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Interpretação conforme à Constituição

A lei fundamental como vetor hermenêutico

Julio de Melo Ribeiro

Sumário
Introdução. 1. Interpretação das leis e her-
menêutica. 1.1. Conceito de interpretação. 1.2. O
mito da lei clara. 1.3. A diferença entre texto e
norma. 1.4. Interpretação e aplicação do Direito.
1.5. Outro mito: o da única interpretação correta.
1.6. O papel da hermenêutica: racionalidade e
controlabilidade. 1.7. O método sistemático e a
constitucionalização do Direito. 2. Fundamentos
da interpretação conforme à Constituição. 2.1.
Espécie de interpretação sistemática ou técnica
de controle de constitucionalidade? 2.2. Outros
fundamentos da interpretação conforme. 3. Li-
mites da interpretação conforme à Constituição.
3.1. A letra da lei como duplo limite à interpreta-
ção conforme. 3.2. A vontade do legislador. 3.2.1.
Voluntas legis x Voluntas legislatoris. 3.3. Decisões
corretivas e modificativas. 4. Conclusão.

Introdução
Nos últimos anos, tem-se discutido
muito acerca do crescente ativismo judicial
do Supremo Tribunal Federal. A Suprema
Corte brasileira tem assumido papel de
destaque na vida política do país, sendo sua
a última palavra em questões importantes.
Fenômeno não tão perceptível, mas que
Julio de Melo Ribeiro é bacharel em Direito integra o mesmo processo de expansão
pela Universidade Federal de Sergipe (UFS) e
informal das competências do Supremo
especialista em Direito Constitucional pela Uni-
Tribunal Federal, é a maneira como se tem
versidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL).
Foi Procurador do Banco Central do Brasil e é lidado com a técnica da interpretação con-
Advogado da União. Atualmente ocupa o cargo forme à Constituição.
de assessor do Presidente do Tribunal Superior Desde suas origens americanas e ale-
Eleitoral. mãs, a interpretação conforme à Consti-
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tuição significa uma atitude de deferência a determinado objeto [...].” Nas lições clás-
ao Poder Legislativo. Isso porque se evita a sicas de Carlos Maximiliano (2002, p. 1):
declaração de inconstitucionalidade da lei, “As leis positivas são formuladas em
por existir uma interpretação compatível termos gerais; fixam regras, consoli-
com a Lei Fundamental. Esse respeito ao dam princípios, estabelecem normas,
trabalho do legislador se manifesta pela em linguagem clara e precisa, porém
estrita observância de dois limites: a letra ampla, sem descer a minúcias. É tare-
da lei e a vontade do legislador. Sucede que, fa primordial do executor a pesquisa
ao negligenciar esses limites (o da vontade da relação entre o texto abstrato e o
do legislador principalmente), o Supremo caso concreto, entre a norma jurídica
Tribunal Federal acaba, muitas vezes, por e o fato social, isto é, aplicar o Direi-
elastecer suas competências, em detrimento to. Para o conseguir, se faz mister
do Poder Legislativo. um trabalho preliminar: descobrir e
O presente estudo, surgido na ambiên- fixar o sentido verdadeiro da regra
cia do debate político e acadêmico sobre positiva; e, logo depois, o respectivo
o ativismo judicial, objetiva lançar olhos alcance, a sua extensão. Em resumo,
mais atentos sobre um poderoso – e pouco o executor extrai da norma tudo o
discutido – instrumento desse ativismo. Daí que na mesma se contém: é o que se
a necessidade de assentar, previamente, a chama interpretar, isto é, determinar
natureza jurídica da interpretação confor- o sentido e o alcance das expressões do
me à Constituição (espécie de interpretação Direito.”
sistemática ou técnica de decisão no con- Para Konrad Hesse (1992, p. 35),
trole de constitucionalidade?), bem como “El cometido de la interpretación es el
seus fundamentos. Para só então proceder de hallar el resultado constitucional-
à análise dos limites da interpretação con- mente ‘correcto’ a través de un pro-
forme à Constituição. cedimiento racional y controlable, el
fundamentar este resultado, de modo
1. Interpretação das leis e hermenêutica igualmente racional y controlable,
creando, de este modo, certeza y pre-
1.1. Conceito de interpretação
visibilidad jurídicas, y no, acaso, el de
Para bem se compreender o instituto la simple decisión por la decisión.”
da interpretação conforme à Constituição, Interpretar o Direito é, portanto, fixar
necessário observar, preliminarmente, al- o sentido e o alcance das normas jurídicas,
guns aspectos da atividade interpretativa. mediante um processo racional e controlá-
O primeiro deles, logicamente, é o próprio vel. Normas que se veiculam, geralmente,
conceito de interpretação. Em que consiste por leis escritas. Leis que, a seu turno,
o ato de interpretar? valem-se da linguagem para que suas
Segundo Paulo Bonavides (2007, p. prescrições sejam amplamente conhecidas
437), a interpretação é uma “[...] operação e respeitadas. Em síntese de Santi Romano
lógica, de caráter técnico mediante a qual se (apud BONAVIDES, 2007, p. 458), “[...] a
investiga o significado exato de uma norma interpretação do direito é operação difícil e
jurídica, nem sempre clara ou precisa.” Para complexa, que constitui objeto de uma sutil
Inocêncio Mártires Coelho (2007, p. 3), “se doutrina e de uma delicadíssima arte.”
o direito, como toda criação do homem,
é uma forma significativa, um substrato 1.2. O mito da lei clara
dotado de sentido, então, a tarefa do intér- Muito bem. A questão que agora se
prete, ao fim e ao cabo, será trazer à tona põe é a de saber se toda e qualquer norma
ou revelar o significado que se incorporou jurídica precisa ser interpretada. Em outras

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palavras, a lei clara demanda um processo ma. Para se concluir que não existe
hermenêutico para a fixação de seu sentido atrás de um texto claro uma intenção
e alcance? efetiva desnaturada por expressões
A resposta é afirmativa. Em primeiro impróprias, é necessário realizar
lugar, por mais minudente que seja a lei, prévio labor interpretativo.”
será ela formulada em termos gerais e abs- Segundo historia Carlos Maximiliano
tratos. Isso para que cumpra sua função de (2002, p. 27-28), a exegese em Roma não
regular uma multifacetada gama de fatos se limitava aos textos obscuros. Graças a
e relações sociais. E a linguagem geral e essa largueza de visão foi que o Digesto
abstrata, ainda que muito clara, sempre atravessou os séculos e regeu institutos que
suscitará controvérsia, mormente quanto a Papiniano jamais pudera prever. Só que
seu alcance. São palavras de Carlos Ayres passou a haver um abuso. Apelava-se em
Britto (2007, p. 57-58): demasia para o argumento de autoridade,
“Como de remansoso conhecimen- os pareceres dos doutores substituíam os
to, a lei em sentido material quer textos, as glosas tomavam o lugar da lei.
valer para todas as ações a que se Contra isso tudo, reagiu-se com a regra in
refere e por isso é que se adorna claris non fit interpretatio. Para os grandes
do atributo da generalidade. Quer males, os remédios violentos.
valer para todos os sujeitos a que se O brocardo de que a lei clara não neces-
destina e por esse motivo se confere sita de interpretação encontrou ressonância
a característica da impessoalidade. com o advento do Estado liberal. Com a
Quer valer para sempre (enquanto derrocada do absolutismo, a ascensão da
não for revogada ou formalmente liberdade como valor supremo e a pri-
mexida, lógico) e daí o seu traço de mazia do Poder Legislativo, porta-voz da
abstratividade. Ora, querendo-se vontade do povo (leia-se, da burguesia),
assim genérica, impessoal e abstra- a tarefa do juiz, que antes era a de repetir
ta – é dizer, querendo-se, de um só a vontade do soberano, passou a ser a de
cajadada, imperante para tudo, para cumprir, rigidamente, a lei emanada do
todos e para sempre, a lei não tem Poder Legislativo. “[...] O perfil neutro do
como fugir do discurso esquemático Estado Liberal visava à preservação de
ou clicherizador da realidade; que é um status quo social já estabelecido, o que
um discurso inescondivelmente sim- contribuía enormemente para a timidez
plista. Donde ter que pagar um preço judicial na interpretação da lei. Cabia ao
por esse discurso-rótulo, e esse preço juiz tão-somente aplicar a lei e fazer valer
que a lei paga por incidir num tipo de os contratos celebrados entre ‘iguais’.”
comunicação verbal reducionista é a (COLNAGO, 2007, p. 38)
sua exposição a interpretações polis- Esse panorama se alterou após o sur-
sêmicas e à contínua rebeldia da vida gimento do Estado social. Estado cuja
(cambiante por natureza).” concepção é a de atuar positivamente para
Ademais, como anota Carlos Maximi- reduzir as desigualdades sociais. Mais do
liano (2002, p. 30-31), para saber se uma lei que garantir uma igualdade formal, passou
é clara, ou seja, se seu sentido corresponde a incumbir ao Poder Público a adoção de
à letra do texto, medidas concretas, inspiradas na máxima
“[...] é força procurar conhecer o aristotélica de tratar igualmente os iguais
sentido, isto é, interpretar. A verifi- e desigualmente os desiguais. Daí o Poder
cação da clareza, portanto, ao invés Judiciário, nesse contexto, “[...] usufruir de
de dispensar a exegese, implica-a, uma maior liberdade interpretativa, dada
pressupõe o uso preliminar da mes- a utilização, pelos novos textos constitu-

