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II Seminário de Pesquisa em Geografia Física - Programa de Pós-graduação em Geografia Física -USP- 11 a 12 dez 2004

DISTÚRBIOS TROPICAIS
Leslie F. MUSK
Tradução: Maria Elisa Siqueira SILVA
Programa de Pós-Graduação em Geografia Física
FFLCH – Universidade de São Paulo
elisasiq@usp.br

Já foi sugerido que distúrbios organizados da escala sinótica produzem mais do


que 90% da chuva nos trópicos. Estes distúrbios podem apresentar uma grande
variedade de formas, mas os tipos mais comuns de distúrbios são as ondas de
leste e os ciclones tropicais superpostos ao escoamento dos ventos alísios.

Ondas de Leste
O modelo clássico e a descrição das ondas de leste foram desenvolvidos por
Rhiel e seus contribuidores na área do Caribe depois da II Guerra Mundial. Uma
onda de leste é uma onda, ou um cavado de baixa pressão, inserido no
escoamento dos alísios; o cavado estende-se na direção dos pólos e é orientado
na direção nordeste-sudoeste no hemisfério norte, com uma inclinação para leste
(Figura 14.1). Estas ondas movem-se para oeste entre as latitude de 5o e 20o, a 5-
8 m/s (metade da velocidade dos alísios na altura de sua máxima intensidade),
sofrendo pouca variação com o tempo.

As ondas de leste ocorrem principalmente na área oeste dos oceanos, depois do


período com excesso de radiação solar, quando a inversão dos ventos alísios é
fraca ou ausente e os ventos estendem-se além de 400 mb. Aproximadamente 50
ondas cruzam o Atlântico central em cada ano durante os meses de verão e
outono; normalmente uma onda fica presente sobre parte do Caribe quase que
diariamente, entre os meses de junho e setembro (veja Figura 13.2). As ondas
que se originam sobre a África podem ser levadas para oeste por sobre o oceano
Atlântico, pelo Caribe, pela América Central e ainda pelo Pacífico; dois terços das
ondas que deixam a costa oeste da África alcançam as ilhas caribenhas seis ou
sete dias depois; aproximadamente metade encontra-se sobre a América Central,
das quais, a maioria alcança o Pacífico. Considera-se que um quarto das ondas
de leste intensificam-se e tornam-se depressões tropicais, e 10% eventualmente
tornam-se tormentas tropicais.

A onda de leste está ilustrada na Figura 14.1, que mostra uma superfície típica do
escoamento da média troposfera associado com uma onda de leste sobre o
Caribe. A onda está presente na carta de superfície, mas tipicamente alcança sua
maior intensidade entre 700-500 mb (aproximadamente a 4 km), e então se
desintensifica com a altitude. À frente do cavado, de acordo com Rhiel, são
características a divergência em baixos níveis e a subsidência, associadas a
tempo bom; a camada úmida e relativamente baixa (1200-1800 metros) permite a
baixa altitude da inversão dos ventos alísios. Formam-se Cumulus espalhados em
“ruas” de nuvens até a altura da inversão, com pouca ou nenhuma precipitação.

No eixo do cavado a inversão dos alísios se eleva e se enfraquece


consideravelmente; ocorre convecção profunda dentro de nuvens cumulonimbus,
produzindo ocasionalmente tempestades. Atrás do eixo do cavado (ou seja, a
leste), existe um giro na direção do vento e a convergência em baixos níveis com

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forte movimento ascendente torna-se dominante. Desenvolvem-se profundas


nuvens cumulonimbus, produzindo fortes tempestades com trovões e um
resfriamento geral da superfície; ocorre divergência em níveis superiores. A
inversão é perfurada pelas nuvens de tempestades que podem crescer até 9 ou
10 km, ou mais; linhas de instabilidade são uma forma comum de conjunto de
tempestades, e pode ser intensificada localmente pelo relevo e contraste de
temperatura terra/mar na costa. A taxa de precipitação é tipicamente 2,5 cm por
dia (ou mais, em áreas continentais com relevo acentuado, sendo localmente
intensificada).

