIOLOGIA DOS ÓRGÃOS SENSORIAIS: VISÃO E OLFATO 27

O muco é continuamente secretado Os quimiorreceptores olfatórios são


pelas glândulas e também pelas cé- neurônios bipolares cujo dendrito
lulas epiteliais, e torna-se totalmen- aponta em direção à cavidade nasal
te renovado a cada 10 minutos. É terminando em uma intumescência
viscoso, formado principalmente por bulbosa que emite de 6 a 12 cílios
mucopolissacarídeos, e contém en- muito finos. Os cílios ficam imersos
zimas e anticorpos que conferem no muco nasal, formando uma densa
uma proteção inicial contra moléculas rede enovelada na superfície da mu-
nocivas e microrganismos que pene- cosa. É justamente na membrana dos
tram pelo nariz. O muco tem gran- cílios que se encontram concentradas
de importância funcional para a ol- as moléculas receptoras responsáveis
fação, pois é nele que se dissolvem pela transdução quimioneural, que
as moléculas odorantes, antes de são chamados receptores olfatórios.
entrar em contato com a membrana Do outro polo do neurônio receptor
dos neurônios receptores. Recente- emerge um axônio direcionado para
mente se descobriu que o muco con- cima, que penetra na cavidade cra-
tém também proteínas ligadoras de niana através dos orifícios da placa
odorantes, especialmente produzi- crivosa do osso etmoide. Por toda a
das pela mucosa nasal, cuja função é mucosa nasal, o conjunto dos axônios
“capturar” os odorantes lipossolúveis dos quimiorreceptores vai formando
(que se dissolvem com dificuldade no filetes nervosos que se distribuem
meio aquoso do muco), facilitando o em forma de leque, convergindo dor-
seu contato com a membrana dos salmente para o etmoide. Os axônios
quimiorreceptores. dos quimiorreceptores são na realida-
A população de quimiorreceptores é de as fibras de primeira ordem do
totalmente renovada em cada 6 a 8 sistema olfatório. Os filetes nervosos
semanas, através da proliferação e que eles formam constituem o primei-
diferenciação das células basais. Os ro nervo craniano, o nervo olfatório.
quimiorreceptores “velhos” desapa- Esse é um nervo diferente, pois não
recem e novos neurônios assumem o constitui um cilindro compacto como
seu lugar. Esse é um exemplo notá- os demais, mas sim um leque de fi-
vel que contraria o dogma de que os letes separados que vão terminar no
neurônios são incapazes de proliferar bulbo olfatório no encéfalo.
depois de terminado o desenvolvi-
mento ontogenético.
FISIOLOGIA DOS ÓRGÃOS SENSORIAIS: VISÃO E OLFATO 28

Figura 18. Bulbo olfatório. Fonte: SILVERTHORN (2017, p. 326).

Em roedores, uma estrutura olfatória os primeiros estágios de processa-


acessória na cavidade nasal, o órgão mento da informação transduzida
vomeronasal (OVN), é conhecida por pelos receptores e levada ao encéfa-
estar envolvida em respostas com- lo. Os neurônios de segunda ordem
portamentais a feromônios sexuais. da via olfatória são as células mitrais
Estudos anatômicos e genéticos su- e as células tufosas, chamadas de
gerem que não há um OVN funcional células m/t. Elas recebem sinapses
em seres humanos, porém os expe- axodendríticas das fibras olfatórias
rimentos realizados com compostos primárias dentro de estruturas his-
que se acredita atuarem como fero- tológicas especializadas chamadas
mônios humanos sugerem que os se- glomérulos (Ver figura 17).
res humanos possam se comunicar
por sinais químicos.
12. TRANSDUÇÃO
O bulbo olfatório fica posicionado OLFATÓRIA
estrategicamente dentro do crânio,
bem no ponto onde as fibras pri- Quando um odorante se liga a um
márias atravessam a placa crivosa. receptor molecular ocorre uma mo-
O bulbo tem a forma de um gânglio dificação alostérica neste, que ativa a
situado na base do encéfalo e nele Golf pela face interna da membrana
estão situados os neurônios de se- do cílio. A Golf liga-se a uma molé-
gunda ordem da via olfatória, bem cula de GTP³, e uma de suas subuni-
como interneurônios que realizam dades destaca-se do receptor e ativa
FISIOLOGIA DOS ÓRGÃOS SENSORIAIS: VISÃO E OLFATO 29

