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Componentes celulares do sistema nervoso

2ª aula
1. COMPONENTES CELULARES DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL
O sistema nervoso central (SNC) pode ser concebido como um instrumento
extremamente aperfeiçoado que permite ao organismo interagir com o seu ambiente. A
informação que provém do ambiente é analisada pelo cérebro, o que origina as
percepções. Algumas destas percepções são armazenadas; é o que se chama a
memória. O cérebro dá igualmente origem às ordens motoras que comandam os
movimentos dos músculos e do corpo.

A percepção, a memória e o comando motor, os três são realizados por unidades de


base, as células nervosas ou neurónios, muito pouco diferentes uns dos outros e que
podem contudo efectuar funções muito diferentes, mas isto graças essencialmente à
grande diversidade dos seus tipos de conexões. Estima-se que o sistema nervoso central
humano (encéfalo e espinal-medula) contém cerca de I.000.000.000.000 (=1012) células
nervosas, isto é aproximadamente o número de estrelas da nossa galáxia! Paralelamente
há também 10 a 50 vezes esse número de células gliais.

Num animal multicelular como é o ser humano a actividade depende da coordenação


precisa de muitas células individuais. O sistema mais importante para produzir a
coordenação rápida no corpo é o sistema nervoso. Os jogadores principais no sistema
nervoso são os neurónios ou células nervosas que comunicam a informação usando
uma combinação de sinais eléctricos e químicos. A maioria dos neurónios são
electricamente excitáveis, ou seja, os sinais eléctricos podem ser gerados através da
membrana do citoplasma destas células e ser transmitidos através de todo o comprimento
destas células sem perda da força do sinal, em consequência de um movimento dos iões.

Os neurónios conduzem os sinais eléctricos rápida e precisamente de modo a organizar e


dirigir as respostas fisiológicas através do corpo humano. Todos os neurónios no nosso
corpo, junto com as células gliais que lhes dão suporte, compõem o sistema nervoso, o
qual colecta e processa a informação, a analisa e canaliza o controlo das respostas
humanas, desde o estímulo mais simples até ao mais complexo.

Ainda que os padrões da actividade neuronal subjacentes ao comportamento sejam


apenas compreendidos completamente nalguns circuitos neuronais pequenos e
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relativamente simples, os neurónios individuais estão entre os tipos de células mais


estudadas, por diversas razões. Primeiramente, porque as suas propriedades eléctricas
podem ser convenientemente investigadas com as ferramentas das ciências físicas. Em
segundo, os resultados de tais estudos revelaram que os neurónios funcionam de modo
similar em todos os tipos de animais; assim os resultados obtidos no estudo dos
neurónios de uma determinada espécie são pronta e consequentemente aplicáveis aos
neurónios doutras espécies, como seja a humana. Por último, dos neurónios processam a
informação de uma maneira altamente sofisticada, mas ao fazê-lo contam com um
número surpreendentemente pequeno de processos físicos e químicos básicos. Assim, os
neurónios fornecem os caminhos que conectam o estímulo e a resposta para os sistemas
fisiológicos dos quais a vida humana depende.

1.1. CÉLULAS DO SISTEMA NERVOSO


Distinguem-se, no seio do sistema nervoso, dois tipos de células: as células gliais e os
neurónios. As primeiras, também conhecidas por células nevrogliais, constituem um
tecido de suporte do sistema nervoso, a nevróglia; as segundas são responsáveis pelo
funcionamento próprio do sistema nervoso, a condução do influxo nervoso.

As células gliais
As células gliais também chamadas glia ou nevróglia, são pequenas células
arredondadas, disseminadas por todo o SNC, 10 a 15 vezes mais numerosas que os
neurónios, mas que não têm a capacidade destes últimos de gerar influxo nervoso.

Distinguem-se três tipos agrupados em duas categorias:


- a macróglia, representada pelos astrócitos e os oligodendrócitos, de origem
ectodérmica;
-a micróglia ou fagócitos, de origem mesodérmica, análogos dos macrófagos do sangue.

O seu papel, se bem que menor que o dos neurónios, é todavia múltiplo e importante.
papel de tecido de suporte, papel de limpeza (eles removem do SNC os detritos que
poderão aí ter deixado as afecções ou ferimentos que o atingiram); (muito em especial os
oligodendrócitos); papel nutritivo e metabólico (participam no equilíbrio electroquímico dos
neurónios);

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Os astrócitos são células de grandes dimensões, de aparência estrelada, susceptíveis


de possuir prolongamentos especializados no relacionamento por contacto com outras
células ou estruturas: com neurónios, com os capilares, etc. Estas células gliais, que se
encontram tanto na substância cinzenta como na branca, desempenham, junto dos
neurónios, funções importantes, como a de nutrição, a de cicatrização de lesões
neuronais ou a produção de factores de crescimento. Mas, quando o seu funcionamento
enzimático se torna defeituoso, podem segregar produtos tóxicos e provocar perturbações
como certas formas de epilepsia.