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cionais, de expressões de baixa densidade jurídico. [...].” Conforme ressalta Cláudio
semântica. [...].” (COLNAGO, 2007, p. 38) de Oliveira Santos Colnago (2007, p. 31),
Pois bem, a Constituição brasileira de “[...] o intérprete não é totalmente livre em
1988 e o ordenamento jurídico dela deri- sua atividade de formulação normativa:
vado se inserem nesse modelo de Estado normas e enunciados são duas realidades
Social. Atualmente, avulta a importância distintas, mas diretamente dependentes.
dos princípios e se utilizam cada vez mais [...].” É verdade que o intérprete vai além do
os conceitos jurídicos indeterminados. Mais texto para alcançar a norma. Nessa tarefa,
do que nunca se mostra verdadeira a asser- no entanto, não pode desbordar dos limites
tiva de que toda norma jurídica, incluída a positivos e negativos do texto.1
lei clara, demanda interpretação.
1.4. Interpretação e aplicação do Direito
1.3. A diferença entre texto e norma Se a norma é resultante do processo
Fixada a ideia de que toda norma jurí- interpretativo do texto, não se há de negar
dica é de ser interpretada, emerge, quase a importância do intérprete. Sem ele, o
que logicamente, a conclusão de que texto texto não se transforma em norma. Essa
e norma não se confundem. A segunda é função eminente do intérprete no processo
resultado da interpretação do primeiro. hermenêutico é decisiva não apenas para
Conforme ensina José Joaquim Gomes Ca- a obtenção do resultado da interpretação.
notilho (2003, p. 1202), disposição é parte de O próprio ponto de partida depende, em
um texto ainda não interpretado, enquanto larga escala, das pré-compreensões do
a norma consiste num texto (ou parte dele) hermeneuta. Nas palavras de Inocêncio
já interpretado. Na dicção de Humberto Mártires Coelho (2007, p. 2), “um dos mais
Ávila (2007, p. 30), ricos achados da hermenêutica filosófica
“Normas não são textos nem o conjun- contemporânea foi a descoberta de que
to deles, mas os sentidos construídos a compreensão do sentido de uma coisa,
a partir da interpretação sistemática de um acontecimento ou de uma situação
de textos normativos. Daí se afirmar qualquer pressupõe um pré-conhecimento
que os dispositivos se constituem no daquilo que se quer compreender. [...].”
objeto da interpretação; e as normas, Pré-conhecimento, este, determinado pela
no seu resultado. O importante é que própria personalidade do intérprete, por
não existe correspondência entre nor- sua história e experiências de vida. Conti-
ma e dispositivo, no sentido de que nua o citado autor:
sempre que houver um dispositivo “Pois bem, se observarmos todos
haverá uma norma, ou sempre que esses ‘conselhos’ também no ensino
houver uma norma deverá haver do direito constitucional, podere-
um dispositivo que lhe sirva de su- mos constatar, desde logo, que a
porte.” sua compreensão, embora não de-
Ocorre que, conquanto texto e norma terminada, será inevitavelmente con-
não se igualem, um não se desliga do dicionada por fatores aparentemente
outro, pelo menos no Direito de tradição aleatórios, que dirigem e modelam
romano-germânica. Nas palavras de Lenio a nossa visão inicial sobre a matéria,
Luiz Streck (2007, p. 318), “[...] embora a o mesmo valendo, obviamente, para
norma seja sempre o produto da atribuição a compreensão do direito, em geral,
de sentido a um texto, isto não significa 1
Como se verá adiante, a letra da lei, ao tempo
que o intérprete – nem mesmo o Supre- em que funciona como ponto de partida (e não como
mo Tribunal Federal – detenha o poder ponto de chegada) do processo hermenêutico, limita
de atribuir qualquer sentido a um texto o campo de atuação do intérprete.

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enquanto instrumento ordenador de Como se vê, a interpretação ocorre no
situações existenciais que, de alguma bojo do processo de aplicação do Direito.
forma, já foram vivenciadas por nós e, É sua etapa preliminar. Mais do que isso:
precisamente por isso, guiarão nossos não tem razão de ser senão dentro desse
passos na caminhada da reflexão.” processo. O juiz, antes de (e para) fixar a
(COELHO, 2007, p. 4) norma de decisão numa lide, interpreta o
Além de suas pré-compreensões, outros Direito. O administrador público, antes de
fatores condicionam a atividade do intér- (e para) executar um comando normativo,
prete. O processo hermenêutico opera sem- procede à sua interpretação. O particular,
pre dentro de um contexto jurídico, social, antes de (e para) cumprir a lei, busca seu
cultural e econômico.2 Daí haver, até com sentido e alcance.
certa (e, às vezes, demasiada) frequência, “Interpretação e aplicação, assim, se
alteração no sentido das normas, sem modi- confundiriam, na medida em que não
ficação do texto.3 É que as relações fáticas e é possível dissociar, temporalmente,
as peculiaridades do caso concreto, sempre a compreensão e interpretação de
cambiantes, predispõem – não de forma um texto com a sua aplicação, ainda
absoluta, esclareça-se – o convencimento que o intérprete não esteja a operar
do hermeneuta. Segundo Felice Battaglia com um fato concreto, como observa
(apud BONAVIDES, 2007, p. 438), “[...] o com agudeza Lenio Streck: ‘Mesmo
momento da interpretação vincula a norma quando o Tribunal realiza o controle
geral às conexões concretas, conduz do abstrato de constitucionalidade, terá
abstrato ao concreto, insere a realidade no em vista o campo de aplicação da-
esquema.” Para Inocêncio Mártires Coelho quela norma’.” (ANDRADE, 2003,
(2007, p. 23), “[...] pode-se dizer que as situ- p. 104).
ações da vida são constitutivas do significa- Daí as palavras de Hans Kelsen (2006,
do das regras de direito, porque o sentido p. 387), para quem
e o alcance dos enunciados normativos só “[...] A interpretação é, portanto, uma
se revelam, em plenitude, no momento da operação mental que acompanha o
sua aplicação aos casos concretos.” processo da aplicação do Direito no
seu progredir de um escalão supe-
2
Conforme relata Marcelo Neves (2001, p. 360- rior para um escalão inferior. [...] na
361), a Teoria Jurídica Estruturante de Friedrich Müller hipótese da interpretação da lei, deve
concebe a norma como uma implicação recíproca entre
o programa e o âmbito normativos, sendo este último o
responder-se à questão de saber qual
“conjunto dos dados reais normativamente relevantes o conteúdo que se há de dar à norma
para a concretização individual.” individual de uma sentença judicial
3
Essa alteração de sentido da norma, sem modifi-
cação do texto, também ocorre com a Constituição. É o uma mudança da situação. Se o sentido de uma propo-
que se chama de mutação constitucional. Ela certamen- sição normativa não pode mais ser realizado, a revisão
te cumpre um importante papel de atualização da Lei constitucional afigura-se inevitável. Do contrário, ter-
Fundamental, de adaptação da norma constitucional se-ia a supressão da tensão entre norma e realidade
à nova realidade fática. É preciso, no entanto, atentar com a supressão do próprio direito. Uma interpretação
para que a realidade fática não acabe por aniquilar a construtiva é sempre possível e necessária dentro
força normativa da Constituição. Assim adverte Kon- desses limites. A dinâmica existente na interpretação
rad Hesse (1991, p. 23): “Em outras palavras, uma mu- construtiva constitui condição fundamental da força
dança das relações fáticas pode – ou deve – provocar normativa da Constituição e, por conseguinte, de sua
mudanças na interpretação da Constituição. Ao mesmo estabilidade. Caso ela venha a faltar, tornar-se-á ine-
tempo, o sentido da proposição jurídica estabelece o vitável, cedo ou tarde, a ruptura da situação jurídica
limite da interpretação e, por conseguinte, o limite de vigente.” Como se analisará mais à frente, a viagem
qualquer mutação normativa. A finalidade (Telos) de do intérprete para além do texto não pode ignorar os
uma proposição constitucional e sua nítida vontade limites postos pela letra da lei, sob pena de se retirar da
normativa não devem ser sacrificadas em virtude de própria lei (e da Constituição) sua força normativa.

