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TEXTO

1 JORGE, MADALENA, MARIA, MIRANDA, MANUEL DE SOUSA, entrando com vários criados que o seguem alguns
com brandões acesos. É noite fechada.

MANUEL (parando junto da porta, para os criados) — Façam o que lhes disse. Já, sem mais detença! Não apaguem
esses brandões; encostem-nos aí fora no patim. E tudo o mais que eu mandei. (Vindo ao proscénio). Madalena!
5 Minha querida filha, minha Maria! (Abraça-as). Jorge, ainda bem que aqui estás, preciso de ti. Bem sei que é tarde e
que são horas conventuais; mas eu irei depois contigo dizer a «mea culpa» e o «peccavi» ao nosso bom prior.
Miranda, vinde cá. (Vai com ele à porta da esquerda, depois às do eirado, e dá-lhe algumas ordens baixo).
MADALENA — Que tens tu? Nunca entraste em casa assim. Tens coisa que te dá cuidado... e não mo dizes? O que
é?
10 MANUEL — É que... Senta-te, Madalena; aqui ao pé de mim, Maria. Jorge, sentemo-nos, que estou cansado.
(Sentam-se todos). Pois agora sabei as novidades, que seriam estranhas, se não fosse o tempo em que vivemos.
(Pausa). É preciso sair já desta casa, Madalena.
MARIA — Ah? inda bem, meu pai!
MANUEL — Inda mal! mas não há outro remédio. Sairemos esta noite mesma. Já dei ordens a toda a família. Telmo
15 foi avisar as tuas aias do que haviam de fazer, e lá andam pelas câmaras velando nesse cuidado. Sempre é bom
que vás dar um relance de olhos ao que por lá se faz; eu também irei por minha parte. Mas temos tempo: isto são
oito horas, à meia-noite vão quatro; daqui lá o pouco que me importa salvar estará salvo... e eles não virão antes da
manhã.
MADALENA — Então sempre é verdade que Luís de Moura e os outros governadores?...
20 MANUEL — Luís de Moura é um vilão ruim: faz como quem é. O arcebispo é... o que os outros querem que ele seja.
Mas o conde de Sabugal, o conde de Santa Cruz, que deviam olhar por quem são, e que tomaram este encargo
odioso... e vil, de oprimir os seus naturais em nome dum rei estrangeiro!... Oh, que gente, que fidalgos portugueses!
Hei-de-lhes dar uma lição, a eles e a este escravo deste povo que os sofre, como não levam tiranos há muito tempo
nesta terra.
25 MARIA — O meu nobre pai! Oh, o meu querido pai! Sim, sim, mostrai-lhes quem sois e o que vale um português dos
verdadeiros.
MADALENA — Meu adorado esposo, não te deites a perder, não te arrebates. Que farás tu contra esses
poderosos? Eles já te querem tão mal pelo mais que tu vales que eles, pelo teu saber, que esses grandes fingem
que desprezam... mas não é assim, o que eles têm é inveja! O que fará, se lhes deres pretexto para se vingarem da
30 afronta em que os traz a superioridade do teu mérito! Manuel, meu esposo, Manuel de Sousa, pelo nosso amor...
JORGE — Tua mulher tem razão. Prudência, e lembra-te de tua filha.
MANUEL — Lembro-me de tudo, deixa estar. Não te inquietes, Madalena: eles querem vir para aqui amanhã de
manhã; e nós forçosamente havemos de sair antes de eles entrarem. Por isso é preciso já.
MADALENA — Mas para onde iremos nós, de repente, a estas horas?

35 MANUEL — Para a única parte para onde podemos ir: a casa não é minha... mas é tua, Madalena.
MADALENA — Qual?... a que foi… a que pega com S. Paulo? Jesus me valha!

JORGE — E fazem muito bem: a casa é larga e está em bom reparo, tem ainda quase tudo de trastes e paramentos
necessários; pouco tereis que levar convosco. E então para mim, para os nossos padres todos, que alegria! Ficamos
quase debaixo dos mesmos telhados. Sabeis que tendes ali tribuna para a capela da Senhora da Piedade, que é a
40 mais devota e mais bela de toda a igreja... Ficamos como vivendo juntos.

MARIA — Tomara-me eu já lá. (Levanta-se pulando).

MANUEL — E são horas, vamos a isto (levantando-se).


MADALENA (vindo para ele) — Ouve, escuta, que tenho que te dizer; por quem és, ouve: não haverá algum outro
modo?
45 MANUEL — Qual, senhora, e que lhe hei-de eu fazer? Lembrai vós, vede se achais.
MADALENA — Aquela casa... eu não tenho ânimo... Olhai: eu preciso de falar a sós convosco. Frei Jorge, ide com
Maria para dentro; tenho que dizer a vosso irmão.
MARIA — Tio, venha, quero ver se me acomodam os meus livrinhos; (confidencialmente) e os meus papéis, que eu
também tenho papéis. Deixai, que lá na outra casa vos hei-de mostrar... Mas segredo!
50 JORGE — Tontinha!
Escola Secundária Padre Benjamim Salgado
TESTE DE PORTUGUÊS 11º ano
FEV 2007 Professor: Manuel Seixas

pts Grupo I

Depois de ler atentamente o excerto da obra Frei Luís de Sousa de A. Garrett, apresente, de forma bem
estruturada, as suas respostas aos itens que se seguem.

