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ENTREVISTA AO JOTA

‘Fomentar cultura de proteção


de dados no país ainda é
desafio’, diz diretor da ANPD
Waldemar Gonçalves adianta próximas medidas da
entidade, fala sobre fiscalizações e vazamento de dados no
setor público

JULIANA CASTRO

28/01/2022 07:00
Atualizado em 28/01/2022 às 10:26 RIO DE JANEIRO

Waldemar Gonçalves, diretor-presidente da ANPD - Crédito: Agência


Senado

O Dia Internacional da Proteção de Dados é


comemorado nesta sexta-feira (28/1). No
Brasil, a Lei Geral de Proteção de Dados
(LGPD), entrou em vigor 18 de setembro de
2020 e sua regulamentação tem sido feita
pela Autoridade Nacional de Proteção de
Dados (ANPD). Mas ainda falta um longo
caminho no que se refere à questão, como
aponta o diretor-presidente da ANPD,
Waldemar Gonçalves.

“No caso da ANPD, outro desafio foi e


continua sendo a sua própria missão, que é
1/12
zelar pela proteção dos dados pessoais dos
titulares e fomentar uma cultura de proteção
de dados no país”, disse ele em entrevista ao
JOTA por email.

Gonçalves adianta os próximos passos da


ANPD.  Ainda essa semana, serão publicadas
a Resolução que aprova o Regulamento para
agentes de tratamento de pequeno porte e,
após vazamentos no setor público, como os
que ocorreram no Ministério da Saúde, será
lançado o Guia Orientativo sobre tratamento
de dados pessoais pelo Poder Público.

Sobre processos preparatórios de fiscalização,


o diretor-presidente informou que, ao longo de
2021, a ANPD instaurou 27 deles. Entre eles, o
de análise da mudança na Política de
Privacidade do WhatsApp.

Leia abaixo a íntegra da entrevista:

Quais foram os principais desafios da ANPD


nesse início de atuação?

Questões como necessidade de incremento


do seu quantitativo de pessoal e
2/12
disponibilidade de uma adequada
infraestrutura física, como local e
equipamentos de trabalho, foram algumas das
dificuldades enfrentadas inicialmente. No
caso da ANPD, outro desafio foi e continua
sendo a sua própria missão, que é zelar pela
proteção dos dados pessoais dos titulares e
fomentar uma cultura de proteção de dados
no país. Isso é ainda mais evidente quando se
verifica que as ameaças e lesões a direitos e
garantias aumento ao passo que a sociedade
em rede e os recursos digitais e tecnológicos
se desenvolvem.

Quais são os próximos passos e prioridades?

Para a efetiva atuação da ANPD em zelar pela


proteção de dados pessoais, é imprescindível
que a Autoridade se ampare com os meios
adequados para que possa exercer as suas
competências definidas pela LGPD, de modo a
garantir o ambiente regulatório e fiscalizatório
relacionado à proteção de dados estável e
com segurança jurídica. Nesses termos, faz-
se imprescindível o seu fortalecimento
institucional, incluindo a transformação de sua
natureza jurídica, transitória pela própria letra
da Lei, bem como o incremento de sua
estrutura regimental.

+JOTA: 5 grandes vazamentos de dados no Brasil e


as consequências

+JOTA: LGPD: 77% das decisões que citam lei não


resultaram em condenação

Também é prioridade da ANPD continuar o


trabalho de proceder à regulamentação das
disposições necessárias contidas na LGPD.
Para isso, no ano de 2022 já teve início com a
continuidade das análises que levarão ao
cumprimento integral da Agenda Regulatória
da Autoridade. A ANPD também prioriza a 3/12
continuidade no estabelecimento de
cooperações nacionais e internacionais e, no
primeiro caso, há a previsão de celebração de
acordos de celebração técnica com outras
entidades para esse ano.

Em relação às interações internacionais, a


ANPD continuará com seu trabalho de
inserção do Brasil nas discussões regionais e
globais sobre proteção de dados pessoais e,
conforme já mencionado, há a previsão para a
publicação de uma resolução que
regulamenta o Capítulo da LGPD referente às
transferências internacionais de dados
pessoais.

A LGPD entrou em vigor há pouco mais de


um ano. Qual é o balanço do senhor da lei
até aqui?

Em 1 ano e 2 meses desde a sua criação, a


ANPD tem um balanço que pode ser
considerado bastante positivo. Podemos
elencar alguns elementos, como, por exemplo,
a contínua observância e atendimento dos
objetivos do nosso Planejamento Estratégico
para o biênio 2021-2023, com base nos seus
diversos indicadores; e o cumprimento integral
do cronograma da Agenda Regulatória, com
a publicação do Regimento Interno da
ANPD, do Planejamento Estratégico da ANPD;
e da Resolução que aprova o Regulamento
do Processo de Fiscalização e do Processo
Administrativo Sancionador no âmbito da
ANPD.

