DE ALTHUSSER À BOURDIEU: Convergências e contradições nas
materialidades ideológicas
Um levantamento de ideias começa com Niccolò Machiavelli (1469-1527), no
qual se encontram as origens da ciência política, uma disciplina separada da moral e da religião. Maquiavel cria uma teoria correta de como funciona o Estado moderno, que para ele não tem mais a função de garantir a felicidade e a virtude, como em Aristóteles. O estado moderno é baseado no terror. O soberano deve preferir ser temido a ser amado e, para manter um Estado forte e unificado, é necessário levar em conta a natureza do homem e da realidade. Não se trata de fazer o que é certo, mas do que é necessário para atingir esses objetivos. Maquiavel cria uma moral imanente, pé no chão, baseada nas relações humanas que são mais capazes de ofender aqueles que se obrigam a amar do que aqueles que eles temem. Para compreender a realidade contemporânea, Engels busca respostas para suas questões no estudo da origem do Estado. No entanto, este estudo necessário começa com uma análise da forma desenvolvida do estado capitalista moderno. Lidando com essa tarefa, Engels escreveu A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado em 1894, com base nas notas de Marx sobre o estudo etnológico de Henry Morgan sobre a tribo indígena iroquesa na América do Norte. Engels defende a ideia de que a família e a sociedade se formam paralelamente, pois esta última organiza as relações entre as pessoas para garantir sua existência, principalmente satisfazendo suas necessidades econômicas. Representante da sociedade originária, a tribo não conhecia a propriedade privada, porém, com o advento da pecuária, cuja posse era realizada através da caça, surge esse conceito. A descendência paterna ecoa o matriarcado, com a subordinação de mulheres, filhos e escravos ao "pai de família". A consequência do desenvolvimento dessa economia foi a formação de classes dentro das próprias famílias. O perfil econômico diversificado dos indivíduos culminou no colapso da ordem tribal e no oportuno surgimento do Estado, que regulava e regulava as relações sociais. É compreensível, portanto, que o Estado nasça dessa divisão em classes, que, como mostra a história, travarão uma luta simbólica em defesa de seus ideais e interesses. O raciocínio sugerido é que aqueles que controlam os meios de produção mais importantes devem assegurar o poder para si mesmos institucionalizando seu próprio domínio, ou seja, o domínio econômico, por meio da dominação política, utilizando todo o seu aparato repressivo. O Estado, antigo, feudal ou moderno, torna-se um instrumento de subjugação e exploração das classes economicamente mais fracas. O Estado é a expressão da dominação de classe, mas é esse corpo exteriormente isolado que também se encarrega de manter o equilíbrio político e jurídico, ainda que contraditório e temporário. Na democracia burguesa, Marx atesta a igualdade formal dos indivíduos nos direitos de um cidadão. Em outras palavras, teoricamente, todos são iguais perante a lei. De fato, para Marx, a igualdade jurídica serve apenas para separar a vida econômica do indivíduo de sua figura jurídica abstrata. Consequentemente, a igualdade proclamada pela burguesia não passa de uma simples formalidade legal apresentada pelo cidadão. A leitura e interpretação de Marx por Lenin tiveram uma influência decisiva na direção da construção socialista na Rússia após a chegada dos bolcheviques ao poder, tanto que após a morte de Lenin, a expressão "marxismo-leninismo" tornou-se uma espécie de dogma oficial do antiga União Soviética, existiu entre 1922 e 1991. Sua influência foi dominante por décadas. 8
Durante a década de 1980, quando grandes mudanças sociais estavam ocorrendo
na União Soviética, Gorbachev "acreditava firmemente que a única maneira de progredir era o retorno aos 'princípios' de Lenin". A ideia da incorreção do próprio projeto leninista permaneceu alheia ao líder soviético até muito recentemente [...]”. (YUDT, 2008, pp. 598-599). A interpretação de Marx de Lenin e sua própria concepção do Estado e do socialismo determinaram o destino da União Soviética e, consequentemente, dos países satélites que permaneceram ligados a ela até o fim.