● “Existe, então, uma continuidade entre o desenvolvimento da Idade Média
Central e a dinâmica reencontrada do fim da Idade Média, de modo que o elã que conduz à Conquista das Américas é fundamentalmente o mesmo que aquele que vemos em marca desde o século XI. A colonização ultra-atlântica não é o resultado de um mundo novo, nascido sobre o húmus em que se decompõe uma Idade Média agonizante. Para além das transformações, das crises e dos obstáculos, é a sociedade feudal, prosseguindo a trajetória observada desde a aurora do segundo milênio, que empurra a Europa para o mar.” (p. 274) ● Europa das expansões é uma Europa ainda dominada pela lógica feudal e não uma Europa mudada após a crise do fim da Idade Média portadora das luzes, do Renascimento, do humanismo, da racionalidade e da modernidade. ● Tese 1: por conta de uma imposição colonial de tipo feudal que tem efeitos prolongados até o presente, a América Latina não atingiu o estágio de desenvolvimento capitalista e por isso conviria, a fim de remediar o atraso, uma aliança com os partidos burgueses progressistas. ● Tese 2: a América Latina foi integrada sim ao sistema capitalista mundial desde o século XVI e por isso não seria uma estratégia útil se unir às burguesias nacionais, podendo serem feitas desde já revoluções proletárias e camponesas. ● Ernesto Laclau → rejeitou ambas as teses, além de esclarecê-las e superá-las. ● “Em resumo, é possível reconhecer os méritos de uma teoria da dependência que enfatiza o laço necessário entre o desenvolvimento das zonas centrais do sistema e a manutenção do arcaísmo em sua periferia, sem por isso afirmar que a América Latina estava integrada ao capitalismo mundial desde o século XVI. E é igualmente possível admitir que a América colonial permanecia pré-capitalista sem por isso fazer o jogo das ortodoxias stalinistas: de fato, situar a integração do continente latino-americano no mundo capitalista no decorrer do século XIX permite dissociar a análise da época colonial e as implicações do presente.” (p.275) ● Ciro Cardoso → crítica ao conceito de capitalismo comercial e seu uso por Immanuel Wallerstein: economia-mundo dominada desde o século XVI por uma lógica capitalista → não é porque existe um capital investido nas atividades comerciais que significa a existência do capitalismo → o sistema capitalista só toma forma apenas quando o capital passa a controlar a esfera da produção → capitalismo é uma organização da produção e não da circulação, a esfera da produção, a terra e a força de trabalho precisam serem consideradas mercadorias, a existência de um comércio não significa a existência do capitalismo. ● Eric Hobsbawm → antes do século XVII (momento que considera crucial da crise do feudalismo e de transição para o capitalismo), todos os traços da história européia que tiveram um quê de revolução “burguesa” ou industrial” são, na verdade, o “condimento de um prato essencialmente medieval ou feudal”. ● Fernand Braudel → “uma esfera dita capitalista ao lado do mundo de auto-subsistência e de uma economia de mercado elementar”. (p. 278) ● “A sociedade medieval é uma sociedade complexa, cuja estrutura é um entrelaçamento de relações múltiplas. Pode-se identificar nelas algumas articulações principais (senhores/produtores dependentes, clérigos/laicos, nobres/não-nobres), outras cujo papel é importante sem ser tão fundamental (complementaridades e tensões cidade/campo; cumplicidade-concorrência entre o clero e a aristocracia, entre a monarquia e a aristocracia, entre a Igreja e a monarquia), outras, enfim, que, por serem em geral muito visíveis, são claramente submetidas às precedentes (estruturação vassálica e lutas internas no seio da aristocracia; alianças e afrontamentos entre os diferentes poderes políticos; unidade e diferenciação social das comunidades aldeãs; identidades cívicas e lutas entre os grupos urbanos; conflitos e divergências no interior de Igreja — alto/baixo clero; regulares/seculares; ordens tradicionais/ordens novas; franciscanos/dominicanos; tendências institucionais/inclinações evangélicas; radicais/moderados etc.).” (p. 279) ● Relação dominium e a posição