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Marília Carbonari
Professora Assistente no curso de Artes Cênicas na
Universidade Federal de Santa Catarina
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em
Teatro da Universidade Estadual de Santa Catarina
A arte, como qualquer outra criação humana, não pode ser explicada por si mesma.
Para responder por que e como produzimos arte, precisamos entender por que e como
vivemos como vivemos, por que e como produzimos nossa existência. O único caminho
para entender a produção de algo parte do estudo da sociedade na qual é produzido
(MARX, 2008, p. 45). Na sociedade atual, o campo de conhecimento dedicado a esta
questão é a Economia Política.
Este trabalho introduz o estudo teórico sobre a produção da arte na sociedade atual
mercantil-capitalista, a partir do método da crítica da economia política desenvolvido por
Marx em O Capital. Faz apontamentos acerca da arte produzida como mercadoria e da
produção de capital por intermédio da arte produzida como mercadoria. Este texto se
apresenta como reflexão preliminar de minha pesquisa de Doutorado em vias de
finalização.
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(...) na produção social da própria existência, os homens entram em
relações determinadas, necessárias, independentes de sua vontade;
essas relações de produção correspondem a um grau de
desenvolvimento de suas forças produtivas materiais. A totalidade
dessas relações de produção constitui a estrutura econômica da
sociedade, a base real sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica
e política e à qual correspondem formas sociais determinadas de
consciência. O modo de produção da vida material condiciona o
processo de vida social, política e intelectual. Não é a consciência dos
homens que determina o seu ser; ao contrário, é o seu ser social que
determina sua consciência. (MARX, 2008, p. 45)
Eis o cerne do método de Marx: a leitura materialista histórica da produção da
vida humana. Marx entende que as “relações jurídicas, bem como as formas do Estado,
não podem ser explicadas por si mesmas (...), essas relações tem suas raízes nas condições
materiais de existência, em suas totalidades” (MARX, 2008, P. 45). Esse entendimento o
leva ao estudo da Economia Política como área do conhecimento que descreve a
sociedade burguesa sob a forma de produção mercantil-capitalista. O presente trabalho
poderia ser definido, parafraseando Marx, a partir do entendimento de que não é a arte
que define o ser social, mas é o ser social que define a arte. Logo, o estudo do ser social,
ou seja, do “modo de produção da vida material”, torna-se base para o estudo da arte.
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período também tem sido tema de estudos. Entre os autores que se referenciam em Marx,
alguns estabelecem em seus escritos a necessidade de transformação revolucionária da
sociedade - como Terry Eagleton, Raymond Williams e Mario Pedrosa. Não irei me
estender na fortuna crítica marxista no campo da arte e da cultura; mas, não gostaria de
avançar sem antes assumir o campo de debate, mesmo que apenas nomeando-o.
A pergunta que direciona meu estudo é: como a arte é produzida na atual forma
social do capital? A resposta óbvia seria: a arte, como toda a riqueza humana, é produzida
através de relações de produção capitalista. No campo da arte, há diversos casos da arte
produzida em: gravadoras de música, estúdios de cinema e TV, filarmônicas, festivais e
produções teatrais, museus e galerias, balés e companhias de dança, circo itinerante e
fixos, séries e filmes; uma lista extensa. Porém, a identificação dos lugares onde a arte é
produzida não revela a forma como ela é produzida e tampouco se esta produção se dá
através de relações capitalistas.
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A produção da arte como mercadoria
A mercadoria, segundo O Capital, é “uma coisa” (MARX, 1989, pg. 41) que
possui forma corpórea ou não, que pode ser separada de seu produtor e trocada para
satisfazer uma necessidade alheia de consumir essa coisa, e de seu produtor de receber
uma coisa diferente que satisfaça sua necessidade de consumir essa outra coisa. Assim,
ambas se apresentam na forma-mercadoria na relação de troca.
Uma cantora que canta para um público que paga um ingresso para assisti-la não
vende sua voz, mas vende a apreciação de sua voz por um determinado espaço de tempo
para um determinado número de pessoas. O tempo de apreciação da voz dessa cantora
num local definido é uma mercadoria que satisfaz a necessidade dessas pessoas de escutar
a voz da cantora. Se alguns estão lá para escrever críticas depreciativas e outros ouvem a
cantora para selar um pedido de casamento, nada disso importa do ponto de vista da
mercadoria e seu motivo de existir nesse mundo: satisfazer necessidades humanas, sejam
quais forem, através de relações de troca.