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Figura 14.1 Estrutura de uma onda de leste sobre o Caribe: (a) linhas de corrente na superfície
movendo-se para oeste (na direção da seta maior) a uma velocidade menor do que a dos ventos
alísios – as barbelas indicam a velocidade, sendo que cada barbela pequena representa 2,5 m/s;
(b) padrão de linhas de corrente a 500 mb – a amplitude da onda é grande (i.e., mais pronunciada)
do que à superfície, e o eixo está mais a leste; (c) seção vertical de oeste a leste, indicando a
convecção limitada a frente do cavado e nuvens profundas atrás do cavado – as setas indicam a
velocidade e a direção do vento horizontal.

Em imagens de satélite, uma onda de leste assemelha-se a um conjunto de


nuvens, com uma cobertura de cirrus em níveis altos acima da linha das nuvens
cumulonimbus (somente 1-2% da área da onda de leste é ocupada por convecção
profunda). A organização espacial das ondas de leste é mais variável do que o
modelo clássico de Rhiel para o Caribe indica. De fato, em 1967 ele mostrou
evidências das ondas de leste sobre o leste do Caribe que se moviam mais
rapidamente do que o escoamento dos alísios no qual estavam contidas. Como
resultado, convergência (com atividade convectiva associada) desenvolveu-se à
frente (a oeste) do cavado. Resultados similares foram obtidos em estudos de
ondas que se deslocavam da costa da África, durante o GATE em 1974, quando o
movimento vertical principal ocorreu à frente do cavado. Em geral, é bom dizer
que o modelo clássico de ondas de leste tem sido muito usado, mas não se ajusta
a todas as configurações de ondas. É agora conhecido que as ondas de leste têm
uma variedade de subtipos, incluindo ondas que têm nuvens com a forma de um
V invertido, o que foi observado sobre o leste do Atlântico e do Pacífico. Sob

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condições favoráveis, ondas de leste podem se desenvolver e dar origem a


ciclones tropicais.

Ciclones Tropicais
Ciclones tropicais ou furacões são tempestades marítimas tropicais violentas,
freqüentemente com uma forma circular quando completamente desenvolvidos,
com pressões muito baixas na região central e ventos superiores a 33 m/s (115
km/h ou 64 nós). Freqüentemente a velocidade do vento é superior a 50 m/s, e
eles são um dos mais devastadores e amedrontadores fenômenos naturais. A
previsão do desenvolvimento destes sistemas é um dos maiores problemas não
resolvidos da meteorologia atual.

Distúrbios tropicais que se deslocam na circulação da célula de Hadley são


conhecidos como depressões tropicais se a velocidade média do vento em um
minuto não excede 17 m/s (33 nós); são tormentas tropicais se o vento médio
varia entre 17 e 33 m/s; e são designadas como ciclones tropicais somente se os
ventos excedem 33 m/s, medidos em um minuto.

Os ciclones tropicais são conhecidos como furacões nas proximidades da costa


da América do Norte e do Caribe, como tufões na parte oeste do Pacífico Norte e
como ciclones na Baía de Bengala e nas proximidades da Austrália. Desde 1953
os ciclones recebem nomes individuais (em seqüência alfabética durante a
estação) quando apresentam intensidade de tormenta tropical, para ajudar a
comunicação e descrição nas cartas de tempo.

Ciclones tropicais são regiões de intensa baixa pressão (freqüentemente inferior a


950 mb à superfície, valores inferiores a 900 mb ou menores ainda não são
raros), mas suas características e intensidades são diferentes daquelas
associadas aos ciclones ou depressões de latitudes médias:
(1) São um fenômeno estritamente oceânico e tendem a morrer sobre a
terra.
(2) Eles se formam somente sobre áreas oceânicas onde as temperaturas
do mar são superiores a 26-27 oC (veja Figura 14.2), e onde existe uma
camada razoavelmente profunda de água quente, com 60-70 metros ou
mais de profundidade. Se a última condição não é satisfeita, o
deslocamento da água do mar pelo vento trás água fria para a
superfície, matando o sistema; conforme Maury disse em 1858,
“Furacões preferem colocar seus pés em águas quentes”.
(3) Ocorrem somente em certas estações do ano (principalmente no final
do verão e início do outono, conforme mostrado na Tabela 14.1).
(4) Eles somente ocorrem em certas regiões dos trópicos (a maioria ocorre
no hemisfério norte, e não há registro de ocorrência no Atlântico Sul e
sudeste do Oceano Pacífico, devido, respectivamente, à presença das
correntes marítimas frias de Bengala e do Peru).
(5) Para uma determinada região ou estação do ano, entretanto, eles não
se desenvolvem com alguma regularidade de ano para ano, a despeito
da confiabilidade da circulação da célula de Hadley. Os registros variam
bastante de ano para ano.

