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SUMÁRIO

1. Introdução...................................................................... 3
2. DNA................................................................................. 4
3. Conceitos básicos sobre transcrição,
tradução e replicação do DNA..................................16
4. Princípios da evolução............................................20
5. Manipulação do DNA..............................................26
Referências Bibliográficas .........................................30
INTRODUÇÃO A GENÉTICA 3

1. INTRODUÇÃO alguns poucos transtornos hereditá-


rios raros a uma especialidade mé-
A genética surgiu na medicina no iní-
dica reconhecida, cujos conceitos e
cio do século XX, quando Garrod e
abordagens constituem componen-
outros perceberam que as leis men-
tes importantes do diagnóstico
delianas de hereditariedade eram
e tratamento de muitas doenças,
capazes de explicar a recorrência de
tanto as comuns como as raras. Isso é
certos transtornos nas famílias. Du-
ainda mais notável no começo do sé-
rante os 100 anos seguintes, a gené-
culo XXI, com a conclusão do Projeto
tica médica passou de uma pequena
Genoma Humano.
subespecialidade preocupada com

SAIBA MAIS!
O Projeto Genoma Humano (PGH) consistiu num es-
forço internacional para o mapeamento do genoma hu-
mano e a identificação de todos os nucleotídeos que o
compõem. Após iniciativa dos Institutos Nacionais da
Saúde estadunidenses (NIH), centenas de laboratórios
de todo o mundo se uniram à tarefa de sequenciar, um
a um, os genes que codificam as proteínas do corpo hu-
mano e aquelas sequências de DNA que não são genes.
O projeto, iniciado formalmente em 1990, originalmente
foi planejado para ser completado em 15 anos, mas o
desenvolvimento da tecnologia acelerou seu final para
2003.

Figura 1. Capa da revista Nature de 2001, onde os resultados pre-


liminares do projeto foram divulgados. Fonte: retirado de https://
bit.ly/2MoVQ3e

Podemos atualmente estudar o ge- gênica humana e interações entre os


noma humano como uma entidade, genes e o ambiente, de modo a apri-
em vez de estudarmos um só gene morar os tratamentos médicos.
de cada vez. A genética médica se A genética médica não aborda apenas
tornou parte de um campo mais am- o paciente, e sim a família como um
plo, a genômica médica, que busca todo. Uma história familiar abran-
aplicar uma análise em grande escala gente é uma etapa inicial importante
do genoma humano, incluindo o con- na análise de qualquer doença, seja
trole da expressão gênica, a variação
INTRODUÇÃO A GENÉTICA 4

esta sabidamente genética ou não. genoma. A genética está se tornando


Como ressaltado por Childs, “não co- rapidamente um princípio organiza-
lher adequadamente uma boa história dor central da prática médica.
familiar denota má prática médica”. A
história familiar é importante porque
pode ser crucial no diagnóstico, pode 2. DNA
demonstrar que um determinado A descoberta do DNA:
transtorno é hereditário, fornecer in-
O DNA (do inglês deoxyribonucleic
formações sobre a história natural de
acid) foi descoberto em 1869 pelo
uma doença e variações em sua ex-
bioquímico alemão Johann Miescher
pressão, e pode esclarecer o padrão
(1844-1895). Nessa época, Miescher
de herança. Além disso, a descober-
tentava determinar os componentes
ta de um componente familiar em um
químicos do núcleo das células e usa-
transtorno médico permite estimar o
va como fonte de material para suas
risco em outros membros da famí-
análises os glóbulos brancos conti-
lia de modo que o tratamento apro-
dos no pus. Ele usou glóbulos brancos
priado, prevenção e consulta genética
pelo fato de eles possuírem núcleos
seja oferecida ao paciente e à família.
grandes, fáceis de serem isolados do
Nos últimos anos, o Projeto Genoma citoplasma, e de serem, na época, fa-
Humano forneceu a sequência com- cilmente obtidos nas ataduras usadas
pleta do DNA humano, o que torna em ferimentos infeccionados. A análi-
possível a identificação de todos se dos núcleos revelou a presença de
os seus genes, a determinação do um composto até então desconhecido,
grau de variação desses genes em de natureza ácida, rico em fósforo e
diferentes populações e, por fim, a em nitrogênio, desprovido de enxofre
identificação do processo através e resistente à ação da pepsina, uma
do qual essa variação contribui enzima proteolítica. Miescher chamou
para a saúde e as doenças. Junta- esse composto, aparentemente cons-
mente com as demais disciplinas da tituído por moléculas muito grandes,
biologia moderna, o Projeto Geno- de nucleína. Mais tarde, ele isolou essa
ma Humano revolucionou a genética mesma substância da cicatrícula da
humana e médica, por fornecer uma gema do ovo de galinha e de esper-
nova compreensão do funcionamen- matozoides de salmão.
to de muitas doenças e promover o
Em 1880, Albrecht Kossel (1853-
desenvolvimento de melhores ferra-
1927) demonstrou que a nucleína
mentas de diagnóstico, medidas pre-
continha bases nitrogenadas em
ventivas e métodos terapêuticos ba-
sua estrutura, o que explicava o fato
seados em uma visão abrangente do
INTRODUÇÃO A GENÉTICA 5

de ela ser rica em nitrogênio. Nove ácido nucléico que possuía a base ni-
anos mais tarde Richard Altmann trogenada uracila em lugar de timina.
(1852-1900), um aluno de Miescher, Esse ácido nucléico diferia também do
obteve nucleína com alto grau de pu- ácido timonucléico por apresentar o
reza e pode confirmar sua natureza glicídio ribose em lugar de desoxirribo-
ácida, dando-lhe o nome de ácido nu- se. Assim, foram caracterizados dois
cléico. O material mais utilizado para a tipos de ácidos que foram denomina-
obtenção de ácidos nucléicos passou dos, em função do glicídio constituin-
a ser o timo de bezerro, um tecido de te, ácido ribonucléico (RNA) e ácido
fácil obtenção e que apresenta células desoxirribonucléico (DNA).
com núcleos grandes. Foi descoberto, Em 1912, Phoebis Levene (1869-
então, que a degradação do ácido nu- 1940) e Walter Jacobs (1883-1967)
cléico do timo, na época chamado de concluíram que o componente básico
ácido timonucléico, liberava dois tipos dos ácidos nucléicos era uma estru-
de bases púricas, adenina e guani- tura composta por uma base nitro-
na, e dois tipos de bases pirimídicas, genada ligada a uma pentose que,
citosina e timina. Foi demonstrado por sua vez, estava unida ao fos-
também que um outro produto da de- fato. Esta unidade foi denominada
gradação do ácido nucléico era um gli- nucleotídeo. Uma molécula de ácido
cídio com 5 carbonos (uma pentose). nucléico seria, portanto, um polímero
O fósforo estava presente na forma constituído por uma série de nucle-
de um derivado do ácido fosfórico. otídeos unidos entre si, ou seja, um
Em 1900, descobriu-se em levedura polinucleotídeo.
(fermento de padaria) um outro tipo de

