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“ O Mostrengo”

O mostrengo que está no fim do mar


Na noite de breu ergueu-se a voar;
À roda da nau voou três vezes,
Voou três vezes a chiar,
E disse: "Quem é quem ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tectos negros do fim do mundo?"
E o homem do leme disse, tremendo:
"El-Rei D. João Segundo!"

 
"De quem são as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?"
Disse o mostrengo, e rodou três vezes,
Três vezes rodou imundo e grosso.
"Quem vem poder o que só eu posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?"
E o homem do leme tremeu, e disse:
"El-Rei D. João Segundo!"

 
Três vezes do leme as mãos ergueu,
Três vezes ao leme as reprendeu,
E disse no fim de tremer três vezes:
"Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um Povo que quer o mar que é teu;
E mais que o mostrengo, que me a alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo,
Manda a vontade, que me ata ao leme,
De El-Rei D. João Segundo!"

Contextualização histórica

O poema retrata o medo (o “mostrengo”) que os portugueses encontraram


durante a viagem à Índia. Medo este que se traduzia na passagem do “Cabo das
Tormentas” e como nunca ninguém o tinha ultrapassado originou-se um mito.
Este mito fazia referência há existência de um ser desconhecido, terrível,
temível, horrendo, perigoso… que impedia os barcos de dobrar o “Cabo das
Tormentas”. Apesar disto os portugueses tiveram de ultrapassar este medo,
para agradar a D. João II, porque D. João II não tolerava falhas.  

Título “O Mostrengo”

O Mostrengo representa o símbolo dos obstáculos, dos perigos e dos medos que
os portugueses tiveram que enfrentar para realizar o seu sonho: revoltado por
alguém usurpar os seus domínios, “O Mostrengo” é uma alegoria do medo, que
tenta impedir os portugueses de completarem o seu destino (“Quem é que
ousou entrar/Nas minhas cavernas que não desvendo,/Meus tectos negros do
fim do mundo?”)

Fernando pessoa escolheu este título, porque este título é referente ao medo do
desconhecido durante a passagem do “Cabo das Tormentas”.

Monstro + sufixo de valor pejorativo (mulherengo).

Significa portanto uma pessoa muito feia; desajeitada; inútil; um estafermo.

Conteúdo

O mostrengo que está no fim do mar


Na noite de breu ergueu-se a voar;

Além do horizonte situava-se o desconhecido, citação esta que provocava terror


nos navegadores portugueses.
E à medida que anoitecia a visão diminuía e o medo aumentava.
 
À roda da nau voou três vezes,
Voou três vezes a chiar,

Representa a tempestade que decorria durante a viagem e as dificuldades que


esta deriva na navegação da nau.
 
E disse: "Quem é quem ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tectos negros do fim do mundo?”

Faz referência a um local desconhecido nunca antes visto, daí ser impossível de
desvendá-lo.  
Indica a linha do horizonte, que antigamente se pensava que não havia mais
nada além desta
 
E o homem do leme disse, tremendo:

Tremendo com medo do desconhecido.


 
"El-Rei D. João Segundo!"

Funciona como refrão, e indica a vontade de agradar ao rei, mas também


funciona como “coro” representando uma vontade divina.
 
"De quem são as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?"

Desassossego do mostrengo ao ver as naus, aumenta o medo dos portugueses. 


 
Disse o mostrengo, e rodou três vezes,
Três vezes rodou imundo e grosso.

Descrição abstracta da “tempestade”.


 
"Quem vem poder o que só eu posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?”

O mostrengo está a dizer que é o único que pode “navegar” naqueles mares
desconhecidos.
 
E o homem do leme tremeu, e disse:

Medo menos intenso, por parte do homem do leme.


 
"El-Rei D. João Segundo!"

Funciona como refrão, e indica a vontade de agradar ao rei, mas também


funciona como “coro” representando uma vontade divina.
 
Três vezes do leme as mãos ergueu,
Três vezes ao leme as reprendeu,

Representa o medo sentido pelo homem do leme ao longo da viagem.


 
E disse no fim de tremer três vezes:

Mudança de atitude perante o medo.


 
"Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um Povo que quer o mar que é teu;

O homem do leme representa o povo português sendo ele apenas um condutor


da vontade de todos.
 
E mais que o mostrengo, que me a alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo,
Manda a vontade, que me ata ao leme,

Por muito medo que o homem do leme tenha sentido naquele que era
considerado fim do mundo, a vontade que ele tinha de agradar a D. João II era
tão grande que ele tinha de ser capaz de superar o seu medo.
 
De El-Rei D. João Segundo!"

Funciona como refrão, e indica a vontade de agradar ao rei, mas também


funciona como “coro” representando uma vontade divina.

Símbolos

O Mostrengo: Simboliza o desconhecido, as lendas do Mar, os obstáculos e os


medos dos navegadores portugueses.
O homem do leme: Alegoria do povo português; representa o patriotismo e a
vontade de Portugal em evoluir e alcançar um objectivo.

O leme: Símbolo de responsabilidade; significa autoridade suprema e a


prudência.

Estrutura Interna

Integra-se na segunda parte da Mensagem – Mar Português - onde o poeta


enaltece os marinheiros excelentes que ousaram enfrentar o mar desconhecido,
dominando o próprio medo, sublimando a Pátria-mãe pela realização de uma
epopeia de carácter universal.

A epígrafe nesta segunda parte é Possessio maris,  o que significa a posse dos
mares.

Estrutura Externa

. Três estrofes com nove versos cada uma (nonas)

. Alternância rimas ricas e rimas pobres

. Esquema rimático: AABAACDCD

. Irregularidade métrica

. Apresenta um refrão: "El-Rei D. João Segundo ! à Hexassilábico

. Ritmo crescente (cresce à medida que o homem do Leme “cresce” em


coragem.

Recursos Estilísticos

“Mas minhas cavernas que não desvendo,

Meus tectos negros do fim do mundo?”

Metáfora: Transposição do significado de uma palavra para outro campo


semântico em que inicialmente não se inseria

 
"De quem são as velas onde me roço?

De quem as quilhas que vejo e ouço?"

Anáfora: É a repetição no início de versos duma palavra ou grupos de palavras.

Coordenação
Subordinação

“ Adamastor”

“Pois vens ver os segredos escondidos

Da natureza e do húmido elemento,

A nenhum grande humano concedidos

De nobre ou de imortal merecimento,

Ouve os danos de mi que apercebidos

Estão a teu sobejo atrevimento,

Por todo o largo mar e pola terra


Que inda hás-de sojugar com dura guerra.”

 
“Sabe que quantas naus esta viagem

Que tu fazes, fizerem, de atrevidas,

Inimiga terão esta paragem,

Com ventos e tormentas desmedidas;

E da primeira armada que passagem

Fizer por estas ondas insofridas,

Eu farei de improviso tal castigo

Que seja mor o dano que o perigo!”

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