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Estava uma mãe sentada junto da sua pequena criança, tão aflita
e receosa de que ela viesse a morrer. O menino mostrava-se tão páli-
do, os pequenos olhos tinham-se fechado, respirava lentamente e de
vez em quando com uma aspiração funda, como que suspirava, e a
mãe olhava cada vez mais angustiada para a pequena alma.
Bateram então à porta e entrou um pobre velho envolvido
como que numa grande manta de cavalo, pois esta aquece, e bem
precisava ele dela, já que estava um Inverno frio. Lá fora estava
tudo coberto de gelo e neve e o vento soprava de tal modo que
cortava o rosto.
Como o velho tremia de frio e o menino dormia por um
momento, a mãe afastou-se, deitou cerveja num púcaro e pô-la no
fogão a aquecer para o velho. Este sentou-se e começou a embalar
o berço, entretanto a mãe puxou uma cadeira para junto dele e
ficou sentada a olhar para o filho doente, que respirava tão fundo,
levantando-lhe a pequena mão.
– Não crês bem que ficarei com ele? – perguntou ela. – Deus
não irá tirar-mo!
O velho, que era a própria Morte, acenou com a cabeça tão
estranhamente, que tanto podia querer dizer sim como não. E a mãe
pousou os olhos no regaço e as lágrimas correram-lhe pela face.
A cabeça pesava-lhe. Durante três noites e três dias não fechara os
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– Não sei como ele é – disse a velha – e tu não podes ver. Muitas
flores e árvores murcharam esta noite. A Morte deve estar a chegar
para transplantá-las! Tu bem sabes que cada ser humano tem a sua
árvore ou a sua flor da vida, conforme está destinado a cada um.
Assim, como se vêem, são iguais às outras plantas, mas têm bater de
coração. Os corações das crianças também batem! Procura, talvez
reconheças o da tua criança. Mas o que me dás se te disser o que
tens de fazer?
– Nada tenho para dar – respondeu a mãe –, mas irei por ti ao
fim do mundo!
– Bem, no fim do mundo nada tenho a fazer – disse a velha.
– Mas podes dar-me o teu longo cabelo negro. Tu bem sabes,
é bonito e gosto dele! Receberás em troca o meu cabelo branco,
sempre é alguma coisa!
– Se não queres mais nada do que isso – pronunciou a mãe
–, dou-to com prazer!
E assim lhe deu o seu belo cabelo, recebendo em troca o
branco de neve da velha.
Entraram depois na estufa grande da Morte, onde flores e
ár vores cresciam estranhamente umas entre as outras. Havia
jacintos delicados sob campânulas de vidro e lá estavam peónias
grandes e vigorosas. Cresciam aí plantas aquáticas, algumas muito
frescas, outras meio doentes. Nelas estavam pousadas cobras-
-d’água e caranguejos pretos apertavam-lhe os pés. Havia pal-
meiras, carvalhos e plátanos magníficos, salsa e tomilho flores-
cente. Cada árvore e cada flor tinha um nome, cada uma era uma
vida humana. As pessoas viviam ainda, tanto na China como na
Gronelândia, em qualquer ponto do mundo. Havia árvores gran-
des em pequenos vasos, tão oprimidas que estavam prestes a
rebentá-los, havia também em muitos lugares uma florzinha insig-
nificante em terra gorda, com musgo à volta, coberta e tratada
com cuidado. A mãe, aflita, contudo, curvava-se sobre todas as
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