Além dessas normas, a ANPD já iniciou os


estudos, incluindo as análises de impacto
regulatório, para a elaboração da
regulamentação de outros temas, como é o
caso da regulamentação das transferências
internacionais de dados pessoais. Ainda essa
semana, serão publicadas, ainda, a Resolução
4/12
que aprova o Regulamento para agentes de
tratamento de pequeno porte e o Guia
Orientativo sobre tratamento de dados
pessoais pelo Poder Público.

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e desafios de
empresas na
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da LGPD. Baixe
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Sobre investigações da ANPD, quantas são e


em que fase estão?

Ao longo de 2021, a ANPD instaurou 27


processos preparatórios de fiscalização, com
fundamento nos artigos 40 a 42 da
Regulamento do Processo de Fiscalização e
do Processo Administrativo Sancionador da
ANPD. Desses, alguns seguem em
andamento. A maior parte dos processos se
encontra na fase conclusão da instrução ou
aguardando análise pela Coordenação-Geral
de Fiscalização.

Entre os processos que podem ser citados


sem prejuízo às investigações da fiscalização,
constam aqueles referentes à recente
divulgação dos Acordos de Cooperação
Técnica firmado pela Secretaria de Governo
5/12
Digital, do Ministério da Economia, com a
Associação Brasileira de Bancos (ABBC) e
com a Federação Brasileira de Bancos
(Febraban).

Igualmente, é possível citar os processos de


análise da mudança na Política de Privacidade
do WhatsApp e de avaliação da Portaria RFB
nº 81/2021 que aprova o sistema Compartilha
Receita Federal. Entre os processos não estão
considerados aqueles relativos a incidentes de
segurança. No que se refere aos incidentes de
segurança, as investigações de incidentes de
segurança da ANPD, por força de lei, tramitam
protegidas por segredo comercial e industrial.

O que a ANPD leva em consideração na hora


de investigar um incidente ou uma potencial
violação da lei?

As ações fiscalizatórias promovidas pela


Coordenação-Geral de Fiscalização devem
estar alinhadas ao Planejamento Estratégico
da ANPD. No curso de suas atividades
rotineiras de fiscalização, a ANPD recebe
insumos da sociedade. Elas se apresentam na
forma de denúncias, petições de titulares,
representações de autoridades ou entidades
públicas ou mesmo de órgãos de controle
externo. Da mesma forma, a ANPD monitora
veículos de comunicação na escuta por
informações que digam respeito a suas
competências.

Todas essas informações, os processos e


notícias são classificados pelo critério de
gravidade, urgência e tendência, sendo
tratados de forma prioritária os que mais
impactam à observância das disposições da
LGPD, principalmente os direitos dos titulares,
os princípios da proteção de dados e o
tratamento seguro dos dados pessoais.

6/12
As sanções a empresas que infrinjam a lei
podem ser retroativas?

Não. As condutas em desacordo com a LGPD


ocorridas antes de 1º de agosto de 2021 não
serão objeto de sancionamento, embora
possam ser objeto de atuação da ANPD
mediante o uso de outros instrumentos de
atuação fiscalizatória.

A partir da entrada em vigor da LGPD, as


obrigações e o dever de cumpri-las já
passaram a existir e serem exigíveis, de modo
que a ANPD já vinha atuando para cobrá-las
(mediante o uso de diversos instrumentos,
com exceção do processo sancionador). Na
sequência, a partir de 1º de agosto, o
sancionamento passou a ser mais um dos
instrumentos disponíveis para a ANPD, para
cobrança do cumprimento da Lei, de modo
que as empresas passaram a estar sujeitas à
possibilidade de serem sancionadas.

Como está a evolução da metodologia de


cálculo da multa?

O processo de confecção da metodologia está


em fase de consulta interna na ANPD, para
coleta de subsídios e aprimoramento. O
procedimento de regulamentação e suas
fases está previsto na Portaria nº 16, de 08
de julho de 2021.

Que regulamentações ainda estão faltando e


quando devem ocorrer?

A ANPD publicou sua Agenda Regulatória, por


meio da Portaria nº 11/2021, de 27 de janeiro
de 2021. Nesta portaria, é possível observar
que estão previstos para 2022 os itens
referentes ao Regulamento para pequenas e
médias e startups; Regulamento de Direitos
dos Titulares; Regulamento de Dosimetria
7/12
(cálculo de multa e aplicação de sanções);
Regulamento de Comunicação de Incidentes
de Segurança; Regulamento de Relatório de
Impacto à Proteção de Dados Pessoais;
Regulamento de Encarregado; Regulamento
para Transferência Internacional de Dados e o
Guia de Boas Práticas para Hipóteses Legais
de tratamento de dados pessoais.

No que se refere aos prazos, é intenção da


ANPD publicar os Regulamentos para
Pequenas e Médias Empresa e Startups e de
Dosimetria ainda em 2022. Quanto aos
demais, não é possível antecipar quando
serão publicados.

Tivemos recentemente um incidente de


vazamento de dados no Ministério da Saúde.
Como a ANPD vai tratar a questão de
segurança da informação em órgãos
públicos?