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ou de uma resolução administrativa, mesma interpretação cognoscitiva.
norma essa a deduzir da norma geral [...].”
da lei na sua aplicação a um caso Dito de outro modo, uma lei e, com mais
concreto. [...].” razão, o texto constitucional não possuem
Cabe, então, o seguinte questionamen- única interpretação. Carlos Maximiliano
to: essa operação mental, que caminha da (2002, p. 12) parece divergir dessa assertiva,
norma mais genérica até o mandamento in- ao falar que o trabalho do intérprete tem
dividualizado do caso concreto, comporta sempre cunho científico e que “[...] procura
mais de um resultado correto? Em outras reconhecer a norma em sua verdade, a fim
palavras, é possível dizer que a lei tem uma de aplicá-la, com acerto, à vida real.” Se-
única e verdadeira interpretação? gundo ele, não compete ao intérprete “[...]
apenas procurar atrás das palavras os pen-
1.5. Outro mito: o da única samentos possíveis, mas também entre os
interpretação correta pensamentos possíveis o único apropriado,
É o próprio Hans Kelsen quem responde correto, jurídico” (MAXIMILIANO, 2002, p.
à questão. Segundo ele, o ato de aplicação 13). Pois bem, é induvidoso que compete ao
do Direito nem sempre é determinado. Às intérprete/aplicador do Direito, na resolu-
vezes, a norma superior é intencionalmente ção do caso concreto, apontar uma única
genérica, para possibilitar ao aplicador do solução. Do contrário, permaneceria sem
Direito a escolha de uma solução dentro resposta a questão concreta sob análise. O
daquele quadro normativo. Outras vezes, que defende Hans Kelsen é que essa única
essa indeterminação não é intencional. solução é escolhida (ato de vontade) pelo
Ocorre quando o sentido da norma não é intérprete entre as possibilidades possíveis
unívoco (KELSEN, 2006, p. 388-389). Assim, (ato de conhecimento), não havendo uma
frequentemente se colocam à disposição do resposta correta, apropriada, que se possa
aplicador do Direito várias possibilidades encontrar cientificamente. No dizer de
interpretativas. Daí haver concluído o juris- Marcelo Neves (2001, p. 366),
ta da Escola de Viena que “[...] o resultado “[...] na interpretação jurídica não
de uma interpretação jurídica somente pode se trata de extrair arbitrariamente
ser a fixação da moldura que representa o de uma infinidade de sentidos dos
Direito a interpretar e, conseqüentemente, textos normativos a decisão concre-
o conhecimento das várias possibilidades tizadora, nos termos de um contex-
que dentro desta moldura existem. [...]” tualismo decisionista. Mas também
(KELSEN, 2006, p. 390). Em maior ou menor é inaceitável a concepção ilusória de
amplitude, o que se tem é uma moldura que só há uma solução correta para
que comporta algumas soluções para o cada caso, conforme os critérios de
caso concreto. Moldura que se determina um juiz hipotético racionalmente
por um ato de conhecimento e solução que justo. A possibilidade de mais de
se identifica mediante um ato de vontade. uma decisão justificável à luz dos
Ainda conforme Kelsen (2006, p. 394), princípios e regras constitucionais
“[...] na aplicação do Direito por um parece-nos evidente. O problema está
órgão jurídico, a interpretação cog- exatamente em delimitar as fronteiras
noscitiva (obtida por uma operação entre as interpretações justificáveis e
de conhecimento) do Direito a aplicar as que não são ‘atribuíveis’ aos textos
combina-se com um ato de vontade constitucionais e legais no Estado
em que o órgão aplicador do Direito Democrático de Direito. [...].”
efetua uma escolha entre as possibi- Enfim, assim como o pensamento de
lidades reveladas através daquela que não se interpreta a lei clara, a ideia

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de uma única interpretação correta não que se destina. A interpretação lógica, a
passa de um mito. De ordinário, todo texto seu turno, segundo Paulo Bonavides (2007,
jurídico suscita, em maior ou menor grau, p. 442), tem prolongamentos históricos e
controvérsia quanto a seu sentido e alcance. teleológicos. Por fim, o método sistemático
Controvérsia para a qual não existe uma encara a lei dentro do sistema jurídico, de
resposta cientificamente verdadeira. Pode- maneira a que o sentido de uma norma
se certificar, no máximo, que normas não somente se alcance pela análise de todo
se contêm num texto (e mesmo essa certeza o ordenamento. Atualmente, e devido às
não é absoluta). especificidades da interpretação constitu-
cional, utilizam-se também outros métodos,
1.6. O papel da hermenêutica: como o tópico-problemático, o hermenêu-
racionalidade e controlabilidade tico-concretizador, o científico-espiritual e
Conforme se afirmou acima, interpretar o normativo-estruturante. Isso sem falar
o Direito é fixar o sentido e o alcance das nos cânones hermenêuticos identificados
normas jurídicas, mediante um processo pela doutrina para balizar a interpretação
racional e controlável. Sucede que, como constitucional (postulados da unidade da
também já se disse, não há como identificar, Constituição, da concordância prática, da
com rigor científico, a única interpretação correção funcional, da eficácia integrado-
correta de uma lei. Isso porque, ao ato de ra, da força normativa da Constituição,
conhecimento da moldura legal (várias da máxima efetividade e da interpretação
possibilidades interpretativas), se sucede conforme à Constituição).4
um ato de escolha voluntária do intérprete Todos esses métodos, que interagem e se
(interpretação a ser aplicada ao caso con- complementam, visam a conferir racionali-
creto). dade ao processo de interpretação/aplica-
Para que a interpretação da lei, no en- ção do Direito. Racionalidade, no entanto,
tanto, não descambe para um ato inteira- que não é absoluta, principalmente por
mente de vontade, arbitrário, é que existe a inexistir um método pelo qual se certifique
hermenêutica jurídica. Esta descobre e fixa a correção das escolhas metodológicas do
os princípios que regem a interpretação intérprete. No dizer de Inocêncio Mártires
(MAXIMILIANO, 2002, p. 1). Nas palavras Coelho (2007, p. 80),
de Inocêncio Mártires Coelho (2007, p. “Em suma, desprovidos de uma
6), “[...] a hermenêutica é uma atividade teoria que lhes dê sustentação e
racional, que se ocupa com processos consistência na seleção de métodos
total ou parcialmente irracionais – como e princípios que organizem os seus
o da aplicação do direito – da forma mais acessos à Constituição – num pano-
racional possível.” Daí a importância de se rama ‘desolador’, é a expressão de
estabelecerem padrões mínimos de racio- Raúl Canosa Usera –, os intérpretes
nalidade e controlabilidade da atividade e aplicadores acabam por escolher
interpretativa. esses instrumentos ao sabor de sen-
Com esse objetivo foi que surgiram os timentos e intuições, critérios que
métodos tradicionais de interpretação. En- talvez lhes pacifiquem a consciência,
quanto o método literal, gramatical, textual mas certamente nada nos dirão sobre
ou filológico propugna pela busca do senti- a racionalidade dessas opções.”
do e alcance da norma por meio da simples Daí esse autor afirmar a importância
leitura do texto, o método histórico conduz do princípio do devido processo legal e
o intérprete aos antecedentes da proposi- 4
Sobre os métodos tradicionais e modernos de
ção legislativa. Pelo método teleológico, interpretação, conferir Paulo Bonavides (2007) e Ino-
analisa-se o objetivo da lei, a finalidade a cêncio Mártires Coelho (2007).

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das garantias judiciais (máxime o dever sistemático de interpretação visa a conferir
de fundamentação das decisões), pois são unidade a todo o sistema jurídico, é claro
instrumentos de otimização do debate pro- que a Constituição, que funda e sustenta
cessual e, consequentemente, de controle e todo o ordenamento, exerce papel de des-
legitimação de seus resultados (COELHO, taque. Por que o intérprete, na busca do
2007, p. 35-36). Já que não é possível al- sentido e alcance de uma norma, colheria
cançar uma racionalidade absoluta com subsídios em toda a ordem jurídica, menos
o simples manejo dos métodos criados em sua lei fundamental?
pela hermenêutica, que sejam ao menos A Constituição funciona, assim, não
controláveis os resultados do processo de somente como parâmetro para o controle
interpretação/aplicação do Direito. de validade das leis, mas também como
vetor hermenêutico.5 O conteúdo das nor-
1.7. O método sistemático e a mas constitucionais é, em muitos casos,
constitucionalização do Direito decisivo para que se ultime a interpretação
Um dos métodos de interpretação mais de um dispositivo legal. As leis hão de ser
utilizados na atualidade é o sistemático. interpretadas em consonância com a Cons-
Para se fixar uma adequada exegese da tituição. E essa consonância, nas palavras
norma, recorre-se às demais proposições de Konrad Hesse (1991, p. 50-51),
jurídicas da própria lei em que se encontra “[...] no sólo existe allí donde la
o dispositivo interpretando, bem como a ley, sin el recurso a puntos de vista
todas as normas do ordenamento jurídico. jurídico-constitucionales permite
É nisso que constitui o método sistemático una interpretación compatible con
de interpretação: o sentido e o alcance de la Constitución; puede tener igual-
uma norma são fixados com o auxílio das mente lugar cuando um contenido
demais normas do ordenamento jurídico; os ambíguo o indeterminado de la ley
textos hão de ser lidos e entendidos no seu resulta precisado gracias a los con-
conjunto; o conteúdo de uma norma influi, tenidos de la Constitución. Así pues,
às vezes decisivamente, na tarefa de precisar em el marco de la interpretación con-
o próprio conteúdo de outra norma jurídica. forme las normas constitucionales no
Segundo Paulo Bonavides (2007, p. 445), son solamente ‘normas-parámetro’
“A interpretação começa natural- (Prüfungsnormen) sino también ‘nor-
mente onde se concebe a norma mas de contenido’ (Sachnormen) em
como parte de um sistema – a ordem la determinación del contenido de las
jurídica, que compõe um todo ou uni- leyes ordinarias. [...].”
dade objetiva, única a emprestar-lhe Segundo Jorge Miranda (2002, p. 659),
o verdadeiro sentido, impossível de “Trata-se, antes de mais, de conceder
obter-se se a considerássemos insu- todo o relevo, dentro do elemento
lada, individualizada, fora, portanto, sistemático da interpretação, à refe-
do contexto das leis e das conexões rência à Constituição. Com efeito,
lógicas do sistema.”
A interpretação sistemática põe em rele-
5
Rui Medeiros (1999, p. 301) enumera quatro fun-
ções do apelo à Constituição em sede hermenêutica:
vo o postulado da unidade do ordenamento 1) função de apoio ou confirmação de um sentido da
jurídico. Unidade que tem na Constituição norma já sugerido pelos outros métodos de interpre-
o seu ponto de engate. Daí ser intuitivo tação; 2) função de escolha entre vários sentidos que
afirmar que as normas constitucionais, não se mostrem incompatíveis com a letra da lei; 3)
função de correção dos sentidos literais possíveis; 4)
mais do que quaisquer outras, deverão função de revisão da lei, dando à Constituição um peso
ser levadas em conta na interpretação do decisivo e superior aos outros elementos tradicionais
Direito infraconstitucional. Se o método de interpretação.

