Você está na página 1de 8

MANUAL DE

CLÍNICA MÉDICA

LIVRO COMPLETO_01.02.indd 1 24/05/19 07:58


MANUAL DE
CLÍNICA MÉDICA
EDITOR CHEFE:
Estevão Tavares de Figueiredo

EDITORES ASSOCIADOS:
Débora Gonçalves da Silva
Felipe Marques da Costa
Gabrielly Borges Machado
Iara Baldim Rabelo
Lívia de Almeida Costa
Milena Tenório Cerezoli
Nícollas Nunes Rabelo
Robson Eugênio da Silva
Tárcia Nogueira Ferreira Gomes
Valéria Garcia Caputo
Victor Ferreira Schuwartz Tannus
Yanne Franca Montino

LIVRO COMPLETO_01.02.indd 3 24/05/19 07:58


DERRAME PLEURAL CAPÍTULO

Autores:
6.3
Ruan Ribeiro Ferrazza
André Bezerra Botelho
Roberta K. Barbosa de Sales DERRAME

Lisete Ribeiro Teixeira PLEURAL

PNEUMOLOGIA

1. INTRODUÇÃO

O derrame pleural é resultado do aumento da taxa de formação do fluido pleural, redução


de sua absorção ou, mais comumente, de ambos os processos. Apesar de bastante comum e
poder estar relacionado a inúmeras etiologias, na prática clínica, poucas causas são responsá-
veis pela maioria dos casos.

2. EPIDEMIOLOGIA

É estimado que o derrame pleural acometa cerca de 3.000 pessoas por milhão. Existem
variações importantes na incidência do derrame pleural ao redor do mundo. Nos Estados Uni-
dos, as quatro principais causas em pacientes submetidos a toracocentese (punção do líquido
pleural) são: câncer (27%), insuficiência cardíaca (21%), pneumonia (19%) e tuberculose (9%).
Entretanto, a insuficiência cardíaca constitui a principal etiologia, mas uma parcela significati-
va desses indivíduos não são puncionados.
Nos países em desenvolvimento, incluindo o Brasil, causas infecciosas, principalmente a
tuberculose, devem sempre ser incluídas nos diagnósticos diferenciais, com especial atenção
aos adultos jovens com derrame unilateral.

3. QUADRO CLÍNICO

Os sintomas comumente encontrados são dor torácica do tipo pleurítica, tosse e dispneia
e a intensidade desses está relacionada com a velocidade de formação do derrame e a exten-
são do processo inflamatório pleural, além dos sintomas gerados pela própria doença de base.
Ao exame físico, observa-se diminuição da expansão torácica, redução do frêmito tóraco-
-vocal, macicez ou submacicez à percussão e diminuição do murmúrio vesicular restritos ao
hemitórax acometido.

4. DIAGNÓSTICO

4.1. Imagem

A radiografia de tórax em incidência póstero-anterior (PA) e perfil é fundamental na inves-


tigação inicial, sendo capaz de identificar derrames com volume de aproximadamente 200 mL.

477

LIVRO COMPLETO_01.02.indd 477 24/05/19 08:00


DERRAME PLEURAL

Os principais achados são: obliteração do seio costofrênico; elevação e alteração da conformação


do diafragma (retificação de sua porção medial); e hipotransparência nas bases com formação de
uma parábola com concavidade voltada para cima (curva de Damoiseau). A radiografia em de-
cúbito lateral com raios horizontais (incidência de Hjelm-Laurell) pode auxiliar no diagnóstico de
derrames com pequenos volumes, na indicação da toracocentese e na avaliação de complicações
relacionadas ao derrame. Nessa incidência, pode-se notar alteração da imagem quando compa-
rada a PA, correspondendo ao deslocamento do derrame (nos casos não loculados) ao longo da
superfície pleural lateralmente. Uma espessura de nível líquido acima de 10 mm indica a presença
de derrame passível de punção. A figura 1 exemplifica as imagens em PA e decúbito lateral com
achados compatíveis com derrame pleural.

Figura 1. Derrame pleural no hemotórax direito identificado em duas incidências distintas.

A. Póstero-anterior. B. Decúbito lateral com raios horizontais


    (incidência de Hjelm-Laurell).

A introdução da ultrassonografia de tórax vem revolucionando a abordagem do derrame


pleural, servindo como guia para toracocentese e biópsia, além de reduzir os riscos de compli-
cações relacionadas a esses procedimentos. Possui elevada acurácia na avaliação de derrames
complicados, empiema e espessamento pleural.
A tomografia computadorizada de tórax, preferencialmente com uso de contraste endoveno-
so, possibilita melhor avaliação da pleura e do parênquima pulmonar, além de auxiliar no diag-
nóstico de derrame complicado (presença de espessamento e nodulações pleurais) e auxiliar na
realização da toracocentese.

