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f < \s 4 i > \ i \ ! i i \ José Valadares
ABBÉ MOREUX

A Ciência Misteriosa
dos Faraós

TRAD. DE FR E IR E G O U V E IA

( II ED IÇ Ã O )

Livraria PROGRESSO Editora


Praça da Sc, 26
B A H IA C idade do Salvador B R A S iL
1956
CAPÍTULO PRIMEIRO

O SEGREDO DA ESFINGE

Talvez seja ousadia um astrônomo vir ocupar-se


de assunto reservado aos arqueólogos. A Egiptologia,
a Assiriologia, a decifração dos hieroglifos e dos ca­
racteres cunciformes, constituem hoje verdadeiras
ciências, e domínio privativo de raros iniciados. Os
profanos, como nós, não têm o direito, parece-nos,
de transpor a porta do templo. Aceitamos isto, em­
bora o tempo de hoje não seja mais, em matéria de
interpretação e de crítica, aquele em qus todos se
contentavam com o “magister dixit”. A ciência, ao
menos em suas conclusões, a todos pertence e todos
nós experimentamos es-sa necessidade de saber e de
averiguar, tão característica da nossa época, cética
e incrédula.
Outrora, os usos e costumes, os grandes feitos
dos antigos reis, bem como as narrações bíblicas,
eram tidos como belas legsndas. Os enciclopedistas
tinham-nos como tais; os sábios contemporâneos
de Champollion eram da mesma opinião. Os filó­
sofos, porém, os poetas e os literatos, €m grande
número, tirando proveito da ignorância comum,
6 ABBÉ MOREUX

procuraram pescar em águas turvas e imaginaram


cronologias, genealogias, histórias fantásticas, des­
tinadas a fazer-nos admitir a antiguidade fabulosa
dos chineses e dos indús. Nessas regiões de sonho,
quase desconhecidas, — dizem-nos — nasceram os
dogmas das nossas religiões modernas.
Ora, a verdade proveio de onde ninguém espe­
rava: da astronomia, a mais longínqua das ciências.
Todos os povos cultivaram-na; desde os primeiros
tempos, o céu estrelado, o movimento dos astros, os
fenômenos relativos ao sol e à lua, despertaram a
imaginação dos homens; a história do céu foi re­
gistrada, paralelamente, à da terra, e, em última
análise, a arqueologia moderna vê-se reduzida a
consultar a astronomia, para fixar a data de acon­
tecimentos remotos.
Assim é que as lendas chinesas ou indús, que
datavam ds inúmeros milênios antes da era cristã,
não resistiram a uma crítica séria e rigorosa. Os
eclipses certos, registrados pelos sábios chineses,
não remontam, de certo, a mais de 4.400 anos;
quanto às tábuas astronômicas dos Indús, sabemos
hoje que foram calculadas tarde e às pressas.; o livro
dos Vedas, cujas versões não foram recolhidas intei­
ramente, e diferem <em sua totalidade, é posterior
a Moisés. Quanto, à coleção científica do Suria Si-
âanta, que os brâmanes faziam remontar a milhares
de anos e que constituiria, em todo o caso, o mais
antigo manuscrito do mundo, parece muito poste­
A CIÊNCIA DOS FARAÓS 7

rior à introdução da astronomia grega na índia, e


dataria, no máximo, do XI século da nossa era, Até
a lenda de Cristna não passa de um plágio grosseiro
do Evangelho, e aqueles que vêem nos livros sagra­
dos da índia a origem da nossa Moral ou das Santas
Escrituras, poderiam pelo mesmo processo fazer de­
rivar estas, do famoso Alcorão, escrito por Maomé!
Hoje em dia, ninguém o contestará, no Egito é
que é preciso procurar, gravado:, na pedra, os mais
antigos testemunhos do pensamento escrito.
Provavelmente, pelo ano 4.000 antes de Cristo,
o Egito foi invadido por tribos errantes, que se fixa­
ram nas margens do Nilo. De onde vieram os, recem-
chegados? Muitos historiadores, depois dos gregos,
atribuiram-lhes origem africana, mas, depois dos
trabalhos de Maspero, concedem-lhes antes origem
semita. De acôrdo com a narração bíblica, a crítica
moderna os faria, pois, vir da Ásia, berço dos povos
primitivos; descendentes de Sem, com efeito, ocupa­
ram a Assíria e poderiam, muito bem, passar daí
para a Caldéia, depois para o Egito. Isto nos expli­
caria como certas tradições astronômicas, sôbre as
quais voltaremos a falar, puderam chegar ao impé­
rio dos Faraós.
Acrescentemos, todavia, que, segundo os egiptó-
logos mais sérios, as raças que povoaram, primitiva­
mente, o Egito, resultavam já d,a certa mistura. Aos
semitas se tinham, sem dúvida, ajuntado os camitas,
8 ABBÉ MOREUX

vindos das costas do oceano Indico e do território


adjacente à Babilônia, Com efeito, o vale do Nilo
era chamado Chemi e as inscrições assírias chamam
os egípcios de Musri, nomes que lembram Cam e seu
filho Misraim.
Não darei aqui todos os detalhes; êstes são, con­
tudo necessários para se compreender a seqüência
O grande público, que parece se interessar muitís­
simo pelas pesquisas recentes, realizadas no vale dos
Reis, confundem muitas vezes os faraós, de que se
fala; ignoram, geralmente, que as dinastias dêsses
grandes de outrora se escalonam por cêrca de 35
séculos!
As dez primeiras dinastias, com a de Menés à
frente, reinam em Menfis, no baixo Egito; as dez
seguintes em Tebas, muito mais ao Sul. O vale dos
Reis, de que tanto se fala, foi a necrópole da 19.a
dinastia; foi aí que Sete I fez o seu túmulo, exeava-
ção enorme, qua atinge a mais de cem metros nos
flancos dos rochedos. O império dos faraós deveria
durar mil anos ainda, e foi somente na 26 a dinastia,
que Cainbises, rei dos persas, conquistou o Egito
(525 A. C.).
Compreender-se-á agora melhor, porque os ver­
dadeiros egiptólogos reservam tôda a sua atenção
para 03 túmulos reais mais antigos, contemporâneos
de uma época em que a civilização não tivera ainda
tempo de alterar as tradições primitivas.
A CIÊNCIA DOS FARAÓS 9

De Menès (1), o primeiro faraó que, dizem os


historiadores, fez a unidade da nação egípcia, igno­
ramos quase tudo; o interêsse começa apenas com
a chegada dos reis da IV dinastia: Kéops, Kefren e
Micerino. É dessa época longuínqua, situada pelo
de 1.500 A. C., que datam as Grandes Pirâmides.
Na maior parte delas, na de Koóps, o khuvu
das inscrições hieroglíficas, admiramos suas pro­
porções fantásticas. Diante dêsse amontoado colos­
sal de blocos empilhados por exércitos de escravos,
o espírito é presa do terror e pensa involuntaria­
mente no fim a que visavam os faraós •&os sacerdo­
tes egípcios, acumulando êsses enormes rochedos,
talhados regularmente em tôdas as faces e dispos­
tos sob forma geométrica definida.
Os guias que não faltam na região, os livros que
consultardes no momento, 03, arqueólogos que deci­
fram à lupa as inscrições hieroglíficas, dir-vos-ão
que as pirâmides são apenas, colinas funerárias, ou
melhor, túmulos dos reis poderosos daqueles tempos
longínquos. Quanto luxo, quantos esforços, quantas
vicias humanas empregadas em perpetuar a lem­
brança das dinastias egípcias!
Compreendem-se 03 templos gigantescos levan
tados aos Budas indianos, os santuários arruinados
(1) Menés reinou cêrca de 3.800 anos A. C. Descobertas
recentes, reduziram m uito as cifras relativas à antiguidade das
prim eiras dinastias. — Cf. Contenau, A Civilização Assírio-
Babiiônica, Paris, 1922.
10 ABBÉ MOREUX

de Menfis e de Lucsor; os que vierem depois de nós,


quando as nossas civilizações modernas desapare­
cerem, compreenderão muito bem as ruinas de
nossas catedrais góticas levantando aos ceus suas
florestas de pilares.
Há, aí, uma homenagem prestada à divindade,
a expressão de um culto que encontramos por toda
a parte onde viveu o homem, em tôdas as épocas da
história e até da pre-história.
Contudo, amontoarem-se milhares de metros
cúbicos de rocha geomètricamente talhada para
honrar um rei da Terra, para amortalhar uma
múmia atada, embalsamada e dissecada, parece ser
neste caso, um prodígio da aberração do orgulho
humano, e a razão, que busca a causa verdadeira
das grandes empresas, não se dá por satisfeita
quando um arqueólogo, seja êle o mais erudito dos
sábios, vem nos afirmar que as pirâmides são ape­
nas os túmulos dos faraós.
E, todavia, os fatos parecem dar à hipótese real
verossimilhança.
Cada pirâmide compreende corredores, ante-
câmaras, câmaras funerárias, cujas entradas eram
habilmente dissimuladas pelos arquitetos: assegu­
ravam assim, pensavam, a inviolabilidade do túmulo
até certo ponto,
O monumento deveria ser orientado segundo os
quatro pontos cardiais; contudo, quer por negligên-
A CIÊNCIA DOS FARAÓS 11

Esta estátua dem onstra que a arte egípcia estava já em


adiantado grau de desenvolvim ento antes da época da
construção da grande Pirâm ide de Keóps.
12 ABBÉ MOREUX

cia, quer por inabilidade, essa orientação não é mais


precisa do que a das nossas catedrais e dos nossos
santuários de hoje, cujos frontespícios, por tradição,
deveriam ser voltados para leste.
Hieróglifos, decifrados por Campollion, cobriam
as paredes internas, dos corredores e das câmaras.
Eram narrações entusiastas dos grandes feitos do
defunto, tudo perpetuando sua memória através dos
séculos, futuros; essas grandiosas narrações do pas
sado deveriam assegurar ao seu duplo e à sua alma,
alimento suficiente para a vida no além-túmulo.
E, de fato, certas pirâmides conservam ainda
em suas câmaras fúnebre?, as múmias reais alí depo­
sitadas desde muitos séculos.
Mas, teriam sido essas, pirâmides construídas
com o único objetivo de servir de túmulo?
Afirmando-o, os arqueólogos modernos pode­
riam muito bem cometer um êrro tão grosseiro,
quanto o dos sábios que, daqui a sessenta séculos,
escavando as ruinas e as criptas de nossas catedrais,
descobrindo os túmulos dos nossos bispos ou dos
nossos reis, concluissem, por êsses interessantes
achados, que os nossos maravilhosos monumentos
tinham sido levantados em honra de seus ossos.
Em muitos casos, as pirâmides egípcias servi­
ram de túmulos, mas uma idéia mais elevada, pa­
rece-nos, deveria ter presidido à sua construção.
A CIÊNCIA DOS FARAÓS 13

Ademais, o que poderia demonstrá-lo é precisa­


mente a existência da maior delas, a de Kéops,
construída sob a quarta dinastia, que reinou cêrca
de 2.500 anos A. C.
A sua construção é extremamente esmerada
mas nela quase não se encontra traço algum de
inscrições.
Até à conquista árabe, teve um revestimento
de pedras de diversas côres, tão habilmente reunidas
que davam a impressão de um só bloco, da base ao
vértice.
Gastou-se muito tempo para se descobrir a en­
trada dos corredores que davam para as câmaras
internas. Estas, em número de três, receberam
nomes fantásticos: câmara do rei, câmara da rainha
e câmara subterrânea. Elas não apresentam traço
algum de decoração, nem indicação alguma que nos
informe a respeito do fim a que se destinavam.
No lugar do sarcófago, na câmara do rei, er­
guia-se uma pia de pedra maravilhosamente ta­
lhada.
A Grande Pirâmide não é, pois, um túmulo.
Então, com que finalidade foi levantada?
Mistério.
Os sacerdotes egípcios, êsses maravilhosos sábios
da antiguidade, quereriam fixar num monumento
14 ABBÉ MOREUX

imperecível os dados preciosos que haviam acumu­


lado sôbre a ciência dos astros e as noções cientííi
cas de sua época? Porque não?
Mas, então nos vangloriamos de descobertas
feitas há seis mil anos!

Outra questão; como os sábios desses tempos


longínquos chegaram a conhecer a forma da terra,
a medir o planeta, a pesá-lo; que meios tinham à
sua disposição para pr-escrutar as profundezas do
oeu, para ter uma idéia da distância do sol à terra?
Pois, conforme o veremos, todos êsses dados
parecem resultar das mensurações da Grande Pi­
râmide.
A CIÊNCIA DOS FARAÓS 15

Porém, o mecanismo pouco importa; os fatos


aí estão; diante das provas perturbadoras, diante
das revelações numéricas dêsse imperecível monu­
mento, diante das indicações e dos informes que nos
dá sôbrs a ciência egípcia, compreende-se a atitude
da Esfinge monstruosa que, olhos voltados para o
horizonte distante, deveria guardar os segredos dos
sacerdotes antigos.
CAPÍTULO II

•AS BS VELAÇÕES NUMÉRICAS BA GRANDE


PIRÂMIDE

Os antigos consideravam •á Grande Pirâmide,


como unia das sete maravilhas do mundo. Com a
altura de cêrea de 150 metros, com mais de cinco
hectares cie base, é certo que ela não é comparável
a nenhum edifício erguido pelas mãos humana*?, e
constitui ainda um espanto para os arquitetos e os
engenheiros modernos, pensar nos meios empre­
gados para amontoar tal montanha de pedras.
É muito provável que à medida que ia sendo
construida, erguiam-se planos inclinados até à altu­
ra em que trabalhavam. É pelo menos o que se deve
concluir das indicações que o tempo não pôde ainda
destruir. “Levaram-se dez anos, diz Herodoto (II
124) a construir estradas por onde se deveriam
arrastar as pedras. Elas constituem uma obra não
menos notável do que a própria Pirâmide, pois têm
925 metros de comprimento por 19 da largura, e 15
de altura na maior elevação; é de pedras polidas e
ornada de desenhos de animais”.
18 ABBÉ MOREUX

Os blocos que conduziam, inteiramente talha­


dos, eram consideráveis, apresentando alguns mais
de dez metros de comprimento. A. Moret cita um
bloco de granita, assinalado no templo fúnebre que
precede à pirâmide de Kefren, cujo volume era de
mais de 170 metros cúbicos e cujo pêso era de mais
de 470 toneladas. Detalhe digno de nota, —■ as
pedras são de tal modo ajustadas que passando-se a
lâmina de um canivete na sua superfície, não se des­
cobre a linha que as separa, se bem que não tenham
sido rejuntadas com argamassa. Hoje em dia, como
o assinalou um dos principais cinzeladores norte-
americanos, não dispomos de máquinas tão aperfei­
çoadas, que possam aplainar duas superfícies de dez
metros de comprimento que se ajustem de modo
tão perfeito, como as pedras da Grande Pirâmide.
O conjunto da construção pesa cêrca de seis
milhões de toneladas, o qus eqüivale a dizer, seriam
necessárias seis mil locomotivas puxando cada uma
mil toneladas, para transportá-la; a riqueza atual
do Egito não daria para pagar os operários encarre­
gados de demolí-la. Seu construtor, quem quer que
temia sido, tinha em vista, pois, um monumento
perene.
Com efeito, conforme já assinalei, a alteração
de sua superfície sòmente ocorreu depois da conquis­
ta árabe; as suas dimensões foram forçosamente
alteradas, mas é fácil retificá-las, como Piazzi-Smith
fez noi tempos modernos.
A CIÊNCIA DOS FARAÓS 19

Segundo êsse astrônomo, a quem devemos tra­


balhos da primeira ordem sôbre êsse antigo monu­
mento, a Pirâmide de Kéops tinha por base um
quadrado de 232m.805 de lado e 148m.208 de altura,
Não nos espantemos das, decimais até milímetros:
o fato é que os arquitetos da época calcularam tôdas
as dimensões com as suas unidades de medida, pole­
gadas, e côvados.
As primeiras revelações sôbre a Grande Pirâ­
mide rrmontam aos fins do século XVIII.
Quando os sábios da expedição de Bonaparte
resolveram efetuar a triangulação do Egito, a Gran­
de Pirâmide lhes serviu de ponto de partida do
meridiano central, que tomaram como origem das
longitudes na região. Ora, qual não foi seu espanto
quando notaram qu© as diagonais do monumento,
prolongadas, abrangiam perfeitamente o delta for­
mado pelo Nilo em sua foz; que o meridiano, isto é,
a linha norts-sul, passando pelo seu vértice divide
êsse mesmo delta em dois setores rigorosamente
iguais.
Isto não poderia, evidentemente, ser dsvido ao
acaso; êste resultado foi propositado, e é preciso que
concluamos que os construtores dêsse imenso mo­
numento eram geômetras de primeira água.
Pura coincidência, dirão. Talvez; confessai,
contudo, que a prova é muito perturbadora.
20 ABBÉ MOEEUX

Já aludimo.3 à orientação das pirâmides, cujas


íaoss deveriam olhar para os pontos cardiais. Sm
todos os casos — exceto o da Pirâmide de Kéops —
essa condição está longe de ser realizada: é que há
nisso verdadeira dificuldade, contra a qual se cho­
caram, em todos os tempos, os melhores arquitetos.
Temes felizmente a bússola, mas todos sabem que
a agulha imanada sjó indica realmenta o Norte
magnético; para cada dia, em todos os anos e em
todos os lugares, devemos usar correções.
Resta o método astronômico, — o Norte indi­
cado pela estrela polar; êste ainda é um dado im­
preciso, e eis porque: a estrela polar, que é sufici­
ente para a orientação, no ponto de vista prático,
não ocupa exatamente o polo celeste; atualmente,
ela descreve em tôrno dêsse ponto ideal, marcando
no ceu a linha do eixo terrestre prolongado, uma
pequena circunstância de 1°8’ de raio, o que vale
dizer, em bom português, que entre a polar e o
polo, há espaço para duas luas cheias. Ademais, a
estrela que hoje batizamos com o nome de Polar,
não mereceria essa denominação há 4.000 anos. Em
virtude do movimento da terra, o eixo do globo,
aponta sucessivamente! para pontos diferentes e é
necessário um intervalo de 25.800 anos para recon-
duzí-lo à mesma posição. Em 13.000 anos a polar
será Véga, o belo sol azul da constelação da Lira, e,
na época da construção da Grande Pirâmide, a Pa*
A C I Ê N C IA DOS FARAÓS 21

lar estava na posição dc, uma estrela da constelação


de Dragão.

As cilagcnais cia grande Pirâm ide, prolongadas, lim itam ,


exatam ente, o D elta do Nilo, e o m eridiano que passa
peío vértice do triângulo assim traçado, divide o D elta
em duas partes iguais,

Para determinar o polo celeste é preciso, pois,


recorrer a outros artifícios. Ora, os antigos astrôno­
mos estavarn longe de possuir instrumentos tão pre­
ciosos como qs nossos. E assim é que o famoso Tycho
Brahe, quando quis orientar seu célebre Observa­
tório de Urianemburgo, apesar de tôdas as suas
precauções, só cometeu um êrro de 18 minutos de
22 A BB É M O R E U X

a rco ... e notai que isso se passava em 1577, há


apenas três séculos e meio.
Seja por negligência ou imperícia, o Observa­
tório de Paris não é melhor orientado. Ora, qual não
foi ainda o assombro dos astrônomos, quando verifi­
caram que a orientação da Grande Pirâmide era
exata com a aproximação de 5 minutos, com um
êrro de cêrca de 4’35”.
p o la r *— — *
* i

LIRA VEGA
Deslocamento do Folo celeste num período de 26.000
anos, aproximadamente. Os números indicam as datas,
antes ou depois de Cristo.

Desta vez, o ,sistema das coincidências parece


bem inadmissível e é preciso confessar que os cons­
A CIÊNCIA DOS FARAÓS 23

trutores egípcios, contemporâneos da Grande Pirâ--


mide, eram mais fortes do que Tycho Brahe.
Os métodos de fixação do pólo celeste devem
ter-sõ perdido pouco depois, vez que, a orientação
das pirâmides, construidas mais tarde, é muito má;
os próprios Gregos, parecem não estar melhor infor­
mados a êste respeito e foi Piteas, de Marselha,
quem, no ano 339 antes da nossa era, primeiro reco­
nheceu o afastamento entre a Polar e o pólo celeste.
Tudo quanto acabamos de assinalar supõe ape­
nas observações no local. A rigor, pode-se admitir
que os arquitetos da Grande Pirâmide tenham me­
dido o delta do Nilo e fixado suas dimensões, mas a
continuação se explica menos facilmente.
Hoje, a terra foi percorrida em todos os senti­
dos; os sábios de tôdas as nações, desde séculos, que­
bram lanças para encontrar um meridiano origem
das longitudes. Depois de muito tempo hesitar, esco­
lheu-se o de Paris, onde se efetuaram pela primeira
vez as medidas do arco de um gráu; a Inglaterra,
sempre ciosa despojou-nos em proveito do meri­
diano de Greenwich, e eis que agora percebemos,
tarde demais, que, com efeito, o meridiano ideal é o
da Grande Pirâmide.
Porque êsse privilégio? Em primeiro lugar, por­
que é o que atravessa mais continentes e menos
mares. É aliás, exclusivamente oceânico a partir do
estreito de Behring e, circunstância mais notável
24 ABBÉ MOREUX

ainda, se calcularmos exatamente a extensão das


terras habitáveis, acharemos que êsse famoso meri­
diano as divide em duas porções rigorosamente
iguais.
Tenho, pois, razão para qualificá-lo de ideal,
porquanto é o único a se basear na natureza das
cousas, o único, em conseqüência, que tem verda­
deira razão de ser.
Os construtores da Grande Pirâmide teriam
percorrido o globo e levantado as respectivas cartas
geográficas?
Não é tudo: levantemos um paralelo pelo 30°
grau de latitude Norte; que observamos? O exame,
até superficial, nos demonstra que êsse círculo tra­
çado em torno da terra, é o que contem maior ex­
tensão continental. Ora, é precisamente nesse pa­
ralelo que se acha construída a Grande Pirâmide.
A posição do monumento em relação ao 30° pa­
ralelo, devo dizer, é apenas aproximada e alguns
espíritos timoratos voltariam ao sistema das coin­
cidências. Outros concluiriam por pequeno êrro de
determinação. Êsses dois pontos de vista, em minha
opinião, falham diante dos fatos. A posição obser­
vada de 29° 58’51”, em lugar de 30° exatamente,
me parece proposital, e eis aqui a prova: se o
arquiteto calculasse o lugar do monumento de modo
que um observador colocado ao pé da construção
visse o pólo do ceu à altura de 30° exatamente, de-
C IÈ N CIA
DOS
FARAÓ
O m eridiano da grande Pirâm ide é o que atravessa a m aior extensão continental; divide,
também , as terras emersas, a Ocidente e O riente, em dois grupos de igual superfíeie.
IO
CA
26 ABBÉ MOREUX

veria com precisão dar-se conta dé um fenômeno


conhecido pelo nome de refração atmosférica. Ein
virtude da densidade das camadas do ar, um raio
luminoso que penetra em nossa atmosfera, è des­
viado de sua rota; não o vemos em sua posição real.
Ora, no caso presente, o cálculo mostra que o meio
da pirâmide deve ser teòricamente de 29°58,5Í” e
22 centésimos.
As duas cifras são pois absolutamente idênticas,
aproximadamente até 22 centésimos de segundo; o,
êrro é insignificante e a concordância não pode ser
mais perfeita.
Supondo que nos achamos na presença de coin­
cidências fortúitas, é preciso confessar que' são, pelo
menos, muito notáveis; © estamos longe de as hav?r
esgotado.
Se passamos, com efeito, a outra ordem da
idéias, tôdas especulativas desta vez, vamos fazer
também curiosas observações.
Conta-nos H&rodoto, que os sacerdotes egípcios
lhe informaram que as proporções estabelecidas
para a Grande Pirâmide entre o lado da base e a
altura, eram tais que “o quadrado construído sôbre
a altura igualava exatamente a superfície de cada
face triangular”, e é bem isto o que verificaram as
mensurações modernas.
Esta indicação demonstra que afinal de contas,
em todos os tempos, a Pirâmide de Kéops foi, não
A CIÊNCIA DOS FARAÓS 27

um. túmulo, mas um monumento, cujas proporções


foram calculadas de modo a materializar, digamos
assim, noções numéricas e relações matemáticas,
dignas de serem conservadas.
Aliás, tudo no monumento, lembra relações nu­
méricas: a Pirâmide tem 4 lados de base ( 2 x 2 ) ; 4
arestas no seu volume; 5 faces, 5 ângulos. Ora, êstes
números 2 e 5, repetidos duas vezes, são caracterís­
ticos do sistema decimal, que, da fato, é o sistema
numérico da pirâmide. Ademais, achamos que os
números 3 e 7 desempenham aí papel muito signi­
ficativo.
Mas, há melhor. Todos já ouviram falar, mais
ou menos, sôbre a quadratura do círculo, procurada
ainda por alguns espíritos extravagantes. Esta
idéia é muito antiga, e vale a pena ser perquirida
aqui.
Aprende-se em geometria a construir superfí­
cies equivalentes, como por exemplo, a transformar
um retângulo num triângulo equivalente, vale di­
zer, com a mesma superfície, ou ainda a calcular o
lado de um quadrado equivalente, em superfície, a
uma dada figura. Isto eqüivale, pois, a calcular a
superfície da figura e tomar-lhe a raiz quadrada.
Ora, o problema logo passa para o círculo: sen­
do dado um círculo qualquer, construir por meio
da régua e do compasso, um quadrado de superfície
equivalente, ou “achar a sua quadratura’’, como
diziam os antigos.
28 A BB É M O R E U X

A solução deste problema pressupôs que se sai­


ba, previamente, calcular a superfície do círculo;
ora, esta depende de sua circunferência, cujo valor
está ligado ao diâmetro. Qual a relação existente
entre essas duas grandezas? Tôda a questão aí está.
À primeira vista, o problema parece simples: um
fio enrolado em tom o de um cilindro mostra ime­
diatamente que o comprimento da circunferência é
mais de três vezes, e menos do que quatro vezes, o
diâmetro, mas a dificuldade aparece quando se
trata de precisar o número intermediário entre
3 e 4.
Assim, êsfce problema apaixonou toda a anti­
guidade. A história conservou-nos os nomes daque­
les que tentaram a quadratura do círculo, e dentre
estes achamos o de Meton, o autor do famoso ciclo
conhecido pelo nome, em nosso calendário, de Nú­
mero de ouro. É de crer que os cálculos do sábio
chamaram a atenção do público, pois vemos o pró­
prio Aristofanes levar à cena os matemáticos. Eii
um fragmento do diálogo entre Meton e certo Pis-
téteros, que lhe dá a réplica, na Comédia dos
Pássaros:
Meton: — Vim à sua casa p a ra ...
Pistéteros: — Eis aqui um outro. Que vem fa­
zer aqui? Que deseja?
Meton: — Quero medir o ceu e dividí-Io em
gsiras.
A CIÊNCIA DOS FARAÓS 23

Pistéteros: — Olá, quem é então você, por to­


dos os deuses?
Meton: — Sou o famoso Meton, conhecido em
toda a Grécia como na própria Colonia.
Pistéteros:— Mas, diga-me, que instrumentos
traz você aí?
M&ton: — São réguas para medir o céu. Porque
saberá vccê logo, que o ceu é feito tal como um
forno. Eis por que, aplicando-se por cima essa régua
curva, pondo depois o compasso... Você compre­
ende perfeitamente?
Pistéteros: — Eu? Não entendo patavina. . .
Meton: — Aplicarei uma régua reta e tomarei
tão bem m inhas dimensões, que farei de um círculo
um quadrado e traçarei o Forum no centro. Aqui
terminarão, vindas de tôdas as partes, ruas retas,
semelhantes aos raios do sol, (raios do círculo), que
é também redondo.
Pistéteros: — Pelo que vejo, êste homem é um
segundo Tales. Meton. . .
Meton: — Pois bem, que há?
Pistéteros: — Gosto de você. Creia-me, retire-
se o mais breve* possível.
Isto se passava na segunda metade do século
5.° antes da nossa era. Dois séculos mais tarde, Ar-
30 ABBÉ MOREUX

quimedes deu ura passo à frente nesta questão, de­


monstrando que a relação entre a circunferência e
o diâmetro está compreendida entre
10 10
3 -f ■
— e 3 f —
70 71
De referência ao primeiro valor, adiam os. . . .
3,1428, que é exato, para as primeiras decimais,
Todavia, o problema perdeu interêsse, depois
que os matemáticos modernos demonstraram que a
relação da circunferência com o diâmetro, repre­
sentada pela letra grega n ou Pi, é incomemurá-
vel, (1) vale dizer que as duas grandezas não po»
dem ter uma medida comum.
Pode-se hoje calcular êsse número com tc.ntas
decimais, quantas se desejar e já no século XVI,
Adriano Romano (2) dava 15 decimais exatas.
Assim a quadratura do círculo é impossível,
mas pode-se admitir como valor muito aproximado
da relação da circunferência com o diâmetro:
3,1415928, e praticamente 3,1416, como se acha em
tôdas as geometrias. Os métodos empregados para
<1) A letra grega rr ou P i foi adotada para designar a
relação constante da circunferência para o diâm etro, por que
é &. inicial de periferia, que significa, em grego, circunferência.
Ver, ainda, em P ara com preender a Á lgebra e P ara com preén-
ã e r a> G eom etria Flana, pelo abade Th. M oreux, Dion, Editor,
Paris, o significado da palavra incom ensurável.
(2) Van Roomen, conhecido como A driano Romano, n as.
ceu em 1561 em Luvania, onde ensinou M atem ática.
A CIÊNCIA DOS FARAÓS 81

se chegar a ês"e resultado foram desconhecidos da


antiguidade clássica; baseam-se em considerações
muito modernas. E contudo vamos ver que essa
constante Pi, procurada durante tantos séculos, se
acha materializada, digamos assim, na Grande Pi­
râmide.
Com efeito: somemos os quatro lados da base
do monumento, cujo valor era primitivamente de
232m.&05; teremos para o primeiro 931m22 ou seja
4 x 232,805 = 931,22.
Dividamos agora o comprimento desse períme­
tro, por duas vezes a altura da Pirâmide que, na
época cie sua construção, era de 148m,208 e encon­
traremos o valor de Pi.
931,22
Com efeito:--------------- --3,1416
2 x 148,208
Note-se que êsse resultado não seria muito aci­
dental, pois segundo a lei formulada por Herodoto,
e por nós já mencionada, o ângulo das faces de­
veria ser de 51°49\ Ora, êste ângulo é realmente de
51°51, e daí resulta que a relação do perímetro, ou
da soma dos quatro lados da base retangular para
com a altura, é igual a 3,1416 x 2, isto é, igual à
relação entre a circunferência de um círculo e seu
raio. Assim, êste monumento, único no mundo, é
bem a consagração material ds um grande valor,
pelo qual o espírito humano dispendeu esforços ini­
magináveis.
32 ABBÉ MOREUX

Em que fonte os seus construtores auriram es­


sas noções? Sempre o mesmo mistério!
Afinai, desde essas primeiras verificações, acha­
mos êsse número desemp&nhando notável papel no
traçado dos cortes feitos sob diversos azimutes na

*!í

&(/Q

Posição atu al da agulha im antada,


em P aris, em relação ao verdadeiro
Norte.

massa da montanha, sôbre a. qual a Pirâmide foi


construída, para assegurar sua orientação; e Saint-
John Vincent Day fez também notar, que a área da
seção meridiana da Pirâmide, está para a área de
sua base, na proporção de 1 para Pi. Tudo isto é des­
concertante; e não é tudo.
Fig. I

Galeria de acesso da Grande Pirâmide (Desenho do


Abade Moreux)
CAPÍTULO III

AS REVELAÇÕES GEODÉSICAS DA
GRANDE PIRÂMIDE

“Que ninguém entre aqui, se não for geômetra”,


escrevera Platão no peristilo de sua casa. Podería­
mos parafrasear também a sentença platônica, e
escrever no título dêste capítulo: “Que ninguém
leia estas páginas, se não é astrônomo”. Felizmente,
com o ceu pode haver algum acôrdo. Sem tentar
fazer um curso de astronomia espero conseguir dar
ao leitor idéia nítida das questões que vamos abor­
dar; isto servirá de excusa às digressões, aparente­
mente estranhas aos assuntos tratados.
Que certos povos da antiguidade tenham feito
muitos progressos em Astronomia, que tenham tido
idéias nítidas sôbre a forma do globo terrestre, é
questão que examinaremos mais tarde; mas, no que
concerne aos egípcios, a resposta não suporta dú­
vidas; a julgar por suas inscrições hieroglíficas, sua
ciência é pouco adiantada, a não ser que os sacer­
dotes, casta privilegiada, tenham mantido secretas
as conclusões a que chegaram. A hipótese não é,
evidentemente, inverossimed, mas choca-se contra
ÁBBÉ MOREUX

mais de uma dificuldade. Medir o globo terrestre,


por exemplo, supõe viagens; ora, parece que nas
antigas dinastias, os egípcios não sairam do seu
país.
O conhecimento aprofundado de nosso planeta,
tanto na forma, como nas dimensões, é uma con­
quista muito moderna, e suas peripécias daríam
matéria para muitos volumes. Contentemo-nos em
lembrar aqui as principais fases.
Desde que se adquiriu a convicção de que a
terra se assemelhava a uma bola lançada ao espaço,
como Marte, a Lua ou Júpiter, sábios tiveram a
idéia de medir uma porção do globo, para daí de-
duzir seu tamanho real.
O meridiano é um grande círculo passando
pelos polos; contem pois, 360°. Ora, se temos o valor
de um grau, uma simples multiplicação nos dará
o comprimento da circunferência inteira.
Mas então, como se saber, se se percorreu um
grau, indo do norte ao sul? Aqui intervem o astro-
nomo: tôdas as vezes que subimos para o norte, um
exame até superficial da abóbada celeste indica ao
observador que o pólo sobe no ceu. Nas regiões se­
tentrionais, a estrela polar está quase acima de
nossas cabeças e: feitos as1 cálculos o pólo celeste
sobe um grau no ceu, quando percorremos um grau
na terra. Tal é o princípio do método. As suas apli­
A CIÊNCIA DOS FARAÓS 35

cações não se fizeram contudo, sem dificuldades.