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(6) Eles se formam somente em condições de atmosfera barotrópica (onde


a temperatura, pressão, lapse rate1 e umidade são bastante uniformes
sobre grandes áreas), contrariamente à atmosfera baroclínica
associada às depressões frontais (latitudes médias).
(7) Eles obtêm sua energia cinética do calor latente de condensação
liberado dentro das nuvens, mais do que dos contrastes das massas de
ar.
(8) Têm aproximadamente um terço do tamanho dos ciclones
extratropicais (diâmetro médio de 650 km), mas são muito mais
intensos.

Figura 14.2 Áreas de formação do ciclone tropical, mostrando a porcentagem de ciclones tropicais
que ocorrem em cada área em relação ao total global, as trajetórias mais comuns dos ciclones
tropicais, e a localização da isoterma de 26,5oC da superfície do mar, para agosto no hemisfério
Norte e para janeiro no hemisfério sul.

Os ciclones tropicais são dificilmente encontrados aquém de 5o de latitude do


equador, onde o valor do parâmetro de Coriolis (f) apresenta magnitude
insuficiente para permitir que um escoamento com balanço geostrófico se
desenvolva (80-85% dos ciclones tropicais originam-se na faixa latitudinal
formada pelos paralelos 5o – 15o, justamente em áreas afastadas da ZCIT, a
maioria dos ciclones formam-se no escoamento dos alísios). A ocorrência de
ciclones bem desenvolvidos com um núcleo central com ventos calmos e fracos é
mais difícil. Este núcleo – conhecido como olho do furacão – mede
aproximadamente 20 km e apresenta poucas nuvens.

A fotografia acima é o furacão Gladys tirada por astronautas durante o vôo


espacial da Apollo 7, de uma altura de 185 km sobre o Golfo do México, em 17 de
outubro de 1968; o furacão estava centrado a 200 km da Flórida. As linhas de
nuvem convectiva espiralando na direção do vórtice principal podem ser
claramente observadas; o topo da principal massa de nuvem é coberto por um
véu de nuvem cirrostratus – estas nuvens marcam a área de saída do
escoamento do topo da tormenta. O furacão Gladys formou-se dois dias antes
sobre o Caribe. Atravessou sobre Cuba (com ventos superiores a 35 m/s e chuva
forte, produzindo enchentes repentinas) e Florida Keys no momento em que
alcançou a situação mostrada. Sua trajetória curvou-se para leste e passou sobre
o continente, causando danos a propriedades e à industria de cítricos da Florida,
estimados em aproximadamente 6 milhões de dólares.

1
Lapse rate: variação vertical da temperatura. Medida de instabilidade termodinâmica da atmosfera. (nota do
tradutor)

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O exame da Tabela 14.1 e da Figura 14.2 revela que a climatologia do ciclone


tropical é bastante curiosa. Existe uma grande variação do número de ocorrências
por ano em cada um dos oceanos; são mais freqüentes no oeste do Oceano
Pacífico Norte (costa leste da Ásia), enquanto que metade do total global ocorre
no Oceano Pacífico. A despeito da grande extensão dos oceanos tropicais no
hemisfério sul, aproximadamente 69% dos ciclones tropicais ocorrem no
hemisfério norte. As explicações destas figuras devem ser ligadas às explicações
sobre a formação dos ciclones tropicais, o que será considerado posteriormente.