1. 1.1. Manuel de Sousa entrou em casa muito agitado, transtornado, e preocupado, o que se nota pela
15 forma como se dirige à esposa e à filha “Madalena! Minha querida filha, minha Maria!” (l. 4 e l. 5) e pelo facto das
abraçar.
1.2. Ele encontra-se nesse estado por ter decidido abandonar e deitar fogo à sua própria casa a fim dos
10 governadores não se hospedarem nela, como pretendem, para escapar à peste que assola Lisboa. Além de
doloroso, o acto é perigoso, pois constitui uma afronta grave ao poder político.

2. 2.1 Manuel de Sousa ao passar a tratar D. Madalena por vós, marca um certo distanciamento e frieza,
20 traduzindo a sua irritação pelo facto dela mostrar tanta relutância, aparentemente sem razão, em irem habitar a
casa do seu primeiro marido.
10

3. 3.1 Nas três últimas falas de Madalena, a sua linguagem traduz perfeitamente o seu estado de espírito perturbado, a sua
10 profunda emotividade. De facto, a sua perturbação, inquietude e aflição são realçadas por diferentes recursos estilísticos, dos
quais se destacam os vocativos, reiterados ( Ouve, escuta, que tenho que te dizer; por quem és, ouve – l. 43) , a
15 abundância de interrogações (“Qual?... a que foi… a que pega com S. Paulo?” l. 36; não haverá algum outro modo? l.
44), o discurso reticente, com frases interrompidas (“Aquela casa... eu não tenho ânimo... “ - l. 48), a interjeição, invocação e
15 exclamação (“Jesus me valha!” – l. 36).
3.2. Madalena pretende implorar ao seu marido para não irem para a casa de D. João, confessando que essa
hipótese a aterroriza, pois receia encontrar lá a sombra do seu primeiro marido, disposta a separá-los.

3.3. Madalena insiste em ter essa conversa a sós porque não quer que Maria se aperceba dos seus medos,
angústias e superstições, para que não suspeite minimamente que possa haver razões para a mãe ter receios em
relação ao seu primeiro marido.

4. Com base neste excerto, caracterize psicologicamente:


4.2.1. Manuel de Sousa é corajoso, decidido e uma pessoa de princípios, pois está disposto a sacrificar a
sua própria casa, por motivos patrióticos, evidenciando desapegado aos bens materiais (“daqui lá o pouco que me
importa salvar estará salvo” – l.18) Mostra para além disso ser um homem prático e racional, pela rapidez com que
elaborou o seu plano e pelo modo sereno e organizado como dá ordens e orienta os preparativos para deixarem a
casa (“Sairemos esta noite mesma. Já dei ordens a toda a família”), isto apesar da forte agitação que sente.
4.2.2. Madalena vive angustiada e receosa, ficando aflita quando se apercebe da agitação do marido, perguntando-
lhe insistentemente ao marido as causas de tal situação. Esta sua inquietude é acentuada pelo medo das consequências da
decisão de D. Manuel em afrontar os governadores, levando-a a tentar dissuadi-lo de tal atitude (“ Meu adorado esposo, não
te deites a perder, não te arrebates. Que farás tu contra esses poderosos? […] Manuel, meu esposo, Manuel de
Sousa, pelo nosso amor...” (l. 26 – l. 30). Esta última frase mostra também o profundo amor que tem pelo marido. É, além
disso, uma mulher religiosa, como se pode verificar pela invocação a Jesus (“Jesus me valha! “)

Grupo II
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Para cada trecho da coluna A, faça corresponder um dos processos de coesão lexical indicados na coluna B.
Escreva, na folha da prova, ao lado do número da frase, a alínea correspondente.

A B

1. “Abraça-as” (l. 5) a) Meronímia


2. “Pois agora sabei as novidades“ (l. 11) b) Anáfora pronominal
3. “Oh, que gente, que fidalgos portugueses!” (l. 22) c) Anáfora por hiperonímia
4. “Ficamos quase debaixo dos mesmos telhados. (l. 39) d) Elipse
5. “… que eu também tenho papéis (l. 49) “ e) Reiteração
f) Anáfora por sinonímia
g) Substituição por um termo de valor genérico

Grupo III

Complete as frases com o máximo de informação relevante da obra Frei Luís de Sousa, empregando o tipo de
conectores indicado.

15 1. [conector de concessão] mostrar alguma relutância em cumprir a ordem do Romeiro, Telmo acaba por
fazê--lo, [conector explicativo] …
2. Quando mudou de casa, Maria quis saber quem era o cavaleiro do retrato, [conector de causa] …
10
15 3. Ao longo da peça, a catástrofe iminente prende-se com a vida de uma personagem. [conector de
confirmação / demonstração], [conector de condição] D. João estivesse vivo, …
15
4. [conector de sequencialização] o Romeiro pretendia vingar-se, [conector de oposição], [conector de tempo]

Grupo IV
Forme, seguindo as instruções, uma frase complexa para cada conjunto de frases simples abaixo
apresentado, eliminando as repetições desnecessárias e fazendo as devidas alterações.

10 1. subordinada concessiva + subordinante + subordinada final


Maria Eduarda nada tinha exigido.
Carlos comprou a Toca ao Craft.
Maria Eduarda passaria o Verão na Toca.

10 2. subordinante + subordinada consecutiva + coordenada conclusiva + coordenada copulativa


Afonso ficou chocado com o neto.
Afonso morreu.
Carlos sentiu-se culpado.
Carlos terminou o relacionamento com Maria Eduarda.

10 3. subordinante + subordinada relativa + subordinante + subordinada causal


Ega nada realizou de significante na vida.
Ega tinha projectos grandiosos.
Ega também se deixou dominar pela ociosidade geral da capital.

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