Qual é a marcha a seguir para medir um grau?
No século XVI, um médico chamado Fernel, di­
vertia-se em contar o número de voltas que fizeram
as rodas de sua carruagem que ia de Paris a Amiens.
O processo era engenhoso, mas não era susceptível
de grande precisão; e contudo, Fernel chegou assim
a estabelecer, para o valor de um grau, 57070 toêsas
ou 111532111,43, o que já não era um resultado assim
tão ruim, como veremos adiante.
Pouco depois, aplicaram-se métodos mais cien­
tíficos: mediu-se cuidadosamente a base de um tri­
ângulo e por meio de instrumentos semelhantes ao
grafómetro, pôde-se achar a distância desta base a
um ponto afastado; progressivamente chegou-se a
medir um arco de meridiano, em diversos lugares.
Mas, nenhum dêles concordava; os resultados eram
cada vez mais dispares.
A Academia de Ciências, impressionada com
tal discordância, encarrcgou o abade Picard, célebre
geômetra francês, nos fins do século XVIII, de
medir o lado de um triângulo entre Malvoisine e
Amiens. E êle, com seus métodos precisos, achou
quase o mesmo valor que Fernel obtivera, com a sua
carruagem : o arco de um grau diferia apenas em
três toêsas.
A ciência não dormiu muito tempo sôbre os
dados do abade Picard: percebeu bem depressa outro
âÕ ÁBBÉ MOREUX

fato, que punha os goedésicos na obrigação de tudo


recomeçar. A gravidade, que influia no balanço do
pêndulo, não atuava em toda a terra com a mesma
intensidade.
Quando seu relógio atrasa, você sabe que basta
encurtar o pêndulo; você obtem o mesmo resultado,
transportando-se para o polo. Assim é que, se um
relógio de parede avança um segundo em Paris,
atrasa por dia, 2 minutos © vinte e oito segundos,
se é transportado ao equador.
Ora, êste simples fato provava que os polos
e o equador não têm a mesma distância do centro
da terra, que, realmente, atrae o pêndulo. Logo a
terra ora achatada nos polos (1).
Puzeram-se de novo ao trabalho, enviando-se
missões um pouco por tôda a parte. Verificou-se,
com efeito, que os arcos de meridiano eram dife­
rentes entre si; mas, também aqui os resultados
não eram aqueles que se esperavam: êles provavam
que a terra era achatada no equador!
Os sábios se dividiram, então, em dois campos,
e a luta foi encarniçada. Desta vez, tomaram-se
precauções minuciosas e a vitória ficou ao lado
da teoria. A terra era verdadeiramente achatada nos
polos e dilatada no tquador; a fórmula não variou
depois.
(1) É bom acrescentar que a fôrça centrífuga, devida à
rotação da terra, contribue em p arte p ara a dim inuição do pêso
no equador.
A CIÊNCIA DOS FARAÓS 37

Sobrevem a revolução francesa, sonhando com


a igualdade e a unidade, e resolvendo mudar o siste­
ma d? pêsos e medidas. Em 1790, a Assembléia Cons­
tituinte decretou que a Academia das Ciências se
encarregaria de procurar uma medida fundamen­
tal e natural, que seria invariável e sempre fácil de
achar.
Foi, então, que se decidiu adotar o metro, que
representa a decima milionésima parte do quarto do
meridiano, valendo em toêsas: O, toêsa 513074.
Mas, os sábios continuavam sempre em seus tra­
balhos, e iii 1841, verificou-se que o metro era mais
curto cerca de dois décimos de milímetro.
Seria preciso mudar a base do sistema métri­
co? Não, eis porque.
Estamos certos agora de um resultado muitís­
simo importante: é que a pretensão da revolução
francesa é irrealizável. A terra não é toda regular.
Cada meridiano tem, digamos assim, sua forma es-
pccial. Então, qual escolher?
O equador também não é regular, e os resul­
tados são ainda discordantes, se fizermos as men-
surações no hemisferio austral, especialmente no
polo sul. Mas, a cada instante, os astrônomos têm
necessidade do raio terrestre, para seus cálculos,
raio êsse que lhes serve de unidade de medida; há.
pois, necessidade de calcular com médiasi, e é seu
38 ABBÉ MOREUX

valor, recentemente estabelecido, que será utilizado


doravante.
Resultou, com efeito, de tôdas discussões que
não se comete grande êrro, adotando-se como dis­
tância do polo ao centro da terra a cifra de............
6.356.700 metros e para o raio equatorial, o nú­
mero de 6.378.300 metros.
Tudo isto está certo, mas não nos dá uma uni­
dade de medida. Acabamos de ver com efeito, que
o metro continúa ainda unidade de pura conven­
ção, fundada num princípio manifestamente falso.
Vez que todos os meridianos diferem entre si, é bem
evidente que uma unidade de comprimento não se
pode basear em grandezas variáveis.
Haveria um meio de pôr todos de acôrdo, mas
ninguém o imaginou, e êsse meio seria tomar como
grandeza linear êsse famoso raio polar, que, tam­
bém, é invariável, no mínimo durante milhões de
anos. É verdade que, ao tempo da revolução, ne­
nhum sábio se achava em condições de determinar
o valor do raio polar do globo, constante que de­
pende do achatamento do esferoide terrestre.
No século XIX, êsse achatamento era avali­
ado em 1/292; mais tarde, o astrônomo Clarke de­
monstrou que era preciso elevá-lo a 1/298,3, dando
para o raio polar 6.356.521 metros. Mas, novas de­
terminações indicaram um achatamento compreen­
dido entre 1/297 e 1/298, sendo o valor do raio
polar visinho de 6.356,700 metros. Em todo caso,
A CIÊNCIA DOS FARAÓS 39

todos estão de acôrdo sôbre as quatro primeiras ci­


fras, vale dizer, sôbre 03 quilômetros.
Conclusão: na hora atual, podemos ter uma
medida de comprimento precisa e invariável, basea­
da no valor do raio polar.
Pois bem, esta unidade nós a encontramos na
própria base da construção da Grande Pirâmide;
e vamos ver como.
Os egípcios mediam 0 comprimento em pole­
gada? e côvados, mas havia dais sistemas de medi­
das: as medidas comuns, para 0 povo, e as medi­
das sagradas, usadas somente pelos sacerdotes. Foi
0 côvado sagrado, que serviu para os construtores da
Pirâmide de Kéops; é designado muitas vezes pelo
nome de côvado sagrado ou côvado piramidal, e
sabe-se que também era dividido em 25 polegadas
piramidais.
Embora estranho, a polegada piramidal era
muito visinha da polegada inglesa, vez que eram
precisas 9S9 polegadas piramidais para fazer 1000
polegadas inglêsas. Isto nos dá para a polegada
piramidal 25mm.4264 e para o côvado piramidal ou
sagrado 25mm.4264 x 25 = 635mm.6G0.
Foi êste côvado sagrado que serviu aos arquite­
tos na construção da Grande Pirâmide.
Multiplicai agora êsse côvado por 10.000.000 e
achareis 6.356.600 metros: é, precisamente, 0 valor
40 ABBÉ MOREUX

que a ciência atual dá ao comprimento do raio polar


da terra; o número de quilômetros é exato; o êrro
está na cifra seguinte 6, em lugar de 7, mas as
nossas medidas atuais comportam ainda um êrro de
milímetro!
Assim, o côvado sagrado representaria a décima
milionésima parte do raio polar da terra e isto com
a aproximação exata de cêrca de um centésimo de
milímetro!
Apelar para o auxílio de tôdas as ciências, dis-
pender durante séculos grande soma de trabalho e
de sacrifícios convergentes, melhorar incessante­
mente os métodos de observação, aperfeiçoar a técni­
ca, continuar com tenacidade a obra dos nossos an­
tepassados, atingir a um ponto inimaginável, a pre­
cisão dos cálculos, e chegar finalmente a uma desco­
berta feita há 4.000 anos, não é o mais decepcionan­
te pensamento, que possa passar pelo espírito de
um homem de ciência?
E, contudo, por mais incrível que pareça, o re­
sultado está aí aos nossos olhos, tangível, brutal
como um fato, de tal modo evidente, que só um
cego não o veria. Desta vez, nada de relações ocul­
tas, nada de hipotético nem de artificial, mas ape­
nas o fato, exposto à luz meridiana, com verdade e
com rigor.
Passemos agora aos dados relativos ao calen­
dário, e vamos fazer também revelações interes­
santes.
Fig. II

A E sfinge de G iseh, esculpida num rochedo de 20 metros de altura por 30 de largura


F ig . III

E státua m onum ental de K efren, faraó da I V di­


nastia e construtor de uma das Grandes Pirâm ides
(M useu de B oulaq )
A CIÊNCIA DOS FARAÓS 41

Sabemos pela medida dos gráus do meridiano


e pelas oscilações do pêndulo, que a terra é achatada
nos pólos e dilatada no equador, oferecendo um eixo
inclinado sôbre o plano da órbita, Essa inclinação se
transmite ao equador e faz com que a zona equato­
rial da terra se apresente obliquamente ao sol. Êste
tende, pois, sem cessar, a inclinar essa dilatação por
sua vez, e o resultado final se traduz por um deslo­
camento contínuo do eixo terrestre, que oscila em
torno de uma posição média, descrevendo, à seme­
lhança de um pião gigantesco, um cône no espaço:
tal é, a grosso modo, o fenômeno da precessão, de
que já falamos,
O deslocamento é extremamente lento, de
50”,25 segundo Newcomb, que o calculou baseado
em dados recentes. Tal movimento, se bem que
fraco, acumula-se com os anos, sendo que em 25.800
anos, aproximadamente, o polo celeste volta ao
mesmo lugar no ceu, ou antes, o eixo da terra apon­
ta para o mesmo lugar.
O fenômeno foi descoberto por Hiparco, pelo
ano 130 A. C.; os historiadores são unânimes em
reconhecê-lo. Pois bem, o número de anos da pre­
cessão se acha contido implicitamente na Grande
Pirâmide! Para obtê-lo basta adicionar o número
de polegadas piramidais, contidas nas duas diago­
nais da base. O cálculo dá 25.800 com aproximação
tão grande, quanto a que resulta das pesquisas
atuais.
42 ABBÉ MOREUX

No tempo de Hiparco, o sol aparecia, no equi­


nócio da primavera, na constelação de Aries, en­
quanto hoje corresponde a de Pisces. O equinócio da
primavera se deslocou, pois, avançando em sentido
contrário ao do movimento anual do sol, cêrca de
27° desde Hiparco, ou seja 50” por ano, vale dizer,
retrogradando: é a retrogradação dos equinócios,
conseqüência necessária da precessão que desloca
o equador terrestre, como o pólo. Mas aqui o resul­
tado é mais grave: encurta um pouco o ano, no
sentido de que, entre dois equinócios consecutivos
da primavera (ano trópico), o intervalo não é o
mesmo de entre duas voltas do sol em tôrno da
mesma estrela, tempo de revolução da terra sôbre
sua órbita (ano sideral).
Só o ano trópico ,serve para o calendário, por­
quanto o ano d-cve ser tal, que faça coincidir as
mesmas estações nos mesmos dias.
Conheceu a antiguidade êsses períodos, a não
ser aproximadamente? É o que discutiremos mais
tarde. Sm todo caso, se multiplicarmos por 3,1418
o comprimento da ante câmara anterior à Câmara
do Rei, na Grande Pirâmide, depois de havê-la cal­
culado em polegadas piramidais, acharemos..........
385,242, número dos dias que marcam muito exata­
mente a duração do ano, o que nem os gregos, nem
os romanos souberam calcular. Quanto à duração
do ano bi.;ê -to, nós a encontramos de cada lado da
A CIÊNCIA DOS FARAÓS 43

base do monumento, onde é expressa em côvados


piramidais ou sagrados.
Calculemos agora o volume da pirâmide, e mul­
tipliquemo-lo por 2,06, densidade média das pedras
que a compõem: as três primeiras cifras nas dão a
densidade da terra, que experiências recentes cal­
culam em 5,52. Se agora tomarmos como unidade
de pêso o de um côvado cúbico, com a densidade
média da terra, acharemos que o pêso da pirâmide,
nêste caso, estaria para o pêso total do globo terres­
tre, na proporção muito simples de 1 para 1015 ou de
1 para lOv5, ainda uma coincidência singular.
Piazzi-Smith perguntou também, a si mesmo,
se não haveria uma relação entre a temperatura
média anual do interior da Grande Pirâmide, tem­
peratura aliás muito constante, e a temperatura do
paralelo 30°, no qual está construída, O cálculo indi­
cou primeiro para a Grande Pirâmide uma cifra de
4o centígrados mais elevada; uma discussão mais
aprofundada, porém, reduziu a menos de Io a dife­
rença, entre a temperatura real e a temperatura
teórica: ambas seriam de 20° centígrados!
Vimos que no centro da massa da Grande Pirâ­
mide se acha uma sala muito grande, chamada
câmara do rei; foi aí que os construtores deposita­
ram o que, segundo certos autores, constituia o
túmulo do faraó. Estranho sarcófago, aliás, que em
nada se assemelha aos que foram exumado*. Imagi­
44 ABBÉ MOREUX

nai uma pia de granito vermelho, maravilhosamente


polido e talhada em ângulos retos, uma espécie de
cofre sem tampa, sonoro como um sino, e tereis uma
idéia desse túmulo singular, que jamais recebeu
restos humanos! Então, como explicar sua presen­
ça? Os que o têm estudada vêem nele, talvês com ra­
zão, uma obra de geometria e de ciência avançada.
O paraMepípedo retângulo que forma o inte­
rior do cofre, mede cêrca de lm97 de comprimento
sôbre 0,68 de largura e 0,85 de profundidade. Se
fosse um sarcófago, seria o mais profundo que
conhecemos. Detalhe notável e certamente intencio­
nal: o volume exterior é exatamente o duplo da ca
pacidade interna. Cheio e fechado, não poderia ser
introduzido na câmara real, porque a entrada da
Grande Pirâmide é certamente muito baixa. Foi,
portanto, posto no lugar, vasio e sem cobertura e
nada indica que tivesse servido de sepulcro. Muito
ao contrário, tende a mostrar que é essencialmente
geométrico e métrico. Seu volume interior é aproxi­
madamente igual a 69.000 polegadas cúbicas pira-
midais. Ora, se tomarmos como a densidade média
da terra 5,52, a unidade de pêso sendo a da água a
20°, tomemos um cubo de 50 polegadas piramidais,
seja uma fração do eixo total da terra representado
por 1/107, acharemos que o conteúdo integral do
cofre será dado pela equação:
A CIÊNCIA DOS FARAÓS 45

503 x 5,52
----------------- = 69.000
10

Êste volume interior do cofre seria, pois, uma


média de capacidade intencional. O pêso de seu
volume dágua, a 20° e à pressão barométrica de
760 milímetros, representaria a unidade de pêso na
escala da Grande Pirâmide; o cociente de 69.000
pela densidade média da terra, ou 12.500, seria o
número de polegadas cúbicas piramidais da matéria
igual em densidade à da massa total da terra; e
essas 12.500 polegadas cúbicas pesariam tanto
quanto o volume do cofre em água.
Dividamos agora o grande padrão de pêso da
pirâmide em 2.500 partes, continuando no mesmo
sistema de números piramidais, 2 e 5. Que obtemos?
Com pequena aproximação, a libra inglesa ordiná­
ria, que pesa 453gr59. Será possível que se veja,
ainda nisto, apenas uma coincidência; ou a libra
inglesa se derivou, tradicionalmente, da grande uni­
dade de pêso da pirâmide? Qualquer que seja a con­
clusão que se adote, o certo é que esta última, fun­
dada ao mesmo tempo sôbre a densidade do globo e
uma fração do eixo polar terrestre, constitue o me­
lhor prototipo internacional que se pode propôr aos
povos civilizados.
Enfim, curiosa e última observação: se tomar­
mos a quarta parte do volume do cofre inteiro, en­
46 ABBÉ MOREUX

contramos de novo uma medida inglesa de capaci­


dade, chamada quarter e que vale 2 hec,90.
Tudo isto deverá encantar nossos antigos ami­
gos ingleses e . .. mergulhar-nos num abismo de
reflexões.
CAPITULO IV

REVELAÇÕES ASTRONÔMICAS DA
GRANDE PIRÂMIDE

A avaliação precisa da distância da terra ao sol,


constitui, verdadeiramente, o problema capital de
toda a astronomia moderna. Sua importância se
revelará à sua verdadeira luz, se dissermos que de
sua solução dependem, não somente as exatas di­
mensões do sistema s,olar, mas também as do uni­
verso que conhecemos.
A distância do sol à terra serve para o astrô­
nomo, de unidade de medida, de modo que, um êrro
na avaliação desta grandeza se transmite em tôdas
as direções, afetando tanto as distâncias, que nos
separam dos planetas de nosso próprio sistema,
como também as dos astros mais visinhos, ou das
estrelas, que compõem as zonas cintilantes da via
látea.
Não é apenas o cálculo das massas que é afe­
tado por essa avaliação: a massa de um corpo ce­
leste é determinada efetivamente pela distância, se­
gundo as imortais leis de Newton; e como a distân­
cia entra, geralmente, nas equações de terceiro
48 ÀBBÈ MOREUX

gráu, o menor êrro de unidade linear prejudicará,


grandemente, os resultados.
Essa unidade fundamental melhor conhecida,
nos permitirá ainda uma avaliação mais exata e
precisa do momento de tal ou qual fenômeno astro­
nômico.
Estas diversas considerações bastam para justi­
ficar a opinião do grande astrônomo Airy, que afir­
mava ser a distância do sol à terra, “o mais impor­
tante problema astronômico”. (I)
Mas, é também um dos mais difíceis, porque as
quantidades que entram nos dados são tão peque­
nas, que sua determinação exata exige todos os
recursos da ciência moderna.
Em última análise, o problema repousa intei­
ramente na determinação da paralaxe do sol.
Imaginai um triângulo tendo por base um raio
terrestre, e por vértice o centro do disco solar: o
ângulo do vértice é o que os astrônomos chamam a
paralaxe do sol.
Primeiramente, a medida desse ângulo não pa­
rece ser de insuperável dificuldade. Imagina-se fa­
cilmente, dois observadores colocados nas duas ex­
tremidades de um raio terrestre, tendo-se determi­
nado várias vezes, com muita precisão, esta última

Cl) Airy, M onthly, Notices, vol, XVII, p . 210,


F 'g . IV

Stela, com m agnífico exem plar de escrita hieroglífica


(M u seu B orély, de M arselha)
A CIÊNCIA DOS FARAÓS 49

grandeza. Se ambos os observadores visam o centro


do sol ao mesmo tempo, poderão, separadamente,
determinar o valor dos ângulos na base dêss-e tri­
ângulo. O ângulo do vértice se deduzirá daí, pelo
mesmo processo — assim como a distância — e o
problema se reduzirá a simples questão de trigono-
xnctria elementar,
Pràticamente, a soma dos dois ângulos, assim
determinados, iguála, aproximadamente, dois ângu­
los retos e achamos que o ângulo do vértice (para-
laxe), é muito pequeno e visinho de nove segundos
do arco; o que significa que a base é muito pequena
comparada com a altura do triângulo.
Quando um geômetra quer medir a distância
ck um ponto da terra a um outro inacessível, esco­
lhe também uma base bem medida e se considera
com pouca sorte se essa base é apenas a décima
parte da distância a medir. Ora, o astrônomo se en­
contra cm situação não menos crítica e difícil, por­
quanto sua base de operações e.stá compreendida
entre 1/11.000 e 1/12.000 da distância a medir.
O astrônomo se acha em situação comparável à
do agrimensor, que procurasse a distância de um
ponto afastado 16.000 metros, com uma base de
operações com lrn,50 aproximadamente-
Para dar uma idéia do êrro introduzido nas
medidas, digamos que o menor afastamento, de um
tíécimo de segundo, por exemplo, cause um êrro de
50 ABBÉ MOREUX

um centésimo na distância, para mais ou para


menos; ora, um décimo de segundo é o arco descrito
por um cabelo visto à distância de 240 metros!

O ângulo que, tendo como vértice o Sol, limita o equador


terrestre, é o duplo da paralaxe do Sol. Esta Tale, pois,
a metade dêste ângulo, ou sejam 8”,806.

Supondo a paralaxe igual a 8”,80 — o que está


muito próximo da verdade — achamos para a dis­
tância da terra ao sol — 149.741.000 km; e con­
tudo, uma variação de 1/20 de segundo daria uma
diferença de um milhar de quilômetros.
A CIÊNCIA DOS FARAÓS 51

Vê-se que seria importante obter-se o centésimo


> segundo, mas o método direto está longe de ofe­
recer tão belo resultado.
O problema também tem sido, em todos os tem­
pos, abordado indiretamente.
É a história desses métodos indiretos de deter­
minação, na sua maioria muito elegantes, que va­
mos bosquejar rapidamente.
Antes da era cristã, Aristarco, de Samos, ima-
ginára um método tão engenhoso e tão belo, que
mereceria triunfar. Mas, as observações, baseadas
no exame da,s fases da lua, não comportavam gran­
de precisão, sobretudo naquela época. Aristarco
concluíra, com efeito, que o sol está cêrca de 19
vezes mais afastado do que a lua.
O número que êle admitia — 8 milhões de kras,
— foi julgado exato por Ptolomeu, Copérnico c até
Tycho Brahe. Kepler elevou essa distância a 53 mi­
lhões. E estava longe da verdade! Mas, deve-se a êste
sábio, a descoberta das leis que trazem ainda o seu
nome, e que deveriam nos dar métodos indiretos de
abordar, com proveito, o famoso problema da dis­
tância do sol.
Graças a Kepler, chegou-se, com efeito, a tra­
gar r o plano exato do sistema solar; faltava a
«■-cala para apreciar grandezas astronômicas, mas
ijanava desde então se conhecer o intervalo que se­
52 ABBÉ MOSEUX

para a terra de um planeta qualquer, para se fixa­


rem todas as outras dimensões; e, portanto, a dis­
tância do sol.
Pela primeira vez, o método foi empregado por
Cassini em Paris, em combinação com Richer, ope­
rando em Caiena. Marte serviu de ponto de referên­
cia, e o resultado foi colocar o sol a 138 milhões de
kms. (1672). Flamsteed, na mesma época e por pro­
cesso semelhante, chegou a 130 milhões.
Estas cifras, muito concordantes, não reuni­
ram, contudo, todos os sufrágios. O abade Picará
reduzia essa distância a 66 milhões de kms. e La
Hire a elevava a 219 milhões, enquanto a incerteza
continuava a oscilar entre limites enormes.
Foi então que Halley, em 1676, entreviu a utili­
dade dos planetas Mercúrio e Venus, para a solução
tão desejada. Êstes planetas inferiores passam, de
tempos em tempos, mas com intervalos muito raros,
entre o sol e a terra; êles se projetam então como
um ponto negro sôbre o disco solar e suas posições
se prestam a medidas astronômicas; a primeira pas­
sagem de Mercúrio em 1677, deu um resultado tão
próximo do verdadeiro valor, que Halley fundou
belas esperanças num método mais engenhoso do
que prcciso, indicando para as próximas passagens
de Venus, os anos de 1761 e 1769, com um apêlo à
posteridade para que se lembrasse de que a idéia
veio de um inglês; sempre práticos, qs nossos bons
vizinhos!
A CIÊNCIA DOS FARAÓS 53

Neste ínterim, Lacaille fixava a distância do


sol em 132 milhões de km. (1752). Parecia atingir o
fim. Mas estava bem longe disto!
Aproximava-se o ano de 1761; ía-se retomar o
método de Halley. Com efeito, nada foi esquecido
para o êxito da campanha. Levados por êsse heroico
devotamente de que os hcmsns de ciência têm dado
prova,? tantas vezes, os astrônomos se espalharam
por toda a terra. Um dêles, dentre outros, Le Gentil
de ia Galaissière, partiu para a índia em marco dd
17GO, e impedido de desembarcar, devido à guerra
que sustentávamos com os- ingleses, teve a coragem
t\-.;sx:-í'ar oito anos, cm Pondicherv, a passagem de
r<-;Í7, p< rdendo aí sim sua posição oficial na Acade­
mia das Ciências, onde por falta de notícias a seu
respeito, acabaram por substituí-lo; arriscando tam­
bém seu patrimônio, que colocára em mãos infiéis,
achando, parece, sua mulher casada com outro, e
por cúmulo de infelicidade, perdendo a finalidade
de sua viagem. Quando da passagem de Venus em
1761, só pudéra controlar o fenômeno da ponte de
seu navio, sem poder observá-lo, e em 1769 um ceu
carregado de nuvens- tornara impossível qualquer
observação. Contudo, outros astronômos foram mais
felizes; quando, porém, terminou a redução de todos
os trabalhos, foi necessário confessar que a questão
não progredira: o processo comportava origens de
erros consideráveis, achando-se para a distância
procurada todos os valores compreendidos entre 170
e 140 milhões de kms.
54 ABBÉ MOREUX

Foi em vão, que se préconisaram outros méto­


dos; até depois da passagem de Venus em 1874, foi
necessário confessar que a grande unidade astro­
nômica nada ganhára em certeza, pelo esforço com­
binado dos astronômos, Tudo quanto se poderia
afirmar era que a distância do sol era visinha de
148.600.000 kms., com um êrro possível de mais de
2 e meio milhões de kms,.
Era preciso voltar à determinação da distância
de um planeta exterior à terra, e foi então que, em
1898, se resolveu empregar para êsse fim um dos
asteróides que circulam na visinhança de Marte.
Em 1900, dezoito observatórios tomaram parte na
nova campanha; multiplicaram-se as provas foto­
gráficas e pela primeira vez enfim, pôde-se fixar,
com grande aproximação, a famosa distância do sol
à terra, por cuja causa tantos esforços anteriores
dispenderam 03 sábios.
Na hora presente, admite-se para esta distância,
o número redondo de 149.400.000 kms,, com uma
aproximação de apenas 70.000 kms., ou seja dez
vezes o raio do globo terrestre.
Pois bem, multiplicando-se a altura da Grande
Pirâmide por um milhão, acha-se a distância do soi
à terra em kms. ou .seja 148.208.000 kms. Esta me­
dida é, evidentemente, aproximada, mas a cifra ob­
tida constitue uma aproximação bem superior à
apresentada para esta distância, oficialmente, até
1860, e que era cerca de 154 milhões de kms.
A CIÊNCIA DOS FARAÓS 55

Assim, enquanto durante séculos, as nações .ci­


vilizadas gastavam somas fabulosas, enquanto os
sábios não hesitavam em arriscar a vida em expe­
dições longínquas para resolver “o mais importante
problema astronômico”, não é extraordinário pensar
que essa solução estava .simbolizada e monumen-
talizada, digamos assim, na Grande Pirâmide, há
milhares de anos, e que bastava aos astronômos
modernos saber ler os símbolos ocultos naquelas di­
mensões, para comprovarem que os construtores
desse grande edifício haviam chegado a uma apro­
ximação de que nos orgulharíamos, com razão, no
fim do século XIX?
Os astrônomos egípcios parece que não limita­
ram a isto, os seus cálculos. Se multiplicarmos, com
efeito, a polegada piramidal por 100 bilhões, obte­
remos a extensão do percurso da terra em 24 horas,
e iíto com uma aproximação maior do que o permi­
tiriam as nossas unidades atuais, a jarda ou o
metro.
Enfim, última averiguação a que cheguei, reto­
mando recentemente todos os cálculos: se expri­
mirmos em côvados piramidais êsse arco descrito
por nosso planeta, em um dia de 24 horas solares
médias, encontramos um número múltiplo de 3,1416
ou melhor de 2Pi, expressão que desempenha papel
tão importante em matemática.
Que não se diga, ainda uma vez, que tudo isto
é dsvido ao acaso, que os egípcios ignoravam as
ABBÉ MOREUX

conquistas da astronomia; 03 fatos aí estão para


provar 0 contrário.
Assim é que a passagem da entrada da Grande
Pirâmide olharia a estrela polar da época, a qual­
quer hora do dia. Os trabalhos de Sir John Herschel
e de Piaszi-Smith não deixam dúvida alguma a êsse
respeita: as averiguações desses dois astrônomos são
um pouco técnicas para as trazermos aqui, mas são
quase tão perturbadoras quanto as coincidências
enunciadas no curso destas páginas.
Como quer que seja, estas revelações são tanto
mais misteriosas, quanto até aqui os historiadores
sã,o unânimes em afirmar os seguintes fatos: os an­
tigos egípcios não fizeram nenhuma alusão à rela­
ção da circunferência com o diâmetro, nem ao valor
de Pi; não se vê, em parte alguma, que êles tenham
feito uso exclusivo, por multiplicação ou divisão,
dos números 2, 3, 5 e 7, essencialmente piramidais;
nada deixa supôr que conhecessem as relações da
latitude com a altura do polo, nem que tenham tido
idéia nítida da refração devida às camadas do ar;
ignoravam sem dúvida 0 volume da terra; não em­
pregavam, habitualmente, o côvado sagrado e esta-
vam longe de pensar, talvez, que êsse côvado repre­
sentasse uma fração exata do raio polar do globo;
com maior razão, não poderiam avaliar em côvados
piramidais, o caminho percorrido pela Terra em sua
revolução em torno do sol; não tinham medido o
esíeróide terrestre, nem a distância da terra ac sol;
A CIÊNCIA DOS FARAÓS 57

o pêso da terra e sua temperatura média estavam


fora de suas cogitações; suas. medidas de capaci­
dade e de pêso não eram deduzidas de dados pira­
midais; jamais mencionaram a polar, nem o fenô­
meno da prscessão, etc., etc.
Ora, que tôda.s essas conquistas da ciência mo­
derna estejam na Grande Pirâmide, no estado de
grandezas naturais, mensuradas e sempre mensu­
ráveis, sendo preciso apenas, para surgirem à plena
luz, evidenciar a significação métrica que têm con­
sigo, é evidentemente inexplicável, pelos nossos
dados sôbre a antiga civilização, mas é um fato de
que em vão se procurará duvidar, lançando os nos­
sos sábios na maior estupefação.
CAPÍTULO V

ATRAVÉS DA CIÊNCIA ANTIGA

Há cerca de quarenta anos, muitos cientistas


andaram inclinados a ensinar a descendência ani­
mal do homem: nossos ancestrais seriam primos
dos macacos dos períodos anteriores à pré-história.
Eítavamos, então, sob a influência das idéias da
Darv/in e de Lamark.
O alemão Ernesto Haeckel não contribuiu pouco
para espalhar e divulgar essa estranha doutrina,
tm livros que se imprimiram aos milhões de exem­
plares; êxito bem efêmero aliás. A teoria da descen­
dência simiesca sofreu a sorte de tôdas as hipóteses,
pois é um fato, que pode ser averiguado pelo estudo
da história de nossas aquisições, que uma teoria ci­
entífica não domina, em ciência, por mais de meio
século.
Hoje tudo mudou: é verdade que, desde as pri­
meiras idades da terra, observamos nos organismos
progressos evidentes; há a evolução, mas o mecanis­
mo dessa evolução nos escapa, e os mais fanaticos
partidários evolucionistas não estão longe de rene­
gar as idéias caras a Darwin e aos transformistas,
60 ABBá MOREUX

formando mais e mais ao lado da doutrina das mu­


tações, vale dizer, das mudanças rápidas.
Áplicada ao homem, a nova tsoria é simples­
mente a negação da descendência simiana, e falan­
do cientificamente, a origem da espécie humana
nos aparece cada vez mais misteriosa.
As pesquisas dos geólogos e dos pré-historiado-
res têm sido impotentes até aqui para elucidar o
enigma. Sem dúvida exumaram aqui e ali, crânios
de características extraordinárias, mas o Pitecan-
tropo, cuja descoberta se anuncia de quando em
quando, parece cada vez mais um mito fabuloso,
brinquedo que *e agita diante da multidão crédula,
para não fazer descrer da infabilidade da ciência,
Não é êste o lugar próprio para a discussão dês-
tes assuntos apaixonantes, mas, antes de abordar a
questão da ciência antiga, quis anunciar aqui al­
guns pensamentos, que não têm sido levados em
conta pelos nossos pre-historiadores.
Por mais longe que remontemos no passado, o
homem se nos apreisnta sempre com o mesmo grau
de inteligência e de religiosidade. Sem dúvida, mais
uma vez, progredimos em relação à época do ho­
mem das cavernas, mas o progresso poderia apenas
trazer-nos aquisições materiais, intelectuais e in­
dustriais. Explico-me: é preciso distinguir entre a
possibilidade -e o ato, entre a inteligência e a apli­
cação, como o fazemos. A primeira é uma faculdade
A CIÊNCIA DOS FARAÓS 6.1

de fato, a segunda é apenas a manifestação dessa


poder, o resultado de seu 'exercício. Um rústico ig­
norante é muitas vezes mais inteligente, do que um
alfabetizado; em qualquer hipótese, instruído e in­
teligente jamais foram sinônimos, que eu saiba.
Que- homens entregues a sí mesmos, obrigados
; lutar pela subsistência material contra uma na­
tureza hostil, pudessem formar essas tribos, cujos
i í : f o-; vemos à entrada das cavernas pre-históricas;
um" i5f>s U nham deixado vestígios de uma indústria
v tio urna ciência rudimentares, isto nada prova
absolutamente, nem a favor nem contra sua inteli­
gência. Ma.s, por outro lado, estamos certos de que
a capacidade craniana dessas raças inferiores nada
deixa a desejar, relativamente à nossa; que, em c-s-r-
tas épocas afastadas, êsses tipos que lembram os sel­
vagens atuais da Melanesia, possuiam em s^u meio,
artistas que não desmereciam os nossos de hoje:
desenhas habilmente executados, estatuetas fina­
mente modeladas, aí estão para atestar a veracidade
tíe minhas assertivas.
Então, das duas uma: ou os homens não se ele­
varam muito do estado selvagem à civilização, ou
trata-se de raças degradadas. Beste dilema, do
qual não há como sair, a maioria dos nossos histo­
riadores escolhe o primeiro termo. Porque? Por que
muitos poucos sábios, são, ao mesmo tempo, filósofos,
e, de modo geral, em ciência como em qualquer ou­
tro assunto, em virtude da lei do menor esforço, cada
62 ABBÉ MOREUX

um tende a repetir a lição sabida. Os modernos


zombam dos antigos, que juravam por Aristóteles;
mas, se no,s olharmos de perto, a moda não mudou
muito.
Resta-nos perguntar porque 03 pre-historiado-
res de outrora dirigiram sua ciência para o primeiro
termo, ao envês de escolher em o segundo. Ora, a
resposta é muito simples: porque desde os enciclo­
pedistas, tem sido de bom tom opôr o que se chama
Ciência (com C maiúsculo) à crença religiosa.
Tôdas as religiões derivadas do Cristianismo,
inclusive a religião judáica, ensinam que 0 homem
foi criado por Deus, em estado de perfeição, logo de
civilização avançada; apanhar em êrro esta lição
tradicional e doutrinário, pareceu sempre, a certos
cientistas, tarefa digna de seus esforços.
Assim, em lugar de pesquisar os fatos e suas
causas, a Ciência, abandonando seu verdadeiro pa­
pel, tornou-se o sustentáculo de vãs hipóteses e de
doutrinas preconcebidas.
Posta de lado toda questão de fé, parece tão
natural considerar os homens da idade da pedra
como verdadeiros degradados, como acreditar em
seu estado selvagem primitivo. Uma ciência que se
respeita deveria ter, aprioristicamente, por verossí­
meis uma e* outra hipóteses; mas, em minha opi­
nião, a segunda não resiste aos fatos. Um exemplo
vai precisar meu pensamento: conhecemos tribos da
A CIÊNCIA DOS FARAÓS G3