Figura 2. Da esquerda para direita, Johann Miescher, Albrecht Kossel e Phoebis Levene. Fonte: Google imagens
INTRODUÇÃO A GENÉTICA 6

Ácido desoxirribonucléico (DNA) ligações 5’-3’ fosfodiéster formadas


entre as unidades de desoxirribo-
O DNA é uma macromolécula de áci-
se adjacentes. No genoma humano,
do nucléico polimérica composta de
essas cadeias de polinucleotídeos,
três tipos de unidades:
sob a forma de uma hélice dupla, são
• um açúcar com cinco carbonos, a centenas de milhões de nucleotídeos,
desoxirribose; estendendo-se de aproximadamente
• uma base contendo nitrogênio; 50 milhões de pares de bases (para
o menor cromossomo, cromossomo
• um grupo fosfato 21) a 250 milhões de pares de base
(para o maior cromossomo, cromos-
somo 1). Uma das grandes descober-
As bases são de dois tipos, purinas
tas do século XX foi feita em 1953,
e pirimidinas. No DNA existem duas
por James Watson e Francis Crick,
bases do tipo purinas, adenina (A)
os quais estabeleceram que as duas
e guanina (G), e duas pirimidinas,
fitas de DNA são complementos
timina (T) e citosina (C). Os nucle-
exatos uma da outra, de modo que,
otídeos, cada um composto de uma
na hélice dupla, os degraus da escada
base, um fosfato e uma fração açú-
são sempre constituídos pelos pares
car, polimerizam-se em longas ca-
de bases A e T; e G e C. Juntamente
deias de polinucleotídeos por meio de
com Maurice Wilkins, Watson e Crick
receberam o Prêmio Nobel de 1962
Purinas Pirimidinas por seu trabalho sobre a estrutura do
DNA.

Adenina (A) Timina (T)

Figura 3. As quatro bases do DNA e a estrutura geral de


um nucleotídeo no DNA. Cada uma das quatro bases liga-
-se à desoxirribose (por meio do nitrogênio mostrado em
Guanina (G) Citosina (C) destaque) e um grupo fosfato para formar o nucleotídeo
correspondente. Fonte: Thompson & Thompson Genética
Médica
INTRODUÇÃO A GENÉTICA 7

Açúcar
(desoxirribose)

Nucleotídeo

Fosfato

Figura 4. Esquema da estrutura do DNA,


ilustrando a disposição da hélice dupla (à
Par de bases esquerda) e os componentes químicos que
complementares compõem cada fita (à direita). Fonte: Concei-
tos da genética

A relação de complementaridade en- nucleotídeos. Além disso, ao contrário


tre adenina e timina e entre guanina e da estrutura em hélice dupla do DNA,
citosina é essencial para a função gê- em geral o RNA é de fita única. Note-
nica, servindo como a base tanto para -se que o RNA pode formar estrutu-
a replicação do DNA quanto para a ras complementares com uma fita de
expressão gênica. Durante ambos DNA.
os processos, as fitas de DNA ser-
vem como mol-
des para a sínte-
se de moléculas
complementares.
O RNA, outro
ácido nucleico, é
quimicamente
similar ao DNA,
mas contém um
açúcar diferente
(ribose em lugar
de desoxirribo-
se) e a base ni-
trogenada ura-
cila em lugar de
timina nos seus

Figura 5. Estrutura do RNA vs DNA. Fonte: https://bit.ly/2zYoMfT


INTRODUÇÃO A GENÉTICA 8

A estrutura anatômica do DNA carre- humano se encontra na sequência de


ga a informação química que permite C’s, A’s, G’s e T’s dos seus dois fila-
a transmissão exata da informação mentos da hélice dupla ao longo de
genética de uma célula para suas cada um dos cromossomos, tanto do
células-filhas e de uma geração núcleo como da mitocôndria. Devido
para a próxima. Ao mesmo tempo, à natureza complementar dos dois
a estrutura primária do DNA especi- filamentos do DNA, o conhecimento
fica as sequências de aminoácidos da sequência de bases de nucleotí-
das cadeias de polipeptídeos das deos de uma das fitas automatica-
proteínas. O DNA possui característi- mente permite determinar a sequên-
cas especiais que originam essas pro- cia de bases na outra fita. A estrutura
priedades. O estado natural do DNA em dupla-fita das moléculas de DNA
de hélice dupla. A estrutura helicoidal permite que elas se repliquem pre-
assemelha-se a uma escadaria em cisamente pela separação das duas
espiral com giro para a direita, na qual fitas, seguida da síntese de dois fila-
suas duas cadeias de polinucleotídeos mentos complementares novos, de
seguem em direções opostas, mas li- acordo com a sequência da fita molde
gadas por pontes de hidrogênio entre original. De forma semelhante, quan-
os pares de bases: A de uma cadeia do necessário, a complementaridade
combinada com T da outra e G com C. das bases permite um reparo eficien-
A natureza específica das informa- te e correto de danos às moléculas de
ções genéticas codificadas no genoma DNA.
INTRODUÇÃO A GENÉTICA 9

MAPA MENTAL DNA

Guanina (G) Timina (T)

Adenina (A) Citosina (C)

Purinas Pirimidinas

Replicação
semiconservativa formado por Desoxirribose + Base + Grupo fosfato

Carrega a informação química que Núcleo


permite a transmissão exata da
informação genética de uma célula DNA está no
para suas células-filhas e de uma
geração para a próxima Mitocôndria


Se polimeriza em longas cadeias
de polinucleotídeos por meio
RNA RIBOSE + Base + Grupo fosfato
de ligações 5’-3’ fosfodiéster
formadas entre as unidades de
desoxirribose adjacentes Purinas Pirimidinas