Os oligodendrócitos são igualmente células de grandes dimensões e encontram-se


presentes sobretudo na substância branca. Com efeito, o papel primordial dos
oligodendrócitos é assegurar a fabricação da mielina - mielinização dos axónios e dos
dendritos, tanto no sistema nervoso central como no sistema nervoso periférico
(designando-se então por células de Schwann).

Os micróglios são células pequenas, particularmente numerosas na substância cinzenta,


sobretudo em torno dos capilares. São móveis e dotadas de aptidões fagocitárias pelo
que a sua função primordial parece ser a macrofagia de partículas indesejáveis, como por
exemplo, os restos de neurónios mortos, acabando por também ter um papel de defesa
imunitária.

Neurónios
As propriedades estruturais e funcionais dos neurónios de que trataremos nesta aula são
essencialmente propriedades elementares, comuns a todas as células nervosas, e
portanto não teremos em geral aqui em conta as diferenças de funções que elas podem
ter entre si. Os neurónios evoluíram com propriedades especializadas que lhes permitem
que recebam a informação, a processem e a transmitam às outras células. Estas funções
são executadas por regiões da célula identificáveis e anatomicamente distintas. As
diferentes regiões de um neurónio são caracterizadas por especializações no interior da
membrana citoplasmática e na arquitectura sub-celular. Ainda que os neurónios variem
extremamente na forma e no tamanho, podemos distinguir três regiões: o corpo celular ou
pericário, os dendritos e o axónio (ou cilindro-eixo) e respectiva parte terminal o
telodendro (Figura 1.1).

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O pericário (corpo celular ou soma) que mede 45 µ a 100 µ de diâmetro contém no seu
interior, como qualquer outra célula do organismo, um núcleo que contém o material
genético (cromossomas). Também é o centro metabólico do neurónio, portador das
instruções que controlam a produção das proteínas necessárias para o funcionamento do
neurónio e do equipamento estrutural e bioquímico (mitocôndrios, retículo
endoplasmático, aparelho de Golgi, etc.) destinado à síntese dos enzimas e das outras
moléculas essenciais ao funcionamento da célula. Nele se localizam os feixes de
neurotúbulos e das neurofibrilhas que se agrupam no interior do axónio e dos dendritos.
Habitualmente, o pericário apresenta-se esférico ou piramidal.

Figura 1.1 A morfologia dos neurónios varia do simples ao muito complexo, mas a maioria de neurónios
têm um pericário (ou soma), vários dendritos e um axónio. Alguns neurónios são simples na estrutura (por
exemplo, a célula bipolar da retina). Outros neurónios têm uma estrutura muito complexa (por exemplo, a
célula de Purkinje do cerebelo). Nalguns neurónios (por exemplo, células de Purkinje do cerebelo de
mamíferos e os neurónios motores da espinal medula dos vertebrados), os dendritos e o axónio distinguem-
se facilmente. Porém, noutros neurónios (por exemplo, células bipolares da retina e células de associação
dos mamíferos), nenhuma característica morfológica distingue claramente o axónio dos dendritos

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Do corpo celular nascem os dendritos, finas arborizações que constituem o aparelho


receptor do neurónio, recolhendo a informação proveniente de outras células. Os
dendritos são finos prolongamentos tubulares, numerosos e especializados, que se
ramificam em torno da célula nervosa. É através delas que o neurónio recebe os
estímulos provenientes de células epitélio-sensoriais e/ou de outros neurónios.

Do corpo celular nasce igualmente o axónio, prolongamento único de extensão muito


variável, desde alguns µ (micra) até cerca de 1,0 metro nos neurónios humanos. No caso
dos neurónios espinhais que enervam os músculos do pé, calcula-se, mantendo as
proporções, que se o corpo celular tivesse o tamanho de uma bola de ténis, o axónio
estender-se-ia por cerca de 1,6 km, embora com um diâmetro de apenas 13 mm.
O axónio é percorrido por feixes de neurotúbulos e neurofibrilhas, destinados ao
transporte de substâncias específicas. O axónio começa por um segmento inicial de forma
cónica, denominado cone de implantação ou cone axónico. Através dele, os sinais
partem do pericário com destino a outros neurónios ou a outras células.