Poiinésia, que não apresentam um estado mais avan­


çado do que as raças de Cromagnon ou das Eyzies.
Foi mesmo alí, que os nossos pre-historiadores se
documentaram sôbre o modo por que o homem das
cavernas utilisava ,seus variados silex: idêntica fer­
ramenta rudimentar, os mesmos meios de defesa,
os mesmos sinais, mais ou menos apagados, de reli­
giosidade, de superstição, de feitiçaria, de magia
e . . . de garridice. Ora, cm mais de um caso, geógra­
fos e historiadores restabeleceram, por êsses povos,
o passado de suas migrações. Destacadas por acaso
da cepa original, êsses antigos civilizados caíram
pouco a pouco na degradação.
A idade de pedra é, pois, de tôdas as épocas; e
vemos a que êrros se acharão expostos os pre-histo­
riadores que, daqui a milênios, irão escavar essas
ilhas longínquas e exumar-lhes os achados, conclu­
indo, não sem aparência de razão, que o homem
não evoluiu desde a época cheleana até o fim do pe­
ríodo quaternário, em que vivemos.
Ei? aí o gênero de tolices cometidas por certos
homens de ciência, quando sáem de seu papel. A
pre-história acha-se ainda na infância, suas pes­
quisas são de data recente, e só estudaram poucas
terras; quase nada conhecemos das leis sôbre a,s
modificações do esqueleto, as variações lentas ou
cataclísmicas das raças; muitas vezes, a climato­
logia antiga das regiões estudadas nos escapa; o
paralelismo das estratificaçõss, operadas em lugares
64 ABBÉ MOREUX

diferentes, torna-se quase sempre um problema in­


solúvel; não possuímos cronômetro algum capaz de
fornece-nos a instantaneidade ou a lentidão das
sedimentações e, com tão poucos dados, não tere­
mos a pretensão de reconstituir a história autentica
da espécie humana, espalhada pela face da terra!
Isto seria uma amarga pilhéria; e, se os ingê­
nuas se deixam prender por essas puerilidades, cum­
pre aos espíritos sérios reagir, energicamente, con­
tra êsses processos, dignos, além disso, de ocupar
a crônica aos jornais ianques, sempre à procura de
notícias sensacionais,
No momento em que escrevo estas linhas, che­
ga-me às mães o resumo de uma comunicação apre­
sentada à Sociedade de Geologia de Londres, em 10
de Janeiro de 1923. êsse trabalho refere-se às varia­
ções do nível do mar durante o período quaternário,
baseando-se nos trabalhos do Proí. Depéret, de Lião,
e de seu discípulo o Prof, Gignoux.
“A idade quaternária está longe de ser tão
calma, como geralmente se admite; apresentou mo­
vimentos da crosta terrestre, que afetaram imensas
extensões, em grande escala; e isto resulta dos tra­
balhos de Bosworth no Perú e de Molengraaff nas
índias Orientais”.
“Esta constatação complica extraordinaria­
mente os problemas relativos à história do homem,
que o Prof. Depéret esboçou de maneira notável-
A CIÊNCIA DOS FARAÓS 65

mente ousada. Pôr as cousas em seus verdadeiros


termos constitue tarefa difícil, que exigiria os esfor­
ços de algumas gerações de geólogos”.
Que uma deformação geral do globo se tenha
produzido e progredido, durante os períodos terciá­
rio € quaternário, isto resulta verossimilmente dos
trabalhos empreendidos nos níveis costeiros ao
norte e ao sul do equador, onde se observam desni-
ve-lações periódicas, com maior ou menor amplitude,
compreendida entra 18 e 300 metros e onde se vê
claramente “que a contração da terra se realiza por
verdadeiras pulsações”, por espécies de golpes cata­
clísmicos. Em Geologia, como €-m tôdas as ciências,
é a doutrina das mutações que substitue a da evo­
lução, lenta e contínua. (1)
Depois de ter descrito as diversas fases da cro­
nologia do homem desde Red Crag (terciário supe­
rior) no qual o Snr. Red Moir pensa ter encontrado
vestígios de indústria humana, até os terrenos po­
sitivamente recentes, o autor acrescenta esta refle­
xão, que corrobora o que tenho afirmado várias
vezes:
“A interpretação (que damos desses fenôme­
nos) parece representar o estado atual de nossas
pesquisas, mas não deixa de apresentar dificulda­
des”. As alternativas de quente e de frio, no clima

(1 > Cf. Th. Moreaux: Pontos de vista novos sôbre a evolu­


ção planetária, na Revista do Céu, Abril 1921.
63 ABBÉ MOREUX

dessas regiões, em épocas contemporâneas do ho­


mem, constituem ainda assunto de grande perple­
xidade para os nossos geólogos.
Essas mudanças trouxeram, talvez, precipita­
ções atmosféricas de tal amplitude, que não pode­
mos avaliar a duração necessária para determinar
as variações observadas nos continentes durante
êsses períodos.
Não, mil vezes não! E o repito à vontade: a pre-
história no momento atual não pode precisar a data,
de modo absoluto, de nenhuma de suas descobertas;
é preciso esperar (1); não pode, do mesmo jeito, de
maneira alguma nos informar sôbre as nossas
origens, sôbre o estado social do homem, quando
apareceu na terra,
Êste longo preâmbulo era necessário, para se
compreender o estado de espírito daqueles que ou-
trora estudaram a Pirâmide de Keóps. Um dêles,
o célebre astrônomo Piazzi Smith, que lhe consagrou
parte de sua vida, chegou a respeito às seguintes
conclusões: ou os construtores desse monumento,
único no mundo, possuíam uma ciência tão avan­
çada quanto a nossa, o que parece extravagante e
quase incrível; ou, guardas de uma tradição remon­
tando às primeiras idades, quiseram fixar, na pedra,
dados ensinado,s pela Revelação ao primeiro ho-

(1) Th. D epéret: Classificação dos tem pos quaternários,


na R er. Ger. das Cien., 15 de Mar. 1923.
A CIÊNCIA DOS FARAÓS 67

ínem; e devo acrescentar que Piazzi-Smith, crente


:!a Biblia, na sua qualidade de protestante convicto,
<e inclinava pela última hipótese.
Assim se explicaria, pensava ele, como os segre­
dos relativos a dados científicos brutos se teriam
transmitido, de idade em idade, por meio de castas
privilegiadas. Tal seria a origem, por intermédio dos
sacerdotes egípcios, do que chamei: “A Ciência Mis­
teriosa dos Faraós”.
Se tudo se passou como o imaginava Piaz^i-
Smith, não seria inv-erossimel acreditar que uma
parte, ao menos, dessa ciência hierática se teria
transferido ás inscrições hieroglíficas daquelas
épocas longínquas.
No Egito, como na Caldéia, a astronomia tinha
um lugar de honra entre as aquisições intelectuais.
Magos e sacerdotes cultivavam-na, por necessidades
nacionais. À falta, das operações de cálculo, a que
se entregavam os adeptos da ciência, talvez os re­
sultados gravados no granito ou nos tijolos, às cen­
tenas, seriam capazes de nos informar. A questão
vale a pena ser estudada; de sua solução depende
a nossa escolha entre os dois termos do dilema, ex­
posto precedentemente.
Os mais antigos, monumentos do mundo foram,
até o momento, descobertos no Egito; são anterio­
res à primeira dinastia e datam de cerca de 4.000
68 ABBÉ MOREUX

anos A. C. (1). Infelizmente neles não encontramos


alusões a fatos científicos; os doa Caldeus são relati-

E xem plar de escrita


hieroglífica.

imagem corres­
ponde .à letra inicial
do objeto aqui re p re ­
sentado.

I ou Je — 2 folhas de
caniço.
OU — pássaro.
D — mão aberta.

Os cinco caractéres
e«* baixo, signifi­
cam IIAMLK, o qne
form a esta locução;

Ioud H am lk
JVDA O REI.

(1) Tôdas as cifras além de 3.000 anos são m uito con­


testáveis; são referidas no texto apenas para fix ar idéias.
A CIÊNCIA DOS FARAÓS 69

vãmente mais recentes e remontam sem dúvida a


3.800 anos antes de Cristo. A partir dessa época, so­
mos informados sôbre muitos pontos interessantes,
tanto do Egito, como da Caldéia. Segundo a Biblia,
Caldeus e Egípcios teriam origem comum, e esta as­
serção, posta outrora em dúvida pelos arqueólogos,
é antes confirmada pelas pesquisas modernas. Con­
tudo, a julgar pelos, seus têxtos hieroglíficos e cunei-
formes, a astronomia dos caldeus teria sido muito
mais avançada do que a dos egípcios, pelo menos
durante as dinastias posteriores à de Keóps. No­
ções comuns a ambos os povos sofreram regressos,
que estudaremos em conjunto. (1)
Vimos que a.s pirâmides do Egito eram orien­
tadas propositadamente; dá-se o mesmo com os mo­
numentos da Baixa Caldeia; mas aqui são os ângu­
los que olham os pontos cardiais. É o que se pode
ver ainda examinando a,s. ruinas, excavadas recente­
mente, do templo de Eridu, dedicado ao deus peixe
En-ki e cuja construção remonta ao anos 3.000 A. C.
Orientação idêntica tem o palácio da Lagash, que
data da mesma época; em Uruk, cujos monumentos
foram construidos pelos Sumerianos (raça não se-
rnita que habitava a Mesopotamia ao mesmo tempo
que os semitas). Esta prática remonta ainda mais
longe, pois encontramos os quatro pontos cardiais
(1) M uitos autores em pregam indistintam ente os te r­
mos caldeus e babiiônicos, se bem que o prim eiro designe mais
p articularm ente o povo que habitava a região banhada pelo
Tigre e o E ufrates.
70 ABBÉ MOREUX

mencionados num tratado de astronomia, cuja com-


pilação data de Sargão Io (cerca de 3.800 anos A.
C.). Portanto, já naquela época, o polo celeste era
I " .... ~ ~

| 41 * i - J 1 M - Ihfsr*
Kiru m ah-hu. tam -sil ha
Nernua variegatum -sieut mona

ma«ni. sa-gi -mlr. lil-bL is-


Amanus qui (continet) omaes arbores

ti h a t-íi Pülak sadd.naphar-su ua


Syrioe plantas montium universas

lis p a* h - i e s 0
Ki-rib-su. liu-ru-su. va ab- ta
•ia ea piantaium íuií et con íeci

ai, i ~ ta - ias.
super fiei em ejus.
EXEMPLAR DE ESCRITA CUNEIFORM*!

N o s seus pràaúxdios, a escrita cuneifoxm e foi hieroglífica; mas pouco a pouco,


sim plificou-se a im agem , cujos traços principais foram indicados nos tijolos por
m eio d e u m estilete em forma de cu n ho (cu a eu s) , Á tradução do texto acim a
c feita em latim .
A CIÊNCIA DOS FARAÓS 71

conhecido e serviria aos viajantes nas suas peregri­


nações,
Esta orientação exata tinha provavelmente
outro uso; deveria servir para a determinação dos
pontos equinociais, tão necessários para determinar
o período anual. Com efeito, mau grado o estado de
deterioração da Grande Pirâmide, Mariette, seguin­
do os conselhos de Biot, pôde, por meio de uma das
faces do monumento, determinar com a aproxima­
ção de cerca de 30 horas, o equinócio da primavera
do ano de 1353,
Contudo, parece que os egípcios não emprega­
vam êsse meio para calcular o número de dias do
ano. Entre êles, anos civis e religiosos, eram oficial­
mente de 360 dias, mas não há dúvida alguma que
êles conheciam o valor do ano de modo mais exato,
por meio do levantar de Sirio, que êl-es chamavam
Sotis. Também logo acrescentaram cinco dias su­
plementares, como podemos, observar segundo do­
cumentos que datam da XII.a dinastia, cerca de
2.000 anos A. C,
Todavia, o ano não tem 360 dias e 1/4 exata­
mente; adotando-se êsse valor, cái-se no êrro do
calendário juliano; é mais comprido cerca de 11 mi­
nutos, o qu-S', ao cabo de alguns anos, traz um atraso
nas estações. Ora, nem os egípcios, nem os caldeus,
pareciam ter conhecimento de tal particularidade;
72 ABBÉ MOREUX

aos egípcios, o levantar helíaco, isto é, em relação


ao sol, de determinadas estréias servia-lhes para di­
vidir os mêses em décadas de dez dias. Quanto aos
caldeus, adotaram um calendário lunar-solar; para
êles, o ano abrangia doze lunações, o que dava 354
dias, a que juntavam, se havia oportunidade, uma
13.a lunação intercalada, de acôrdo com um decreto
real. Os têxtos cuneiformes nos transmitiram uma
ordem dessa espécie, dada por Hamurabi (cerca de
2.000 anos A. C.). Evidentemente, o rei consultava
os astrólogos da corte, que calculavam, de antemão,
se havia necessidade de s& faz-er a intercalação dessa
13.a lunação.
As regras em que se baseavam, nos foram trans­
mitidas pelas tábuas da época.
“Quando o primeiro dia de Nisano, diz uma des­
sas, tábuas, encontra a constelação de Mulmul (as
Pleiades) e a lua reunidas, o ano será comum .Quan­
do ao terceiro dia de Nisano, Mulmul e a lua se jun­
tarem, o ano será cheio”.
E o método era de exatidão notável.
Os planetas foram conhecidos dos caldeus muito
mais do que dos primeiros gregos, e até dos roma­
nos. Verdade é que o ceu da Caldéia e das regiões
visinhas cr a de extraordinária puresa, atraindo
observadores. Logo se reconheceu que, dentre os
astro.s, que iluminam a abóbada celeste, alguns, em
vez de conservar suas posições relativas, mudavam
A CIÊNCIA DOS FARAÓS 73

constantemente ds lugar no ceu, uns em relação aos


outros: eram estrelas errantes e não fixas; numa
palavra: planetas. (1)
Os visíveis a ôlho nu, são em número de cinco:
Mercúrio, Venus, Marte, Júpiter e Saturno. Alguns
povos antigos contavam sete, porquanto Mercúrio
e Venus, ora matutinos, ora vespertinos, foram to­
mados, durante muito tempo, por astro,3, distintos.
Com efeito, os monumentos caldeus dão em muitos
casos a imagem de sete planetas, mas é verossímil
que os astronomo.3 dessa época não se tenham en­
ganado nisso, porquanto muitas vezes, como num
baixo-relevo de Assar-Hadon, os sete astros menores,
primeiros esculpidos, se reduzem a cinco.
Sabe-se que a marcha dos planetas, vista da
terra, é muito complicada, pela razão de que o nosso
globo também gira em torno do sol. Os caldeus no­
taram muito bem essa particularidade e compara­
ram êsses astros a carneiros caprichosos, desgarra­
dos do imenso rebanho das estrelas, para irem pas­
tar num grande prado, do qual não tinham, aliás,
a preocupação de se afastar. O prado era a zona zo-
diacal, onde sempre temos a certeza de encontrá-
los. Afinai, apesar das voltas determinadas pelo
aparente humor vagabundo, os planetas não fogem
às vistas vigilantes de seus pastores e parece que os

(1) A palavra planeta provêm do grupo Planetas, que


quer dizer astro erran te .
74 ABBÉ MOREUX

caldeus prediziam, exatamente, a rota das astros e


seus meandros caprichosos,
“Marte em toda sua potência torna-se esplên­
dido e continúa assim, por várias semanas suces­
sivas: depois, durante outras tantas semanas, torna-
se retrógado, para retomar seu curso habitual, per­
correndo assim duas ou três vezes o mesmo cami­
nho. A grandeza da retrogradação assim percorrida,
três vezes (duas num sentido e uma em um outro)
é de 20 Kasbu (20°)
Se a palavra Kasbu não tivesse aparecido, opor­
tunamente, no fim dessa frase, aposto que mais de
um leitor veria nessa passagem, a cópia de um
anuário astronômico moderno; e contudo essas li­
nhas foram escritas por um astrólogo, que vivia an­
tes da quéda de Ninive, numa tábua que podemos
admirar no Museu Britânico, em Londres; e o que
há-de mais extraordinário, é que a narrativa dá a
tradução muito exata dos fatos.
A cada instante glorificamos nossa civilização,
nossas aquisições intelectuais, nossos progressos ci­
entíficos; e contudo, estou certo de não faltar à ver­
dade, ao afirmar que sôbre mil pessoas instruidas
— magistrados, sacerdotes, professores e doutores
em direito — não há cinqüenta que possam garan­
tir já ter visto Marte ou Saturno no ceu; e muito
menos ainda, que compreendam o mecanismo da
retrogradação, das estações e dos diversos movimen­
A CIÊNCIA DOS FARAÓS

tos dos planetas, descritos pelos astrônomos cal­


deus! Verdade é, se acreditarmos na legenda, que o
próprio Copémico, o grande Copérnico, jamais vira
Mercúrio; acrescentamos, todavia, em sua defesa,
que êste sábio observava o ceu nublado das margens
do Vistula.
Sabemos, pelas tábuas escritas em caracteres
cuneiformes, que os menores detalhes da atmosfera
e do firmamento eram notados pelos caldeus; halos

T rajetória aparente de um planeta no céu, mostrando


as estações e as retrogradações.

ou conjunções de planetas eram objetos de prognós­


ticos e forneciam assuntos aos astrólogos. Os ecli­
pses deveriam, portanto, chamar logo sua atenção
e, com efeito, tais fenômenos eram preditos com
grande precisão.
Eis aqui exemplos de textos interessantes:
76 ABBÊ MOREUX

“Um eclipse da lua ocorrerá a 14 de Adaru.


Quando a 14 de Adaru, a lua se eclipsar, na primeira
hora da noite, uma decisão será tomada. Desgraça
para o país de Elam e da Síria, mas felicidade para
o rei. O rei estará tranqüilo, Venus não será visível;
mas, digo a meu senhor que haverá um eclipse”.
“Xrrusitu, o antigo, servidor do rei!”
“Ao rei, meu senhor, escrevo: haverá um ecli­
pse. Agora., êle se deu, com efeito. É um sinal de paz
para o rei, meu senhor..
Como e porque processos, os astrônomos dessa
época chegavam a calcular os eclipses? Há, a êste
respeito, várias hipóteses, mas, realmente, ignora­
mos quase tudo a respeito dos meios que emprega­
vam. Conforme um hábito muito caro aos caldeus
e aos sacerdotes egípcios, as tábuas só contém os re­
sultados brutos e o mecanismo nos escapa- Quer
parecer-me que os sábios dessas épocas longínquas
guardavam ciosamente seus métodos, que só eram
transmitidos oralmente, perpetuando-se, assim,
através das idades, no seio das castas privilegiadas.
Nesta ordem de idéias, a astrologia fez grandes
progressos para a astronomia, e sabe-se que os cal­
deus passavam por mestres tão bons na ciência dos
horóscopo,3, que, mais tarde, na Grécia, o epíteto de
ealdeu era sinônimo de astrólogo.
Nestas condições-, mais cie 2.000 anos antes da
era cristã, os advinhos e as “buenas dichas” já ex-
A CIÊNCIA DOS FARAÓS 77

pioravam a credulidade pública; acreditariam êles


na correspondência misteriosa entre a vida dos
mortais e o curso dos astros? É permitido duvidar­
mos; inclinar-me-ia antes, a pensar que isso, para
êles, significava um meio eficaz de se fazer respeitar
e de se entregar a .seus estudos favoritos.
Que ninguém graceje sôbre suposição tão ve-
rossímel; nada há de novo debaixo do sol; a maio­
ria dos homens só admira a ciência na proporção dos
serviços que ela está apta a prestar-lhes. Foi neces­
sária a guerra de 1914, para decidir o govêrno fran­
cês a organizar um serviço meteorológico, e se nada
se fez (pouco mais ou menos) na França, pela Quí­
mica, em compensação esta ciência progrediu con-
sideràvelmente entre os nossos vizinhos de além-
Reno. Em todo caso, na Alemanha como aqui, a As­
tronomia jamais preocupou os governos e os Obser­
vatórios acham-se numa indigência vizinha da mi­
séria.
Sempre foi assim; mas, outrora, os grandes do
mundo acreditavam na astrologia, e a Astronomia
sabia tirar partido disso, como o prova a conduta
de Kepler, um dos maiores gênios do século XVII.
O autor das leis imortais, que trazem o seu
nome, tinha grande dificuldade de viver; a pensão
prometida pelo rei, raramente caía em sua bolsa,
embora dela dependesse o sábio para a subsistência
d? sua família; então, começou a tirar horóscopos.
Censuraram-lhe isto, por mais de uma vez, “Mas,
73 ABBÉ MOREUX

de que vos queixais, filósofos delicados, respondia


êle, de que uma filha que julgais louca (a astro­
logia) sustente a mãe sábia, porém pobre ( a astro­
nomia) ; se essa mãe só é tolerada entre os ho­
mens mais loucos ainda, só em consideração dessa
mesma loucura? Se não se alimentasse a crédula
esperança de se ler o futuro, no ceu, jamais haveria
sábios para estudar a astronomia, por si mesma”.
Assim era, provavelmente, há cinqüenta sécu­
los! Como quer que seja, a prática da astrologia,
que reclama precisão sôbre as posições futuras dos
planetas, deveria incitar os caldeus a aperfeiçoar
os seus métodos. Êles, — sabemos pelas suas tábuas,
— tiveram de resolver problemas sérios e que conti­
nuam, como tais, para os astrônomos modernos.
Não podendo insistir sôbre êste assunto difícil, que
me seja permitido, não obstante, citar um exemplo.
O cálculo dos eclipses supõe conhecidos, com
grande aproximação, os diâmetros aparentes da lua
e do sol. Ora, em 1915, tendo necessidade para meus
cálculos, de possuir os diâmetros aparentes máximo
e mínimo da lua, pois achava na maioria das publi­
cações técnicas dados contraditórios, dirigi-me a vá ­
rios colegas para obter algumas referências suple­
mentares. As cifras fornecidas fôram as mais con­
traditórias. Em desespêro de causa, armei-me de
paciência e me ative a consultar, dia a dia, as pági­
nas do “Conhecimento dos tempos”, que dá, desde
cêrca cie dois séculos, os diâmetros de nosso satélite.
A CIÊNCIA DOS FARAÓS 79

Sabeis qual o resultado de minha pesquisa? Pois


bem: os números, assim determinados, se achavam

Exem plar de caracteres cuneiformes do Palácio de


Sargão, em Khorsobad.

mais perto daqueles que nos são dados pelos caldeus,


do que os diâmetros admitidos pelos autores, em
nossos modernos Tratados de Astronomia.
As dimensões aparentes do disco lunar estão
compreendidas entre:
80 ABBÉ MOREUX

33’34” e 29’22” de arco, enquanto os babilô­


nios admitiam 34’16” e 29’30”.
O afastamento de 8” somente-, para o diâmetro
mínimo, é insignificante, e não se pode dominar o
espanto, averiguando-se tais resultados.

rac-sim ile das Efem érides editadas em 1609, e servindo


para traçar horóscopes.

Êste espanto se transformaria em estupefação,


se fizermos uma idéia da dificuldade que experi­
A CIÊNCIA DOS FARAÓS 81

mentamos, mesmo agora, para avaliar o diâmetro


aparente de um astro qualquer, A antiguidade teria,
pois, conhecido nossos instrumentos de óptica? A
pergunta vale a pena ser estudada; é o que vamos
lazer.
CAPÍTULO VI

A ÓPTICA DOS ANTIGOS

Não é raro ouvir-se tal ou qual cientista falar


da ciência antiga, de modo irreverente. A julgar por
certos homens doutos, o nosso século tudo desco­
briu. E contudo,— já fiz notá-lo,— é preciso não
confundir a ciência com suas aplicações. A cada
dia. estas, se tomam mais numerosas, mas quantas
vezes, em detrimento da felicidade dos povos!
Não quero prová-lo, apenas, pela l .a grande
guerra, imposta à Europa — deveria dizer ao mundo
inteiro — pelos alemães. Nas mãos dos nossos ini­
migos, as aquisições científicas se tornaram em ar­
mas terríveis; desde longa data, o espírito teutão,
que há dois mil anos não mudou, preparara a guer­
ra com gazG£ '■■síixiantes e sabemos hoje que os
obuzes, carregados de substâncias tóxicas, foram
fabricados do outro lado do Reno, muito antes das
hostilidades. Foram também os alemães que, des-
presando as leis internacionais, usaram pela pri­
meira vez os aviões para bombardear populações in­
defesas; terminada a guerra, lemos agora, nos jor­
nais, sugestões para a futura desforra, durante a
84 ABBÉ MOREUX

qual serão usados todos os meios nocivos, que a ci­


ência avançada põe à disposição de um povo de bru­
tos: gazes terríveis, micróbios em profusão, explo­
sivos terrificantes, ondas hertzianas dirigidas à dis­
tância; em suma todo um arsenal de horrores, que
os nossos avós estavam longe de suspeitar,
Fremimos à leitura da história antiga, na qual
vemos os próprios reis da Assíria furando os olhos
úos- cativos, matando-os a fogo lento, assistindo a
suplícios inauditos, só inventados por um ser "inteli­
gente, e chamamos de bárbaros êsses homens eis
outras eras; mas, esquecemos que a barbaria é de
todos os tempos. A religião cristã, esta doutrina da
caridade, desconhecida dos pagãos, é ensinada em
quase todos: os povos civilizados, mas que seu espíri­
to não parece ter penetrado profundamente certas
raças, até européias, . . testemunharam-no as balas
dumdu?n, que não foram inventadas pelos alemães!
Não há, pois, antítese entre a ciência e barba-
rie, porquanto esta pede servir aquela aos seus de­
sígnios. A ciência, — admito-o de boa vontade, —
deve melhorar as condições materiais da humani­
dade; mas, é impotente por si mesma, para assegu­
rar-lhe o progresso moral, o único e verdadeiro ga­
barito de qualquer civilização.
Há melhor ainda; quando um povo abandona o
direito pela força, a barbaria, sempre latente, re­
toma um pouco seu império e alguns séculos são
A CIÊNCIA DOS FARAÓS 85

suficientes então para fazer tábua rasa das noções


científicas e intelectuais, penosamente adquiridas.
Na marcha em que vai a Europa atualmente, não
é preciso ser muito perspicaz para predizer que, em
dois mil anos, os que habitarem nosso continente
sofrerão um regresso análogo ao dos antigos povos
orientais, cuja grandeza e luxo ainda deslumbram
a nossa imaginação.
Tudo isto para mostrar que temos o direito de
perguntar se a antiguidade conheceu uma ciência
avançada, incompatível, de alguma forma, com o
estado dos costumes e da civilização daquelas épo­
cas longínquas.
Mas aqui — imagino — o leitor me detem, e
íaz seriamente a seguinte pergunta: Então, se não
encontramos um só vestígio dos instrumentos cien-
ticos, que serviram aos nossos ancestrais, por que
suas menções não os mencionam? Evidentemente,
a objeção vale a pena ser discutida; mas, em tese,
julgo-a mais especiosa do que real.
Raciocinemos por analogia: seis mil anos,
no máximo, nos separam dos monumentos caldeus
e faraônicos. Ora, que serão nossas civilizações eu­
ropéias daqui a 60 séculos? Por pouco que êsses
centros intelectuais se desloquem no globo, o que
parece fatal, a julgar pela história, que restará de
Paris ou de Londres? Ruinas, em cujo seio os ar­
queólogos da época se empenharão em exumar ves-
m ABBÉ MOREUX

tigios de nossa civilização. Nossas bibliotecas nacio­


nais serão, apenas, amontoados de escombros, ar­
quivos efêmeros reduzidos a pó pelo tempo; a pedra
calcárea dos nossos monumentos então não passará,
também de lama informe: somente o granito de
nossas construções tumulares, com suas inscrições
muitas vezes grotescas, em todo caso pouco cientí­
ficas, oferecerá aos sábios alguns informes de nossa
língua e de nossa escrita, sem aludir a que obeliscos,
como o aa praça da Concordia, com seus hieroglífos,
servirão para complicar mais as pesquisas e desori­
entar os mais hábeis. Obras imortais dos Kepler,
dos Newton, dos Laplace, dos Le Verrier, dos Pas-
teur, onde estareis, a esta altura? Não tereis então
nem o privilégio de ser escritas na dura argila
cosida das tábuas cuneiformes, que desafiaram as
injúrias dos séculos!
Que se insista sôbre a ausência completa dos
métodos científicos, entre os numerosos documentos
caldeus ou egípcios, postos à nossa disposição, res­
ponderei que isso quase nada prova.
“O estudo das matemáticas foi levado, pelos
mesopotamios a elevado grau de perfeição; mas,
jamais 'encontramos, entre êles, em qualquer ramo
de atividade científica, qualquer vestígio didático ou
quaisquer explicações; é sempre uma simples refe­
rência das conclusões, com alusão às vezes ao que
aí conduziu; um grande ensino oral deveria acom­
panhar, forçosamente, êsses escritos. Assim é que
A CIÊNCIA DOS FARAÓS 87

temos inúmeros documentos matemáticos, espécies


de livros de contas feitas, com mil combinações de
cifras, operações realizadas cujos resultados o leitor
só fazia utilizar”. (1)
Do mesmo jeito, em épocas mais recentes, ve­
mos aparecer consignadas em tábuas, verdadeiras
Efemérides Perpétuas, destinadas a prever o movi­
mento dos planetas no ceu.
Impõe-se a conclusão: o silêncio sôbre os mé­
todos empregados era propositado; supriam-no pelas
explicações orais, que só eram dadas aos iniciados;
do mesmo modo, evitava-se espalhar entre o povo
a ciência que reservava a uma casta, respeito, glória
e lucro.
Desbastado assim o terreno, podemos abordar
o assunto do título deste capítulo: a óptica foi co­
nhecida dos antigos?
Procedamos por etapas, e avancemos prudente­
mente nesse terreno mal explorado. Em primeiro
lugar, é certo que os antigos conheceram o vidro e,
o que mais é, sabiam polí-lo.
Numa passagem de suas obras, conta-nos Aris-
tofanes que, naquele tempo, se vendiam globos de
vidro nas drogarias de Atenas. Mais tarde. conta-nos
Plínio que o imenso teatro levantado, em Roma, por
Scaurus, genro de Sila, e que poderia conter oitenta
(1) Cf. Contenau, o b r.-já citada.
88 ABBÉ MOREUX

mil espectadores, possuía três andares, o segundo


dos quais inteiramente incrustado de mosaicos de
vidro.
No VIIo Livro de Reconhecimentos} o seudo Cle­
mente conta-nos que São Pedro foi à ilha de Arado
e aí viu um templo de colunas tôdas de vidros, de
tamanho e de grossura consideráveis, as quais ex­
citaram mais a sua admiração, do que as belas es­
tátuas de Fídias, com as quais êsse templo estava
ornado.
Sêneca em suas Questões Naturais, fala-nos dos
fenômenos de coloração que se percebiam, olhando-
se de través os ângulos salientes do vidro. Desde essa
época, portanto, se conhece o vidro, bem como a re­
tração.
No reinado de Nsro, serviam-se em copos de vi­
dro branco, os quais, dizia Plínio, eram mais límpi­
dos do que os de cristal de rocha talhada. As urnas
lacrimais achadas nos túmulos, eram também de
vidro. Também de vidro eram os globos, em que,
.nessa mesma época, se traçavam as esferas celestes
e as constelações.
Em sua Optica, Ptolomeu inseriu uma Tábua
ãe Refrações, experimentadas, por um raio luminoso
ao atravessar o vidro; ora, os índices de refração,
dados pelos físicos modernos, deles se aproximam
de tal forma, que é preciso concluir que o vidro
A CIÊNCIA DOS FARAÓ o

dessa época diferia muito pouco, do que fabricamos


hoje.
Todos êstes fatos são certos; mas, dirão, êle-s
não provam que os sábios antigos conhecessem as
propriedades das lentes. Sem dúvida; mas, eis aqui
outros testemunhos. A esmeralda, através da qual
Nero olhava os objetos, tornou-se legendária. Aquêle
engaste de anel lhe servia de monóculo, mas Plínio
não é explícito a êsse respeito. Pode-se acreditar,
legitimamente, que êsse vidro era talhado em forma
cie lente côncava.
Contudo, muito antes dele, no Vo século A. C.»
Aristofanes, na sua Nuvens, conta singular gracejo:
Estrcpsíade explica a Sócrates a propriedade que
têm as bolas de vidro, expostas ao sol, de acender
os corpos combustíveis.
Por êsse meio, o engenhoso personagem entre­
via o modo de deixar de pagar suas dívidas, destru­
indo, de longe, qualquer documento em mãos de
seus credores, sem que êles pudessem percebê-lo.
Os romanos, herdeiros da ciência grega, empre­
gavam para cauterizar as chagas, na falta da pedra
infernal, bolas de vidro expostas ao sol. E quando
as Vestais por negligência, deixavam extinguir-se
o fogo sagrado, deviam reacendê-lo por meio do
calor do sol, concentrado por esferinhas de vidro.
Os antigos conheciam, pois, as propriedades das
lentes esféricas, concentrando os raios luminosos
90 ABBÉ Ivl O H E U X

num só foco. Mas, aparêlhos dessa espécie são muito


ruins, como instrumentos de óptica. Todavia, habi­
tuadas a polir o vidro, os operários da época seriam
levados, forçosamente, a fabricar semi-esferas, que
lembram nossas lentes de relógio ou até nossas ocu­
lares acromaticas, de lunetas astronômicas e de
microscópios.
Pura hipótese, direis; mas necessária para ex­
plicar fatos numerosos, que se ignoram geralmente.
Sabeis que existe, em nosso Museu de Medalhas,
um sinete chamado de Miguel Ângelo, cuja execu­
ção remonta a uma época muito recuada, sôbre o
qual 15 figuras foram gravadas num círculo de 7
milímetros de raio. Ora, essas figuras não são todas
visíveis a olho nú. (1)
Cícero fala-nos de uma Ilíada, de Homero, es­
crita em pergaminho leve, que se continha tôda nu­
ma casca de nóz. (2) Plínio conta que “Mimecide
esculpira sôbre marfim uma quadriga, a qual unia
mosca, com suas asas, encobria”. (3)
"A menos que se pretenda, diz Arago, que a vi­
são de nossos antepassados excedesse em potência
a dos artistas modernos mais exercitados, o que se-

«T> Cf. Dutens. t. II. p. 224.


(2) Plínio, H ist. Nat., L, VII, Cp. XXI.
(3) Plínio, ofor. c it., VII, XXI; cf. it. Elien, Hist., L . I.
C ap . X V II,
A CIÊNCIA DOS FARAÓS 91

ria desmentido por muitas observações astronômi­


cas, os fatos levam-nos a crer que se conhecia na
Grécia e em Roma, há cerca de vinte séculos, a pro­
priedade ampliadora de que gosam as lupas. (1)
Em apôio desta tese, temos igualmente o fato
de que Dutens viu no Museu de Portici, lupas an­
tigas que tinham apenas 9 milímetros de fóco; êle
próprio tinha uma lente menos forte, proveniente
de excavações de Herculanum. Mas, a verdade
manda confessar que aí se tratava de pequenas
bolas de missangas, empregadas para adorno, por
mulheres pobres,
O melhor, para encerrar êste debate, seria ter
entre as mãos verdadeiras lupas, de que se serviram
os artistas de outrora, para escrever ou esculpir as
grandes obras primas de que já falei. Pois bem, êsse
dessjo íoi realizado e, nêste particular, permitam-
me citar um fato pessoal.
Era em 1905, durante uma missão de que o
govêrno me encarregou, para estudar um eclipse
total do sol, visível em Sfax; terminado o eclipse,
resolvemos, meus companheiros e eu, aproveitar a
ocasião, muito tentadora, para visitar a Tunisia. Na
volta, antes de tomar o navio que nos devia trazer
à França, uma psregrinação a Cartago, tão célebre
na história, se impunha à nossa curiosidade.