Guanina (G) Citosina (C)


Forma de uma
hélice dupla com giro
para direita Adenina (A) URACILA (U)
INTRODUÇÃO A GENÉTICA 10

Cromossomo humano o cromossomo mitocondrial. Cada


cromossomo humano consiste em
O gene é uma sequência de nucleo-
uma dupla hélice de DNA contínua
tídeos do DNA que pode ser transcri-
e única, isto é, cada cromossomo no
ta em uma versão de RNA mensagei-
núcleo é uma molécula de DNA de
ro responsável pela síntese proteica.
fita dupla linear e longa, e o genoma
A composição dos genes no geno-
nuclear consiste, além disso, em 46
ma humano, bem como os determi-
moléculas de DNA, totalizando mais
nantes da sua expressão, é especifi-
de 6 bilhões de nucleotídeos.
cada no DNA dos 46 cromossomos
humanos no núcleo juntamente com

Figura 6. Representação dos 46 cromossomos humanos. Fonte: https://bit.ly/306AUGn

No entanto, os cromossomos não são divide, no entanto, seu genoma con-


dupla-hélices de DNA desprotegi- densa-se e aparece microscopica-
das. Dentro de cada célula, o geno- mente como cromossomos visíveis.
ma é armazenado como cromatina, Essa melhor visualização é melhor na
na qual o DNA genômico está con- fase de metáfase, onde se observa o
jugado com várias classes de prote- período de maior condensação, sen-
ína cromossômicas. Exceto durante a do possível contar e analisar melhor
divisão celular, a cromatina está dis- os cromossomos, podendo diferen-
tribuída por todo o núcleo e é relati- ciar suas partes.
vamente homogênea em sua aparên-
cia microscópica. Quando a célula se
INTRODUÇÃO A GENÉTICA 11

metacêntrico (centrômero na posição


mediana), submetacêntrico (centrô-
mero deslocado para um dos braços
do cromossomo), acrocêntrico (cen-
trômero localizado mais próximo da
extremidade) e telocêntrico (o centrô-
mero localiza-se muito próximo da ex-
tremidade, dando a ideia de que o cro-
mossomo possui apenas um braço).
Os telômeros são regiões encon-
tradas na extremidade dos cromos-
somos. Neles não há genes, sendo
encontradas apenas pequenas repe-
tições de nucleotídeos. A função dos
telômeros é garantir a proteção.
Figua 7. Partes dos cromossomos. Fonte: https://bit.
ly/2U2BAJ0

CONCEITO!

O centrômero é a região de constri- Cromossomos


homólogos
ção primária do cromossomo. Nes-
se local, localiza-se o cinetócoro, uma Cromátides-irmãs
estrutura formada por proteínas que Cromátides-irmãs
garantem a conexão das cromátides
irmãs no fuso mitótico. O centrôme-
ro permite dividir o cromossomo em Cromátides Irmãs

braços, os quais podem ter tamanhos Os cromossomos são divididos em pa-


res, cada cromossomo possui um par
diferentes a depender da posição do com igual carga genética, isso é um
centrômero. Quando observamos um cromossomo homologo. Uma cromá-
cromossomo não duplicado, é possí- tide irmã é o outro lado de um mesmo
vel perceber a presença de um cen- cromossomo, ou seja, em um par de cro-
mossomos homólogos temos 4 cromáti-
trômero e dois braços. A posição do des irmãs.
centrômero permite classificá-lo em
INTRODUÇÃO A GENÉTICA 12

SAIBA MAIS!
Toda vez que a célula se duplica ela também duplica os cromossomos. Este processo vai en-
curtando os telômeros das células a cada, pois a principal enzima que participa na replicação
semiconservativa do DNA - a DNA polimerase- necessita de uma âncora de 16 repetições
da sequência TTAGGG (no caso humano) e apenas copia o material genético daí em diante,
causando um encurtamento da extremidade da molécula de DNA. Portanto, teoricamente
pode-se definir com exatidão a expectativa de vida de um ser vivo analisando quantos telô-
meros ainda restam em suas células, ou seja, quantas vezes as células ainda poderão se du-
plicar antes de o indivíduo morrer. Assim, os telômeros podem ser considerados sofisticados
relógios biológicos e, também, um objeto de pesquisa para o alcance da superlongevidade.

A molécula de DNA de um cromos- a 60 pares de bases) “espaçamen-


somo existe na cromatina como um to” no segmento de DNA, forma-se
complexo com uma família de prote- o próximo núcleo de complexo de
ínas cromossômicas básicas deno- DNA, e assim por diante, fornecendo
minadas histonas e com um grupo à cromatina a aparência de “colar de
heterogêneo de proteínas não-his- contas”.
tonas que são muito menos bem ca- Cada complexo de DNA com histo-
racterizadas, mas que parecem ser nas centrais é chamado de nucleos-
críticas para o estabelecimento de somo, que é a unidade estrutural
um ambiente adequado para assegu- básica da cromatina, e cada um dos
rar o comportamento cromossômico 46 cromossomos humanos contém
normal e a expressão apropriada do várias centenas de milhares até mais
gene. de um milhão de nucleossomos. A
Cinco tipos principais de histonas quinta histona, H1, parece se ligar ao
desempenham um papel crítico no DNA na extremidade de cada nucle-
acondicionamento adequado da cro- ossomo, na região de espaçamento
matina. Duas cópias de cada uma das internucleossômico. A quantidade de
quatro histonas H2A, H2B, H3 e H4 DNA associada ao nucleossomo cen-
constituem um octâmero, ao redor do tral, juntamente com a região de es-
qual um segmento da hélice dupla de paçamento, é de cerca de 200 pares
DNA se enrola, como uma linha ao de bases.
redor do carretel. Aproximadamente
140 pares de bases de DNA estão
associados a cada cerne de histona,
formando quase duas voltas ao re-
dor do octâmero. Após um curto (20
INTRODUÇÃO A GENÉTICA 13

2nm 10 nm 30 nm

Octâmero Porção de um
de histona cromossomo
em intérfase

- 140 bp
de DNA

Cada alça contém


100.000 bp de DNA

Hélice dupla Fibra do nucleossomo Solenóide Núcleo em


(“colar de contas”) intérfase
Figura 8. Níveis hierárquicos do acondicionamento da cromatina no cromossomo humano. Fonte: Thompson &
Thompson Genética Médica

Código genético fundamentais do código genético são


mencionadas a seguir.
O código genético é o conjunto de
regras que governa a relação en-
tre a sequência de nucleotídeos no
DNA e a ordem dos aminoácidos
1 O código é inequívoco, ou seja,
não é ambíguo, logo, cada códon
corresponde a apenas a um ami-
nas proteínas, assim esse permite a noácido e jamais a mais de um
célula converter sequências de bases aminoácido.