uma cadeia de segundos mensagei- por pequeníssimas concentrações de


ros. Na grande maioria dos quimiorre- odorantes. Estima-se que os seres
ceptores, o segundo mensageiro é o humanos são capazes de perceber
AMP cíclico (AMPc), sintetizado pela odorantes em concentrações de pou-
enzima adenilil ciclase sob ativação cas moléculas por trilhão de molécu-
da Golf. O AMPc ativa enzimas fos- las de ar.
forilantes (cinases) que provocam a
abertura de canais inespecíficos de
cátions, despolarizando a membrana MAPA – TRANSDUÇÃO OLFATÓRIA
e assim provocando um potencial
receptor que se espalha por toda a
célula, até o cone de implantação do
axônio olfatório. A entrada de para o ODORANTE
interior dos cílios provoca a abertu-
ra de canais de dependentes de .
Como a concentração desse ânion no
interior dos cílios é maior que a con- Ativa
centração externa, resulta a saída
de e uma despolarização ain-
Receptor no
da maior. Esse é um mecanis- Golf
neurônio olfatório
mo multiplicador do efeito dos
odorantes, que explica
Ativa
a grande sensibilida-
de que temos para
cheiros produzidos AMPc (Segundo
GTP³
mensageiro)

Ativa

Fosforilantes (Cinases)

Abertura dos Entrada de Ca++ Provoca saída de Cl-


canais de Na+ para dentro da célula do interior do neurônio

Potencializa a
Gera impulso nervoso
despolarização e
responsável pela
aumenta a sensibilidade
captação do cheiro
para o cheiro
FISIOLOGIA DOS ÓRGÃOS SENSORIAIS: VISÃO E OLFATO 30

odorantes podem ativar o mesmo


neurónio. A estimulação da mucosa
com um odorante constituído por um
só tipo molecular, assim, provoca a
ativação de um conjunto de quimior-
receptores que, em função da con-
centração do odorante, dispara em
direção ao bulbo olfatório uma certa
frequência de potenciais de ação.
As células m/t são ativadas, mesmo
que a concentração de odorante na
cavidade nasal seja mínima, porque
é grande a convergência de fibras ol-
fatórias que terminam em cada glo-
mérulo (calcula-se uma proporção de
500-1.000 fibras para cada célula
m/t). Não é muito o que se conhece
sobre o processamento da informa-
ção olfatória no bulbo, embora os cir-
cuitos básicos aí existentes já tenham
sido identificados. No entanto, parece
que é no bulbo que a percepção ol-
fatória começa a se tomar mais es-
pecífica, ou seja, capaz de identificar
cada cheiro individualmente.
Se pouco se sabe sobre o processa-
mento olfatório no bulbo, menos ain-
da se conhece sobre as operações
Figura 19. Sequência de etapas da transdução que
ocorre na membrana do quimiorreceptor a partir da neurais realizadas nos estágios sub-
captação do odorante (A}, seguida da síntese de segun-
dos mensageiros como o AMPc (8 e C}, e finalmente a
sequentes. De qualquer modo, duas
abertura de canais iônicos (O e E) que resulta no poten- hipóteses são consideradas para ex-
cial receptor. Fonte: LENT, R (2010, p.349).
plicar a nossa capacidade de discri-
minar cheiros:
Embora cada quimiorreceptor possua • “Linhas exclusivas”: Cada cheiro
apenas uma ou poucas moléculas percorreria um caminho neural de-
receptoras, estas não apresentam terminado, diferente dos demais
grande especificidade, ou seja, vários cheiros. Essa hipótese é apoiada
FISIOLOGIA DOS ÓRGÃOS SENSORIAIS: VISÃO E OLFATO 31

pela existência de uma certa topo-


grafia de ativação dos glomérulos SE LIGA! É verdade que o córtex piri-
do bulbo olfatório, mas é desau- forme é um tipo mais antigo e simples
de córtex, chamado por isso mesmo,
torizada pela baixa especificidade
genericamente, paleocórtex. E é verda-
de muitos neurónios olfatórios em de também que o paleocórtex olfatório
todos os níveis se comunica com o tálamo, e este com
o lobo frontal do neocórtex, restabele-
• “Padrões de ativação”: Envolve cendo-se então o esquema “normal” de
diferentes populações de neurô- conectividade sensorial. De qualquer
nios a cada cheiro. A particular modo, acredita-se que essa via indireta
ao neocórtex é a responsável pela per-
combinação da atividade dos qui- cepção olfatória, ou seja, pelos aspectos
miorreceptores para cada cheiro conscientes da experiência sensorial
seria detectada por neurónios de olfatória.
ordem superior situados em um
dos estágios da via olfatória. Essa
Os longos axônios das células m/t,
hipótese não requer especificidade
reunidos no trato olfatório lateral, não
dos neurónios olfatórios, porque a
projetam apenas para o córtex piri-
identificação dos cheiros depen-
forme. Muitos terminam em outras
deria da combinação dos neuró-
regiões prosencefálicas, como o nú-
nios ativos, e não de cada neurónio
cleo olfatório anterior, o tubérculo
individualmente.
olfatório, a área entorrinal e o com-
plexo amigdaloide. Esse conjunto de
13. VIAS OLFATÓRIAS regiões aloja neurônios de terceira or-
dem que projetam para o hipotálamo
A partir do bulbo olfatório, a informa- e o hipocampo, conectando o siste-
ção segue direto para o córtex ce- ma olfatório com o chamado sistema
rebral, inervando uma extensa área límbico.
chamada córtex olfatório primário ou
córtex piriforme. Nesse aspecto, o
sistema olfatório é diferente dos
demais sistemas sensoriais, pois a
informação chega ao córtex sem
passar pelo tálamo.
FISIOLOGIA DOS ÓRGÃOS SENSORIAIS: VISÃO E OLFATO 32