4.2. Toracocentese

A toracocentese tem como objetivo a avaliação das características macroscópicas, bioquími-


cas e citológicas do derrame. Caso não haja contraindicações (como infecções de pele no local
da punção e coagulopatias graves) e exista líquido suficiente, todos os pacientes com derrame
pleural devem ser submetidos a toracocentese, com raras exceções. Quando a presença de disp-
neia está associada a derrame pleural volumoso, a toracocentese de alívio está indicada. Nestes
casos, recomenda-se a retirada de forma lenta, sem uso de vácuo e tradicionalmente não exceder
1500 mL de líquido pleural ou até o surgimento de sintomas como tosse seca, piora da dispneia
ou dor torácica.
A descrição das características macroscópicas do líquido pleural é parte fundamental na in-
vestigação, podendo estreitar as hipóteses diagnósticas como observado na tabela 1.

478

LIVRO COMPLETO_01.02.indd 478 24/05/19 08:00


PNEUMOLOGIA

Tabela 1. Aspecto macroscópico do líquido pleural e possibilidades diagnósticas.

Sanguinolento: neoplasia, tuberculose, embolia pulmonar ou trauma.


Leitoso: quilotórax, pseudoquilotórax.
Purulento: empiema.
Partículas alimentares: ruptura de esôfago.
Odor de urina: urinotórax.
Odor fétido: infecção por anaeróbios.
Turvo: presença de lipídios, proteínas ou células.

A avaliação bioquímica classifica o derrame, a partir dos critérios de Light, em dois grandes
grupos, transudativo ou exsudativo, com características e etiologias bastante distintas.
Os Critérios de Light são capazes de diferenciar derrames exsudativos e transudativos com
sensibilidade (98%) e especificidade (83%) e a presença de qualquer um dos critérios, classifica o
derrame como exsudativo (tabela 2).

Tabela 2. Critérios de Light

Proteína do líquido pleural/Proteína sérica > 0,5.


LDH do líquido pleural/LDH sérico > 0,6.
LDH do líquido pleural > 2/3 do limite superior da normalidade do LDH sérico.

Apesar da boa acurácia, o uso de diurético pode levar a resultado falso positivo, classificando
derrames transudativos como exsudativos. Nesse cenário, o gradiente de albumina sérico-pleural
(albumina sérica – albumina pleural) maior que 1,2 g/dL, afasta a possibilidade de exsudato.
As principais causas de transudato e exsudato são descritas nas tabelas 3 e 4, respectivamente.

Tabela 3. Causas de transudato

Insuficiência cardíaca Diálise peritoneal


Cirrose hepática Mixedema
Síndrome nefrótica Embolia pulmonar

Tabela 4. Causas de exsudato

Tuberculose Embolia pulmonar com ou sem infarto


Câncer Doenças inflamatórias/colágeno
Pneumonia bacteriana Complicações intra abdominais

Em derrames exsudativos, exames adicionais devem ser avaliados no líquido pleural a depen-
der da suspeita clínica:
• Glicose: na ausência de doença pleural, o nível de glicose pleural assemelha-se aos níveis
séricos. Valores inferiores a 60 mg/dL, favorecem principalmente derrame parapneumônico
e inflamação crônica, como no caso da artrite reumatoide.

479

LIVRO COMPLETO_01.02.indd 479 24/05/19 08:00


DERRAME PLEURAL

• pH: mensurado em aparelho de gasometria, é de fundamental importância para o manejo