(1) Arago, Astr. Pop., t. I, p. 166,


ABBÉ MOREUX

Da antiga metrópole, nada mais resta, aliás,


do que uma pequena aldeia de casas brancas assen­
tadas diante do porto, que, outrora, abrigou os terrí­
veis navios cartaginêses. Foi aí que os monges cie
Cister estabeleceram seu seminário e construíram a
bela catedral, cujas paredes ensolaradas, se- desta­
cam em tons crus sôbre o fundo azul do ceu. A velha
Cartago não mais existe; mãos piedosas, por tudo
quanto respeita à antiga civilização desaparecida,
porém, empreenderam excavações e resuscitaram
aqueles tempos de longínqua história.
O Padre Delatre nos deu a honra de mostrar-
nos seu maravilhoso Museu, e confesso que essa vi­
sita foi, para nós, verdadeira revelação. Como me
extasiasse diante de um camafeu, finamente gra­
vado, e que representava um cavalo coçando a ore­
lha, não pude deixar de comentar em voz alta:
— Os gravadores dessa época não podiam ter
olhos melhores do que os; nossos; então, como pude­
ram, em tão pequeno -espaço, representar tantos de­
talhes? Dê-me uma lupa para examinar essa
crin a...
E todos foram forçados a admitir que, mesmo
àquela época, se conhecia o trabalho em vidro e as
propriedades das lentes.
— Jamais encontrou uma lente, perguntei ao
Padre Delatre, algum objeto que lembre as lupas
dos nossos relojoeiros?
A CIÊNCIA DOS FARAÓS 93

Mas, já o religioso havia adivinhado, e um mi­


nuto depois, trazia na mão uma verdadeira lupa,
plano-convexa, do tamanho de um botão de sobre­
tudo. Infelizmente a lente era opaca: recolhida de
ura túmulo, após séculos de permanência, nada
havia de estranho que um lento trabalho operasse
a opacidade do vidro, outrora, talvez, transparente.
A objeção era séria, contudo, se o Padre De-
latre não nos mostrasse outra peça do mesmo gê­
nero, desta vez de cristal de rocha, talhado de modo
perfeito. E foi desía lupa que nos servimos para
estudar o camafeu.
Tinha, pois em mãos, pela primeira vez — ao
menos eu pensava assim — a prova de que os anti­
gos conheciam as lentes e suas propriedades. Muito
contente com meu achado, dei parte dêle, na minha
volta, a alguns sábios; e qual não foi minha estupe­
fação ao saber que em 1852, durante a reunião da
Sociedade Britânica, em Bedford, sir David Brews-
ter, o célebre físico inglês, havia mostrado uma
lâmina de cristal talhada em forma de lente e que
acabava de achar nas excavações d e . .. Ninive!
Tantos fatos convergentes não deixaram dúvida
alguma em meu espírito; os povos antigos, portan­
to, conheceram as lunetas, vez que — notai bem, —
uma luneta astronômica é, apenas, a reunião de
duas lentes convexas: uma, a maior, chamada
objetiva e que é dirigida para o objeto, cuja imagem
54 ABBÉ MOBEUX

forma para traz dela; e a outra, a ocular, empre­


gada como uma lupa afim de aumentar o objeto,
cuja imagem é produzida pela primeira,
Quando, no começo do século XVII, João Lip-
persey inventou a luneta, que Galileu deveria aper­
feiçoar, bem como seus contemporâneos, só fez, pro­
vavelmente, reencontrar um aparêlho conhecido,
desde a mais alta antiguidade. Direi até que a lu­
neta de Galileu, comparada com a dos antigos, de­
veria ser de qualidade bem inferior. As lentes, nas
alturas de 1610, eram sempre biconvexas, enquanto
as lupas antigas, as de Cartago e de Nívine, eram
plano-convexas, o que lhes dava certo acromatismo.
A hipótese é tanto mais verossímil, quanto se recu­
sarmos, aos povos da antiguidade, êsse conheci­
mento interessante, torna-se impossível explicar
grande número de suas asserções. Contentar-me-ei
com um. exemplo, tomado a. Demócrito, Êste filósofo
afirmava que a Via Látea, tão brilhante na região
em que êls morava, era constituída por uma quan­
tidade inumerável de estrelas. “É a mistura confusa
de suas luzes, diz êle, que causa sua branca fosfo-
rescêneia”.
Um astrônomo moderno não falaria melhor.
Como Demócrito adivinharia tal explicação, se não
tivesse olhado numa luneta, quando as nações do
seu tempo acreditavam ainda na legenda das gotas
de leite, que escaparam do seio de Juno?
A CIÊNCIA DOS FARAÓS 95

Só se os antigos conhecessem também o teles­


cópio, êsse instrumento formado de um aparêlho côn­
cavo refletor. E esta suposição não é mais inverossí­
mil, do que a primeira.
Alguns escritores citam, em apôio desta tese, cs
espelhos ardentes de Arquimedes, empregados 110
eêrco de Siracusa, para queimar a esquadra de Mar­
celo. Todavia, hoje parece demonstrado que os es­
pelhos em aprêço não eram côncavos, nem compos­
tos de uma só peça. mas formados de vários espe­
lhos, qua enviavam os raios solares para o mesmo
ponto.

F igura esquem átíca, m ostrando a disposição das lentes


lia denom inada luneía de (bràliien (binóculo de te sáreí.

Tal disposição produz a mesma concentração


calorífica de um espêlho de telescópio; e a custa
de cento e quarenta e oito espelhos, Buffon logrou
em seu tempo inflamar uma prancha de pinho, à
distância de quarenta e nove metros.
96 ABBÉ MOREUX

A crítica, todavia, mostrou-se mais prudente,


quando se tratou de explicar um fato relatado por
historiadores dignos de confiança, a respeito da
visão, com o auxílio de um aparelho desconhecido.
Ptolomeu Evergeta, irmão do rei Ptolomeu Filadelfo,
que viveu no III século antes de Cristo, mandou co­
locar, no topo do farol de Alexandria, um instru­
mento com o qual se descobriam os navios ainda
muito longe, Muitos autores indagam se não se
tratava, no caso, de um espelho côncavo.
O fato é muito possível, mas devo acrescentar
que um espelho dasta espécie não bastaria, sem o
auxílio de uma lente, para aproximar os objetos; e
nada se opunha, naquela época, à realização de tal
sistema óptico.
Isto ressalta, evidentemente, de todos os teste­
munhos,
Como quer que seja, é notável constatar que
os antigos, segundo têxtos sérios, olhavam os astros
através de tubos. Se êstes ajudavam os astrônomos
por meio da mira, ou se traziam lentes, ignoramos,
mas o fato deve ser aproximado de um achado inte­
ressante, cuja narração vem a propósito para encer­
rar êste capítulo,
Durante as excavações operadas recentemente
na antiga cidade real de Meroé, o Prof. John Gars-
tang, de Liverpool, descobriu osi alicerces de um mo­
numento, que não era templo, nem casa comum.
 CIÊNCIA DOS FARAÓS 97

Um exame atento revelou que era um antigo obser­


vatório astronômico. No fuste da coluna, cujo de-

A linha ment os e li»laa.s de visada traçadas oam fuste de


coluna pertencente a® antigo observatório da antiga
cidade de Meroe
A 3 B É MOREUX

seniio damos 110 verso, estavam traçadas rstas em


relação com a posição do sol, durante certo período
do ano e com a latitude de Meroè (1).
Mas, o que há-de mais espantoso, é 0 relevo das
inscrições ou grafites da época: certas pedras estão
cobertas de equações numéricas, em relação com
fenômenos astronômicos, que datam de duzentos
anos antes da era cristã. Numa das paredes desman­
teladas, vê-se um desenho ainda mais sugestivo, um
esboço feito às pressas, representando a silhueta
grosseira de dois personagens; um deles, sentado,
parecia ocupado em revelar a posição dos astro?
por meio de um “instrumento de trânsito”, que
lembra inteiramente as lunetas meridianas, com
círculo e aparêlho azimutal.
E agora que conclusões vamos tirar de todo
êste arrazoado ? Nada de absolutamente positivo,
mas uma série de sugestões muito próprias para
nos tornar prudentes, quando se trata de julgar a
ciência dos antigos.
Desde os tempos mais recuados, a astronomia
foi uma ciência cultivada e até muito avançada. A
medida dos diâmetros da lua e do sol, a predição
de eclipses e de outros fenômeno'; celeste?, supõem
que os sacerdotes egípcios ou os astrônomos caldeus
possuíam instrumentos adaptados a êsse gênero de
trabalho.
(i) Cr. R evista do Céu, Agosto de 1917.
A CIÊNCIA DOS FARAÓS 99

Em que consistem êsses aparelhos ? Não possuí­


mos nenhum dado positivo para responder a essa
pergunta, mas não é inverossímil pensar que nêles
a óptica desempenhava certo papel.

Croquis a lapis reproduzindo um esbôço existente na


face de uma m uralha do antigo observatório da cidade
de Moroe.
100 ABBÉ MOBEUX

Todavia, se a esfera celeste lhes era familiar,


não se poderia dizer outro tanto da esfera terrestre.
Sem dúvida, as viagens poderiam ensinar aos povos
antigos que a terra era redonda e isolada no espaço,
mas nada permite supor que essa idéia lhes viesse ao
espirito.
Por mais longe que remontemos, é preciso che­
gar a Anaximandro (VI século antes de Cristo) para
ver surgir a êsse repeito proposições mais ou menos
exatas. Os gregos, sabemos, muito aprenderam com
os egípcios, mas aqui, sua ciência parece muito
pessoal e êles, ao que tudo indica, foram os primeiros
a professar a esfericidade da terra.
Até mais ampla informação, parece certo que cs
construtores da Grande Pirâmide não puderam
medir, mesmo indiretamente, o raio polar do globo
terrestre, e ainda menos fixar a distância do sol,
o valor da precessão, ou marcar sua posição relati­
vamente à superfície da terra; e se tudo isto se con­
tém na Pirâmide de Kéops, a origem dêstes dados
cada vêz mais se torna inexplicável.
Piazzi-Smith teria, pois, razão e, por conse­
qüência seria preciso invocar antigas tradições ?
Confessemo-lo; continuamos em pleno mistério S
CAPÍTULO V I I

À LUZ DAS ESTRELAS

Por certos exemplos já dados, vimos que os


astrônomos da antiguidade faziam uso corrente das
constelações. Pergunta-se, pois, qual é a verdadeira
origem dêsses agrupamentos convencionais de es­
trelas .
Já 280 anos antes de nossa éra, o poeta Arato
nos dá uma descrição detalhada do céu, no poema
intitulado Os Fenômenos e os Signos, mas o autor
se inspirou numa obra escrita por Eudóxio, um sé­
culo antes.
E? preciso, pois, remontar muito mais além e
devemos desde já fazer a distinção entre o Zodíaco
e as constelações esparsas na abóbada celeste. Estas
últimas seriam, digamos assim, inteiramente espe­
culativas; à exceção das constelações vizinhas do
polo e que poderiam servir aos viajantes para lhes
indicar a direção norte, as demais não teriam uti­
lidade alguma.
Não se dava o mesmo com o zodíaco, faixa
muito larga, cujo centro é ocupado pela eclíptiea,
102 ABBÉ MOBEUX

êsse grande círculo da esfera no qual se dá o mo­


vimento anual aparente do sol. E’ aí também qus
se movem os planetas; 03 movimentos dêstes astros
pouco se afastam do plano dessa órbita; donde se
conclui, necessariamente, portanto, que suas pro­
jeções aparentes na esfera celeste estão sempre na
vizinhança da eclíptica.
A faixa zodiacal foi dividida em doze conste­
lações, que dão o círculo completo do céu e como
0 ;?ol as percorre num ano, ou seja 360o-em 365 dias,
daí resulta que o nosso astro central efetua cêrca
de. Io por dia no sentido oposto ao movimento diurno
da esfera, ou seja cêrca de 30° par mês, mais ou
menos. Mas, cada constelação zodiacal está longe ds
ter 0 30° de extensão; é, pois, apenas teoricamente,
q;ie o sol entra cada mês numa constelação dife­
rente. Nb momento atual, as constelações do zodíaco
são anunciadas pelos dois seguintes versos latinos,
íáceis de gravar:
Sunt Aries, Taurus, Gemini, Cançer, Leo, Virgo
Libraque, Scorpius, Arcitenens, Cáper, Amphora,
Pisces
ou em português:
Aries — Touro — Gêmeos — Câncer
Lião — Virgem — Balança — Scorpião
Sagitario — Capricórnio — Aquário — Peixes.
A CIÊNCIA DOS FARAÓS

Cs sinais convencionais que damos, devem ser


conhecidos dos nossos leitores, porquanto se acham
em todos os almanaques.
Como, em virtude da precessão, a interseção
do equador e da eclíptica, que determina o equinócio
da primavera, se desloca no céu, concebe-se que a
consideração de um zodíaco antigo é muito preciosa
para um arqueólogo; pelo seu exame, pode-se dedu­
zir a época em que o zodíaco foi construído, Explica-
assim, o entusiasmo que excitou o achado, em
1798, dos zodiácos egípicios de Denderá e Esné.
Èshíes zodíacos colocam, com efeito, o equinócio
da primavera longe de sua posição atual e sua desco­
berta pode, em primeiro lugar, confirmar os pontos
de vista dos astrônomos Bailly e Dupuis, que recla­
mam para os Egípcios o conhecimento das conste­
lações zodiacais.
Infelizmente, sabemos hoje que essas represen­
tações foram feitas às pressas, ao tempo dos roma­
nas, sendo copiadas dos zodíacos gregos. Tudo nos
prova, ao contrário, que os antigos egípcios não fize­
ram uso do Zcdíaco; seus doze meses lunares de
trinta dias estavam bem divididos em três décadas,
mas estas não se referiam à eclíptica.
A origem do zodíaco é sem dúvida alguma
caldaica. Tábuas muito antigas mencionavam várias
de suas constelações, mas a série completa ainda
r.ão foi descoberta. Como quer que seja, os docu­
104 ABBÉ MOREUX

mentos mais antigas revelam que 3.000 anos antes


da éra cristã, os astrônomos caldeus tinham notado
que a primavera começava no momento em que o
sol ocupava a constelação de Touro, símbolo do

Fragm ento do Zodíaco de Denderafe,


O conjunto form a nm verdadeiro monum ento de pedra,
exibido num a das salas de M aseu do Louvre.

Marduque, que significa — sol da primavera. Por ou­


tro lado, Escorpião correspondia ao equinócio do ou­
tono; depois vinha o inverno cem os seus signos
aquáticos — Aquário e Pisces, como convinha a uma
estação chuvosa.
A CIÊNCIA DOS FARAÓS 105

Outra tábua mais recente nos informa que, ao


tempo de Assurbanipal (cêrca de 650 anos A. C ) , o
zodíaco estava de certo completo; o documento
euneiforme é dividido em doze setor&s iguais, um
para cada mês, cujo comêço, assim como o de cada
decada, é fixado pelo levantar helíaco de uma estrela
própria.
Um século depois, a prática do zodíaco é cor­
rente . Uma tábua que data do sétimo ano de Cam-
taises (522 A.C.) traz os nomes dos doze signos,
que foram, desde então, até os nossos dias empre­
gados, e estes signos dividem-se em três partes, cada
um valendo 10°. O primeiro signo aí referido é de­
signado pela sílaba Ku, e compreendia Aries ou
Dil-gan.
Assim, estamos não ,somente certos de que a
origem do zodíaco é caldéia, mas também temos a
explicação de um fato muito estranho à primeira
vista; a divisão do círculo em 360°, divisão calcu­
lada pelo valor aproximado do deslocamento do sol
entre as constelações zodiacais, Talvez seja esta a
origem do sistema duodecimal associado cêdo ao sis-
temo decimal, que prevaleceu, depois, para usos
práticos.
Se pacientes arqueólogos não chegassem a de­
cifrar os têxtos das tábuas caldéias, que datam de
5.000 anos, não poderíamos ainda indagar de onde
veio essa curiosa maneira de dividir os arcos e as
horas em gráus, minutos e segundos sexagesimais.
106 ABBÉ MOREUX

Sem dúvida, pensaríamos que essas divisões seriam


convencionais, mas uma convenção se baseia sem­
pre num fato inicial, que, só êle pode servir de
explicação.
E esta averiguação prova ainda o seguinte: é
que tradições, até científicas, se podem transmitir,
através de 50 séculos, sem sofrer alteração, enquanto
o mecanismo dos métodos, ao contrário, se apaga
muito depressa na memória dos homens.
Esta consideração é de importância capital
para a história e não se poderia realçá-la demais, ao
menos para responder a tôda uma escola de contem­
porâneos, que desprezam as tradições e são levadas
a ver nestas, apenas, flutuações de crenças que se
alteram através das idades. Professar esta opinião é,
a meu ver, ignorar as leis mais importantes da
psicologia e colocar-se contra tôda a história da
ciência.
Não insisto, porquanto as considerações seguin­
tes confirmam, de modo singular, meu ponto de
vista,
Entre as constelações modernas, que são em
número de 80 a 100, segundo as notações, 48 delas
figuram no mais antigo catálogo conhecido: o de
Hiparco, organisado no ano 150 antes da éra cristã.
Mas, Hiparco só fez fixar a posição das estréias; o 3
nomes, êle tomou de empréstimo à nomenclatura já
conhecida em seu tempo e que, parece, se tran?mi-
A CIÊNCIA DOS FARAÓS 107

tiu de geração em geração. Nessa época, a esfera de


Eudoxio era célebre e datava já de dois séculos e
meio. Ninguém duvida, aliás, de que os gregos
tenham tomado de empréstimo a maioria de suas
constelações aos povos orientais e, sobretudo, talvez,
aos egípcios. Em todo caso, Homero, na Ilíada e na
Odisséia, menciona Sírio, a brilhante estrêla da
Grande Cão, Orion, as Híades e as Plêiades e enfim,
a Ursa, que já guarda Arcturus.
Os hebreus, que viveram tanto tempo entre os
egípcios, conheceram nossas constelações. Falando
sôbre o poder de Deus, Jó exclamou:

“Èie ordena ao sol, ..


Põe um sêlo nas estrelas.
Único, exiende os cens,
Marcha sôbre as alturas do mar.
Criou a Grande Ursa, Orion, as Pleiades
E as regiões do ceu austral.
(Jó, IX, 79)

Mais adiante, é o próprio Criador que responde


a Jó:
Onde estavas, quando eu lançava os fundamen-
[tos da terra ?
Quem lhe determinou as dimensões?
Em que repousam suas bases ?
Ou quem lhe poz a pedra angular,
Quando os astros da manhã cantavam em coro?
108 ABBÉ MOREUX

E’s tu, quem apertas os laços das Pleiades,


Ou poderias afrouxar as cadeias de Orion?
E’s tu quem mandas levantar as constelações
{em seu tempo?
Quem conduz a Ursa com seus filhos ?
Conheces as leis do ceu ?”
(Jó, XXXVIII, 4, 31)

Em Amós (Cap. V, v. 8), o profeta adverte de


novo a Israel:

t(Procurai Jeová e vivereis. . .


Êle fez as Pleiades e Orion. . . ”

Ora, o maravilhoso poema de Jó foi escrito pelo


décimo século antes da nossa éra. Todavia, — e aqui
está a prova de que os hebreus não tomaram de em­
préstimo tôda a sua ciência aos egípcios — os no­
mes das constelações no Egito não correspondem aos
das constelações em Israel. A identificação das cons­
telações mencionadas pela Bíblia só pode ser feita
com as dos caldeus e foram estas que, mais tarde,
prevaleceram entre os gregos, como entre nós.
As tábuas caldéias, posteriores ao poema de Jó,
mencionam o Touro e as Híades (Gud-Ana); o
Leão, conhecida pelo nome de Ur-a, de que faz parte
ii o s í o Régulus e que já se chamava Lugal ou Sarru,
que quer dizer: o rei, etc..
A CIÊNCIA DOS FARAÓS 109

Remontando mais além, pelo século XII, en­


contramos a constelação de Capricórnio.
Tudo se explica, quando se sabe que Abraão,,
pai do povo hebreu era originário de Ur, na Caldeia.
Assim, nossas constelações tiveram, de certo, erigem
caldéia, talvez babilônica. Eis o que nes diz a his­
tória; mas a astronomia pode ir mais longe e infer-
mar-nos sôbre o estado civil, lugar e data de nasci­
mento das constelações celestes.
Vimos que contràriamente aos egípcios, cs as­
trônomos caldeus referiam as posições das estréias
à eclíptica, trajetória aparente do sol no céu, daí se
originando o seu Zodíaco .
Ora, numa época recuada, já se dispunham de
trinta estréias fundamentais situadas nessa zona.
Isto resulta dos magníficos trabalhos de P. Epping
sôbre o assunto, reportando-se ao ano 3.000 A. C.
Se bem que várias das estréias ou das conste­
lações não tenham ainda sido identificadas nas
tábuas antigas, pode-se acreditar que foram seus
nomes que serviram, como os outros, para construir
o> globos e as esferas, empregadas mais tarde pelos
gregos. Esta hipótese, muito plausível é, de fato, a
í xpressão da realidade.

Tomemos, com efeito, um globo celeste e assi­


na u mus na esfera as 48 constelações indicadas por
Eudoxio; íaremos logo uma averiguação da maior
110 A B 3 É MOREUX

importância. Grande parte do globo se acha des­


provida de indicações. Nada de espantoso, porquan­
to êsse vazio corresponde exatamente ao pólo aus­
tral, somente visivel em certas latitudes.
Os astrônomos que levantaram globos desta es­
pécie, basearam-se em documentos de povos que
habitavam uma região situada no hemisfério boreal
e o cálculo indica que a latitude dos primeiros
observadores devia estar compreendida entre o 40°
e o 46° paralelo norte. Eis aí uma observação de ca­
pital importância, porquanto prova que nossas cons­
telações não poderiam provir da índia ou do Egito,
nem mesmo da Babilônia, cuja latitude era de
72 •
Se, por outro lado, levarmos em conta os des­
locamentos do polo, chegaremos ainda à data de
3.000 anos antes da éra cristã. Resta fixar a longi­
tude dos observadores que assinalaram as conste­
lações antigas.
A tarefa não parece muito fácil, porquanto no­
taremos, imediatamente, a ausência, dentre os no­
mes das constelações, do elefante, do camelo, do
tigre, do crocodilo. Ainda uma vez, as constelações
não nos vieram nem da índia nem do Egito por­
tanto, somos levado a concluir que aque&ots que
as “batisaram” habitavam a Ásia Menor ou a Ar­
mênia .
O zodíaco vai fornecer-nos outras indicações
preciosas. Sob os Ptolomeus, Aries era a origem dos
A CIÊNCIA DOS FARAÓS 111

signos, mas não o era quando deram nomes às cons­


telações. O equinócio da primavera era próximo de
Aldebaran, a bela estrela de Touro; o solstício do
verão caía no Lião, perto de Régulo; o equinócio do
outono era vizinho de Antarès, o belo sol vermelho
de Escorpião, e o solstício do inverno coincidia com
Aquário, perto de Formalhaut. Em virtude de sua
Importância relativamente à marcha do sol, as qua­
tro estrelas que acabamos de nomear eram conhe­
cidas pelo apelido de estréias reais. Ora, tudo isto
corresponde ainda a uma época compreendida entre
3 e 4.G00 anos antes da éra cristã. Impossível é
assinalar, às nossas constelações, origem mais pró­
xima ou mais longínqua. Naqueles tempos remotas,
o Dragão ocupava o polo celeste e isto explica sua
importância nas antigas mitologias. Por outro lado,
o povo que inventou as constelações já estava em
avançado estágio de civilização: tinha domesticado
o carneiro, a cabra, o cão, o boi, o cavalo; deveria
caçar o urso, o leão, a lebre, etc. às custas do arco
e da ílexa; quase todos ês-es nomes acham-se sim­
bolizados no céu.
Êste povo deveria ter habitado, sobretudo, às.
margens do mar Cáspio, na região vizinha ao curso
'Upcrior do Tigre e do Eufrates.
A geologia nas informa que o homem viveu
longo tempo na terra, anUs das civilizações caldéias
e egípcias, mas a pré-história é ciência pouco avan­
çada para que possamos pedir precisões. As pri­
112 ABBÉ MOREUX

meiras idades não seriam separadas dos períodos


históricos por um grande cataclisma, como ocorreu»
de certo, no próprio transcurso da época quaterná­
ria? Alguns pensam assim, e não sem razão, e invo­
cam verdadeiro dilúvio que teria tragado metade
da humanidade. Sôbre tôdas essas questões, a ciên­
cia continua muda, mais ou menos, e só as tradições
pedem ser invocadas.
Como quer que seja, parece que, sobretudo ago­
ra, as mais antigas noções astronômicas transmiti­
das pela história nos vêem da alta Ásia Menor; daí
essas noções, com o êxodo dos povos, passaram à
Assíria e à Caldéia, depois aos Medas, aos Persas,
aos Indús, aos Egípcios e aos Gregos, que nô-las
legaram.
Enfim, última nota interessante, quando os
primeiros navegantes abordaram a América, que
eles tomaram pelas índias, ficaram surpreendidos
ao verem povos, de raças muito diferentes e que
pareciam não ter relação alguma com os povos do
antigo continente, designar as constelações celestes
pelos mesmos nomes e achai1sob o céu da América,
a Mandíbula do Boi, os filhos da Galinha (Pleiades),
etc. . . Existiu, pois, uma imigração dos asiáticos,
em época relativamente pouco afastada da éra
cristã. (1).
(1) A passagem da Ásia à A m érica se deveria fazer m uito
facilm ente pelas A leutas e pelo estreito de Bhering. Desm oro­
nam entos da crosta te rre stre são m uito verossím eis nessas r e ­
g i õ e s . desde o fim do período terciário.
Fig. V
A CIÊNCIA DOS FARAÓS 113

Assim, as ciências prestam-se mútuo apôio e


talvez não esteja longe o dia em que o prehistoria-
dor, ao descobrir, gravados na pedra, constelações e
zodíacos, pedirá ao astrônomo que fixe as datas exa­
tas dessas representações: seria, em todo caso, a
melhor maneira de resolver um problema que tende
a -se eternizar.
Para mostrar tôda a precisão dos processos as­
tronômicos, nesta espécie de soluções, darei um
exemplo tirado da Grande Pirâmide, Quando sir
John Herscheí estudou, pela primeira vez, o monu­
mento, não só ficou admirado pela orientação da
passagem da entrada no plano do meridiano, como
também não tardou a perceber que o eixo da galeria
visava a um ponto abaixo do polo celeste, de modo
que se prestava admiravelmente à observação da
passagem inferior, pelo meridiano, de uma estrela
circumpolar, situada a determinada distância do
polo. Em certa época, Herscheí achou, pelo cálculo,
que uma estrela notável, Alfa do Dragão estava pre­
cisamente à distância angular indicada pelo eixo da
passagem, da entrada.
Ademais, nos anos em que Alfa do Dragão era
vista oo meridiano abaixo do polo, à altura angular
oe 26°l(r, precisamente igual ao ângulo feito pelo
eixo da passagem, outra constelação brilhante, as
Pleiades, passavam ao mesmo tempo pelo meridiano,
mas acima do polo celeste, e êste meridiano — isto
não ocorrerá em 10 mil anos antes ou depois — coin­
li- i ABBÉ MOREUX

cidia então com o círculo horário que passa pelo


equinócio, origem, ao mesmo tempo, do dia siderai,
do comêço do ano astronômico e enfim de todo cál­
culo de ascenção reta na esfera celeste.
Assim, pela simples escolha de um ângulo de
26°18’, eis que três grandes fenômenos, no tempo e
no espaço — a passagem de Alfa de Dragão pelo
meridiano, sob o mesmo ângulo, abaixo do polo, a
da célebre constelação das Pleiades em cima, no
mesmo momento e no meridiano equinocial — se
tornam simultâneos. Pode-se imaginar, pensava
Rerschel, combinação mais própria para fixar para
sempre uma data memorável, em relação íntima
com a Grande Pirâmide? E por que êsse tríplice fe­
nômeno se produziu no ano 2170, não devemos
concluir que este é o ano da fundação da Grande
Pirâmide ?
Esta coincidência misteriosa fornece, além disto,
um método cronológico incomparável, pela simpli­
cidade e pela grandeza, que se estende ao pasmado
como ao futuro, e cujo elemento principal é forne­
cido pelo acréscimo anual da distância do grupo das
PiEiacIes ao pcnto equinocial, igua,! em ascenção
reta a 3.5 segundos. Realmente, as Pleiades, subme­
tidas à lei da preeeisão dos equinócios, que lhes faz
descrever o movimento cíclico em milhares de anos,
— tornam-se como que o relógio da Grande Pirâ­
mide, e êsse relógio começou a contar, vale dizer,
seu3 ponteiros marcaram 0h.0’.0”, quando Alfa do
A CIÊNCIA DOS FARAÓS 115

Dragão passou a primeira vez pelo meridiano, à dis­


tância do polo marcada pela passagem da entrada
da pirâmide, ou como dizia sir John Herschel, quan­
do o monumento foi construido.
Eis, portanto, como os construtores marcaram
sua obra: não tinha eu razão de dizer que a Grande
Pirâmide era uma construção métrica e científica
de primeira ordem ?
Sim, mas Herschel, Piazzi-Smith e outros não
contaram com os arqueólogos. Êstes apoderaram-se
do Egito, de seus têxtos, e da discussão à interpre­
tação, decidiram que a grande Pirâmide, construída
por Kéops, ou no seu reinado, datava de 4,000 anos
pelo menos, antes da éra cristã.
Todos inclinaram-se diante de homens muito
instruídos, que se impunham ao público e que nos
fizeram admitir que se poderia cientificamente de­
terminar a idade de um monumento egípcio, mais
ou menos, em alguns séculos, não trazendo ê>se mo­
numento inscrição alguma !
Ademais, os astrônomos se desinteressaram da
questão c* o caso passou em julgado.
Ora, aqui está a engraçado da história: recen­
temente verificou-se que era preciso diminuir a anti­
guidade das mais velhas dinastias contemporâneas
das Pirâmides,
116 ABBÉ MOREUX

Ouçamos agora o dr, Contenau, mestre incon-


te.ste em matéria de Assiriologia: “Se as descobertas
epigi áíicas e monumentais dos últimos cinqüenta
anos dão razão à antiguidade fabulosa que os anti­
gos atribuiam às monarquias da Assíria e da Babi­
lônia, contudo, na Mesopotâmia, estamos em pre­
sença de monumentos que podem datar de 3.000
anos antes de nossa éra. O Egito viu também redu­
zida sua cronologia. Situa-se Menès, primeiro rei
das dinastias históricas, por volta de 3.200 ou 3.400
anos” . (1).
Ora, Kéops pertencia à IV.a dinastia e admite -
se que haja decorrido uma dúzia de séculos entre
Menès e Kèops.
Menès tendo rejuvenecido, Kèops deve sê-lo na
mesma proporção e , .. encontramos, para a cons•
tração da Grande Pirâmide, exatamente a época
revelada pelas deduções astronômicas.
Êste período coincide, aproximadamente, com
o que se assinala para a vocação de Abraão, isto é,
somente alguns séculos antes da entrada de Israel
no Egito (2) .
Se, na época das Pirâmides, tradições já haviam
passado da Mesopotâmia ao Egito, é evidente que a
descendência de Abraão ainda não exista. Como,
(1) Coníenau, obr. eit.. Preâm bulo (Edição de 1922).
(2) Cf. F linders P etrie Egypt and Israel, p . 38. O au to r
adm ite que a entrada de Israel no Egito data de 1650 anos A, C,.
A CIÊNCIA DOS FARAÓS 117

por outro lado, as constelações se originaram a leste


do Egito, é preciso que, em tempos mais recuados,
tenha havido comunicação de tradições originadas
longe do delta do Nilo.
Quais eram essas tradições, que vestígios dei­
xaram em todo o Oriente? É o que vamos pesquisar
próximo capítulo.
CAPÍTULO VIII

TRADIÇÕES FILOSÓFICAS E HISTÓRICAS

Para que uma tradição não seja alterada, é ne­


cessário que seja apenas acessível a uma elite e
nâo se espalhe nas camadas populares. A divisão da
circunferência em 360°, já citada, é um exemplo
disso. Há, contudo, exceções: a tradição pode con­
tinuar intacta, se é confiada a iniciados, que a con­
servarão como um depósito sagrado, ou até por
chefes, que tenham por missão transmití-la.
A história aí está para evidenciar estas asser­
ções. E’ costume, com efeito, aplicar a todos os
cultos, a tôdas as religiões, as leis da evolução, que
regem os povos, suas línguas, suas instituições, etc..»
Eis aí um método absolutamente falso, em minha
opinião, e que só é válido em certas condições.
O bramanismo, como o protestantismo,, por
exemplo, estão em perpétua evolução. Por que? Por­
que ninguém tem a missão de guardar o conjunto
oe seus dogmas 011 0 encargo exclusivo de interpre­
tá-los, Sei que se censura o catolicismo, pelas mes­
mas razões, mas aqueles que esposam esta tese
ignoram tudo a respeito de nossa teologia.
120 ABBÉ MOREUX

Em primeiro lugar, desde Moisés, a religião ju­


daica não variou: estava consignada no antigo Tes­
tamento, regra de fé e de conduta para todo Israe­
lita. A religião cristã só fez enxertar-se sôbre ela, e
desde a vinda de Cristo, digam o que disserem, nossos
dogmas continuam os mesmos: para êles, não houve,
nem haverá evolução. Alguns pontos de doutrina,
mais ou menos desenvolvidos, podem, em certas
épocas, ser precisados pelo sucessor de Pedro, único
a dispôr deste poder, mas isto não aumenta, nem
diminue o primitivo depósito.
Pretender o contrário, como são tentados a en­
sinar certos filósofos ou historiadores, é contrariar
tôda a tradição apostólica, e portanto renegar o
próprio fundamento da nossa fé. Ouçamos, antes,
São Paulo, dirigindo-se aos Gálatas: “Maravilho-me
de que tão depressa passasseis daquele que vos cha­
mou à graça de Cristo para outro evangelho ; de
certo não há outro evangelho; mas há (1) alguns
que vos inquietam e querem transformar o evange­
lho de Cristo. Porém, ainda que nós mesmos ou um
anjo do céu vos anuncie outro evangelho, além do
que já vos temos anunciado, será anátema” (2).
E numa das Epístolas a Timóteo, o mesmo
Apóstolo acrescenta, depois de ter lembrado os prin­
cipais deveres ligados ao cargo pastoral: “ ó Timó­
teo, guarda o depósito, evitando as discussões vãs e
(1) Alusão à doutrina dos judaizantes.
(2) Epist. aos Gál., I, 6-8.
A CIÊNCIA DOS FARAÓS 121

profanas e as oposições da falsamente chamada ci­


ência; professando-a, alguns, .se desviam da fé” .
(1) Ainda uma citação, -extraída do fim do
evangelho de São Mateus. O Cristo aproxima-se de
seus discípulos e diz-lhes: “Todo poder me foi dado
110 céu e na terra. Ide, pois, ensinai todas as nações,
batisando-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito
Santo, ensinando-lhes a guardar tudo que vos or­
denei : e eis que estou convosco até o fim do
mundo (2).
Todos êsses detalhes são absolutamente neces­
sários, para se compreender em que dédalos de con­
tradições se perdem historiadores ignorantes das
doutrinas católicas, quando vêm afirmar que os
dogmas são, apenas, o desenvolvimento natural de
crenças comuns a outras religiões; que êstes dogmas
tomamos de empréstimo quer aos egípcios, quer aos
babilônios, quer até às escolas filosóficas tão céle­
bres da Grécia.
O fato de encontrarmos nas antigas religiões
orientais, alguns vestígios esparsos de verdades re­
ligiosas admitidas pelos hebreus, e mais tarde, pelos
cristãos, não prova, de modo algum, a derivação
destas em relação àquelas e ainda menos uma evo­
lução. Que diríeis de um geólogo que viesse nos
afirmar, seriamente, que os mamíferos derivam dos

(1) 1 » Ep. a Timóteo, VI, 20-21.