2
do DNA em cadeias polipeptídicas. O código é degenerado ou re-
O código genético se expressa por dundante, quase todos os ami-
trincas de bases, que foram denomi- noácidos têm mais de um códon.
nadas códons. Cada códon, forma- Três aminoácidos têm 6 códons
do por três letras, corresponde a um possíveis, 5 têm 4 códons, 1 tem
certo aminoácido. A correspondência 3 e nove têm 2 códons alterna-
entre o trio de bases do DNA, o trio de tivos. Somente dois aminoácidos
bases do RNA e os aminoácidos por têm apenas 1 códon: a metionina
eles especificados constitui uma men- e o triptofano.
sagem em código. As características
INTRODUÇÃO A GENÉTICA 14

3
3. O código contém 3 códons
para os quais não foram encon-
trados aminoácidos; são eles:
UAA, UAG e UGA. Esses códons
foram chamados códons sem
sentido (“nonsense” códons).

4 Códons alternativos para um


aminoácido particular, normal-
mente, têm bases idênticas nas
duas primeiras posições. A ex-
ceção óbvia para isso é quando
há 6 códons possíveis para um
aminoácido, nesse caso quatro
dos códons têm as primeiras ba-
ses em comum.

5 Códons semelhantes costu-


mam especificar aminoácidos
semelhantes. Por exemplo, os
códons da treonina diferem dos
códons da serina num único nu-
cleotídeo na posição 5’. De modo
semelhante, códons que têm U na
segunda posição codificam para
aminoácido hidrofóbico. Quan-
do esses códons são alterados,
tanto na extremidade 3’ como 5’,
um aminoácido hidrofőbico ainda
é incorporado na proteína. Devi-
do a essa propriedade do código
e à sua degeneração, as células
apresentam uma certa tolerân-
cia a substituições de um único
nucleotídeo que nem sempre
levam à produção de uma pro-
teína não funcional.
INTRODUÇÃO A GENÉTICA 15

CONCEITOS BÁSICOS DA GENÉTICA

é um composto orgânico cujas


moléculas contêm as instruções
genéticas que coordenam o
desenvolvimento e funcionamento
de todos os seres vivos

é um tipo de ácido nucleico


que intervém em várias funções DNA é a unidade fundamental da
biológicas importantes como
hereditariedade, cada gene é
a codificação genética, e a
formado por uma sequência
descodificação durante a
específica de ácidos nucléicos
tradução de proteínas, regulação
e expressão dos genes RNA GENE
CONCEITOS
BÁSICOS DA
GENÉTICA
GENOMA CROMOSSOMO é uma longa sequência
é toda a informação de DNA, que contém vários
hereditária de um organismo genes, e outras sequências de
que está codificada nucleotídeos com funções
em seu DNA CÓDON CÓDIGO GENÉTICO específicas nas células
dos seres vivos

é o conjunto de regras que


governa a relação entre a sequência
é uma sequência de três bases de nucleotídeos no DNA e a ordem
nitrogenadas que codificam um dos aminoácidos nas proteínas,
determinado aminoácido permitindo a célula converter
sequências de bases do DNA
em cadeias polipeptídicas
INTRODUÇÃO A GENÉTICA 16

3. CONCEITOS BÁSICOS e ligam-se à fita molde de uma forma


SOBRE TRANSCRIÇÃO, definida, pois as bases nitrogenadas
TRADUÇÃO E são complementares.
REPLICAÇÃO DO DNA Assim que a fita de RNA está pronta,
Como observado anteriormente, a ela se destaca da fita molde de DNA
complementaridade de nucleotídeos e se desloca em direção ao citoplas-
é a base para a expressão gênica, a ma, onde, em seguida, ocorre outro
cadeia de eventos que leva um gene processo, denominado de tradução
a produzir um fenótipo. Esse pro- (síntese proteica). As duas fitas de
cesso começa no núcleo com a trans- DNA, então, ligam-se novamente. O
crição, na qual a sequência nucleo- afastamento e o encaixe das duas fi-
tídica em uma fita de DNA é usada tas de DNA ocorrem sob ação de uma
para construir uma sequência de enzima denominada de RNA-poli-
RNA complementar. merase, que se desloca sob a molé-
cula de DNA durante o processo de
transcrição. Na síntese proteica, esse
CONCEITO! Fenótipo
RNA, denominado RNA mensageiro,
O fenótipo são as características obser- ou mRNA, abreviadamente, se liga a
váveis ou caracteres de um organismo
ou população, como: morfologia, desen- um ribossomo.
volvimento, propriedades bioquímicas A junção proteica é realizada com
ou fisiológicas e comportamento. Resul-
ta da expressão dos genes do organis-
o auxílio de moléculas adaptado-
mo, da influência de fatores ambientais ras, chamadas RNA transportador
e da possível interação entre os dois.] (tRNA). Dentro do ribossomo, os tR-
NAs reconhecem a informação codi-
ficada nos códons do mRNA e trans-
O processo de transcrição inicia-se
portam os aminoácidos apropriados
com o reconhecimento da sequência
para a construção da proteína duran-
específica do DNA a ser transcrita.
te a tradução. Como a análise anterior
As ligações de hidrogênio que unem
mostra, o DNA faz o RNA, o qual, na
as duas cadeias de DNA se rompem
maior parte das vezes, faz a proteína.
e as duas fitas se separam. Apenas
Essa sequência de eventos, conheci-
uma das duas fitas servirá como mol-
da como o dogma central da genéti-
de para a síntese de RNA. Na fase de
ca, ocorre com grande especificida-
elongação ou alongamento, os nucle-
de. Usando um alfabeto de somente
otídeos são incorporados a uma fita
quatro letras (A, T, C e G), os genes
molde de DNA, e a outra fita de DNA
dirigem a síntese de proteínas com
permanece inativa. Os nucleotídeos
alto grau de especificidade, as quais
estão presentes no núcleo livremente
INTRODUÇÃO A GENÉTICA 17