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cada norma legal não tem somente de legalidade encontra-se hoje superada
ser captada no conjunto das normas pela ideia de osmose Constituição/
da mesma lei e no conjunto da ordem lei: os princípios da constitucionali-
legislativa; tem outrossim de se con- dade e da legalidade são elementos
siderar no contexto da ordem cons- integrantes da juridicidade, fazendo
titucional; e isso tanto mais quanto a Constituição parte da própria
mais se tem dilatado, no século XX, a legalidade. Ora, em sistemas que
esfera de acção desta como centro de atribuem à Constituição uma força
energias dinamizadoras das demais normativa plena e o estatuto de Lei
normas da ordem jurídica positiva.” Fundamental, o elemento sistemáti-
Esse fenômeno que coloca a Constitui- co-teleológico não pode, à partida,
ção como “centro de energias dinamizado- dispensar o apelo à Constituição. A
ras das demais normas da ordem jurídica” principal manifestação da preemi-
é chamado de constitucionalização do nência normativa da Constituição
Direito. Conforme ensina André Ramos consiste, justamente, em que toda a
Tavares, uma das formas de constitucio- ordem jurídica deve ser lida à luz dela
nalizar o Direito é prever várias matérias e passada pelo seu crivo.”
no próprio texto constitucional. A outra, de Interpretação conforme à Constituição
que cuida este trabalho, é a Constituição se é, portanto, em essência, uma espécie de
apresentar “[...] como vetor valorativo para interpretação sistemática. Interpretação
qualquer discurso hermenêutico das leis e que, na procura do sentido e alcance de
atos normativos em geral. [...].” (TAVARES, determinado dispositivo legal, não se limita
2006, p. 134). Luís Roberto Barroso (2006, p. a olhar para o lado (para as demais normas
324) chama essa última variante de filtra- infraconstitucionais), mirando também no
gem constitucional. Segundo ele, “a partir ápice do ordenamento jurídico (na Cons-
da passagem da Constituição para o centro, tituição).
passou ela a funcionar como a lente, o filtro
através do qual se deve olhar para o direito 2. Fundamentos da interpretação
de uma maneira geral. [...] a Constituição
conforme à Constituição
condiciona a interpretação de todas as
normas do sistema jurídico.” Como já se deixou claro, a interpretação
Pronto! Tem-se aí a conhecida interpre- conforme à Constituição em nada difere
tação conforme à Constituição. Ela nada do tão conhecido método sistemático de
mais é do que uma interpretação sistemá- interpretação das leis. Assim também
tica da lei. Como assevera Rui Medeiros entende Rui Medeiros (1999, p. 295-296),
(1999, p. 297), para quem
“O reconhecimento de um princípio “[...] o princípio da interpretação
de interpretação das leis em con- conforme à Constituição, que obriga
formidade com a Constituição não o intérprete a tomar inclusivamente
constitui, neste contexto, uma solução em consideração os princípios cons-
estranha ou anômala [à interpretação titucionais na tarefa de interpretação
sistemático-teleológica]. As normas de toda e qualquer norma infraconsti-
constitucionais, já o sabemos, não se tucional, material ou procedimental,
dirigem apenas ao legislador e não não constitui um corpo estranho na
existe qualquer espécie de Muro de metodologia jurídica, apresentando-
Berlim entre a ordem constitucional e se como simples concretização da
a ordem jurídica em geral. A tradicio- interpretação sistemático-teleológica.
nal dicotomia constitucionalidade/ [...].”

Brasília a. 46 n. 184 out./dez. 2009 157


Daí concluir esse jurista português, clusões diversas. Isso se explica porque o
acertadamente, que o fundamento último postulado da supremacia da Constituição
da interpretação conforme à Constituição tem duplo significado: é regra de colisão
se confunde com o próprio fundamento e critério de interpretação (MEDEIROS,
do método de interpretação sistemático- 1999, p. 289). No primeiro caso, as normas
teleológico. Método que, por sua vez, constitucionais impõem sua autoridade
lastreia-se nos postulados da supremacia invalidando as leis que com elas estejam
da Constituição e da unidade do ordena- em desacordo. Na segunda hipótese, a
mento jurídico. supremacia da Constituição se apresenta
na medida em que a Carta Magna influi no
2.1. Espécie de interpretação sistemática ou sentido e alcance de todas as normas infra-
técnica de controle de constitucionalidade? constitucionais.6 A interpretação conforme
Não é o que pensa, entretanto, parte à Constituição se fundamenta também no
da doutrina e da jurisprudência nacional postulado da supremacia da Constituição
e estrangeira. Aloysio Vilarino dos San- (e, em decorrência, no da unidade do orde-
tos (2008), André Ramos Tavares (2006), namento jurídico), mas não em sua vertente
Clèmerson Merlin Clève (2000), Eduardo de regra de colisão, que justifica o controle
Fernando Appio (2002), Gerson dos Santos de constitucionalidade.7 A interpretação
Sicca (1999), Inocêncio Mártires Coelho das leis em conformidade com a Constitui-
(2007), Jorge Miranda (2002), Luís Roberto ção é critério hermenêutico segundo o qual
Barroso (2006), Paulo de Oliveira Lanzellotti se deve ler o Direito infraconstitucional em
Baldez (2003), Silvio Luiz Maciel (2005) e consonância com a Lei Maior. É expressão,
Zeno Veloso (2003), por exemplo, compre- portanto, do fenômeno já referido da cons-
endem a interpretação conforme à Consti- titucionalização do Direito ou da filtragem
tuição como técnica de controle de consti- constitucional. Assim reconhece André
tucionalidade, e não como simples regra de Ramos Tavares (2006, p. 133-134), embora
interpretação. O Tribunal Constitucional conclua de forma diversa:
alemão, segundo relata Cláudio de Oliveira “Em outras palavras, a Constituição
Santos Colnago (2007, p. 93), enxerga a in- desempenha, nessa linha, um papel
terpretação conforme à Constituição como de standard interpretativo. Quando se
uma técnica interpretativa de controle. fala, portanto, da constitucionaliza-
Também o Supremo Tribunal Federal bra- ção do Direito, não se está apenas
sileiro, na Representação 1.417, julgada em querendo fazer referência à supre-
09 de dezembro de 1987, sufragou a tese de macia formal da Constituição. Evi-
que “o princípio da interpretação conforme 6
Humberto Ávila (2007, p. 128), ao tratar da eficácia
à Constituição (Verfassungskonforme Aus- interna dos princípios, menciona sua função interpreta-
legung) é princípio que se situa no âmbito tiva. Segundo ele, “[...] O relacionamento vertical entre
do controle da constitucionalidade, e não as normas (normas constitucionais e normas infracons-
titucionais, por exemplo) deve ser apresentado de tal
apenas simples regra de interpretação.” forma que o conteúdo de sentido da norma inferior
Tal entendimento se funda no postulado deve ser aquele que ‘mais intensamente’ corresponder
da supremacia da Constituição. É de ser ao conteúdo de sentido da norma superior. [...].”
excluída do ordenamento jurídico a inter-
7
Cláudio de Oliveira Santos Colnago (2007, p.
130) critica o entendimento de que a interpretação
pretação que afronte a Lei Fundamental. conforme à Constituição se funda no postulado da
Entre duas interpretações possíveis do texto supremacia da Constituição. Isto porque, sob essa
da lei, deve-se preferir aquela que respeite ótica, as decisões interpretativas teriam o mesmo
fundamento do controle de constitucionalidade, que
a Constituição.
justifica a declaração de inconstitucionalidade. Ocorre
Como se vê, do mesmo fundamento que este autor parece não haver atentado para a dupla
(primazia da Constituição) se chega a con- significação do postulado da primazia da Lei Maior.