Í2) Ev. São Mateus, XXVIII, 18-20.
12L ÂBBÉ MOREUX

insetos, sob o pretexto de que ambos respirara, têm


uma cabeça e patas? Tal raciocínio não prevalece,
Resta ainda uma solução: se, como julgamos,
a cêpa humana é única, — o que parece cada vez
mais confirmado pela nossa ciência atual — certos
ensinamentos religiosos, bem como fatos históricos,
que se referem a nosso longínquo passado, puderam
se transmitir de geração em geração; muitos, com
o êxodo dos povos, se perderam no caminho, eviden­
temente reformados no decurso dos séculos, tais
como essas línguas irmãs, cujos radicais são as
garantias únicas de origem idêntica. Razões comuns
a várias religiões não podem ser invocadas, portan­
to, como ponto de filiação de umas em relação às
r/atras, mas somente como indícios de uma mesma
origem ncs tempos mais longínquos,
Desconhecer êstes princípios é expôr-.3e aos
piores êrros e às conclusões mais aventurosas; apli­
cá-los é entrever a solução de problemas que inte­
ressam, no mais alto gráu, tôda a história de nossas
aquisições, nos domínios mais variados.
Até aqui nada nos autoriza a pensar que, na
época da construção das pirâmides, por exemplo,
alguns espíritos pudessem conservar intactas ver­
dades científicas, talvez reveladas ao primeiro
homem e transmitidas por tradição; mas, observa­
ções perturbadoras vêm lançar a dúvida em nossos
espíritos e colocar sob nossos olhos, de modo o mais
A CIÊNCIA DOS FARAÓS

imperioso, o célebre dilema de Piazzi-Smith. Â es­


finge guarda ciosamente seus segrêdos, mas Édipo
vive em cada um de nós: um dia dês te s, teremos a
decifração do Enigma.
Resolver o problema, desde agora e de modo
direto, é cousa em que não devemos pensar; mas,
não é prcibido inspecionar-lhe os aspectos e cercar
a cidadela com trabalhos de aproximação.
Nossos esforços não serão inúteis se chegar­
mos a fazer compreender, por meio de alguns exem­
plos, qual o mecanismo por que se transmitem as
tradições, muitas vezes intactas, mas as mais das
vêzes deformadas.
Os documentos mais antigos se referem quase
todos à religião, que gosava nas sociedades antigas
de um papel preponderante. Por outro lado, é notá­
vel cbservar nos povos antigos um sentimento unâ­
nime que toca às origens do seu culto; tcdos estão
convencidos de que sua religião é tanto mais perfei­
ta, quanto mais remonta ao passado. Há, de certo,
evolução, mas é uma evolução às avéssas, exata­
mente oposta ao que pretendem certos arqueólogos,
mais zelosos em nos impôr suas teorias, do que em
procurar a verdade nos fatos. E contudo, essa evolu­
ção regressiva, no fundo, é muito natural; até em
nossa época, se os pastores do rebanho não reagis­
sem, as massas populares, — vêrno-lo todas os dias,
tenderiam depressa para as superstições, Esta ob­
124 ABBÉ M ORE U X

servação explica-nos a idolatria em que caiu a maio­


ria dos povos orientais, (deveria dizer, todos os
povos), inclusive os hebreus, sempre que uma mão
firme não bastava para os manter no culto do verda­
deiro Deus e que adoraram, sucessivamente, os
íalsos deuses das nações com as quais estiveram em
contacto.
O politeismo não é, pois, absolutamente, a for­
ma inicial das religiões, está muito longe disso. Sem
dúvida, os egípcios, como os caldeus, adoraram tôda
espécie de animais; os têxtos mais antigos, porém,
demonstram que, no comêço, não foi assim.
Certas inscrições das Pirâmides da III.a e IV.a
dinastias mencionam muitas vêzes: “Deus, o Deus
um. o Deus único” . O Livro dos Mortos, que re­
m onta a alta antiguidade e que foi autoridade du­
rante vários milênios, era uma compilação de preces,
espécie de ritual funerário dividido em 165 capítulos;
a sua moral era muito mais elevada e a tecdicéia
muito mais pura, do que nos tempos mais recentes.
Eis por exemplo, o gênero de invocações, que uma
alma deve fazer ao seu Juiz celeste, logo depois de
sua morte: “Homenagem a tí, grande Deus, Senhor
de verdade e de justiça' Vim, a ti, ó meu Senhor,
apresentar-me a tí, para contemplar tuas perfeições”.
Infelizmente, o culto dos antigos fez, pouco a
pouco, degenerar êsses conceitos monoteistas e os
próprios faraós se tornaram, também, deuses, des­
cendentes de uma espécie de demiurgo, “fabricante
A CIÊNCIA DOS FARAÓS 125

cie deuses e de homens”; é, ao menos, o que ensi­


na o Hino a Khnam. O papiro Prisse, o livro mais
antigo do mundo, contém o mesmo ensino e ncs fala
de reis antigos, divinizados scb o nome de N utéru,
O primeiro deles, como o indica um têxto mais re­
cente da Pirâmide de Pepi I.°, foi Atum o (o ante­
passado) no qual não é difícil reconhecer o nosso
Adão da Escritura.
Mas, já a verdade primitiva está alterada, a
mito substituiu o fato: o Atum dos Egígeios, tornou-
se o pai dos deuses e das homens; sob a VIa dinas­
t i a , “Atum, dizem as inscrições, existia quando não
havia morte” .
Êste têxto deve .ser cotejado como o ensino bí­
blico, que nos apresenta a morte como castigo da
falta adâmica.
Eu sairia do assunto se explicasse como, pouco
a pouco, os egípcios chegaram a adorar animais e
por que mecanismo, muito simples e algo infantil,
imaginaram a metempsicose, em que acieditam es­
píritos ingênuos ainda em nossas dias, como uma
idéia profunda e admirável.
Se passarmos à Caldéia e à Assíria, países muita
mais avançados em civilização do que o Egito na
época das pirâmides, observamos também uma tra­
dição notavelmente alterada; Deus é, ao mesmo
tempo, um e múltiplo; daí diferentes nomes que o
representarão mais tarde,aos olhos do povo, como
126 ABBÉ MOREUX

divindades diversas; mas, o que nos prova muito


bem que estamos em presença de uma deformação
da unidade divina, é que cada deus traz sempre o
atributo El, designação de Deus em todas as línguas
semíticas: eis o que explica, digamos de passagem, o
nome de Eloím dado a Deus pelos Hebreus. El, em
assírio, torna-se muitas vezes Ilui, Ilani> Ilu, asso­
ciado a outros nomes: Ilu Sarnas é o sol e Ilu Sin
3 lua, mas, apenas Ilu, significa “o pai dos deuses” .
Dizem também que a religião primitiva era so­
bretudo astral; nada autoriza tal asserção de arque­
ólogos de gabinete ; o símbolo deus nos hieroglifos
não é uma estrela, mas um busto de homem, com a
mão extendida, segurando ora um círculo, ora um
arco ou uma flor; depois o busto desapareceu e só
ficou o círculo ornado de plumas, da cabeça real.
Mas, voltemos ao assunto. Assim, quanto mais
remontamos ao passado, mais notamos, como assi­
nalou eminente assiriólogo, a noção fundamental
da unidade divina, último vestígio da revelação pri­
mitiva, mas desfigurada pela superstição popular e
pelos monstruosos desvários do paganismo,
De todos os povos antigos, só os hebreus con­
servaram o culto do Deus verdadeiro e isto mau
grado infidelidades passageiras, censuradas àspera-
mente pelos profetas. É conhecida a história do be­
zerro de ouro, que o povo mandou fazer na ausência
de Moisés. Não está aí a prova, afirmam certos auto­
A CIÊNCIA DOS FARAÓS 127

res, de que o povo de Israel só pouco a pouco chegou


ao monoteismo? E um dêles acrescenta: “Jeová ori-
ginàriamente, deveria ser um touro” .
É preciso jamais ter lido a Bíblia para enunciar
tais dispautérios: a narração bíblica é formal e nela
encontramos a condenação de Moisés sôbre êsse ato
de idolatria.
A verdade é que de Abraão à vinda do Messias,
Jeová foi o único Deus que se devia adorar: “Jeová
é Deus e não há outro como êle”, lemos já no Deu-
teronomio, escrito quinze séculos antes de nossa
era. Foi, aliás, para arrancar Abraão ao seio da ido­
latria que Deus, dizem-nos as Escrituras, o condu­
ziu à terra de Canaan. Ouvi, com efeito, a narração
de Achior, chefe dos Ámonitas: “Êste povo (hebreu),
diz êle a Holofernes, é da raça dos caldeus; veio
habitar primeiro na Mesopotâmia, porque não que­
ria seguir os deuses de seus pais, que estavam no
país dos caldeus. Tendo, pois, abandonado os ritos
de seus ancestrais (imediatos), que prestavam culto
a vários deuses, êste povo adora o único Deus do
céu’7. (Jud. V, 6-9).
Afinal de contas, a origem do nome de Jeová
(ou Iahvé) não apresenta dúvidas e nada tem a ver
com o ídolo. Quando o Eterno manda Moisés anun­
ciar a seu povo que o há~de tirar da escravidão dos
faraós, Moisés prevê a acolhida reservada à sua
nova. “O Deus de nossos pais, objet-ar-lhe-ão,
128 ÂBBÉ MOREUX

como se chama?” E é então que Deus responde a


Moisés: “Eu sou O que sou. Assim é que responderás
aos filhos de Israel. Êle é, o Deus de vossos pais. o
Deus de Abraão, o Deus de Isaac, o Deus de Jaeó
me envia a vós. Eis aí o meu nome para sempre” ,
Assim lahvé, que se traduziu por Jeová, pro­
núncia tôda convencional, quer dizer Eu sou, e
quando o homem fala sôbre Deus chama-o Êle é.
Dantes, Deus se manifestára a seu povo como
Schadai, vale dizer, como Todo Poderoso (Êxodo
VI. 3); doravante, Êle se revelará a sí mesmo sob
seu verdadeiro nome: Eu sou O que sou, vale dizer,,
o Ser, só, sem limitações, nem restrições; o Ser,
em tôda sua plenitude, o Necessário, o Infinito, o
Absoluto. Poder-se-ía pedir uma definição de Deus,
mais filosófica, mais verdadeira, mais sublime? Em
nenhuma religião antiga poderíamos encontrar uma
doutrina tão pura e tão elevada. Pois bem! Ainda
aqui é evidente que Moisés nada criou, Educado
na côrte dos faraós, o grande sacerdote de Israel
estava, sem dúvida, a par de tôda ciência egípcia,
mas então as tradições filosóficas e religiosas pri­
mitivas ali já estavam alteradas. Na época de Moisés,
a idolatria já reinava como soberana absoluta nos
vales do Nilo; alí se adoravam animais, prestava-se
culto aos astros; a religião não passava de um amon­
toado de superstições grosseiras, e não era de certo,
pelo contacto com os egípcios, que a alma dos he~
F ig . V I

Ápice do O belisco de Nim roud ( X século A . C . )


Âs cenas representam um a em baixada portadora d® tri­
buto para Salm ansar II, ao qual se refere a B íblia
(Exem plar de escrita cuneiform e —■ M useu do L ouvre)
A CIÊNCIA DOS FARAÓS 129

breus se poderia elevar, ou seu espírito desabrochar,


à justa noção das verdades eternas.
Acabamos de ver como a idéia de um Deus
único foi, pouco a pouco, se apagando nos povos
idólatras, enquanto entre os hebreus se conservou
durante tôda a sua história. Eis aqui um exemplo
de uma tradição filosófica e religiosa. Vamos agora
passar ao exame dos fatos históricos, que revelam
também longas tradições, remontando às origens.
Todos conhecem a história do pecado original,
contada nos primeiros capítulos da Gênese: a árvore
da vida, a tentação, a quéda. Ora, tudo isto se acha
em estado deformado entre os outros povos.
Será preciso lembrar descrições clássicas da ida­
de de ouro, nas épocas da Grécia ou da Roma anti­
ga; “as doçuras da paz, de que gosam as nações
tranqüilas e sem exércitos, no tempo em que nem a
enxada, nem o arado, haviam rasgado um solo
isento de tributo e que dava tudo por si mesmo” (1);
e os rios de leite e de mel que regavam a terra? —
Lendas, direis; mas, notai, esta apreciação não é
uma explicação. Porque encontramos as mesmas
tradições em todos os povos antigos ?
Na Índia, é Brama que forma o homem de
barro e o coloca no país de todo o bem, onde me­
drava a árvore, cujo fruto comunicava a imortali-

(1) Qvídio, M etamorfoses, 1,3.


130 ABBÉ MOREUX

dade. Os deuses menores descobriram essa árvore


e comeram de seus frutos para não morrer.
A serpente, guarda cioso da árvore da vida, es­
palhava então o seu veneno sôbre tôda a terra, per-
vertendo-a, e tôda alma vivente teria morrido, se o
deus Siva, havendo tomado a forma humana, não
houvesse absorvido inteiramente êsse veneno.
A “mulher da serpente” se encontra em todos
os monumentos mexicanos mais antigos; o Egito é
mais ou menos mudo sôbre êsse fato histórico, mas
lembremo-nos de que aií a serpente gosou sempre
de papel importante ; o Dragão celeste, colocado
entre as constelações, sem dúvida, não tem outra
origem. Em todo caso, a árvore da vida é represen­
tada em grande número de estrelas funerárias (vide
figura no fim do capítulo).
Mas, é sôbre os monumentos assírios ou babi­
lônios, que a árvore sagrada é, o maior número de
vêzes, desenhada ou esculpida. Numerosos cilindros
nos mo,stram uma árvore de ramos estendidos hori­
zontalmente, de onde pendem grandes frutos, di­
ante dos quais estão sentados dois personagens, um
homem e uma mulher; a traz desta ergue-se uma
serpente (1). (Ver a figura ao lado).
(1) Cf, F. Vigouroux. A Bíblia c os Ucscobrixnentos Mo­
dernos, — Algumas gravuras inseridas n \ Líe volume foram re ­
produzidas da obra notável do Abade Vi;/» 11 , v x , que recom en­
damos aos leitores, A proveitando o on jo p ir? agradecer aos
editores snrs. Berche e Tralin, a graciosa autorização p ara re ­
produzir essas ilustrações.
CI ÊNCI A
DOS
FARAÓS
A árvore sagrada, segundo docum entos caldaicos.
(G ravura tirada de “A Bíblia e as Descobertas
M odernas”, de F. V igouroux).
132 ABBÉ MOBÈUX

A árvore, que pouco a pouco tornou formas hie-


ráticas e que se associou a uma alta idéia religiosa,
parece ser a Asclepias ácida, a mesma Soma sagrada
dos antigos Arias.
Tradição análoga nos Persas, nos Iranianos,
nos Sabinos, etc. A comunidade de origem não pode
ser negada; estamos em presença de uma tradição
geral, mais ou menos deformada segundo os povos,
as regiões, os climas; e voltamos à mesma conclu­
são misteriosa : na base dessas tradições, há um
fato inegável.
Todavia, a tradição universal por excelência é
a do dilúvio; nós a encontramos por tôda a parte:
entre os Gregos, os Romanos, na índia, onde Noé
te tornou Manu; na Ciiina, onde Na-Ua se ievanta
ao céu e lau manda escoar a inundação; o herói do
dilúvio mexicano é um tal Cox-Cox; nas ilhas de
Fidji, só um homem escapa à inundação. No Egito,
o dilúvio toma outra forma, pois a inundação alí
era considerada benéfica, mas, se a causa variou,
o efeito é o mesmo.
A história caldéia do dilúvio é a que mais se
aproxima da do Gênese. Durante muito tempo, t i ­
vemos apenas uma tradição do dilúvio; era devida
a Berose, historiador caldeu bem conhecido e que
viveu no IV.0 século antes de Cristo. Berose nos
informa que copiou seu têxto de documentos ainda
existentes em sua época, nas bibliotecas de seu país;
A CIÊNCIA DOS FARAÓS 133

as tábuas indicam, segundo sua opinião, que o fla­


gelo se produziu sob o Xisuthrus, o décimo rei ante-
diluviano. Êste último, por ordem de Cronos, cons­
truiu um navio e nele se encerrou com sua família
e seus amigos mais queridos, etc. No fim do dilúvio,
solta pássaros várias vêzes, como Noé. Depois, o
navio se detém numa montanha da Armênia e êle
oferece sacrifícios aos deuses.
A parte o motivo do dilúvio, que não é indicado,
tudo continúa muito de acôrdo com a narração do
Gêneses; mas, como Berose escreveu mais de mil
anos depois de Moisés, podia-se pôr em dúvida a
proveniêneia de sua documentação e acreditar le­
gitimamente que se havia baseado na Bíblia. As
descobertas assiriológicas provaram, depois, que não
se tratava disso.

Em. 1850, com efeito, descobria-se nas excava-


ções de Nínive uma dessas bibliotecas, que tinham
os originais, de que a narração de Berose era a có­
pia. Essas tábuas cuneiformes, que se podem ver hoje
no Museu Britânico, datam apenas do tempo de
Assurbanipal, o Sardanápalo de Berose e dos gregos
(VII.° século A. C.), mas também reproduzem do­
cumentos que remontam a época anterior a Moisés;
portanto, Berose não reproduzira trabalhos dêste.
Graças aos trabalhos de Georges Smith, temos
hoje o têxto mais ou menos completo da narração
do dilúvio, que ocupa doze tábuas, algumas bem
134 ABBÉ MOREUX

mutiladas, mas que chegaram quase a ser recons­


tituídas. Eis aqui uma delas, que reproduzimos se­
gundo Smith.
Aí está todo um poema assírio, cujo herói prin­
cipal, Izdubar, é provàvelmente Nemrod.
Izdubar, desejando evitar a morte, partiu à
procura de um piedoso personagem, chamado Ha-
sisaãra, salvo do dilúvio e que tinha obtido a imor-

H asisadra narrand o a história do Dilúvio, de acordo


com um cilindro babilônico.

talidade; deseja aprender com êle a maneira de tor­


nar-se imortal. Hasisadra, cujo nome não é senão
forma diferente do Xisuthrus, de Berose, conta-lhe
então a história do dilúvio.
Meus leitores terão prazer em apreciar alguns
trechos deste poema escrito em priscas éras, há
3.600 anos pelo menos.
CI Ê N C I A
DOS
FARAÓS
Reprodução de tima das lápides cuneiform es, contendo a história do Dilúvio,
CO
(Reprodução de “A Biblia e as Descobertas M odernas”, de F. Vigouroux). cn
136 ABBÉ MOREUX

“Vou revelar-te, Izdubar, a história de minha


[iconservação
E os segrêdos dos deuses te manifestarei.
A cidade de Surippak, cidade que conheces, si-
[situada no Eufrates,
Era antiga, e os deuses. .. nela. .. seu servo. ..
Anu, Bel, Ninip, e o senhor do abismo revelara
{sua vontade;
Escutei sua vontade e êle me falou assim :
Filho de Ubaratutu de Surippak, faze um
[grande navio;
Destruirei a semente da vida.
Faze entrar a semente de tôda vida no navio,
O navio que construirás terá por medidas 600
[côvados de comprimento
Por 60 côvados de largura e de altura;
Lança -o sôbre o abismo. . . ”

Seguem-se os detalhes sôbre a construção do


navio e sua direção. Izdubar nele se encerra com
sua família, seus amigos, e os animais que deve
salvar. E o texto continua:

O deus Samas parou o tempo —


Muir Kukki: “Durante a noite, farei chover
[uma inundação,
Entra para o navio e fecha a porta'’.
Eu vi aproximar-se o d ia :
Aterrorisou-me esta aproximação do dia
Entrei para o navio e cerrei a porta.
A CIÊNCIA DOS FARAÓS 137

Com o aparecimento ãa aurora, desde a manhã,


Elevou-se no horizonte uma, nuvem negra.

No primeiro dia, a tempestade. Bin trovejou e


INebo e Sarru
Marcharam na frente.
O poderoso Negra!, o furacão, êle arrastou atrás
ide si,
Ninip veio na frente, derrubou (tu d o ).
Os Ânnunaki (Gênios) trouxeram a destruição;
Em sua marcha, êles varreram a terra e
Como num combate contra o povo, êles acome-
[ ter ara.
O irmão não viu mais o irmão;
Ninguém se reconhecia. No céu,
Os deuses temeram o dilúvio e
Buscaram um abrigo; subiram até os céus
[de Anu.
Então, os deuses se agacharam como cães,
[acocoraãos nos seus nichos.
Istar gritava como uma criança. . .
“O mundo voltou a. ser lama” . ..
Os deuses se aninhavam com,o cães e se assen-
\tavam chorando;
Seus lábios se fecharam nas reuniões.

Seis dias e seis noites,


O vento soprou, o dilúvio e as ondas submergi-
{ram a terra ;
138 ABBÉ MOREUX

Ao sétimo dia, desde que começara, a tempes-


[tade cessou, a onda desencadeada,
Que foi como um ciclone,
Se amainou, o mar baixou e o vento, assim como
[o destruidor dilúvio, cessaram.
Notei que o mar bramia como de costume
E que toda a humanidade apodrecera.
Como caniços, os cadáveres flutuavam.
Abri a janela e a luz brilhou em minha face.
Fiquei triste, sentei-me e chorei;
As lágrimas correram em minha face.
Olhei a terra, as bordas do mar,
A região elevada acima das do?>e medidas.
O navio tinha sido arrastado ao país de Nisir;
O monte Nisir detivera o navio e êste não pu-
Idera ir mais além.
No primeiro e segundo dia, os montes de Nisir
Pararam, o navio e êste não podia ir além .
No terceiro e quarto dia, o monte de Nisir, no
[mesmo;
No quinto e sexto dia, a montanha de Nisir, no
[mesmo;
Ao sétimo dia, quando êste chegou,
Soltei uma pomba e ela p a rtiu ;
A pomba foi-se e adejou,
Mas não havia lugar algum onde pousar e ela
[voltou.
Soltei uma andorinha, ela partiu.
A andorinha foi e adejou.
A CIÊNCIA DOS FARAÓS 139

Mas não havia lugar algum onde pousar e ela


[voltou.
Soltei um, corvo e êle partiu,
O corvo foi, a carreira precipitada das águas
[êle viu
Comeu, nadou, crocitou e não voltou.
Disparo também para os quatro pontos cordiais,
[derramo uma libaeãa
Ofereço um sacrifício no pico da montanha.

Os deuses sentiram o odor:


Os deuses sentiram um odor agradável;
Os deuses voltaram em multidão, como moscas
[por cima do sacrificador
Então a deusa Sir tu, quando chegou, mostrou
Os grandes amuletos feitos por Anu a seu
[pedido;
“Pelas pedras preciosas do meu colar, que êstes
[deuses não me esqueçam;”

Que os deuses venham ao meu sacrifício}


Mas, o deus Bel a êle não venha,
Porque não tomou conselho e fez um dilúvio
E entregou o meu povo à destruição.
Então Bel, quando chegou,
Viu o navio. E Bel ficou ainda
Encolerizado contra os deuses e os espíritos dos
[céus,
“Como, um homem pôde escapar ?
140 ABBÉ MOREUX

Que um só homem não se salve da destruição” .


Ninip abriu a boca e falou :
“Quem, se não Ae, fez conhecer êsse desejo?”
Ae abriu a boca e falou; e disse ao guerreiro Bel:
“Tu, o mais sábio dos deuses, guerreiro,
Em verdade não tomaste conselho e fizeste um
[dilúvio .
O pecador cometeu seu pecado; o que faz o malt
[comete mal feito.
Sê clemente — que os mortais não sejam ex­
tin to s —
Deixa-te convencer e que não pereça.
Porque fizeste um dilúvio ?
Que o leão venha logo e que os homens sejam
[lim itados. . .
Que venha a fome e o país continue ;
Que Ura (a peste) venha e o país continue,
Não fui eu quem revelou o juizo dos grandes
Hasisadra interpretou um sonho e o juizo dos
[deuses ele compreendeu”.
Eis que sua cólera se acabou e Bel subiu ao
[navio;
Tomou-me a mão e fez-me levantar;
Fez levantar e conduziu minha mulher ao meu
[lado.
Êle se voltou para nós e aproximou- se de p é :
“Até agora, Hasisadra foi mortal
E eis aqui que Hasisadra e sua mulher viverão
[como os deuses excelsos,
A CIÊNCIA DOS FARAÓS 141

E habitarão num lugar afastado, na emboca-


[dura dos rios” .

Apesar de algumas divergências inevitáveis, e


apesar de se verificarem algumas faltas na tradução
da lenda assíria, os dois têxtcs, o da tábua cuneifor-
me e o do Gêneses, se assemelham de maneira es­
pantosa. Resultam, evidentemente, de uma tradição
comum: lembram fatos análogos. Mas, tornai a ler o
dilúvio .segundo Moisés, e sentireis logo que abismo,
do ponto de vista filosófico, o separa do poema. De
um lado, um politeismo grotesco onde “os deuses en­
tão agachados como cães”; do outro lado, um mono-
teismo sublime apresenta-nos um Deus justo, oni­
potente, misericordioso, tal como o melhor dos nos­
sos filósofos não o poderia negar; na lenda assíria,
a deformação da divindade, a degradação, um avil­
tamento inom inável; em Moisés, a exaltação da
idéia de Deus, que se chama Jeová, “para sempre” .
Tem-se dito e repetido, há século e meio, que
à narração de Moisés falta unidade; que nos encon­
tramos na presença de duas narrações do dilúvio e
apoiam essas asserçõep no emprego sucessivo ou
alternado das expressões Eloím ou Jeová, que ambas
designam Deus, sem dúvida, mas sob formas dife­
rentes; e daí tiram a conclusão de que Moisés, na
sua descrição, se inspirou em duas fontes- distintas.
Evito emitir opinião nesta questão de palavras,
onde me sentiria pouco à vontade. Prefiro confessar,
142 ABBÉ MOREUX

imediatamente, que a distinção entre passagens


iLloistas e Jeovistas me parece hoje um pouco ar-
câica. Ninguém, com efeito, que eu saiba, entre os
exegetas contemporâneos, pretendeu negar que
Moisés tivesse consultado múltiplos documentos
para redigir o Gêneses. Qual o historiador moderno
que não se honrará de fazer outro tanto ?
A crítica, também, desde as descobertas assirio-
lógicas, se aguçou sôbre outro ponto. Depois da
acusação levantada contra Berose, de haver copiado
Moisés, deu meia volta e suspeitou o autor do Gê­
neses de haver se inspirado em fontes babilônicas,
por outras palavras, além da falta de unidade ar-
güida contra a narração bíblica, esta última não
seria, dizem, senão a deformação ou a cópia do di­
lúvio caldeu.
Que há-de estranho? acrescentam. Entre os
documentos utilizados, podiam figurar certas tradi­
ções que os Hebreus muito honravam; ora, Abraão
bem poderia havê-las trazido da Caldéia, sua pátria
de origem.
Posta assim a questão, pode ela ser resolvida,
a meu ver, sem se recorrer a questões de ordem lin­
güística ou gramatical.
Em primeiro lugar, os têxtos, — atente-se. bem
para o fato, — são muito diferentes ; mas, o que
podemos afirmar é que não falta unidade ao poema
caldeu. Se, pois, levanta-se contra Moisés a acusação
A CIÊNCIA DOS FARAÓS 143

cie falta de unidade, consequentemente confessa-se


que êle não copiou a versão assíria.
Irei até mais longe e espero provar que, se o
autor da narração bíblica pôde utilizar fontes di­
versas, seus documentos não poderiam ser de origem
babilônica; e é nisto que a astronomia pode nos
ajudar de modo singular.
A narração do dilúvio nas tábuas cuneiformes,
— nunca se poderá afirmá-lo em demasia, — é ape­
nas um episódio de um longo poema caldeu, que
contém tôda uma mitologia astral: nêle as conste­
lações gozam de papei predominante, como a lua e
o sol; o zodíaco intervem igualmente e a prova disso
é que a tábua consagrada ao dilúvio é, exatamente,
a de Aquário, signo muito bem indicado para nar­
rar as façanhas da onda vingadora e do rei do
abismo.
Ora, procurai a valer, espremei o têxto, nada
de semelhante eneontrareis no Gêneses.
Ademais, porque Moisés utilizaria êsse amon­
toado de fábulas mitológicas, tão diferentes de suas
concepções? Se por outro lado, admitimos — o que
é muito verossímil — que o autor do Gêneses co­
nhecia essas legendas, êste não mais podia ignorar
que já os caldeus, na época de Abraão, tinham de­
formado singularmente os fatos históricos. Mas, o
mais grave é que, com efeito, as deformações- se ope­
raram de modo inconsciente; os copistas do poema
de Izdubar nada inventaram, só fizeram repetir a
144 ABBÉ MOREUX

lição sabida. De onde lhes veio esta? Evidentemente


de antigas tradições. Concordo; mas, de uma tra~
dição que até não era babilônica em sua origem,
como irei demonstrá-lo.
Em todo o transcurso do longo poema caldeu,
dissemos, fala-se no zodíaco; pois bem, nenhum dos
signos se achava em posição, na época das tábuas;
ainda há melhor, tôdas as constelações que nêle
figuram são as de um povo que habitava acima do
paralelo 40, ao norte, ao passo que a Babilônia fi­
cava 4o abaixo, aproximadamente. Tudo isto prova
que não só a versão caldéia do dilúvio não nasceu
na Caldéia, mas também que foi criada no país de
origem, pelo menos no terceiro milênio A. C.
Assim, 3.000 anos antes da éra cristã, existia
uma tradição do dilúvio e essa tradição já estava
deformada e amalgamada de mitos astrológicos.
Se, pois, admitimos que Moisés se inspirou em
fontes mais puras, devemos afirmar que êsses do­
cumentos deviam ser muito anteriores às lendas
que inspiraram os poemas caldeus mais antigos.
Esta última hipótese, confessêmo-lo, ultrapassa
tôda verossimilhança; a realidade parece muito mais
simples: Moisés achava-se em presença de uma
tradição primitivamente oral, e que se transmitira
até êle, pelos patriarcas.
Mas, se atentarmos bem para o fato, digamos
assim, para o modo por que a narração do dilúvio
se deformou entre os diversos povos, resta-nos outro
ponto a elucidar: a própria origem dessa narração;
A CIÊNCIA DOS FARAÓS 145

e não poderemos fugir a esta conclusão que tem a


expressão de uma realidade indelével, e quase do

A árvore tia Tida, segundo os monumentos babilonieos.

mesmo modo embaraçante, para aqueles, que negam


a revelação, quanto aos mistérios que envolvem o
problema das nossas origens,.
CAPÍTULO I X

AS TEJIüTÇôrB CIENTÍFICAS

Estamos muito pouco informados sôbre inúm e­


ros pontos relativos à ciência dos antigos, ainda
menos. sôbre a evolução das tradições cientificas.
Isto explica-se, provavelmente, por uma causa já
referida nos capítulos precedentes: os fatos cientí­
ficos não interessam ao vulgo, que os não compre­
ende; tais fatos, durante muito tempo, bem como
suas explicações, constituíram o apanágio dos ini­
ciados, dos sacerdotes, dos astrólogos, numa pala­
vra, dos sábios da época e imaginamos que êstes não
tinham interêsre em descrevê-los, vale dizer, em di­
vulgá-los. Para assegurar sua transmissão, bastava
o ensino o ra l.
Demos o exemplo da divisão da circunferência,
que chegou até nós; mas inúmeras noções se devem
ter perdido ao longo da estrada, com a decadência
dos povos. A melhor prova disso é que-, sôbre muitos
pontos, os gregos tiveram de refazer a ciência, en­
contrar fórmulas já enunciadas antes dêles e,
muitas vêzes, êle< as reprodusiam com muito menos
felicidade, do que seus predeces sores.
U8 AEBÉ MOREUX

O valor de Pi, por exemplo, a relação da circun­


ferência com o diâmetro, mal conhecido entre os
gregos, com certeza foi calculado com muita exati­
dão na antiguidade. Parece até que se torna mais
preciso, à medida que remontamos às eras passadas.
Os chineses admitiam como valor de Pi o núme­
ro 3, em lugar de 3,1416; mas, os japonêses admi­
tiam 1,16 desde muito tempo (1 ) . O Museu Bri­
tânico possue um documento, que remonta a cêrca
de 2,000 anoa Á, C., o Papyrus Rhind, o qual prova
que, nessa época, a quadratura do círculo já preo­
cupava os espíritos. Aí se lê, com efeito, que o lado
de um quadrado, cuja área é igual à de um círculo
de certo raio, é igual a

íito corresponde à relação da circunferência com o


diâmetro, igual a 3,16: aproximação na verdade
muito boa para a época.
As medidas da Pirâmide de Kéops nos dáo a
entender que no momento de sua construção, esta
relação devia ser conhecida muito mais precisa­
mente, A tradição ter-se-ia, pois, alterado, ou em
alguns casos isolados, alterou-se mais ou menos.

(1) Cf, Mikarai, Develop Math In China and Japon.


(Leipzig, 1912).
A CIÊNCIA DOS FARAÓS 149

A história do povo de Israel apresenta nos


novos prcblemas, nêsíe particular.
O Livro dos Reis, na Bíblia, dá-nos detalhes da
construção do Templo por Salomão, o que nos re­
porta a cêrca de mil anos antes da éra cristã. Ai
lemos em particular que Salomão mandou vir de
Tiro, HirãOj “cheio de sabedoria, de inteligência e
de conhecimento, para fazer toda espécie de tra­
balhos de bronze” , Hirão executou, entre outros
irablhos, o famoso Mar de bronze, a que Arago
aludiu em sua Astronomia Popular. “E’ preciso
notar que a Bíblia, cliz êsse astrônomo, não é um
livro de ciência, que a linguagem vulgar deveria nela
substituir a linguagem matemática; assim vemos
em certa passagem a descrição de um vaso circular
que tem um pé de diâmetro e três pés de circunfe­
rência; ora, todos sabem que um círculo de um pé
de diâmetro tem mais de três pés de circunferência;
acrescentemos até que a circunferência do vaso em
sprêço não poderia ser medida matematicamente,
mesmo que se colocassem 150 decimais depois do
número 3, porquanto não existe medida comum
entre o comprimento do diâmetro de um círculo e
o da circunferência que o delimita” (1).