dominante da Igreja → elementos fundamentais para definir o feudalismo como modo de produção e de reprodução social. ● “O feudalismo termina quando os mortos, que a Igreja havia posto no centro do espaço social, são reconduzidos para fora das cidades e das aldeias.” (p. 281) ● Feudalismo como um sistema dinâmico → é da lógica do feudalismo “suscitar sua própria transformação sem por isso se negar a si mesmo” (p. 281). ● Fim do século XI → desenvolvimento das cidades e das atividades artesanais e comerciais → crescente monetarização e o desenvolvimento dos mercados urbanos são originados pela própria dinâmica dos senhorios, fazendo com que o feudalismo e o crescimento do comércio e das cidades andem juntos. ● O sistema feudal aceita a existência de um grupo social que realiza trocas desde que esse grupo permaneça submetido à lógica eclesial e aos ideais aristocráticos e nunca saia dessa posição subordinada garantida pelo esquema das três ordens. ● “Desenvolvimento dos poderes monárquicos, mas sem Estado; desenvolvimento das trocas, mas sem mercado: tais são os dois aspectos mais visíveis das transformações induzidas pela dinâmica do sistema feudal, mas sem atingir o ponto de ruptura que obrigaria a uma recomposição completa da estrutura social.” (p. 282) ● A relação de dominium (fusão do poder sobre as terras e sobre os homens) não foi reproduzida no mundo colonial, mas os conquistadores fizeram o que era possível para reproduzir o sistema feudal europeu. ● Encomienda → a Coroa põe sob o controle dos conquistadores a população indígena de um território e lhes atribui o direito de exigir dessa população um tributo em produtos e em trabalho → caráter feudal: pode-se afirmar que é uma instituição tipo feudal, uma vez que é um bem concedido a uma autoridade superior como recompensa a um serviço que é, essencialmente, militar. ● A Coroa vai tentar não implementar a encomienda, mas decide fazê-lo a fim de que os conquistadores se esforcem em manter fidelidade. No entanto, a Coroa vai tentar limitar os privilégios dos encomenderos, principalmente para frear a transmissão hereditária da encomienda → típico da lógica feudal. ● “A encomienda não é baseada na propriedade territorial, mas num direito tributário sobre a população indígena” (Silvio Zavaka) (p. 284) → Porém aos encomenderos é reconhecido um poder sobre os homens postos sob sua proteção, sua missão é cuidar deles — assim como o senhor feudal justifica sua dominação pela proteção que oferece aos dominados — , assegurar a ordem e a difusão da fé. ● “Em revanche, os encomenderos não conseguem se apropriar do poder sobre as terras: até o fim do período colonial, e apesar de todos os ataques, as comunidades indígenas conservam, no essencial, sua posse, sob a proteção da Coroa, interessada no recebimento do tributo real que supõe a preservação mínima das populações e de seus meios de produção. Vê-se, então, que os encomenderos não são capazes de reproduzir a fusão do poder sobre os homens e do poder sobre as terras, que constitui o núcleo do dominium feudal.” (p. 284) ● Repartimiento → sistema que toma o lugar das encomiendas quando estas passam a serem questionadas pela Coroa no decorrer do século XVI → os oficiais reais repartem as jornadas de trabalho devidas pelos indígenas em benefício dos próprios encomenderos, mas também dos exploradores de minas ou de terras ou também para outras necessidades → garantia de extorsão e repartição do trabalho forçado indígena em detrimento do benefício das elites espanholas. ● Hacienda → trabalho teoricamente livre e remunerado, porém ocorre um processo de vinculação dos trabalhadores através da disposição de lotes em troca de prestações em trabalho enquanto diferentes práticas (compras forçadas nos armazéns do patrão e endividamento hereditário, por exemplo) formam um laço forçado ao solo → Ruggiero Romano e Marcello Carmagnani consideram como “instituição medieval”. ● “Finalmente, é na hacienda, mais do que na encomienda, que se reconstitui de maneira sub-reptícia, em particular nas zonas mais periféricas, onde ela sobrevive por vezes até a segunda metade do século XX, uma forma de