158 Revista de Informação Legislativa


dentemente que é ela um pressuposto (salvo o da inconstitucionalidade por
necessário. Sem se admitir que as leis omissão) um juízo de incompatibili-
e todos atos [sic] normativos devem dade entre uma norma ou princípio
conformação à Constituição (uma das constitucional e uma norma infracons-
dimensões da supremacia da Cons- titucional (...). Isso implica necessaria-
tituição), não haveria como falar em mente uma tarefa de interpretação,
constitucionalização do Direito.” não apenas da Constituição, mas
Dessarte, importante ter em mente a também da norma infraconstitucional
diferença entre o papel da Lei Fundamen- em causa. [...].”
tal como vetor hermenêutico e sua função Pois bem, a interpretação conforme à
de controle de normas. No primeiro caso, Constituição se dá, por inteiro, na primei-
a Constituição atua, juntamente com as ra fase. O cotejo que se faz entre o texto
demais normas do ordenamento jurídico, constitucional e a lei tem o propósito de
no processo de interpretação da lei; a Carta precisar o conteúdo desta última. É que,
Magna auxilia o intérprete a fixar o sentido nas palavras de Humberto Ávila (2007, p.
e o alcance do texto legal. No segundo caso, 131), “[...] a direta ou indireta ‘reconduti-
diferentemente, o sentido e o alcance da bilidade’ (Zurückführbarkeit) de uma norma
norma já foram definidos, funcionando a a um princípio superior [...] faz com que
Constituição como parâmetro de controle; todas as normas obtidas por meio de uma
diante da(s) prescrição(ões) normativa(s) do vinculação sintática ou semântica incorpo-
texto legal, verifica-se sua compatibilidade rem o mesmo significado jurídico da norma
vertical com a lei de hierarquia superior. superior. [...].” A Constituição e todas as
Todo processo de controle de normas normas do sistema jurídico são levadas
se desenrola, ainda que involuntária e im- em conta, numa verdadeira interpretação
perceptivelmente, por etapas. Primeiro se sistemática. Aqui ainda não se pode falar
interpretam as normas controladas, fixan- em controle de constitucionalidade, pois
do-se seu sentido e alcance. Busca-se saber nem se conhece a norma a ser controlada.
o que a lei regulou, como regulou e em que O confronto posterior entre lei e Constitui-
extensão. Também a Constituição é objeto ção, aí sim, visa à checagem da validade do
de atividade interpretativa. Somente após diploma legal.
se conhecerem os conteúdos das normas- O pensamento de que a interpretação
objeto e das normas-parâmetro é que se conforme à Constituição é técnica de
verifica a compatibilidade daquelas com controle de constitucionalidade tem uma
estas. Sem antes saber o que a lei diz, não se explicação histórica. É que ela despontou
pode fazer controle de constitucionalidade. na seara jurídica por meio de decisões de
Nas palavras de Zeno Veloso (2003, p. 169), Tribunais Constitucionais, em processos
“[...] a interpretação, portanto, é pressupos- de controle de constitucionalidade. Nos
to, operação prévia do processo em que se Estados Unidos, por exemplo, as decisões
pretende investigar se determinado pre- interpretativas da Suprema Corte surgiram
ceito normativo está ou não em harmonia com a doutrina da evitação (avoidance doctri-
com seu modelo obrigatório e supremo.” ne), pela qual a Corte deve ser comedida na
Segundo Rui Medeiros (1999, p. 335), hora de declarar uma lei inconstitucional.
“[...] De facto, o confronto entre a Também na Alemanha, a interpretação
lei e a Constituição exige, sempre, o conforme à Constituição surgiu para evitar
prévio esclarecimento do sentido do a declaração de inconstitucionalidade. E o
preceito legal objecto de fiscalização. Supremo Tribunal Federal brasileiro, sob
Não se esqueça, com efeito, que o juí- nítida influência alemã, seguiu o mesmo
zo de inconstitucionalidade é sempre caminho (COLNAGO, 2007).

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Ocorre que a interpretação da lei em Daí concluir que a interpretação confor-
conformidade com a Constituição tem me à Constituição, em que pese o respeitável
lugar não somente quando em jogo uma entendimento em contrário, não configura
declaração de inconstitucionalidade. Como uma técnica de decisão no controle de cons-
afirma Rui Medeiros (1999, p. 290), “[...] o titucionalidade, embora com ela se asseme-
recurso à interpretação conforme à Cons- lhe, principalmente quando utilizada num
tituição também se justifica nos casos em processo de controle abstrato de normas.10
que nenhuma das interpretações possíveis
da lei conduz à sua inconstitucionalidade. 2.2. Outros fundamentos da
Fala-se, por vezes, a este propósito, em in- interpretação conforme
terpretação orientada para a Constituição. [...].” Além dos postulados da supremacia da
É que, da polissemia do texto legal, podem Constituição e da unidade do ordenamento
resultar uma norma constitucional e outra jurídico, outros fundamentos se colocam
mais constitucional. Noutro dizer, o intérpre- a justificar a interpretação conforme à
te do Direito pode estar diante de normas Constituição. Um deles é a presunção de
igualmente constitucionais, cabendo-lhe constitucionalidade das leis. Na dúvida quan-
aplicar aquela que, no caso concreto, realiza to à interpretação de uma norma, deve-se
em maior grau a Constituição.8 entender que o legislador não quis afrontar
Ademais, não só o Poder Judiciário o texto constitucional. Nas palavras de Rui
interpreta as leis e a Constituição. O ad- Medeiros (1999, p. 291), “[...] trata-se de
ministrador público, para desempenhar uma espécie de benefício da dúvida que se
sua tarefa, procede à interpretação das deve conceder a todo o legislador democra-
normas jurídicas, sendo necessário que o ticamente eleito e presumivelmente fiel ao
faça em conformidade com a Lei Maior.9 texto fundamental.” É o que se chama de
Também os particulares interpretam a lei favor legis ou favor legislatoris.
para cumpri-la. E é salutar que, em caso Também o postulado da conservação de
de dúvida, sigam uma interpretação da normas ou máximo aproveitamento dos atos
lei conforme à Constituição. Como afirma normativos é invocado como fundamento
Jorge Miranda (2003, p. 42), “todo o tribunal da interpretação conforme à Constituição.
e, em geral, todo o operador jurídico fazem Segundo ele, sempre que possível, deve-se
interpretação conforme à Constituição. preferir a manutenção da norma no ordena-
Quer dizer: acolhem, entre vários sentidos mento jurídico, dando-se à lei um sentido
a priori configuráveis da norma infracons- compatível com a Constituição. Esse fun-
titucional, aquele que lhe seja conforme ou damento se conecta com um outro: o da
mais conforme [...].” segurança jurídica. É salutar que se evite o
vazio normativo decorrente da expulsão da
8
A interpretação conforme à Constituição não é norma do ordenamento jurídico, bem como
exclusividade dos processos de controle de constitu-
cionalidade em abstrato. Essa técnica de interpretação
a insegurança gerada pela eficácia retroati-
também é comum na jurisdição ordinária e não implica va da decisão de inconstitucionalidade.
uma declaração de inconstitucionalidade. Há que se referir ainda ao princípio da
9
A própria Constituição brasileira de 1988 criou harmonia entre os Poderes. Como constata
órgão incumbido, entre outras funções, de prestar
consultoria jurídica ao Poder Executivo da União (art.
Cláudio de Oliveira Santos Colnago (2007,
131 da CF). Trata-se da Advocacia-Geral da União, p. 59),
cuja lei orgânica (Lei Complementar no 73, de 10 de
fevereiro de 1993) estabelece, no inciso X de seu art. 4o, 10
Essa confusão se dá, principalmente, porque
ser atribuição do Advogado-Geral da União “fixar a os resultados práticos da interpretação conforme à
interpretação da Constituição, das leis, dos tratados e Constituição e da declaração de inconstitucionalidade
demais atos normativos, a ser uniformemente seguida parcial sem redução de texto parecem ser os mesmos.
pelos órgãos e entidades da Administração Federal”. Apenas parecem, no entanto.

160 Revista de Informação Legislativa


“[...] a pronúncia da inconstituciona- há que se falar, por sua vez, em conserva-
lidade de uma lei, ainda que não re- ção de normas quando não esteja em jogo
presente em indevida intervenção de interpretação inconstitucional.
um Poder sobre o outro, traz consigo As razões de segurança jurídica também
a aptidão para instalar um tensiona- já perderam um pouco de sua utilidade.
mento entre Judiciário e Legislativo, Sendo possível ao Supremo Tribunal Fe-
já que o primeiro estará interferindo deral, nos termos do art. 27 da Lei no 9.868,
sobre a atividade primordial do se- de 10 de novembro de 1999, “restringir os
gundo. A questão se agrava com a efeitos [da] declaração [de inconstituciona-
constatação de que os representantes lidade] ou decidir que ela só tenha eficácia
do Legislativo são democraticamente a partir de seu trânsito em julgado ou de
legitimados pelo voto, o que não outro momento que venha a ser fixado”,
ocorre com o Judiciário.” desnecessário salvar uma lei inconstitu-
Pois bem, uma decisão interpretativa, cional, mediante uma forçada decisão
em lugar de uma declaração de inconsti- interpretativa, apenas para evitar o vazio
tucionalidade, constitui uma intervenção normativo ou o indesejado desfazimento
menor do Poder Judiciário no trabalho do de atos e situações consolidados. Por fim,
Poder Legislativo. A interpretação confor- a interpretação das leis em conformidade
me à Constituição funcionaria, portanto, com a Constituição é uma verdadeira faca
como uma forma de suavizar a tensão entre de dois gumes no que concerne ao princípio
Poderes.11 da harmonia entre os Poderes. Ao mesmo
Esses fundamentos, embora deem tempo em que, se bem utilizada, arrefece a
resposta satisfatória à maioria dos casos tensão entre os Poderes Judiciário e Legis-
de interpretação conforme à Constituição, lativo, pode acirrar ainda mais o embate
deixam algumas situações a descoberto. A institucional, caso não se atenha a seus
presunção de constitucionalidade das leis, limites.
por exemplo, não lastreia a interpretação
conforme à Constituição das leis pré-cons-
3. Limites da interpretação
titucionais, já que não se pode presumir
que o legislador quis respeitar um texto conforme à Constituição
inexistente à época da edição da lei.12 Não Os limites da interpretação conforme à
Constituição não diferem, substancialmen-
11
Segundo Cláudio de Oliveira Santos Colnago te, daqueles com que se defronta a interpre-
(2007, p. 132), “[...] as decisões interpretativas justifi-
cam-se em razão da necessidade de harmonia entre os tação jurídica em geral. A grande questão
Poderes e busca pela estabilidade necessária ao Estado continua sendo a de precisar os espaços
de Direito [...].” Diz ele que, “[...] para a obtenção de de atuação do legislador e do intérprete.
tais resultados, porém, torna-se imprescindível partir Até que ponto o intérprete pode avançar
de uma posição de autocontenção judicial para um
estágio final em que se aplicam altas doses de ativis- em sua construção hermenêutica sem se
mo na interpretação dos enunciados legais perante transformar em legislador?
a Constituição, razão pela qual a discricionariedade Como já se destacou acima, toda lei de-
do Supremo Tribunal Federal também surge como manda interpretação, não se confundindo o
fundamento para a utilização das decisões interpre-
tativas.” Não parece adequado o manejo da decisão texto com a norma. Conforme já se assentou
interpretativa como instrumento de desenfreado linhas atrás, o intérprete participa criativa-
ativismo judicial. Como se verá no tópico seguinte, a
interpretação conforme à Constituição está adstrita a em inconstitucionalidade superveniente, exatamente
limites que não se devem ultrapassar. porque não se pode exigir do legislador fidelidade
12
Perceba-se, a propósito, que o descompasso a um texto constitucional futuro. Nesse sentido é a
entre lei anterior e Constituição posterior se resolve na jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal
mera revogação daquela por esta. Não há que se falar (ADI 2, Rel. Min. Moreira Alves).