E Arago acrescenta: “Êstes pontos de vista


sôbre objeções, no têxto bíblico, são agora admiti­
dos por pessoas as mais piedosas, até na capital do
mundo católico” .
(1) Astronomia P op u lar, t. III. p . 24 .
150 ABBs MOESUX

Já tive ocasião, muitas vêzes, de fazer notar


quão pouco devemos da?,’ crédito às referências de
Arago. Sua Astronomia Popular está cheia de en­
ganos, de erros e de inexatidões; a propósito dos
números que dá, é preciso ir sempre aos originais»
A passagem da Bíblia a que alude é certamente
a do famoso vaso de Salomão, conhecido pelo nome
de Mar de bronze. E como Arago pode falar em pé,
a propósito da Bíblia? Essa medida não é usada na
Escritura, em nenhuma parte da qual se faz menção
de pé,
A unidade empregada é o côvado sagrado e não
o côvado antigo, usado entre os egípcios, os assírios,
os fenícios, os samianos, etc, eis o que, outróra, de­
monstrou Newton. Ora, por uma coincidência mara­
vilhosa, acontece que êsse côvado sagrado dos He ­
breus, côvado que trouxeram do Egito, côvado que
olhavam, desde tempos imemoriais, como um dom
de Deus e que era reservado exclusivamente aos
usos sagrados, côvado diferente do côvado profano
dos egípcios, dos babilônicos e do de todos cs povos,
eis que êsse côvado, afirmo, é exatamente o côvado
piramidal, de que já falamos muito, e que serviu
para construir a grande Pirâmide,
Se alguém não admite a origem divina dessa
medida, que se acha em relação com o comprimento
do eixo da terra, é preciso explicar como os constru­
tores da Grande Pirâmide a encontraram; como foi
A CIÊNCIA DOS FARAÓS 151

que os Hebreus chegaram ao Egido munidos dessa


mesma unidade de comprimento. De qualquer modo,
não se pode fugir à conclusão de que, antes do
levantamento da Grande Pirâmide, houve um povo
que possuiu êsse côvado, cujo valor transmitiu não
só aos construtores dêsse monumento único,, como
também aos antepassados do povo de Israel. E então
chegamos à mesma pergunta perturbadora: onde
esse povo desconhecido aprendeu essa medida, à
qual os povos modernos são obrigados a recorrer,
porque é invariável, como o notou. Callet, o sábio
autor de nossas tábuas de Logaritmos ?
Mas, voltemos ao Mar de bronze, o famoso vaso
a que Ârago aludiu. Demos primeiro o texto do I.°
Livro de Reis (Cap. VII, 23):
“ (Hiram) fez o Mar de bronze fundido; tinha
dez côvados de uma borda à outra, era inteiramen­
te redondo e com 5 côvados de altura: um cordão
de 30 côvados media sua circunferência.. . Sua es­
pessura era de um palmo e a borda era semelhante
a de um copo, a uma flor de liz. Continha 2.000
bates e seu diâmetro media 4 côvados” . í vs. 28 e 38),
Evidentemente, poder-se-ia acreditar que o es­
critor sagrado, como o fez Arago, se contentou com
números aproximados: 10 côvados para o diâmetro,
hO para a circunferência; mas, como supôr, da
mesma maneira, um êrro tão grosseiro da parte dos
sábios daquela época, muito ao par das ciências de
152 ABBÊ MOREUX

seu tempo, quando vemos a autor do Papyrus Rhind


procurar já uma boa aproximação do valor de Pi,
dez séculos antes ?
Creio antes na explicação que, outróra, deu ao
lato o astrônomo Piazzi-Smith. Trata-se, simples­
mente, do diâmetro exterior e da circunferêência in­
terna de um vaso, cuja espessura não era de des­
prezar, vez que o escritor sagrado se dá ao trabalho
de declarar que essa espessura era de um palmo
mais ou menos, o comprimento da mão. Nestas
condições, não temos o direito de afirmar que o
autor desconhecia o valor de P i.
Agora, ouçamos Piazzi-Smith dissertar sôbre o
assunto e vamos ver surgir outros mistérios:
“Êste vaso foi fundido em bronze, em condições
grandiosas, de tal forma e com tais dimensões que
nenhum fundidor ousou jamais reproduzir (6m,30
de diâmetro). O Livro dos Reis nos ensina que a
sua capacidade era de 2.000 bates; o Mar de bronze
continha, pois, por si só, 50 vêzes a capacidade de 10
bacias de bronze, contendo cada uma 40 bates (1).
Posto isto, sabemos que o Mar de bronze tinha
10 côvados de uma borda à outra, que sua altura era
de 5 côvados, que um cordão de 30 côvados cercava

(1) No cap. III, v . 5 do livro I de Crônicas, o texto dá


3.00G bates para a capacidade do Mar de Bronze; mas, êste é
mm êrro devido ao copista.
A CIÊNCIA DOS FARAÓS 153

o seu contorno e que sua espessura era igual à lar­


gura da mão. A primeira cousa a determinar, é a
forma do vaso. Alguns o fizeram cilíndrico; a maio­
ria o fez hemisférico; esta segunda opinião tem por
si, além disso, que o vaso é descrito como todo re­
dondo, o fato de que a profundidade é a metade do
diâmetro, e o testemunho de Josefo, o historiador
do povo judeu, o qual disse expressamente que era
um hemisfério.
Já dissemos que os 30 côvados se referiam à
circunferência interna. Consideremos, pois, um vaso
hemisférico, com uma circunferência interna de 30
côvados piramidais; seu diâmetro seria de 238,73
polegadas piramidais; daria de espessura 5,5 pole­
gadas, espaço que o palmo de um homem robusto
cobriria, aproximadamente.
Nêste caso, a capacidade cúbida de tal hemis­
fério seria de 3.562,07 polegadas piramidais e êste
número sendo dividido por 50, número piramidal
formado de 2 e de 5, dá 71,242 polegadas cúbidas
piramidais.
Ora, singular coincidência, esta cifra é o séti­
mo milésimo, aproximadamente, da capacidade da
Arca da Aliança e do cofre da Grande Pirâmide.
Esta Arca da Aliança, a que se alude nesta pas­
sagem, é a que Moisés construiu por ordem divina
para nela encerrar as Tábuas da Lei; era um cofre
154 ABBÉ MOREUX

áe madeira de acácia e de setim, ricamente ornado,


cujas medidas em côvados a Bíblia nos dá,
Certos egiptólogos, como Vemes, a cujos estu­
dos sôbre o Bezerro de Ouro já nos referimos, e ou­
tros aos quais não falta imaginação, viram na Arca,
que encerra o Decálogo, condição de aliança de Jeo­
vá com seu povo, a reprodução, antes a réplica, do
Naos, pequeno monumento em forma de cofre, que
Cn egípcios colocaram no seu Bari, ou barco sa­
grado. Responderam-lhes, com muita razão, que o
Nao$ encerrava verdadeiros ídolos, deuses, animais
sagrados, etc, enquanto a Arca dos Hebreus, nada
continha de semelhante, sendo ao contrário um bri­
lhante protesto contra a idolatria. A observação de
Piazzi Smith vem a propósito, para refutar a tese
grotesca e inverossímil da assimilação de tal fan­
tasia .
E’ certo que Moisés, embora tendo vivido muito
tempo no Egito e tendo aprendido, com os sacer­
dotes , os segrêdos de sua ciência, jamais penetrou —
corno nenhum egípcio de sua época tão pouco, —
no interior da Grande Pirâmide, que continuou in~
violada até os tempos modernos, por causa da fecha ­
dura que se quebrava ao abrir. Ora, mesmo admitin­
do-se que a Arca da Aliança era apenas a reprodu­
ção do Naos egípcio, restaria explicar como Moisés
poderia humanamente dar, com exatidão, a capaci­
dade de um cofre encerrado há dez séculos, sob mi­
lhões de toneladas de pedras.
A CIÊNCIA DOS FARAÓS 133

Ainda h á mais: êsse volume cie 71 polegadas


cúbidas piramidais (exatam ente 71,242), que obti­
vemos dividindo a capacidade do Mar de bronze por
50, é não somente o volume da Arca da Aliança e do
cofre da Grande Pirâmide, mas também, segundo
o têxto dos Livros dos Reis já citado, corresponde à
capacidade de cada um dos vasos de bronze cons­
truídos por Hirão, a pedido de Salomão, vez que
cada vaso continha 40 b ates.
Estamos, pois, em presença de uma medida de
capacidade extraordinariamente notável e que se re­
pete durante séculos, sem que se possa perceber o
mecanismo 'de sua tranmissão. Esta medida aliás
era também um sub-múltiplo de uma unidade mais
considerável; 50 vêzes 40 bates nes dão 2.000 bates,
conteúdo do Vaso de bronze; ora, esta nova medida
de capacidade, que vale 50 vêzes a da Arca da Ali­
ança e do cofre piramidal, nós a encontramos na
Câmara do Rei da Grande Pirâmide, onde estava
representada por uma massa, aparentemente lim i­
tada, pelo fôrro de granito que a revestia.
Digamos que Salomão ou Hirão, seu empreiteiro
e arquiteto, visitassem o interior da Grande Pirâ­
mide de Kéops e pudessem calcular o conteúdo da
Câmara do Rei, onde estava depositado o cofre, è
o conteúdo do próprio cofre ? A hipótese não sub-
;ri
Então, como explicar os dados meterológicos
comuns aos três grandes personagens, — o arqui­
156 ABBÉ MOREUX

teto da Grande Pirâmide, Moisés e Salomão. Dadcs


que implicam, pelo seu côvado idêntico, uma unida­
de igual à décima milionésima parte do eixo polar
da terra, vale dizer, relações tão ocultas e tão pro­
fundas com os atributos cósmicos do globo, inteira­
mente impossíveis de ser descobertas, pela mais
adiantada ciência antiga ?
E é aqui que Piazzi-Smith aparece com o seu
famoso dilema, cujo primeiro termo fica definitiva-
ment afastado.
“A única resposta possível, diz-nos êle não seria
a de que o Deus de Israel, que vive para sempre,
inspirou nêste sentido não só o filho de Sem, arqui­
teto da Grande Pirâmide, mas também Moisés, seu
profeta, e Salomão, seu eleito e seu sábio por exce­
lência ?”
Absolutamente, não somos obrigados a aceitar
as sugestões do sábio astrônomo ingiê-, concordo df .
muito boa vontade; mas, então faria notar que o
problema continúa sem solução; mais do que nunca,
a questão dos dados misteriosos persiste de pé.
Não foi sem razão, que os nossos ancestrais de­
signaram pelo nome de Bíblia o conjunto das Sagra­
das Escrituras: mesmo considerando-as pelo prisma
puramente humano, elas permanecem como o Livro
por excelência (Biblione). Pelo estilo, pela elevação
do pensamento, pela história dos povos que manti­
veram contacto com Israel, constituem para o poeta,
A CIÊNCIA DOS FARAÓS 157

para o liomem de letras, para o historiador e paxa


o moralista, mina inegotável. E1 portanto, à Bíblia
que nos dirigimos para penetrar nêsse mundo an­
tigo, o qual as inscrições cuneiformes e os hierogii-
fos, nem sempre, nos evocam com precisão.
Começaremos pelo episódio tão cativante de
José Todos se lembram de que José, filho de Jacó e
de Raquel, foi vendido pelos irmãos a uma caravana
de negociantes ismaelitas, que, de Galaad, iam ao
Egito, vender seus perfumes. Depois das experiên­
cias que todos sabem, José, lançado na prisão, é
chamado à presença de Faraó para lhe explicar
dois sonhos, que teve na noite anterior. A cena se
passa no ano 1980 A. C.,
“Em meu sonho, diz o Faraó a José, eu estava à
margem do rio, e eis que subiam do rio sete vacas
gordas e de bela aparência, que se puseram a pastar
na verdura da margem. Depois delas, subiram ou­
tras sete vacas, mirradas, feias e descarnadas; nunca
as vi tão feias, em. terras do Egito. As vacas peque­
nas e feias devoraram as outras sete, as gordas; estas
entraram no ventre daquelas sem parecer que ti­
vessem entrado; seu aspecto era tão feio, como
dantes. Então; despertei,
Ví, ainda, em sonho sete espigas que se erguiam
sôbre a mesma haste, cheias e belas; depois, sete es­
pigas pequeninas, mirradas e queimadas pelo vento
oriental, que as empurravam. E estas espigas ma­
158 AEBÉ MOREÜX

gras enguliram as sete espigas belas. Contei isto


aos escribas e nenhum me deu qualquer explicação” .
Jasé diz ao Faraó: “O sonho de Faraó é urn só»
Deus deu a conhecer a Faraó, o que vai acontecer.
As sete belas vacas são sete anos e as sete belas es­
pigas são sete anos de fartura; o sonho é um só . As-
sete vacas magras e mirradas, que subiam depois
delas, são sete anos e as- sete espigas falhas e quei­
madas pelo vento oriental, serão sete anos de
fome” .
“Conforme eu disse a Faraó, Deus lhe fez ver
o que vai fazer. Sobrevêm sete anos de grande abun­
dância a todo o Egito. Sete anos de fome virão- de­
pois, que farão esquecer tôda essa abundância ao
país do Egito, e a fome consumirá o país. Ninguém
lembrará mais a abundância que houve 110 país, tão
grande será a fome que se seguirá” (1).
Foi então que. Jc-sé aconselhou ao Faraó arma­
zenar trigo durante sete anos de abundância, afim
de prover as necessidades de todos durante a fome
que se seguiria, e depois a história continua :
“Os sete anos de abundância que houve no
Egito terminaram, começando os sete anos de fome,
conforme José havia anunciado. Houve, fome em
todos os países, enquanto o pão abundava no Egito...
De tôda a terra, vinham ao Egito comprar trigo

(i) Gêneses,, XLI, 14, 31,


A CIÊNCIA DOS FARAÓS 159

junto a José, porque a fome se havia agravado em


tôda a terra” (1).
Alguns detalhes da história de José, que não
podem ser dadcs senão por quem residia entre os
egípcios e na côrte de Faraó, têm, contudo, sido
objeto de vivas críticas por parte de historiadores,
que sempre buscam descobrir faltas na Bíblia; as
descobertas e a leitura das inscrições fizeram tábua
rasa, agora, dêsses ataques injustificados, mas deve-
se insistir aqui sôbre essa fome, a que o escritor
sagrado aludiu.
Podemos em primeiro* lugar, que essa
espécie de flagelo pertence a todos os tempos. Antes
das comunicações fáceis, nossa terra conheceu ê;ses
períodos em que o solo, produzindo colheitas insufi­
cientes para alim entar seus habitantes, a fome se fez
sentir i r demente. Isto explica o deslocamento de
certas tribos, para regiões mais ricas. O vale tão
fértil do Nilo, pouco sujeito a estas misérias perió­
dicas, foi muitas vêzes o ponto de reunião dos povos
vizinhos. E’ o que nos m ostram numerosos docu­
m entos egípcios. Num túmulo da XII.a dinastia, por
exemplo, está representada a chegada de um chefe
nômade, um semita com tôda probabilidade, com
sua família e seus criados; êsses estrangeiros, desig­
nados pelo nome de Amu, contam as inscrições, vêm
ao Egito impelidos pela fome, que assola o seu país,

(1) Gêneses, XLI, 53-57.


180 ABBÉ MOREUX

e o oficial de Faraó, Osortesen II, provê às neces­


sidades de todos, mandando cultivar os campos,
dando alimento aos necessitados, (1).
Os deslocamentos dos Hicsos, que trouxeram,
êsses nômades da Arábia setentrional para o Egito,
não tiveram provàvelmente outras causas, a não ser
as sêeas periódicas, Do mesmo jeito, foi a fome no
pais de Canaan, que levou seus habitantes ao vale
do Nilo,
Todavia, apesar do limo fertilizante, trazido
pelo seu rio, o Egito não ficou isento dessa espécie
de Iribulação. A sêca na Abissínia levou, muitas
vêses, a fome à terra dos Faraós. Em tempos mais.
próximos, alguns séculos depois da invasão árabe
(840 da nossa éra), a fome, várias vêzes, se cevou
na terra do Egito, no período que vai de 900 a 1300
da nossa éra. A mais terrível e a mais longa durou
sete anos: de 1065 a 1072.
José foi o ministro de um rei pastor, pois os
Hicsos já haviam invadido o Egito e a fome que se
fez sentir, sob êsse Faraó de raça semítica, nos é con­
firmada por documentos, em que José figura sob o
título babilônico de Abrék, sendo Abarakhu em Ba­
bilônia, o nome de um dos cinco grandes oficiais do
Estado.
Agora se impõe uma pergunta, naturalmente:
deixando de lado, no momento, o têxto tão explícito
(1) Cf. Brugsch, História do Egito. O autor dá- a re p re ­
sentação da cena, de que falamos aqui.
O Tem plo pequeno, na ilha de P h ila e .
Com capitéis em forma de lotus, e a sóbria elegância de suas linhas
arquitetônica, êsse tem plo é um dos mais graciosos m onum entos do
antigo E g ito .
A CIÊNCIA DOS FARAÓS 161

da Escritura, José poderia, cientificamente, prever


um período de fome?
Em primeiro lugar, vejamos o que a ciência
atualmente nos ensina a respeito. Todos já ouviram,
falar em manchas solares. Qs antigos as conhe­
ciam muito bem. pois grande número delas eram
visíveis o olho nu. Ovídio conta-nos que, na morte
de Cesar, o sol pareceu obscurecido, No ano 807 da
nossa éra acreditou-se ver passar Mercúrio por
sôbre a superfície do sol; em 840. Venus, teve a
mesma honra: ora nos dois casos, êstes planetas
não são visíveis sem instrumento de aumento: eram,
pois, manchas que se perceberam .
Os autores da Idade Média, muitas vêzes, nota­
ram sinais no sol. Os escritores sagrados empregam
as mesmas expressões, a propósito do fim do mundo,
o que nos demonstra que o fenômeno das manchas
era conhecido dos observadores. Com efeito, os chi­
neses haviam notado a presença de manchas, prova­
velmente muito tempo antes da éra cristã, embora
.seus antigos anais não nos ofereçam muita precisão
nêste ponto. Contudo, no que respeita à realidade
dessas formações, assinaladas pelos observadores do
Extremo Oriente, nenhuma dúvida pode subsistir;
na sua literatura, as manchas são comparadas ora
a um ovo, ora a uma tâmara ou uma ameixa, A obra
de Ma-Twa-Lin contem um quadro notável de 45
observações dêsse gênero, feitas entre 301 e 1205*
vale dizer, no intervalo de 904 anos,
162 ABBÉ MOREÜX

Todavia, foi somente em 1610, data do descobri­


mento das lunetas, que se chegou a conhecer a perio­
dicidade do fenômeno: aproximadamente e em mé­
dia, cada onze anos, há recrudescência das manchas
solares; eis aí, por assim dizer, uma das formas de
atividade do nosso astro central, correspondendo o
máximo de manchas, como demonstrei em 1900, em
Problema Solar, a uma elevação de temperatura na
atmosfera solar, para usar esta palavra em relação
do sol.
Quase um século antes, o fato tinha sido pres­
sentido por sir William Herscheí, mediante consi­
derações extremamente curiosas. Depois de indagai*
sc as variações das manchas tinham qualquer in­
fluência sôbre o rigor ou a doçura das estações, êsse
astrônomo pensa que temos elementos para resolver
a questão, pelo menos indiretamente, através da in­
fluência dos raios solares sôbre a cultura do trigo
na Inglaterra: “Não temos aí, escreve êle em 1801,
u m . critério certo da quantidade de luz e de calor
emitidos pelo sol, vêz que o prêço do trigo repre­
senta exatamente a escassês ou a abundância de
sua produção absoluta, em nossa terra?”
“Examinando o período compreendido entre
1650 e 1713, parece provável, acrescenta êle, segunda
as variações do preço do trigo, que houvera uma -es­
cassês ou falta temporária da vegetação em geral,
sempre que o sol não tinha manchas; tais aparên-
A CIÊNCIA DOS FARAÓS 163

A produção ãe trigo na terra, oscila paralelamente à


curva das manchas solares.
164 ABBÉ MOREUX

cias seriam, pois, os sintomas de abundante emissão


de luz e de calor (1)” .
E conclue que as condições de secura e de um i­
dade podem muito bem depender da quantidade de
raios solares que nos são enviados.
Durante os meus trabalhos sôbre o soi, tive a
idéia de verificar as opiniões intuitivas de Herschel,
abrangendo nâo mais uma determinada região, mas
tôda a terra. Pois bem, pode-se ver no quadro de­
senhado por mim, no término do último século, que
a curva da produção do trigo no mundo seguiu passo
a passo a da atividade solar, manifestada pelas
manchas; as duas máximas coincidem aproximada­
mente em um mesmo ano. (Ver o diagrama).
À quantidade de calor recebido do sol, junta-sa
também a taxa de secura e de umidade. Com efeito,
nas regiões tropicais, onde o clima é mais regular do
que entre nós, as alternativas de chuva ou de estia­
gem são reguladas pelo ciclo solar de onze anos, o
máximo de chuvas coincidindo com a recrudescên-
cia das manchas.
Em Bogotá, no Ceilão, nas índias, é fato bem
conhecido que 5 ou 6 anos de estiagem alternam
com 5 ou 8 anos de umidade, e essa distribuição é
baseada na variação do ciclo solar. Isto se dá a tal
ponto, que na índia, por exemplo, a fome ocorre
(1) Cf. Th. M oreux, Os Enigmas da Ciência (Doin edL,
P a r is ) .
A CIÊNCIA DOS FARAÓS 165

aproximadamente cada onze anos, Todavia, é pre­


ciso não se buscar no traçado da curva, uma pre­
cisão matemática. Observaram-se, com efeito, míni­
mas afastadas de 8 anos e 2/10 e um intervalo- tam­
bém de perto de 15 anos, por exemplo, de 1784,7
a 1798,3.
Para as máximas, as diferenças são ainda mais
acentuadas: conhecemos apenas um período de 7
anos e 3/10, um período de 13 anos e um outro de
mais de 16 anos- (de 1788 a 1804).
Os sete anos de abundância, seguidos de sete
anos de fome, anunciados por José, e que a Bíblia
assegura se terem realizados, são pois, inteiramente
verossímeis; mas, em virtude da irregularidade dos
períodos solares, cuja causa nos escapa, nenhum
astrônomo atual estará em condições de afirmar em
que ano cairá, exatamente, tal ou qual máximo de
manchas, de chuva, etc. . . . A menos que imagi­
nemos que José dispusesse de ciência humana tão
extraordinária, que ultrapassasse de muito a nossa,
sua previsão de abundância e de miséria, para um
ano definido, continua, portanto, humanamente fa­
lando, um dos fatos mais misteriosos e mais impres­
sionantes, oferecidos pelas Escrituras.
Parece que se poderia alegar que a predição é,
apenas aproximada, e que o futuro ministro de
Faraó bem se poderia ter baseado numa lei empírica-,
vale dizer, experimental, e semelhante, em todos os
ABBÉ MGREUX

pontos de vista, à que possuímos, porquanto basta


observar-se grande número de ciclos solares e de­
duzir dele uma média. José poderia ter assim, conx
um ou dois anos de aproximação, a época de um
máximc de manchas, logo, de estiagem e de umidade
consecutivas: as considerações que vou desenvolver
. urnàriaminte, vão permitir mostrar a fragilidade
de tal hipótese,
A alternativa dos períodos sêcos e chuvosos, em
correlação com o ciclo undecimal das manchas sola­
res, deixa de ser nitidamente acentuada, fora da
região tropical. As flutuações da chuva oferecem
menos amplitude, à medida que nos afastamos do
equador e, às vêzes, encontramos um ano bem chu­
voso num período em que, só se considerando a curva
das manchas, devia ser sêco. Mas, como a atividade
r-olar está sujeita a saltos que reforçam certas máxi­
mas, estas terminam por se traduzir sozinhas na
curva das chuvas.
Com efeito, parece mais ou menos provado hoje
que essas variações se fazem sentir cada três pe­
ríodos, vale dizer, todos os 35 anos mais ou menos»
sendo que quando a atividade solar aumenta, obser­
va-se a recrudescência das chuvas. Essa pluviosi­
dade se acusa sobretudo pelo nível dos grandes lagos,
submetidos à oscilação de igual período de duração
dos fenômenos registrados à superfície do sol (1).
(1) Sôbre as relações da climatologia com o sol v er T h.
Moreux, “(te á e está a Astronomia?” E “Os Enigmas da Ciên­
cia”; ou ainda, “O Sol e a P revisão do Tempo”.
A CÍÊNCIA DOS FARAÓS 167

Infelizmente, aqui ainda, não há regularidade


alguma, absoluta, na amplitude: tudo se passa como
se ao lado dos ciclos de 11 e de 35 anos, existisse
ainda um terceiro, êste secular, que viesse interferir
com os dois primeiros. Isto explicaria estas longas
acalmias solares, em que as máximas são pouco
acusadas, e êsses períodos são caracterizados por
extensas variações.

Encarada à luz desas considerações, a climato­


logia do Egito nos aparece extremamente complexa.
Levando-se em consideração, apenas, a latitude, é
evidente que a pluviosidade no Egito e em tôdas as
regiões circunvizinhas, deve refletir os ciclos solares
de 11 e de 35 anos, As sêcas, portanto, se devem fa­
zer sentir mais ou :menos periodicamente ali, sem que
se possa, contudo, predizer as mesmas exatamente
com a aproximação de dois ou três anos,
Realmente, a história nos ensina que as fomes
eram muito freqüentes nos países limítrofes1do Egi­
to, mas estava longe de se dar o mesmo no vale do
M io. E’ que, de fato, êsse vale, muito estreito, deve
sobretudo .sua fertilidade, não às chuvas periódicas,
mas às inundações do rio. O mecanismo dessas en­
chentes era desconhecido dos antigos egípcios, a
cujos olhos o Nilo só aparecia entre Elefantina e a
ilha de Filè, perto da catarata de Siena. Hoje, esta­
mos melhor informados. As ‘‘lágrimas de Isis, que
chora o esposo” e trazem as enchentes do rio, têm
168 ÁBBÉ MOREUX

dupla origem: primeiro, as chuvas anuais que caem


regularmente na parte superior do seu curso, isto
é, a 6.000 kilometros da sua embocadura, e que au­
mentam seus poderosos afluentes: depois, as águas
dos grandes lagos Vitória e Alberto Nianza, aos quais
serve, digamos assim, de desaguadouro natural.
Ora, êsses lagos se acham na região equatorial
e seu nível, melhor do que o dos lagos europeus, re­
flete todas as vicissitudes da atividade solar,
Para que a fome chegue ao Egito, portanto, 6
preciso sobretudo que a falta dágua se faça sentir
dêsse lado; esta circunstância, acrescida às mínimas
de chuva em. relação com o estado do sol, só pode
determinar uma sêca acentuada; tudo isto se acha
evidentemente submetido a leis, mas se já começa­
mos a perceber estas últimas, estamos longe de
vê-las inteiramente elucidadas.
Agora bem se compreende que a profecia de
fome para o Egito, mais ainda do que para outras
regiões, oferece dificuldades insuperáveis, razão
demais para nos maravilhar a interpretação exata
dada por José aos sonhas do Faraó. Não podemos
■supôr, um instante, que egípcios e hebreus tenham
chegado pela simples observação, a conceber o me­
canismo das inundações do Nilo, ligadas em parte às
flutuações do estado físico do sol. Então, de onde
José obteve a faculdade de predizer, exatamente, um
período de abundância, seguido do de fome, de igual
duração? Humanamente, o fato é inexplicável e tão
misterioso como o valor do côvado sagrado.
A CIÊNCIA DOS FARAÓS 169

Diagrama elaborado pelo Abade Moreux, mostrando as


relações entre a atividade solar e outros fenômenos ter«
restres, de ordem climática sobretudo
170 ABBÉ MOREUX

A história de José não é o único exemplo rela­


tivo à ciência, oferecido pela Bíblica à nossa medi­
tação; mas, é preciso que nos limitemos, para não
alongar indefinidamente êste capítulo. Contudo*
para terminar, permitam-me que cite o estranho
cálculo a que se entregou um astrônomo, a propó­
sito de duas passagens de Danielt na Bíblia,

Sabe-se que Daniel, ainda criança, fôra condu­


zido cativo à Babilônia, por Nabuccdonozor, depois
cia tomada de Jerusalém (606 A. C.). O rei mandou-o
logo chamar à corte, juntamente com dois outros
jovens liebreus, afim de que “aprendessem a litera­
tura e a língua dos caldeus’5 (I ), vale dizer, o estudo
dos livros sagrados, privativos dos sacerdotes, e que
compreendiam, além da astrologia, a astronomia e
a meteorologia da época.

Ora, entre as profecias que Daniel fez mais


tarde, uma h á que desde priscas éras desafia a ar­
gúcia dos exegêtas. E? a questão de dois períodos
de tempo misteriosos: o primeiro, formado de um
tempo, de meio tempo, e de dois tempos é de 1260
anos; o segundo é de 2300 tardes e manhãs, dias ou
antes, anos, se o referirmos a outros trechos análo­
gos, em que o comprimento do período é mais cla­
ramente designado (2).

(1) Daniel, 1,4.


(2) Daniel, VIII, 12 e VIII, 14.
A CIÊNCIA DOS FARAÓS 371

A que se referem êstes números? É natural que


o busquemos no domínio da astronomia, e eis aqui
a interpretação dada por de Chéseaux. S?te sábio é,
aliás, bem conhecido. Foi êle quem, no mês de março
de 1744, descobriu o belo cometa que tem o seu
nome. Êle o viu, pela primeira vez, em Lausanne?
na Suissa, onde se ocupava de astronomia; o astro
era composto de seis apêndices luminosos, curvos,
dispostos em leque, particularidade muito rara en­
tre os comêtas. Além de outros estudos, de Chéseaux
publicou um trabalho, que não se encontra na
França, mas na Biblioteca de Lausanne, intitulado
Notas sôbre Daniel,
Para se compreender como o autor foi levado a
escrever sôbre o assunto, basta saber que de Ché­
seaux descobriu o ciclo de 315 anos, em que o sol
e a lua voltam, com a aproximação de 7 ou 8 minu­
tos, ac mesmo ponto do céu, de que tinham partido.
Ora, êsse número 315 é, precisamente, a quarta
parte de 1260, número de Daniel, De Chéseaux con­
cluiu daí, que o período de 1260 anos deveria ser
também um ciclo luni-solar.
Com efeito, depois de 1260 anos, o sol e a lua
voltam, com aproximação de V2 grau, ao mesmo
ponto da eclíptica.
Examinado da mesma forma, convertido num
período de 2.300 anos, o segundo número de Daniel
também se mostrou um ciclo perfeito; logo, o êrro,
172 ABBÉ MOEEUX

dez vêzes menor do que o de Calipo, era o do ciclo


de 1260 anos (1).
Essa igualdade de êrro levava a concluir que,
a diferença entre os dois ciclos, ou seja 1040 anos,
deveria também ser um ciclo perfeito, ao mesmo
tempo solar, lunar e diurno, ciclo há muito pro­
curado pelos astrônomos, que acabaram por consi­
derá-lo quimérico e impossível 4 A sua concordância
com as observações e as Tábuas astronômicas mais
célebres, é extraordinária, As posições que dá, dife­
rem menos das posições reais, do que as das dife­
rentes Tábuas entre si; o êrro cometido ocupa o
meio termo entre os erros das Tábuas: 0\45 para
o sol; 0\26 para a lua.
O sol faz 1040 revoluções, em relação ao pri­
meiro ponto de Aries, em 379.852 dias; ora, a lua,
em relação ao sol, realiza o mesmo número de revo­
luções completas, no mesmo período. O ciclo de
Daniel dá, para o ano trópico, a duração de 385
dias, 5 horas, 48 minutos e 55 segundos, valor que
se admite ainda hoje com a aproximação de apenas
9 segundos.
A êste resultado, só por si extraordinário para
a época, acrescenta-se um outro, assinalado ainda
por de Chêseaux. No ano 652, data muito aproxima-

ü ) Calipo viveu na Grécia, no IV século antes cie Cristo.


Já havia antes melhorado o cálculo de seus predeeessores, rela .
tivo aos ciclos solar, lunar e planetário.
A CIÊNCIA DOS . FARAÓS 173

da da profecia de Daniel, o equinócio da primavera,


o solstício do verão e o equinócio do outono ocorre­
ram todos os três, à mesma hora, ao meio dia, no
meridiano de Jerusalém, assim como o exige o mo­
vimento que resulta do período de 1040 anos?
Quem, pois, conclui de Chéseaux, pôde levar
Daniel a aludir a períodos, que têm relações tão
maravilhosas com o movimento dos astros ?
Em carta datada de 12 de Junho de 1771, o sá­
bio astrônomo de Mairan escrevia, a êste respeito, a
de Chéseaux: 4‘Não há meio de discordar dessas ver-
dadas e dessas descobertas, mas não posso compre­
ender como e porque elas estão assim, realmente,
contidas nas Escrituras” .
Já a Academia de Ciências, de acordo com o re­
latório de Cassini, havia declarado serem todos os
métodos seguidos para o cálculo dos movimentos da
sol e da lua, deduzidos do ciclo de Daniel e da che­
gada dos equinócios e clcs solstícios ao meridiano de
Jerusalém, —■bem demonstrados, e perfeitamente
de acordo com a astronomia mais exata,
Depois, a questão foi estudada por astrônomos
modernos (1), como Bell Dawson, E. W, Maunder,
o dr. Grattan Guinness e todos concluiram que, seja
qual for a significação intrínseca da profecia de
Daniel, os números acima aludidos pertencem a um
(1> Cf. — G r. G uinness Creation centred In Christ, p,
344 e E. W. M aunder, Astronomy of the Bible, p. 337.
174 ABBÉ MOREUX

ciclo astronômico, extremamente perfeito. Êste ciclo


era, de certo, desconhecido dos caldeus, a cujos olhos
Daniel passava, com efeito, por um dos maiores
sábios da época.
Assim, a ciência de que deu prova o profeta
hebreu é quase tão desconcertante, quanto os fatos
incríveis da Grande Pirâmide.

SOL

Explicação astrológica ela sucessão dos nomes dos dias


da nossa semana

De um lado, o estudo aprofundado dos movi­


mentos celestes, que até hoje arrebata nossa admi­
ração, e cujas conclusões só foram verificadas mui­
tos anos depois; do outro lado, o monumento irn-
perecivel, que vem inaugurar a éra da arquitetura,
A CIÊNCIA DOS FARAÓS 175

não por um comêço insignificante, destinado a au­


mentar através dos séculos, com progressos lentos e
contínuas, mas por um arrôjo de ciência, de ma­
jestade e de excelência incomparáveis, atingindo, de
um só golpe, um ideal que, talvez, a Humanidade
não ultrapassará jamais.
Fig. VIII

Ruinas do T em plo de Amon, em Luksor (antiga T eb as) ,


Aspecto de uma das salas com 50 m etros de largura, colunas de 23 metros
de altura, e capitéis vasados com 23 metros de circunferência, maior que a
nave de Nossa Senhora de Paris.
CAPÍTULO X

CIÊNCIA E COSMOGONIA

O problema de nossas origens, em todos os


tempos, chamou a atenção dos pensadores: o
homem, que reflete, quer saber de onde veio, e a
atração do mistério do seu passado só é igualada
pela do seu destino. Eis porque os ensaios de cos­
mogonia são sempre atuais. Para os sábios, êles
têm outra vantagem: marcam, digamos assim, os
estádios atingidos no correr dos séculos, pelo desen­
volvimento do pensamento. Tôdas as cosmogonias
são, com efeito, sínteses, que fixam o progesso do
espírito humano, noa domínios mais diversos.
Contudo, ao escrever êste capítulo, não visei
precisamente traçar os esforços da ciência através
dos séculos, para nos dar a solução dêsse enigma,
sem cessar renovado; tenho-o tentado várias vê-zes
e envio o leitor aos meus trabalhos sôbre este as­
sunto apaixonante. Quereria hoje colocar-me num
ponto de vista diferente de qualquer outro, por meus
í ntecessores já encarado.