poder exercido ao mesmo tempo sobre as terras e sobre os homens, que apresenta notáveis afinidades com a dominação feudal, mesmo se ela é exercida então em um contexto global totalmente diferente.” (p. 285) ● A Igreja colonial e a Igreja medieval possuem funções praticamente homogêneas → “riqueza material e imensidão de terras possuídas, estruturação interna do clero, papel das ordens mendicantes, doutrina e rituais essenciais, formas de evangelização, pregação e confissão como instrumentos de controle social, importância do culto dos santos e das imagens”. (p. 285) ● Sincretismo religioso → ao mesmo tempo que permite uma rápida evangelização, favorece a persistência de crenças antigas sob um pretexto cristão. ● Antonio Rubial → “de todos os setores sociais, a Igreja era o que possuía a maior coesão, reforçada por uma forte presença econômica e política. Isenção tributária, tribunais especiais e toda uma série de privilégios que vinham da Idade Média faziam dos cleros os membros mais eminentes da sociedade. Seu controle sobre a doutrina, a liturgia, a moral e, através desta, da arte, da atividade de impressão, da educação e da caridade conferia à Igreja uma excepcional influência social e cultural”. (p. 286) ● “A esse respeito, a posição do clero colonial pode parecer mais dominante ainda que no Ocidente, especialmente se se considera que a imunidade eclesiástica se mantém intacta ao longo do período, ou ainda o fato de que a Igreja é, de longe, a principal instituição fornecedora de crédito e que ela exerce, assim, papel-chave nas atividades produtivas e comerciais do mundo colonial.” (p. 286) ● “A Igreja foi o verdadeiro pilar do regime colonial [...] Ela contribuiu de maneira decisiva para criar, difundir e reproduzir as normas e os valores que permitiram manter sua estabilidade social e política durante cerca de três séculos”. (p. 286-287) ● A Igreja consegue algo que os encomenderos não conseguiram obter: a fixação tendencial dos homens em seu lugar conforme a lógica feudal. É válido lembrar, porém, que as sociedades mesoamericanas já eram sociedades de agricultores sedentários com uma organização espacial estável e fortemente articulada. ● Primeira característica secundária do feudalismo → o equilíbrio da tensão entre monarquia e dominantes se modifica ao longo dos séculos, mas nunca chega a romper com a lógica feudal. ● Nas colônias hispânicas a nobreza possui uma fraqueza estrutural → a alta nobreza de títulos é praticamente inexistente até o século XVIII e os hidalgos e encomenderos não dispõem nem da origem nem dos meios materiais que possam corresponder ao seu desejo de distinção. ● No regime colonial, o laço dos homens com o solo é assegurado, primeiramente, pela Igreja, não ocorrendo o dominium próprio do sistema feudal. ● Características do sistema colonial → ausência de toda a verdadeira força militar e a corrupção da burocracia, deixando a aplicação das decisões reais nas mãos daqueles que são movidos por interesses pessoais. ● 1620 → crise em uma parte da Europa e dificuldades da monarquia espanhola → controle sobre as colônias afrouxa → favorece a formação de haciendas, muitas vezes ilegais → meados do século XVIII → reformas do reinado de Carlos III → retomada do controle → burocracia real mais eficaz e melhor controlada, maior pressão fiscal e exploração colonial sistemática → indícios da vontade de instaurar um verdadeiro poder de Estado → incomoda a Igreja, os proprietários de haciendas e as comunidades indígenas → a aliança da Coroa com a Igreja ia de par com a ausência de um verdadeiro Estado. ● Segunda característica secundária → um bagulho muito grande e inútil que tô sem saco pq são quase 2 da manhã e eu não aguento mais ● “(...) Quer se trate de exploração mineira, das haciendas ou das atividades comerciais, de resto muitas vezes associadas umas às outras, os sucessos mais significativos desembocam com frequência na procura de um título nobiliárquico, o que lembra que os valores dominantes não deixaram de ser aqueles da ordem feudal.” (p. 292) ● Repartimiento de mercadorias → “eixo do sistema comercial e financeiro da colônia” (Rodolfo Pastor) (p. 