Tabela 14.1 Freqüência de ocorrência dos ciclones tropicais por área, 1958-77.
Número médio por
Área Intervaloa Estaçãob Mês/Máximo
ano
Oceano Atlântico Oeste 8,8 4-14 ago-out set
Oceano Pacífico Norte Leste
13,4 6-20 jun-out ago
Oceano Pacífico Norte Oeste
26,3 17-39 mai-dez set
Oceano Índico Norte 6,1 4-9 out-nov nov

Hemisfério Norte 54,6 (69% total)

Oceano Pacífico Sul 8,4 4-13 dez-mar jan


Costa Australiana 10,3 5-17 jan-mar fev
Oceano Pacífico Sul 5,9 2-10 jan-mar jan

Hemisfério Sul 24,6 (31% total)

Total Global 79,2 67-97


a
O maior e menor total anual registrado durante 1958-77
b
Definido como o período do ano quando existe uma média de longo prazo de pelo menos um
ciclone tropical por mês

Fonte: Gray, W. M. (1979) “Hurricanes: their formation, structure and likely role in the tropical
circulation” in Shaw, D. B. (ed.) Meteorology over tropical oceans (Royal Meteorological Society)
pp. 155-218.

Quantidades enormes de destruição e danos podem ser causados por um ciclone


tropical, particularmente nas áreas costeiras. Por exemplo, em 12 de novembro
de 1970, um ciclone tropical que se movia na direção da Baía de Bengala atingiu
a costa de Bangladesh, provocando o surgimento de uma coluna de 6 metros de
água à sua frente, que se moveu em uma linha de costa durante período de maré
alta. A maré provocada pela tempestade do furacão destruiu a ilha de Bhola; mais
de 300 mil pessoas morreram e 4,7 milhões de pessoas foram afetadas pelo
desastre. Um ciclone similar atingiu a ilha de Ganges em maio de 1985 matando
mais de 15 mil pessoas. Na América do Norte em 1965, o furacão Betsy causou $
1,5 bilhão de danos em propriedades da Flórida e dos estados da região do Golfo.
Existem três causas principais para os danos associados aos furacões:
(1) Ventos – podem soprar a uma velocidade superior a 50 m/s (180 km/h),
com rajadas ainda mais velozes. O vento mais intenso já registrado foi 88
m/s (317 km/h) no furacão Inez em 1966, e as rajadas máximas excederam
100 m/s (360 km/h). Os danos acontecem devido aos ventos fortes que
carregam os objetos (e.g., sinais de danos, destelhamentos) e às
diferenças de pressão que se estabelecem entre os movimentos
subsidentes e ascendentes ao lado de construções, causando oscilações
e, em última instância, o seu colapso.

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(2) Surgimento de tempestades – inundam as áreas costeiras, com a água do


mar empilhada à frente da tormenta (especialmente em configurações
costeiras estreitas). A água do mar fica localmente aumentada debaixo do
ciclone devido à queda de pressão à superfície; se isto coincide com um
período normal de maré alta e uma tempestade se sobrepõe ao nível do
mar anormalmente alto (com ondas superiores a 10 m de altura devido aos
ventos), o perigo de enchente severa na região costeira torna-se sério.
(3) Enchentes – resultam do surgimento de tempestades e inundação das
áreas costeiras e da chuva intensa associada ao ciclone tropical. Em 1972,
o furacão Agnes produziu 30 cm de chuva em 12 horas, matando 117
pessoas e causando um dano no valor de $ 3 bilhões. As chuvas intensas
podem causar o transbordamento de rios.

Freqüentemente estes danos acontecem principalmente em países onde a


preparação social relativa a desastres (avisos por radio, proteções a tempestades,
estruturas reforçadas) é pouco desenvolvida. Durante o período de 1947-73, 96%
das mortes conhecidas na Ásia foram causadas por ciclones tropicais (de acordo
com as Nações Unidas). Nos Estados Unidos, sistemas de aviso de furacões
(usando dados de satélites, de aviões e de radar) têm sido desenvolvidos nas
últimas décadas. Conseqüentemente, o número de mortes humanas causadas
por furacões tem decrescido desde 1900 (veja Figura 14.3), mas o número de
construções em áreas atingidas por furacões (principalmente nos estados da
região do Golfo e na costa sudeste) tem crescido dramaticamente
(particularmente casas de veraneio e retiros), assim, a quantidade de danos em
propriedades tem aumentado com o tempo.