Quando se estudam as antigas cosmogonias,


não se pode fugir a um sentimento que se impõe por
178 ABBÉ MOREUX

si mesmo, de modo o mais imperioso: ao lado de


divergências de pontos de vista, de detalhes muitas
vêzes infantis, às vêzes burlescos, observam-se afir­
mações sempre idênticas. De onde provém tal senti­
mento ? Os povos, dizem, têm sabido se imitar, uns
aos outros. Tal raciocínio, exato inteiramente para
os romanos, que copiaram os gregos, para êstes que
aprenderam com os egípcios, etc. não seria válido
para algumas nações da antiguidade, muito afasta­
das umas das outras. E’ duvidoso, por exemplo, que
os chineses copiassem 03 hindús, os egípcios, etc.
ou vice-versa.
Mas, resta outra hipótese: todos os povos não
teriam aprendido primitivamente, uma tradição
comum, transmitida, primeiro, oralmente através
longa série de séculos, depois fixada, irrevogavel-
meníe, em certa época, graças à escrita e isto em
cada nação, em particular ?
Esta teoria, que nos deu os melhores resultados,
no curso de nossas investigações precedentes, é a
única que pode explicar divergências e pontos de
contacto: as alterações inevitáveis trouxeram a di­
versidade, os traços comuns atestam a unidade de
origem.
E’ dêste ponto de vista, algo novo, que convém
examinar as cosmogonias antigas e, mais particular­
mente, a de Moisés, consignada 110 Gêneses.
A CIÊNCIA DOS FARAÓS 179

Há uns cinqüenta anos, numerosos exegêtas


tinham procurado harmonizar a narração bíblica
com 03 dados da ciência da época: à idéia não fal­
tava nem ousadia, nem grandeza. Concordistas e
anticoncordistas ,batalharam em justas eruditas
ainda bem lembradas. Depois o vento girou e as
Méias se orientaram em outra direção.
Afinal, observou-se que a Bíblia jamais teve
a pretensão de 'expor uma doutrina científica, e
houve razão para isto. Mas. enfim, os fatos que ela
enuncia são ou não exatos? São símbolos ou reali­
dades históricas ?
Entrementes, preciosos documentos emanados
da autoridade eclesiástica, única competente para
dar interpretação verdadeira às Escrituras, viéram
a propósito para esclarecer a rota. Na sua Enciclica
de 13 de Novembro de 1893, Lião XIXI, perfilhando
as idéias de Santo Agostinho, lembrava-nos as pa­
lavras do famoso Doutor: “O Espírito Santo, que fa­
lava pelos escritores sagrados, não quis ensinar aos
homens estas verdadss, que concernem à consti­
tuição íntima dos objetos visíveis, por que de nada
.shEs serviria para a sua salvação” (1). Ê.stes auto­
res, acrescenta Lião XIII, descrevam os objetos ou
ueles falam, ou por metáfora, ou como o comportava
linguagem usada naquela época. Do mesmo jeito,
ix êle ainda, a propósito da interpretação das

1> Santo Agostinho. lie Gen. a 3. itt., II, cap. IX, 20.
180 ABBÉ MOREUX

Escrituras pelos Pais da Igreja, é preciso distinguir,


com cuidado, nas suas explicações, o que dão como
concernente à fé, ou como ligado a ela, e o que
afirmam de modo uniforme.”
O outro documento provém da Comissão bíblica,
cujas decisões foram ratificadas pelo Chefe Supremo
da Igreja. Depois de ter averiguado a historicidade
dos três primeiros capítulos do Gêneses, essa Comis­
são oficiai dá liberdade de interpretação, depois de
maduro exame, segundo a opinião de cada um, das
passagens desses capítulos, compreendidos diversa­
mente pelos Pais e Doutores, sem nada ensinar de
certo, salvo reserva do julgamento da Igreja, fir­
mando-se nas analogias da fé .
À pergunta seguinte : é preciso sempre, e de
modo regular, procurar no primeiro capítulo do
Gênes&s a propriedade da linguagem científica ?
a comissão respondeu: não.
Na denominação e na distinção dos seis dias
de que nos fala o Gêneses no capítulo primeiro, o
têrmo hebreu yom (dia) pode ser tomado quer no
sentido próprio, de um dia natural, quer 110 sentido
impróprio, de certo espaço de tempo; esta questão
é aberta livremente aos exegêtas? A esta pergunta
final, a Comissão bíblica respondeu, meridiana-
mente : sim.
Censuram-nos, muitas vêzes, a nós, homens de
ciência, católicos, de não poder abordar certas ques-
A CIÊNCIA DOS FARAÓS 181

toes, senão abdicando do uso da razão; eis aí um


grande êrro, infelizmente ainda muito espalhado
entre o grande público.
No que concerne à interpretação do primeiro
capítulo do Gêneses, os têxtos oficiais, cujo resumo
acabamos de dar, nos põem, ao contrário, inteira­
mente à vontade. Isto devemos proclamar muito
alto e esta é a razão principal por que os transcrevi
aqui.
Á Igreja, no caso, dá prova de grande sabedoria.
O sistema de concordismo levado ao excesso é exer­
cício perigoso: o têxto bíblico é, com efeito, imutá­
vel, enquanto a ciência se acha em perpétua trans­
formação; mas, por outro lado, a Bíblia foi escrita
em linguagem muito menos rica do qu-e a nossa, e
muitas expressões ficarão por muito tempo ainda
envoltas em obscuridade. Nestas condições, não seria
temeridade procurar tudo explicar ?
Admitidas estas reservas, é preciso dizer tam­
bém que na hora atual, apesar do que pensam certos
sábios e alguns exegêtas, a Cosmogonia tornou-se
verdadeira ciência com os seus princípios e as suas
leis. De um lado, ela se relaciona com a astronomia
física e com a observação, por outro lado ela se apoia
nos fundamentos da mecânica celeste, uma das
mais belas conquistas do pensamento hum ano; é
também tributária da geologia, à, qual pede um
auxílio precioso.
182 ABBÉ MOREUX

Sem dúvida, ainda há muitos problemas sem


solução; o mecanismo do ponto de partida de nossas
origens escapa-nos, mas sôbre muitos pontos, ape­
sar da diversidade aparente dos sistemas, temos boas
noções precisas.
E contudo, não espantarei ninguém se disser
que a maioria dos nossos exegêtas só têm da ciência
cosmogônica noções de segunda mão, posição pouco
segura, na verdade, para situar no ponto exato, a
ciência adquirida e os corolários duvidosos; numa
palavra, para distinguir o certo do proyável.
A língua hebráica, que aprendi na minha moci­
dade, fí-lo especialmente em vista de procurar com­
preender o Gêneses e depois, vale dizer, durante
vinte e cinco anos, não deixei de me ocupar de Cos­
mogonia. Depois de haver estudado todos os siste­
mas, fui tentado a construir per minha vez uma
teoria da origem e da formação do sistema solar.
E’ hipótese, evidentemente, mas o mérito de ser a
última, tira proveito, consequentemente, do pro­
gresso dos meus predecessores. Daqui a cinqüenta
anos, outras idéias surgirão, mas o.que está adqui­
rido continuará, como permanecem certas pedras
do edifício começado há mais de um século. (Ver
Origem e formação dos Mundos, Th. Moreux).
Abro aqui um parênteses e peço. aos leitores não
ver nestes detalhes pessoais amor próprio do autor;
melhor do que ninguém, tenho apreciado, no curso
de meus estudos, a vaidade da ciência humana, que
A CIÊNCIA DOS FARAÓS 183

nos mostra o nada de nossa inteligência em face do


infinito que se oferece a cada passo, mas furtando-
se sempre às nossas investigações. Como H. Fabre,
o eminente naturalista de Sérignan, sei que quanto
mais aprendo, mais compreendo que nada sei, e
contudo, se vejo algum acôrdo entre o que a ciência
me ensinou de mais certo e a narração do Gêneses
escrita por Moisés, quem me negará o direito de
aíirmá-lo e de publicá-lo ?
Quem ousará, portanto, censurar-me por tal
modo de agir, em tudo inteiramente conforme com
a pura doutrina de Lião XIII: “Assim, diz-nos a
Fincíclica Provi&entisáimus Deus, o conhecimento
dos fatos naturais será de auxílio eficiente a quem
ensinar a Santa Escritura; graças a isto, com efeito,
poderá mais facilmente descobrir e refutar os sofis-
mas de tôda espécie contra os Livros sagrados?”
“Nenhum desacordo real pode existir entre a
Teologia e a Física, contanto que ambas se man­
tenham em seus limites, evitando, segundo a pala­
vra de Santo Agostinho, nada afirmar ao acaso e
não tomar o desconhecido pelo conhecido (1)”
Voltemos agora ao nosso assunto.
A história da criação por Moisés está colocada
no comêço do Gêneses. Como as traduções, que se
acham um pouco em tôda parte, são às vêzes inexa-

íí) I s Gsa. ©p impeli'., IX, 30.


184 ABBÉ MOREUX

tas e outras vezes parafraseadas, acho conveniente


dar aqui o têxto traduzido, literalmente, do hebrai­
co e restabelecido na ordem primitiva, levando em
conta os diversos originais aprovadas (1).

A Criação segundo o Gêneses

1) No comêço Eloím criou os ceus e a terra.


2) Ora, a terra era invisível e sem forma;
Havia trevas na superfície do abismo,
E o Espírito de Eloím pairava sôbre as águas.
3) Eloím diz: “Haja luz”,
E houve a lu z.
4) Eloím viu que a luz era bôa.
Eloím separou a luz das trevas.
5) E Eloím chamou a luz dia e as trevas noite.
E houve tarde e houve manhã: um dia.

6) Eloím diz “Haja expansão entre as águas


E que haja uma separação entre as águas e as
águas” .
E assim foi.
7) Eloím fez, pois, a expansão (2).
(1) V ulgata, S etenta e Itálico.
(2) Alguns autores traduzem por extensão. Veremos mais
ad ian te que o verdadeiro sentido é expansão. Em todo o trecho,
as cifras relativas ao texto correspondem aos versículos do 1.°
capítulo do Gêneses. Os espacejam entos são meus. Coloquei-os
aq u i para m elhor realçar as diversas idéias, mas não existem
no original, que não é um poem a.
A CIÊNCIA DOS FARAÓS

E separou as águas que estão em cima da


expansão,
Das águas que estão debaixo da expansão.
8) E Eloím chamou a expansão ceu.
Eloím viu que a expansão era boa.
E houve tarde e houve manhã: segundo dia.

9) Eloím diz: as águas que estão debaixo do ceu


se reunam num só lugar e que o sêco apareça.
E assim foi.
E as águas que estão debaixo do céu se reuni­
ram numa mesma massa e o sêco apareceu.
10) Eloím chamou o sêco terra e chamou mar a
reunião das águas.
Eloím viu que isto era bom.
11) Eloím diz: “A terra produza verdura,
erva que dê semente, segundo sua esjjécie,
árvores que dêem frutos segundo sua espécie, e
tendo em si sua semente na terra” .
E assim fo i.
12) E a terra produziu verdura.
erva que dá semente segundo sua espécie,
e árvore que dão frutos e tendo semente segun­
do sua espécie,
E Eloím viu que isto era bom.
13) E houve tarde e houve manhã: terceiro dia.

(14) Eloím diz: “Haja luminares na extensão do céu,


para distinguir o dia da noite. Sirvam de
186 ABBÉ MOREUX

sinais não só para épocas., mas também para


dias -e para anos.
15) E sirvam de luminares na extensão dos céus
para luzir sôbre a terra.
E assim foi.
16) Eloím fez, então, dois grandes luminares : a
maior luz para presidir ao dia;
A menor luz para presidir a noite.
E também as estréias.
17) Eloím os colocou na extensão dos céus, para
luzir sôbre a terra, e para presidir ao dia e
à noite.
18) E para distinguir a luz das trevas .
E Eloím viu que era bom.
19) E houve tarde e houve manhã: quarto dia.
20) Eloím diz: “As águas tenham abundância de
uma multidão de seres animados
E que as aves voem por cima da terra, na fâce
da expansão dos céus” .
E assim foi.
21) Eloím criou, então, os grandes monstros ma­
rinhos, e tôda a espécie de entes animados
que rojam, de que pululam as águas e se­
gundo suas espécies.
E Eloím viu que tudo era bom.
22) Eloím os abençoou, dizendo: “Sêde fecundos.
A CIÊNCIA DOS F A f; A ò

multiplicai-vos enchei as águas da.; man-


E que as aves se multipliquem na terra” .
23) E houve tarde e houve manhã: quinto d ia ,

24) Eloím dIZ. A. terra produza entes vivos segundo


as suas espécies:
Gado, sêres rojantes e animais da terra, segun­
do suas espécies.
E assim foi,
25) Eloím fez, portanto, os animais da terra segun­
do suas espécies, gado segundo suas espécies
e todos os entes que se rojam ao solo segundo
suas espécies.
E Eloím viu que era bom.
26) Eloím diz: “Façamos o homem à nossa imagem,
segundo a nossa semelhança
E que êle domine sôbre os peixes do mar, sobre
as aves do céu, sôbre o gado, sôbre todo ani­
mal da terra e sôbre todo ente que roja na
terra” .
27) Eloím criou o homem à sua imagem;
À imagem de Eloím, êle o criou;
Macho e fêmea os criou.
28) Eloím os abençoou e lhes diz: “Sêde fecundos,
multiplicai-vos, enchei a terra e dominai-a” .
Dominai sôbre as peixes do mar, sôbre as aves
do céu, não só sôbre todo animal da terra,
188 ABBÉ MOREUX

como também sôbre todo animal que roja na


terra” .

31) E Eloím viu que tudo o que havia feito era


muito bom.
E houve tarde e houve manhã: sexto dia.
1) Então foram acabados o céu e a terra e tôda
a sua ordenação (1).
2) Eloím acabou no sêxto dia a obra que quis fazer
E no sétimo dia repousou de tôda obra que quis
fazer.
3) Eloím abençoou o sétimo dia e o consagrou,
Porque nêsse dia cessou tôda a obra da criação.
4) Tais são as origens do céu e da terra, quando
foram criados.
Voltaremos a falar sôbre o alto alcance morai
e intelectual da história de Moisés, mas antes veja­
mos se pela sua redação, o escritor sagrado se inspi­
rou, como pretendem, em fontes profanas.
Sendo o povo hebreu descendente de Abraão,
nascido êste também na cidade de Ur, na Caldéia,
a narração do Gêneses deveria ter se inspirado, di­
zem, nas legendas assírio-caldéias.
Antes da descoberta das inscrições cuneiformes,
í.ó dispúnhamos de dados imprecisos sôbre as idéias
(1) Êste versículo começa o 2.° Capítulo do Gêneses.
A CIÊNCIA DOS FARAÓS 189

que os primeiros habitantes da Mesopotâmia pode­


riam fazer da criação; a história de Berose e uma
outra de Damascius eram insuficientes para nos
informar qualquer cousa, quando em 1875, o sr, G,
Smith exumou da biblioteca de Ninive, tijolos que
continham uma cosmogonia caldéia. Era um longo
poema de 12 tábuas, horrivelmente mutiladas, mas,
cujos fragmentos assim mesmo, não são per isto
menos interessantes. Datam, em verdade, apenas
de 670 anos A. C.; todavia, os mitos astrais que
contém, provam, como no poema de Izdubar, que
estamos em presença de cópias de originais que re­
montam pelo menos a vinte séculos antes. São,
portanto, muito anteriores a Moisés, e Abraão pode­
ria ter conhecimento dêles.
Alguns trechos aqui bastarão para o nosso fim:
A primeira tábua supõe o cáos e conta-nos a geração
dos deuses.
Outróra, o que está em cima ainda não se cha-
[mava céu;
E o que estava em baixo, na terra, não tinha
[nom e.
O abismo infinito foi a sua origem.
O mar} que tudo engendrou, era o cáos.
As águas foram reunidas em conjunto. Então,
Havia uma obscuridade profunda, sem luz
[alguma,
Um vento de tempestade sem repouso.
Outrora, os deuses não existiam ainda,
190 ABBÉ MOREUX

Nenhum nome estava dado, nenhum destino


[estava determinado.
E foram feitos os grandes deuses;
O deus Lacmu, o deus Lacamu existiram sò-
[zinhos. . .
Escôou-se grande número de dias e longo pe-
[ríodo de tem po, ..
. O deus A nu. . .
As três tábuas seguintes não foram encontra­
das ; um fragmento da quarta tábua refere-se à
dessecação da terra.
Á quinta tábua corresponde ao quarto dia do
nosso Gêneses; é a criação dos astros, já divinizados.
Os planetas já têm as suas moradas; reencontramos
os deuses Bel e Ae do poema de Izdubar, o que prova
que tôda a narração é fundada em tradições muito
antigas, oriundas, aliás, em região mais setentrio­
nal, como em relação ao dilúvio. Mas estas tradi­
ções ainda se alteram mais, passando pela imagina­
ção panteista dos caldeus. Julgue-o o próprio leitor:
Êle dividiu as mansões (1), em número de sete,
[pelos grandes deuses,
E designou as estréias que seriam as moradas
[dos sete lurnasi (?)
Êle criou a revolução do ano e a dividiu em de-
[cadas.
E para cada um dos doze meses) fixou três es-
[trêlas .
(1) M ansão, m orad a.
A CIÊNCIA DOS FARAÓS 191

Deu sua casa ao deus Nibir, para que os dias se


[renovassem em seus limites.
Pôs ao lado desta, a mansão de Bel e de A e. ..
Nanar (a lua) foi encarregada de iluminar a
[noite.
54Mensalmente, sem interrupção, enche teu
[disco. . . ”
(Descrição das fases da lu a ).
Levanta-te, deita-te, segundo as leis eternas” .

Da sétima tábua, tiramos a passagem se­


guinte :

Quando os deuses, nas suas assembléias, foram


[.criados. . .
Estavam satisfeitos os grandes monstros (ma-
[rinhos).. .
Deles foram feitas criaturas vivas. . .
Na tábua relativa à criação do homem, infeliz­
mente muito mutilada, Smith revelou o nome de
Adami ou Admi, forma assíria do hebráico Adam.
Lendo todos êsses trechos, é impossível não se
dmirar as semelhanças entre as narrações cal-
■•ía= e as do Gêneses, mas a semelhança é, apenas
puramente, na forma; só existe em certas expres­
ses: o cáos do comêço, o Abismo promordial, vale
a;er, as águas, o oceano do comêço das idades, os
rminarss que servem de signos para medir os anos
o-; meses.
192 ABBÉ MOREUX

Quanto à essência, tudo é diferente ; Moisés


poderia conhecer, quer pela tradição, quer pela
ciência -— porque foi educado pelos sacerdotes
egípcios — as idéias dos caldeus, sua idolatria, seu
panteon de deuses ridículos, tôdas as fábulas de
sua mitologia; estava a par de sua astrologia, mas
nada disso pôde servir-lhe, e se algumas expressões
são as mesmas nas duas narrações, isto prova muito
simplesmente que ambos os escritores, o israelita e o
mesopctâmico “transmitiram-nos uma mesma tra­
dição, que foi comum na origem, mas tomou matizes
diversos ao passar por canais distintos. Assim se
explicam as divergências e os traços de seme­
lhança” (1).
Disseram também que Moisés havia compilado
documentos de fontes diferentes, uma jeovitas,
outras eloistas, tese bem estranha e insustentável
depois das descobertas de Smith.
À narração das origens, segundo os documentos
assírios, mostra, já o demonstrei, que a tradição
comum, verdadeira fonte de que se derivaram não
só a narração mosáica como as narrações relativas à
criação em muitos outros povos, existia pelo menos
no terceiro milênio antes da éra cristã.
Estudemos agora, mais de perto, o têxto ds>
Gêneses:

<1) F . Vigouroux, A Bíblia e as descobertas modernas»


t. l.°, p. 91. (Berche e Tralin, ed. P a ris).
A CIÊNCIA DOS FARAÓS 193

Quem ler a Bíblia como um livro comum, pode


ficar certo de nada compreender de sua linguagem
e nenhum proveito ha-de tirar. Os pais da Igreja o
fizeram notar há muito tempo, a Escritura tem
muitos sentidos: o primeiro é simbólico, visa o en­
sino doutrinário; o segundo é hebraico, dirige-se a
determinado povo, ao qual se deve fazer compre­
ender; e ambos os sentidos não se devem opôr a um
terceiro, o sentido literal histórico, que constitue o
âmago das narrações.
Assim é que o primeiro capítulo do Gêneses deve
ser interpretado e então tudo se esclarece com luz
ofuscante.
Moisés devia insistir sôbre as grandes verdades
religiosas, que Israel, sempre em contacto com
nações pagãs, tendia a esquecer: Deus, Criador e
não simples organizador do mundo; Deus, criador do
Universo, que tirou do nada ; Eloím fez os céus e
a terra, conforme canta o salmista:

“No comêço funãaste a terra


E os céus são obra de tuas mãos (Salmo 102, 26).
Louvai a Jeová, invocai seu nome.
Fazei conhecer entre os povos seus altos feitos,..
Porque todos os deuses dos povos são ídolos
E Jeová fez os céus (Cron. XVI, 8, 26).
Deus, Providência e Senhor soberano, dita à na~
[twreza suas leis:
194 ABBÉ MOREUX

Á sua ordem, a luz aparece, o mar se retira, a


{terra produz frutos:
É segundo tuas leis, que tudo subsiste até hoje
(S. 109, 91)

Foi Deus, enfim, quem criou o homem e o fez


a sua imagem :

“Quando contemplo teus céus, obra de tuas


[mãos,
A luz e as estrelas, que tu criaste, exclamo:
Que é o homem posa que te lembres ãêle?
Tu o fizeste pouco inferior a D eus. . .
Tu o fizeste dominar a obra de tuas mãos
(S. 8, 4,7);

E eis porque oferecerá a Deus as suas home­


nagens, em nome das criaturas:
í

A terra bendiga ao Senhor,


Louve-o e exalte-o para sempre (Dan. III, 74).

Do mesmo jeito, é evidente que o fim do escri­


tor sagrado, apresentando a obra “dos seis dias de
Deus” e o repouso de Jeová, ao sétimo dia, é insis­
tir junto aos homens sôbre a necessidade que é para
êles o repouso sabático. O exemplo vem de cima; a
origem da semana é divina:
“Não deixeis de observar meus sábados... Será
entre mim e vós um sinal para sempre; porque em
A CIÊNCIA DOS FARAÓS 195

seis dias Jeová fez os céus e a terra e ao sétimo dia


deixou de trabalhar e repousou” (Êxodo, XXXII,
13, 17).
Eis aí o que se responde a êsses sábios de outró-
ra, que nos ensinam, sem pilhéria, que a semana se
originava das fases da lua. Era a opinião de Baiily,
de Montucla, de Laplace, os quais, à falta de docu­
mentos, “criavam5’ a história. Arago deu esta expli­
cação de modo tímido e hesitante; mas, aquêles que
o têm parafraseado, depois, aceitaram a hipótese
como verdade demonstrada e depois a achareis em
tôdas as astronomias populares e em muitos manuais
clássicos.
“Os povos antigos, lemas em algumas delas,
já possuíam a nossa semana de sete dias, baseada
na duração das fases lunares”. Alegação inexata,
inteiramente: se a revolução da lua pode muito bem
servir para se estabelecer um calendário de meses
lunares, é impossível contar períodos de dias inteiros
por meio das fases do nosso satélite.
Depois — isto é cousa hoje pacífica — nenhum
povo antigo empregou a semana de sete dias (1). Sob
êsse ponto de vista, os hebreus constituem exceção,
por assim dizer entre as nações. Só êles praticaram
este sistema de compute, e ainda essa divisão do
tempo'era independente dos meses e dos anos. A

(1) C f. — G . B igourdan. A Astronom ia, evolução das


idéias e dos métodos, p . 60.
196 ÀBBÉ MOREUX

origem da nossa semana é, portanto, mais de ordem


religiosa do que astronômica.
Todos os povos dividiram o mês em três partes
de dez dias: são as decans, que encontramos tam­
bém entre os egípcios, como entre os babilônios e
os chineses.
Todavia, a semana dos hebreus deveria ser a
divisão adotacla primitivamente pela humanidade,
como o prova, precisamente, o famoso poema caldeu
da criação, o qual, apesar dos retoques que sofreu
através dos séculos, conservou intacta a tradição
comum dos “seis períodos”, tendo esquecido o séti­
mo, puramente ideal.
Êsses sete dias da semana, os astrólogos, pouco
a pouco, substituíram pelas décadas, três para cada
mês, correspondendo cada a uma estrêla.
Contudo, a tradição popular, sempre lenta de
ser destruida, não foi esquecida: de um lado, vemos
que o número sete continuou tão honrado, entre os
assírios e babilônios, como entre 03 hebreus, e por
outro lado, detalhe mais típico, êste número serviu
de base às práticas supersticiosas, assinaladas em
alguns dias múltiplos de sete.
Entre os babilônios por exemplo, os 7, 14, 21
e 28 de cada mês eram considerados como nefastos;
era preciso, nesses dias, se abster de certos atos :
“O pastor dos grandes povos (o rei), lemos numa
A CIÊNCIA DOS F A R A ÓS 397

tábua, não comerá nem carne assada, nem pão pre­


parado com sal; não mudará as vestes do corpo; não
vestirá roupa branca e não poderá fazer sacrifício.
Não montará em carro, nem pronunciará qualquer
decreto. O profeta não fará oráculos, o médico não
pousará a mão sôbre o cloente, etc. . . ”
Há igual observação entre os egípcios, quanto
aos mesmos dias do mês. Nestas épocas nefastas, é
preciso não sair, não embarcar no Nilo, não se
banhar, não trabalhar, não comer peixe, não comer
absolutamente, e t c . .. (1).
Não sorriam, façam um inquérito sôbre os
nossos costumes contemporâneos e ficarão edifica-
cIjs pela influência do número 13 e da sexta-feira !

O sentido simbólico, no primeiro capítulo do


Gêneses, basta, parece-me, para justificar o emprego
da palavra yom, que-, literalmente, significa dia,
mas pode muito bem indicar períodos de tempo in­
determinado .
Alguém poderia ser tentado a pensar que tal
interpretação é inteiramente moderna; ora, basta
interrogar a literatura antiga, para ver que não
há tal. Muitos Pais da Igreja, dentre outros Santo
Agostinho, notaremos com Hamard, e tôda a escola
exegética de Alexandria, atribuíram à palavra dia

<1) Ph. Virey. A Religião do antigo Egito, p. 222.


198 A BB É MOREUX

sentido metáforico, enquanto outros já entreviam


o sistema de períodos,
Com efeito, o próprio têxto das Escrituras nos
convida a adotar esta interpretação, À parte as
semanas de anos, baseadas nas semanas ordinárias,
a Bíblia não conhece outra série senão o dor, perícdo
muito vago. que corresponde à duração da vida
humana. Em tôda parte, aliás, se faz menção de
tempo, de meio tempo, como em Daniel, onde o
sistema de semanas de anos, reaparece; a hora de
São João, na sua primeira Epístola, é um tempo,
observa Santo Agostinho (1); os mil anos cio Apo­
calipse designam da mesma forma um período.
Se estudarmos mais de perto o começo do Gê­
neses, notaremos com muitos Pais da Igreja, que o
primeiro dia não teve manhã, o último não teve
tarde e que três dias não tiveram sol. De qualquer
forma, é preciso admitir o sentido cie período inde­
terminado para o sétimo dia que dura ainda, e po­
demos concluir com Santo Agostinho, que é neces­
sário interpretar os dias do Gêneses, “não ao modo
dos dias medidos e contados pelo curso do sol, mas
de outra maneira”, e o sábio doutor continua a sua
bela dissertação sôbre a luz do astro que, a cada
momento só ilumina uma parte da terra (2).
Afinal, se Moisés nos deu a narração de um
fato, cuja origem remonta ao tronco primitivo cia
(D Cf. Carta, 199,
Í2> ' lie Gen. ad; cess, 10-26, — I, 10.
A CIÊNCIA DOS FARAÓS 199

humanidade, poderemos encontrar algum indício


dos períodos, nas tradições de outros povos, e é pre­
cisamente o que vamos averiguar.
Os caldeus, os fenícios, os persas, os etruscos
criam na divisão da Criação em seis períodos de
longa duração. A história de Berose, autor sempre
prolixo e falador, nos informa no que diz respeito à
tradição caldáica: a divisão do dia está bem con­
servada aqui com suas doze horas, seis para a ma­
nhã e seis para a tarde, mas o autor nos adverte de
que se trata de dias especiais, dias cósmicos, cujos
segundos constituem períodos de um ano comum,
cada minuto eqüivale assim a sessenta anos, cada
hora a 60 vêzes 60 anos ou seja 3,600 anos e um
dia, 12 vêzes 3.800, ou seja 43.200 anos.
Onde Berose auriu tão fantásticas suposições?
Nós, evidentemente, o ignoraremos sempre, mas a
“moral da história” é a distinção entre dias e dias:
os da Criação constituem verdadeiros períodos; e
atentai para que, no caso, Berose é, apenas, o in­
térprete do sentido tradicional.
Reportai-vos às táboas caldáicas: aí encon-
trareis enunciada, embora sem precisão, fórmula
idêntica, na essência, à do Gêneses. Na tábua que
alude à geração dos deuses, lemos, como efeito:
“um grande número de dias e um longo período se
e.scoou”. Portanto, a tradição é formal e tudo nos
k va a crer que os dias mosaicos são, de fato. épocas.
260 ABBÉ SJOREUX

Não insistiremos sôbre o sentido hebraico, con­


tido no Gêneses. Se bem que muito instruído, Moisés,
para ser compreendido pela massa e para atingir ao
seu fim, só devia empregar termos usuais, os da
linguagem comum, e é em grande parte, a esta sim­
plicidade proposital, que a narração deve a sua em­
polgante grandeza.
Desde muito tempo, alguns exegetas de valor
deram uma interpretação do têxto bíblico muito
menos original. Moisés nos representaria o mundo
como um edifício de três andares, cujo arquiteto e
criador é Jeová: cada parte, uma vez concluída, re­
cebe sua ornamentação, sua mobília, sempre visando
a nossa utilidade. A descrição começa, não pelos fun­
damentos, mas pela abóbada, pelo céu, opde se gosa
áa luz. O autor, explica-se, segue uma crdem de
foeleza, de dignidade; o andar intermediário é cons­
tituído pelo firmamento, que separa as águas de
cima, dos oceanos; depois vem a terra, fundamento
e suporte do conjunto: tal é a obra dos três pri­
meiros dias.
A ornamentação será a dos três dias seguintes:
a luz do primeiro dia será, no quarto dia, localizada
no sol, na lua e nas estréias. O firmamento e as
águas inferiores do segundo dia serão, no quinto dia,
povoados de aves e de peixes; a terra, levantada
acima das águas desde o terceiro dia, receberá, no
sexto dia, os animais e o homem.
A CIÊNCIA DOS FARAÓS 201.

Tal paralelismo deveria seduzir os doutores da


Idade Média, que o esqueceram, mas fundamental­
mente isto não passa de pura forma; as plantas,
por exemplo, já enfeitam a terra desde o terceiro
d ia !
Ligeiramente modificado para uma apresenta­
ção aceitável, êste sistema, a que se tende a voltar
hoje, não deixa de ter dificuldades. Como todos que
negam a sucessão real nas fases descritas, não ex­
plica porque, por exemplo, Moisés continua um
trecho considerado puramente literário, com a des­
crição de fatos cronologicamente encadeados: a cria­
ção do homem, sua quéda, sua descendência, etc, ...
“Não esqueçamos, diz um crítico a propósito,
que, o alto alcance do documento está no fato de
que o homem coroa a criação terrestre e tudo no
•:eu habitáculo foi organisado para êle. Ora, se o
laom: m não foi realmente criado depois de tôdas
a? espécies animais, o efeito intencional do quadro
não corresponde exatamente à verdade, prevalecen­
do a forma sôbre o fundo. Admitir-se-á, consequente­
mente, que o último acontecimento íoi colocado de
propósito deliberado no seu lugar histórico (1).
Mas, então, não há mais razão para se consi­
derar a narração do Gêneses como uma série de
quadros sem seqüência ordenada; a criação do dia

(1) Cf. A. T . D elattre. Os dias da Criação, Sc. Cath., 15


de J a n . 1892.
202 ABBÉ MOREUX

primordial sem sol, a das plantas antes da menção


do astro central, enfim a aparição dêste último só
no dia seguinte, todos os acontecimentos anteriores
à vinda do homem; tornam-se inexplicáveis, se não
se admite uma sucessão real.
Moisés teve, pois, um motivo sério, para falar
dos fatos na ordem que observamos; assim fazendo,
aliás só nos transmitiu uma longa tradição e a
prova disto nos é fornecida pela própria essência
das cosmogonias de outros povos.
O terreno acha-se agora suficientemente ilumi­
nado; constando sem dúvida, no Gêneses, um evi­
dente sentido simbólico e uma forma singularmente
adaptada ao fim colimado; admitindo do mesmo
modo uma espécie de narração, enquadrada nas
noções admitidas, na épcca, pelos hebreus, noções
que se tinham confundido com as do povo egípcio,
somos levados, inelutavelmente a reconhecer, na
narração bíblica, a presença de um ensinamento
que possue um sentido histórico inegável.
Em outros termos, Moisés conta-nos uma série
ordenada de fatos reais, uma sucessão no tempo,
quer de atos divinos, quer de causas oriundas da
Criador, cujos efeitos nos expõe.
— Então, podem dizer-me os exegêtas e os
sábios, você é concordista, vale dizer, você crê no
acordo entre a narração do Gêneses e os dados da
Ciência ?
A CIÊNCIA DOS FARAÓS 203

Esperem ; a seqüência dos argumentos Indi­


cará minha posição e minha resposta, Afinal, do
mesmo jeito, a questão me parece tão mal situada,
quanto inoportuna. Mas, o que quero afirmar, desde
agora, é que não tenho nem a pretensão ,nem a
missão de interpretar, de modo exato, o têxto do
Gêneses.
Em segundo lugar, já fiz observar, a ciência se
acha em perpétuo evolver: ao lado de resultados
certos, quantos problemas equacionados, e não re­
solvidos, quantos mistérios descortinados, à medida,
que o nosso horizonte se alarga!
Enfim, a terceira nota: admitamos, por hipó­
tese, que os nossas conhecimentos de geologia, de
física, de química, de paleontologia, de cosmogonia,
sejam tão desenvolvidos, que nos permitam traçar
os estádios percorridos desde as origens do mundo;
como iríamos proceder, que método de exposição de­
veríamos adotar ?
Descrever paralelamente as fases da evolução
do globo, as transformações da flora, os desenvol­
vimentos sucessivos da fauna ? Não seria satisfató­
rio; tal tarefa, além de árdua, seria, de fato, impos­
sível . A cada instante, as nossas descrições se arris­
cariam a sobreporem-se umas às outras, rompendo-
se constantemente o paralelismo;’ arriscar-nos-iamos
a incorrer na censura que se faz a Moisés, de não
haver observado estritamente a ordem cronológica.
204 ABBÉ MOREUX

á sdificuldades seriam inextrincáveis, se, por acrés­


cimo, nós nos achassemos na obrigação de resumir
em uma ou duas páginas, um assunto geralmente
disperso e tratado em vários volumes separados.
Não vamos, pois, exigir do autor do Gêneses,
obra irrealizável e não procuremos, em sua narração,
senão as grandes linhas do assunto. Uma vez fixado
êsse esboço, examinaremos se existe ou não, con­
cordância geral entre a narração bíblica e as con­
clusões fidedignas oferecidas pela ciência atua].
Sem nos determos em detalhes, podemos assim
resumir tôda a obra dos seis ciias.
1.° dia— Criação do universo material Cos céus
e a terra). A luz e as águas.
2.° dia — Formação da expansão; «separação
das águas superiores e inferiores.
3.°dia— Aparição da terra firms e formação
dos vegetais.
4 .° dia — Aparecimento dos astros.
5.° dia — Formação dos animais marinhos e
das aves.
6.° dia — Formação da fáuna terrestre e cria­
ção do homem.
Um simples golpe de vista sôbre êste quadro
mostra-nos, à evidência, que, exceto a obra do pri­
A CIÊNCIA DOS FARAÓS

meiro dia, tudo mais se refere ao nosso planeta. O


quarto dia, em que se trata dos astros, parece à pri­
meira vista constituir exceção, mas veremos que a
dificuldade é apenas aparente. Resolvida esta, o
problema se simplifica imediatamente; porque é à
geologia e à paleontologia sobretudo, que teremos
de recorrer, e ninguém no momento ousaria garan­
tir que estas duas ciências correlatas poderiam for­
necer-nos outra coisa, além de vagas indicações.
Outra observação capital: a maioria dos comen­
tadores antigos e modernos, que tentaram interpre­
tar o têxto do Gêneses, procuraram no seu subcons­
ciente, vale dizer, em suma, na sua imaginação mais
ou menos criadora, a significação das palavras he­
braicas, empregadas pelo autor da narração; êste é,
cm meu parecer, um modo detestável de se traduzir
um têxto. Uns trinta versículos não bastam para nos
dar a chave de um vocabulário. Moisés quiz ser com­
preendido pelos seus contemporâneos; portanto,
usou necessàriamente, de termos bem definidos;
mas, pelo fato de querer vulgarizar, não se segue
que nos tenha dado noções espalhadas, comumen-
te, entre o povo. O papel do vulgarizador não muda
segundo as épocas: consiste sempre em ensinar sem
o emprêgo de têrmos técnicos, usados pelos sábios.
Precisamos, pois, custe o que custar, achar a
significação das palavras que são obscuras para nós,
pela simples razão de estar longe de nos ser fami­
liar a língua dos hebreus.
206 ABBÉ MOREUX

Só há um meio de sairmos deite impasse, é apro­


ximar os têrmos do Gêneses, dos têrmos análcgos
espalhados profusamente nos Livros seguinte. Obje-
tar-me-ão que êsses Livros foram escritos por dife­
rentes autores e em épocas diferentes, mas pelo seu
espirito, pela sua tradição, pela sua finalidade, a
Bíblia é uma, e ninguém melhor do que os autores
sucessivos dos Livros santos, está capacitado a nos
fornecer o sentido verdadeiro das Escrituras. Anali­
sado sob êstes princípios, ve-lo-eis por vós mesmos,
o têxto de Moisés é de uma clareza ofuscante.

“No comêço Deus criou os céus e a terra” .

Assim se inicia o Gêneses. Quiseram ver nesta


frase, sublime na sua simplicidade, o título de tôda
a seqüência, uma espécie de resumo do primeiro
capítulo. Mas, então, é preciso explicar porque o
autor, que vai logo nos falar do céu, emprega aqui
a palavra céus. E’ porque, para tódos os escritores
sagrados, os céus indicam o universo, o mundo in­
teiro, e particularmente, o exército de estréias, Em
muitas passagens, há alusão ao exército celeste, que
obedece às ordens de Jeová, e o contexto não deixa
dúvida alguma; o título de Deus dos exércitos, que
se censura ao Deus de Israel, jamais quis designar
um general de exército. (1).