dos derrames parapneumônicos. Nesses casos, valores de pH menores que 7,2 apontam para
a necessidade de abordagem mais agressiva, como toracostomia com drenagem pleural. Em
neoplasias, pH menor que 7,2 correlaciona-se com pior prognóstico.
• Adenosina deaminase (ADA): enzima presente em linfócitos e macrófagos, possui impor-
tância principalmente na investigação de tuberculose pleural. Valores superiores a 30 U ou
40 U (variações de acordo com a metodologia utilizada), apresentam sensibilidade maior de
95% para tuberculose, com especificidade de 80%. Outras doenças, como neoplasia, derra-
me parapneumônico e empiema também podem cursar com valores elevados de ADA.
• Amilase: a dosagem da amilase deve ser feita diante da suspeita de ruptura do esôfago, pan-
creatite, pseudocisto pancreático ou prenhez ectópica rota. Também podem estar elevadas
em casos associados a adenocarcinomas.
• Triglicerídeos: deve ser dosado diante da suspeita de quilotórax, sendo diagnóstico quando
apresenta valores maiores que 110 mg/dL.
• Colesterol: utilizado no diagnóstico diferencial entre quilotórax (elevação de triglicerídeos)
e pseudoquilotórax (colesterol > 200 mg/dL).
• Citologia total e diferencial: O predomínio de neutrófilos (> 50%) é característico de pro-
cesso pleural agudo, como visto no derrame parapneumônico, tuberculose em fase inicial,
embolia pulmonar e pancreatite. Em casos onde há predomínio de linfócitos (> 50%), no
nosso meio, tuberculose e processo neoplásico (linfoma ou tumor sólido) devem ser afasta-
dos, contudo, outras causas como artrite reumatoide e lúpus não devem ser negligenciadas.
Nos derrames eosinofílicos (> 10% do total de células), deve-se considerar a presença de ar
ou sangue na pleura, reação à drogas, doença neoplásica, infarto pulmonar, vasculite ou
doenças infecciosas (fungos e parasitas).
• Citologia oncótica: seu rendimento varia conforme o tipo histológico do tumor (sensibilida-
de de 40 a 87%), a técnica utilizada e a experiência do citopatologista.
• Bacterioscopia e culturas: devem ser solicitadas mediante suspeição clínica de infecção
bacteriana, por micobactérias ou fungos. Na tuberculose, a bacterioscopia pode ser positiva
em até 5% dos casos e a cultura em torno de 30%.
• Hematócrito: se menor que 1% não tem significado; maior que 50% do valor sérico indica
hemotórax com necessidade de abordagem cirúrgica. Valores entre 1 e 20% sugerem embo-
lia, neoplasia, trauma ou tuberculose.

Caso a etiologia do derrame pleural classificado como exsudativo não seja elucidada, a rea-
lização de biópsia pleural com agulha de Cope ou Abrams pode auxiliar no diagnóstico, princi-
palmente nos casos de neoplasia e tuberculose. Em algumas situações, que escapam do escopo
deste capítulo, biópsias cirúrgicas podem ser necessárias.

5. ETIOLOGIA

Múltiplas patologias cursam com derrame pleural, as causas mais frequentes de derrame
pleural transudativo e exsudativo estão descritas nas tabelas 3 e 4. Entre as causas menos fre-
quentes estão o lúpus eritematoso sistêmico, artrite reumatoide, pleurite urêmica, abscesso he-
pático, fístula pancreática, ruptura de esôfago, abscesso subfrênico, tumor ovariano (síndrome
de Meigs), toxicidade por drogas (metotrexato, amiodarona, fenitoína, nitrofurantoína, beta-blo-
queadores, inibidores de tirosina kinase BCR-ABL), quilotórax, amiloidose e a síndrome da unha
amarela. Mesmo após extensa investigação até 20% dos derrames pleurais permanecem sem
etiologia definida.

480

LIVRO COMPLETO_01.02.indd 480 24/05/19 08:00


PNEUMOLOGIA

6. TRATAMENTO

O tratamento do derrame pleural transudativo baseia-se muitas vezes no tratamento da sín-


drome edemigênica associada, como no caso da insuficiência cardíaca e cirrose hepática. Nos
derrames exsudativos, a determinação da etiologia é fundamental para o manejo adequado do
fator causal. Segue abaixo os diversos diagnósticos diferenciais e seus tratamentos específicos.

6.1. Tuberculose pleural

Uma das causas mais frequentes de derrame pleural no Brasil, é caracterizada por um exsu-
dato ricamente proteico (> 4,0 g/dL), linfomonocitário e com ADA elevado. A pesquisa de BAAR e
cultura do líquido pleural, tradicionalmente apresentam baixo rendimento diagnóstico, 5 e 30%
respectivamente.
Do ponto de vista histológico, quando faz-se a biópsia pleural, pode haver a presença de pro-
cesso granulomatoso crônico, associado ou não à necrose caseosa. Bacilos podem ser identifi-
cados na coloração de Ziehl Neelsen. A cultura do fragmento pode atingir uma sensibilidade de
60%. Atualmente, técnicas moleculares com reação em cadeia de polimerase e culturas em meio
líquido podem aumentar ainda mais a acurácia diagnóstica.
O tratamento é semelhante ao da forma pulmonar, sendo utilizado o esquema básico (dois
meses de rifampicina, isoniazida, pirazinamida e etambutol, seguidos por quatro meses de rifam-
picina e isoniazida).

6.2. Derrame pleural parapneumônico

Derrame parapneumônico pode ocorrer em até 50% dos casos de pneumonia. Caracteriza-se
por ser um exsudato com predomínio de neutrófilos; seu aspecto macroscópico pode variar de ci-
trino a francamente purulento. Alguns critérios são marcadores de má evolução e caracterizam o
derrame como complicado: pH < 7,2; glicose < 40 mg/dL; DHL > 1000 UI ou pesquisa positiva para
agentes bacterianos (gram ou culturas). Nesses casos de derrame complicado, bem como no em-
piema (drenagem de conteúdo purulento), a necessidade de drenagem torácica (toracostomia) é
imperativa. Em casos não complicados, deve-se manter o mesmo esquema antimicrobiano inicia-
do, sem necessidade de drenagem.