Brasília a. 46 n. 184 out./dez. 2009 161


mente do processo de aplicação do Direito. suem um significado a priori, incorporado
Isso não faz dele (intérprete), no entanto, pelo uso comum e técnico da linguagem.
um legislador. Há duas importantes balizas Daí se dizer que a letra da lei é um ponto
a serem conjugadamente observadas: a) o de partida.
texto da lei; b) a vontade do legislador. A Não é, entretanto, necessariamente, um
Corte Constitucional alemã, em decisão ponto de chegada. Isso porque ao programa
de 11 de junho de 1958, já identificava normativo se incorporam elementos em-
como limites evidentes da interpretação píricos (pré-compreensões do intérprete,
conforme à Constituição o sentido claro do contextos jurídico, social, cultural e eco-
texto e o fim contemplado pelo legislador nômico) que moldam a melhor aplicação
(BONAVIDES, 2007, p. 522). do Direito ao caso concreto. Ao final desse
processo, tem-se não mais um significado
3.1. A letra da lei como duplo limite à a priori da lei, mas a(s) própria(s) norma(s)
interpretação conforme jurídica(s). Acontece que a incidência do
É comum se afirmar que a interpretação âmbito normativo não pode quebrantar a
das leis em conformidade com a Constitui- conexão da(s) norma(s) com o texto. Daí se
ção somente tem lugar quando o texto legal dizer que a letra da lei funciona como baliza
é polissêmico, plurissignificativo. Também interpretativa.
se diz com frequência que não é dado ao Em suma, o texto delimita positivamen-
intérprete ignorar o texto, atribuindo-lhe te o espaço de movimentação do intérprete
um significado arbitrário e operando mala- e atua, negativamente, para impedir que
barismo com as palavras. Segundo Gilmar se chegue a uma norma sem a mínima
Ferreira Mendes (1993, p. 9-39), a expressão recondutibilidade nele (no texto). Ensina
literal assume dupla função: sua pluris- José Joaquim Gomes Canotilho (2003, p.
significatividade permite que se proceda 1220) que
à interpretação conforme à Constituição, “O programa normativo tem uma
mas, ao mesmo tempo, constitui um limite à função de filtro relativamente ao domí-
atividade do intérprete. Como explicar esse nio normativo, sob um duplo ponto
aparente paradoxo, segundo o qual o texto de vista: (a) como limite negativo;
cuja imprecisão dá ensejo à interpretação (b) como determinante positiva do
conforme à Constituição limita essa mesma domínio normativo. Esta função de
interpretação? filtro do programa normativo signi-
A resposta está em que o texto é, con- fica ser ele que separa os factos com
comitantemente, ponto de partida e baliza efeitos normativos dos factos que,
do processo interpretativo. Como afirma por extravazarem desse programa,
Marcelo Neves (2001, p. 360), ao comentar não pertencem ao sector ou domínio
a teoria jurídica estruturante de Friedrich normativo (função positiva do pro-
Müller, a norma resulta da implicação recí- grama normativo). Além disso, como
proca de dados primariamente linguísticos o programa normativo é obtido prin-
(programa normativo) e de dados da rea- cipalmente a partir da interpretação
lidade (âmbito normativo). Pois bem, toda dos dados linguísticos, deduz-se o
interpretação jurídica começa pela análise efeito de limite negativo do texto da nor-
dos dados linguísticos.13 Dados que já pos- ma (TN): prevalência dos elementos
de concretização referidos ao texto
13
Assim dispõe José Joaquim Gomes Canotilho
(2003, p. 1215): “[...] independentemente do sentido ciados linguísticos do texto constitucional.” Também
que se der ao elemento literal (=gramatical, filológico), Jorge Miranda (2002, p. 650-651) afirma que “[...] só
o processo concretizador da norma da constituição através dela, a partir da letra, mas sem parar na letra,
começa com a atribuição de um significado aos enun- se encontra a norma ou o sentido da norma. [...].”

162 Revista de Informação Legislativa


(gramaticais, sistemáticos) no caso o que também sufragou o Supremo Tribu-
de conflito dos vários elementos de nal Federal na ADI 1.344-MC, ao assentar,
interpretação. Consequentemente, o no caso, a “impossibilidade [...] de se dar
espaço de interpretação, ou melhor, interpretação conforme à Constituição,
o âmbito de liberdade de interpretação do pois essa técnica só é utilizável quando
aplicador-concretizador das normas a norma impugnada admite, dentre as
constitucionais, tem também o texto várias interpretações possíveis, uma que
da norma como limite: só os progra- a compatibilize com a Carta Magna, e não
mas normativos que se consideram quando o sentido da norma é unívoco [...].”
compatíveis com o texto da norma (BRASIL, 1996)
constitucional podem ser admitidos Por fim, não cabe ao intérprete forçar
como resultados constitucionalmente uma polissemia que não tenha referência,
aceitáveis derivados de interpretação pelo menos mediata, no texto da lei (princí-
do texto da norma. [...].” pio da exclusão da interpretação conforme
A interpretação conforme à Constitui- à Constituição contra legem) (CANOTILHO,
ção sofre, portanto, essa dupla limitação. 2003, p. 1227). É como ensina Konrad Hesse
Quando o significado preliminar dos sig- (1992, p. 49): “[...] Para una interpretación
nos linguísticos não for dúbio, nem surgir constitucional que parte de la primacía del
essa dubiedade com a consideração dos texto constituye este último el límite infran-
elementos empíricos,14 inviável o manejo queable de su actuación. Las posibilidades
da interpretação conforme à Constituição. de comprensión del texto delimitam el
Nas lições de Canotilho (2003, p. 1227), “[...] campo de sus posibilidades tópicas. [...].”
a interpretação conforme a constituição Tão equivocado quanto conferir à lei (e
só é legítima quando existe um espaço de ao legislador) uma aura de sacralidade é
decisão (=espaço de interpretação) aberto a defender a figura do juiz soberano.
várias propostas interpretativas [...].”15 Foi
3.2. A vontade do legislador
14
A polissemia que dá ensejo à interpretação da
lei em conformidade com a Constituição pode resultar
O outro limite da interpretação confor-
da própria generalidade ou equivocidade dos signos me à Constituição é a vontade do legislador.
linguísticos (princípios e conceitos jurídicos indeter- Não basta que a letra da lei permita várias
minados, por exemplo). Um texto aparentemente interpretações. É mister que não se deturpe
claro, conciso e coerente, no entanto, também pode
ensejar dúvida, quando confrontado com os dados a finalidade claramente reconhecível da
da realidade. Um texto unívoco hoje pode não sê-lo norma. No dizer de Canotilho (2003, p.
amanhã. Exemplo disso se encontra na Arguição de 1227),
Descumprimento de Preceito Fundamental 54, em que “[...] a interpretação das leis em
o Supremo Tribunal Federal discute se as descrições
típicas dos arts. 124 e 126 do Código Penal abrangem a conformidade com a constituição
interrupção da gravidez de feto anencefálico. A leitura deve afastar-se quando, em lugar do
desses dispositivos legais, na década de 40 do século resultado querido pelo legislador, se
passado (quando, inclusive, era impossível detectar
essa anomalia fetal), certamente não daria ensejo à in-
obtém uma regulação nova e distinta,
terpretação conforme à Constituição. Hoje, porém, sob em contradição com o sentido literal
o influxo de uma sociedade moderna, num contexto ou sentido objectivo claramente re-
jurídico em que se privilegia o princípio da dignidade cognoscível da lei ou em manifesta
da pessoa humana e os direitos fundamentais (entre
eles a liberdade e saúde da gestante), esse mesmo dessintonia com os objectivos pre-
texto gera controvérsia. O Ministro Carlos Ayres tendidos pelo legislador.”
Britto, por exemplo, vislumbrou três possibilidades
hermenêuticas. e outras [estão] em desconformidade com ela [...].”
15
O autor complementa este excerto dizendo que, Sucede que, embora não seja a hipótese mais comum,
das propostas interpretativas, umas estão “em confor- a interpretação conforme à Constituição pode envolver
midade com a constituição e [...] devem ser preferidas, apenas interpretações constitucionais.