Imagem do furacão Gladys sobre o Golfo do México tirada por astronautas na missão espacial à
bordo da Apollo 7, em 17 de outubro de 1968. Especialmente cedida pela NASA.

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Figura 14.3 Tendência de danos e mortes nos EUA causados por ciclones tropicais, 1915-1969.

A estrutura do ciclone tropical


É difícil e perigoso obter medidas com boa qualidade da estrutura dos ciclones
tropicais usando métodos convencionais, uma vez que estes fenômenos
oceânicos produzem condições de tempo violentas. O conhecimento tem sido
consideravelmente melhorado nos últimos anos, usando-se três novas
ferramentas para sua investigação:
(1) Vôos localizados, vôos através e sobre o sistema (usando aviões
reforçados com instrumentos acoplados); têm sido usados
sistematicamente nos EUA desde 1944.

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(2) Satélites meteorológicos têm sido usados para localizar a trajetória dos
ciclones tropicais desde o lançamento do TIROS I (apelidados de
“furacão faminto”) em abril de 1960; a disponibilidade de imagens e
dados dos satélites geostacionários (e.g., os do Meteosat) a cada 30
minutos, durante o dia e a noite, possibilita que os avisos de
tempestades e previsões das condições esperadas sejam ajustados e
atualizados em intervalos regulares de tempo.
(3) Radares meteorológicos têm sido usados durante os últimos 30 anos
para localizar tormentas dentro de um raio de 100 a 300 km
(particularmente na costa sudeste dos EUA) e, para investigar a
estrutura de tormentas (especialmente a estrutura de nuvens e bandas
de chuva em mesoscala).

Combinado-se as informações destas três fontes com as informações


convencionais de superfície e altitude onde estivesse disponível, foi criada uma
configuração razoavelmente clara da estrutura do ciclone tropical. Seções
verticais e horizontais através da circulação são mostradas nas Figuras 14.4 e
14.5.

Figura 14.4 Seção horizontal de um ciclone tropical, mostrando a direção dos ventos e os
principais aspectos de nebulosidade (OCB: banda convectica externa (outer convective band); AZ:
zona anular (anular zone)).

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Figura 14.5 Seção vertical através de um ciclone tropical maduro.

Horizontalmente, o ciclone tropical é caracterizado por forte convergência, com


divergência e escoamento superior anticiclônico. Pode-se considerar que consiste
de seis regiões (em uma seção transversal de fora da tempestade até o olho
central):
(1) Longe da principal massa de nuvens ocorre a limitação da
nebulosidade e da profundidade de convecção dentro do escoamento
dos ventos alísios; a subsidência do ar que sai do ciclone tropical (no
topo) parece baixar localmente a inversão dos alísios, intensificá-la e
suprimir as nuvens. Nesta região a velocidade do vento aumenta na
direção da tormenta e torna-se altamente ciclônica.
(2) A banda convectiva mais externa consiste de uma franja externa de
nuvens convectivas profundas em volta da borda da massa de nuvem
principal; ela é freqüentemente fragmentada (i.e., pode não se estender
em volta de todo o perímetro da principal massa de nuvem com um
aspecto contínuo de nuvem), e ela ocorre onde o ar dirigido para fora
da tempestade e subsidente converge com o ar superficial dirigido para
o centro da tormenta, disparando instabilidades localizadas.
(3) A zona anular (descoberta por imagens de satélite) é uma região com
supressão de nebulosidade, temperatura relativamente alta e baixa
umidade associadas à subsidência de cima, em torno do limite externo
do ciclone tropical (às vezes, referido como fosso, nos EUA).
(4) Uma região de intensa atividade convectiva representa a massa de
nuvens mais importante da tormenta; aqui os ventos aumentam na
direção do centro do furacão e chuvas muito fortes ocorrem em bandas
de chuva que espiralam na direção do centro da tormenta no sentido
ciclônico; existem tipicamente seis destas bandas de mesoscala dentro
de um furacão.
(5) Tudo apresenta sua maior intensidade numa região interna mais ou
menos circular, a garganta da tormenta, com aproximadamente 10 a 30
km de largura. A convecção ocorre em torres de nuvens cumulonimbus
com movimento vertical intenso (às vezes, semeando tornados debaixo
de suas bases, o que pode aumentar o dano potencial), ventos
violentos com velocidades de rajada superiores a 50 m/s não são
incomuns (veja Figura 14.6), e a chuva é torrencial (freqüentemente
desviada para o lado pelos ventos).
(6) O “olho”, no coração da tormenta, possui 5 a 10 km de diâmetro. Nesta
região, ocorre um rápido decréscimo da velocidade do vento para