funcionam, em conjunto, como a base se liguem novamente, as chamadas


de todas as funções biológicas. proteínas ligantes ao DNA de cadeia
Já a replicação do DNA é um pro- simples (SSB) ligam-se às cadeias
cesso de grande importância para simples, no entanto, elas o fazem de
a transmissão do material genético, forma a deixar as bases livres para a
pois, quando ocorre a divisão celu- associação dos nucleotídeos. À me-
lar, esse material será dividido de dida que essas associações ocor-
forma igual entre as células-filhas, rem e a nova cadeia, denominada
sendo imprescindível, assim, para a cadeia complementar, é sintetiza-
manutenção das células. A replica- da, essas proteínas desprendem-se
ção ocorre antes do início da divisão do DNA.
celular, durante a fase S da interfase. A cadeia que vai ser formada inicia-
Na replicação, a molécula de DNA -se com uma porção de RNA. Essa
será duplicada. As duas moléculas cadeia inicial de RNA, sintetizada por
formadas serão constituídas por uma meio da ação da enzima primase, é
fita que pertencia à molécula original denominada de oligonucleotídeo ini-
e uma fita recentemente sintetizada. ciador (primer). O início da formação
Pelo fato de as novas moléculas se- da nova cadeia de DNA ocorrerá da
rem constituídas por uma fita antiga extremidade 3’ do primer. Enzimas,
e uma nova, esse processo é denomi- denominadas de DNA-polimerases,
nado semiconservativo. iniciam a ligação dos nucleotídeos li-
O processo de replicação inicia-se vres no núcleo ao oligonucleotídeo
com a separação das duas fitas que iniciador e, em seguida, adicionam
formam a molécula de DNA, por meio os nucleotídeos complementares aos
da ação de enzimas, como a helica- da fita-molde. Devido à estrutura do
se. Isso ocorre em pontos em que DNA, os nucleotídeos só poderão ser
existem sequências específicas de adicionados na extremidade 3’ do
nucleotídeos, esses pontos são de- oligonucleotídeo iniciador ou da fita
nominados origens de replicação. As de DNA que está sendo sintetizada.
enzimas que atuam nesse processo Assim, a nova fita poderá ser aumen-
identificam-nos e ligam-se ao DNA, tada apenas no sentido do lado do
formando as chamadas bolhas de carbono da pentose ligado ao fosfato
replicação. As helicases movem-se (carbono 5’) em direção ao carbono 3’
sobre as fitas de DNA, separando as da pentose (5’→3’).
cadeias. As regiões onde as cadeias À medida que a forquilha vai sendo
separam-se apresentam a forma de aberta, a adição de nucleotídeos em
Y e são chamadas de forquilha de re- uma das fitas dá-se de forma contí-
plicação. Para evitar que as cadeias nua, essa fita é denominada de fitar
INTRODUÇÃO A GENÉTICA 18

líder ou fita contínua. No entanto, para


que a outra fita seja alongada nes-
se sentido, a adição de nucleotíde-
os ocorrerá em sentido oposto ao da
progressão da forquilha por meio de
fragmentos, denominados fragmen-
tos de Okazaki (em células eucarióti-
cas, eles possuem entre 100 e 200
nucleotídeos). Essa fita é denominada
de fita retardada ou fita descontínua,
e, diferentemente da fita líder, que
necessita apenas de um oligonucle-
otídeo iniciador, cada fragmento dela
deverá ser iniciado separadamente.
Ao fim, a enzima DNA ligase liga os
fragmentos, formando uma fita única
de DNA. Tem-se agora duas molé-
culas de DNA, exatamente iguais em
relação à sequência de nucleotídeos,
sendo que essas moléculas são cons-
tituídas por uma fita antiga, perten-
cente à molécula original, e uma fita
nova.
INTRODUÇÃO A GENÉTICA 19

FLUXOGRAMA DA BASE DA TRANSCRIÇÃO, TRADUÇÃO E REPLICAÇÃO

Ocorre na:
• Fase S da interfase
• É um processo
semiconservativo
• A DNA polimerase só
alonga fitas, não as começa Necessita do PRIMER
• A DNA polimerase
adiciona nucleotídeos
no sentido 5’- 3’

FITA LÍDER –
replicação contínua
Replicação
FITA RETARDADA –
replicação descontínua
DNA Transcrição RNA Tradução PROTEÍNA

Fragmentos de Okazaki

O promotor atrai a RNA


• É realizada pelos ribossomos aa partir da
polimerase quimicamente
complementariedade do anticódon do RNAt
sinalizando a região do
com os códons do RNAm
gene e a fita ativa
• Os aminoácidos vão estabelecendo ligações
peptídicas entre si, formando a proteína
• A tradução sempre é iniciada no códon de início
correspondente ao aminoácido metionina e o
término do processo ocorre com o aparecimento
de um dos 3 códons de parada (UAA, UAG, UGA)
INTRODUÇÃO A GENÉTICA 20

4. PRINCÍPIOS DA originando, assim, os primeiros se-


EVOLUÇÃO res vivos. Assim, toda a vida na Ter-
ra, que hoje ultrapassa 8,7 milhões de
A hipótese mais aceita, atualmente,
espécies, origina desses mesmos se-
sobre a origem da vida é a hipótese
res. Introduzindo, desse modo, a teo-
de Oparin e Haldane. Segundo essa
ria mais aceita da evolução das espé-
ideia, a Terra primitiva seria consti-
cies, que é a seleção natural.
tuída por amônia, hidrogênio, me-
tano e vapor d’água, os quais são Seleção natural é reprodução dife-
expelidos constantemente pelas ati- rencial por conta de variações na
vidades vulcânicas. A condensação capacidade de sobrevivência das
desse vapor d’água deu origem a um populações de uma espécie em um
ciclo de chuvas, pois estas, ao atin- determinado ambiente. Esse pro-
girem a superfície ainda quente da cesso pode levar ao aumento na pro-
Terra, voltavam a evaporar, iniciando porção das características hereditá-
assim um novo ciclo. Mediante ação rias vantajosas entre uma geração e
das radiações ultravioletas do Sol e a próxima. A teoria evolutiva de Da-
das constantes descargas elétricas, rwin (1858, 1859) e Wallace (1858)
os elementos presentes na atmosfera tem na seleção natural o mecanismo
passaram a reagir, dando origem aos que explica a origem e diversifica-
primeiros compostos orgânicos, ção das espécies. Um dos primeiros
denominados aminoácidos. As chu- naturalistas a despertar atenção so-
vas carreavam esses compostos para bre a possibilidade dos organismos
os oceanos primitivos, os quais se for- se transformarem no tempo foi Jean
maram quando ocorreu o resfriamen- Baptiste Lamarck. No início do século
to da superfície da terra, permitindo o XIX, ele defendia que todas as espé-
acúmulo de água na superfície. cies, incluindo o Homo sapiens, origi-
navam-se de outras pré-existentes.
Nos oceanos primitivos, esses ami-
Em relação às causas dessas modi-
noácidos uniram-se, formando com-
ficações, Lamarck atribuiu importân-
postos semelhantes a proteínas
cia à ação direta das condições de
(proteinoides), e, em seguida, após
vida, ao entrecruzamento das formas
novas reações, essas deram origem
existentes, a lei de desenvolvimento
aos coacervados. Estes se tornaram
progressivo e ao uso-e-desuso, fa-
mais estáveis e complexos, contro-
tor que considerou a causa de todas
lando as próprias reações químicas e
as adaptações da natureza.
sendo capazes de autoduplicar-se,
INTRODUÇÃO A GENÉTICA 21