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Para entender o processo de produção de mercadorias no ramo da arte, faço como
Marx e tomo exemplos1: a produção de um quadro e de uma peça musical. Para que esses
produtos sejam mercadorias, é necessário que satisfaçam a necessidade de outra pessoa.
Sendo assim, para que se realizem na troca, ocorre a abstração de toda e qualquer
propriedade útil destes produtos, tudo o que os identifique como valores-de-uso, restando
apenas o valor do quadro e o valor da peça musical, qual seja, o de serem produtos do
trabalho humano. Porém, para que tais produtos sejam inseridos no mundo das
mercadorias como valores-de-troca, deve também ser abstraído o caráter útil dos
trabalhos contidos nos produtos. Devem ser abstraídas as particularidades de serem
trabalhos do pintor ou do músico, restando apenas uma característica: “o trabalho humano
abstrato” (MARX, 1989, p. 45). Desta forma, os valores quadro e peça musical
(composição) se apresentam como quantum de tempo de trabalho social neles
corporificado: quadro e a música são resultados de atividades produtivas subordinadas a
objetivos e associadas com a tela e os instrumentos - ou melhor, com a linguagem social
visual e sonora, pictórica ou musical.
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Tentarei perseguir o roteiro de exemplos de Marx. O autor utiliza as mercadorias linho e casaco em seu
livro, já aqui utilizarei exemplos advindos de mercadorias identificadas como valores-de-uso do “mundo
das artes”.
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Poderíamos dizer: o pintor pintou e o produto é o quadro; ou, a musicista criou
uma canção e o produto é uma partitura. Já o processo de produção de valor descreve a
mesma atividade no plano da produção da arte como mercadoria:
Até aqui, temos na relação mercantil de produção uma relação de troca entre
proprietários dos meios de produção (o pintor pinta, e também possui meios de adquirir
os objetos de trabalho e meios de produção para o quadro a pintar) e, portanto, do produto
do trabalho (o quadro pintado será propriedade do pintor para ser por ele apresentado no
mercado). Esta relação entre proprietários é base da estrutura social, portanto, a relação
mercantil através da forma-mercadoria do produto do trabalho é que determina a
produção do ser social e, portanto, da arte.
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A produção de capital por intermédio da produção da arte como mercadoria
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pois, operários produtivos, se trabalham ao serviço de um capitalista (de
um empresário) a quem são mais em trabalho do que o que recebem em
forma de salário, enquanto que um remendão vai à casa do capitalista
para lhe arranjar calças, fornece-lhe apenas um valor-de-uso e não passa
de um operário improdutivo. (MARX, 1974, p. 75 -76)
Como vimos no início do trabalho, a arte, como riqueza humana, não é
determinada por si mesma, mas pelas relações de produção de sua época. A transformação
da produção de mercadorias para a produção de capital se dá na relação de circulação
(compra e venda) de um mercado que se localiza internamente à esfera da produção de
mercadorias: o mercado da mercadoria força de trabalho.
Conclusões Preliminares
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Outra conclusão refere-se às implicações políticas que as interpretações das
categorias analíticas de Marx em O Capital possuem na luta de classes atual, pois somente
o entendimento das relações produtivas especificamente capitalistas na produção social
da arte pode revelar a forma específica da produção da arte e os sujeitos dessa forma de
produção, e de sua possível transformação.
Referências Bibliográficas
BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história
da cultura. Tradfução de Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1994.
BRETON, André [et al.] Por uma arte revolucionaria independente. São Paulo: Paz e
Terra, 1985.
MARX, Karl. O Capital. Traduzido por Reginaldo Sant’Anna. 13ª ed. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 1989.
______. Sobre literatura e arte. Tradução Albano Lima. Lisboa: Editorial Estampa, 1974.
______. Contribuição à crítica da economia política. São Paulo: Expressão Popular,
2008.
VIGOTSKI, Lev Semenovich. Psicologia da Arte. São Paulo: Martins Fontes, 1999.