6.3. Derrame pleural maligno

Habitualmente está relacionado à doença avançada e incurável, com sobrevida reduzida.


Pode corresponder à doença metastática (câncer de pulmão, mama ou linfoma) ou a primária da
pleura (mesotelioma). Pode ser apresentação inicial de doença metastática em aproximadamen-
te 25% dos casos.
Classicamente, gera um exsudato sanguinolento e recidivante. A presença de pH menor que
7,2 indica pior prognóstico, com expectativa de vida próxima a trinta dias.
Além da análise do líquido, achados de espessamento pleural (> 1 cm) ou diafragmático (> 7
mm) e nodularidade pleural observados na ultrassonografia ou tomografia de tórax corroboram
com o diagnóstico de malignidade.
Nem toda presença de derrame pleural em neoplasia denota acometimento pleural metastáti-
co, podendo também traduzir pneumonia por obstrução brônquica, embolia pulmonar ou linfangi-
te. Assim, uma avaliação pormenorizada é fundamental para o estadiamento e tratamento corretos.

481

LIVRO COMPLETO_01.02.indd 481 24/05/19 08:00


DERRAME PLEURAL

6.4. Embolia pulmonar

Cerca de 95% dos derrames por embolia pulmonar são unilaterais e, em sua maioria, não ne-
cessitam de toracocentese caso o diagnóstico já esteja estabelecido.
Naqueles submetidos à toracocentese, cerca de 80% correspondem a derrame exsudativo e
20% transudativo. O aspecto citológico pode variar de acordo com a duração do derrame, pre-
dominando polimorfonucleares na fase inicial e linfócitos em uma fase mais tardia. Apresenta-se
hemorrágico somente quando há infarto pulmonar associado.
A terapêutica baseia-se apenas no tratamento da própria embolia pulmonar, sendo a anticoa-
gulação plena suficiente na maioria dos casos.

7. CASO CLÍNICO

Paciente masculino, 45 anos, 65 Kg, tabagista, evolui há quatro semanas com dor torácica
moderada à esquerda, ventilatório-dependente, associado à perda ponderal (5 Kg no período),
febre vespertina, sudorese noturna e prostração intensa. Radiografia de tórax confirma derrame
pleural à esquerda. Toracocentese com líquido pleural compatível, pelos critérios de Light, com
exsudato, 600 células (75% linfócitos), ADA: 50 U, glicose 50 mg/dL, pH 7,35. Submetido a biópsia
pleural com presença de granuloma caseoso.

7.1. Prescrição

• Dieta oral livre.


• Dipirona 2 mL + ABD 10 mL EV 6/6 h se dor ou febre (T. ax ≥ 37,8 ºC).
• Rifampicina (150 mg) + Isoniazida (75 mg) + Pirazinamida (400 mg) + Etambutol (275 mg) – 4
comprimidos VO pela manhã.
• Enoxaparina 40 mg SC uma vez ao dia.
• Oxigênio por cateter nasal a 2L/min se saturação < 92%.
• Fisioterapia respiratória

REFERÊNCIAS

1. Porcel JM; Azzopardi M; Koegelenberg CF; Maldonado F; Rahman NM; Lee YCG. The Diagnosis Of Pleural
Effusions. Expert Review Of Respiratory Medicine, 2015;9(6):801-815.
2. Miserocchi G. Physiology And Pathophysiology Of Pleural Fluid Turnover. Eur Respir J, 1997;10:219-225.
3. Sahn SA. The Pathophysiology Of Pleural Effusions. Annu Rev Med, 1990;41:7-13.
4. Peters RM. Empyema Thoracis: Historical Perspective. Ann Thorac Surg, 1989;48:306e8.
5. Sahn SA. The Diagnostic Value Of Pleural Fluid Analysis. Semin Respir Crit Care Med, 1995;16:269-278.
6. Light RW et al. Pleural Effusions: The Diagnostic Separation Of Transudates And Exudates. Ann Intern Med,
1972;77:507-14.
7. BTS. Pleural Disease Guideline. Thorax 2010;65(Suppl 2).
8. Light RW. The Light Criteria. The Begging And Why They Are Useful 40 Years Late. Clin Chest Med,
2013;34:21-26.
9. Vargas FS; Teixeira LR; Marchi E. Derrame pleural. São Paulo: Roca, 2003.

482

LIVRO COMPLETO_01.02.indd 482 24/05/19 08:00

Você também pode gostar