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valores baixos (veja Figura 14.6), o céu apresenta-se relativamente


claro (ou com estratocumulos de baixos níveis espalhados), ocorre
subsidência (em contraste com o intenso movimento vertical em torno
do olho), o sol pode brilhar, e a temperatura é mais alta do que no corpo
da tormenta, particularmente nos níveis troposféricos médios e altos.

Verticalmente, o ciclone tropical pode ser dividido em três camadas:


(1) A camada mais baixa é a camada com ar que entra no ciclone, da
superfície do oceano até 3 km. Esta camada é o mecanismo básico
para a tormenta, gerando a circulação da tormenta; o vapor de água
evaporado no ar em grandes quantidades da superfície do oceano
quente condensa subseqüentemente em nuvens convectivas, liberando
calor latente. Esta energia potencial é convertida em energia cinética de
movimento da tormenta. Nesta camada, o movimento do ar que entra é
essencialmente radial, na direção da pressão baixa central.
(2) A camada média fica entre 3 e 7 km; esta é a região de circulação
ciclônica mais importante da tormenta, dentro da nebulosidade; a
direção de escoamento do ar é mais tangencial (i.e., na forma circular)
do que radial.

A camada de saída do ar ocorre entre 7 km de altura até a tropopausa,


com máxima intensidade de ar saindo da tormenta entre 12 km e altitudes
superiores. O movimento do ar nesta altura é anticilônico, e o ar que passou por
dentro da tormenta é liberado para latitudes maiores, pelo escoamento de oeste
em níveis altos.

Figura. 14.6 Velocidade do vento durante a aproximação e a passagem do furacão Célia,


3/agosto/1970 em Gregory, Texas. A passagem do olho diretamente sobre a estação.

Existe uma grande reciclagem do ar dentro do ciclone tropical; o ar não flui


somente dentro da tormenta, para cima pela garganta e sai no escoamento
divergente superior; ele pode reciclar muitas vezes em correntes ascendentes e
descendentes antes de alcançar o núcleo da tormenta.

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O mecanismo básico do ciclone tropical é essencialmente a transferência de calor


latente de condensação dentro das nuvens convectivas pela transformação de
energia potencial em energia cinética de movimento para manter a circulação
violenta. Tem sido estimado que um ciclone tropical converte por dia uma
quantidade de energia equivalente àquela liberada por meio milhão de bombas do
tamanho da que caiu em Hiroshima. A convecção intensa ocorre em 100-200
torres profundas de cumulonimbus com núcleos protegidos (i.e., torres quentes)
que são a ligação essencial no processo, mas estas torres cobrem somente 1-
10% da área total. A transferência de calor e umidade da superfície quente do
oceano é completamente importante para manter a estrutura de temperatura e
umidade na camada mais baixa. As taxas de evaporação são anormalmente altas
abaixo da tormenta, devido às altas temperaturas da superfície do mar e dos
fortes ventos.

O olho do ciclone tropical desenvolve-se quando a tormenta já atingiu seu estágio


mais intenso, a maturidade. É uma região circular de calmaria, caracterizada por
calor anormal, limitação das nuvens e ativa subsidência, o que contrasta
fortemente com a atividade de tempestade nos níveis da tropopausa ao seu redor.
O núcleo quente da tormenta é importante para manter a pressão baixa central
(uma profunda coluna de ar quente exerce uma pressão mais baixa na superfície
do que colunas ao redor com ar mais frio, devido à diferença de densidade), e
para manter a divergência do ar em altos níveis. No tufão Ida de 1958, foi
registrado um recorde de pressão ao nível do mar de 877 mb, no qual o ar quente
no olho do tufão alcançava o nível do mar com uma temperatura de 33oC e uma
umidade relativa de somente 50%.