292) desde o fim do século XVI até sua eliminação pelas reformas dos Bourbon → “Nesse sistema, os oficiais da Coroa obrigam os indígenas a lhes comprar certas mercadorias, cujo montante devem pagar posteriormente, através de uma venda obrigatória dos produtos de seu trabalho”. (p. 292) ● “A atividade dos mercadores da colônia é, então, estreitamente dependente do funcionamento do poder monárquico e da coerção política ilegítima exercida pelos seus agentes; ela se desenrola em um quadro do qual se pode dizer, no mínimo, que não deveria ser qualificado de livre mercado.” (p. 292) ● “(...) Ciro Cardoso sublinhou que, se é indispensável propor uma análise global que leve em conta o conjunto das relações de produção e, em consequência, o papel determinante do laço entre a metrópole e sua colônia, convém também observar que as realidades coloniais, animadas por dinâmicas internas próprias, não são a reprodução das estruturas ocidentais.” (p. 293) ● Feudalismo tardio → no qual “feudalismo” se refere ao laço com a metrópole e a reprodução tendencial das características essenciais da longa Idade Média europeia; e “tardio” indica que o sistema implantado no Novo Mundo corresponde à última fase, sendo o imperialismo espanhol, de acordo com Pierre Vilar, o estágio supremo do feudalismo → um feudalismo poderoso o suficiente para bloquear a evolução a outro sistema, mas decadente, se esforçando para não deixar que sua própria dinâmica se volta contra ele → no caso colonial, esse caráter tardio se apresenta na forma em que os conquistadores não conseguem realizar plenamente seu sonho de senhorio e pelo equilíbrio entre dominantes laicos e monarquia. ● Zonas centrais (dominantes) x Zonas periféricas (dominadas) → “Assim, as periferias dependentes, tanto feudais como capitalistas, caracterizam-se pela possibilidade de recorrer a formas de exploração diferentes daquelas que são praticadas nas zonas centrais. Geralmente trata-se das formas mais ferozes ou mais abertamente injustas (escravidão, trabalho forçado, repartimiento, vinculação ao solo nas haciendas), mas também das mais fáceis de ser implantadas (tributo). Nos dois casos, a solução de melhor relação benefícios/dificuldades é escolhida pelos senhores do centro que, poder-se ia dizer prosaicamente, estando longe de casa, estão prontos a fazer fogo com toda lenha, desde que a lógica dominante do sistema global não seja posta em causa.” (p. 293) ● Feudalismo dependente → exploração e transferência maciça dos recursos naturais das colônias para o centro → destinados essencialmente a alimentar as atividades produtivas da metrópole → domínio de uma lógica feudal, “na qual acumulação material é subentendida por uma finalidade social e política (aquisição de uma posição privilegiada, para as elites coloniais, e exaltação do poder monárquico) e não propriamente econômica (preocupação com a produção e com a acumulação de capital).” (p. 295) ● “Que vantagens podemos tirar da noção de feudalismo tardio e dependente? Trata-se, como dissemos, de levar em conta as especificidades da realidade colonial, marcada por uma situação de dependência e uma posição periférica que permitem a possibilidade de formas de organização e de exploração específicas e diversificadas, integrando esses traços singulares em um sistema que prevalece a lógica do centro.” (p. 295) ● “Em primeiro lugar, falar de feudalismo tardio e dependente convida a reafirmar (ou a confirmar) o lugar central ocupado pela Igreja nas sociedades coloniais. Longe de ser redutível a um aspecto superestrutural ou “religioso”, a instituição eclesial assume, na organização e na reprodução da totalidade social, um papel de pivô, tão determinante no mundo colonial como na Europa medieval e moderna.” (p. 296) ● “Além disso, os dois traços postos em evidência — tardio e dependente — parecem convergir para dar conta das principais características do sistema colonial na área mesoamericana, quer dizer, a não realização da fusão característica do dominium, uma fixação ao solo menos estrita e o recurso inicial à imposição tributária.” (p. 296)
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