Brasília a. 46 n. 184 out./dez. 2009 163


3.2.1. Voluntas legis x exatamente porque o objetivo da lei era
Voluntas legislatoris claramente contrário à interpretação que
Quando se fala em vontade do legisla- se lhe pretendia conferir. Casos houve, no
dor como limite à interpretação conforme entanto, – e é, aparentemente, uma ten-
à Constituição, quer-se referir à vontade dência atual do Supremo Tribunal Federal
subjetiva daqueles que participaram do – em que se deixou essa vontade de lado,
processo legislativo ou à vontade objetiva partindo-se para decisões que espelham um
plasmada na lei? questionável ativismo judicial (ADI 2.652,
Essa questão remonta à disputa entre Rel. Min. Maurício Corrêa; ADI 2.209, Rel.
subjetivistas e objetivistas na teoria da Min. Maurício Corrêa; ADI 2.596, Rel. Min.
interpretação. Conforme sintetiza Paulo Sepúlveda Pertence, entre outros).
Bonavides (2007, p. 452), para a corrente O que importa, então: a voluntas legis
subjetivista, “[...] a nota interpretativa (teoria objetivista) ou a voluntas legislatoris
dominante se voltava sempre para o le- (teoria subjetivista)? Quando se cogita da
gislador de preferência à lei. Tratava-se de vontade do legislador como limite à inter-
um agudo esforço por determinar a mens pretação conforme à Constituição, parece
legis, entendida como a vontade oculta do mais correto se tratar da vontade subjetiva.
autor da proposição normativa, vontade Não se está a dizer (como pregava a Escola
que ao intérprete incumbiria revelar com francesa da Exegese) que o sentido e o al-
fidelidade [...].” Por outro lado, cance da norma jurídica se revelam, única e
“A tese básica da corrente objetivista exclusivamente, pela vontade subjetiva do
gira, no dizer de Karl Engisch, ao re- legislador, nem que a tarefa principal seja
dor da lei, do texto, ‘da palavra que se essa. Explique-se:
fez vontade’. A lei que se desprende Não há dúvida de que a lei, uma vez
do legislador não só se formula como editada, (a) adquire autonomia, (b) pode
adquire autonomia para seguir com regular situações nunca imaginadas pelo
seu conteúdo um curso autônomo, legislador, (c) adapta-se às transformações
amoldando-se, na totalidade e uni- da realidade e (d) sofre a influência das
dade do sistema jurídico, àquelas concepções do intérprete. Afinal de contas,
exigências impostas segundo as a aplicação do Direito se dá no presente.
circunstâncias e as necessidades do Ocorre que a pesquisa da vontade objetiva
processo de evolução do direito.” da lei, exatamente por girar em torno do
(BONAVIDES, 2007, p. 454) texto, “da palavra que se fez vontade”,
O Tribunal Constitucional alemão, insere-se quando da análise do programa
segundo Konrad Hesse (1992), adota a te- e âmbito normativos (conceitos já referidos
oria objetiva da interpretação. Para aquela no item anterior). É dizer: o reconhecimento
Corte, o que importa é a vontade objetiva da letra da lei como limite à interpretação
do legislador manifestada por meio do pre- conforme à Constituição já contempla a
ceito legal, tal como se deduz do texto e do corrente objetivista da interpretação.
contexto. No Brasil, o Supremo Tribunal Fe- Por isso que, quando se fala em von-
deral historicamente privilegiou a vontade tade do legislador como outro limite à
subjetiva do legislador. Na Representação interpretação da lei em conformidade com
1.417, julgada em 09 de dezembro de 1987, a Constituição, deve-se entender a vonta-
isso fica bastante claro com as reiteradas de subjetiva. A questão é a de saber se se
remissões aos pronunciamentos dos parla- respeitará o querer subjetivo do legislador,
mentares no processo legislativo. Na ADI quando se possa claramente identificá-lo.
3.046, de 15 de abril de 2004, afastou-se Helmut Michel (apud BONAVIDES, 2007,
a interpretação conforme à Constituição p. 521) bem captou essa problemática:

164 Revista de Informação Legislativa


“Os partidários da teoria subjetiva ao juiz modificar a lei, mesmo editada sob
entram em conflito com o manda- um regime anterior.
mento da interpretação conforme a Rui Medeiros (1999, p. 312) reconhece
Constituição na medida em que de- a indispensável vinculação do intérprete
vem decidir se a despeito – segundo às intenções legais e às opções do Poder
sua concepção – da necessidade de Legislativo, ao dizer que
acatar-se a vontade do legislador se “[...] O apelo à Constituição em sede
permita uma correção do resultado de interpretação em sentido estrito
da interpretação, quando essa vontade não pode, neste sentido, contrariar a
for anticonstitucional. Os partidários letra e a intenção claramente reconhe-
da teoria objetiva, ao contrário, não cível do legislador ou, numa versão
devem ter dúvidas, se eles, apesar da mais restritiva, a intenção que está
– segundo sua concepção – omissibili- subjacente à tendência geral da lei
dade da vontade do legislador, admi- ou às opções fundamentais nela con-
tem (ainda) a interpretação conforme a sagradas.”
Constituição, quando a vontade iden- E não se argumente, como o fazem
tificável das pessoas que participaram Carlos Maximiliano (2002, p. 21-23), Edu-
no processo legislativo exigiria uma ardo Fernando Appio (2002, p. 30) e André
interpretação contra a Constituição. Gustavo Corrêa de Andrade (2003, p. 110),
Em qualquer das hipóteses, trata-se que a vontade subjetiva do legislador é de
de determinar se mediante a inter- difícil precisão. Não se nega que o seja.16
pretação conforme a Constituição, No entanto, quando essa vontade for cla-
em virtude da especial problemática ramente perceptível, não pode o juiz dar à
jurídico-constitucional, a vontade do lei interpretação conforme à Constituição
legislador excepcionalmente (teoria para sufragar um sentido contrário, sob
subjetiva) ou com maior razão (teoria pena de se transformar em legislador. A
objetiva) pode ser negada. [...].” interpretação conforme à Constituição
O aplicador do Direito deve ler o texto, somente se coloca quando, após a análise
incluí-lo num contexto jurídico e social, da letra da lei e da vontade do legislador,
buscar sua finalidade e razão de ser atu- a dúvida hermenêutica permanece.
ais (vontade objetiva). Sucede que, não Quando não for possível, contudo, fi-
raramente, esse processo conduz a mais xar, com alto grau de precisão, a intenção
de uma possibilidade hermenêutica. Pois do legislador, não fica o juiz impedido de
bem, nesse caso, a investigação do processo utilizar a interpretação conforme à Consti-
legislativo, dos motivos da lei, dos debates tuição (foi o que se deu, por exemplo, no
parlamentares, das publicações oficiais, julgamento da ADI 1.946 pelo Supremo
enfim, da occasio legis, será de grande im- Tribunal Federal). Assim afirma Cláudio de
portância. Em se identificando o propósito Oliveira Santos Colnago (2007, p. 143):
de quem elaborou a lei, inviável se tornará “[...] Se, por um lado, deve-se presu-
a interpretação em sentido contrário, ain- mir que o legislador não quis criar
da que a título de conformar a lei com a uma lei inconstitucional, por outro
Constituição (neste caso, restará ao juiz lado esta presunção é relativa e deve
a declaração de inconstitucionalidade da ser possível infirmá-la, desde que a
norma). Mesmo às leis pré-constitucionais análise do processo legislativo permita
se aplica esse raciocínio. É certo que, quanto inferir de forma segura que o legislador
mais o tempo passa, mais peso se atribui
aos elementos objetivos. Também verda- 16
Até porque também a vontade objetiva não é
deira, porém, é a assertiva de que não cabe de fácil apreensão.

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quis de fato produzir uma norma que como reconhece ao legislador uma
seria incompatível com a Constituição. posição de hegemonia no ato da con-
De fato, em situações como tal, o cretização constitucional, o que está
Judiciário não tem motivos para de todo acorde com o princípio demo-
se autoconter, pois o legislador crático encarnado no legislativo.”
trai a confiança a ele conferida ao Num Estado Democrático de Direito,
manifestar uma vontade de ferir a em que “todo o poder emana do povo”
Constituição. Inexistindo dúvidas (parágrafo único do art. 1o da Constituição
acerca disso, deve-se pronunciar a brasileira de 1988), é natural que a tarefa
inconstitucionalidade da lei, já que de concretização da Carta Magna incum-
adaptá-la para que se apresente em ba, preferencialmente, ao Poder que mais
conformidade com a Constituição reflete a diversidade cultural, econômica
importaria em criar uma norma não e ideológica do povo. Em razão dessa
desejada pelo Poder Legislativo e, primazia do Poder Legislativo, impõe-se
como tal, usurpar função essencial enxergar os limites da interpretação con-
daquele Poder. forme à Constituição (letra da lei e vontade
Por outro lado, esta limitação só tem do legislador) como um freio a eventuais
sentido quando seja possível chegar a abusos dos Poderes Executivo e Judiciá-
uma conclusão uniforme e segura da rio. Toda vez que se desrespeitarem esses
interpretação do processo legislativo. limites, em xeque se colocará o princípio da
Caso, todavia, a interpretação dos fatos separação dos Poderes, cláusula pétrea do
ocorridos quando da formação da lei sistema constitucional brasileiro (inciso III
permita conclusões díspares acerca da do § 4o do art. 60 da CF).
real vontade do legislador, não se deve Questão delicada, no entanto, é a de
obstaculizar a decisão interpretativa, vis- saber se cabível a interpretação conforme
to que neste caso não haverá, em último à Constituição quando o texto da lei e a
caso, violação do dogma da Separação de vontade do legislador apontarem em senti-
Poderes.” (grifo nosso) dos diversos. Se, por exemplo, o legislador
quis, claramente, regular dada matéria de
3.3. Decisões corretivas e modificativas uma forma e o texto, por um erro material,
Como já se disse, os limites da inter- não reflete essa vontade, cabe ao intérprete
pretação conforme à Constituição visam proceder à correção?
precisar os espaços de atuação do legislador A resposta é de ser positiva. Como dito
e do intérprete. E, como é facilmente per- acima, os limites da interpretação conforme
ceptível, resolvem a questão em benefício à Constituição devem atuar conjugadamen-
do primeiro. Isso porque há uma prefe- te. Quando houver discrepância entre a
rência do Poder Legislativo como órgão vontade do legislador e a expressão verbal
concretizador da Constituição. Segundo da lei, “[...] tem de aceitar-se como possível
Paulo Bonavides (2007, p. 523), investigá-la a partir de outras fontes que
“[...] na medida em que o método [da não a expressão verbal da própria norma,
interpretação conforme à Constitui- na medida em que possa presumir-se que
ção] confessadamente se emprega esta não corresponde à vontade de quem es-
para manter a lei com o máximo de tabeleceu a norma” (KELSEN, 2006, p. 389).
constitucionalidade que for possível É o que se dá, sem maiores contestações,
nela vislumbrar, em face de situações na interpretação dos negócios jurídicos,
ou interpretações ambíguas, não resta afirmando o art. 112 do Código Civil que
dúvida de que ele não só preserva o “nas declarações de vontade se atenderá
princípio da separação de poderes mais à intenção nelas consubstanciada do