O ar dentro do olho provém de duas fontes diferentes: a maior parte vem da


mistura e subsidência das paredes de nuvens ao redor, o restante vem de
subsidência da estratosfera pela quebra da tropopausa freqüentemente evidente
acima do olho. O ar dentro do olho é então aquecido pelo lapse rate adiabático
conforme afunda, produzindo um núcleo anormalmente quente. Acredita-se que o
tamanho físico do olho é determinado pela taxa de ar que entra no ciclone. Para
um raio crítico (o raio do olho), a força do gradiente de pressão que provoca a
aceleração do ar na direção do centro da tormenta não pode superar a força
centrífuga em um pequeno raio, que surge pelo movimento de rotação ciclônica
de dentro para fora da tormenta. O ar não consegue, então, penetrar além do raio;
é empurrado para cima, para ser eventualmente jogado para fora em altos níveis,
de maneira análoga à ação de uma centrífuga. Entretanto, a maneira pela qual o
núcleo quente do olho é inicialmente desenvolvido num distúrbio inicial está ainda
longe de ser completamente entendida.

A formação de ciclones tropicais


A explicação da formação dos ciclones tropicais é ainda uma das áreas mais
incertas de conhecimento deste sistema de tempo. Os distúrbios (tal como as
ondas de leste) são comuns nos trópicos e muitos se desenvolvem em
tempestades tropicais. Contudo, é necessário um mecanismo de gatilho para
transformar as tempestades freqüentes em raros ciclones tropicais com ventos
superiores a 33 m/s, uma organização ciclônica bem desenvolvida, condições de
tempo intensamente violentas e um núcleo central quente. O gatilho necessário é
o resultado de muitas condições serem satisfeitas ao mesmo tempo; quando

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todas as condições atmosféricas necessárias são satisfeitas, existe uma boa


chance de que um ciclone tropical se forme, mas não mais do que isso. Existem
sete condições consideradas importantes, e a seqüência na qual acontecem para
produzir um ciclone tropical é resumida na Figura 14.7 e discutida abaixo.
(1) O requerimento básico é uma fonte suficiente de calor sensível e
latente. Isto é conseguido em um oceano tropical quente com
temperaturas superficiais superiores a 26 oC, e condições de
aquecimento da água na camada da superfície até 60-70 m de
profundidade. Isto permite que ocorra convecção profunda, não afetada
por água mais fria trazida para a superfície por rotação e mistura da
água debaixo do ciclone tropical. A razão mais importante para a falta
de ciclones tropicais no Oceano Atlântico Sul e leste do Oceano
Pacífico Sul é que estas região são atingidas por correntes oceânicas
frias e as temperaturas do mar não atingem o valor crítico requerido de
26 oC.
(2) É necessário um distúrbio de baixos níveis. O que pode ser na forma
de uma onda de leste ou um distúrbio organizado na nebulosidade da
ZCIT. O distúrbio de convergência presente na camada limite sobre o
oceano provê a organização inicial requerida; em 87% dos casos os
agrupamentos de nuvens se desenvolverão. Estes se propagarão para
oeste pelo oceano, mas não se desenvolverão posteriormente.
(3) O parâmetro da força de Coriolis f (função da latitude) deve exceder um
valor crítico. A partir de estudos de casos é evidente que f deve exceder
10-5/s em magnitude, o que significa que os ciclones tropicais não se
formam a menos de 5o de latitude do equador. O máximo
desenvolvimento ocorre próximo à latitude de 15o (com 65% do total
global desenvolvendo-se entre as latitude de 10o e 20o, de acordo com
Gray).
(4) Deve haver um cisalhamento vertical mínimo do vento entre a alta e a
baixa troposfera (i.e., na camada entre 850 mb e 200 mb); isto é
necessário para estabelecer o desenvolvimento da circulação em volta
do eixo vertical, e significa que as condições ótimas ocorrem quando os
ventos de leste de altos níveis estão sobrepostos aos ventos alísios na
superfície.
(5) Deve haver divergência na troposfera alta, a grande queda de pressão
à superfície somente se desenvolverá se o fluxo para fora do sistema
na parte superior exceder o fluxo inferior na direção do sistema. Isto
permite a remoção da massa de ar que flui através da massa de
nuvens.
(6) Este escoamento deve estar ligado a um profundo cavado de altos
níveis nos ventos de oeste em latitudes mais altas que transporta o
excesso de energia para fora da tormenta, agindo como um sumidouro
externo de calor. A fonte interna de calor que gera o núcleo quente e
provê energia potencial para o sistema é gerada pela convecção em
torres quentes dentro dos núcleos de cumulonimbus protegidos.
(7) O nível de umidade nos níveis médios da troposfera deve ser alto para
que o entranhamento de ar úmido nas correntes ascendentes não iniba
seu crescimento dentro das nuvens cumulonimbus tanto quanto o
entranhamento de ar seco. A convecção de cumulonimbus tende a não
ocorrer onde a umidade relativa do ar é menor do que 50-60%.