Figura 9. Charles Darwin e Alfred Russel Wallace, respectivamente. Fonte: Google Imagens

Darwin (1859) defende que a varia- substrato sobre o qual a seleção


ção biológica existe em larga escala natural atua. As causas da variação
e está disponível para a ação da se- seriam disponibilidade de alimento e
leção natural, que por sua vez favo- nutrientes, clima, distribuição geográ-
rece os seres mais aptos na luta pela fica das populações de uma mesma
sobrevivência. As características que espécie e isolamento geográfico. Para
favoreçam esses organismos quando Darwin (1859), todas os morfotipos
ocorre a seleção são transmitidas podem existir a priori. A seleção atu-
para as futuras gerações, que tam- aria modificando parte por parte do
bém teriam vantagens sobre as ou- organismo conforme as condições de
tras variantes. Por um processo de vida que ele suporta em um proces-
acumulações de variações vantajo- so gradual e acumulativo que levaria
sas, surgiriam organismos altamente à adaptação dos organismos. Assim,
adaptados aos seus ambientes. cada perfil que um organismo apre-
Dentro desse contexto, as varieda- sentou no correr da história evolutiva
des morfológicas existentes den- da sua linhagem teve alguma vanta-
tro de uma mesma espécie são o gem seletiva.
INTRODUÇÃO A GENÉTICA 22

A ideia darwiniana central é que na característica selecionada seria “tes-


natureza ocorre uma luta pela so- tada” pelo ambiente e o indivíduo se
brevivência notadamente entre desenvolveria em condições de vida
membros de uma mesma espécie. adequadas à sua estrutura. A menor
Estudos sobre a criação de animais diferença entre as estruturas poderia
domésticos e a leitura do trabalho de alterar o equilíbrio natural na luta pela
Malthus sobre as populações huma- sobrevivência, garantindo ou não a
nas levaram Darwin a desenvolver o preservação de certas variedades
cerne da sua teoria. Nela está incluída dentro das populações. Dentro dessa
a ideia de interdependência dos se- perspectiva, para que a seleção natu-
res vivos para a sua sobrevivência ral possa provocar mudanças evoluti-
e capacidade de deixar descenden- vas, seria preciso que as populações
tes. Como nascem mais indivíduos tivessem um grande número de indi-
do que o número dos que poderiam víduos. Isso aumentaria a chance do
sobreviver, sempre haverá uma luta aparecimento de variabilidade e ga-
pela existência, seja entre os indiví- rantiria que, caso um organismo com
duos da mesma espécie, entre os de uma variação vantajosa fosse preda-
espécies diferentes, ou com as condi- do ou morto por um evento estocásti-
ções de vida de seu hábitat. A redu- co, essa variação continuaria presen-
ção do número de indivíduos sempre te na população para que a seleção
incide sobre uma parcela da popula- atuasse.
ção, seja por recursos divididos pelos Segundo a concepção darwiniana de
seus membros (competição interes- seleção natural a variação dentro
pecífica), seja por predação. Quando das populações é necessariamen-
as limitações à sobrevivência são re- te aleatória e não direcional. Para
duzidas, o decréscimo populacional Darwin, a fonte de variabilidade não
diminui, os fatores limitantes relacio- seria uma força divina que ordenava
nam-se à disponibilidade de alimen- a evolução dos organismos, como de-
to, ao clima, predação, competição fendido por Asa Gray e Charles Lyell.
por polinizadores e disputas por par- Para explicar a manutenção das va-
ceiros para acasalamento. riações na descendência, Darwin, na
O que Darwin denomina seleção ausência de informações sobre gené-
natural é a preservação das varia- tica, aceitava a herança de caracteres
ções favoráveis e eliminação das adquiridos e o princípio do uso e de-
variações nocivas. Aquelas varia- suso, conceitos anteriormente utiliza-
ções nem vantajosas e nem nocivas dos por Lamarck. O princípio da sele-
não serão afetadas, permanecendo ção natural para Darwin se aplicava
como características oscilantes. Cada a todos os seres vivos, inclusive ao
INTRODUÇÃO A GENÉTICA 23