Figura 20. As estruturas componentes do sistema


olfatório podem ser quase todas visualizadas na
base do encéfalo (à esquerda). O esquema à direita
representa os circuitos formados pelos axônios das
células m/t do bulbo, que projetam para o córtex
piriforme e outras regiões, e delas para o tálamo e
o hipotálamo. Observar que o sistema olfatório não
apresenta um relé talâmico antes do córtex, como to-
dos os demais sistemas sensoriais. Fonte: Esquema
modificado de G. M. Shepherd (7 989) Neurobiology,
48 ed., Oxford Universitv Press, Nova York, EUA.

Lobo frontal
FLUXOGRAMA – CAMINHA DA INFORMAÇÃO OLFATÓRIA NO SNC (Neocórtex)

Tálamo
NERVO Cortéx Piriforme
OLFATÓRIO
PRIMÁRIO Consciência da olfação
Complexo amigdaloide

Bulbo olfatório (Neurônio


O núcleo olfatório anterior
de segunda ordem)
Hipotálamo e Hipocampo
Área entorrinal

Sistema límbico
Tubérculo olfatório

Emoções e memórias
relacionadas ao cheiro

SE LIGA! Vias ascendentes do bulbo olfatório também levam à amígdala e ao hipo-


campo, partes do sistema límbico envolvidas na emoção e na memória. Um aspecto
surpreendente da olfação é a sua ligação com a memória, a gustação e a emoção.
Um perfume especial ou o aroma de um alimento pode desencadear memórias e
criar uma onda de nostalgia em relação ao tempo, espaço ou pessoa com quem o
aroma está associado. De algum modo que não compreendemos, o processamento
dos odores no sistema límbico cria memórias olfatórias profundamente escondidas.
FISIOLOGIA DOS ÓRGÃOS SENSORIAIS: VISÃO E OLFATO 33

MAPA MENTAL - FISIOLOGIA OLFATÓRIA

Fibras de primeira Neurônios bipolares


ordem do sistema cujo dendrito aponta em Nervo olfatório Gera impulso nervoso
olfatório direção à cavidade nasal responsável pela
captação do cheiro
Formam

Quimiorreceptores Abertura dos


Olfatórios canais de Na+
Ativação da cascata de
segundo mensageiros
Entrada de Ca++
para dentro da célula
Formada por células SISTEMA
Epitélio olfatório Fototransdução
quimiorreceptoras OLFATÓRIO
Provoca saída de Cl-
do interior do neurônio
Decifra moléculas
químicas dos odores
Potencializa a despolarização e
Cavidades nasais Informação do olfato aumenta a sensibilidade para o cheiro

Ajuda a filtrar, aquecer Difere dos demais sistemas


e umidificar o ar sensoriais, pois a informação chega
ao córtex sem passar pelo tálamo.

Possui muco
Axônios vão direto para o córtex Processamento
olfatório primário ou córtex piriforme consciente dos odores

Dissolvem as
moléculas odorantes, Outras fibras nervosas fazem
antes de entrar Conectam o sistema
sinapses em regiões prosencefálicas,
em contato com olfatório com o
como como o núcleo olfatório
a membrana dos chamado sistema
anterior, o tubérculo olfatório, a área
neurônios receptores límbico
entorrinal e o complexo amigdaloide
FISIOLOGIA DOS ÓRGÃOS SENSORIAIS: VISÃO E OLFATO 34

REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
CAMPBELL WW. DeJong – O Exame Neurológico. 7ª. Edição, Editora Guanabara Koogan,
2014.
JUNQUEIRA, LC; CARNEIRO, J. Histologia básica. 12. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan,
2013.
LENT,R. Cem bilhões de neurônios? Conceitos fundamentais de neurociências, 2° edição.
Rio de Janeiro: Atheneu, 2010.
SILVERTHORN, D. U. Fisiologia humana: uma abordagem integrada. 7. ed. Porto Alegre:
Artmed, 2017.
FISIOLOGIA DOS ÓRGÃOS SENSORIAIS: VISÃO E OLFATO 35

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