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Sempre que posso abro o coração e procuro pôr ordem na bagunça das emoções. Mudei-me
para uma aldeia distante onde a noite clara sofre a atuação de correntes brilhantes, exigindo
cautela. Ao visitar ou decidir morar numa tribo de ciganos é preciso usar o movimento das
estrelas em seu favor pra não comprometer ou obrigar o retorno pra casa. Os sacos de dormir
estão sempre cheios de objetos, seja ouro, prata, incenso, tecidos ou cigarros, simplesmente.
Nada de valor, pois sob a luz da lua e debaixo das tendas tudo é relativo. Cheguei em silêncio,
com a cordialidade de quem aporta em território estrangeiro mesmo conhecendo os truques
possíveis com retalhos e ervas espalhados à disposição pelo jardim, misturados aos
brinquedos, instrumentos e cascas de frutas secas pelo calor comum de um início de verão
tropical. Ao contrário da tradição ocidental, as mulheres ciganas trocam afazeres domésticos e
agulhas de costura pela customização dos corações das crianças das aldeias ao redor. Os
homens preferem cozinhar, compor, cuidar das crianças e assim ganham o mundo. Cada um
escolhe o que lhe agrada. No fim há um desafio, e quem tem alguma ligação familiar ou
espiritual sempre volta à tenda e pode contar sua história. Os objetos obsoletos são doados e
todo mundo recebe parte do que ali deixou. Lembranças são levadas até dentro de panelas e
ninguém se importa com o balanço das louças e do coração ao fundo da carroça no caminho
de volta. Qualquer um pode um dia viver uma vida cigana, basta começar trocando o que há
de melhor dentro de si. E se algum dia um cigano lhe entregar de presente um punhal, é
porque lhe confia sua casa e seus filhos. Além dos laços de fita que amarram homens,
mulheres – almas.