homem, e explicaria também a evo- de dados coletados ao longo de trin-


lução das suas faculdades morais e ta anos após a publicação do On the
intelectuais. Estas seriam condições origin (Darwin, 1859). Ele propôs o
modificadas a partir de rudimentos seguinte cenário, os organismos vi-
presentes nos demais vertebrados, vem em perpétua luta pela sobrevi-
da mesma maneira e pela ação das vência, somente por meio da exata
mesmas leis gerais das quais deriva- adaptação de sua organização ao
ram a sua estrutura morfológica. ambiente, incluindo seus instintos
O também naturalista britânico Alfred e hábitos, eles podem sobreviver
Russel Wallace chegou às mesmas e produzir descendentes que ocu-
conclusões que Darwin sobre a se- pem o seu lugar.
leção natural de forma quase conco- Para Wallace, embora em alguns ca-
mitante. Os relatos dos trabalhos de sos a sobrevivência dos indivíduos
Darwin e Wallace foram publicados decorresse mais do acaso do que da
conjuntamente em 1858 (Darwin, sua real superioridade, parecia cla-
1858, Wallace, 1858). Ambos fize- ro que os sobreviventes eram mais
ram referência à luta pela existência, adaptados por conta da sua “perfeita
inspirados pelo trabalho de Malthus, organização”, essa sobrevivência do
defendendo que, na natureza, o indi- mais apto seria equivalente à seleção
víduo mais bem adaptado sobrevive e natural darwiniana. Assim como Da-
deixa mais descendentes. Porém, os rwin, Wallace considerava que a luta
dois autores discordavam de alguns mais severa era aquela travada por
aspectos fundamentais da seleção espécies muito próximas ocupando a
natural. Wallace de fato não utilizou mesma região. Ele também defendia
o termo seleção natural, mas referiu- o “princípio de utilidade”, segundo o
-se ao mesmo processo denominado qual nenhum fato específico da natu-
por Darwin. Em Wallace (1855), ele reza orgânica, nenhum órgão espe-
somente explicita que uma espécie cial, nenhuma forma característica ou
tende a se transformar em outra, mas notável, nenhuma peculiaridade nos
não deixa claro qual o mecanismo res- instintos ou hábitos, nenhuma rela-
ponsável por isso. Wallace defendia a ção entre espécies ou grupos de es-
ocorrência de mudanças graduais e pécies pode existir se não foi alguma
não uma tendência à progressão, na vez útil para os indivíduos ou raças
qual a sucessão da vida no globo se- que a possuem. Esse princípio seria
guia de um grau de organização in- garantido pela seleção natural, que fi-
ferior para um superior. Anos depois, xaria tais características úteis.
Wallace (1890) discutiu a visão da- Na teoria de Darwin-Wallace, as
rwinista da teoria evolutiva sob a luz adaptações evoluem em pequenos
INTRODUÇÃO A GENÉTICA 24

passos a partir de órgãos, padrões O propósito do mundo seria desen-


de comportamento, células ou mo- volver o espírito humano em asso-
léculas pré-existentes. Apesar das ciação com o corpo. Existiria, dessa
muitas congruências entre as teorias forma, um mundo invisível, o “mundo
propostas por Darwin e Wallace, há dos espíritos”. Wallace não era adep-
pontos discordantes que por vezes to de explicações por seleção sexual.
fornecem explicações diferentes para As diferenças de ornamentação, es-
o mesmo problema. Não se pode di- trutura e cor existentes entre machos
zer que a teoria da seleção natural foi e fêmeas seriam explicadas apenas
proposta por Darwin em coautoria por seleção natural. Nesse sentido, a
com Wallace, ela foi proposta pelos coloração dos animais estaria relacio-
dois autores independentemente, a nada à defesa ou ao reconhecimento
despeito de incontestáveis seme- pela própria espécie. O termo seleção
lhanças, o que permite considerar sexual se restringiria aos resultados
o momento inicial do evolucionis- diretos da luta e combate entre os
mo como teoria de Darwin-Wallace. machos.
Wallace dava importância máxima e Outro ponto importante na percep-
exclusiva à seleção natural como pro- ção de Wallace sobre os mecanismos
cesso evolutivo. Darwin não excluía a evolutivos é que, para ele, a variação
possibilidade de outros mecanismos e a seleção natural superavam os
serem importantes na evolução. efeitos do uso e desuso. Portanto,
Para Wallace, a natureza moral e in- ele negou o papel desse processo e
telectual do homem não teria sido da herança dos caracteres adquiri-
desenvolvida somente pela variação dos na teoria da evolução: os efei-
aleatória, independentemente da sua tos do uso e desuso seriam peque-
causa, e pela seleção natural. Segun- nos e não herdáveis. Wallace era
do ele, muitas faculdades mentais que simpático à teoria da “continuidade
existentes nos selvagens ou existen- do plasma germinativo” de August
tes em condições rudimentares apa- Weismann (plasma germinativo se-
recem bastante desenvolvidas nas ria o material responsável pela here-
por ele chamadas “raças civilizadas”. ditariedade, contido nas células re-
Tais características não teriam se de- produtivas), cuja consequência é que
senvolvido por um processo lento e quaisquer caracteres adquiridos não
acumulativo como a seleção natural. seriam transmitidos dos progenitores
Para Wallace, haveria uma diferen- para seus descendentes.
ça entre a origem das característi-
cas físicas e mentais do homem em
relação àquelas de outros animais.
INTRODUÇÃO A GENÉTICA 25

CONCEITOS
BÁSICOS DA
EVOLUÇÃO

Seleção natural Mutação Adaptação Fluxo gênico

Processo em que os Mudanças na A partir de um


organismos mais aptos são Relacionada a sequência de nucleotídeos ancestral, ocorre o Movimento de genes
selecionados, sobrevivem seleção natural presentes no material surgimento de várias linhas para uma população
no meio, reproduzem-se e genético de um indivíduo evolutivas diferentes
passam suas características
aos seus descendentes.
Evolução divergente
Possível geração de novas por conta do diferente Migração
características habitat (ex. migração) ou
por seleção natural

Imigração
INTRODUÇÃO A GENÉTICA 26

5. MANIPULAÇÃO DO DNA genoma, podendo envolver também


a remoção de genes. A capacidade de
Desde o alvorecer da tecnologia do
manipular o DNA in vitro e de intro-
DNA recombinante, na década de
duzir genes em células vivas permitiu
1970, os cientistas aproveitam a en-
que os cientistas gerassem novas va-
genharia genética não só em pes-
riedades de plantas, animais e outros
quisas biológicas, mas também para
organismos com traços genéticos
aplicações diretas em medicina, agri-
específicos e obtivessem produtos
cultura e biotecnologia. A engenharia
terapêuticos mais baratos e efetivos.
genética se relaciona com a altera-
Essas novas variedades de organis-
ção do genoma de um organismo
mos são chamadas organismos ge-
e tipicamente envolve o uso de tec-
neticamente modificados, OGM ou
nologias para adicionar genes a um
transgênicos.