A segurança da informação é questão


fundamental e instrumental para que seja
possível atender ao fim maior da LGPD que é
garantir a proteção dos dados pessoais.
Nesse sentido, a ANPD vai cobrar de qualquer
controlador de dados pessoais a adoção de
medidas de segurança, técnicas e
administrativas aptas a proteger os dados
pessoais de acessos não autorizados e de
situações acidentais ou ilícitas de destruição,
perda, alteração, comunicação ou qualquer
forma de tratamento inadequado ou ilícito,
seja público, seja privado.

O TSE deixou, por exemplo, de informar a


lista de pessoas filiadas a partidos políticos.
Como equilibrar a transparência de
informações com a LGPD?

O equilíbrio entre as disposições da LGPD com


as regras de transparência relacionadas ao
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direito de acesso de informações poderá ser
alcançado a partir da análise abrangente do
caso concreto, envolvendo a avaliação
cautelosa dos princípios estabelecidos na Lei,
em especial os princípios da finalidade, da
adequação e da necessidade, sem deixar de
considerar, ainda, os riscos e os impactos para
os titulares dos dados pessoais bem como as
medidas mais adequadas para mitigar
possíveis danos decorrentes do seu
tratamento.

Vale mencionar, por fim, que os critérios a


serem observados para a publicização de
informações exigidas como decorrência de
uma obrigação legal, como as hipóteses
previstas na Lei de Acesso à Informação,
permanecem válidos e foram fortalecidos
pelas disposições da LGPD, norma que não
estabeleceu novas hipóteses legais de sigilo.
Assim, os parâmetros previstos na LGPD
podem complementar ou auxiliar na
interpretação e na aplicação das obrigações
legais de transparência.

Sobre o tema, a ANPD publicará nos próximos


dias o Guia Orientativo sobre Tratamento de
Dados Pessoais pelo Poder Público. Este guia
abordará de forma mais completa o tema,
expondo, ainda, exemplos concretos com a
finalidade de esclarecer dúvidas recorrentes
recebidas pelos canais de atendimento da
Autoridade.

Como tem sido o processo de diálogo com


os diversos stakeholders para que a lei seja
efetiva, ao mesmo tempo que estimula a
inovação e os negócios no país?

Outro ponto extremamente construtivo nesse


1 ano e 2 meses desde a criação da ANPD foi
seu desempenho nas interações e
cooperações, tanto nacionais, como no
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âmbito internacional. Foram celebrados, por
exemplo, 4 acordos de cooperação –
Senacon, CADE, NIC.br e TSE, todos com o
objetivo precípuo de promover a eficácia dos
direitos do titular previstos na LGPD.
Paralelamente, a ANPD inseriu-se no cenário
internacional, sendo reconhecida como
membro observador da Global Privacy
Assembly, e membro do Global Privacy
Enforcement Network e da Red Iberoamericana
de Protección de Datos. Nesse contexto, a
ANPD assinou seu primeiro Memorando de
Entendimento (MoU), com a Agência
Espanhola de Proteção de Dados – AEPD,
com a finalidade de promover a disseminação
do direito à proteção de dados pessoais;
garantir a cooperação conjunta em matéria de
proteção de dados pessoais e fornecer um
quadro para a troca de conhecimentos
técnicos e melhores práticas, a fim de
fortalecer as capacidades técnicas de ambas
as partes relacionadas à aplicação da lei sobre
a proteção de dados pessoais.

Que caminho a ANPD deve seguir na


regulamentação de transferências
internacionais de dados?

A ANPD entende ser necessário, no que tange


ao tratamento de dados pessoais e ao seu
fluxo transfronteiriço, assegurar que o
tratamento desses dados seja realizado com
observância às diretrizes da LGPD, ou seja,
respeitando o direito de privacidade, a
autodeterminação informativa, a
inviolabilidade da intimidade, da honra e da
imagem e, ao mesmo tempo, fomentando a
livre iniciativa e a livre concorrência, o
desenvolvimento econômico e tecnológico, ou
seja, sem impor barreiras injustificadas ao
fluxo desses dados.

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Tendo isso em mente, a regulamentação do
fluxo transfronteiriço de dados não tem por
finalidade oferecer entraves à circulação dos
dados; ao contrário, busca aumentar a
segurança jurídica dos agentes de tratamento,
bem como a transparência e a
autodeterminação informativa, tendo como
finalidade elevar o nível de ética e de
competitividade das nossas organizações,
além de promover o desenvolvimento
econômico, tecnológico e de inovação de
maneira segura

A ANPD tem promovido intercâmbio de


informações com diversas autoridades de
proteção de dados estrangeiras com vistas a
ter acesso às melhores práticas nessa
questão. O caminho a ser seguido, portanto, é
o de buscar uma regulamentação moderna,
simplificada e em consonância com as
melhores práticas já adotadas
internacionalmente.​​

JOTA PRO Poder: soluçõe…


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Conheça o JOTA PRO Poder

JULIANA CASTRO – Editora-assistente no Rio de


Janeiro. Responsável pela edição de reportagens
publicadas no JOTA Info. Foi repórter no jornal O Globo e
nas revistas Época e Veja. Email: juliana.castro@jota.info

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