166 Revista de Informação Legislativa


que ao sentido literal da linguagem.” Na A correcção da lei significa apenas cor-
interpretação da lei em conformidade com a recção da letra da lei, não podendo ser
Constituição, ocorre o mesmo: se for possí- realizada quando os sentidos literais
vel identificar com clareza a vontade do le- correspondem à intenção do legislador
gislador, atender-se-á mais a essa intenção ou quando o resultado que se pretende
do que ao sentido literal da linguagem. alcançar não se harmonize com a teleo-
Rui Medeiros (1999, p. 305) aceita a logia imanente à lei. Para além disso,
interpretação corretiva da lei, desde que por mais desejável que se apresente
atendidos pressupostos especiais. Segundo uma alteração do sistema normativo,
ele, essa alteração pertence às fontes de
“[...] Os sentidos literais possíveis direito, não ao intérprete (...). Razões
não constituem, de per si, limites à extremamente ponderosas de segu-
interpretação lato sensu correctiva rança e de defesa contra o arbítrio
da lei, porque, nesta sede, à letra se alicerçam esta conclusão. Isto já para
pode preferir o sentido que a letra não falar do princípio da separação
traiu. A concepção hoje largamente de poderes. A interpretação correc-
dominante considera, na realidade, tiva da lei em conformidade com a
que importa mais o fim e a razão de Constituição não se traduz, portanto,
ser do preceito do que o respectivo numa revisão da lei em conformidade
sentido literal. A interpretação teleo- com a Lei Fundamental.”
lógica tem, neste contexto, um lugar Sendo assim, em hipótese alguma se
de destaque. Assim, e no que toca deve tolerar uma decisão judicial ou in-
concretamente à relação entre a inter- terpretação empreendida pelo Poder Exe-
pretação teleológica e a gramatical, é cutivo que, a título de interpretar a lei em
geralmente aceite que o sentido e o conformidade com a Constituição, modifi-
escopo da lei devem prevalecer sobre que seu sentido e alcance, em detrimento
o seu teor. [...].” da vontade democraticamente retratada
Isso não quer dizer que a interpretação no ato legislativo. Não por outro motivo é
das leis em conformidade com a Consti- que a decisão modificativa é amplamente
tuição pode contrariar o sentido inequí- rejeitada pela doutrina nacional e estrangei-
voco que se extrai da fórmula normativa ra. Nesse sentido, ensina Canotilho (2003,
objetivada no texto, ainda que o elemento p. 1311):
teleológico torne mais fluido esse limite “[...] Se os órgãos aplicadores do direi-
(MEDEIROS, 1999, p. 312). Muito menos to, sobretudo os tribunais, chegarem
significa que se admite uma interpretação à conclusão, por via interpretativa, de
modificativa da vontade do legislador. que uma lei contraria a constituição,
Ainda Rui Medeiros (1999, p. 316-317): a sua atitude correcta só poderá ser a
“A interpretação correctiva conforme de desencadear os mecanismos cons-
à Constituição, no sentido restritivo titucionais tendentes à apreciação da
aqui admitido, deve assentar na inconstitucionalidade da lei. Daqui se
valoração de elementos que o texto, conclui também que a interpretação
mesmo que defeituosamente, refere conforme a constituição só permite a
e, sobretudo, não pode ser contrária escolha entre dois ou mais sentidos
à posição tomada pelo legislador, ao possíveis da lei mas nunca uma revi-
seu querer e ao escopo que persegue são do seu conteúdo. [...].”
(quebrando apenas os limites do seu Konrad Hesse (1992, p. 52-53), ao tratar
sentido literal). [...] da primazia do legislador como órgão con-
[...] cretizador da Constituição, afirma:

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“[...] Al tribunal constitucional le norma objeto de análise (decisão modifica-
está vedado discutir esta primacía tiva), aceitando, no máximo, uma correção
al legislador, pues ello acarrearia de flagrante erro no texto da lei (decisão
um desplazamiento de las funciones corretiva). Flagrante porque em confronto
constitucionalmente encomendadas. com a evidente intenção do legislador.
[...] primacía que puede resultar
anulada cuando el precio es excesi-
4. Conclusão
vamente alto, cuando el contenido
que, a través de la interpretación A interpretação das leis e da Constitui-
conforme, el tribunal da a la ley con- ção é, sem dúvida, tarefa das mais comple-
tiene no ya um minus sino um aliud xas. Se é certo estar ultrapassado o enten-
frente al contenido original de la ley. dimento de que in claris non fit interpretatio,
Em este caso, el tribunal interfiere las não menos verdadeira é a necessidade de
competencias del legislador com más aplicar o Direito com o máximo possível de
intensidad incluso que em el supues- rigor científico, ainda que a hermenêutica
to de una declaración de nulidad, e seus métodos de interpretação jurídica
puesto que es él mismo quien con- não forneçam racionalidade absoluta. A
forma positivamente, mientras que propósito, é conveniente relembrar que
em el caso de declaración de nulidad o antiquado pensamento de que o juiz é
la nueva conformación sigue siendo apenas a boca da lei nasceu, no passado,
asunto del legislador. [...].” como resposta à exacerbação do volunta-
Também Paulo Bonavides (2007, p. 519), rismo dos intérpretes (MAXIMILIANO,
ao discorrer sobre a interpretação confor- 2002, p. 27-28).
me à Constituição, adverte que “urge [...] Não se pode perder de vista que é o Po-
que o intérprete na adoção desse método der Legislativo o órgão detentor da prima-
não vá tão longe que chegue a ‘falsear ou zia em concretizar a Constituição. E, num
perder de vista num ponto essencial o fim Estado Democrático de Direito, é natural
contemplado pelo legislador’”. Da mesma que essa tarefa incumba, preferencialmen-
forma, Gilmar Ferreira Mendes (1993, p. te, ao Poder que mais reflete a diversidade
26) rechaça a decisão modificativa da lei, cultural, econômica e ideológica do povo.
ao dizer que Este estudo pretendeu resgatar um pouco
“o princípio da interpretação confor- essa ideia, sem menoscabar, porém, a deci-
me à Constituição não contém [...] siva contribuição dos agentes dos Poderes
uma delegação ao Tribunal para que Executivo e Judiciário na interpretação
proceda à melhoria ou ao aperfeiço- das leis.
amento da lei. Qualquer alteração do Por isso o realce que se deu aos limites
conteúdo da lei mediante pretensa da interpretação conforme à Constituição.
interpretação conforme à Constitui- O respeito à letra da lei e à vontade do
ção significa uma intervenção mais legislador é essencial para que o manejo
drástica na esfera de competência da interpretação conforme à Constituição
do legislador do que a pronúncia de não implique violação ao princípio consti-
nulidade, uma vez que esta assegura tucional da separação dos Poderes. Limites,
ao ente legiferante a possibilidade de no entanto, que não colocam a letra da lei
imprimir uma nova conformação à como ponto, ao mesmo tempo, de partida
matéria.” e de chegada da atividade interpretativa,
A interpretação conforme à Constitui- nem transformam a descoberta da vontade
ção, portanto, como toda interpretação jurí- do legislador em única – ou na mais impor-
dica, não admite um resultado que altere a tante – tarefa do aplicador do Direito. O

168 Revista de Informação Legislativa


que se preconiza é que a interpretação das ______. O novo direito constitucional e a constitu-
leis em conformidade com a Constituição cionalização do direito. In: Diálogos constitucionais:
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não abandone a atitude de deferência ao periféricos. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.
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quando possível identificá-la.
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da doutrina brasileira majoritária, que a da constituição. 7 ed. Coimbra: Almedina, 2003.
reputa uma técnica de decisão no controle
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necessidade (mais do que possibilidade) de interpretação conforme à constituição no estado demo-
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