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II Seminário de Pesquisa em Geografia Física - Programa de Pós-graduação em Geografia Física -USP- 11 a 12 dez 2004

Se todas estas condições são satisfeitas, então existe uma chance de que a
formação de um núcleo quente se desenvolva. Isto irá estimular a geração e
manutenção de circulação ciclônica, com isóbaras fechadas, a conformação pode
intensificar-se com a queda de 15-30 mb em dois dias e formar um ciclone tropical
(se as condições favoráveis continuam durante este período de dois dias). O
problema de previsão da formação de um ciclone tropical é que ele ocorre em
regiões dos oceanos tropicais com poucos dados, e não é fácil conseguir os
dados. O desenvolvimento do núcleo quente, crítico para todo o processo, é
particularmente difícil de ser monitorado.
3
Parâmetro de Coriolis
f ≥ 10-5 s-1
lat ≥ 5o

1
Fonte de calor sensível e
latente
Temperatura ≥ 26o C Aglomerado de
Convergência na nuvens Aglomerado de pré-
camada limite 100-1000 km tempestades
(abaixo de 1 km) 87% de todas as 13% das ocasiões
2 ocasiões curvatura se desenvolve
Pré-existência de
distúrbio em baixos níveis

4
Cisalhamento vertical pequeno
200-850 mb
Fonte interna de
instabilidade condicional
Convecção de “torres quentes”

5
Anticiclone superior ou 7
Umidade
divergência acima alta na média
troposfera
6
Sumidouro externo de calor
Aprofundamento do cavado
Formação de núcleos
quentes
8o – 10o C em 24 h

Estímulo da circulação de
FORMAÇÃO DE CICLONE TROPICAL massa

Desenvolvimento do ciclone tropical


Ventos ≥ 30-40 m/s
Aprofundamento: 15-30 mb em 1-2 dias

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Uma vez desenvolvidos, os ciclones tropicais tendem a se mover para noroeste e


depois para nordeste, acompanhando a periferia dos anticilones subtropicais (veja
Figura 14.2) antes de entrar na circulação de oeste de latitude médias onde
morrem ou se regeneram em depressões extratropicais. O ciclone tropical se
dissipará quando uma das condições discutidas não for mais encontrada. Duas
causas comuns para a dissipação do ciclone são: (a) remoção da fonte de calor
quando a tormenta move-se sobre água mais fria além da região equatorial, ou
move-se sobre a terra onde os fluxos de calor e, principalmente, de umidade são
muito menores do que aqueles sobre os oceanos; e (b) o efeito da fricção na
circulação, ou sobre a terra ou em latitudes médias onde o cisalhamento do vento
(pelos ventos de oeste em altos níveis) distorce a organização do escoamento. A
dissipação pode ser lenta e o movimento é freqüentemente errático
(freqüentemente seguindo caminhos de água quente nos oceanos) antes de
morrer. Mesmo no seu caminho para a dissipação, o ciclone pode produzir
grandes quantidades de precipitação.

Referência

Musk, L. F. Weather Systems. Cambridge University Press, 1988.

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