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Lorenzo Fernandez – Imbapara

Texto publicado no Programa de Concerto da - OSESP - Orquestra Sinfônica do Estado de


São Paulo, Fevereiro de 2000. Projeto Criadores do Brasil.

Susana Cecilia Igayara

Imbapara foi escrita para ser um bailado coreográfico, gênero muito adotado
na primeira metade do século XX no Brasil.
O Poema Sinfônico, que tão bem serviu ao romantismo e muito se adaptava ao
desejo de trabalhar temáticas bem brasileiras, ganha ainda mais força quando
associado ao balé. Além de ser um gênero explorado por outros grandes compositores
(basta pensar em Stravinsky), a profusão de balés ou bailados, associados a temáticas
indígenas e negras, fez parte do projeto de valorização dos aspectos étnicos, ao
mesmo tempo em que buscava atrair um público cada vez maior para o ambiente de
concertos, através do elemento visual e do poder da dança.
Estreada em 1929, pela Sociedade de Concertos Sinfônicos do Rio de Janeiro
(a mesma que teve Braga e Nepomuceno como regentes), só seria montada em forma
de bailado em 37, com o autor como regente. Já em 42 a obra seria gravada pela
Orquestra do Sindicato Musical do Rio de Janeiro, sob regência de Francisco
Mignone.
Desde sua criação, Imbapara passou a ser uma das obras mais comentadas de
Lorenzo Fernandez. Construída a partir do tema indígena conhecido como Nozani-ná,
gravado por Roquette Pinto entre os índios Parecis, este poema sinfônico inicia com
um Moderato Misterioso, com o tema apresentado em quintas paralelas pelas
clarinetas, violas e violoncelos. Estas sonoridades combinadas costumam ser descritas
pelos músicos como escuras. Propícias, portanto, para ambientar o ouvinte na mata,
onde um guerreiro indígena foi capturado pela tribo inimiga e passa sua última noite
antes da execução.
Aos poucos, a gama orquestral vai sendo ampliada, assim como o perfil
melódico e harmônico, que vai revelando um ambiente pentatônico sobre o qual é
construída a obra. A ideia do uso do pentatônico é sugerir o ambiente indígena,
fugindo, portanto, das escalas tonais. Embora essa sonoridade não seja, hoje, muito
reveladora da música indígena de que temos conhecimento, vale lembrar que o que
Lorenzo Fernandez conhecia da música indígena, na verdade, restringia-se aos temas
recolhidos por pesquisadores e ao uso de instrumentos como o maracá, que ele
incorpora na orquestração.
As particularidades timbrísticas de instrumentos solistas serão bastante
exploradas, criando uma espacialização que os ressalta da massa orquestral. Nessa
condição ouviremos, por exemplo, o corne-inglês, a harpa, as clarinetas, o violino
solo, o trombone, oboés, trompas, trompetes. Se quisermos seguir o roteiro de Basílio
de Magalhães, sobre o qual Lorenzo Fernandez baseou sua obra, talvez encontremos
personagens ou paisagens para estes instrumentos. À medida em que a obra se
desenvolve, sempre tendo por base o mesmo tema indígena, percebemos uma
sucessão de quadros, em que uma maior liberdade de composição vai tomando forma.
O tema é desmembrado, novas sonoridades surgem, melódica e harmonicamente,
rumo ao Allegro Maestoso e Bárbaro final. Com a mesma técnica que Lorenzo
Fernandez mostrará em outras obras, cria efeitos orquestrais de grande impacto.
Entre os episódios de Imbapara, para aqueles que gostam de imaginar cenas
musicadas a partir de um roteiro, há uma cena de amor, a cerimônia de sacrifício do
herói e uma dança final de vitória.

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