(I) Os astros, com os espíritos puros, fazem p arte do


exército òo Senhor, o exército (tsaba) do céu; donde o nome
Elohé Tsebaoth, Deus dos exércitos, dado a Jeová.
A CIÊNCIA DOS FAKAoS :><sy

No comêço dos tempos, Deus criou w


cio mundo, a do Universo inteiro, coiiipm^divúí ;m
a matéria terrestre.
Abri o livro dos Provérbios e o da Sabedoria, v
compreender £is o comêço da obra do primeiro dm.
A Sabedoria increada, “sopro da fôrça de Deus”
(1), que não era outra senão o Verbo de Deus, diz
nas São Paulo (2) presidiu à criação do Universo.
Ela própria o diz pela bôea do Profeta :
Jeová me 'possuiu no comêço de seus caminhos,
Ántes das suas obras mais antigas.
Fui fundada desde a eternidade,
Antes da origem da Terra.
Quando êle (Jeová) dispôs os céus} eu já exis-
{tia. (3)
Não, os astros não foram criados no quarto dia,
depois da Terra, assim como uma leitura rápida da
narração de Moisés nos levaria a crer. O autor do
Livro de Job, intérprete inspirado de uma longa tra­
dição, no-lo diz expressamente; dirigindo-se Jeová
ao homem, fala-lhe nestes têrmos :
Onde estavas, quando eu punha os fundamen-
[tos da Terra?
Quem lhe pôs a pedra angular,
Quando os astros da manhã cantavam em
[coro (4).
(1) Sabedoria, VII, 25, 26.
(2) Ep. aos H ebreus, L . 3.
(3) Provérbios, VIII, 22, 23, 27.
(.4 ) Jó, XXXVIII, 4, 6, 7.
208 ABBÉ MOREUX

Ás estréias, sóis do espaço, nosso próprio soi,


massa volumosa no coméço, estendendo sua atmos­
fera até a órbita de Vênus, até alguns de nossos
planetas, assistiram, pois, ao nascimento da Terra:
Todos estavam 'presentes, eis o sentido do início
desse esplêndido poema sôbre a criação.
Nesse pcnto particular, a Astronomia, nos ofe­
rece certezas ? Seguramente.
Quando nossa minúscula nebulosa, dividida em
redor do nosso astro central, já vagava nos espaços
celestes, outras gêneses, de outras mundcs, ocorriam
nas profundezas etéreas. Pertencemos a uma imensa
corrente de estréias; no decurso de nossa longa via­
gem celeste, temos companheiros de estrada, que
conhecemos perfeitamente; o belo Antarès do Es­
corpião, estréias de Pégaso, de Perseu, uma de
Cassiopéa, uma outra do Cisne, etc. . . Mas antes
de nós, outros sistemas já haviam nascido, sóis já
envelhecidos, sóis agonizantes, astros até mortos,
povoando, desde milhões de anos, os vastos cemi­
térios do céu.
De tudo isto, Moisés nada tinha a dizer-nos. O
Gêneses, como tôda a Bíblia, foi escrito para o
homem. Sua finalidade é traçar, para seus leitores,
as fases da evolução da terra.
— Antropomorfismo, dirão.
E porque não? Os geólogos, os paleontologistas,
os botânicos ocupam-se acaso de estréias, de comêtas
ou de planetas, como Urano ou Júpiter ?
A CIÊNCIA DOS FARAÓS 209

— Perfeitamente; mas, objetarão de novo, o au­


tor do Gêneses parece dar ao nosso humilde planeta
importância muito grande, no concêrto da criação.
Que sabemos a respeito? Conhecemos as idéias, jã
não digo do povo hebreu ou egípcio, mas dos sábios
daqueles tempos longínquos? Os resultados expos­
tos, nos capítulos anteriores, são de molde a nos
desconcertar. Então, com que direito julgaremos,
nêste particular, o autor do primeiro capítulo da
Eiíblia? As Escrituras, já vimos, não são"um livro de
ciência, e contudo, aqueles que nos legaram a mes­
ma deixam, por vêzes, transparecer conclusões apro­
vadas pelos modernos astrônomos .
Atribuíram a Moisés e a outros autores sagra­
dos, idéias dos egípcios sôbre a aurora; sôbre a cons­
tituição da terra, que teriam suposto plana e supor­
tada por colunas; sôbre a abóbada celeste, que te­
riam suposto sólida; e quanta cousa mais? Contudo,
as opiniões espalhadas entre o povo, nada nos in­
formam a respeito desses sábios,
Ora, os escritores sagrados, de certo, eram dos
mais instruídos filhos de Israel; e sabeis como êles
íalavam do universo e da terra ?
Pela palavra de Jeová, os céus foram criados
E fccdo o seu exército, pelo sopro de sua boca.
Vê, Deus é sublime em seu poder ;
E' poderoso pela fôrça da sua inteligência (1)

(1> Jó, XXXVI, 2 2 ,


210 ABBÉ MOREUX

Jeová, meu Deus, és infinitamente grande (1),


A tí pertencem os céus. . .
O mundo e tudo que contém, fôste tu quem.
[fundou.
A tí, também pertence a terra . . ,
Criaste o norte e o sul (2).
Minha alma, bendiz a Jeová !
Porque a Jeová pertencem os eixos da terra
E sôbre êles colocou o globo (3).
Êle extende o setentrião sôbre o vácuo
E suspe?ide a terra sôbre o nada (4)
Êle reina sôbre o globo terráqueo
E seus habitantes são} para êle, como gafa-
[nhotos (5).
Em outra parte o profeta Isaías nos assegura
que a humanidade, que representa a terra, é com­
parável, aos olhos de Jeová, a uma gota dágua, sus­
pensa à beira de um vaso, que transborda, ou à
poeira, que mal inclina balança (6).
Poder-se-ia afirmar, pergunto, mais clara­
mente, a idéia de que a terra é uma porção ínfima
do universo ?

(1) Fs., c iv , 1.
(2) Ps., LXXXIX. 12. 13.
(3) Samuel, II, 8.
(4) Jó, XXVI, 7.
(5> Isaías, XL, 22.
(3) Isaías, XL, 15.
A CIÊNCIA DOS FARAÓS 211

Antes de se haver, cientificamente, demonstra­


do o isolamento da terra, sua pequenez relativa, sua
esfericidade e rotação, êstes têxtos não deixaram de
embaraçar os comentadores. Por muito tempo, tra­
duziu-se globo par circulo, sob o pretexto de que os
povos da antiguidade acreditavam que a terra era
plana e circular, cercada de água por todos os lados,
mas os gregos que professaram a esfericidade da
terra, só fizeram, talvez, repetir uma idéia apren­
dida em contacto com os sábios hebreus ou egípcios.
Isto é tanto mais verossímil, quanto o próprio Pla­
tão aprendeu, no Egito, grande número de suas
concepções, a metempsicose por exemplo, e talvez
até a idéia de um Mediador, idéia que, entre os
judeus, era muito espalhada.
Do mesmo jeito, o termo hebráico correspon­
dente a eixos e que se aplica, naturalmente, aos
polo.s do céu, em latim cardines coeli, expressão
muito comum na Bíblia, para designar o eixo em
cuja volta se vê girar as cstrêlas, não tem relação
alguma com a terra suposta imóvel. O têrmo car-
(Mnes terrae tornou-se o pesadelo dos tradutores.
Substituíram essas palavras por extremidades da
terra, colunas da terra, etc. E no entanto, o seu
significado aqui não é menos certo, do que nas
frases precedentes. G autor dos Provérbios compara
o preguiçoso, que se vira na cama, a “uma porta que
gira em tôrno de seus eixos” (1) e é exatamente o

U) Frovérbios, XXVI, 14.


212 A BBÉ M ORE UX

mesmo termo, que os escritores sagrados empre­


gam para a terra,
Até admitindo-se que os autores se tenham ins­
pirado nestas passagens muito estranhas à fé, é
inverossímel supor que êles não se compreendiam
a si mesmas. Havia, portanto, outróra como hoje,
sábios profundos, e é decepcionante que íôsse pre
ciso uma longa série de esforços, para se tornar &
encontrar noções científicas, já correntes há alguns
milhares de anos,
Mas, voltemos ao têxto do Gêneses. À exceção
da palavra céus na primeira linha, tudo vai referir-
se à terra, como planeta.
Ora, a terra era invisível e sem forma; as trevas
estavam na face do abismo. Por falta do sentido
verdadeiro da palavra abismo, os comentadores se
esfalfaram em encontrar o significado dessa frase,
todavia muito simples. Quiseram interpretar abis­
mo como a designação dos espaços estelares mergu­
lhados na noite, antes do aparecimento da luz; mas,
abismo, nas Escrituras, e, apenas, o mar, “as águas
profundas”; é o abyssos, dos gregos, o abismo das
tábuas cuneiformes, o qual é considerado, pela cos­
mogonia caldáica, sem fundo, infinito.
Depois da fase incandescente, depois de haver
brilhado com luz própria, a terra foi, pouco a pouco,
sendo invadida pelo frio. Espêssa camada de vapores
ardentes envolveu nosso planeta; tal Júpiter apa­
rece aos olhos dos astrônomos, que contemplam sen
A CIÊNCIA DOS FARAÓS 213

disco nebuloso, raiado de faixas multicores, que re­


fletem. em parte, a luz do sol.
No meio dessa massa, mistura de gases os mais
diversos, certa seleção, lentamente, se operava;
sôbre uma superfície mal solidificada, crosta inces­
santemente deslocada pela erupção de gases subja­
centes, a condensação depositava o primeiro invó­
lucro líquido, oceanos sem praia, envolvendo nosso
planeta, a jeito de obscuro vestido. Se o sol volu­
moso dos primeiros tempos já iluminava nessa
época., a parte superior das nuvens pesadas que cer­
cavam o nosfco minúsculo habitáculo. seus raios
eram impotentes para penetrar até essa atmosfera,
e com mais forte razão, êstes mesmos raios- íeeun-
dantes não haviam ainda atingido a delgada pe­
lícula sólida, destinada a formar logo os nossos con­
tinentes. Por tôda a parte, havia a obscuridade :
havia trevas na superfície do abismo, cobrindo o
grande oceano; a terra, que, mais tarde, deveria
constituir o -solo, estava invisível e sem forma
definida.
Moisés é co ím íso . Não desenvolve o assunto ;
mas, aqueles que vieram depois dêle, intérpretes do
texto e fiéis guardiães da tradição oral, fixarão para
sempre êste ensino. Em seu hino ao Criador, o
salmista cantará, falando de Jeová :
“Êle firmou a terra nos seus fundamentos” .
Logo depois, dirigindo-se a Êle e falando da
terra :
214 ABBÉ MOREUX

“Tu a envolveste no Abismo, ao jeito de um


[vestido” (I)
Notai que o têrmo envolver não se aplicaria a
uma terra plana; o autor sagrado, embora falasse
para o povo, não esposa suas idéias sôbre a forma
da terra. Não diz: “Tu lançaste sôbre ela um véu,
uma cobertura”; mas, “Tu a envolveste pelas água®
como um vestido”, que dá volta ao corpo.
Jó entrará até, em detalhes mais circunstan­
ciados; corrobora a razão que dei, pela qual a luz
não poderia atingir até a superfície dos oceanos :
"Quem fechou o mar com portas,
Quando saiu impetuoso do seio m aterno;
Quando lhe dei nuvens por vestidos e por en-
[volucro a cerração?” (2)
Ora, pergunto, como o autor dos Salmos, o do
Livro de Jó e o próprio Moisés puderam, na época
dêles, saber do passado do nosso globo, aquilo que
a ciência moderna nos ensina de mais seguro? (3)

(1) Fs., CIV, 5, 6.


(2) Jó, XXXVIII, 9, A palav ra envolucro bem m ostra
q ue se tra ta de vestes, quando o m ar acabava de ser criado.
P ara a form ação dos planetas e seus satélites, v e r m eu vol. ■

O rigem e form ação dos M andos, (Doin, ed. 1922) #
(3) No comêço, a atm osfera da te rra era densa e espêssa;
pouco a pouco foi se rarefazendo em v irtu d e da força rep u l­
siva dos raios solares, atuando sôbre as m oléculas superiores.
V er m inha nota à Acad. das Cienc. (Fev. 1923) e o art. de Th.
M oreux, n a R evista do Céu, {Abril e Maio de 1923).
A CIÊNCIA DOS FARAÓS 215

Admitir que tenham adquirido tais conheci­


mentos de modo cientifico é insustentável; o que
fizeram, antes, foi fixar uma tradição que remon­
tava às primeiras éras da humanidade, e a prova
disto é que encontramos os lineamentos desta
mesma tradição nas cosmogonias de todos os povos
orientais.
O tehom hebráico, o abismo primordial, torna-
se na Caldéia, o tihamat que tem o mesmo sentido
t que se torna na deusa Tihavtê, a Tavat, de
Berose,
Tempo houve em que o mundo inteiro eram
trevas e águas, conta-nos antiga inscrição cuneifor-
me, e foi do mar que se formou o mundo, quando
Bel, o demiurgo, interveio.
As mesmas afirmações entre os fenícios, que
nos ensinam que na origem, “antes de se manifes­
tar o espírito de Amor, pela sua ação, tudo consistia
num ar tenebroso, espesso e agitado, e num cáos
semelhante ao Erebo” .
O Rig-Veda, o mais antigo dos livros védicos,
assim se exprime a respeito das origens: “Que era
o profundo abismo? Só havia trevas no com êço;
cercado de trevas, tudo era um mar indiscernível”.
O livro das Leis de Manu, o Vichnu-Purana, os
têxtos parsis, todos nos apresentam deformações
da cosmogonia bíblica, mas estão de acôrdo com
esta, quando nos informa que a água primordial
216 AB B É MOREUX

era, a princípio, sombria, tornando-se depois clara,


pela luz do dia. Esta última passagem é muito im­
portante: fixa, de modo definitivo, as palavras de
Moisés, a respeito da luz.
Jamais, ccm efeito, passagem alguma das Escri­
turas deu lugar, talvez, a tantas discussões, como o
versículo relativo ao seu aparecimento. Os antigos
comentadores imaginaram tudo, para provar que
a luz, cientificamente, poderia chegar antes do sol,
a que só o quarto versículo faz alusão. Diante das
explicações, muito sujeitas a cautela, dos mesmos,
bem se compreende porque os exegêtas modernos,
afim de evitar outros tantos conflitos científicos,
prudentemente se refugiaram na linha histórico-
teológica. Quanto a mim, penso que o estudo atento
do têxto bíblico é de molde a precisar a idéia de
Moisés. O escritor sagrado não faz alusão alguma
à verdadeira criação da luz, êste agente físico, ver­
dadeiro proteu, que se transforma em calor, em
eletricidade, em energia de tôda espécie. Não dize­
mos hoje mais, como se dizia antigamente :
“Que a luz seja e a luz foi”, mas “Que haja luz
e houve luz” .
Vimos que os céus foram criados antes da
terra; que os astros presidiram à origem do nosso
planeta; havia, portanto, nessa época, luz no uni­
verso, mas essa luz não havia penetrado na atmos­
fera da terra, muito densa; além disto, ela não ha­
via iluminado a superfície das grandes águas; ela
A CIÊNCIA DOS FARAÓS

não havia atingido ainda os continentes, envoltos


pelo Abismo; por ordem de Eloím, tudo isto iria *e
realizar,

À palavra do Criador, a atmosfera se purifica,


enfim chegam os raios do sol, embora ainda difusos,
à superfície propriamente dita do nosso planeta,
superfície sempre semi-líquida, pouco importa. ;
desde êsse momento, a luz expele as trevas; o nosso
globo terráqueo, já animado de movimento de rota-'
ção, vai conhecer as alternativas do dia e da noite.

Foi, então, que Deus di%se : “Haja expansão


entre as águas”, vale dizer, um intervalo entre a
água dos oceanos e os vapores que, nascidos do
mar, acabavam de se condensar em nuvens aquosas
na atmosfera. Esta expansão, que constitue para
nós a aparência do céu, é designada por uma pa­
lavra que, no têxto hebreu, os Setenta verteram,
influenciados pelas idéias cosmológicas da época,
por stereoma, firmamento, abóbada sólida ; nada
disso há em Moisés: a palavra hebráica raquiah só
evoca a idéia de extensão, ou melhor de expansão■.

Muitos exegêtas modernos emprestaram, tam­


bém, ao autor do Gêneses idéias do povo egípcio
sôbre o firmamento, que consideravam como um
rio, percorrido pela barca do sol, etc.; mas, os
hebreus conheciam muito bem o mecanismo da cir­
culação aéro-telúrica das águas: os vapores se ele­
218 ABBÉ MOREUX

vando do mar para formar as nuvens, que, por seu


turno, se resolviam em chuva. ( I ) ,
Quiseram, igualmente, fazer acreditar que
Moisés admitia a concepção popular egípcia da
aurora, luz considerada distinta da do s o l ; mas,
ainda uma vez: todas essas inépcias, boas para o
povo, não eram, de certo, professadas pelos sábios
da época. Lembrai-vos de que os astrônomos caideus
calculavam os eclipses e sabiam então muito bem,
que a lua passava entre o sol e a terra: o sol, por­
tanto, era mais afastado de nós, do que a lua, O
mesmo raciocínio lhes havia mostrado que as estré­
ias se achavam muito além do sol e atrás da lua. que
muitas vêzes as eclipsavam; a abóbada celeste era,
portanto, apenas uma aparência e a ficção das es­
feras de cristal ainda não tinha nascido (2).
Continuemos, pois, o estudo da narração bí­
blica sem nos deixarmos influenciar pelos comenta­
dores de tôdas as épocas, que nem sempre apreen­
deram o seu sentido, por falta de comparação com
todos os autores sagrados, como com as cosmogo-
nias antigas, nascidas de uma tradição talvez cem
vêzes secular.
A superfície da terra é rugosa, dobras se de­
senham na sua crôsta, os mares invadem as pro>-
(1) Era também a opinião do pranteado Schiaparelü, d e.
fendida logo depois por Maunder, o célebre astrônomo do Ob­
servatório de Greenwich.
(2) Acharam-se vestígios disso no segundo século da era
cristã.
A CIÊNCIA DOS FARAÓS 219

fundezas; colinas e montanhas se alevanfcam, a


terra sêca aparece. E tudo isto que nos é ensinado
pe’a geologia, a Bíblia nô-lo ensina igualmente,
“Jeová encerrou as água,s superiores nas nuvens
€ elas não se rompem sob o seu pêso”. (I). Quanto
às águas inferiores (os oceanos), “elas fugiram di­
ante da ameaça de Jeová'1, diz o salmista; e inter­
pelando diretamente o Criador que já havia firmado
a terra :

As montanhas surgiram, os vales se cavaram,


No lugar que tu lhes havia assinalado, ..
Elas não voltarão para cobrir a terra (2).

Tal é o comêço da história geológica do globo; a


sua seqüência, segundo o Gêneses, é a mais impres­
sionante. Do mesmo jeito que o terceiro dia viu. no
comêço, a reunião das águas, a formação dos ocea­
nos e os limites dos continentes, que emergiram,
presidiu também à origem da vida na terra; e nas­
ceu a vida vegetal. Eis a verdadeira característica
do fim dessa época, encarada pelo autor do Gêneses:
o formidável desenvolvimento da célula vegetal»
desde o simples micróbio até a alga marinha, desde
o musgo terrestre até a cavalinha gigante e as altas
coníferas, que, durante o período primário, cobri­
ram a crôsta solidificada,

(1) Jó, XXVI» 8.


(2) Ps., CIV, 5, 8.
220 ABBÉ MO R E U X

Interroguemos, com efeito, a geologia. Que nos


diz? Durante este período primitivo, numa atmos­
fera quente e úmida, tôda impregnada de carbono,
a flora se desenvolve em profusão, lançando-se em
florestas impenetráveis. Aqui são plantas gigantes
análogas aos íétos, mas de dimensões espantosas;
alí, lepidodentros análogos aos musgos, com tron­
cos de trinta metros de altura; araucárias gigan­
tescas, cogumelos e nenúfares monstruosos. E essa
vegetação exuberante, onde a vida desborda sem
conta, invade tôdas as regiões, do equador aos polos;
imensas florestas, cujos vestígios os geólogos acha­
ram em tôda parte, até nos desertos, hoje gelados,
da Sibéria.

E êste quadro maravilhoso foi traçado, pela pri­


meira vez, por um homem que viveu milhares de
anos antes dos sábios modernos, por um homem
que não pôde receber dos sacerdotes egípcios ou
dos astrônomos caideus, nenhuma novidade cien­
tífica, criação lenta dos Cuvier, dos Elie de Beau-
monfc e dos Suess.

E’ no fim do período primário, que a atmosfera


terrestre, ainda pesada de vapores, se limpa com­
pletamente, e o sol aparece, não o sol que hoje
conhecemos, mas uma vasta esfera cujos raios
tinham até então envolto a terra, por assim dizer,
astro gigante semelhante àqueles que as medidas
recentes vêm nos revelar; núcleo brilhante cercado
A CIÊNCIA DOS FARAÓS 22.1.

de envólucro luminoso, que atingia a órbita de


Venus (1),
Seus raios vêm brincar nas camadas aéreas
ainda impregnadas de umidade, e as paisagens que
iluminam são adornos de fadas, onde todos os tons
passam recortadas pelos ventos, — retalhos alter­
nativamente sombrios e brilhantes, com matizes
sanguíneos de púrpura, de colorido acobreado, cora
reflexos de esmeralda e de ametista.
E à noite, através das grandes aberturas das
núvens, via-se surgir a luz alaranjada da lua e a
claridade das estréias trêmulas.
Assim se realizava a palavra de Elcím: “Haja
luminares nos c é u s,.. Eloím fez, então, dois gran­
des lum inares... e também as estrelas’'.
Evidentemente trata-se aqui, não da criação do
sol, da lua e das estrelas que, vimos, datam do pri­
meiro dia, mas do aparecimento dos astros sôbre a
própria terra, cuja atmosfera se achava então bAd­
iante rarefeita para se poder apreciar os grandes 'lu­
minares e as estréias. Até êsse momento, aliás, como
o indica de certo a paleontologia, uma luz difusa,
se bem que muito brilhante, envolvia a terra e as
estações ainda não haviam aparecido; polos e região
equatorial gosavam do mesmo clima. Em nenhuma

(1) C.f. Th. Moreux, Sóis jLüipwtianos c Estréias Gigante»,


na Revista do Céu, março de 1924.
222 ABBÉ MOREUX

parte se via o céu azul, nem os astros que aí se


desenhavam em perspectiva.
Essa foi a obra do quarto dia, — mudar êsse
estado de coisas, deixar ver o sol, a lua e as estréias,
que a partir dessa época, vão servir de signos dos
períodos dos dias e dos anos.
Afinal, notai que Moisés não usa mais o têrmo
criação} que só reaparecerá a propósito do homem
e dos astros; poder-se-ia discutir até a respeito do
verbo hebreu asá, que se traduziu por faça-se, mas
que teria antes o sentido do verbo inglês appointed,
sem correspondente em francês. O versículo signifi­
caria enfim: “Eloím “appointed”, encarregou o sol,
a lua e as estréias de servir de sinais. Esta opinião,
defendida outrora pelo Dr. S. Kinns, é inteiramente
plausível e de molde a eliminar as últimas dificul­
dades (1).
Se a obra do terceiro dia corresponde ao nosso
período primário e é caracterizada pelo desenvolvi­
mento intenso da vida vegetal, a do quinto dia
vai revelar-nos fatos dignos de atenção.
Terminou a éra primária e a terra marcha para
nova fase de vida. E dentre todos os animais que
vão lutar por um lugar nas lagunas, nas ilhas
emersas, nos mangues, nos ares e nos oceano?,

(1) S. Kinns, Mose* aná Geelogy, ]», 187.


A CIÊNCIA DOS FARAÓS 223

répteis gigantescos tornar-se-ão os reis dessa na­


tureza .
Sem dúvida, nosso planeta já tinha visto a vida
animal: foraminíferos, insetos, aranhas, povoaram
as grandes florestas do carbonífero: as águas foram
habitadas por espécies, que lembram os nossos
peixes, mas o desenvolvimento da fáuna estava longe
de ser comparável ao da flora. E eis que, de repente,
esta fáuna ainda sonolenta, invade as águas e a
atmosfera; e que fáuna! Entes monstruosos, que vão
levar ao apogeu as manifestações da vida animal;
mas, detalhe característico; é à classe dos Répteis,
que cabe essa tarefa.
Interroguemos, com efeito, as camadas do
globo; que nos informam elas ?
Os mares jurássicos viram enormes sáurios
cujas espécies desapareceram para sempre: o ple-
siosaurio, de vinte metros de comprimento, — cro­
codilo pela sua mandíbula, articulada num pescoço
de cisne, animal apocalítico, a lembrar o corpo de
uma tartaruga; o ictiosauro, com focinho de delfim,
de olhos em faceta, do tamanho da cabeça de um
homem; o mosasauro, cujos aneis se desenrolam
pela crista das ondas, semelhante às antigas e le­
gendárias serpentes do mar; o teleosauro, espécie de
crocodilo de sessenta pés de comprimento. Nas
lagôas, refocilam diplodocos, que pesam mais de
vinte toneladas; dinosáurios gigantescos, espécies de
224 ABBÉ MORE U X

salamandras terríveis, de formas irreais: iguaria-


dontes, brontosáurios, diclônios, atlantosáurios, com
trinta e cinco metros de comprimento.
A exuberância da vida invadiu até os ares. Lá
em cima, sob as nuvens baixas de um dia de tem ­
pestade, vôam estranhas criaturas: morcegos ou
pássaros ? Nem uma cousa, nem outra : ainda
s&urios, répteis alados, como os pterodáctilos, com
mandíbulas de jacaré, tão compridas como o corpo
como os pteranodontes, verdadeiros aéreopxanos vi­
vos, com asas de oito metros de envergadura.
Eis o que nos ensina a geologia, e nota absolu­
tamente desconcertante, tal é o quadro que nos é
descrito por Moisés, a respeito da superfície de nosso
planeta, no quinto dia da criação. Tornemos a ler,
palavra por palavra, os versículos correspondentes
a êste período geológico.
Eloím diz: “As águas super abundem de uma
multidão de entes animados e que as aves vôern
acima da terra...” “Eloím criou os grandes monstros
marinhos e tôda sorte de seres animados que se
arrastam.
Quiseram insinuar ainda que o autor do
Gêneses, depois de aludir à criação da vida vege­
tal, descreveu, logicamente, a vida animal nas
águas, depois no ar e finalmente na terra; mas, tal
comentário parece pouco verossímil, face ao texto
bíblico e à seqüência da narração.
A CIÊNCIA DOS FARAÓS 225

Preliminarmente, quem teria ensinado a Moisés


que a vida intensa dos mares se desenvolveu parale­
lamente à do ar ? Porque não fez nascer os mamí­
feros antes dos pássaros, ou ambos simultaneamen­
te ? E depois, o texto vai mais longe; ensina-nos for­
malmente a existência, antes das espécies que nos
são familiares, dos grandes monstros marinhos e dos
répteis (entes que rojam ).
Evidentemente, todo êsse encadeamento é pro­
posital, todos êsses têrmos são ponderados, têm uma
significação, e reconhecereis comigo que é singular
que uni homem que viveu há 3.500 anos, tenha nos
podido dar, em linguagem tão clara, quanto lhe
permitiu o vocabulário, um quadro exato das gran­
des etapas percorridas pela fáuna, durante a evolu­
ção do nosso planeta.
Agora, seja qual for a parte que atribuamos à
inspiração, há ainda o seguinte: é preciso explicar
como e porque, tôdas as cosmogonias antigas falam
dêsses grandes monstros marinhos, que parecem
ter, na mitologia dos povos primitivos, papel tão
importante ?
Ora, essas cosmogonias, tenho-o demonstrado
bastante, não nasceram nem no Egito, nem na
Caldéia; existiam pelo menos há dois mil anos antes
de Moisés; o conjunto dos fatos expostos no Gêneses
repousam, portanto, em longa tradição, alterada nos
povos idólatras, conservada em sua pureza pelo povo
226 ABBÉ MOREUX

fiel ao verdadeiro Deus: mito, de um lado; verdade,


do outro. Pergunto de novo: de onde vem essa tra­
dição, que nos transmitiu verdades que se enqua­
dram na ciência atual ?
i
Aguardo a resposta do leitor; seja qual for, não
fugirá a esta conclusão, que 05 primeiros homens es­
ta vam longe de ser ignorantes e selvagens, e que, de
qualquer forma, não se pode fugir à Revelação pri­
mitiva, sugerida pela Bíblia.
Mas, continuemos nosso inquérito e interro­
guemos, de novo, a ciência. Desde o aparecimento
da vida no globo, 0 nosso planeta envelheceu muito:
lançada nos espaços intersiderais, a terra esfriou
pouco a pouco; milhões de anos sucederam a milhões
de anos: a crôsta terráquea se espêssa cada dia
mais os continentes se levantam; o próprio sol se
retirou para aquém da órbita de Mercúrio e apare­
ceram as estações. A estas novas condições de exis­
tência, vão se adaptar novas formas, mais aproxi­
madas daquelas que nos são familiares.
Começa o período terciário.
A flora tropical, semelhante á nossa, mistura-se
às palmeiras, fetos e sequoias gigantes do período
anterior; depois, vêm as figueiras, os carvalhos, os
acerinios; as pradarias se enchem de gramíneas,
onde pastarão rebanhos de paleotérios, com 0 corpo
de cavalo e a cabeça de tapir e xifodontes, delgados
como gazelas.
A CIÊNCIA DOS FARAÓS 227

Os grandes sáurios desaparecem e novos répteis


invadiram a terra. Pouco a pouco, as formas se
acentuam e se adelgaçam; as savanas verão correr
antílopes e girafas, e os ruminantes habitarão as
margens dos grandes lagos; depois, vêm os masto-
tíontes, que lembram os elefantes de hoje; hiparion-
tes, quase iguais aos cavalos de nossos dias; grandes
símios, hóspedes das florestas, semelhantes aos
IlQSrSOS .

A característica dêsse período é, portanto, o


aparecimento e desenvolvimento completo dos ma­
míferos, segundo a palavra de Eloím: “A terra pro­
duza entes vivos segundo sua espécie; gado, répteis
e animais da terra” ,
E na grande noite estelar, fracamente ilumi­
nada pelos sóis longínquos, o nosso sol marcha
sempre, levando após si o nosso planeta, distribuin­
do-nos verões e invernos, provocando, aqui e alí, a
origem de cada espécie; no equador, a fáuna dos
trópicos; os polos, os animais de pêlo denso e
branco.
E Eloím viu que tudo era bom; mas o sexto
dia não acabou ainda. B-epois do aparecimento dos
animais domésticos, Eloím viu que faltava um chefe,
para dominar sôbre todos os animais do globo.
Sem dúvida, pela sua presença, como o salmista
mais tarde ha-de cantar, tôdas as criaturas bendi­
ziam o Senhor; mas, não havia, ali, nenhuma inte­
228 ABBÉ MOREUX

ligência para compreender, ninguém para contem­


plar esta obra maravilhosa e para referí-la ao seu
Autor, ninguém para glorificá-lo com tcdo conheci­
mento de causa, para gosar do belo dessa natureza
criada, para reconhecer-lhe as leis, a construção, a
harmonia; para aproveitar, com conhecimento, da
obra de Eloím, que era boa. Eis que no fim do sexto
dia, Eloím diz: “Façamos o homem à nossa imagem•,
conforme nossa semelhança. . . E Eloím criou o
homem à sua imagem; à imagem de Eloím, êle foi
criado, . . ”
Assim acaba essa magistral epopéia, da qual,
evidentemente, Moisés só fez traçar as grandes
linhas.
Ora, mais uma vez, pergunto ao leitor, que tem
seguido passo a paso o texto sagrado, comparando-
o com as aquisições mais exatas da geologia: como
Moisés poderia saber o que nos ensina ? Como pôde
nos dar o próprio esbôço e sobretudo a seqüência das
obras de Deus ? Os céus fundados antes da terra;
nosso planeta, envolto pelas águas primordiais e por
espessa roupagem de vapores, na aurora de sua
criação; a rutura do véu da atmosfera e o apare­
cimento da luz, expulsando as trevas; o nascimento
da vida, começando pela flora; o desenvolvimento
prodigioso da vegetação, antes que o sol, a lua o as
estréias fossem visíveis da terra; o apogeu da fáuna
nos monstras, répteis-saurios do período secundário;
a atmosfera invadida pelas “aves”, na mesma época,
A CIÊNCIA DOS FARAÓS 229

quando os pássaros ainda não tinham nascido; o


reino dos mamíferos, na continuação das idades e
coroando tudo, a criação do Homem, essa inteligên­
cia que vinha, depois de todas as criaturas vivas,
tomar posse de seus domínios.
Sim, quando se lê, sem idéias preconcebidas, o
primeiro capítulo do Gêneses, só se pode verificar,
em seu autor, ciência tão profunda, que ultrapassa,
em muito, tôdas as noções dos sábios da época, ci­
ência até mais inexplicável, humanamente, do que
a dos construtores da grande Pirâmide, e, ao mesmo
tempo, a advinhação inacreditável dos fatos mais
certos e mais autênticos, revelados pela ciência.
E se a ciência variar ? objetarão. Com efeito, a
ciência evolue; mas, no caso, essa observação não
anula, de forma alguma, minhas conclusões, e eis
o motivo: é preciso distinguir, na ciência, o que é
adquirido, do que é apenas hipótese; de um lado,
os fatos, em que repousa a ciência, e do outro, as
teorias, que procuram explicá-los; logo, um funda­
mento intangível, que se pode juntar à verdade, mas
que permanece, e um tablado, mais ou menos osci­
lante, edificado pelas gerações de sábios que se su­
cedem .
Ora, os fatos de que necessitamos em geologia
e em cosmogonia, para nos assegurar o cotejo com
a narração de Moisés, são doravante muito conheci­
dos, para que dêles possamos duvidar. As aquisições
230 ABBÉ MOREUX

f uturas não os modificarão, como tão pouco a expli­


cação da gravidade não alteraria as leis do pêso, for­
muladas pela primeira vez por Galileu.
Qualquer divergência só poderia provir, por­
tanto, de faLsa interpretação de certas palavras bí­
blicas. Aqui podemos fàcilmente nos enganar, e a
prudência é a regra; contudo, em grande número de
trechos, fí-lo notar à saciedade, eu me aproximo
das idéias emitidas por São Basílio e outros Pais da
Igreja; estou, portanto, em boa companhia,
E por falar em autoridade, permita-me o leitor
antes de terminar, que lhe conte ainda uma anedota
toda pessoal. Durante muitos anos, cultivei grande
amizade com um compatriota, o saudoso Alberto de
Lapparent, secretário perpétuo da Academia, o
sábio moderno que melhor compreendeu as ciências
da Geologia e da Paleontologia contemporâneas.
Perguntando ao eminente professor, o que pensava
do primeiro capítulo da Bíblia, respondeu-me: “Se
eu devesse resumir, em quatro- linhas, as aquisições
mais autênticas da Geologia, copiaria o texto do
Gêneses, vale dizer, a história da criação do mundo,
tal qual a descreveu Moisés” .
E como falássemos da ciência antiga, o célebre
geólogo julgou poder perguntar~me por sua vez:
— E você, que pensa dos mistérios da Grande
Pirâmide, que desde tanto tempo vem estudando?
A CIÊNCIA DOS FARAÓS 231

— O que penso, Mestre ? . . . eis uma pergunta


muito embaraçosa, Minha opinião é qusg Piazzi-
Smith seria mais qualificado do que eu, para vos
responder.
ÍNDICE
Cap. I — O Segrêdo da E sfin ge ........................ .. 5

Cap. II — As revelações num éricas da grande pirâm ide 17

Cap. III — As revelações geodésicas da grande pirâm ide 33

Cap. IV — R evelações astronôm icas da grande pirâm ide 47

Cap. V — Através da ciência antiga ................................ 59

Cap. V I — A óptica dos antigos ............................. .. 83

Cap. V II — À luz das estrelas ................................ 101

Cap. V III — Tradições filosóficas e históricas . . . . . . . . 119

Cap. IX — As tradições científicas ........................ .. . . . . 147

Cap. X — Ciência e cosm ogonia ........................... .. 177


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Á C A M IN H O D E U M A M O R A L SEM D O G M A S José Ingeniero s
AS F O R Ç A S M O R A IS José Ingeniero s
O SÉCULO T A R T U F O P aulo de M oncega*
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D U A S P A G IN A S D A N O S S A H IS T Ó R IA
( A carta d e C am in h a e es R egiraentos do G o v ern o G e ra l)
A T R O IA N E G R A N in a R odrigues
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PELA S V ELH A S EST R A D A S D O S IN C A S A les-V o u K :im b o ;d l
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