Figura 10. Fonte: https://bit.ly/2XpVwYw

A biotecnologia é o uso de organis- Na verdade, porém, ela é uma ciên-


mos vivos para criar um produto ou cia que remonta à civilização anti-
processo que ajude a melhorar a ga e ao uso de micróbios para fazer
qualidade de vida dos humanos ou produtos importantes que incluem
de outros organismos. Como indús- bebidas como o vinho e a cerveja, vi-
tria moderna, a biotecnologia come- nagres, pães e queijos. A biotecno-
çou mesmo quando a tecnologia do logia moderna depende muito da
DNA recombinante se desenvolveu. tecnologia do DNA recombinante,
INTRODUÇÃO A GENÉTICA 27

da engenharia genética e de aplica- sanguíneo e da glândula hipófise. É


ções da genômica. Os produtos exis- claro que essas fontes tinham supri-
tentes e os novos desenvolvimentos, mento limitado e que os processos de
aparentemente diários, tornam a in- purificação eram caros. Além disso, os
dústria biotecnológica um dos ramos derivados dessas fontes naturais po-
que mais se desenvolvem na força de diam estar contaminados por agentes
trabalho mundial, abrangendo qua- de doenças, como vírus. Agora que
se 5.000 companhias, em 54 países. genes humanos que codificam impor-
Atualmente há mais de 350 produtos tantes proteinas terapêuticas podem
biotecnológicos no mercado. ser clonados e expressos em tipos
O desenvolvimento da indústria de celulares não humanos, temos fontes
biotecnologia e o rápido crescimento mais abundantes, seguras e baratas
no número de aplicações das tecnolo- de biofármacos. O termo comumen-
gias de DNA despertaram sérias pre- te usado para descrever a produção
ocupações acerca do uso de nosso de proteínas de valor em animais e
poder para manipular genes e aplicar plantas geneticamente modificados é
tecnologias gênicas. A engenharia bioagricultura.
genética e a biotecnologia têm poten-
cial para prover soluções para impor- SE LIGA! Atualmente, reconhece-se que
tantes problemas globais e para alte- as doenças mais comuns, como hiper-
tensão, diabetes e câncer, são causadas
rar significativamente o modo como
por uma combinação de suscetibilidade
os homens lidam com o mundo na- genética herdada e várias influências
tural; por isso, elas despertam ques- ambientais. O entendimento dos fatores
tões éticas, sociais e econômicas sem genéticos e ambientais causadores das
doenças constitui o principal tema da
precedentes na experiência humana. medicina moderna.
A aplicação mais bem sucedida e
generalizada da tecnologia do DNA
recombinante foi na produção de Dentro da manipulação do DNA cabe
proteínas recombinantes para pro- ainda destacar a genética molecular,
dutos biofarmacêuticos, produtos que é a área da biologia que estu-
farmacêuticos produzidos por bio- da a estrutura e a função dos ge-
tecnologia, particularmente proteínas nes a nível molecular usando mé-
terapêuticas para tratar doenças. An- todos da genética e da biologia
tes da era do DNA recombinante, as molecular. Um campo importante da
proteínas biofarmacêuticas, tais como genética molecular é o uso de infor-
a insulina, fatores de coagulação e mação molecular para determinar
hormônios de crescimento, eram pu- padrões de descendência, e assim
rificadas de tecidos como pâncreas, a classificação científica correta
INTRODUÇÃO A GENÉTICA 28

dos organismos. Junto com a deter- pela mutação, essa técnica é chama-
minação do padrão de descendentes, da de genética direta (forward gene-
a genética molecular ajuda a compre- tics). Embora os rastreios da forward
ender as mutações genéticas que po- genetics sejam eficazes, podemos
dem causar certos tipos de doenças. usar uma abordagem mais direta ao
Através da utilização dos métodos de determinar o fenótipo resultante da
genética e biologia molecular, a ge- mutação de um determinado gene. A
nética molecular descobre as razões isto chama-se genética reversa. Em
pelas quais as características são alguns organismos, tais como leve-
exercidas e como e porque algumas duras, ratos e camundongos, é pos-
podem sofrer mutações. sível induzir uma detecção num gene
Uma das primeiras ferramentas a ser específico, criando um gene nocaute.
utilizada pelos geneticistas molecula- Uma alternativa possível é induzir
res na década de 1970 foi o rastreio deleções aleatórias no DNA e sele-
genético. O objetivo desta técnica é cionar posteriormente as deleções
identificar o gene que é responsável em genes de interesse, usar inter-
por um determinado fenótipo. Mui- ferência de RNA e criar organis-
tas vezes usa-se um agente muta- mos transgênicos em que vai haver
gênico para acelerar este processo. uma sobre-expressão do gene de
Uma vez isolados os organismos mu- interesse.
tantes, torna-se possível identificar
molecularmente o gene responsável
INTRODUÇÃO A GENÉTICA 29

INTRODUÇÃO A GENÉTICA

Conceitos
básicos DNA

Cromatina Gene Códons Nucleotídeo Genoma Dupla hélice Estrutura


molecular

Unidade Formado Fosfato + Conjunto


Cromossomo Nucleossomo fundamental por uma Trincas de Pentose + Base
de todos os Desoxirribose nitrogenada Grupo fosfato
da heredi- sequência nucleotídeos Base genes
tariedade específica nitrogenada
de ácidos
nucléicos Cada um A–T
Longa Dividido em Empacota- corresponde Cromosso-
sequência mento de a um mos
de DNA, histonas Éxons aminoácido pareados
G–C
que contém Braço
vários genes
Íntrons
Centrômero

Telômero

RNA Síntese Replicação Mutação


proteica

Em geral, Estrutura Duplicação Mudanças na Manipulação


fita única molecular Transcrição Tradução da fita de sequência dos do DNA
DNA nucleotídeos

Formação RNAm no citoplasma


Bases Grupo de RNAm a
Ribose nitrogenadas fosfato convertido em aminoácidos, Transgênicos
partir de um formando a proteína
DNA molde

A–T U–C
INTRODUÇÃO A GENÉTICA 30

REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
Klug, William S., et al. Conceitos de genética. Artmed Editora, 2009.
Nussbaum, Robert. Thompson & Thompson genética médica. Elsevier Brasil, 2008.
Matioli, Sérgio Russo. “Biologia molecular e evolução.” (2001).
Silva, Mariane Tavares, and Charles Morphy D. Santos. “Uma análise histórica sobre a se-
leção natural: de Darwin-Wallace à Síntese Estendida da Evolução.” Amazônia: Revista de
Educação em Ciências e Matemáticas 11.22 (2015).
INTRODUÇÃO A GENÉTICA 31

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