O telodendro é a porção final e muito ramificada do axónio, através do qual o influxo


nervoso se transmite a outras células nervosas ou efectoras, tais como as células
musculares ou glandulares. A extremidade de cada ramo do telodendro denomina-se
botão terminal. É esta estrutura que intervém na formação de uma sinapse, através da
qual se transmite o influxo axónio-dendrito, axónio-pericário ou, mais raramente, axónio-
axónio

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Figura 1.2 Os axónios mielinizados estão de tal modo embrulhados por (a) células gliais de suporte
(oligodendrócitos) - ou seja que constituem a bainha de mielina - que apenas curtos segmentos da
membrana do axónio estão expostos, nos chamados nodos de Ranvier, aos fluidos do meio extracelular.
(b) Micrografia electrónica dos nodos de Ranvier.

O axónio representa a unidade condutora do neurónio. De facto o axónio assegura a


passagem às moléculas fabricadas no núcleo e transportadas ao longo do axónio até à
sua terminação (transporte axoplasmático). Como tal cada axónio constitui uma fibra
nervosa. Um conjunto de fibras nervosas constitui um feixe nervoso. Um conjunto de
feixes nervosos constitui um nervo. Nestas fibras nervosas distinguem-se dois tipos, as
mielínicas e as amielínicas, conforme o axónio é coberto ou não por uma bainha de
matéria gorda: a bainha de mielina. Esta mielinização resulta da deposição de várias
camadas de membrana citoplasmática feita por certos oligodendrócitos – as células de
Schwann – que se enrolam em volta do axónio, até 100 vezes. Esta mielinização
desempenha um papel essencial na rapidez de condução do influxo nervoso. A
velocidade de condução nervosa (VCN) está ligada à presença de estreitamentos
periódicos de cerca de 1 mm da bainha de mielina; os estrangulamentos anulares (1µm)
ou nodos de Ranvier (vide Figura 1.2). Dada a sua origem, compreende-se que a
mielina seja essencialmente constituída por fosfolípidos, e desempenhe uma função
isoladora no processo de condução do sinal eléctrico.

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Quanto à forma dos seus prolongamentos, distinguem-se quatro tipos de neurónios


(Figura 1.3): neurónios multipolares (os mais frequentes e presentes sobretudo no
sistema nervoso central humano) caracterizando-se pelo facto dos dendritos emergirem
de todos os lados do corpo celular; neurónios bipolares (com um único dendrito);
neurónios unipolares (entre eles os neurónios em T), existentes sobretudo nos
invertebrados; e neurónios pseudomonopolares (aparentemente têm um só
prolongamento que se bifurca, mas que na realidade é constituído pelo axónio e pelo
dendrito, independentes).

Figura 1.3 Classificam-se os neurónios, segundo a sua morfologia, em unipolares, bipolares e multipolares.
A: uma célula unipolar possui um único prolongamento que sai do soma ou corpo celular. Este tipo é
característico do sistema nervoso dos invertebrados. As células bipolares, como as da retina, representadas
em C, são caracterizadas por 2 prolongamentos, o axónio e o dendrito, de um lado e doutro do soma. As
células em T da raiz dorsal da medula (B) são chamadas pseudo-unipolares, estando os seus 2
prolongamentos fundidos numa curta distância, antes de se separarem. D: as células piramidais do córtex
cerebral são um tipo particular de células multipolares; apresentam vários dendritos que emergem da base
e um dendrito originado a partir do ápice (dendrito apical).

Quanto à função, os neurónios classificam-se em três grupos: os neurónios motores ou


eferentes, que controlam as glândulas e as fibras musculares; os neurónios sensitivo-
sensoriais ou aferentes, que recebem estímulos do meio envolvente e do próprio
organismo; os interneurónios, que estabelecem conexões entre neurónios, formando
circuitos complexos.

Os prolongamentos neurónicos têm uma importância capital, pois é graças a eles que um
neurónio estabelece os seus contactos com outros neurónios. O funcionamento do

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sistema nervoso depende do fluxo de informações que percorre os circuitos formados por
redes de neurónios. A informação é transmitida de uma célula a outra, em pontos de
contacto especializados, designados por sinapses. Assim, um neurónio de importância
média recebe 10 000 contactos. Certos neurónios do cerebelo, 150 000. Por aqui se vê a
incomensurável complexidade da rede assim realizada numa parte mesmo restrita do
sistema nervoso, muito mais considerável que os computadores actuais mais
aperfeiçoados.

De facto, só os neurónios possuem a propriedade característica da função nervosa, que é


a de gerar um sinal nervoso. A funcionalidade desta célula assenta na sua especial
aptidão para transmitir impulsos eléctricos, facto que decorre, entre outras, das seguintes
três características:
1) A configuração específica, dessas células;
2) A membrana citoplasmática ser capaz de engendrar impulsos eléctricos;
3) O desenvolvimento de uma estrutura particular, a sinapse, destinada a transmitir a
informação de um neurónio ao seguinte.

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